39
Federal University of Rio Grande do Sul, Brazil From the SelectedWorks of Paulo S. Peres 2001 O "Homem Econômico" vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica do Paradigma da Escolha Racional Paulo S. Peres, Federal University of Rio Grande do Sul, Brazil Available at: hps://works.bepress.com/pauloperes/15/

O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

Federal University of Rio Grande do Sul, Brazil

From the SelectedWorks of Paulo S. Peres

2001

O "Homem Econômico" vai ao Fórum: UmaAnálise Meta-Teórica do Paradigma da EscolhaRacionalPaulo S. Peres, Federal University of Rio Grande do Sul, Brazil

Available at: https://works.bepress.com/pauloperes/15/

Page 2: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

Universidade de São Paulo – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Departamento de Filosofia – Programa de Pós-Graduação

O “Homem Econômico” vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica do Paradigma da Escolha Racional*

PAULO SÉRGIO PERES Departamento de Ciência Política – Programa de Pós-Graduação – FFLCH/USP

INTRODUÇÃO

Ciência Política contemporânea tem utilizado como premissa básica de suas investigações a idéia de que os processos políticos, em última instância, são processos de tomada de decisão. Os atores tomariam decisão quanto às

políticas públicas a serem implementadas, quanto à aprovação ou não de projetos, de leis ou de reformas institucionais, quanto a que partido ou grupo de partidos deveriam ocupar os cargos de governo, etc. Em sendo um processo, a tomada de decisão envolveria variáveis endógenas – como as motivações e as preferências dos indivíduos – e exógenas – como os constrangimentos institucionais –, e envolveria também algum tipo de estratégia que adviria da articulação [trade-off] ótima de custos [constrangimentos, restrições] e benefícios [ganhos]. Esse tipo de abordagem, no qual a linguagem utilizada é análoga à econômica no tratamento das questões de mercado, e em que modelos formais são amplamente utilizados, tem como postulado principal a afirmação de que os indivíduos são seres racionais e que, como tais, geralmente agem orientados à escolha dos meios mais adequados à realização de seus objetivos. A adoção desse postulado e a aplicação de uma análise que tem no processo de tomada de decisão sua unidade de análise [unidade epistêmica], conduziram os analistas a aderirem à teoria da escolha racional [rational choice theory].

Entretanto, a despeito desse postulado básico e das analogias com o mercado, há uma variedade considerável de enfoques aplicados às mais diversas situações políticas, muitas vezes gerando algumas confusões e até mesmo polêmicas com relação à constituição da espinha dorsal dessa teoria, do que lhe é pertinente, de seu escopo analítico, de suas limitações, de seu poder explicativo, de sua natureza epistemológica, etc. (cf. Green and Shapiro: 1994; Hinich and Munger: 1997; Cox: 1999; Opp: 1999; Wuffle: 1999). Isso nos leva a uma questão que, de fato, é a motivação principal da discussão que se seguirá: haveria um núcleo teórico comum capaz de caracterizar os fundamentos mais básicos da teoria da escolha racional e de possibilitar sua análise meta-teórica? Minha resposta a esta questão é duplamente positiva. Existe sim um núcleo teórico central que caracteriza esse tipo de abordagem e que pode ser claramente encontrado no trabalho exemplar de Downs (1999). A partir dessa

* Este texto foi produzido em 2001. Agradeço ao professor José Chiapin pelos comentários e também à FAPESP pelo apoio financeiro às pesquisas realizadas, cujos resultados levaram à redação deste trabalho.

A

Page 3: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

2

caracterização básica, também é possível submeter o modelo a uma análise epistemológica de seus fundamentos. É exatamente isso que pretendo explorar neste texto.

Dessa forma, há dois objetivos que pretendo atingir na presente discussão. O primeiro é analisar os elementos básicos que caracterizam a teoria da escolha racional; o segundo é avaliar essa teoria vis-à-vis duas concepções clássicas da Filosofia das Ciências, quais sejam: a de Karl Popper (1972, 1975) e a de Thomas Kuhn (2000). O argumento central é de que a teoria da escolha racional encontra melhor sustentação epistemológica no modelo kuhniano do que no modelo popperiano, e que, sob tal perspectiva, essa abordagem pode ser considerada um paradigma hegemônico na Ciência Política internacional contemporânea.

ENQUADRAMENTO ANALÍTICO

Na análise que se seguirá, será adotado um modelo analítico de natureza lógica e metafísica. Trata-se de um recurso bastante eficiente no que se refere à organização mais sistemática de um determinado corpo teórico, principalmente quando seus elementos centrais se encontram ora dispersos, ora implícitos, como é o caso da teoria da escolha racional. É sabido que sua formulação tem raízes filosóficas diversas, dentre as quais, o utilitarismo. É sabido também que sua aplicação empírica lança mão de vários recursos técnicos, como a combinação de modelos matemáticos com instrumentais estatísticos. Outro ponto notório é a variedade de inovações, de complementações, de acréscimo de premissas, de ponderações e até mesmo de novos tipos de generalizações que existem no rol de trabalhos empíricos que se apóiam nesse tipo de enfoque. Dessa maneira, a redução dessa série variada de escopos a um núcleo teórico central ou a um conjunto de elementos básicos é algo indispensável para que seja possível a realização de um confronto entre a teoria, em sua versão minimalista, e os critérios epistemológicos estabelecidos por Popper e por Kuhn, como intento fazer.

Sob esse aspecto, a redução analítica é uma tarefa que deve ter como ponto de partida duas coisas. A primeira é a seleção mais tópica possível dos exemplos fundamentais do uso da teoria da escolha racional. A segunda é a realização de uma análise que possibilite identificar as componentes circunscritas ao âmbito da teoria e chegar a sua base mais elementar. Na prática, ambas as coisas correspondem ao processo convencional, porém justificado, de estabelecer e utilizar critérios de refinamento para a gama variada de trabalhos sobre o tema, sendo que o refinamento inicial, que é a seleção de um texto exemplar, já é uma redução significativa dessa variedade.

Assim sendo, quanto à seleção do material de análise, o critério utilizado foi rigoroso e, de certa forma, está sujeito a polêmicas. Será tomado como referência central apenas um trabalho sobre o tema, que é o de Anthony Downs (1999). Esse trabalho, contudo, é considerado aquele que inequivocamente melhor sintetizou essa teoria e o que melhor formulou suas aplicações básicas ao campo da análise política.1

1 Há pelo menos outros dois trabalhos de fundamental equivalência, como são os casos de Olson (1999) e Tsebelis (1998), mas que aqui serão considerados apenas lateralmente. Isso porque, no caso de Olson (1999), o objetivo maior é explicar a ação coletiva de grupos de pressão, enquanto meu interesse é

Page 4: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

3

Quanto aos procedimentos analíticos, será adotado um modelo que se divide em três dimensões. A primeira é referente aos pronunciamentos metafísicos da teoria. Estes são subdivididos em três tipos de premissas: (1) ontológicas, (2) epistemológicas e (3) axiológicas. As premissas ontológicas são relativas às reflexões sobre a natureza do objetivo investigado ou do mundo observado. As premissas epistemológicas são relativas às reflexões acerca do conhecimento possível e justificável do objeto delimitado. Finalmente, as premissas axiológicas dizem respeito aos valores ou aos fins presentes no corpo de dada teoria.

A segunda dimensão do modelo analítico é referente à estrutura lógica da teoria. Nesse caso, será enfocada apenas sua orientação metodológica. A terceira dimensão se refere à sua integridade histórica, e sua análise será feita em duas etapas distintas. Logo adiante, essa consideração histórica será focada na gênese, digamos assim, dos fundamentos filosóficos da teoria. Depois, a dimensão histórica da teoria será contemplada a partir da perspectiva kuhniana. Meu propósito nessa segunda etapa é traçar a dinâmica de surgimento e de consolidação da teoria da escolha racional como um paradigma hegemônico na Ciência Política contemporânea. É importante destacar ainda que, paralelamente a esse enquadramento analítico, procurarei, na medida do possível, apontar algumas outras questões relevantes, como, por exemplo, o modelo de verdade presente na teoria, os critérios para a tomada de decisão quanto a uma escolha ser racional ou irracional, o modelo de racionalidade adotado, etc. Para uma melhor visualização do modelo de análise proposto, segue abaixo sua representação esquemática.

Fluxograma 1. Modelo de Análise

explicar a ação individual, tanto na esfera eleitoral como na esfera legislativa. No caso de Tsebelis (1998), trata-se da aplicação de uma análise interativa, voltada à teoria dos jogos, o que também não é o meu interesse, uma vez que não é minha preocupação no momento trabalhar com ações interativas.

Elementos da Análise

Metaƒisica

Ontologia Epistemologia Axiologia

Lógica

Metodologia

História

Estrutura

Page 5: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

4

ANÁLISE DA TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL

O Modelo de Escolha Racional Proposto por Anthony Downs

Em seu trabalho clássico, Downs (1999) apresentou o que ele chamou de uma “teoria econômica da democracia”, dirigindo sua preocupação central aos processos de tomada de decisão na esfera política. Por teoria, o autor entendia a proposição de um modelo de decisão; por teoria econômica entendia um modelo de decisão com base em um tipo específico de racionalidade: uma racionalidade caracterizada pelo predomínio do cálculo estratégico. Assim, “uma teoria econômica da democracia” significava, implicitamente, a proposição de um modelo de decisão racional no âmbito da política competitiva, ou seja, da política em um contexto democrático. A ênfase no caráter competitivo do regime democrático possibilitou a transposição analógica da linguagem econômica aplicada à micro-economia para a política, substituindo a competição entre empresas por competição entre partidos, a decisão de investimentos das firmas por decisão tomada pelos governos a respeito de determinadas políticas ou do investimento público, substituindo, enfim, o consumidor racional pelo eleitor racional.

Dessa maneira, Downs (1999) apresentou como estrutura básica de seu modelo dinâmico o processo de tomada de decisão, em que três atores são fundamentais: (a) governos, (b) partidos e (c) eleitores. A mecânica de sua interação se dá pela díade motivação/ação, em uma espécie de jogo de estímulo/resposta. Os estímulos – ou a motivação – seriam os bens que determinado ator visaria a alcançar. Obviamente, a satisfação desse desejo nem sempre é plena, mas o objetivo do jogo ou do ator é tentar maximizar seu ganho, maximizar sua satisfação. A busca da satisfação máxima tanto quanto possível põe em cena a outra parte da díade, fazendo com que o ator entre em ação, ou seja, fazendo com que esse ator aja em resposta ao estímulo, ao bem que pretende maximizar. A satisfação máxima de um determinado bem, ao qual o ator atribui um valor ou um sentimento real ou virtual, é considerada, nesse contexto, como uma determinada utilidade. Pois bem, o modelo impõe uma dinâmica na qual a maximização de uma utilidade é a motivação básica para que o indivíduo entre em ação e faça uma escolha. A ação do indivíduo no modelo, tal qual desenhado por Downs (1999), é caracterizada como uma relação entre meios e fins, mas, ao contrário de modelos normativos, nesse caso, a ênfase é dirigida aos meios ou aos processos pelos quais o ator procura maximizar suas utilidades. Em especial, o foco analítico é apontado para os meios adotados pelo ator porque, em sendo um ator racional, é esperado que ele saiba eleger o curso de ação mais eficiente para a consecução de seu objetivo, adotando-o em detrimento de outros, menos eficientes.

Temos, portanto, um modelo em que a motivação básica dos atores é a maximização de utilidades e a ação racional é caracterizada pela busca eficiente desse objetivo. A ação, assim, deve ser racional, o que significa que deve consistir em um cálculo estratégico capaz de indicar qual o melhor meio para atingir o fim pretendido. Entre a motivação e a ação há o cálculo, há o processo de tomada de decisão. Essa tomada de decisão deverá ser pautada pela racionalidade dos meios, e não dos fins, o que significa que não importa qual é o objetivo do ator, o que importa é o caminho escolhido para chegar lá, para atingir seu objetivo, para maximizar sua utilidade. No caso dos governos, o objetivo central de seus titulares seria a obtenção da reeleição, e para conseguir esse objetivo, os políticos devem ser capazes de traçar estratégias que os

Page 6: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

5

ponham no caminho mais eficiente para, mais uma vez, ganharem a chancela eleitoral dos cidadãos. No caso dos partidos da oposição, seu objetivo seria conquistar o governo, assumir os cargos de poder político, e, para isso, as lideranças partidárias devem agir racionalmente, ou seja, devem saber escolher a estratégia eleitoral mais eficiente para conquistar o voto dos eleitores. Estes, por sua vez, são cidadãos cuja utilidade são determinados bens públicos. Cada cidadão teria o seu, digamos assim, pacote de bens públicos preferido – sua estrutura de preferências estabelecida. Seu voto seria dado ao partido, de oposição ou de situação, que, em seu cálculo, apresentasse resultados positivos quanto às utilidades demandadas por ele. Seria escolhido então o partido que fosse capaz de maximizar, tanto quanto possível, a oferta dos bens valorizados pelo eleitor.

Desse modo, temos um mundo político habitado por atores cuja racionalidade de meios os leva a realizar cálculos estratégicos e a buscar satisfação egoísta de seus desejos, de suas utilidades. Governos não decidiriam por políticas simplesmente porque acreditam em uma determinada ética, mas porque pretendem ser reeleitos. Os partidos não são eleitos para implementar políticas, mas implementam ou prometem implementar políticas para serem eleitos. Os eleitores não votam com o objetivo de construir o bem coletivo, mas com o objetivo de maximizar suas utilidades pessoais.

Como é possível perceber, o modelo que Downs (1999) apresenta acerca do funcionamento de processos fundamentais da democracia representa o esforço de um economista que tentava encontrar alguns parâmetros para compreender melhor o comportamento dos atores políticos. Mas, por que era importante para um economista encontrar um modelo que pudesse explicar o processo de tomada de decisão política? Segundo o próprio autor, porque, de maneira geral, os governos dominam a esfera econômica; ou seja, o mundo da economia, de certa forma, seria um mundo subordinado aos desígnios da política, das decisões tomadas em uma esfera situada fora do campo de controle da racionalidade econômica. Contudo, haveria alguma racionalidade semelhante na política? Downs (1999, 25) acredita que sim, embora constate que “(...) pouco progresso se fez na direção de uma regra de comportamento generalizada, porém, realista para um governo racional, semelhante às regras tradicionalmente usadas no caso de consumidores e produtores racionais”.

Diante disso, o autor se incumbiria da tarefa de encontrar um modelo de que pudesse enquadrar os processos de tomada de decisão na política nos moldes da racionalidade instrumental, de forma a encontrar algum tipo de previsibilidade nas escolhas dos políticos e eleitores. Evidentemente, a adoção de um modelo explicativo desse tipo tem implicações epistemológicas importantes. Afinal, quais seriam as questões pertinentes a serem feitas ao objeto delineado? Como teria sido delimitado esse objeto? Qual a concepção de verdade existente em seu modelo e como esta pode ser devidamente encontrada? Quais seriam, enfim, as condições justificadas para analisar a tomada de decisão política? Uma breve consideração histórica da gênese dos fundamentos da teoria da escolha racional, da qual o trabalho de Downs (1999) é um caso exemplar, possibilita colocar em relevo algumas nuances ontológicas e epistemológicas que oferecem respostas a algumas dessas questões. A própria noção de racionalidade adotada pelas abordagens econômicas e aplicada à análise da política, inicialmente por Schumpeter (1965), e, posteriormente, por Downs (1999), é, na

Page 7: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

6

verdade, derivada de uma consideração ontológica a respeito da natureza humana, da qual são deduzidas conseqüências práticas para a vida comunitária, ou seja, para a vida política. Assim, como poderemos notar, essas considerações ontológicas a respeito do Homem, por sua vez, partiram de uma epistemologia que pressupunha a abstração da realidade como condição mais eficiente para sua apreensão. A simulação de um “estado de natureza”, por exemplo, é a proposição geométrica de um problema, num mundo desenhado por enunciados analíticos, em que determinados axiomas iniciais conduzem a um tipo de solução necessária por demonstração.

A Dimensão Histórica: A Gênese da Teoria da Escolha Racional

Como sabemos, a origem dos fundamentos da teoria da escolha racional pode ser encontrada nos escritos dos fundadores do utilitarismo, sobretudo em Jeremy Bentham, James Mill e John Stuart Mill. Esses pensadores são precursores no emprego de algumas categorias analíticas que passariam a fazer parte do corpo teórico das abordagens econômicas, cuja premissa básica é a noção da racionalidade instrumental das ações humanas. Categorias como utilidade, util,2 racionalidade, bens escassos, restrições [sanções e leis], tornaram-se lugar comum em vários trabalhos sobre as dinâmicas econômicas e políticas.

Baseados na dualidade prazer/dor, os formuladores da ética utilitarista elegeram como ponto central de sua axiologia a ação maximizadora da felicidade do maior número possível de indivíduos. Nesse caso, existe a dupla valorização da ação: (1) valorização moral no caso do julgamento ético daquele que age, e valorização científica no caso do julgamento analítico da estrutura da decisão prática do ator. Estamos diante de uma filosofia que privilegia não a contemplação, mas a ação, e que tem critérios para realizar juízos tanto de fato como de valor. Há, dessa maneira, uma imbricação dos níveis axiológico e epistemológico, na medida em que ainda é impossível isolar o elemento positivo do elemento normativo no âmbito da teoria. Ou seja, existe uma determinada finalidade que consiste em mobilizar os elementos analíticos com vistas a avaliar positivamente os cursos de ação dos indivíduos diante de um dado conjunto de alternativas para então avaliar, normativamente, qual seria o melhor curso possível da ação para a maximização de prazeres, não apenas para aquele que age, mas também para todos aqueles que sofreriam as conseqüências da decisão. Assim, os elementos positivos e normativos aparecem vinculados, com o objetivo maior de servirem de instrumentos [moral e analítico] para a realização de um julgamento ético daquele que age e, portanto, daquele que decide.

Na esfera pública, ou seja, na esfera política, os recursos geralmente são escassos e sua alocação fica a cargo daqueles indivíduos que ocupam as posições institucionais de poder legítimo. Dependeriam de suas decisões, das decisões que tomariam em relação às formas de alocação dos recursos escassos, o grau de prazer/dor médio de dada comunidade; assim como também dependeriam desses indivíduos a operacionalização de mecanismos de promoção de ações maximizadoras de prazer e de punição das ações promotoras de dor, de acordo com o critério ético de que a boa ação é aquela que produz o maior prazer possível ao maior número possível de indivíduos. Nesses termos, o que temos aqui é o alto relevo conferido a duas esferas centrais da

2 Util [sem acento] é a unidade de medida da utilidade esperada ou extraída de um objeto.

Page 8: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

7

vida política, responsáveis pelo zelo da felicidade geral da comunidade: o Executivo e o Legislativo. Da decisão dos ocupantes de cada uma dessas esferas dependeria o grau de prazer/dor dos indivíduos a elas submetidos. Ao Executivo caberia a tomada de decisão acerca da alocação utilitária dos recursos; ao Legislativo caberia a decisão acerca do quadro legal responsável pelo mecanismo de punição/recompensa, mecanismo este indutor das ações também utilitárias de todos os indivíduos.

Como pode ficar claro, já surge nesse ponto um problema teórico fundamental e que será tratado com algum detalhe mais adiante. Trata-se do problema da articulação dos prazeres díspares – hoje, isso é entendido como a estrutura de preferências – dos vários cidadãos e dos próprios legisladores, de forma que seja possível encontrar um ou vários pontos de equilíbrio, o que significa dizer que se trata de encontrar uma situação na qual a maximização de prazer de cada um dos indivíduos, de fato, não produza instabilidade constante, na medida em que induza os outros ao desprazer ou a dor. Os utilitaristas resolvem esse problema de forma ética e moral. A componente ética desataria um ponto desse nó apontando para a razão, pois seu uso pleno habilitaria o indivíduo à boa ação, ou seja, à moderação – a moderação é atualmente entendida em termos espaciais, em que sua localização corresponde ao ponto mediano de uma reta num plano bidimensional. Naquele contexto, bem como no contexto de toda filosofia clássica desde Sócrates, Platão e Aristóteles, moderação seria o equilíbrio entre os apetites, e sua satisfação seria a capacidade do indivíduo exercer um ato volitivo e submeter os desejos ao crivo consciencioso da razão. A componente moral se desincumbiria de desatar o outro ponto do nó, atuando como um elemento moldador do caráter, em que a educação, entendida como educação moral, habilitaria o indivíduo a exercer plenamente a faculdade da razão. A educação também contribuiria para inibir, de forma sub-reptícia, os desejos anti-sociais, ou, dito de modo mais preciso, os desejos que impingissem desprazer aos outros indivíduos no momento mesmo de sua máxima satisfação.

De certa maneira, o raciocínio geométrico de Hobbes (1996, 2000) ilustra esse tipo de problema e apresenta outro tipo de solução. A suposição teórica de um “estado de natureza” simula uma situação na qual cada indivíduo age totalmente de acordo com seus desejos e procura avidamente satisfazê-los, mesmo que isso implique em causar algum dano a outros indivíduos. Em sua busca da “mecânica” social, do combustível da vida associativa, Hobbes encontrou como força motriz do Homem, não a razão, mas as paixões, sede dos desejos. As paixões motivariam os homens, e seu vigor seria tal que a razão não poderia ser outra coisa além de sua costumas prisioneira. Para usarmos uma metáfora mais contemporânea, a razão e os desejos estariam em uma situação semelhante à do dilema do prisioneiro. Presas na cela das paixões e impossibilitadas de interagir, atentariam contra si mesmas, levando seu portador, o indivíduo, a ceder cegamente diante de suas paixões, levando a um resultado sub-ótimo seja para a razão, seja para os desejos; enfim, para o próprio ator.

Estando o indivíduo em um “estado de natureza”, estaria ele em um estado de plena liberdade, e, como tal, como unidade repleta de desejos, e sob o jugo das paixões, estaria apto a se colocar incondicionalmente em movimento em busca da satisfação total e imediata de seus apetites. O hiato entre o desejo e a satisfação significaria um lapso de tempo no qual a razão poderia se colocar como mediadora entre o sujeito e o objeto, de

Page 9: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

8

forma a tornar possível o julgamento moral da ação, ou seja, no qual seria possível submeter o desejo à vontade. Esse hiato representaria uma repressão momentânea dos desejos, significaria a ação de um ente exterior, interpondo-se na relação sujeito/objeto. No “estado de natureza”, não haveria tal hiato, simplesmente porque não haveria qualquer ente repressivo, qualquer freio aos desejos. Nesse caso, nada mais lógico para cada indivíduo do que a busca desenfreada da satisfação total de seus desejos, e essa busca egoísta seria possível porque a liberdade seria plena. Entretanto, conforme demonstra Hobbes (1996), essa é uma liberdade que atenta contra si mesma e que não eleva moralmente o Homem do estado de escravo das paixões para seu senhor, para seu próprio governante sob os ditames da razão. Em suma, o indivíduo plenamente livre não passa de um escravo, pois, nesse contexto, não há nem liberdade real e nem vida social boa e justa.

Aqueles indivíduos, naquela situação, precisavam de duas medidas, as quais foram devidamente providas por Hobbes. A primeira era a fagulha inicial da racionalidade. A segunda era a primeira centelha do associativismo. Ambas as coisas se articulam e são partes de uma equação que terá como resultado o Estado. A racionalidade significou a ação estratégica derivada da constatação que cada indivíduo finalmente teria feito ao atentar para o fato de que a plena liberdade atuava contra a satisfação real de suas necessidades. Assim, a satisfação total dos desejos deveria ser substituída pela busca de sua máxima satisfação, o que leva o indivíduo de um estado de egoísmo absoluto para um estado de egoísmo relativo. Isso quer dizer que o indivíduo não seria tão egoísta a ponto de se ver isolado no mundo e de não considerar os desejos dos outros. Esse indivíduo ainda seria egoísta, mas estabeleceria relações estratégicas com os demais, procurando extrair o máximo possível de ganhos, mas sendo perfeitamente consciente dos limites disso.

Em suma, o indivíduo é o mesmo indivíduo egoísta de antes, mas agora ele teria adquirido um naco de racionalidade, sendo capaz de processar cálculos, de traçar estratégias, de perceber que o egoísmo ilimitado é um falso egoísmo, pois não promove qualquer satisfação real. Essa constatação adviria da aceitação da dura realidade de que a fragilidade física de alguns indivíduos diante de outros já impunha limites à satisfação dos desejos, instalando um estado de arbítrio e de perigo constante. Esse desamparo característico do indivíduo egoísta e solitário o teria induzido ao primeiro cálculo estratégico e seria a centelha da ação coletiva que, por sua vez, teria representado o primeiro impulso em direção à sociedade civil, impulso este claramente egoísta, mas um egoísmo submetido à racionalidade estratégica, e não submetido apenas e totalmente ao seu desiderato.

O Estado então teria surgido como o resultado de uma soma de forças, de um impulso coletivo, de uma estratégia individual traduzida em uma ação coletiva. Ao mesmo tempo, o Estado também teria surgido como resultado de um cálculo, de uma decisão bastante racional de dupla renúncia: a renúncia ao estado inferior da humanidade, o estado de onipotência infantil, no qual o governo das ações é exercido pelas paixões, e a renúncia à liberdade plena, em que cada qual dava livre curso ao seu egoísmo desgovernado. É claro que não se trata aqui de uma teoria ética, em que o Estado teria colocado um ponto final no egoísmo dos indivíduos. Na concepção hobbesiana, o egoísmo é inerente à natureza humana; não se trata de um atributo, trata-

Page 10: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

9

se de uma espécie de enunciado analítico na definição do Homem. Sua proposta consiste em colocar freios no egoísmo infantil, consiste em buscar formas de coordenar – e esta é a palavra-chave de toda a questão – as ações humanas, de maneira que a vida social seja possível. Mas, a vida social também não aparece como a instância valorativa mais elevada de seu argumento; pelo contrário, a vida social não é algo meramente desejável, mas é algo absolutamente necessário para a sobrevivência de cada indivíduo e, no limite, de cada ego. Portanto, os indivíduos precisam agir coordenadamente, precisam de um ente exterior que monitore essa coordenação e que crie um sistema de punição para todos aqueles que não ajam de acordo com seus princípios.

Como podemos perceber, Hobbes (1996) também é um inequívoco precursor da teoria da escolha racional (Heap, Hollis, Lions, Sugden and Weale: 1992). Sua análise apresenta o Estado como o resultado de um acordo estabelecido por cidadãos racionalmente orientados, como o resultado de um cálculo estratégico pelo qual teria sido possível garantir a segurança de todos, segurança esta ameaçada pela situação de “guerra de todos contra todos” do “estado de natureza”. Suas premissas acerca da natureza humana, sua simulação do “estado de natureza”, a solução geometricamente demonstrada, tudo isso dá estrutura arquitetônica a um indivíduo caracterizado pelo cálculo racional e estratégico, que busca maximizar seus prazeres; tudo isso dá ênfase reflexiva à ação, à lógica dos meios e não dos fins. Hobbes também é um precursor em apontar a necessidade de algum ente externo para que seja possível encontrar um ponto de equilíbrio entre os diversos desejos dos atores que compõem a sociedade, ou seja, ele também é pioneiro em detectar a instabilidade coletiva gerada pela racionalidade auto-centrada.

Assim, podemos concluir que a solução hobbesiana é diretamente derivada de seu pessimismo em relação à natureza humana, aos seus olhos, inatamente egoísta (Trigg: 1999). A introdução do elemento do cálculo reforçaria a idéia da inescapável condição egoísta da humanidade, mas significaria também um estágio superior, em que a racionalidade traria elementos de maior autonomia e eficácia à ação, tornando a decisão possível. É importante lembrar que o indivíduo do “estado de natureza” não estaria capacitado a decidir a respeito de nada, na medida em que a submissão de suas ações ao reino dos desejos seria implacável, o que significa que não havia escolhas possíveis para ação. Esse indivíduo seria levado inexoravelmente à busca de sua satisfação total. Disso, inclusive, decorre a ausência de liberdade real, pois, em não havendo alternativas ou capacidade de decisão, temos, como resultado, a fatídica constatação de que não há liberdade. A capacidade de decisão, nesse caso, é conferida pela introdução de restrições. As restrições significariam, na prática, a introdução de alternativas possíveis, e estas representariam a possibilidade do cálculo estratégico.

Dessa forma, o indivíduo seria necessariamente induzido à utilização de sua racionalidade, na medida em que para satisfazer maximamente seus desejos deveria ser capaz de avaliar um dado conjunto de alternativas e calcular qual seria a ação mais eficiente para a consecução de seu objetivo. A eficiência da ação se daria em função das informações [“regras do jogo”, oportunidades, etc.] que os indivíduos fossem capazes de obter a respeito do contexto decisório. Decidir é mobilizar informações, avaliar alternativas, calcular custos e ganhos, enfim, traçar estratégias eficientes. O indivíduo é, por conseqüência, um indivíduo que age, mas não se trata de uma ação qualquer, trata-

Page 11: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

10

se de uma ação orientada à decisão. As decisões tomadas pelos indivíduos são circunscritas ao campo da racionalidade. Essa racionalidade seria posta em cena como instrumento de mensuração de perdas e ganhos de dado curso de ação. Em termos espaciais, poderíamos utilizar uma metáfora geométrica para enfatizar que essa racionalidade seria uma espécie de esquadro [instrumento] que possibilitaria calcular a menor distância [custo/benefício] entre dois pontos. Nesse caso, os dois pontos seriam o desejo [sujeito] e sua satisfação [objeto do desejo], e, a partir desse cálculo, o indivíduo toma a decisão de agir de determinada forma, de adotar determinados meios para maximizar os prazeres advindos da obtenção dos fins desejados.

Na estrutura lógica da argumentação hobbesiana, a vigência dessa racionalidade ocorre artificialmente, ou seja, é algo induzido. Cabe ao Estado tal função, qual seja, a de coordenar os processos decisórios, de forma a que se chegue a um ponto de equilíbrio ou de bem-estar social. Hobbes (1996) nos apresenta, assim, uma solução que poderíamos considerar puramente institucional. O Estado, enquanto aparelho de força e de coerção, é, acima de tudo, um determinado arranjo legal, que permite e proíbe coisas, que limita as ações, que, enfim, estabelece formalmente as estruturas de oportunidade para a tomada de decisão socialmente equilibrada.

Diferentemente de Hobbes (1996, 2000), a solução utilitarista para o problema da coordenação da diversidade de prazeres almejados ou, como já podemos denominar, da diversidade de estrutura de preferências, é encontrada, como já salientado, em uma perspectiva bastante otimista com relação à natureza humana. Essa perspectiva parte da premissa de que a razão pode ser utilizada como algo mais nobre do que um instrumento de cálculo egoísta. A razão poderia ser utilizada como uma faculdade completa de raciocínio lógico, que poderia estar em convergência prática com a moral. Desse ponto de vista, os utilitaristas, principalmente o liberal clássico John Stuart Mill (1952, 1999, 2000), investem suas energias intelectuais na alegação de que a educação moral teria uma importância vital na produção da vida política de uma comunidade. De acordo com seus argumentos, a esfera política não seria própria ao egoísmo, mas ao altruísmo, e este poderia ser cultivado no ser humano. Temos, desse modo, um ser humano plástico, que se moldaria moralmente por meio da educação e que, em sua maturidade, seria capaz de aplicar a razão na vida pública, de forma a agir, a decidir em prol do bem-estar coletivo.

É importante ressaltar que as reflexões desses pensadores influenciaram pelo menos duas linhas de trabalho que se desenvolveram até o presente. Uma dessas linhas é mais circunscrita ao campo da análise de problemas econômicos. A outra abrange problemas de natureza mais política. No primeiro caso, a referência deve ser feita aos trabalhos dos matemáticos e filósofos sociais Jean-Charles de Borda e ao Marques de Condorcet, pioneiros no uso da demonstração matemática de paradoxos políticos, como o problema da instabilidade de decisões coletivas baseadas em preferências individuais. Sua influência pode ser facilmente encontrada em trabalhos mais recentes acerca do problema da decisão na esfera econômica, como são os casos de Frank Ramsey, Paul Samuelson, John von Neumann, Oskar Morgenstern e Leonard Savage (cf. Heap, Hollis, Lyons, Sugden and Weale: 1992). Os esforços de reflexão desses autores se ligam aos anteriores [de Borda e Condorcet], numa linhagem intelectual que desenvolveu modelos formais e axiomas básicos daquele que viria a ser o edifício

Page 12: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

11

conceitual da teoria das decisões. Esses esforços conjuntos e sucessivos finalmente desembocaram nas proposições de Keneth Arrow e Duncam Black, em que se retornou ao conhecido paradoxo de Condorcet, com parâmetros matemáticos ainda mais sofisticados.

No segundo caso, no que se refere às influências recebidas e aplicadas à reflexão política, é interessante notar que, a partir daquelas duas matrizes da filosofia política, podemos perceber três desdobramentos teóricos contemporâneos em torno da questão democrática. Um deles desaguou na teoria da democracia participativa, segundo a qual os cidadãos devem ser educados politicamente (Pateman: 1997). A educação nesses termos deveria ser prática e ocorreria em função da maximização da abertura de canais voltados à participação na vida política; o que significaria uma participação que pudesse transcender os momentos eleitorais. Sua inspiração é claramente a filosofia liberal clássica, cujo representante máximo talvez seja mesmo John Stuart Mill. Temos também outro desdobramento que pode ser identificado na teoria da democracia deliberativa, cujas preocupações representam uma fusão de soluções institucionais e de soluções educacionais (Held: 1995). Suas propostas, de certa forma, aprofundam as questões levantadas pela teoria da democracia participativa, na medida em que dão ênfase à educação política, mas ressaltam com maior veemência a importância de reformas institucionais. Essas reformas consistiriam na implementação formal de instâncias de participação efetiva do cidadão nos processos de decisão de políticas públicas, criando canais de comunicação e de estreitamento entre a sociedade civil e o Estado. Essa vertente contemporânea também é considerada republicanista, pois, em essência, suas propostas preconizam a realização de princípios republicanos. Habermas (1995, 2000) exemplifica bastante bem essa corrente teórico-normativa, com suas sugestões de subsidiar educacional e institucionalmente uma ação comunicativa para a política.

O terceiro desdobramento é o que mais interessa à presente discussão, dado que se trata da teoria econômica – ou seja, calculista – da democracia. Essa linha de pensamento foi diretamente influenciada pela perspectiva hobbesiana e, de certa forma, pela perspectiva maquiaveliana a respeito do modelo de indivíduo e da prática política. Quanto a isso, entretanto, é importante fazer uma ponderação. No caso de Maquiavel, a influência é derivada diretamente de “O Príncipe” e não de sua outra obra mestra “Comentários Sobre a Primeira Década de Tito Lívio”. No caso deste último texto, Maquiavel apresenta-se com uma face mais republicana, em que a virtude central analisada por ele é a virtude cívica, tanto do cidadão como do soberano. Embora Maquiavel seja pragmático quanto a essa questão, qual seja, “qual a melhor virtude para a estabilidade política?”, esse autor apresenta uma visão titubeante a respeito da natureza humana. Em “O Príncipe”, Maquiavel inicia de maneira pragmática, dizendo que a virtude deve ser adequada ao tipo de organização política, se principado ou república. Com isso, o autor não deixa muito claro se considera a natureza humana plástica ou não. Na verdade, somos levados a imaginar que assim o seja, na medida em que, em uma república, a virtude cívica poderia ser estimulada. Devido a isso, somos também levados a pensar que a visão maquiavélica da natureza humana, apresentada como egoísta e calculista, em “O Príncipe”, pode ser domesticada e levada ao altruísmo, tal qual sugerido no trabalho sobre a primeira década de Tito Lívio.

Page 13: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

12

No caso de Hobbes (1996) não há nenhuma hesitação possível. A natureza humana é essencialmente egoísta e calculista, cabendo-nos apenas uma nesga de racionalidade para governá-la, mas não para suprimi-la. Dessa forma, sua influência na perspectiva econômica da democracia é radical, ou seja, encontra-se na raiz de suas formulações. Isso pode ser claramente identificado nos textos clássicos que Schumpeter (1965) dedicou ao tema. Seu argumento é construído em oposição ao modelo do cidadão altruísta, do liberalismo clássico, especialmente de John Stuart Mill (1978a, 1978b, 1999, 2000), e em oposição ao deliberacionismo de Rousseau (1996). Sua crítica é tão severa que Schumpeter (1965) é levado a conduzir sua conclusão ao pólo oposto, concluindo que, no campo da política, mesmo os cidadãos mais educados são levados aos níveis mais inferiores de intelectualidade. As massas, então, nada mais seriam do que um “estouro de boiada”. A única racionalidade possível residiria no processo eleitoral.3

Diante disso, é totalmente compreensível que os analistas vinculados à teoria da democracia participativa tenham dirigido duras críticas a esse autor, uma vez que, ao desestruturar os argumentos de John Stuart Mill, Schumpeter (1965) refutou a eficácia da educação política das massas. Não são à toa também as críticas encrespadas dos adeptos da teoria da democracia deliberativa em relação à perspectiva schumpeteriana, dado que sua rejeição da validade de uma “vontade geral”, tal qual formulada por Rousseau, punha por terra o edifício ético da democracia direta, baseada no princípio da deliberação. Mas, o mais curioso é que essa visão hobbesiana, cruamente exposta e defendida por Schumpeter (1965), foi a que prevaleceu na maior parte das análises empíricas feitas por cientistas políticos desde os anos 1950. Além disso, deve ser destacado ainda que Schumpeter (1965) acabou sendo um pioneiro na tentativa de unificação de dois problemas – político e econômico – em uma única abordagem. Na realidade, sua proposta consistia em tratar um problema político com um tipo de abordagem que era mais cara ao economista, como se a política pudesse ser vista como um mercado, como se o Homem Político fosse ao mercado e o Homem Econômico fosse ao fórum, de maneira intercambiável e equivalente. Devido a essa forma de abordar o problema da democracia, Schumpeter (1965) provocou, como ainda provoca, reações das mais encarniçadas por parte dos analistas de orientação democrática mais radical. A simplificação e a redução da democracia a um método de produção de governo legítimo fez com que a política parecesse um grande mercado de troca de produtos entre eleitores e partidos.

A despeito dessa suposta simplificação, as análises de democracia comparada têm partido de uma concepção mínima e elitista, tal qual podemos rastreá-la nas proposições schumpeterianas. Um exemplo clássico disto é o trabalho de Dahl (1997). Este autor foi quem melhor traduziu em termos políticos essa concepção que teve origem na reflexão política feita por um economista. Aliás, esse é o principal motivo e, de certa forma, a única justificativa, para que tal visão sobre a democracia seja rotulada como uma “teoria econômica da democracia”. Na verdade, esse é o próprio título do

3 Em decorrência da concepção de racionalidade como um processo, freqüentemente se atribui à teoria democrática do autor a designação de “democracia procedimental” ou de “democracia como método”. As eleições, de acordo com a concepção de Schumpeter (1965), seriam apenas um instrumento possível e eficiente para a produção de um governo, instrumento pelo qual seriam legitimadas as elites responsáveis pelas decisões acerca da alocação de recursos e da legislação.

Page 14: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

13

trabalho mais sistemático sobre o tema (Downs: 1999), em que as propostas de Schumpeter (1965) são desenvolvidas de maneira mais aprofundada e com uma inversão importante, conforme será discutido mais adiante. No trabalho de Downs (1999) também podemos encontrar de maneira mais evidente e consistente as influências das reflexões da linhagem econômica, especialmente no que se refere ao tratamento formalizado e micro-econômico dos problemas relativos à tomada de decisão política em um contexto democrático. Na discussão feita por Downs (1999), a democracia é analisada a partir das premissas hobbesianas – que o autor tomou emprestado a Schumpeter (1965) – acerca da natureza humana e de uma analogia com o mercado.

Conforme podemos perceber, a caracterização genética da teoria da escolha racional foi importante porque possibilitou o isolamento de alguns de seus elementos centrais, elementos estes que dão configuração básica à teoria em sua versão contemporânea, da qual o trabalho de Downs (1999) é um caso exemplar. Como já vimos, esse trabalho tem como ponto de apoio conceitos básicos [razão, racionalidade, egoísmo, cálculo, desejos, preferências, etc.] cujos significados e cujas conseqüências já foram traçados pela discussão anterior.

Entretanto, o cálculo dos atores, a eficiência de sua tomada de decisão, ou seja, sua racionalidade é ameaçada pela existência de várias incertezas e de várias complexidades no mundo real, como os custos de informação, um insumo fundamental no modelo downsiano. Por exemplo, o eleitor não tem como saber realmente se determinado partido implementará as políticas que constavam em seu programa e que levaram-no a votar nele. Essa indeterminação gera incerteza, e a incerteza pode induzir à irracionalidade. No caso dos custos de informação, temos outro elemento indutor de irracionalidade. Para o eleitor mediano, é muito difícil ter acesso a várias informações necessárias a sua tomada de decisão, e, sem essas informações, o processo também se torna incerto. Contudo, Downs (1999) encontra uma variável que possibilitaria a diminuição da incerteza quanto às políticas que um governo possa vir a implementar de fato caso seja eleito, e que possibilitaria também a redução dos custos de informação por parte do eleitor: a ideologia partidária.

A ideologia é acomodada no modelo downsiano como uma posição estratégica adotada pelo partido e que permite diminuir as incertezas quanto às políticas a serem implementadas e diminuir os custos de informação. A ideologia adotada por um partido sinaliza para o eleitor o pacote de bens por ele priorizados, facilitando sua comparação com o próprio pacote de utilidades almejadas pelo eleitor. A cada nova eleição, o eleitor já saberia que determinado partido representaria mais ou menos [pois, o programa do partido pode apresentar alguma variação] um ponto no espaço em relação a sua curva de indiferença, ou seja, em relação a sua estrutura de preferências. Essa relação de proximidade ou de distanciamento em relação ao seu pacote de utilidades, reduz muito o custo de informação com o qual o eleitor teria de arcar a cada nova eleição. A ideologia, assim compreendida, também reduziria os elementos de incerteza quanto ao futuro governo. Como cada partido mantém de maneira mais ou menos fixa suas propostas ou o pacote de bens a serem ofertados e, caso vença as eleições, esse mesmo partido terá na reeleição seu objetivo principal, é de se esperar que seus políticos de fato procurem implementar o máximo possível do programa apresentado aos eleitores.

Page 15: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

14

Essa é a lógica que contribui para diminuir as incertezas e introduzir elementos de padronização dos comportamentos dos partidos e dos eleitores, possibilitando a existência da racionalidade na política.

Dessa forma, é possível perceber que o modelo que Downs (1999) apresenta acerca do funcionamento de processos fundamentais da democracia representa o esforço de um economista que tentava encontrar alguns parâmetros para compreender melhor o comportamento dos atores políticos. No entanto, diante disso, ainda poderíamos perguntar por que era importante para um economista encontrar um modelo que pudesse explicar o processo de tomada de decisão política. Segundo o próprio autor, porque os governos, de uma maneira geral, dominam a esfera econômica. Ou seja, o mundo da economia seria subordinado aos desígnios da política, das decisões tomadas em uma esfera situada fora do campo de controle da racionalidade econômica. Mas, haveria alguma racionalidade semelhante na política? Downs (1999, 25) acredita que sim, e constata que “(...) pouco progresso se fez na direção de uma regra de comportamento generalizada, porém, realista para um governo racional, semelhante às regras tradicionalmente usadas no caso de consumidores e produtores racionais”. O autor se colocou tal tarefa, o que nos leva a considerar as implicações epistemológicas dessa empreitada. Afinal, quais seriam as questões pertinentes a serem feitas ao objeto delineado? Como teria sido delineado esse objeto? Que concepção de verdade existe em seu modelo e como esta pode ser devidamente encontrada? Quais seriam, enfim, as condições justificadas para analisar a tomada de decisão política?

A Dimensão Ontológica

A concepção de racionalidade é o elemento central da teoria da ação racional e sua ontologia nos remete ao problema da natureza humana. Conforme foi possível perceber pela discussão da dimensão histórica, feita no tópico anterior, existe certa concepção pessimista, digamos assim, com relação àquela parte da “natureza” presente em cada indivíduo. O predomínio natural das paixões, a motivação dada pelo desejo, a busca de satisfação plena desses desejos e das necessidades básicas, comporiam um complexo de características estruturais inerentes ao ser humano em geral. Essa ontologia surge em confronto com outra perspectiva, a intelectualista, baseada em certo otimismo com relação às potencialidades humanas. De acordo com essa perspectiva concorrente, a razão predominante nas ações humanas é a razão voltada aos fins, o que significa dizer voltada à ética. O ser humano, que é capaz de realizar reflexões éticas, também está capacitado a agir moralmente, a visar ao bem comum em detrimento de seus interesses individuais.

Esse, entretanto, não é o indivíduo da teoria da escolha racional. Nela encontramos pronunciamentos ontológicos a respeito da natureza de seu objeto [o indivíduo racional] que coloca em relevo um indivíduo auto-centrado, egoísta, cuja racionalidade é voltada para os meios e, portanto, é instrumental. Isso porque, conforme observa Salmon (1992, 412), “(...) rational action requires the following conditions: agents act independently, on the basis of their own sets of beliefs and desires (values), are capable of ordering their preferences, and have sufficient partial knowledge of the possible outcomes of the contemplated actions to assign probabilities to those outcomes. In such circumstances, agents are said to act rationally just in case they choose that action which maximizes expected utility (desirability or value)”. É

Page 16: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

15

justamente devido a esse tipo de racionalidade inerente à natureza humana, proposta pela teoria da escolha racional, que é possível estabelecer determinados parâmetros para a ação, ou seja, essa concepção de racionalidade torna possível a realização de previsões acerca do comportamento dos indivíduos. Exatamente por isso, Downs (1999, 36) afirma que o objetivo central da teoria é “(...) rastrear o que farão os homens racionais, tanto como cidadãos quanto como governo”. Isto significa, portanto, que o modelo pode ser preditivo porque a natureza humana é fixa e se manifesta nos momentos de tomada de decisão, nos quais suas características básicas e naturais [egoísmo, racionalidade calculista] se manifestam.

O que temos, assim, é um modelo de racionalidade no qual predominam os meios, no qual a razão aparece como um instrumento de cálculo estratégico, um instrumento a serviço dos objetivos do agente, um instrumento processual, apto a processar informações, a julgar as alternativas e a subsidiar a tomada de decisão. Tal concepção de indivíduo e de racionalidade nos leva ainda a outra consideração, ou seja, a concepção de verdade existente nesse modelo, pois nele existe certa concepção de verdade, mesmo de maneira implícita. Nesse caso, a verdade surge como correspondência entre as máximas sobre a natureza humana, introduzidas no corpo da teoria como um conjunto de axiomas elementares, e a ação efetivamente empreendida. Ou seja, a racionalidade prevista é confrontada com a decisão tomada e a decisão verdadeiramente racional será aquela que corresponder à previsão deduzida do modelo. De maneira mais direta: será racional a escolha que corresponda ao modelo de racionalidade adotado.

Dessa forma, a verdade das concepções sobre a natureza humana é justificada empiricamente por um processo de verificação, pelo qual são apresentados casos em que as decisões tomadas correspondem à expectativa induzida pela teoria. É claro que isso nos leva a um problema central, que é a ausência de explicação para as escolhas consideradas irracionais. A estratégia adotada pelos adeptos da teoria, inclusive por Downs (1999), seu clássico proponente, para tentar escapar dessa armadilha da premissa da racionalidade instrumental universal é admitir que a irracionalidade é um fenômeno real e recorrente, mas que sua consideração analítica não faz parte do conjunto de problemas contemplados pelo modelo. Como veremos mais adiante, essa estratégia conduz às dificuldades empíricas da teoria da escolha racional diante dos critérios epistemológicos de Popper, uma vez que suas conseqüências práticas conduzem ou à impossibilidade de falsificação da teoria ou ao verificacionismo.

Dimensão Epistemológica

A análise dessa dimensão pode ser feita de maneira tópica, pela consideração de algumas questões cruciais envolvendo a concepção das condições ideais para a apreensão sistemática do objeto, tal qual é possível mapear no núcleo central das proposições feitas por Downs (1999). Assim sendo, há quatro tópicos fundamentais:

(1) As relações entre os níveis de análise [micro/macro], suscitadas pelo individualismo metodológico. (2) O tratamento analógico dado à noção de racionalidade, transposto da abordagem econômica para a abordagem política. (3) A delimitação da unidade de análise [unidade epistêmica].

Page 17: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

16

(4) A demarcação de decisões racionais e irracionais.

Comecemos pelas relações entre os níveis micro e macro na análise política. A abordagem adotada pela teoria da escolha racional se enquadra no campo do individualismo metodológico. Do ponto de vista epistemológico, a pressuposição implícita no individualismo metodológico é a de que a complexidade dos fenômenos macro-sociais pode e deve ser reduzida aos seus elementos básicos, ou seja, sua premissa é a de que a redução analítica torna possível uma melhor compreensão da natureza do problema. No caso de fenômenos políticos, como os processos decisórios envolvendo tanto o comportamento eleitoral como o comportamento do congressista, a idéia geral é a de que haveria micro-fundamentos que explicariam as ações dos partidos, dos grupos, dos indivíduos, etc.; que explicariam os resultados eleitorais e os resultados das votações no congresso. A lógica desse tipo de abordagem impõe, então, um processo de redução do enfoque ou do escopo analítico até o elemento mais básico do fenômeno, que seria o indivíduo.4 Dessa forma, os indivíduos são analisados a partir de suas preferências e, estas, por sua vez, são observadas indiretamente, por meio da investigação das ações efetivamente levadas a cabo, pela decisão tomada. Com isso, as condições de apreensão do objeto, idealizadas pelo individualismo metodológico, seriam dadas por um reducionismo, passando-se da complexidade dos fenômenos para seus micro-fundamentos, ponto em que a análise pode ser feita de maneira mais simplificada. Essa é uma redução analítica, na qual o indivíduo é considerado uma totalidade em si, totalidade esta também reduzida a um elemento fundamental, ou seja, a um postulado geral sobre a natureza humana [Homem = animal racional (egoísta)], a seus corolários [racionalidade calculista, preferências (desejos) fixas, estruturadas e transitivas] e a sua hipótese central [decisão ou ação racional].

Uma das maiores polêmicas epistemológicas da teoria da ação racional é derivada justamente da abordagem que toma o nível micro para explicar a ordem do nível macro. Primeiramente, há questões controversas com relação às justificativas apresentadas para a inferência conclusiva que parte do universo micro [variável explicativa] para o universo macro [variável explicada]. Como apresentar justificativas para essa passagem? Como justificar essa extrapolação? Contudo, tal extrapolação não é problemática devido a motivos lógicos, pois não se trata, neste caso, de indutivismo,

4 É importante ressaltar, entretanto, que deve ser evitado o erro comumente cometido por vários analistas e até teóricos especializados nessa abordagem que é o de considerar que a redução da análise ao indivíduo significa que se trata de analisar as decisões das pessoas envolvidas na ação analisada. As pessoas são seres reais, concretos, com nomes e identidades culturais e civis, o que significa que se a análise se reduzisse a entender como cada pessoa decide, teríamos de levar em consideração as diferenças no que se refere à cultura, às psicologias sociais, etc. Quando se aplica o individualismo metodológico, parte-se da premissa de que a análise pode e deve abstrair tais variáveis e procurar um denominador comum que possa transcender períodos históricos e culturas específicas, assim como psicologias e personalidades concretas. Tal abstração somente é possível se o analista voltar seu raciocínio dedutivo para um ser abstrato por natureza, universal, ou seja, o indivíduo. Trata-se do mesmo indivíduo liberal que tornou possível equalizar todos os seres sociais e dar-lhes direitos universais, com base numa igualdade anterior e superior às diferenças históricas e sociais; trata-se daquilo que faz com que todas as pessoas, de todas as épocas, de qualquer cultura ou classe social, uma vez despidas dessas características, possa reduzi-las um ser geral, universal. Portanto, ao invés de ser uma metodologia atomista, como em geral se supõe, o individualismo metodológico, pelo contrario é uma espécie de holismo radical, pois reduz todas as pessoas, de qualquer época e cultura, a uma universalidade: o indivíduo.

Page 18: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

17

visto que a inferência tem como base a dedução de conseqüências a partir de um modelo construído racionalmente. Portanto, existe consistência lógica na proposição do modelo. O problema, como veremos mais adiante, é de natureza empírica, uma vez que se todos os cidadãos agissem tal qual prevê o modelo da ação racional, seria impossível haver decisões coletivas equilibradas e estáveis, o que, na prática, no mundo real, é contrariado, pois existem decisões coletivas equilibradas e estáveis. Então, como se justifica a concepção que toma como ponto de partida a idéia de que os fenômenos macro-políticos são explicados por meio de seus micro-fundamentos?

Uma solução possível foi apresentada por Olson (1999), ao tentar resolver o “paradoxo da ação coletiva”, em que a racionalidade do plano macro [bens coletivos] poderia ser induzida [bens seletivos] pela racionalidade do plano micro, pelo processo econômico do cálculo do ganho marginal de cada agente. Por outro lado, embora essa proposição explique a motivação individual para a decisão de se empenhar em uma determinada ação coletiva, ainda permanece um problema teórico fundamental, qual seja: como superar o paradoxo de Condorcet, como superar a instabilidade coletiva advinda da racionalidade individual? Teóricos como Arrow (1963) reforçaram esse argumento, demonstrando matematicamente a impossibilidade de decisões coletivas estáveis fundamentadas na racionalidade do nível micro, na racionalidade dos indivíduos. Quanto a isso, a solução teórica e epistemológica mais bem articulada para o problema seria dada pelo novo-institucionalismo, algo que também veremos mais adiante.

Com relação ao tópico (2), no que se refere ao tratamento analógico que a teoria dispensa aos fenômenos políticos, partindo de uma ótica econômica, deve ser salientado que a proposta de Downs (1999) é exatamente esta: apresentar um modelo de racionalidade para o processo de tomada de decisão política, com base no modelo de racionalidade dos processos econômicos. Ou, como sugere o próprio autor (ibid., pg. 36), “[esse] modelo poderia ser descrito como um estudo de racionalidade política de um ponto de vista econômico”. Contudo, poderíamos perguntar: a racionalidade econômica seria análoga à racionalidade política? Como se sabe, a resposta do autor é afirmativa. Mas, que justificativa teórica é apresentada para isso?

Na verdade, a analogia foi possível porque foi encontrada uma solução ontológica para o problema. A racionalidade pressuposta pelo economista e transposta ao plano político é, de fato, uma concepção ontológica sobre a racionalidade humana em geral. Acontece que ambas as racionalidades seriam, de fato, um mesmo tipo de racionalidade. Isso porque o modelo de racionalidade dessa teoria, como já vimos anteriormente, parte de postulados que, na verdade, são máximas sobre o indivíduo. A diferença entre ambas estaria em dois pontos: (a) na especificidade da política que, ao contrário da economia, que lida prioritariamente com bens privados, lida com bens públicos; (b) a complexidade do contexto em que a decisão política é tomada, um mundo repleto de incertezas e de múltiplas possibilidades. Disso adviria a dificuldade para qualquer modelo que tivesse como propósito último a feitura de previsões, e isso colocaria empecilhos para a própria validade do modelo e as condições possíveis para a apreensão do fenômeno, qual seja, a tomada de decisão.

Para resolver o problema das dificuldades reais de estabelecer determinado padrão de comportamento, dificuldades inerentes aos processos de tomada de decisão

Page 19: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

18

no âmbito da política, a estratégia adotada por Downs (1999) consistiu em desenhar um modelo analítico dedutivo, pelo qual a realidade do mundo político poderia ser reduzida a elementos básicos. Estes, por sua vez, poderiam ser decompostos de forma a ser esmiuçada a relação entre cada uma de suas partes. Em termos operacionais, tal redução é feita por uma simplificação da noção de racionalidade. De acordo com o autor (ibid.,25), “a simplificação é necessária para a previsão de comportamento, porque as decisões tomadas aleatoriamente, ou sem qualquer relação entre si, não obedecem a nenhum padrão”. Então, o intuito do autor é apresentar um modelo de análise que possibilite fazer determinadas previsões sobre o comportamento dos atores políticos e, para isso, ele parte do pressuposto da racionalidade universal dos atores políticos. O axioma da racionalidade previsto pelo modelo transcende questões econômicas, podendo ser aplicado a qualquer tipo de tomada de decisão. Trata-se de uma simplificação com objetivos metodológicos bastante pragmáticos; é um recurso epistemológico adotado com uma finalidade prática.

O pressuposto da racionalidade favorece a análise na medida em que possibilita a modelagem da realidade, ou seja, a abstração de elementos que não sejam centrais, ao mesmo tempo em que supõe haver um determinado padrão nos comportamentos. Esse pressuposto é extraído de forma lógica do axioma geral [indivíduo egoísta e racional], servindo como uma operacionalização prévia em direção ao mundo empírico. Nesse mundo empírico, a natureza humana, com seus pressupostos, manifesta-se nos processos de tomada de decisão. Toda tomada de decisão envolve uma escolha entre alternativas dadas. A eficiência da decisão tomada é dada em função da razão custo/benefício, relacionada à articulação entre meios e fins, à ação que visa a atingir o máximo de prazer, que visa a maximizar suas utilidades. Esse princípio, que é um princípio da ação, também é derivado do axioma geral sobre a natureza humana e, como tal, pode ser aplicado tanto às situações econômicas como às situações políticas.

Com relação ao tópico (3), a unidade epistêmica da teoria da ação racional é, claramente, a ação. Mas, não uma ação qualquer; trata-se da ação no momento da decisão. A tomada de decisão é um processo objetivo em que é possível observar empiricamente a escolha adotada e, portanto, é o momento em que a racionalidade pode ou não se manifestar indiretamente. Dessa forma, a despeito de toda variedade de enfoques [escolha individual, escolha interativa, escolha pública] e de perspectiva [normativa, positiva], a despeito das mais variadas formas de técnicas de análise [metodologia], o que sempre estará em jogo como unidade epistêmica é a tomada de decisão.

Com relação ao tópico (4), estamos diante de um problema de demarcação. Nesse caso, a demarcação envolve critérios para que o analista decida quanto à racionalidade/irracionalidade de uma decisão. Uma primeira demarcação a qual Downs (1999) se lança é com relação ao campo próprio da razão, em contraposição às emoções – um notório dilema filosófico. Quanto a esse aspecto, o autor ressalta que “(...) todas as vezes que os economistas se referem a um homem racional, eles não estão designando um homem cujos processos de pensamento consistem exclusivamente de proposições lógicas, ou um homem sem preconceitos, ou um homem cujas emoções são inoperantes. (...) a definição econômica se refere unicamente ao homem que se move em direção a suas metas de um modo que, ao que lhe é dado saber, usa o mínimo

Page 20: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

19

insumo possível de recursos escassos por unidade de produto valorizado” (ibid., 27). Dessa maneira, as emoções podem fazer parte da ação, podem ser responsáveis pela escolha do objetivo a ser alcançado. Porém, no momento da decisão, o que impera é a busca de eficiência, o que importa é o melhor meio para a consecução do objetivo estabelecido.

A segunda demarcação é feita para identificar uma ação racional e para eliminar do campo da irracionalidade uma ação que seja racional, porém, errada. Então, podem haver ações racionais e irracionais, mas também pode haver ações racionais baseadas em erro. A devida diferenciação empírica entre esses tipos de ação deve ser feita pela análise dos meios adotados, do caminho escolhido pelo agente. No caso de uma ação racional errada, esta somente passará a ser considerada irracional quando (a) o agente descobrir o erro e (b) continuar agindo da mesma forma, ou quando (a) o agente não descobrir o erro e (b) agir de forma diferente. Por outro lado, essa ação errada poderá ser considerada racional quando (a) o agente descobrir o erro mas (b) o custo da eliminação do erro for maior do que os benefícios conseguidos com sua manutenção. Uma ação deve ser considerada errada, embora racional, quando (a) o agente não descobrir o erro e (b) continuar agindo da mesma maneira. No caso de uma ação claramente irracional, o agente deverá (a) ter escolhido uma alternativa menos eficiente para a consecução de seu objetivo ou (b) ter apresentado uma recorrência não lógica [ineficiente] dos erros anteriores.

Com relação à ação racional, são apresentados ainda alguns critérios mais rígidos para sua identificação. Estes são os seguintes:

“Decidibilidade”, ou seja, o agente deve ser capaz de tomar decisão sempre que confrontado com escolhas.

Preferências estruturadas, ou seja, o ator tem uma escala de preferências. Transitividade, ou seja, suas preferências ordenadas são circulares. Eficiência, ou seja, o ator sempre procurará maximizar o ganho de suas

preferências segundo a ordem e a transitividade. Coerência, o que significa que o indivíduo deverá adotar a mesma

decisão quando confrontado com uma mesma situação. Estes são os critérios básicos que Downs (1999) apresenta para a decisão

quanto à racionalidade de uma determinada decisão tomada e são aplicados às decisões individuais, de acordo com as prerrogativas do individualismo metodológico. As decisões individuais são generalizadas como indutoras de um resultado coletivo, no qual as categorias políticas do nível micro-social encontram expressão em termos macro-sociais.

Dimensão Axiológica

De acordo com Downs (1999, 55), “o modelo ocupa uma zona de penumbra entre os modelos descritivos e normativos. Não é normativo, porque não contém postulados éticos e não pode ser usado para determinar como os homens deveriam se comportar. Não é puramente descritivo já que ignora todas as considerações não-racionais, tão vitais para a política no mundo real”. Não obstante, o autor afirma que, no saldo, seu modelo é muito mais descritivo do que normativo.

Page 21: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

20

Diante disso, há algumas importantes considerações a se fazer. Primeiramente, é importante destacar que a preocupação do autor em salientar e até justificar seu modelo como positivo, já é algo que, por si mesmo, evidencia o tipo de valorização dada às relações sujeito/objeto no processo de investigação. O campo axiológico pode ser antevisto pela própria valorização do enfoque positivo. No caso dessa vertente, a valorização recai sobre aspectos epistemológicos claros, como a adesão ao realismo [descrição dos dados] e à neutralidade axiológica. É importante notar que a neutralidade axiológica, nesse contexto, pertence ao campo epistemológico da teoria, podendo, na prática, ser uma maneira concreta [e justificada] de abordar a realidade. Mas, a adesão à neutralidade axiológica constitui, em si mesma, uma axiologia, um determinado valor ao qual aderem os analistas vinculados a essa vertente.

Outra observação importante: como sugere Downs (1999), embora seu modelo não formule concepções éticas, na prática, ele acaba formulando uma série de considerações normativas. O modelo é descritivo na medida em que se preocupa com as ações efetivamente implementadas, mas, sua natureza é claramente normativa, na medida em que as ações efetivas são julgadas como racionais ou não a partir de uma concepção de racionalidade que indica de antemão como os indivíduos racionais deveriam se comportar. Isso pode ser percebido na própria argumentação do autor, quando afirma que “(...) o modelo nos diz qual comportamento podemos esperar se os homens agirem racionalmente na política. Assim, pode talvez ser usado para descobrir em que momentos da política no mundo real os homens são racionais, quando são irracionais e como se afastam da racionalidade, no segundo caso” (ibid., 55).

Como conclusão, é possível salientar ainda que, pelo fato do modelo da ação racional partir de uma concepção geral a respeito da natureza humana, o que se sucede é uma generalização desse modelo de racionalidade, levando à imposição de um determinado tipo de comportamento como aquele esperado. Isso significa que, em essência, esse modelo apresenta características normativas. De certa forma, como sugere Barry (1988), o núcleo central da teoria possui uma axiologia imersa de valores e concepções liberais, em que o indivíduo e a racionalidade assumem uma importância crucial. Em sendo um modelo de base normativa, essa base, de fato, sempre ficará ameaçada quando os dados não corresponderem às previsões. É isso que ocorre no caso de Downs (1999). A fim de evitar as conseqüências desse modelo normativo, conseqüências essas que poderiam impor à teoria algum tipo de refutação, o autor sugere que o modelo deve lidar apenas com casos em que houve decisão racional. É também o que ocorre com Tsebelis (1997) ao tentar resolver esse problema normativo, pois sugere que toda ação é, necessariamente, uma ação racional. Assim, ao tentar se livrar do problema do verificacionismo, acabou criando um modelo infalsificável.

Dimensão Metodológica

Em relação ao escopo metodológico, a teoria da escolha racional apresenta uma concepção racionalista do processo do conhecimento, a qual privilegia a reflexão teórica como processo anterior à análise empírica. Conseqüentemente, é empregado o método dedutivo, por meio do qual, a partir de uma formulação geral a respeito do Homem [premissa maior], são derivadas conseqüências ou corolários. Destes, a teoria deriva sua tese fundamental: por ser egoísta e calculista, o Homem agirá de forma a maximizar seus prazeres, ou seja, por ser racional-instrumental, o Homem deverá agir de acordo,

Page 22: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

21

tomando decisões eficientes. Para a análise dedutiva pressuposta pela teoria, a linguagem utilizada é a matemática, com a qual são construídos modelos formais que descrevem e prevêem comportamentos.

Com relação à operacionalização da análise, são apresentados alguns procedimentos básicos para a verificação da racionalidade da decisão tomada. Nesse caso, Downs (1999, 26) apresenta três procedimentos operacionais. Primeiramente o analista deve determinar qual o objetivo do agente envolvido no processo de decisão, porque, segundo o autor, “se o teórico conhece os propósitos daquele que toma a decisão, ele pode prever quais os passos serão dados para atingi-los”. A determinação dos objetivos é, de fato, a descoberta da meta perseguida que, no caso de envolver vários objetivos, deve ser simplificada, deve ser reduzida a um único objetivo – disso advêm os outros dois procedimentos seguintes. Em segundo lugar, o analista deve processar o cálculo do caminho mais eficiente para a consecução do objetivo estabelecido pelo agente. Em terceiro lugar, o analista deverá fazer a suposição de que tal curso de ação será tomado, com base no pressuposto da racionalidade instrumental.

Assim sendo, em termos operacionais, articulam-se meios e fins, e a análise pode verificar a racionalidade empreendida na tomada de decisão. Portanto, de acordo com Downs (ibid.), “a análise econômica [quantitativa, calculista] consiste de dois importantes passos: a descoberta dos objetivos que aquele que toma as decisões está perseguindo e a análise de quais os meios de atingi-las são os mais razoáveis,isto é, quais os meios exigem a menor aplicação de recursos”.

Núcleo Básico da Teoria

Como foi possível perceber na discussão desta seção, a ênfase das análises baseadas na teoria da escolha racional sempre recai sobre a ação motivada por algum impulso interior [desejo, necessidade] e que se põe em curso em direção à conquista da satisfação máxima desse impulso, invariavelmente atrelado à consecução de algum objeto exterior. O encontro do impulso interior com o objeto exterior é o objetivo máximo do indivíduo, e se ele agir de forma racional, saberá selecionar o melhor curso de ação para promovê-lo. Ou seja, dentro de uma estrutura dada de alternativas possíveis, o indivíduo será capaz de adotar o meio mais eficiente para atingir seu fim pretendido.

Portanto, temos uma teria cujos pronunciamentos ontológicos sobre os indivíduos lhe conferem um perfil egoísta, voltado ao auto-interesse. A partir desse postulado, sua epistemologia consiste em estabelecer o axioma geral que caracterizaria as decisões dos indivíduos: a racionalidade instrumental. Desse axioma geral são derivados corolários como as preferências fixas, estruturadas e transitivas, como a coerência lógica dos agentes, como sua “decidibilidade” e sua eficiência. A articulação do postulado básico, do axioma geral e dos corolários levou à formulação de sua tese central: a tomada de decisão racional-instrumental [eficiente]. Em termos metodológicos, essa tese central pode produzir algumas derivações, ou, conforme sugere Downs (1999), proposições empíricas. Tais proposições são passíveis de confrontação com a realidade de acordo com o critério de seleção dos casos em que houve uma decisão racional. Assim, seu método dedutivo emprega uma linguagem matemática que busca mais a demonstração geométrica do que a refutação pelo teste

Page 23: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

22

empírico crucial. O que está em jogo é a verificação de uma dedução lógica: a racionalidade instrumental humana.

Na próxima seção, esses pontos serão retomados com o objetivo de confrontar o núcleo central da teoria da escolha racional com os critérios epistemológicos de Karl Popper (1972, 1975) e de Thomas Kuhn (2000). Conforme será discutido, a proposta kuhniana se mostra mais profícua na análise dessa teoria enquanto um tipo de enquadramento axiológico do mundo e enquanto um tipo de explicação para determinados problemas políticos.

A TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL COMO PARADIGMA HEGEMONICO

Nesta seção, o núcleo central da teoria da escolha racional será confrontado com as propostas epistemológicas de Popper (1972, 1975) e de Kuhn (2000). Conforme procurarei argumentar, os critérios de Popper (1972, 1975) são bastante rigorosos e invalidariam a teoria, seja pela refutação do teste crucial, seja pelo seu caráter verificacionista. Mas, isso não significa que a teoria da escolha racional não tenha sua validade metodológica e deva ser simplesmente abandonada, afinal, a aplicação plena da epistemologia normativa de Popper não é capaz de retratar a prática científica do dia-a-dia nas mais variadas ciências. Seu modelo de teoria empírica foi delineado com os olhos voltados à macro-teoria da relatividade de Eistein, o que reduz, em muito, o escopo possível de teorias aplicadas às investigações rotineiras dos cientistas em geral. Ademais, como sugere Kuhn (2000), a maior parte das atividades científicas ocorre de maneira mais pragmática, voltadas à solução de problemas pontuais, sem referência explícita às teorias predominantes em cada área. Na “ciência normal” as soluções dos problemas de pesquisa científica podem ser conseguidas pela utilização de partes de uma teoria, de conceitos isolados, de procedimentos algoritmicos, etc. Ou seja, as soluções dos problemas cotidianos das ciências, na prática, são obtidas com a aplicação de “procedimentos exemplares”.

Em razão disso, explorarei a abordagem kunhiana procurando evidenciar que seus critérios descrevem e organizam mais sistematicamente o processo de emergência e de consolidação da teoria da escolha racional no campo da Ciência Política contemporânea. O argumento central a ser defendido é o de que essa teoria deve ser entendida como um paradigma, pois é um exemplo bem sucedido de resolução de problemas políticos. Além disso, a abordagem da escolha racional pode ser considerada um paradigma hegemônico na Ciência Política, afinal, além de conter promessas de novas realizações científicas, esse paradigma é o mais utilizado nas análises empíricas de fenômenos políticos atualmente.

Teoria da Escolha Racional: Falsificação ou Verificação?

De acordo com Popper (1972, 27), “um cientista, seja teórico ou experimental, formula enunciados ou sistemas de enunciados e testa-os um a um. No campo das ciências empíricas, para particularizar, ele formula hipóteses ou sistemas de teorias, e submete-os a teste, confrontando-os com a experiência, através de recursos de observação e experimentação”. Ou seja, a concepção de ciência empírica que o autor tem é

Page 24: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

23

relacionada diretamente com as características essenciais da teoria empregada pelo cientista.

De acordo com a concepção popperiana, a teoria científica deve ter um caráter empírico, o que significa dizer que a teoria deve ser um conjunto articulado de conceitos dos quais deve ser possível derivar enunciados singulares a respeito de fenômenos também singulares. Esses enunciados básicos aparecem como hipóteses a serem confrontadas com a realidade. Quanto mais enunciados básicos uma teoria for apta a produzir, maior seu grau de empiria, e portanto, maior a possibilidade de confrontá-la com a realidade. Esse confronto com a realidade deve ser feito por meio de testes cruciais, ou seja, os enunciados básicos devem emitir pronunciamento substantivos sobre o mundo ou sobre fenômenos singulares, de forma que seja possível constatar se tais pronunciamentos são confirmados pela experiência ou pelo teste singular. Por isso, o teste é crucial, afinal, a hipótese pode ser negada pelos dados, e, em sendo negada pelos dados da experiência, a hipótese mostra-se invalidada. Sua invalidação significa a invalidação indireta dos enunciados que, por sua vez, significa a invalidação indireta da teoria. Essa seqüência de invalidação indireta representa, na prática, que a teoria, tal qual foi formulada e submetida ao teste empírico, foi falsificada. Nesse caso, o cientista deve começar sua pesquisa pelo ponto zero, qual seja, pela reformulação da antiga teoria ou pela formulação de uma nova teoria.

Dessa maneira, Popper (1972, 1975) rejeita o indutivismo e a verificação, sugerindo substituí-los por uma teoria hipotético-dedutiva de teste e pelo critério da falsificação de teorias. Quanto ao critério de falsificação, há duas categorias analíticas básicas para a consideração de uma determinada teoria científica: (1) a testabilidade e (2) a falseabilidade. A testabilidade se refere aos graus de orientação empírica de uma teoria, ou seja, o quanto tal teoria seria aberta à confrontação com testes empíricos cruciais. A falseabilidade é um critério básico para a determinação do caráter científico de uma teoria, pois se trata da determinação do fato de uma dada teoria ser dedutiva e passível de falsificação ou não.

Neste tópico, serão utilizados os critérios de falseabilidade e de testabilidade para analisar a teoria da escolha racional. Evidentemente, há várias outras nuances da epistemologia popperiana que poderiam ser igualmente contemplados; porém, a seleção desses critérios se deve ao fato de que, além de abrangentes, ambos são suficientes para uma decisão quanto ao caráter dessa teoria no âmbito da proposta de Popper (1972, 1975).

Comecemos pelos graus de testabilidade da teoria. Como já especificado anteriormente, a teoria da escolha racional é construída dedutivamente. Do postulado básico [indivíduo egoísta], foi extraído o axioma geral [racionalidade instrumental] e seus corolários [racionalidade calculista, preferências (desejos) fixas, estruturadas e transitivas]; destes, foi extraída sua tese central [decisão ou ação racional]. Dessa tese central são extraídas sub-hipóteses ou enunciados básicos, passíveis de serem submetidos à confrontação com os dados da realidade. Esses enunciados variam de acordo com os interesses do pesquisador e com os objetivos específicos de sua pesquisa. O Esquema abaixo ilustra essa seqüência dedutiva da teoria.

Page 25: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

24

Postulado Básico

•  Indivíduo Egoísta

Axioma Geral

•  Racionalidade Instrumental

Corolários

•  Cálculo Egoísta •  Prferências Fixas, Estruturadas e Transitivas •  Decidibilidade

Hipótese Central

•  Decisão Racional Instrumental

Hipóteses Auxiliares

•  Enunciados Básicos ou Proposições

Esquema 1 Seqüência da Cadeia Dedutiva da Teoria da Escolha Racional

É possível perceber que estamos diante de uma teoria hipotético-dedutiva, embora a dedução seja submetida a apenas um postulado básico e a um axioma geral, e embora o campo hipotético também seja reduzido a apenas uma hipótese central. Mesmo assim, a teoria é formulada por dedução e apresenta uma dimensão hipotética para ligá-la à realidade dos dados. É importante ressaltar também que, a despeito de haver apenas uma hipótese central, sua formulação genérica permite a extração de uma variedade de enunciados básicos ou sub-hipóteses [hipóteses auxiliares], cujas proposições podem apresentar um conteúdo empírico significativo. Há vários exemplos disso, inclusive no caso do próprio Downs (1999), já que, ao final de seu trabalho, ele apresenta 25 proposições passíveis de serem submetidas à confrontação empírica. É claro que o postulado básico é algo demasiadamente genérico e, quanto a isso, o próprio autor (ibid., 29) observa que “[o indivíduo racionalista] (...) continua sendo uma abstração da plenitude real da personalidade humana. (...) sem dúvida, o fato de nosso mundo modelo ser habitado por esses homens artificiais limita a comparabilidade de comportamento, dentro dele, ao comportamento no mundo real”. Entretanto, a lógica da proposição de um modelo impõe mesmo uma simplificação do mundo real, uma abstração de sua complexidade e a redução analítica do fenômeno a seus elementos principais. Além disso, o indivíduo-modelo da teoria é um postulado e, como tal, não deve mesmo ser submetido ao teste empírico.

Dessa forma, estamos diante de um modelo que, ao mesmo tempo em que possui um grau considerável de testabilidade, devido à profusão de enunciados básicos derivados de seu corpo teórico principal, impõe uma rigidez muito grande ao analista, na medida em que todos os enunciados básicos ou hipóteses auxiliares devem se remeter sempre a apenas uma hipótese central [decisão racional] e, conseqüentemente, a um axioma geral [racionalidade]. Como forma de proteção da teoria contra a refutação empírica, surge o postulado básico [indivíduo egoísta, calculista, maximizador de prazeres/interesses] que, como tal, como um postulado, não deve ser

Page 26: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

25

submetido ao teste. Mas, disso surge um impasse: se todas as hipóteses auxiliares, em última instância, reportam-se ao postulado básico, que tipo de decisão deve ser tomada pelo pesquisador no caso de uma refutação empírica de alguma hipótese, dado que seu impacto seria imediato no postulado geral e, este, por ser um postulado, seria inamovível?

Esse é um problema crucial a ser enfrentado pela teoria que, em razão disso, vem sendo submetida constantemente ao desafio de ver falsificada seu próprio postulado. Downs (1999, 30) já atentava para essa questão do poder explicativo do modelo, ponderando que “estudos empíricos são quase unânimes em sua conclusão de que o ajustamento em grupos primários é muito mais crucial para quase todo indivíduo do que considerações mais remotas de bem-estar econômico ou político”. Ou seja, estudos empíricos põem em dúvida a validade do postulado geral. Em sendo estudos empíricos, estes, antes de qualquer coisa, surgem como elementos concretos que levam à refutação de enunciados básicos acerca da racionalidade no processo da tomada de decisão. O recurso de se apoiar nos rochedos de um postulado e de vinculá-lo tão umbilicalmente à cadeia dedutiva até a fronteira com o plano empírico, por meio de enunciados básicos tão impregnados pelo próprio postulado, acabou levando a um desenvolvimento extensivamente formalizado do modelo, pelo qual são válidas apenas simulações matemáticas. Essa vertente altamente formalizada se preocupa prioritariamente com a consistência lógica da teoria e, devido a isso, a teoria da escolha racional tem sido submetida a severas críticas, cujo argumento central é a pequena validade empírica de seu modelo explicativo – conforme também salientado por Green and Shapiro (1994) em seu estudo crítico dessa teoria.

As outras vertentes que se preocupam com o caráter empírico do modelo adotaram estratégia diversa, porém problemática, diante do problema. Nesse caso, a solução consistiu em adotar dois recursos possíveis. Um deles pode ser exemplificado pelo próprio Downs (1999). Ao sugerir uma distinção entre ação racional e ação irracional e, ao admitir que podem existir os dois tipos de ação, o autor, na verdade, criou um problema diante dos critérios poppeianos de falseabilidade. Esse procedimento tornou possível que, no caso de um determinado fenômeno, ocorra ou A ou B, pois, ao permitir a ocorrência de dois fenômenos distintos, o enunciado básico perdeu consistência empírica quanto à necessidade de ser submetido a um teste crucial. Ou seja, se a ação for racional, está prevista pelo modelo, mas, se for irracional, também está prevista pelo modelo, dado que o modelo prevê tanto escolhas racionais como escolhas irracionais. Isso sem contar na própria tautologia cuja redundância pareceria infantil, ou seja, se ator agir racionalmente, sua escolha será racional, mas se agir irracionalmente, sua escolha será irracional.

Mas, se o recurso for a utilização de uma hipótese auxiliar, ela tampouco resolveria a questão. Se apresentada de forma que seja enunciado que se espera que, em dado caso, em dadas circunstâncias [condições iniciais], o ator, caso aja racionalmente, adote tal curso de ação ou tome tal decisão. A introdução da condicional se no enunciado confere fragilidade quanto à possibilidade de sua falsificação. A ação deverá ser racional se o ator agir racionalmente. Além da tautologia evidente, há o recurso de se alegar que se a decisão não foi racional, tal como foi hipoteticamente prevista, é

Page 27: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

26

porque o ator não agiu racionalmente, ou seja, a condicional se pode ser introduzida como aquilo que Popper (1972) chama de estratagema contra a falsificação.

Na verdade, esse estratagema não é somente uma proteção contra a falsificação, mas é uma escolha metodológica – e epistemológica – por utilizar a verificação como critério de corroboração empírica. Nesse caso, a verificação resolve o problema do estreitamento lógico e empírico do modelo. Como vimos, os resultados empíricos poderiam levar à refutação da teoria; contudo, a teoria possui um corpo conceitual simples, assentado sobre apenas um postulado geral. Em sendo postulado, não poderia nem ser refutado, nem ser abandonado. É isso o que foi chamado de estreitamento problemático entre a parte lógica e a parte empírica [hipóteses auxiliares] do modelo. Essa situação em si mesma impunha uma tomada de decisão por parte de seus adeptos; em sendo eles mesmo indivíduos racionais, decidiram maximizar suas utilidades e, portanto, pela manutenção do modelo. Como também vimos, alguns se voltaram totalmente para soluções lógicas para problemas formais da política, como é o caso de Arrow (1957), por exemplo. Outros, decidiram manter o modelo e continuar com preocupações empíricas e isso impôs uma solução verificacionista.

A estratégia verificacionista possibilitou acomodar no modelo as decisões tanto racionais como irracionais, e isso evitou o problema da falsificação, problema esse que haveria no caso de propor que todas as ações deveriam ser, sempre, racionais. Contudo, isso poderia levar a outro problema também crucial para o modelo, qual seja, como explicar as ações irracionais por meio de um modelo que tem como axioma geral a racionalidade. Mais uma vez, a estratégia verificacionista ajudaria a resolver esse problema, e a solução seria simplesmente desconsiderar os casos em que houvesse decisões irracionais; ou seja, o modelo seria aplicado apenas nos casos em que houvesse racionalidade e, assim, seria verificado. Downs (1999, 32) é bastante preciso quanto a isso ao justificar o motivo da demarcação entre uma decisão racional e uma decisão irracional:

A razão por que se [procura] distinguir com tanto cuidade entre erros racionais e atos irracionais é que desejo ao mesmo tempo (1) salientar como o custo de informação pode levar homens racionais a cometer erros sistemáticos em política e (2) evitar qualquer discussão de irracionalidade política. Meu desejo de desviar da irracionalidade política nasce de (1) a complexidade do assunto, (2) sua incompatibilidade com o modelo de comportamento puramente racional e (3) ao fato de ser um fenômeno empírico que não podemos tratar através da lógica dedutiva (...).

Este trecho do texto de Donws (1999) é inequívoco em relação ao caráter

verificacionista de seu modelo, caráter esse dado pelo critério de abordar apenas os casos de decisão racional. Assim, temos uma teoria verificacionista preocupada mais em demonstrar logicamente a racionalidade subjacente à determinada decisão tomada do que em confrontar a hipótese da racionalidade com casos singulares e cruciais. A alegação do autor de que a irracionalidade é um fenômeno empírico intratável por meio de um método dedutivo não é correta. A proposta popperiana é justamente submeter ao teste empírico uma teoria formulada dedutivamente. Aliás, a dedução foi sua proposta epistemológica para que se evitasse o problema lógico da indução. Isso, inclusive, leva-nos à conclusão de que a teoria da escolha racional, em seu núcleo teórico básico, não é aprovada pelo teste popperiano da falsificação. Se fosse tratada como uma teoria

Page 28: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

27

falsificável, e seus enunciados básicos fossem aplicados a um caso crucial, teríamos como resultado sua falsificação e a necessidade de sua reformulação. Isso não ocorreu durante muito tempo e talvez somente tenha vindo a acontecer a partir dos anos 1970, com a retomada do institucionalismo. O neo-institucionalismo representou uma junção das proposições da teoria da escolha racional com as proposições do institucionalismo antigo. Por outro lado, a teoria da escolha racional se desenvolveu com base no verificacionismo dedutivo, ou seja, sem que os dados subsidiassem leis universais, mas no âmbito da qual os dados serviriam para corroborar as máximas previstas intelectualmente sobre o Homem, reduzido à categoria de indivíduo.

A despeito da teoria não ser aprovada pelo teste popperiano da falsificação, é notório que ela foi se instalando cada vez mais no campo das pesquisas empíricas da Ciência Política. Embora a teoria não fosse capaz de explicar todos os casos, ela era bastante eficiente na explicação de uma gama variada de fenômenos. A possibilidade de formalização de modelos atraiu um grande número de pesquisadores, interessados em buscar maior rigor analítico. A possibilidade de abordar matematicamente processos decisórios importantes, como as eleições e as votações no Congresso, fez surgir uma nova forma de analisar o comportamento político. Atualmente, esse modelo é o mais utilizado nas análises políticas publicadas em revistas especializadas, o que nos leva a uma conclusão fundamental: embora a proposta popperiana seja importante para estabelecer os parâmetros ideais para a ciência, ela não é adequada para apreender a prática científica real, cotidiana. A epistemologia popperiana é normativa e, como tal, é elaborada com os olhos voltados ao dever ser da ciência. Na prática, nenhum cientista rejeita um modelo que explica, por exemplo, 90%, 80%, 70%, 60% dos casos aos quais ele é aplicado. Afinal, se Popper (1972) estava preocupado com a falsificação e não com a verdade de uma teoria, na prática, os cientistas agora estão preocupados não com o certo, mas com o tamanho do erro, não com a determinação mas com as probabilidades.

Assim sendo, considero que a proposta popperiana é inadequada para descrever a prática científica real e, como tal, não é adequada para a explicação do uso generalizado da teoria da escolha racional no campo da Ciência Política contemporânea. Nesse caso, considero que a proposta de Kuhn (2000) é a mais adequada para descrever a prática científica real, assim como a ampla utilização da teoria da escolha racional nas análises empíricas da Ciência Política, a despeito de seu caráter verificacionista ou muitas vezes contraditório.

A Teoria da Ação Racional como Paradigma Hegemônico

Segundo a perspectiva de Thomas Kuhn (2000), a prática científica só pode ser devidamente compreendida em uma perspectiva estrutural e histórica. Isso quer dizer que o autor não propõe uma análise normativa do desenvolvimento das ciências, mas uma análise positiva, descritiva e analítica, em que se analisaria a “ciência como ela é”, ou seja, sua prática cotidiana. O autor enfatiza que a prática científica é dirigida diversas vezes – talvez na maioria das vezes – muito mais por exemplares de soluções pragmáticas e algorítmicas de problemas do que por uma teoria geral e abstrata. A ciência, enfim, é praticada de forma madura quando há o predomínio de um paradigma. Por paradigmas o autor (ibid., 13) entende “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.

Page 29: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

28

Um paradigma se torna hegemônico no campo de determinada ciência quando é aceito e utilizado pela grande maioria dos membros da comunidade científica. Essa aceitação é resultante de dois fatos: (1) a eficiência do paradigma na resolução de problemas até então não muito bem resolvidos por paradigmas concorrentes, (2) as possibilidades de novos estudos e da solução de novos problemas contida nesse paradigma. Então, um paradigma hegemônico, ao mesmo tempo, aponta para o presente e para o futuro; ele contém promessas de novas realizações. Assim sendo, a ciência é praticada rotineiramente graças à existência de um paradigma hegemônico, que é utilizado nas pesquisas e que é ensinado aos novos pesquisadores. Esse paradigma hegemônico possibilita a intersubjetividade, dá consistência à comunidade acadêmica, enfim, articula aquilo que o autor chamou de “ciência normal”. Em realidade, é a “ciência normal” que possibilitaria o avanço científico.

Nesse ponto, fica claro a importância da dinâmica histórica no modelo kuhniano. A consolidação de um paradigma hegemônico seria resultado de sua eficiência diante de uma disputa intensa entre paradigmas concorrentes. Nesses períodos de vigência de vários paradigmas concorrentes, a ciência se encontraria em um estágio “pré-paradigmático”, estaria em um estágio de imaturidade, porém, de grande efervescência criativa e intelectual. Uma vez consolidado um paradigma, sua hegemonia seria a evidência de um período de “ciência normal”, sem grandes inovações, mas com grande avanço nas pesquisas e nas descobertas. As descobertas, por sua vez, ao longo do tempo, suscitariam problemas os quais “paradigma hegemônico” não estaria apto a resolver. Esse processo geraria o que o autor chamou de uma “anomalia”, em que a “ciência normal” ficaria perturbada, com o afrouxamento das regras convencionalmente aceitas, abrindo brechas para o surgimento de paradigmas concorrentes que desafiariam a hegemonia do paradigma consolidado. Seria instalado, assim, um período “pré-paradigmático”, no qual a competição entre paradigmas seria a tônica. Essa competição, por sua vez, levaria novamente ao ciclo da emergência e consolidação de um “paradigma hegemônico”.

Essa maneira de abordar a prática científica confere grande relevo à análise da dinâmica histórica da emergência e da consolidação de um paradigma. Essa abordagem também apresenta maior realismo quanto ao caráter da atividade científica. No caso da teoria da escolha racional, a abordagem kuhniana é bastante profícua, ajudando a organizar analiticamente as relações estruturais contidas em seu desenvolvimento histórico. Acima de tudo, a proposta de kuhniana possibilita apreender a maneira pela qual a teoria da escolha racional, em sua vertente institucionalista, acabou se constituindo naquilo que o próprio autor chama de “paradigma hegemônico”, responsável pela prática da “ciência normal”, das pesquisas que se têm desenvolvido na Ciência Política contemporânea.

A Crise do Institucionalismo e a Revolução Comportamentalista

Até a Segunda Guerra Mundial, os estudos políticos eram majoritariamente voltados às reflexões formais e especulativas, tributárias da filosofia política e do direito. Essas abordagens, caracterizadas como institucionalistas, àquela altura estavam sendo consideradas ineficientes para explicar os novos fenômenos políticos que surgiram a partir dos anos 1930. Assim, depois da Segunda Guerra, os estudos passaram a enfocar a dinâmica real da política, com ênfase em hipóteses verificáveis e na busca de

Page 30: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

29

generalizações. Esses novos estudos não apenas passavam a incorporar as técnicas mais avançadas de análise estatística, como passavam também a abranger outros países, de forma a agregar à Ciência Política o método comparativo, já bastante utilizado na Sociologia e na Antropologia, provocando importante ruptura epistemológica que conduziu a grandes avanços na sofisticação analítica e metodológica. Duas coisas importantes ocorriam naquele momento. De uma parte, as anomalias que passavam a caracterizar o paradigma institucionalista; de outra, aquilo que passou a ser designado como a “revolução comportamentalista” no campo da Ciência Política.

De certa forma, O behaviorismo representou uma rejeição aos métodos e às análises de então. A Ciência Política tradicional era predominantemente institucionalista, e foi contra esse institucionalismo que o comporatamentalismo se insurgiu. Segundo Steinmo (1997, 03), “it was obvious that the formal laws, rules, and administrative structures did not explain actual political behavior or policy outcomes”. Dahl (1961, 766), num texto em que debate a questão, chegou a salientar que:

Historically speaking, the behavioral approach was a protest movement within political science. (...) Terms like political behavior and the behavioral approach came to be associated with a number of political scientists, mainly Americans, who shared a strong sense of dissatisfaction with the achievements of conventional political science, particularly through historical, philosophical, and the descriptive institutional approaches (...).

Contudo, além do protesto contra o institucionalismo formalista e da defesa de

maior cientificidade, outro fator importante contribuiu para a emergência e o crescimento institucional da escola comportamentalista (cf. Somit and Tanenhaus: 1982), qual seja, a incapacidade que os teóricos institucionalistas mostraram diante da necessidade de explicação sistemática de fenômenos importantes da época, como o nazismo, o fascismo e o socialismo; o que acarretou na perda de terreno acadêmico-institucional para outras ciências, como a Sociologia e a Psicologia.5 Ou seja, cada vez mais ficava evidente que o paradigma institucionalista não era eficiente para explicar uma série variada de fenômenos, o que significa que esse paradigma não era mais capaz de solucionar problemas teóricos e práticos prementes. Essas anomalias foram se avolumando até um ponto de saturação, possibilitando a emergência de novas formas de explicação, que passariam a concorrer com este paradigma.

Outro fator da maior relevância para a emergência de um paradigma concorrente foi a grande influência que pesquisadores e teóricos europeus que se instalaram nas Universidades norte-americanas exerceram na formação de novos cientistas políticos e na condução de pesquisas. Estes intelectuais trouxeram maior rigor teórico, novas perspectivas analíticas, habilidades em estatística e, acima de tudo, 5 Haveria ainda outros fatores, como a desvalorização dos trabalhos de cientistas políticos institucionalistas pelo governo norte-americano, especialmente pela clara incongruência entre as digressões teóricas produzidas e os imperativos impostos pela prática do governo. Outro fator fundamental também foi a ineficiência da aplicação, logo depois da Segunda Guerra, do modelo político norte-americano (democracia com capitalismo) em países não-industrializados, o que impôs a necessidade de estudos empíricos comparativos – neste caso, houve o incentivo ao surgimento da abordagem comparativa da escola comportamentalista, com ênfase na cultura política e nas atitudes dos atores sociais (Eckstein: 1988; Somit and Tanenhaus: 1982; Pasquino: 1994).

Page 31: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

30

uma visão multidisciplinar. Com relação a isso, Dahl (1961, 766) observava que “a number of these scholars who came to occupy leading positions in departments of Sociology and Political Science insisted on the relevance of sociological and psychological theories for an understanding of politics”. Esse elemento histórico revela mostra ainda a constituição de uma comunidade científica que, de maneira abrupta, devido a causas extra-científicas, como as migrações provocadas pela ascensão nazista, chegou ao contexto norte-americano trazendo novas formas de abordagens e novas maneiras de enfocar problemas políticos. Essa comunidade já se caracterizava por interesses em comum e por metodologias parecidas, o que teria não apenas facilitado a constituição de uma massa crítica trabalhando em torno de novas questões, como também teria facilitado a constituição de um grupo de teóricos e analistas envolvidos na tarefa de impor um novo paradigma.

O Período Pré-Paradigmático

Como vimos até aqui, é possível perceber que há dois elementos fundamentais que caracterizam a “revolução comportamentalista”. O primeiro é sua posição duramente crítica em relação à escola institucionalista, propondo uma teoria positiva, sem pretensões normativas, e uma análise empírica mais rigorosa. O segundo é sua proposta pragmática de utilizar, de maneira unificada, abordagens metodológicas de outras ciências, como a Sociologia, a Antropologia, a Economia e a Psicologia, justamente com o objetivo de aprimorar suas análises empíricas. Esses dois elementos compuseram as forças motrizes fundamentais de seu movimento em busca de maior cientificidade e de maior reconhecimento social. De acordo com Somit e Tanenhaus (ibid, 183), essas características do comportamentalismo permitem afirmar que o “(...) behavioralism was unmistakably a lineal descendant of the antecedent science of politics movement”. Realmente, muitas dessas características podem ser identificadas nas propostas que um dos fundadores da Ciência Política norte-americana, Charles Merriam (1925), já defendia nos anos 1920.

Como pretendia Merriam, a emergência da escola comportamentalista provocou um deslocamento radical do foco de investigação, passando das instituições jurídicas e administrativas para o comportamento dos atores políticos (Redford: 1962). Essa ruptura epistemológica provocada pela escola comportamentalista causou tanto impacto que alguns cientistas políticos a caracterizaram como uma “revolução científica” (cf. Somit and Tanenhaus: 1982) de acordo com os critérios de mudança de paradigma científico estabelecidos por Kuhn (2000). Isso pode ser encontrado, por exemplo, em dois discursos presidenciais da APSA em meados dos anos 60, totalmente dedicados à questão (Truman: 1965; Almond: 1966).

Assim sendo, o comportamentalismo atingiria seu ponto máximo durante os anos 1950 e 1960 (Weiberg: 1986), tanto no que se refere à adesão teórica como no que se refere a sua preponderância nos espaços institucionais [departamentos universitários, instituições de pesquisa, assessoria ao governo]. Entretanto, o paradigma comportamentalista, embora hegemônico, não se estabeleceu de forma incontroversa. Pelo contrário; foi grande a polêmica e o debate dos herdeiros do institucionalismo com a “nova” ciência da Política. Grande parte dessa controvérsia foi registrada em textos que proliferaram ao longo daqueles anos (cf. Butler: 1958; Charlesworth: 1962; Dahl: 1963,1961; Easton: 1953, 1965; Eulau: 1963; Eulau,

Page 32: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

31

Eldersveld and Janowitz: 1956; Hyneman: 1959; Lasswell: 1963; Lasswell and Kaplan: 1950; Morgenthau: 1946; Ranney: 1962, 1955; Strauss: 1953; Truman: 1951, 1965; Voegelin: 1952; Young: 1958).

De maneira genérica, as críticas se concentravam nas insuficiências desse tipo de análise para a compreensão de várias dimensões do fenômeno político, por um lado, e, por outro, ao seu distanciamento em relação ao mundo real. Dahl (1961) foi um dos maiores críticos desse tipo de abordagem, destacando a insuficiência de um tipo uma explicação que era voltada exclusivamente à ação dos indivíduos.

As Anomalias de um Paradigma em Nascimento

Até meados dos anos 1960, o comportamentalismo da Ciência Política utilizava conceitos, metodologias e abordagens emprestados da Psicologia e da Sociologia, o que já gerava críticas como as apresentadas acima. Mas, outra ciência vizinha veria a emprestar sua própria abordagem comportamentalista à Ciência Política a partir dos anos 1970, a Economia com sua teoria da escolha racional. O comportamento, nesse caso, deveria ser analisado enquanto um processo de tomada de decisão individual, sendo a racionalidade instrumental a premissa do processo decisório. Mas, tal adesão levou o comportamentalismo da Ciência Política a uma nova frente de críticas. A crítica mais consistente já havia sido apresentada poucos anos antes por um economista e consistia na demonstração de que as racionalidades individuais, centro das decisões, levariam à irracionalidade coletiva. Essa demonstração, apresentada por Arrow (1957), partia do reconhecimento de que a política é o reino da escolha coletiva, sendo que tal escolha, quando reduzida às decisões individuais, pautadas pelos critérios da racionalidade instrumental, produziriam instabilidade nas decisões ou injustiça.

A contribuição desse autor partiu de seu propósito de solucionar dois importantes paradoxos da teoria da escolha racional. O primeiro paradoxo reside no fato de que a busca de maximização do bem-estar individual gera resultados coletivos indesejados. O segundo consiste no fato de que a soma das decisões individuais é diferente da decisão coletiva resultante. Na verdade, em termos teóricos, ocorreria um retorno ao dilema hobbesiano; mas, alguns esforços para resolver o problema da agregação das preferências já datam do século XVIII. Jean Charles Borda foi o primeiro filósofo e matemático a desenvolver uma teoria da votação com recursos matemáticos, segundo a qual uma eleição com voto único seria viável para uma eleição entre apenas dois candidatos. A inclusão de um terceiro candidato poderia significar a eleição de um candidato rejeitado pela maioria dos eleitores, mas com o maior número de votos. No final do Século XVIII, o Marquês de Condorcet aplicou recursos matemáticos para encontrar uma solução para uma situação de conflito entre indivíduos que estão diante de um conjunto de alternativas emparelhadas. A falha ao encontrar o vencedor Condorcet, levaria ao cerne do problema do fundamento da decisão coletiva. Como podemos perceber, todos os problemas enfrentados pelos filósofos do século XVII e XVIII - Thomas Hobbes, Jean Charles Borda e Marquês de Condorcet – giram em torno da tomada de decisão coletiva.

O raciocínio desenvolvido por Arrow (1957), na verdade, retoma de maneira formalizada os argumentos centrais daqueles filósofos. A preocupação do autor é dirigida aos problemas típicos de uma democracia capitalista, em que há dois métodos

Page 33: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

32

de escolha social: a votação, tipicamente usada para as decisões políticas, e o mecanismo de mercado, tipicamente usado para as decisões econômicas. A questão central que motiva sua análise é a seguinte: por que as ações individuais podem gerar resultados indesejados coletivamente? Sua resposta é que não existe unanimidade completa entre os indivíduos que tomam decisões. Mesmo sendo possível representar os estados sociais, os indivíduos têm preferências distintas sobre as alternativas, implicando, muitas vezes, na rejeição de uma atitude orientada socialmente em direção a uma solução democrática. Portanto, a questão relevante para Arrow (1957) é saber se existe uma racionalidade coletiva que implica reconhecimento de uma regra de ação capaz de satisfazer as condições do princípio de Pareto, não-ditadura e independência das alternativas irrelevantes. A conclusão do Teorema Geral da Impossibilidade é que nenhuma regra de escolha coletiva satisfaz tais condições. Esses problemas colocados por Arrow (1957) feriram de morte a teoria da escolha racional em sua vertente mais ortodoxa, uma vez que o autor demonstrou matematicamente que a racionalidade individual não garantiria a racionalidade coletiva.

Contudo, uma das críticas dirigidas ao autor é que seu mundo é extremamente teórico e desconsidera o papel desempenhado pelas instituições na regulação do conflito político. No mundo político real, as preferências individuais geralmente são restritas de acordo com as alternativas disponíveis e, na maioria das vezes, o processo decisório consegue agregar o maior número dessas preferências sem maiores problemas. Se as escolhas políticas devem ser feitas diante de duas alternativas disponíveis, os procedimentos tradicionais de regras majoritárias, existentes em qualquer democracia, resolvem o problema da ação coletiva sem maiores dificuldades (Rikker: 1982). Além das críticas teóricas, houve críticas ainda mais contundentes baseadas em dados empíricos. Estudos que abordavam os processos legislativos nos Estados Unidos, conforme mostra o trabalho de Rikker (1962), traziam evidências empíricas de que, a despeito da instabilidade necessária prevista matematicamente pelo modelo, as decisões coletivas chegam a um bom termo e apresentavam estabilidade.

Dessa maneira, a teoria da ação racional enfrentava anomalias tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista empírico. No momento em que essa teoria começava a se impor como um paradigma hegemônico na Ciência Política comportamentalista dos anos 1950 e 1960, tais anomalias propiciaram o ressurgimento da abordagem institucionalista. O paradoxo enfrentado pelos cientistas políticos naquele momento consistia no fato de que eles não aceitavam as premissas do institucionalismo antigo, nem poderiam usar, de maneira consistente, a teoria da escolha racional em sua versão ortodoxa. A solução, então, foi combinar, de alguma forma, elementos do institucionalismo com elementos da teoria da escolha racional. Dessa combinação surgiu o paradigma atual do neo-institucionalismo [rational choice institutionalism].

Inicialmente, esse novo paradigma foi aplicado nos estudos legislativos do congresso Norte Americano, de forma que a existência de maiorias estáveis foi explicada pela maneira pela qual as regras de procedimentos e as comissões legislativas estruturam a escolha e as informações que são dispostas a seus membros. Essas regras condicionariam as decisões individuais dos representantes eleitos no processo decisório e, mais especificamente, na votação nominal. Em termos gerais, as instituições

Page 34: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

33

diminuiriam os custos de transação entre os representantes, de modo a induzir à estabilidade política. Em resumo, as instituições resolveriam a maior parte dos problemas de ação coletiva, ordenando o funcionamento dos trabalhos legislativos. Assim, as instituições estariam de volta, só que agora como indutoras do equilíbrio, como produtoras da racionalidade coletiva.

Assim, o comportamentalismo perdeu força e, no início dos anos 1970, a escola institucionalista foi revitalizada. O institucionalismo ressurgiu mantendo a proposta de colocar as instituições no centro da análise, mas, dessa vez, apresentando as mesmas preocupações que caracterizaram o comportamentalismo com relação à cientificidade. Esse ressurgimento revitalizado e hibridizado recebeu o nome de neo-institucionalismo. A junção de premissas da teoria da escolha racional com a perspectiva institucionalista possibilitou explicar uma série de problemas políticos concretos e se constituiu como um paradigma repleto de promessas de novas realizações. As preferências dos atores que tomam decisão não mais eram apreendidas em um vácuo ambiental, pelo contrário, as escolhas só faziam sentido em um contexto institucional (Dimaggio and Powell: 1991). Com isso, o comportamento eleitoral e o comportamento do parlamentar ganharam mais realismo e a teoria ganhou maior poder explicativo (Pierson: 1996; Norgaard: 1996).

Rational Choice Institucionalism como Paradigma Hegemônico

Segundo a argumentação inicial, a proposta kuhniana é mais adequada à análise da teoria da escolha racional em sua vertente institucionalista. Como pudemos perceber, houve um processo histórico em que o comportamentalismo se impôs diante do institucionalismo. No âmbito da abordagem comportamentalista, a teoria da escolha racional começou a se impor como um paradigma dominante, mas, desde seu início, ficou sujeito a críticas e rejeições. As rejeições tiveram base lógica e empírica. No início dos anos 1970, a solução institucionalista para o paradoxo das decisões coletivas trouxe novas perspectivas para a análise política. A partir de então, o neo-institucionalismo centrado numa teoria da escolha racional, digamos, heterodoxa, foi sendo cada vez mais utilizado, até que, a partir dos anos 1980, esse paradigma se consolidou na comunidade científica, passando a ser um paradigma hegemônico.

Esse predomínio já foi mostrado pela análise das publicações nas principais revistas internacionais de Ciência Política. Segundo levantamento de Riba (1996), abrangendo o período de 1950 a 1990, é possível constatar que o uso da matemática foi empregado antes nos Estados Unidos e, depois, na Europa e, tardiamente, na América Latina. Atualmente, as revistas norte-americanas empregam mais instrumental matemático (60% dos artigos) do que revistas européias (50%) e latino-americanas (30%). Esses números podem ser explicados pela ênfase das revistas em determinadas abordagens nos estudos políticos e das inclinações pessoais de seu corpo editorial que vêm privilegiando o emprego de técnicas de formalização quantitativas. Na verdade, a evolução do uso da matemática na Ciência Política pode ser dividida em seis períodos. No primeiro período, do fim do século XVIII ao século XIX, alguns elementos de cálculo, probabilidade e símbolos lógicos foram usados na análise de questões políticas. No segundo período, datado do início do século do XX, a matemática praticamente deixou de ser usada. No terceiro, a partir de 1920, as descrições empíricas procuraram usar técnicas de estatística descritiva. No quarto período, entre 1940 e 1960, o uso de

Page 35: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

34

matemática aumentou consideravelmente, mas ficou restrito a uma área descritiva da Estatística, mais precisamente, à análise multivariada. No quinto período, entre 1960 e 1980, os cientistas políticos reiniciaram o uso de cálculo e símbolos lógicos, principalmente vinculados à geometria analítica, ao cálculo de probabilidades e à teoria dos jogos. Finalmente, no sexto período, desde 1980, é possível observar a coexistência de estatística, cálculo, geometria, símbolo lógico e teoria dos jogos.

Essa evolução histórica que culminou no uso maciço de instrumental matemático pode ser atribuída à mudança no tipo de problema de interesse da área de Ciência Política. As abordagens da política do ponto de vista legal – comuns até os meados do século XX –, como o estudo dos clássicos do pensamento político ou da história das idéias políticas, não precisam do uso desse instrumental. Por sua vez, as abordagens indutivistas/empíricas usam extensivamente técnicas estatísticas descritivas. As abordagens analíticas e dedutivas próprias da teoria política positiva, da teoria da escolha racional e de parte da área de Relações Internacionais usam cálculo, geometria, lógica simbólica e teoria dos jogos. Em termos metodológicos, é possível identificar claramente duas correntes distintas; uma é a corrente empírico-indutivista, que usa basicamente técnicas estatísticas para a análise dos dados, a outra é a corrente analítico-dedutiva, que usa técnicas da escolha racional, principalmente aquelas baseadas nas teorias das decisões. Esta última corrente se expandiu a partir da década de 1970 e começou a se consolidar a partir da década de 1980, com a generalização da aplicação da teoria da escolha racional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste texto era apresentar uma análise epistemológica da teoria da escolha racional e confrontá-la com os critérios de Popper (1972, 1975) e Kuhn (2000). O argumento central estabelecia que a teoria da escolha racional ganha maior inteligibilidade se analisada nos termos kuhnianos.

Conforme foi discutido, o rational choice institutionalism, de fato, passou a se impor como um paradigma hegemônico, e sua emergência e sua consolidação ocorreu por um processo de competição com o antigo institucionalismo e com o comportamentalismo. Essa situação pré-paradigmática se prolongou até os anos 1970, quando, finalmente, a solução institucionalista ao problema da racionalidade individual se impôs como paradigma hegemônico.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ADCOCK, C. (1959). Fundamentals of Psychology. London: Methuem and Co. Ltd.

ALMOND, Gabriel (1988). “The Return to State”, American Political Science

Review, Vol. 82, n. 03.

__________________(1966). “Political Theory and Political Science”, American Political Science Review, Vol. 60.

Page 36: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

35

BARNES, Harry (1948). Historical Sociology: Its Origins and Development. New

York: Philosophical Library.

BARRY, Brian (1978). Sociologists, Economists and Democracy. Chicago: Chicago

University Press.

BUTLER, David (1958). The Study of Political Behavior. London.

CHARLESWORTH, James (Ed.) (1962). The Limits of Behavioralism in Political Science.

Philadelphia.

COX, Gary (1999). “The Empirical Content of Rational Choice Theory: A Reply to Green and Shapiro”, Journal of Theoretical Politics, Vol. 11, N. 02.

DAHL, Robert (1961). “The Behavioral Approach”, American Political Science Review, Vol. 55, n. 04.

______________(1963). Modern Political Analysis. New Jersey: Englewood Cliffs.

DIMAGGIO, Paul and POWELL, Walter (1991). “Introduction”; In: DIMAGGIO and POWELL (Eds), The New Institutionalism in Organizational Analysis. Chicago: University of Chicago Press.

DOWNS, Anthony (1999). Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp.

DRYZEK, john and LEONARD, Stephen (1988). “History and Discipline in Political Science”, American Political Science Review, Vol. 82, n. 04.

EASTON, David (1953). The Political System. New York: The Free Press.

_______________(1965). A Framework for Political Analysis. New Jersey: Englewood Cliffs.

ECKSTEIN, Harry (1988). “A Culturalist Theory of Political Change”, American Political Science Review, Vol. 82, n. 03.

EULAU, Heinz (1963). The Behavioral Persuasion. New York.

EULAU, Heinz; ELDERSVELD, Samuel and JANOWITZ, Morris (Eds.) (1956). Political Behavior: A Reader in Theory and Research. Illinois: Glencoe.

GUNNEL, John (1988). “American Political Science, Liberalism, and the Invention of

Political Theory”, American Political Science Review, Vol. 82, n. 01.

GRAHAM, Wallas (1920). Human Nature in Politics. London: Edinburgh University Press.

GREEN, Donald; SHAPIRO, Ian (1994). Pathologies of Rational Choice Theory. New Haven: Yale University Press.

GOODIN, Robert (Ed.) (1998). The Theory of Institutional Design. Cambridge:

Cambridge University Press.

HAGGARD, Stephen and McCUBBINS, Mathew (Eds.) (2001). Presidents, Parliaments, and Policy. Cambridge: Cambridge University Press.

Page 37: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

36

HAMBURGER, Henry (1979). Games as Models of Social Phenomena. New York:

Freeman and Company.

HELD, David (1995). Modelos de Democracia. Belo Horizonte: Paidéia.

HENNEMAN, Richard (1966). The Nature and Scope of Psychology. New York: Brown

Company.

HYNEMAN, Charles (1959). The Study of Politics. Illinois: Urbana.

HOBBES, Thomas (1996). O Leviatã. São Paulo: Nova Cultural.

_________________(2000). De Cive. São Paulo: Martins Fontes.

INGLEHART, Ronald (1988). “The Renaissance of Political Culture”, American Political Science Review, Vol. 82, n. 04.

JEPPERSON, Ronald (1991). “Institutions, Institutional Effects, and Institutionalism”; In: DIMAGGIO and POWELL (Eds), The New Institutionalism in Organizational Analysis. Chicago: University of Chicago Press.

KUHN, Thomas (2000). The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: Chicago

University Press.

LASSWELL, Harold (1963). The Future of American Politics. New York.

LASSWELL, Harold and KAPLAN, Abranham (1950). Power and Society: A Framework for Political Inquiry. New Haven: Yale University Press.

LEISERSON, Avery (1956 ). “Problems of Methodology in Political Research”; In: EULAU, ELDERSVELD and JANOWITZ (Eds.), Political Behavior: A Reader in Theory and Research. Illinois: The Free Press.

LIMONGI, Fernando (1994). “O Novo Institutionalismo e os Estudos Legislativos: A

Literatura Norte-Americana Recente”, BIB, n. 37.

LUCE, R. Duncan & RAIFFA, Howard (1957). Games and Decision. New York: Dover Publications.

MAQUIAVEL, N. (1996). O Príncipe. São Paulo: Nova Cultural.

_________________(1998). Comentários Sobre a Segunda Década de Tito Lívio. Brasília: UnB.

MARCH, James and OLSEN, John (1984). “The New Institutionalism: Organizational Factors in Political Life”, The American Political Science Review, Vol. 78, n. 03.

MERRIAM, Charles (1925). New Aspects of Politics. Chicago: University of Chicago

Press.

MILL, John Stuart (1978). Representative Government. London: Britannica.

_________________(1978). On liberty. London: Britannica.

_________________(1999). A Lógica das Ciências Morais. São Paulo: Iluminuras.

Page 38: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

37

_________________(2000). O Utilitarismo. São Paulo: Iluminuras.

MORGENTHAU, Hans (1946). Scientific Man Versus Power Politics. Chicago.

NEE, V. (1998). “Sources of the New Institutionalism”; in: BRINTON, Mary and NEE, V. (Eds.), The New Institutionalism in Sociology. London: Sage.

NORDLINGER, Eric; LOWI, Theodore and FABBRINI, Sergio (1988). “The Return to the State: Critiques”, American Political Science Review, Vol. 82, n. 03.

NORGAARD, Sonne (1996). “Rediscovering Reasonable Rationality in Institutional

Analysis”, European Journal of Political Research, n. 29.

OLSON, Mancur (1999). A Lógica da Ação Coletiva. São Paulo: Edusp.

OPP, Karl-Dieter (1999). “Contending Conceptions of the Theory of Rational Action”,

Journal of Theoretical Politics, Vol. 11, N. 02.

PASQUINO, Gianfranco (1994). “Comportamentismo”; In: BOBBIO, N.; PASQUINO, G. and MATTEUCCI, N., Dicionário de Política. Brasília: UnB.

PIERSON, Paul (1996). “The New Politics of the Welfare State”, World Politics, Vol. 48, n. 02.

_______________(2000). “Path Dependency, Increasing Returns and the Study of Politics”, American Political Science Review, Vol. 94, n. 02.

POPPER, Karl (1972). A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix.

______________(1975). Conhecimento Objetivo. São Paulo: Edusp.

RANNEY, Austin (Ed.) (1962). Essays on the Behavioral Study of Politics. Illinois:

Urbana.

REDFORD, Emmette (1961). “Reflections on a Discipline”, American Political Science Review, Vol. 55, n. 04.

REMMER, Karen (1997). “Theoretical Decay and Theoretical Development: The

Resurgence of Institutional Analysis”, Wold Politics, Vol. 50, n. 01.

RIKKER, William (1962). The Theory of Political Coalitions. Chicago: Chicago

University Press.

________________(1982). Liberalism against Populism. Chicago: Chicago Univesity Press.

SKOCPOL, Theda (1985). “Bringing the State Back in: Strategies of Analysis in Current Research”; In: EVANS, Peter; RUESCHEMEYER, Dietrich and SKOCPOL, Theda, Bringing the State Back in. Cambridge: Cambridge University Press.

SMITH, Rogers (1988). “Political Jurisprudence, the New Institutionalism, and the Future of Public Law”, American Political Science Review, Vol. 82, n. 01.

Page 39: O 'Homem Econômico' vai ao Fórum: Uma Análise Meta-Teórica

38

SOMIT, Albert and TANENHAUS, Joseph (1982). The Development of American

Political Science. New York: Irvington Publishers.

STEINMO, Sven; THELEN, Kathleen and LONGSTRETH, Frank (1997). Structuring Politics: Historical Institutionalism in Comparative Analysis. Cambridge: Cambridge University Press.

STRAUSS, Leo (1953). Natural Right and History. Chicago: Chicago University Press.

TAYLOR, Michael (1987). The Possibility of Cooperation. Cambridge: Cambridge

University Press.

TRUMAN, David (1951). The Governmental Process. New York: The Free Press.

________________(1965). “Disillusion and Regeneration: The Quest for a Discipline”. American Political Science Review, Vol. 59.

TSEBELIS, G. (1997). Jogos Ocultos. São Paulo: Edusp.

VOEGELIN, Eric (1952). The New Science of Politics: An Introductory Essay. Chicago: Chicago University Press.

YOUNG, Roland (Ed.) (1958). Approaches to the Study of Politics. Illinois: Evanston.

WEST, Ranyard (1950). Conscience and Society. London: Metheuen and Co.