172
Ana Cecília de Oliveira Gândara Boa-Ventura O Impacto da Comissão Europeia nas Dinâmicas de Mudança no Ensino Superior da UE Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, na área de especialização em Estudos Europeus, apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra para obtenção do grau de Mestre. Orientador: professor doutor Augusto Rogério Leitão Coimbra, 2012

O Impacto da Comissão Europeia nas Dinâmicas de Mudança no ... Impacto... · O Impacto da Comissão Europeia nas Dinâmicas de Mudança no Ensino Superior da União Europeia Sumário

  • Upload
    phamnhu

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Ana Ceclia de Oliveira Gndara Boa-Ventura

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de

Mudana no Ensino Superior da UE

Dissertao de Mestrado em Relaes Internacionais, na rea de especializao em

Estudos Europeus, apresentada Faculdade de Economia da Universidade de

Coimbra para obteno do grau de Mestre.

Orientador: professor doutor Augusto Rogrio Leito

Coimbra, 2012

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Sumrio

III

Mestrado em Relaes Internacionais

Sumrio

Em 2013 termina o programa PROALV que dar lugar a um novo programa global

no mbito do ensino superior: o Erasmus for All. A ser aprovado nos termos em

que foi proposto, o programa originar uma profunda mudana na tradicional

universidade humboldtiana e provavelmente uma viragem neoliberal definitiva. Esta

a altura de repensar o ensino superior europeu e decidir se o caminho passa pela

adeso a um certo tipo de universidade, que vive para satisfazer os rankings e vender

programas ou, se pelo contrrio, o ensino superior europeu deve primar pela

diferena e manter a prtica da universidade como um bem pblico.

A mudana de paradigma que se tem vindo a verificar no ensino superior - da

cooperao para a competio - no s resultado do panorama internacional e de

uma crescente globalizao que devemos considerar como inevitvel mas tambm

promovida internamente na UE.

Esta tese examina o papel da Comisso Europeia (CE) nessa mudana, especificando

os instrumentos utilizados para a promover. A anlise foi realizada sob o

enquadramento terico do Institucionalismo discursivo e a trs nveis: institucional,

poltico e de governao. Sempre que possvel realizou-se a triangulao dos trs

nveis para compreender at que ponto a influncia da CE foi importante no desenhar

da universidade do sculo XXI.

IV O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia Sumrio

Mestrado em Relaes Internacionais

Para a concretizao do objetivo proposto recorreu-se especialmente a fontes

primrias, aprendizagem decorrente da participao em quatro conferncias sobre o

tema e a trs entrevistas realizadas: um funcionrio da DG-Educao da CE, a um

especialista em liderana no ensino superior e a um membro do Bologna Follow-Up

Group (BFUG).

Este estudo sugere o interesse de uma anlise longitudinal da influncia da CE sobre

o ensino superior no perodo ps-Lisboa, com nfase nas consequncias das

variaes na governao que refletem essa influncia e as flutuaes no equilbrio de

poderes subnacional, nacional e supranacional.

Palavras-Chave: Internacionalizao, Globalizao, Paradigma, Mobilidade,

Aprendizagem ao Longo da Vida, Governao.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Abstract

V

Mestrado em Relaes Internacionais

Abstract

In 2013, the Life Long Programme ends and a new global programme of higher

education will rise in Europe: Erasmus for All. This programme is being the object

of public discussion in the European Parliament at the time this study is taking place.

If it is approved in the terms it was proposed, it will change the face of the

humboldtian university and will probably lead us to a final neoliberal turn. This is the

right moment to rethink higher education and decide if the new path will be

represented by a certain type of university that lives for rankings and to sell

programmes or if the European system of higher education should strive to be

different, and defend the idea of university as public good.

The paradigm shift that has been taking place in higher education-from cooperation

to competition- is not only the result of the international environment and of an

increasing and inevitable globalization but also of an internal promotion by the EU.

This thesis examines the role of the European Commission in this shift, and specifies

the tools used to promote it. The theoretical frame is the discursive Institutionalism

and the study was developed in three levels: institutional, political and governance.

Whenever possible, a triangulation of the three levels was conducted, in order to

understand the influence of the European Commission in the genesis of the XXI

century university.

VI O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia Abstract

Mestrado em Relaes Internacionais

To conduct this study, primary sources were used, and three interviews were

conducted: to a staff member of DG-Education in Brussels, an expert in higher

education leadership and a member of the Bologna Follow-Up Group (BFUG). The

knowledge gathered through the participation in four thematic conferences was also

pivotal.

This study suggests the need to conduct a longitudinal analysis on the influence of

the European Commission in higher education after the Lisbon treaty, stressing the

governance turn and the balance of power between the Council and the Commission

at the subnational/national and supranational levels.

Key Words: Internationalization, Globalization, Paradigm, Mobility, Lifelong

Learning, Governance.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Agradecimentos

VII

Mestrado em Relaes Internacionais

Agradecimentos

No final desta minha pesquisa e tendo em conta as limitaes de tempo da minha

vida profissional e pessoal, agradeo a todos aqueles de alguma forma contriburam

para concluir esta minha caminhada de um ano.

Ao meu orientador professor doutor Augusto Rogrio Leito que me ajudou a

questionar; ao professor doutor Jos Manuel Silva, por me ter deixado voar; aos

professores doutores Carmen Mendes e Andr Barrinha, por tudo o que me

ensinaram; aos meus colegas de curso que sempre me acolheram como um deles

apesar da diferena de idade, ao professor doutor Pedro Lourtie, pela inestimvel

colaborao; ao professor doutor Maral Grilo pela inspirao; minha colega dra.

Rita Gaivoto pela valiosa ajuda na reviso; minha colega dra. Naide Martins, pelo

apoio, e por ter assumido diversas vezes uma sobrecarga de trabalho sempre com um

sorriso nos lbios, revelando a nobreza de carter que sempre lhe reconheci.

Finalmente minha maravilhosa irm que embora vivendo a milhares de quilmetros

de distncia nunca deixou de ser a minha referncia e a minha fora.

Em memria de meu pai

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

ndice

IX

Mestrado em Relaes Internacionais

ndice

Introduo ................................................................................................................. 17

I. O Contexto ............................................................................................................. 25

I.1. Sumrio ............................................................................................................. 25

I.2. A evoluo da Universidade Europeia ............................................................. 26 I.3. Mudana de Paradigma Cooperao/Competio ......................................... 30 I.4. Internacionalizao versus Globalizao ......................................................... 41

I.5. Europeizao .................................................................................................... 49

II. As Instituies ...................................................................................................... 53

II.1. Sumrio ........................................................................................................... 53 II.2. De Bolonha a Lisboa a mo invisivel da CE ............................................ 55

II.3. Think European for Global Action .............................................................. 69 II.4. As IES e os Novos Desafios ............................................................................ 77

III. As Polticas .......................................................................................................... 85

III.1. Sumrio .......................................................................................................... 85

III.2. A Sociedade do Conhecimento ...................................................................... 87 III.3. A Mobilidade no Ensino Superior ................................................................. 92

III.4. Aprendizagem ao Longo da Vida ................................................................ 108 III.5. Dimenso social ........................................................................................... 120

IV. A Governao ................................................................................................... 131

IV.1. Sumrio ........................................................................................................ 131 IV.2. O Excesso de Passado da UE e a Governao ......................................... 131 IV.3. Hard Law e Soft Law ................................................................................... 137

IV.4. Discurso e Governao ................................................................................ 147 IV.5. Metagovernao? ......................................................................................... 152

Concluso ................................................................................................................. 157

Fontes Primrias ..................................................................................................... 159

Bibliografia .............................................................................................................. 165

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Lista de Quadros/Tabelas

XI

Mestrado em Relaes Internacionais

Lista de Quadros

Quadro 1 Programas mais importantes da UE para o ensino superior ................... 97

Quadro 2 Criao e consolidao da ALV de 1993 a 2000 .................................. 115

Quadro 3 Modos de governao na UE ................................................................ 153

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Lista de Figuras/Mapas

XIII

Mestrado em Relaes Internacionais

Lista de Figuras

Figura 1 Fatores de Internacionalizao ................................................................. 44

Figura 2 Comparao Bolonha / Follow-up / Lisboa ............................................. 62

Figura 3 A Declarao de Bolonha versus a Estratgia de Lisboa ......................... 76

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Lista de Acrnimos

XV

Mestrado em Relaes Internacionais

Lista de Acrnimos

ALV Aprendizagem ao Longo da Vida

BFUG Bologna Follow-Up Group

CE Comisso Europeia

DB Declarao de Bolonha

DGE-CE Direo-Geral de Educao da Comisso Europeia

EEES Espao Europeu de Ensino Superior

EEI Espao Europeu de Investigao

E&F Educao e Formao

EL Estratgia de Lisboa

EUA European University Association

ESU European Students Union

ID Institucionalismo Discursivo

IES Instituies de Ensino Superior (abrangendo Universidades e Politcnicos)

IH Institucionalismo Histrico

IR Institucionalismo Racional

IS Institucionalismo Sociolgico

MAC Mtodo Aberto de Coordenao

PB Processo de Bolonha

PEV Poltica Europeia de Vizinhana

PLA Peer Learning Activities

PROALV Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida

TIC Tecnologias da Informao e Comunicao

TL Tratado de Lisboa

XVI O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia ndice

Mestrado em Relaes Internacionais

UE Unio Europeia

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Introduo

17

Mestrado em Relaes Internacionais

Introduo

Hier a semblait la fois plus court et plus long, de toute faon on

avait pas eu lide de compter, puisque a ntait pas termin. A

prsent, cest termin. Ctait un faux avenir. Tout ce quon a vecu

depuis vingt ans, on la vecu faux. Nous tions appliqus et

srieux, nous essayions de comprendre

(Sartre, J. P (1972) Les Chemins de la Libert. vol.2,

Gallimard.Paris: 86.)

O repensar o ensino superior na UE faz parte do processo de mudana que se tem

produzido, especialmente nos ltimos trinta anos. No panorama nacional e

internacional, alteraes polticas, relaes pblico-privadas, a globalizao

econmica, as tecnologias da informao e da comunicao, a relao entre o local, o

nacional, a Europa e o resto do mundo e a crise so fatores que interligados

determinam a face da universidade no sculo XXI. No momento em que nova

mudana se avizinha com a estratgia 2020 e a entrada de um novo programa

comunitrio abrangente e transversal ao ensino superior, urge fazer uma anlise do

percurso desenvolvido na rea e a influncia de uma instituio em particular, a CE,

na definio desse percurso.

A questo que pretendo colocar prende-se com o papel da CE nessa mudana, mais

concretamente, com os instrumentos utilizados para a promover junto das instituies

de ensino superior (IES). Comearei por contextualizar o panorama universitrio dos

ltimos 30 anos a nvel internacional, dividindo-se os trs captulos seguintes no

processo de integrao das IES promovido pela CE, a trs nveis: nvel institucional,

nvel das polticas e, finalmente, nvel da governao, fazendo, sempre que possvel,

18 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia Introduo

Mestrado em Relaes Internacionais

a triangulao dos aspetos relevantes sob as trs perspetivas no desenhar das IES no

sculo XXI.

A anlise ter como base maioritariamente fontes primrias o stio da CE, da DG-

Educao e Cultura, assim como em entrevistas que irei realizar, a um funcionrio da

DG-Educao-Bruxelas que pretende manter o anonimato, ao professor doutor Jos

Manuel Silva, especialista em liderana no ensino superior, ao professor doutor

Pedro Lourtie, especialista no processo de Bolonha e membro do Bologna Follow-

Up Group (BFUG), relatrios da European University Association (EUA), de

especialistas na educao, em quatro conferncias em que participei e na minha

atividade profissional de 18 anos de programas comunitrios. Optei por realizar a

reviso da bibliografia no incio de cada captulo e, dada a diversificao de autores,

baseei-me na pesquisa bibliogrfica pelos mais emblemticos em cada rea temtica

consultada, mais controversos e mais recentes.

O presente histrico corresponder aos ltimos 30 anos, que coincidem com a

mudana de paradigma no ensino superior da cooperao para a competio, e os

programas abordados sero aqueles relacionados com a construo do Espao

Europeu de Ensino Superior (EEES) e no com o Espao Europeu de Investigao

(EEI); os dois sempre se moveram em universos paralelos sem se cruzarem e foram

impulsionados por polticas e programas diferentes- porque o primeiro tem vindo a

ser explorado de forma mais consistente e durante um perodo de tempo maior, ser

essa a rea que ser objeto do meu estudo.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Introduo

19

Mestrado em Relaes Internacionais

Os conceitos mais importantes a definir so os de paradigma e mudana de

paradigma, globalizao, internacionalizao, europeizao, governao e

aprendizagem ao longo da vida (ALV).

Para Thomas Kuhn1, o termo paradigma significa um modelo de pensamento

tradicional e a mudana de paradigma define-se com a mudana desse pensamento

tradicional que pode ser progressiva, ou revolucionria. Como se ver mais adiante a

progresso em determinados reas foi quase revolucionria.

A globalizao, pelo seu lado est sujeita a maior variedade e controvrsia nas

definies, assim, optei por uma definio muito abrangente, se bem que no primeiro

captulo sero abordadas outras perspetivas, representativas do leque variado de

interpretaes que dado ao fenmeno. O autor da definio consensual que

apresento Van der Wende, um estudioso do processo de globalizao e

internacionalizao. Segundo o autor, a globalizao um processo geo-espacial de

interdependncia e convergncia crescente a nvel mundial. A europeizao tambm

est sujeita a diferentes interpretaes, a adotada nesta tese, refere-se forma com as

instituies nacionais e subnacionais acolheram o discurso europeu. Radaelli2 usa o

termo no mbito do Institucionalismo discursivo (ID) que ser a teoria que irei

utilizar.

1 Kuhn, S. Thomas.(1970) The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago

Press. 2 Radaelli M (2004) European Integration online Papers EIoP. Vol 8

N1[http://eiop.or.at/eiop/texte/2004-016a.htm[acesso 21/03/2012].

http://eiop.or.at/eiop/texte/2004-016a.htm

20 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia Introduo

Mestrado em Relaes Internacionais

Europeanization consists of processes of a)construction, b)

diffusion and c) institutionalization of formal and informal rules,

procedures, policy paradigms, styles, 'ways of doing things' and

shared beliefs and norms which are first defined and consolidated

in the EU policy process and then incorporated in the logic of

domestic (national and sub-national) discourse, political structures

and public policies.

(Radaelli, 2003:31)

A europeizao refere-se ao processo atravs do qual as normas so apreendidas no

espao da UE, tanto formal como informalmente, e dentro da lgica de

comportamento dos atores nacionais e subnacionais.

O enquadramento terico que me pareceu mais adequado estrutura desta tese a do

ID de Radaelli e Schmidt, ou seja a viso da institucionalizao como um discurso. A

UE construda pela linguagem e discurso, podendo este ltimo tomar diversas

formas alterando as preferncias dos autores, reformulando problemas, criando um

estilo mais cooperativo ou mais competitivo, aumentando ou reduzindo recursos,

tudo isto atravs de um processo ideacional interativo. A vertente interativa cobre

no s as relaes dos decisores de opinio na formulao poltica como tambm a

forma como as polticas so comunicadas ao pblico. O discurso no seu ambiente

institucional, encarado como um poder de gerar mudana na poltica da UE mas

que s entendvel quando estudado na sua vertente institucional (Schmidt, 2002) e

(Schmidt e Radaelli, 2004).

A vertente ideacional pode por sua vez ser dividida em duas atividades, uma

cognitiva e outra normativa sendo comum s duas a mudana. Nesta tese ser

analisada a mudana ocorrida por interveno de uma instituio controversa e

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Introduo

21

Mestrado em Relaes Internacionais

fascinante, a CE, quer esta surja atravs de comunicados, tratados, livros brancos,

estudos, relatrios, processos de socializao ou alteraes na governao. Afinal

pretende-se averiguar a forma como a CE contribuiu para alterar a agenda europeia

das IES atravs de diversos mecanismos de europeizao que sero analisados.

Finalmente, h que referir dois conceitos de grande importncia para a presente tese,

governao e metagovernao. Para a governao, irei utilizar a definio que consta

do livro branco sobre governao europeia3 Governao designa o conjunto de

regras, processos e prticas que dizem respeito qualidade do exerccio do poder a

nvel europeu, essencialmente no que se refere responsabilidade, transparncia,

coerncia, eficincia e eficcia (CE, 2000. 1547/7). Por outro lado, metagovernao

a coordenao de diferentes formas de governao, assegurando um mnimo de

coerncia entre elas (Jessop, 1997: 7).

No primeiro captulo ser realizada uma breve anlise histrica contextualizando o

ambiente em que as IES se movem a nvel internacional, a influncia maior o menor

da globalizao e da mudana de paradigma.

O segundo captulo incidir sobre os principais atores no processo de transformao:

as instituies de ensino superior (IES), os Estados Membros (EM) atravs da

Declarao de Bolonha (DB) e a Unio Europeia (UE), atravs da Estratgia de

Lisboa (EL).

3 CE (2000) White Paper on European Governance. Enhancing Democracy in the European Union,

Work Programme, documento de trabalho da Comisso Europeia, SEC (2000) 1547/7 Bruxelas: CEC.

22 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia Introduo

Mestrado em Relaes Internacionais

O terceiro captulo abordar as grandes polticas da CE na rea do ensino superior,

designadamente a sociedade do conhecimento, a mobilidade, a aprendizagem ao

longo da vida (ALV) e a dimenso social. A sociedade de conhecimento um termo

utilizado pela CE, mas nunca verdadeiramente definido, e caracterizado como a

sociedade atual, para a qual necessrio os cidados europeus munirem-se de

diferentes ferramentas: na produo de novo conhecimento, a sua transmisso pela

educao e formao, a sua disseminao pelas tecnologias da educao e formao

e o seu uso nos servios e indstria.

O conceito de mobilidade que ser abordado o da mobilidade no ensino superior,

por perodos curtos de tempo e no mbito dos programas da CE, ou seja, mobilidade

transversal. A ALV caraterizada como a educao e formao constante ao longo

da vida, cradle to grave, como alguns autores ironizam. A dimenso social, trata-

se de novo de um conceito vago e passvel de muitas interpretaes, mas que usado

pela CE para manter o modelo social europeu e que no deixa de ser um bom

exemplo do seu discurso com vista europeizao.

Finalmente, o quarto captulo abordar a governao europeia, a hard law e a soft

law, o mtodo aberto de coordenao (MAC) e a forma como na governao o

discurso poltico continua a ser influenciado pela CE.

A vertente terica que acabou por surgir naturalmente ao longo da tese o quarto

institucionalismo, aqui denominado ID mas que conhecido tambm por outros

nomes como Institucionalismo ideacional e Construtivismo institucionalista. A

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

Introduo

23

Mestrado em Relaes Internacionais

governao na UE ser analisada em trs tipos de governao: uma que se continua a

desenvolver no mbito da governao multinvel (GMN), outra que se centra no

MAC e que a governao em rede (GR) e, finalmente, a metagovernao A

governao das governaes.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

25

Mestrado em Relaes Internacionais

I. O Contexto

I.1. Sumrio

Os autores escolhidos para a contextualizao da tese foram em primeiro lugar o

Boaventura Sousa Santos, pela anlise da universidade ao longo dos tempos e os

desafios que se lhe colocam no sculo XXI. Quanto globalizao e

internacionalizao, a escolha recaiu sobre os autores da Escola de Twente, como

Van der Wende, de Wit ou Teichler e ainda autores como Knight, Altbach,

Marginson e Scott, que foram dos primeiros a explorar a internacionalizao e

globalizao, e a sua influncia no ensino superior. Schmidt, Hall, Olsen e Powell,

Radaelli e Sabatier foram determinantes na construo do quadro terico que comea

a ser esboado neste captulo, assim como Ricardo Novoa na abordagem

europeizao.

Depois de uma breve viagem pela universidade ao longo dos tempos, sero

analisados os fatores concretos que causaram uma mudana de paradigma nos

ltimos 30 anos, numa universidade, pouco dada a mudanas e cujas alteraes ao

longo dos tempos foram ocasionais e pouco frequentes. Esta anlise ser exgena, no

sentido de entender as alteraes na dimenso internacional que provocaram a

mudana de paradigma nas IES europeias da cooperao para a competio,

particularmente no modelo humboldtiano4.

4 Wilhelm Von Humboldt, o criador da universidade moderna, introduziu no panorama do ensino

alemo uma nova ideia adotada por toda a Europa,: as escolas superiores no deveriam apenas

ensinar, como tambm pesquisar.

26 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

Acompanhando as alteraes no passado recente e que conduziram ao atual modelo

das IES, h que reter uma mudana na internacionalizao, de fator secundrio e

reativo para um dos seus mais pr-ativos objetivos. Para melhor entender a viragem

fundamental, alguns dos fatores determinantes da mudana sero sucessivamente

referidos, o papel da globalizao e a crescente comercializao do ensino a nvel

mundial, o papel da UE na definio de novos conceitos e valores, a resposta dos EM

mudana e a forma como esta se instalou, a importncia da internacionalizao e da

globalizao, os desafios que so colocados s IES e os novos valores difundidos

pela UE na construo de uma identidade europeia.

I.2. A evoluo da Universidade Europeia

Numa anlise holstica, torna-se importante uma breve viagem pela universidade ao

longo dos tempos e da tirar ilaes para a maior ou menor dificuldade na mudana

de paradigma atual. Existem fronteiras temporais que servem para demarcar

diferentes perodos na evoluo da universidade, sendo importante verificar que a

internacionalizao e a mobilidade no so conceitos novos o que se tem vindo a

modificar a forma como estas realidades so encaradas.

Recuando Idade Mdia, recordemos a Universidade de Bolonha, a mais velha da

Europa: nasceu h 900 anos num contexto eclesistico, logo seguida pelas

universidades de Oxford e Paris que remontam ao sculo XII e Coimbra e Salamanca

ao sculo XIII. A mobilidade, nestas universidades medievais, era inter-regional,

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

27

Mestrado em Relaes Internacionais

habitual, mas altamente elitista pela escassez do binmio oferta-procura, o programa

de estudos era comum studium generale e a lngua tambm era comum- o latim.

Curiosamente, alguns dos maiores entraves mobilidade dos nossos dias, o programa

de estudo e a lngua, no pareciam constituir obstculo burocrtico e acadmico na

velha universidade medieval. Em contrapartida o peso institucional desta

universidade refletia-se internamente, vivia divorciada da sociedade, e quando tal

separao existe, a instituio peca por falta de relevncia e projeo.

Passado o perodo medieval, as universidades europeias continuaram a crescer,

viradas para dentro, ignorando do alto da sua Ivory Tower o Renascimento e a

revoluo industrial. A maior parte das universidades produto dos Estados-Nao

do sculo XIX e XX, a sua funo tradicional, a formao profissional de elites, o

ensino e a pesquisa, perduraram ao longo dos ltimos dois sculos.

A Napoleo Bonaparte se devem os primeiros passos na definio do ensino tcnico,

estabelecendo as Grandes coles destinadas ao desenvolvimento das tecnologias

para criar melhores e mais preparados servidores do Estado que no sculo XX iriam

dar origem ao ensino politcnico. A universidade moderna, no entanto, cuja

identidade ficou para sempre ligada a Wilhelm Von Humboldt, consequncia da

secularizao, do estado moderno e do poder crescente da burguesia. Nesta

universidade, o ensino e a pesquisa estavam interligados, no s se ensinava mas

tambm se contribua de forma positiva para a pesquisa e para o avano do

conhecimento que assentava na investigao cientfica e no no desenvolvimento

tecnolgico. A universidade era um instrumento do estado, elitista e fechada sobre si

28 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

prpria. O investigador padecia do que Boaventura Sousa Santos apelidou de

irresponsabilidade social5. Os professores eram livres nas suas pesquisas e sujeitos

apenas a avaliao dos seus pares, se bem que o Estado, superiormente, pudesse

intervir na sua organizao e funcionamento. O conhecimento foi subdividido em

disciplinas especializadas reconhecidas internacionalmente, standards comuns e

aceites pela comunidade acadmica. Humboldt atribuiu especial importncia ao facto

dos assuntos acadmicos ficarem na esfera acadmica sem presses da sociedade.

Apesar do sculo XIX ter assistido ao capitalismo e poltica do laissez-faire, a

universidade no era um negcio. Esta universidade, que foi aquela que permaneceu

at aos nossos dias, desenvolveu um conhecimento sobretudo disciplinar e viveu de

forma descontextualizada em relao ao quotidiano das sociedades (Santos,

Boaventura de Sousa, 2008:17). A universidade servia para produzir conhecimento

que poderia ou no ser aplicado posteriori pela sociedade.

Aps a Segunda Guerra Mundial, com a gerao do baby boom, a democratizao, e

um certo otimismo econmico, o acesso s universidades generalizou-se. A maioria

das IES surgiu j no sculo XX sobretudo devido procura generalizada aps a

Segunda Guerra Mundial, que abalou a universidade elitista. Houve necessidade de

fazer as primeiras adaptaes procura generalizada, se bem que os anos 70 tenham

trazido a primeira crise econmica do ps-guerra. viso filosfica humanista de

Humboldt e a ideia de unidade e homogeneidade do modelo alemo opunha-se o

5 Santos, Boaventura Sousa, A Universidade do Sculo XXI- Para uma Universidade Nova,

Coimbra.Outubro 2008.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

29

Mestrado em Relaes Internacionais

funcionalismo e diversidade das instituies de ensino superior anglo-saxnicas

(Parsons e Platt, 1973). A expanso do ensino superior em todo o globo foi de tal

forma marcante que bastar fazer uma comparao entre os valores de 2000: 100

milhes de estudantes no ensino superior, enquanto no incio do sculo XX o nmero

rondava os 500 mil estudantes (Schofer e Meyer, 2005).

A volatilidade do mercado exigia competncias que os programas rgidos das

universidades europeias no acompanhavam. Contriburam para aprofundar a crise

institucional as medidas levadas a cabo por John Major, primeiro - ministro ingls,

que passou indiscriminadamente os politcnicos a universidades6.

Numa perspetiva histrica, as alteraes que afetaram a dimenso internacional do

ensino superior europeu tiveram a sua origem na emergncia do Estado-Nao no

sculo XIX; no papel da Europa no mundo, particularmente como potncia

colonizadora nos processos de colonizao e descolonizao; no impacto de pases

como o Reino Unido, a Alemanha e a Frana no ensino superior do resto do mundo;

nas polticas de integrao europeia; na queda da URSS e do muro de Berlim; na

recesso financeira e a massificao do ensino superior.

6 Grilo, Maral (2011) European Conference on Higher Education in the Framework of the 2020

Europe Unions Strategy- Centro de Excelncia Jean Monnet Lisboa 10/11novembro

30 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

I.3. Mudana de Paradigma Cooperao/Competio

Recuando no tempo vamos encontrar inicialmente a expresso Paradigm Shift na

obra de Thomas Kuhn.7 Os agentes e as estruturas so afetados por relaes de

cooperao e competio que, por sua vez, originam uma complexa rede de relaes

em contnua transformao com regras especficas, mudanas de discurso e

intercmbios que lembram outras noes mais recentes, mas no menos importantes

que podero originar a mudana de paradigma refiro-me aos campos de poder de

Bordieu8. Este considerava que o lugar ocupado pelos agentes e instituies em cada

campo estava sujeito a um nvel mnimo de acordo nos princpios base - estes

campos so caraterizados no como consenso total mas sim por um constante

conflito. A manifestao das estratgias definida como posio adquirida

(Bordieu, 1993: 35), O poder simblico como poder de constituir o dado pela

enunciao, de confirmar ou de transformar a viso do mundo e, deste modo, a ao

sobre o mundo, permite o equivalente daquilo que obtido pela fora (fsica ou

econmica), graas ao efeito especfico de mobilizao (Bordieu, 1993: 14)

Perpetuar ou subverter as regras do jogo, atravs das estratgias dos agentes, uma

tendncia. Habitus uma noo primordial na sociologia de Bourdieu, que diz

respeito aos sistemas de perceo, de apreciao, ou como princpios de classificao

incorporados pelos agentes a partir das estruturas sociais presentes em um momento

dado, em um lugar dado, que vo orient-los nas suas aes.

7 Kuhn, Thomas (1970) op. cit.

8 Bourdieu, Pierre (1993) The Field of Cultural Production. Cambridge: Polity.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

31

Mestrado em Relaes Internacionais

As caractersticas do "novo saber", virtual, interdependente e novo, obrigam a

mudanas na aprendizagem e a uma interdisciplinaridade. O ensino superior situa-se

no cruzamento da pesquisa, educao e inovao e como tal um elemento crucial

no desenvolvimento da sociedade do conhecimento e elemento chave para a

competitividade da UE. As IES encontram-se envolvidas em dinmicas de mudana

que j esto a alterar a sua identidade institucional, h que avaliar at que ponto os

fatores externos obrigam mudana, se existe apenas um tipo de presso ou muitas

apontadas em direes diferentes e que geram obrigaes ou necessidades de

adaptao.

preocupante a Europa aspirar a ser a economia e sociedade do conhecimento mais

competitiva e dinmica do mundo9 e as questes estruturais estarem por definir em

diversas reas. Observa-se uma ntida dificuldade de adaptao e inovao que se

reflete na competitividade. As dinmicas de mudana exteriores foram to rpidas no

ltimo meio sculo que as IES no conseguiram acompanhar o clima de constante

mudana. Para conseguir sobreviver mudana de paradigma necessrio aprender

a competir no mercado global, conseguir dar rpida resposta s alteraes estruturais

e finalmente, mas no menos importante, conseguir mudar a sua realidade

institucional para um pensamento competitivo.

Sem dvida que as IES tm sido influenciadas por fatores externos mas o tempo

institucional mais lento na mudana do que o tempo do mercado globalizado.

Historicamente, as universidades tm sobrevivido e conseguido tornear as crises e as

9 Estratgia 2020 http://europa.eu/abc/12lessons/lesson_8/index_pt.htm [acesso em 11/04/2012]

http://europa.eu/abc/12lessons/lesson_8/index_pt.htm

32 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

mudanas e aproveit-las a seu favor mas no h garantias que o consigam fazer

desta vez se no apressarem o seu relgio institucional. A competitividade obriga as

IES a ter uma maior preocupao em oferecer curricula de alta qualidade em reas

inovadoras, atrair maior nmero de pessoas para as cincias e tecnologia, promover a

mudana profunda da estrutura da educao para a indstria (apud Cameron, 1992

em Gumport e Sporn, 1999). A mudana tem caractersticas revolutionary, rather

than evolutionary (apud Kerr, 1987 em Gumport e Sporn, 1999). As exigncias do

capitalismo global impedem as IES de cumprir livremente a sua misso cultural em

detrimento de habilitar os estudantes com as necessrias competncias para enfrentar

uma sociedade em constante transformao e prepar-los para um mercado de

trabalho sempre diverso, mais exigente e mais global.

A adaptao faz parte de um processo de transformao e inovao, envolvendo

abertura e responsabilidade perante as exigncias do mercado. A internacionalizao,

uma das grandes bandeiras da CE, requer adaptao institucional, com a mudana de

paradigma, o desafio do ensino superior o de no permanecer preso ao passado da

forma tradicional. A cooperao e a transferncia aberta do conhecimento no so

suficientes nesta nova sociedade em constante mutao; a competio vista como

soluo para trazer fontes de rendimento superiores s instituies, aumentar a

reputao das IES e potenciar a excelncia - resta, no entanto, determinar de que

forma as polticas supranacionais, nacionais e institucionais se adaptam mudana

de paradigma (cooperao/competio).

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

33

Mestrado em Relaes Internacionais

A globalizao aparece muitas vezes como justificao para determinadas medidas

estratgicas com vista competio mas a cooperao mantem igualmente um lugar

de destaque e chegam a conviver lado a lado em diversos documentos tanto

produzidos pelos EM, como produzidos pela CE. A Declarao de Bolonha (DB)

refere a necessidade da Europa se tornar mais competitiva a nvel global mas por

outro refere diversas vezes a cooperao como seu objetivo; a diversidade cultural

focada como elementos fundamental e choca, por sua vez, com a convergncia

mencionada. A estratgia de apoiar o EEES e a cooperao entre as IES europeias

entra em conflito com a comercializao do ensino superior atravs da importao

de estudantes de fora da Europa vendendo programas a nvel internacional fator

que desmotiva as IES para a cooperao intraeuropeia. A dimenso social e a

promoo das IES como um bem pblico para todos entra em choque com os cortes

nos financiamentos. A globalizao acaba por ser justificao para medidas

contraditrias se bem que existem muitas formas de a definir e mesmo em

documentos da CE ela aparece umas vezes como ameaa, outras como um desafio a

que temos de corresponder, outras como uma realidade instalada (Relatrio Wim

Kok, 2004)10

.

O estado-nao est em crise assim como os modelos sociais apoiados no bem-estar

social. O facto da universidade humboldtiana estar to dependente dos dois

conceitos, implica j de si uma reestruturao das IES.

10

Kok, W. (2004) A Estratgia de Lisboa para o crescimento e o emprego, Relatrio do Grupo de

Alto Nvel presidido por Wim Kok, Bruxelas, novembro.

34 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

O que na realidade enfrentamos uma desobrigao do estado como facilitador de

atividades que impliquem fundos pblicos. As IES no podem ser vistas

isoladamente mas sim como mais uma categoria de instituies, entre muitas outras,

vtimas das mudanas polticas, econmicas, culturais e civilizacionais. A forma

como as IES esto a enfrentar os desafios que se lhes colocam ir sacrificar algumas

mas ir definir as que realmente esto preparadas para a mudana e principalmente as

que esto preparado para transformar a mudana em novas oportunidades11

(Lourtie,

2011).

As IES so foradas a responder s presses vindas do exterior e que as colocam

frente s mudanas na sociedade, aos valores divulgados pela UE a nvel

supranacional, s presses nacionais e objetivos definidos para o pas, presso do

mercado, e cultura normativa do meio acadmico. Estamos perante diferentes

instituies que tm ritmos de adaptao diferentes e que nos permitem inferir da

complexidade de relaes existentes entre as diversas instituies.

Para compreender o processo de mudana, h que compreender o contedo da

mudana e a forma como implementada. A universidade dos nossos dias j no se

encontra divorciada da sociedade e opera num mundo cada vez mais globalizado,

tem que filtrar as presses exteriores, culturais, normativas, polticas e adaptar-se

para sobreviver. So indicadas 5 variveis que por sua vez so importantes para a

maior ou menor flexibilidade perante a mudana: liderana, contexto institucional,

11

Lourtie, Pedro (2011). Reunio Novas Formaes. Escola Superior de Sade. Instituto Politcnico

de Leiria. 5 de dezembro

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

35

Mestrado em Relaes Internacionais

cultura interna, legitimidade, financiamento. Todos estes fatores parecem ser

determinantes na maior ou menor rapidez da mudana (Levine, 1980: 19).

Um dilema fundamental do Institucionalismo o facto de quando se quer provocar

uma mudana de paradigma, colocar o enfoque na cultura e esperar que as estruturas

se adaptem ou, antes pelo contrrio, coloc-lo nas estruturas para provocar a

mudana cultural (Wilber, 1998). Se refletirmos em cada uma das hipteses

separadamente, o tempo institucional de uma mudana nas estruturas ou uma

mudana nos agentes significativamente diferente- uma mudana nas estruturas

pode ser realizada a curto prazo, enquanto uma mudana nos agentes apenas poder

ocorrer a longo prazo- para tempos institucionais diferentes nos agentes e nas

estruturas no temos uma mudana de paradigma conseguida. Assim, operar de

forma exgena, a curto prazo, mediante uma interveno calculada, prpria do

Institucionalismo racionalista (IR), no soluo, como tambm no soluo atuar

de forma endgena a longo prazo, mediante uma oportunidade temporal e

potencialmente expansiva mas que ocorrer muito para alm do processo rpido de

mudana que exigido ao ensino superior atual. As interaes entre os agentes so

na verdade afetadas por regras formais e informais que foram criadas ao longo dos

tempos mas o Institucionalismo histrico (IH) move-se numa path dependency mais

evolutiva do que revolucionria.

O Institucionalismo sociolgico (IS) lida com a mudana de paradigma de forma

mais coerente ao considerar que as opes estratgicas so determinadas por

interao entre os agentes e estruturas. Os atores so endgenos, a viso holstica e

36 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

construtivista e constituda por processos de barganha mas em dois aspetos

fundamentais no acompanha a mudana de paradigma- essencialmente evolutiva e

as alteraes so tambm produzidas a longo prazo.

Faltou a estes trs institucionalismos um elemento fundamental que pode influenciar

uma rpida mudana de paradigma e com possveis caractersticas revolucionrias

o elemento discursivo o (ID) ou Institucionalismo ps-estruturalista ou ainda

Institucionalismo construtivista. As instituies so veculos para o exerccio do

poder, atravs dos polticos, media e redes de presso. Os autores que defendem esta

teoria, referem que na sua perspetiva o racional homo economicus e o seguidor das

normas sociais homo sociologicus no explicam o comportamento humano, as

praticas sociais e mudanas societais. Assim, eles consideram que o homo

interpreter o homem que procura o conhecimento e a razo, o homem que se rege

pelas ideias, interpretaes e significados (Reckwitz, 2002: 243).

As redes de presso influenciam as instituies e conseguem apressar mudanas de

paradigma que de outra forma demorariam muito mais tempo a ser internalizadas.

Com o tempo a lealdade institucional desviada para o nvel supranacional. Tanto a

elite poltica como os grupos de interesses transnacionais incitam mudana e as

instituies a nvel subnacional quer por isomorfismo quer por mera sobrevivncia,

tendem a copiar e replicar o nacional e o supranacional. As instituies so definidas

de forma dinmica contrastando com as trs vertentes do institucionalismo abordadas

mais estticas, dependentes do enquadramento cultural, estruturas de incentivos,

longos prazos ou path dependency.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

37

Mestrado em Relaes Internacionais

Diversos autores sublinham a importncia da cultura e valores institucionais no

processo de mudana de paradigma (Simsek e Lewis, 1994:678). As ligaes

estabelecidas atravs dos decisores de opinio, mitos, metforas e representaes

simblicas, so importantes na mudana das instituies de ensino superior do velho

paradigma, que representa a cultura dominante, incorporando a nova viso sem

choque e sem um processo revolucionrio de mudana. As alteraes top-down no

sero eficazes se no tiverem em conta as alteraes transversais e as subculturas

existentes nas IES.

O mais novo dos novos institucionalismos permite analisar as dinmicas de

mudanas institucional, explicando as preferncias, estratgias e orientaes

normativas dos agentes assim como os interesses, incertezas e pontos de clivagem.

Comparativamente o IR, o IH e o IS tm mais dificuldade em explicar as dinmicas

de mudana que a continuidade, o ID permite uma melhor perceo das mudanas de

ideias e processos interativos atravs dos quais as mudanas ocorrem.

O ID falha no no modo como explica como a mudana difundida mas no motivo

que leva mudana e porque umas ideias falham e outras so adotadas, aqui o IS no

deixa de se relevante. O middle ground12

de Checkel entre estes dois ltimos

institucionalismos servir para explicar no s a forma como a mudana se d mas

tambm porque que a mudana ocorre.

12

Checkel ficou sobretudo conhecido por aliar o Institucionalismo ao Construtivismo. Neste caso, o

middle ground seria considerado como a aliana do IS ao ID.

38 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

Nem sempre a mudana de paradigma repentina, pode ser formada ao longo do

tempo atravs do discurso (Kjaer e Pedersen 2001: 219) e (Howarth, Norval, e

Stavrakakis 2000.) Essas mudanas podem ocorrer em perodos de aparente

estabilidade apenas pela mudana do discurso mas as condies em que uma rpida

mudana tem lugar so pouco usuais. Tanto as presses externas como a dinmica

interna so importantes na mudana institucional. (Greenwood e Hinings, 1996:

1022).

A mudana de paradigma promove a mudana institucional, atravs de uma dinmica

que compreende 5 fatores dominantes: 1) normalidade, 2) confronto com anomalias,

3) crise, 4) seleo 5) normalidade renovada (Simsek e Louis, 1994).

Os autores consideram que este tipo de modelo se adapta s mudanas no ensino

superior, porque reconhece a existncia de uma cultura dominante enquanto

incorpora o novo paradigma sem mudanas de carcter revolucionrio. Outros

adotam duas fases na mudana institucional no ensino superior: mudana radical, em

que o novo paradigma substitui o anterior ou sedimentao em que o novo paradigma

coexiste com o anterior (Becher e Kogan, 1992). Esta perspetiva parece ser

demasiado simplista quanto s fases da mudana, ao mesmo tempo que o convvio

do velho com o novo paradigma poderia originar novas subculturas que fugiriam ao

novo paradigma.

A viragem para o Neoinstitucionalismo, na sua vertente alargada, permite explicar

como as ideias aqui explanadas e como as ideias polticas ajudam a entender a

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

39

Mestrado em Relaes Internacionais

mudana de paradigma. A importncia das ideias tem que ver com o facto de

interagirem atravs dos atores polticos nas instituies (Scott, 2003).

As alteraes paradigmticas ou pontuais ocorrem devido a perturbaes externas

que vm quebrar a estabilidade institucional endgena, se as alteraes forem

paradigmticas podem causar uma alterao profunda nas prticas institucionais e

nos atores (Sabatier e Jenkins-Smith, 1993: 129) Segundo o modelo de Hall (apud

Hall, 1968 em DiMaggio e Powel, 1983), a mudana pode ser pontual e ter carcter

incremental, normalmente resultante de atividade endgenas, ou por outro lado pode

ser paradigmtica quando existe um desfasamento entre os resultados esperados e

aqueles obtidos pelas organizaes. Os fatores que despoletam esta mudana

paradigmtica, so exgenos, especialmente societrios e polticos - Hall considera

que sem este choque exgeno as prticas institucionais se manteriam as mesmas num

perptuo equilbrio, com alteraes incrementais pontuais, certo, mas sem

alteraes dos objetivos finais.

O debate apaixonado dos institucionalistas acerca da melhor forma de descrever a

mudana institucional continua. Alguns autores consideram que a mudana resulta de

um modelo evolutivo, caracterizado pela acumulao gradual de pequenas alteraes

pontuais, mudanas incrementais atravs de longos perodos de tempo. Outros

acreditam que caracterizada por padres de evoluo pontual com perodos de

equilbrio e estabilidade, que so interrompidos por fatores exgenos que provocam

uma alterao institucional profunda aqui o padro mais revolucionrio do que

evolutivo. Outros ainda, no renegando esta ltima interpretao mas aprofundando-

40 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

a, justificam a fase revolucionria atravs de uma viragem cultural, reconhecendo

que as ideias, quer elas sejam paradigmas intelectuais, prticas polticas, vises

globais, provocam alteraes institucionais (Campbel, 2002).

Se for tido em conta o relativamente curto espao de tempo em que a mudana de

viso acerca do ensino superior ocorreu e especialmente porque coincidiu com uma

notria viragem neoliberal na Europa, o ID parece ser a corrente terica que melhor

explicam a evoluo dos acontecimentos. O prprio neoliberalismo no campo da

poltica econmica um debate ideolgico e intelectual que se alarga sobre um

paradigma poltico do nosso tempo.

A tenso fundamental entre a economia e a sociedade, entre a competitividade e a

cooperao, contnua latente atravs dos vrios documentos comunitrios, dos quais

saram as principais polticas que afetaram as IES no seu desenvolvimento, da EL

estratgia 2020. Por detrs desta dinmica encontram-se as opes polticas por

solues de curto prazo e de gesto da crise e vises a longo prazo numa vertente

mais holstica.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

41

Mestrado em Relaes Internacionais

I.4. Internacionalizao versus Globalizao

Globalisation sometimes seems a catch-all phrase or a non

concept, a catalogue of more or less everything that seems

different since the 1970s: advances in information technology,

greater capital flow across borders, international mobility of labour

or of students, new public management and the weakening power

of nation states, credit transfer in higher education and

international recognition of degrees.

(Guilln, 2001:8).

A globalizao pode ser considerada um meta-mito que acarreta uma constelao de

outros mitos associados (Bradley et al, 2000). Este meta-mito utilizado

indiscriminadamente em termos polticos, econmicos e ainda no dia-a-dia para levar

a cabo mudanas sociais e justific-las. A internacionalizao est diretamente

relacionada com o dilogo e a cooperao com outros pases e envolve muitos

caminhos e muitas escolhas, um processo em constante reconstruo (Knight e De

Wit 1999) ao contrrio da globalizao menos flexvel e que tende a uniformizar as

escolhas possveis. Teichler teve o mrito de primeiro abordar a distino entre os

dois conceitos: Afinal que dinamismo existe entre os dois se que existem pontos de

convergncia? A internacionalizao seria uma forma de integrar uma dimenso

internacional e intercultural no ensino, pesquisa e servios de uma IES. A

internacionalizao para um dos especialistas na matria pode ser considerada como

any systematic effort aimed at making higher education responsive to the

requirements and challenges related to the globalization of societies, economy and

labour markets. (Van der Wende, 1997: 18).

42 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

A internacionalizao existiu desde sempre mas no com a fora e o impacto que

adquiriu nos anos 80. A influncia de uma sociedade cada vez mais globalizada, a

presso supranacional e nacional, serviram de grupos de presso para uma mudana

que tinha que de ser iniciada a nvel subnacional, nas IES em que o verdadeiro

processo de internacionalizao tinha lugar. As implicaes dinmicas entre os

agentes em todo o processo implicavam assim influncias bottom-up (institucionais)

tais como top-down (nacionais e supranacionais). As formas mais claras de

internacionalizao referem-se mobilidade internacional, ainda hoje considerada a

maior bandeira da internacionalizao, cooperao entre IES em diferentes pases,

programas conjuntos, reforma de curricula, projetos de twinning, qualidade na

educao e pesquisa e desenvolvimento estratgico (Klvermark, T. e Van der

Wende 1997). A globalizao, pelo seu lado, considerada como um fenmeno com

impacto na internacionalizao atravs do fluxo de tecnologia, economia,

conhecimento, pessoas e ideias alm-fronteiras (de Wit, 1997: 6).

globalizao muitas vezes dada uma carga negativa, coincidente com a crescente

interdependncia, mercantilizao do ensino e com a viragem neoliberal e

tecnocracia (Cox 1996: 21), noutros casos, existe alguma controvrsia acerca da

definio do conceito como processo social genuno ou como novo elemento no

discurso poltico. Por outro lado, Van der Wende (op. cit.) apresenta a

internacionalizao como uma resposta ameaa da globalizao. Criticamente pode

afirmar-se que no linear que a internacionalizao seja uma resposta

globalizao, nem a globalizao pode ser reduzida liberalizao de mercados

embora existam diversos autores que confundam os dois conceitos.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

43

Mestrado em Relaes Internacionais

Para Scott13

, a nfase e o que est em causa o conceito de Estado-Nao. A

internacionalizao reflete um mundo dominado pelo Estado-Nao enquanto a

globalizao ignora-o, transcende-o e hostiliza-o. O debate do conceito de estado-

nao versus globalizao tem vindo a originar acesa discusso desde a queda do

muro de Berlim. Esta discusso ser retomada mais frente quando abordar o

sistema hbrido de governao da UE. A globalizao o facto dominante na

desnacionalizao que afeta diversos setores da sociedade, entre os quais ensino

superior.

Enquanto o trabalho de Knight e Van der Wende se centra principalmente nas

relaes internacionais no ensino superior, a nfase dada por Scott

conceptualizao perante a globalizao e sob o ponto de vista do Estado-Nao. As

diferenas fundamentais so de carcter qualitativo, sendo que a importncia dada a

cada conceito diverge de autor para autor, assim como a relao entre ambos. A

internacionalizao diz respeito a processos de cooperao entre Estados e portanto a

atividades que tm lugar entre Estados e num mundo em que os Estados tm um

papel central.

O significado da palavra internacionalizao varia segundo a perceo de quem a

utiliza, mas, tal facto, no impedimento para constar dos planos estratgicos de

todas as IES europeias como um dos eixos mais importantes. A vertente

internacional sempre fez parte dos seus objetivos mas a internacionalizao como

13

Scott, Peter (2000) Globalisation and Higher Education: Challenge for the 21st Century.Journal

of Studies in International Education.4: 3-10.

44 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

estratgia acelerou-se com o nascimento do Programa ERASMUS em 1987 e teve,

especialmente nos primeiros anos, um enorme impacto. A internacionalizao foi

tanto induzida pelas prprias IES como foi induzida pelas alteraes scio -

econmicas a nvel global, pelo advento de novas tecnologias e pelos desafios

colocados s IES pelo panorama internacional. A cooperao europeia estava ligada

a uma dimenso cultural e no apenas econmica e a Europa do conhecimento, era

vista como uma forma de consolidar e enriquecer a cidadania europeia e no de se

subjugar aos imperativos globais.

H que ter presente que consoante o pas da Europa, o contexto da

internacionalizao pode variar. Existem fatores que tero de ser tidos em conta no

processo (apud Klvemark, e Van der Wende, 1997 em Teichler, 2004).

Figura 1 Fatores de Internacionalizao

o poder politico e econmico

a localizao geogrfica

a cultura dominante

a qualidade do sistema de ensino superior

o papel que a lngua desempenha a nvel internacional

polticas de internacionalizao ao longo dos tempos

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

45

Mestrado em Relaes Internacionais

Na busca de afirmao a nvel internacional, as IES enfrentam diversos tipos de

dilemas: por um lado a busca de unidade de objetivos e por outro a criao da sua

prpria identidade, o desejo de unidade de ao e a proteo da liberdade individual,

o desejo de continuidade e a necessidade de mudana. Em resumo: a dependncia e

incerteza de caminhar por sua conta e risco. Foreign ministries, universities and

cemeteries are notoriously hard to move in part for the same reasons (apud

Maurice A. East, 1995 em Underdal 1997: 213) a frase, se bem que imbuda de

algum sentido de humor, no deixa de ser pertinente, existem caractersticas

fundamentais nas IES europeias que afetam a sua capacidade de mudana - Da que

alguns autores considerem que as IES padecem de esclerose institucional (Forrant,

2001).

Para levar a cabo o processo de mudana e no perder a corrida da competitividade,

necessrio ter em ateno o contedo da mudana e pesar tambm os elementos que

jogam a favor da oposio mudana, elementos instrumentais muito concretos,

constrangimentos financeiros, ou, mais intangveis, constrangimentos culturais. A

mudana uma questo de sobrevivncia para muitas IES (El-Khawas, 1998). A par

da influncia da UE e dos EM, outros fatores obrigam mudana. So os chamados

fatores externos: mudanas polticas, econmicas, sociais, tecnolgicas. As IES

diferem na resposta para cada um dos elementos mencionados, por vezes com

julgamentos contrastantes, o que apenas demonstra a forma diversa como os dilemas

e a mudana de paradigma so encarados. As decises podem assim sofrer de

miopia estratgica, serem pouco razoveis, desastrosas, inconsistentes com outras

realidades institucionais, por falta de uma anlise holstica do plano estratgico. Na

46 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

mudana existem diversas fases: a mobilizao, a implementao e a

institucionalizao. Um dos requisitos fundamentais do processo de mudana o da

oportunidade para que os agentes institucionais se integrem no processo que lhes

permita entender a mudana. Existem diferenas substanciais na forma como se

desenvolveu ao longo dos tempos, a nvel institucional, individual, regional, global,

j que sendo um fenmeno evolutivo difcil de enquadrar. Assim se explica porque

autores consagrados como de Wit e Brandenburg, Teichler e Hudzik, e muitos

outros, levantaram legtimas questes quanto necessidade de revisitar o conceito

tradicional da internacionalizao no ensino superior.

A internacionalizao do ensino superior sofreu profundas mudanas nos ltimos

tempos devido s grandes disparidades entre os pases da UE com linhas de meta

diferente e com adaptaes s situaes nacionais. De tal forma os ritmos de cada

pas so dspares, o EEES tem dificuldade em ser implementado e verdadeiramente,

desde o TL pouco ou nada se tem feito nesse sentido, convergindo os interesses para

o aumento da atratividade individual com a competio e os rankings a superar o

sonho de um espao comum de cooperao no ensino superior. Sem a identificao

dos pases com objetivos comuns, a promoo dos sistemas nacionais torna-se algo

descoordenada e expresses, como ALV, gesto descentralizada, educao de

adultos e formao contnua, repetidos em estudos e relatrios da UE, criam novos

paradigmas que as IES consideram no poder enfrentar sozinhas.

Na realidade as maiores mudanas ocorreram nos anos 90 de um modelo de

cooperao vertical passou-se para um modelo de cooperao horizontal, de aes

http://cie.uprrp.edu/cuaderno/ediciones/19/pdfcuaderno19/c19art6.pdf

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

47

Mestrado em Relaes Internacionais

casusticas no plano internacional para polticas sistemticas, de atividades dispersas

de internacionalizao para um sistema integrado. A maior parte das atividades de

internacionalizao esto ligadas a programas especficos de pesquisa, dispersos

dentro da instituio e nas atividades prosseguidas (por vezes colaboraes de curta

durao). Identificar uma poltica coerente de internacionalizao torna-se

complicado e grande parte das parcerias so perfeitamente inteis em termos de

resultados prticos. As iniciativas partem de departamentos dispersos e os gabinetes

de mobilidade e de projetos funcionam de forma independente, vindo ao encontro de

um trajeto independente do espao de ensino superior e da pesquisa e investigao.

in Europe, three terms are employed to characterise the

internationalisation process: internationalisation, europeanisation

and globalisation but each addresses the process of

internationalisation with a different emphasis.

(Teichler, 2004)

globalizao podemos aliar como catalisadores a sociedade do conhecimento, as

tecnologias da comunicao, a economia de mercado, a liberalizao do comrcio e

as alteraes na governao - internacionalizao consequncia da globalizao

(Knight, 2007: 290) ou resposta alternativa a esta (Beck, 2000: 47). As definies

so variadas j que o termo internacionalizao se aplica interna e externamente, ou

seja, tanto a aes externas no domnio do ensino superior como nos instrumentos

utilizados para colocar de p tais aes e aqui a CE mostrou ser indispensvel.

Apesar disso, internacionalizao parece ser muito mais consensual do que

globalizao que padece de uma carga negativa. No entanto, independentemente da

48 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

resposta, um fator parece ser comum a todas as opinies: existe uma maior

competitividade fruto da liberalizao de mercados e a UE considera a globalizao

uma realidade, pois utiliza expressamente a palavra, por diversas vezes, no texto do

TL e da Estratgia 2020.

No perdendo de vista a mobilidade como instrumento privilegiado da

internacionalizao, poderemos considerar que a internacionalizao est ligada

cooperao entre Estados (Inter-nacionalizao) e a competio globalizao.

Alguns autores consideram que fenmenos semelhantes j aconteceram ao longo da

histria e que a economia no est a globalizar-se mas sim a tonar-se mais

internacional (Hirst e Thompson, 1996 1:3, 18-98) e reforam a existncia de um

mito assumindo que no nem inevitvel nem irreversvel. Existem ainda uma

srie de autores que afirmam que a globalizao atinge apenas segmentos especficos

da sociedade, nomeadamente os aspetos econmicos e financeiros e no os polticos

ou culturais (Castells, 1996: 102).

O resultado so cooperaes estratgicas que podem potenciar as atividades das IES

e o fomento da criao de pequenas redes de parceiros, procurando formas de

colaborar e divulgar as suas atividades - As IES tentam aumentar o seu estatuto ao

melhorar o seu poder competitivo em reas especficas, se estamos a falar de uma

universidade, deve haver trabalho especializado e cooperao interinstitucional para

aumentar a competitividade em produtos especficos.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

49

Mestrado em Relaes Internacionais

Existe ainda uma outra forma de cooperar atravs de relaes transnacionais,

discutida na ltima conferncia da European University Association (EUA, 2009)14

.

Esta forma de estender a influncia de uma instituio alm-fronteiras, vista

inicialmente como uma forma de financiamentos alternativos, tem vindo a difundir-

se e a alargar-se substancialmente. Se incluirmos aqui graus conjuntos, centros de

pesquisa, projetos de twinning, outras realidades sero afetadas por este spillover de

atividades de internacionalizao. Importante que as instituies definam o seu

mercado primordial e campo de ao e diversifiquem a oferta de acordo com os seus

planos estratgicos. A utilizao das tecnologias de comunicao fundamental,

tanto na formao intrainstitucional como na formao exterior em e-learning que

diminui consideravelmente os riscos financeiros.

I.5. Europeizao

Poder considerar-se a UE como um condomnio de poderes (Smith, 1991: 153),

ou poder criar-se um sentimento de pertena Europa? (Shore, 2000: 3) O

sentimento de herana cultural comum, dificilmente poder existir, dado o mosaico

de culturas subjacentes, a identidade da UE deveria desenvolver-se volta do

conceito de valores cvicos que tem que ver com um passado civilizacional comum

(Giddens, 2002: 168). O tema identitrio continua no entanto a ser uma bandeira da

UE, muito ajudado no processo graas a programas como o ERASMUS ou a

14

A EUA faz parte do Bologna Follow-up Group e tem um extenso trabalho de monitorizao da

adaptao dos IES Bolonha.

50 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

polticas como da ALV. No Ensino, a comissria europeia Viviane Reding, reforou

esta tendncia declarando:

If we want to build a living Europe, with a soul, a destination and

a world role (...) it is there, in the schools, the universities, the

training centres, that Europe can grant itself a soul

(Reding, 2000: 2).

Ricardo Novoa indica duas formas de europeizao uma pragmtica e uma

identitria. A vertente pragmtica ser abordada nos captulos das polticas e

governao e reflete a interveno poltica da UE nas IES atravs de programas e

iniciativas polticas. A vertente identitria, que abordamos neste captulo, em que se

contextualiza o que ser europeu, o conceito de identidade a nvel do ensino,

identidade essa construda custa da maior ou menor influncia da vertente

pragmtica.

Poderemos talvez questionar os mecanismos atravs dos quais a identidade e as

normas tm impacto. As normas so usadas genuinamente ou instrumentalmente?

Ser por puro egosmo e interesse prprio ou por uma verdadeira lgica de

apropriao adquirida e desprovida de interesse? Temos conscincia de que muito de

demaggico existe no processo de alargamento europeu no que se refere s

estratgias e argumentos, normas e apelos identidade democrtica.

A europeizao no ensino superior no foi um tema to abordado com a

internacionalizao e a globalizao, talvez porque para alguns, a europeizao seja a

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

I. O Contexto

51

Mestrado em Relaes Internacionais

vertente regional da internacionalizao e muitas vezes associada mobilidade,

cooperao e integrao (Teichler 2003: 180). a europeizao uma forma de

promover a competitividade da Europa face ameaa da globalizao (Van der

Wende (2004b: 10). Face s diferentes percees de globalizao, assim a

Europeizao umas vezes vista como um processo voltado para o exterior e para os

desafios da globalizao como um processo interno de resposta ao processo externo

de globalizao (Luijten-Lubet et al, 2005: 5).

Na mudana no contexto da integrao europeia, identificam-se 5 dimenses:

mudanas nas fronteiras externas da UE atravs de alargamento, desenvolvimento de

instituies a nvel da UE, relao e interdependncia entre os sistemas de

governao supranacionais, nacionais, exportao de modelos de governao ou

modelos polticos para fora do espao europeu e finalmente unificao poltica da

UE no sentido de se tornar uma entidade poltica mais forte (Olsen 2002: 921).

O foco na governao traz colao questes relacionadas com o equilbrio entre

unidade e diversidade e entre autonomia e coordenao central. Neste processo a

mudana na universidade acaba por estar diretamente ligada s mudanas de

equilbrio entre o local, nacional e supranacional. A Europa continua a estar unida

na diversidade15

com diversas reas de integrao poltica, social e econmica.

Como tal existem diversos autores que descrevem a integrao como differentiated

15

Lemmens, A et al (2007), Consumer confidence in Europe: united in diversity? - International

Journal of Research in Marketing. 24:2, 97-184.

52 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia I. O Contexto

Mestrado em Relaes Internacionais

integration, Kernel Europe, Europe la carte, Enhanced cooperation16

A

identidade europeia, resultante do processo de europeizao, o reconhecimento de

pertena a uma rea social e cultural comum, se bem que essa construo acabe por

ser artificialmente construda atravs de instrumentos polticos centrados no discurso.

Quadro 1 Internacionalizao na UE

16

Fritz Breuss ( 2006) Can the Relaunch of the Lisbon Agenda Solve the Puzzle of Why Deeper.

Integration Did Not lead to More Growth in Europe? Global Jean Monnet Conference. Bruxelas. 23-

24 novembro.

Dilogo poltico

Capacidade de inovao

Cooperao acadmica

Lngua de ensino

Mobilidade

Informao/promoo

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

II. As Instituies

53

Mestrado em Relaes Internacionais

II. As Instituies

II.1. Sumrio

O debate estrutura-se fundamentalmente na forma como os diferentes instrumentos

foram utilizados pelas instituies para abrir caminhos s polticas no mbito do

ensino superior e podero ser analisados segundo duas vertentes, a da convergncia e

da divergncia. A primeira aponta a via da homogeneizao (cultural, poltica e

econmica) e baseia-se numa perspetiva linear e top-down. A segunda baseia-se na

heterogeneidade dos efeitos da globalizao a nvel das organizaes, de acordo com

perspetivas bottom-up de manipulao, interpretao e resistncia.

A predominncia da vertente nacional sobre as IES imperou durante largo tempo

sobre as tentativas da CE assumir um papel mais importante. A noo de

europeizao da Educao causa preocupaes na maioria dos pases da Europa, por

ser considerado como igual homogeneizao dos sistemas de ensino que poderia

implicar uma perda de identidade nacional (Beukel 2001: 126). No entanto, como se

ver no decurso deste captulo, quanto mais aumenta a integrao europeia e a

cooperao menos hipteses tm as IES para arriscarem ser outsiders em todo o

processo. Na ausncia da convergncia existe o risco da diviso entre sistemas

convergentes e no convergentes com consequncias negativas para os ltimos j que

os estudantes naturalmente procuram as instituies que lhes do maior garantia no

binmio qualidade/reconhecimento de qualificaes.

54 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia II. As Instituies

Mestrado em Relaes Internacionais

Nos ltimos vinte anos, as IES europeias tm vindo a ser alvo de considerveis

mudanas. Os intervenientes dessas mudanas so indiscutivelmente a UE, os EM e

as prprias IES, no entanto o grau de responsabilidade de cada um dos desses atores

na mudana no o mesmo. A interveno na viragem economicista no interessa a

todos de igual modo e a melhor forma de verificar quem despoletou todo o processo

verificar os resultados concretos da mudana.

Apesar de o Tratado de Maastricht ser muito claro quanto ao papel subsidirio e

modesto da CE no ensino superior, a verdade que num curto espao de tempo foi-

lhe atribudo um mandato poltico nessa rea. Em termos legislativos no houve

alteraes substanciais, mas de forma evolutiva, atravs da participao nas reunies

do BFUG e da agenda de Lisboa, acabaram por ser consentidas pelos EM e admitidas

pelas IES se bem que neste ltimo caso de forma mais reticente.

Para empreender o percurso at mudana institucional subnacional, a CE precisava

de ser aceite no clube, a partir desse momento seria fcil encontrar o caminho para

as grandes linhas polticas que sero explanadas mais frente.

Neste captulo ser abordado o papel que tradicionalmente a CE, os EM e IES tinham

no ensino superior e a forma como se articularam antes e depois da mudana de

paradigma. Os EM cederam s polticas competitivas e assistiu-se a uma tendncia

geral para dar maior autonomia s IES sob o argumento de que ficariam mais bem

preparadas para enfrentar o mercado global. Estas por sua vez, tiveram que sofrer

profundas alteraes nas estratgias se bem que estruturalmente ainda exista muito

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

II. As Instituies

55

Mestrado em Relaes Internacionais

caminho a percorrer. O envolvimento supranacional, nacional e subnacional

fundamental para entender as polticas e o tipo de governao que consolidaram a

atuao da CE. O TL constituiu um marco na consolidao da estratgia da UE e

como tal ser tambm analisado.

Neste captulo, o recurso a fontes primrias ser mais consistente. Os autores

escolhidos para apoiar os dados das fontes primrias foram Maria Joo Rodrigues e

Attila gh pela anlise feita do TL estratgia 2020. Para alm disso a entrevista

realizada a Pedro Lourtie e a Jos Manuel Silva revelaram-se importantes na

sistematizao respetivamente da perspetiva do BFUG e das IES.

II.2. De Bolonha a Lisboa a mo invisivel da CE

although the Bologna process was initiated mainly as an

intergovernmental process, there is an evident and growing

convergence with EU processes aimed at strengthening European

co-operation in higher education

(Zgaga, 2003: 7).

Houve sempre bastante relutncia por parte dos EM em aceitar a harmonizao dos

sistemas de ensino superior apesar de desde 1976 se observar algum tipo de

cooperao, nomeadamente a criao de uma rede de informao com as polticas

nacionais e sistemas nacionais, por parte dos Ministros da Educao ou a criao do

programa de ao no campo da educao, implementado ao nvel dos EM (Neave,

2003). Sempre que se discutia algum tipo de convergncias as conversaes

56 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia II. As Instituies

Mestrado em Relaes Internacionais

acabavam por abortar. A soberania das estruturas nacionais no estava em questo

nem o princpio da subsidiariedade que regia a atuao da CE no ensino superior.

A Declarao da Sorbonne de maio de 1998 foi assinada pelos Ministros da

Educao de Frana, Alemanha, Itlia e Reino Unido tendo como tema a referida

harmonizao da estrutura do ensino superior europeu. A Magna Charta

Universitatum reforava a viso humboldtiana da universidade tendo os Ministros da

Educao, sublinhado a diversidade dos seus sistemas de educao. A ideia

fundamental foi a de contribuir para a integrao europeia e, simultaneamente,

preparar o ensino superior europeu para enfrentar os desafios globais, sem que as IES

perdessem a sua identidade e independncia. A DB prosseguiu esses objetivos e nos

primeiros anos focou a sua atividade na implementao de reformas que

promovessem o EEES como um espao de cooperao dentro de um mosaico de IES

que pretendia manter a sua identidade. Esse talvez tenha sido, e continue a ser, o

grande desafio na implementao do EEES tentar equilibrar a convergncia com a

diversidade.

Os pases mais pequenos demonstraram alguma preocupao por ficarem de fora da

assinatura da Declarao de Sorbonne e recearam que os big elephants (Pechar,

2007:109)17

os deixassem de fora. Para moderar a preocupao geral, o Ministro da

Educao Italiano, Luigi Berlinguer, convidou os ministros da educao europeus

para uma conferncia na cidade de Bolonha, em junho de 1999, no intuito de

17

H Pechar. H (2007) The Bologna Process A European Response to Global Competition in Higher

Education - Canadian Journal of Higher Education.37:3, 107-123.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

II. As Instituies

57

Mestrado em Relaes Internacionais

informar em detalhe os avanos resultantes da Declarao da Sorbonne, dando

origem DB. Outro descontente com a situao, a CE, no deixou de se insurgir por

ter ficado de fora de todo o processo. Visto distncia confortvel de 13 anos, no

restam dvidas de que o facto de a CE no ter sido convocada contribuiu

favoravelmente para definir uma srie de polticas, entre elas o EEES, que no teriam

sido articuladas se a UE interviesse nesta fase do processo os EM no estavam

ainda preparados para aceitar a sua (CE) interveno direta18

. Tratou-se de uma

negociao intergovernamental, onde os EM tentaram manter o controlo total do

processo de decises, adaptando as polticas aos contextos nacionais, numa clara e

voluntria manifestao de articulao a nvel intergovernamental, no vinculativa e

portanto sem consequncias legais para os pases envolvidos. Os ministros

signatrios de Bolonha sublinharam o valor do reconhecimento acadmico no espao

europeu, de forma que as qualificaes das IES fossem mais transparentes e

compatveis, mantendo a diversidade como fator enriquecedor.

Ao analisar os objetivos de Bolonha fica claro que, com exceo da criao do

sistema de dois ciclos no ensino superior, todas as outras medidas vinham a ser

propostas e discutidas pela CE nos quinze anos anteriores. A implementao do

programa ERASMUS vinha de encontro ao incremento da mobilidade, o European

Credit Transfer System (ECTS) tambm j estava em funcionamento, em 1993, no

18

Entrevista telefnica funcionrio annimo DG-Educao- Bruxelas [9 janeiro de 2012]

58 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia II. As Instituies

Mestrado em Relaes Internacionais

livro branco sobre o Crescimento, Competitividade e Emprego19

encontramos j o

objetivo de estabelecer um espao comum de ensino superior:

establish a genuine European area of [] skills and training by

increasing the transparency, and improving the mutual recognition

of qualifications and skills; to promote European level mobility

among teachers, students and other people

(CE, 1993:122 op.cit.).

A CE fornecia ainda incentivos financeiros para a cooperao no ensino superior e

projetos de reforma que vinham ao encontra dos objetivos de Bolonha. O

reconhecimento mtuo era visto como resultando da gerao do sistema de crditos

(CE, 1993: 55 op. cit.). Por outro lado, a CE procurou adaptar-se aos objetivos de

Bolonha e estava sempre um passo mais frente do que os EM, como quando adotou

os objetivos da transparncia e da qualidade, atravs da proposta de criao das

agncias de acreditao e qualidade, que foi aprovada pelo Parlamento Europeu e

Conselho em 2005 (CE 2004-0642). No livro branco Teaching and Learning.

Towards the Learning Society (CE 1999, 750 final) a ideia de um mtodo de

acreditao europeu tinha tambm j sido aflorada. Promoveu mestrados conjuntos

atravs do seu programa Erasmus-Mundus20

, que vinha ao encontro de outro dos

objetivos de Bolonha e a validao dos conhecimentos no formais (Cedefop e CE,

2004). Olhando com mais ateno para a ligao entre o processo de Bolonha e a CE,

a ideia que transparece que paulatinamente este apropriado pela CE e anexado

aos outros trabalhos paralelos que entretanto surgiam nesse campo, nomeadamente

19

CE (1993) livro branco- Growth, Competitiveness, Employment. The Challenges and Ways Forward

into the 21st century- COM(93) 700, dezembro 1993.Bruxelas 20

Proposta da CE - JO C 331 E de 31.12.2002: 25.

O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da Unio Europeia

II. As Instituies

59

Mestrado em Relaes Internacionais

resultantes da EL A sua tentativa de facilitar a acreditao levou-a a influenciar a

transdisciplinaridade e a romper os laos com as disciplinas tradicionais. O ensino e

a pesquisa deveriam funcionar de forma colaborativa atravs de redes universitrias

coordenadas pela CE (redes temticas, projetos conjuntos) que implicariam a

colaborao industrial, tudo com o objetivo de aproximar o PB da EL. Apercebemo-

nos igualmente que os objetivos de Bolonha vo sendo alargados e acrescentados

com novas polticas medida que so incorporados na agenda de Lisboa.

Os artigos 126. e 127. do Tratado de Maastricht permitiam uma curta margem de

manobra ao atribuir CE o fomento da cooperao entre os EM, e o apoio e

complemento de aes ao nvel nacional, respeitando a estrutura dos sistemas

nacionais e a sua diversidade. A ligeira e pouco definida abertura era suficiente, no

entanto para a CE encontrar o caminho para desenvolver uma complexa rede de

influncia que transformasse as suas fraquezas em foras a partir da foi simples e

natural financiar os promotores nacionais de Bolonha e diversas atividades de

informao.21

A CE apesar de no estar na assinatura da DB aparece envolvida com

os trabalhos desde o incio. Atravs de seminrios, trabalhos de experts, promoo de

diversas atividades, no desistiu de um trabalho que, afinal, tinha iniciado vrios

anos antes. Formalmente, foi envolvida na reunio de Praga em 2001, muito por

presso da presidncia sueca do Conselho Europeu que considerou que havendo

necessidade de uma entidade coordenadora, nada como atribuir esse cargo a quem j

dominasse a rea. No Conselho Europeu de Barcelona de 2002, a UE comprometeu-

21 CE (2003) apresentado ao Comit Scrates e Sub-Comit para o Ensino Superior. From Berlin to

Bergen,the EU contribution. 2 outubro.

60 O Impacto da Comisso Europeia nas Dinmicas de Mudana no Ensino Superior da

Unio Europeia II. As Instituies

Mestrado em Relaes Internacionais

se a aumentar as verbas para a pesquisa e desenvolvimento em 3% do PIB at 2010 e

na Conferncia de Primavera do Conselho Europeu de 2004 apresentado um

programa de trabalho Educao e Aprendizagem 2010 em que se encontrava

incorporado o PB na EL.

Obviamente os objetivos primordiais de Bolon