O Martírio Dos Suicidas - Almerindo Martins de Castro.doc

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  • O Martrio dos Suicidas

    (Seus sofrimentos inenarrveis)FEDERAO ESPRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL Rua Souza Valente, 17 CEP -

    20941. e Avenida Passos, 30 CEP-20051 Rio, RJ BrasilFatos e narrativas coligidos porAlmerindo Martins de Castro

    7 EdioDo 46. ao 55. milheiroCapa de Cecconi 86-AA; 002.01-O; 4/1980RTD 1 = 6.457/H 15

    Copyright 1940 byFederao Esprita Brasileira(Casa-Mter do Espiritismo)AV. PASSOS, 3020051 Rio, RJ Brasil

    Composio, fotolitos e impresso offset das Oficinas Grficas do Depto. Editorial da FEB Rua Souza Valente, 17 20941 Rio, RJ Brasil.

    C.G.C. n. 33.644.857/0002-84 I.E. n. 81.600.503Impresso no Brasil Presita en Brazilo

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  • PREFCIO

    "Os motivos de suicdio so de ordem passageira e humana; as razes de viver so de ordem eterna e sobre-humana."

    (Lon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, cap. X, 9? edio da FEB.)

    Esta uma nova edio de "O Martrio dos Suicidas". O nosso sempre dinmico e jovial com panheiro, Almerindo Martins de Castro, apesar de seus noventa e poucos anos, efetuou algumas modificaes e acrscimos no texto, sem dilatar-lhe excessivamente o contedo.

    Podero alguns perguntar por que razo con tinua esta obra na linha editorial da Casa de Ismael, quando possumos hoje, na vasta literatura espri ta, especialmente medinica, inmeros e substanciosos tratados que virtualmente esgotam o assunto. Temos os livros de Andr Luiz, psicografados por Francisco Cndido Xavier e Waldo Vieira, diversos deles tratando de problemas de suicidas nos dois planos da vida; possumos os da mediunidade de Yvonne A. Pereira, dos quais sobreleva o monumental "Memrias de um Suicida", ditado por Camilo, que revela com detalhes todas as peripcias da his tria do suicida; e dispomos, finalmente, de obras de Divaldo P. Franco, como "Nos Bastidores da Obsesso", ditada por Manoel Philomeno de Miranda, e de outros mdiuns e pesquisadores.

    A resposta simples. Este pequeno livro des tinado a exercer misso socorrista de urgncia, a ser compulsado por aqueles que esto em aflio e desespero, atormentados ou desiludidos, vencidos e desorientados, vtimas do negativismo e da rebeldia, e que, por isso mesmo, reclamam ou imploram cabal esclarecimento s dvidas e aos problemas que os convulsionam, mas em poucas linhas, em poucas palavras, ainda a tempo de serem libertados da ideia de autodestruio.

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  • Singrando os mares do mundo, temos os mais belos e perfeitos transatlnticos, construdos confor me a tcnica mais refinada e providos dos mais requintados instrumentos; todavia, neles tambm encontramos os minsculos barcos que as ondas por vezes ocultam, mas que, nas horas de perigo, so os que executam a tarefa de salvamento. O opsculo do Almerindo um desses barcos, que vem re colhendo nufragos extenuados ao longo de duas geraes humanas.

    Quantas vidas ele j salvou, quantos desastres terrveis, quanta viuvez e orfandade, quanto sofri mento ele conseguiu sustar? Deus o sabe.

    Enquanto o suicdio campeia, e em certas reas lamentavelmente recrudesce, quer inspirado por do res e dificuldades, quer motivado pelo tdio, no caso dos que se supersatisfazem com os bens da materialidade mundana, distanciados da f raciocinada e da confiana em Deus, este pequeno manual de esclarecimento dever continuar circulando entre a misria moral e espiritual do orbe, em Portugus e Esperanto e, esperemos, em outros idiomas, cum prindo sua misso salvacionista e clarificadora de conscincias.

    Os enigmas do Ser, do Destino, da Vida e da Morte esto satisfatoriamente solucionados pelo Espiritismo. Mas os que ainda no o aceitam so igualmente irmos que, nas suas dificuldades, precisam do nosso apoio e do nosso esclarecimento, em nome do Cristo de Deus. No captulo da predisposio ao suicdio, no vacilemos: faamos chegar ao homem espiritualmente exausto o remdio, o alimento e o abrigo, atravs deste pequeno livro, semelhana do que fez ao homem ferido na estrada aquele prestimoso viajante que descia de Jerusalm para Jeri co e que a histria evanglica eternizou como "o bom samaritano".

    Rio de Janeiro-RJ, 24 de agosto de 1978.A Editora

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  • Uma das mais funestas iluses da criatura hu mana supor que a morte do corpo aniquila a conscincia da personalidade.

    Julgando que a funo intelectual exclusiva da massa enceflica, e que a Alma ou Esprito no pode existir separadamente do corpo, muitos concluem que cortar o fio da vida material implica em extinguir para sempre a criatura, em dissolver na decomposio tumular todos os sentimentos e ideias que caracterizavam uma personalidade qualquer.

    Esse o triste e terrvel engano do suicida.Nascendo na Terra para desempenho de determinada tarefa, muitas

    vezes de rudes lutas, a cria tura sente no raro faltar-lhe coragem para arrostar certas amarguras, e deserta pela porta falsa do suicdio, verdadeiro alapo que precipita a vtima num trevoso abismo de maiores dores e completo isolamento.

    A vida uma grande realizao de solidariedade humana. semelhana do que ocorre no reino vegetal, onde a cada planta

    corresponde uma finalidade, as sim toda criatura traz a sua tarefa de labor a executar, valendo pelo fruto que a rvore deve produzir.

    Atirada ao solo, a semente germina e d o seu contingente para a vida comum. Se falha, reabsorvida (na qumica insondvel e subterrnea), para que de novo constitua elemento gerador dos frutos que no deu.

    Assim, o Esprito, lanado na vida dos mundos, tem de germinar em atos e sentimentos que valham por um labor progressivo, labor que o aprimora e eleva cada vez mais na escala da ascese moral. Se fracassa, atrado e enrodilhado pelos sentimentos e pelas aes inferiores, tem de renascer para realizar esse progresso, que o fim supremo da Criao.

    Nessa lei incoercvel, de renascimento e de reparao dos erros das existncias anteriores, reside para muitos o mistrio da Vida, mistrio que uns julgam desvendado pelas hipteses da Cincia, e outros supem resolvido pelos ritos e ensinamentos das religies dogmticas.

    Mas, uns e outros, quando se encontram nas garras do sofrimento, esgotados todos os recursos da sapincia humana, muitas vezes apelam para o suicdio, na esperana ilusria de que, morto o corpo, cessam as torturas da enfermidade e do pensamento revoltado contra

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  • o acicate da dor.To logo, porm, o incauto sofredor desfecha o golpe contra a prpria

    existncia, eis que o Esp rito ou Alma, liberto dos liames restritos da carcaa humana, mostra ao infeliz desertor que a vida de cada ser reside, no na carne do corpo perecvel, mas num princpio indefinvel na linguagem da Terra imortal, eterno, subordinado a leis que lhe impem deveres iniludveis, obrigaes que tem de cumprir atravs de vidas sucessivas, tantas quantas sejam necessrias para chegar ao ponto do destino espiritual.

    O Esprito no se separa do corpo, porque a ruptura do lao que prende um ao outro s se opera normalmente quando o desprendimento se faz sem a arbitrria violncia do ato suicida.

    Por muito que os sbios o neguem e os outros crentes o duvidem, a verdade que cada um traz o seu tempo de existncia terrena prefixado, e nenhum poder humano pode alter-lo, para mais ou para menos.

    O suicdio detm a trajetria do Esprito, fazen do-o parar violentamente no rumo pretraado, at que possa retomar a marcha normal na sua trilha.

    Num paralelo material, pode-se comparar tal si tuao com a de um veculo que, com prvio desti no, subitamente precipitado numa ribanceira, ten do quebradas as rodas. Antes que seja reparado e reconduzido ao caminho de onde foi despenhado, no poder reencetar a viagem e chegar ao trmino do seu trajeto.

    o que nos certificam os Espritos dos sui cidas. o que nos diz, em tristonhas expresses, uma comunicao medinica do Esprito Hermes Fontes, o aureolado vate sergipano (1888 1930) que, aos 26 de dezembro, cortou o fio da vida neste mundo, na factcia certeza de que o tmulo seria o eplogo das suas desiluses de homem e de poeta:

    Tragou-me a voragem do Desconhecido...Isolei-me demasiadamente da vida, e ao meu recolhimento profundo,

    fatal, s a Dor me acompanhou.Eu no soube integrar-me nela. E, tomando vul to os espectros

    interiores dos meus prprios pesa delos, das minhas ntimas dvidas, para escapar-me aos seus tentculos atrozes, sonhei e arquitetei a volpia do aniquilamento.

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  • A vida impe o intercmbio das emoes: o interior e exterior devem casar-se, sem que os vul tos funestos do desnimo e da morte se apossem da nossa individualidade.

    na integrao do homem na vida que reside a Felicidade.Quem se isola do mundo, e procura s no inte rior desempenhar a

    vida, sofre a asfixia dos seus sonhos e das suas esperanas.A morte tem, para os desiludidos, a aparncia fulgurante de uma

    Cana.O ltimo sonho dos derrotados a Morte...Mas, almas desiludidas, volvei para outros horizontes o olhar das

    vossas esperanas!No h morte! Ningum pode eliminar de si pr prio a vida, que

    imortal!Romper o equilbrio orgnico da matria so mente provocar um

    estado de vida em que os erros so mais ntidos ao Esprito, e as dores doem muito mais!

    No vos seduza, desiludidos, a miragem da morte!Ela no a Cana dos vossos sonhos; no a tranquilidade que

    ambicionais; no o aniquilamento que vos seduz, como me seduziu a mim...

    , apenas, a porta tumular que conduz cons cincia da nossa prpria dor!

    Se quereis o remdio para a vossa desiluso, para a vossa mgoa, para a vossa dor amai-as.

    O nico meio de vencer os espectros do aniqui lamento, os vultos fatais da Sombra aceit-los e am-los.

    So estgios precisos evoluo da nossa vida! No h morte! O suicdio agrava e acentua a vida!"

    E no disse somente na comum expresso de toda a gente, mas tambm em identificadoras rimas, formosas e perfeitas, bem nos moldes das que fizeram a sua glria literria entre os homens:

    "Um dia eu me senti como se fora O infeliz A asvero legendrio E andei no mundo triste e solitrio, Sentindo frio n'alma sofredora.

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  • Sonhei na morte a estrada salvadora Ao meu grande martrio imaginrio,

    E sem notar o meu trgico desvrio, Afundei-me na treva aterradora.

    Tantas vezes a Minh alma enferma e aflitaSonhou a paz nirvnica, infinita,E apenas tenho a dor que me devora.

    Senhor, abrandai as minhas penas, Eu sou inda, entre as lgrimas terrenas, Uma lama mortal que sofre e chora.

    Antes a nossa vida terminasse No turbilho de p da sepultura,Antes a morte fosse a noite escura Onde o ser nunca mais se despertasse.

    Ah! Se a nossa existncia se acabasse, Cessaria de certo a desventura! Contudo a vida o bem que se procura, Morrer ver a vida face a face.

    Todavia, se sofro, Deus clemente, que sou criminoso, o delinquente, E o enfermo sem paz e sem sade.

    Perdoai a Minh alma se blasfemo, Ponde em meu corao o dom supremo Da humildade que aurola da virtude."

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  • O verdadeiro sofrimento comea no momento do suicdio. Todas as narrativas das vtimas de tal desvario so unnimes na descrio das dores ligadas ao gnero de morte escolhido.

    Se um veneno corrosivo, o ardor insuportvel da queimadura, destruindo todo o esfago, o est mago, os intestinos, na sensao mxima de intensi dade; se um projtil de arma de fogo, a dor do feri mento, permanente, tirnica, impedindo todo o ra ciocnio que no gire em torno desse sofrimento; se a asfixia, por mergulho ou enforcamento, a absoluta falta de ar, a nsia desesperada de respirar, nas contores desordenadas de quem luta com as derradeiras foras para no morrer; se por incndio das vestes, a inenarrvel angstia da destruio das prprias carnes, tortura que palavras no descrevem e arrancam da vtima verdadeiros urros de dor, cruciantes e comovedores ao mximo da sensibilidade.

    E assim veem as Almas suicidas escoar-se o tempo, sem mais noo dele, at completar-se o que lhes estava marcado no relgio da vida terrena, quando reencarnaram.

    E o suplcio toma vulto maior no pensamento e no sentir, porque o Esprito, no seu insulamento de dor, perde a noo do tempo e tem a impresso de que vai sofrer eternamente.

    Metido num crculo de treva, formado pela prpria vtima que se isola de tudo para s pensar na sua agrura o Esprito cria a sensao de estar num deserto escuro, onde os seus gritos e gemidos tm ressonncias ttricas, e a sua voz jamais escutada por algum.

    Se percorre stios ligados causa do suicdio, o Esprito sofre em todos, sentindo-se arrastado num torvelinho, que no lhe permite raciocinar com acer to sobre nenhum dos problemas do prprio "eu", pois tudo gira em torno da ideia central que o levou ao crime de auto homicdio.

    Entrecortadamente, chora, blasfema, suplica, num meio-delrio comovedor, mas irremedivel.

    A carne, rasgada pelo gume de um punhal, necessita de imperioso perodo para cicatrizao; a alma, atingida pelo golpe esfacelador do suicdio, precisa de irrecorrvel lapso de sofrimento para balsamizar a leso moral. So inmeros e uniformes os testemunhos.

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  • Qualquer que seja a condio social ou a cren a religiosa, o ru desse crime contra a lei maior da vida sofre, quase sempre revoltado, a presso da incoercvel fora que o prende num novo sofrimento, quando o motivo do suicdio foi precisamente o desejo de fugir dor, a amarguras intolerveis de suportar. E, s vezes, a crena se torna um aumentativo das aflies, porque o indivduo a despreza e rejeita verificando-a impotente para atenuar o abatimento moral do que se acha no patamar do despenhadeiro, por onde se resvala para mergulhar na morte. Mas, consumado o ato criminoso, a realidade mostra afinal que o erro est em que as criaturas no se amoldam aos imperativos do destino, e sim pretendem que a vida se plasme aos seus gozos e interesses de toda ordem.

    do Alm que nos chegam os testemunhos des sas verdades nos depoimentos das almas cru ciadas e arrependidas, chorosas e penitentes, prevenindo os calcetas das dores terrenas que as amarguras daqui so resgate bendito de faltas praticadas em vidas anteriores, enquanto que o auto homicdio um novo e pesado crime gerador de maiores e irremediveis sofrimentos.

    No importa que pensamentos enganadores mas carem esse atentado com as formas de um pretenso altrusmo ou com as factcias aparncias de um amor que apenas egosmo disfarado.

    Com grande tristeza, comovente e resignada, veio a um idneo cenculo esprita o depoimento de uma jovem, que fora na Terra bonssima criatura, filha dedicada, extremamente religiosa, catlica pra ticante, pertencente ao grmio das Filhas de Maria da igreja que frequentava.

    Trabalhando num emprego relativamente bem remunerado, consagrava-se a cuidar de sua velha me, da qual se tornara arrimo, pois no tinham ou tros parentes, vivos. Mas, porque fosse de timos sentimentos e irrepreensvel proceder, a jovem era alvo de muitos elogios pelo beatrio da sacristia, e isso bastante a impressionava agradavelmente, gerando-lhe qui um fundo de desculpvel vaidade.

    Certa vez, ao passar por um grupo de beatas, ouviu dizer: Esta menina, se morresse hoje, ia direitinho para o Cu!E percebeu que a frase era apoiada e repetida por todas, que se

    voltaram para olh-la.10

  • Tais palavras penetraram no mais recndito do seu esprito e foram aprofundando a sua influncia, criando na sua imaginao de crente acostumada s promessas de bem-aventuranas e perdes a granel um quadro mirfico de venturas celestiais.

    Ir para o Cu! foi a moa repetindo, cami nho de casa, deslumbrada com a viso que a sua fantasia forjou no pensamento.

    E, cada vez mais empolgada pela ideia de ir para junto da Virgem Maria, chegou ao lar, foi para um aposento, e suicidou-se.

    Narra o Esprito da jovem:Minha desventura, agora, no feita de dores (que o meu corpo no

    teve), nem de remorsos, porque jamais pratiquei mal contra o prximo; mas da contemplao dos sofrimentos de minha infeliz me.

    Fugindo da vida, eu lhe causei a maior dor de toda a sua existncia, e por mim ela chorou todas as lgrimas dos seus olhos. Cada soluo, cada la mento dos seus lbios feriam-me a alma, qual se fossem punhais de fogo. Depois, quando pude ver, aos meus olhares surgiram os quadros da misria, da fome e do frio que minha pobre mezinha tem cur tido depois que lhe faltou o sustento que eu lhe proporcionava com o fruto do meu trabalho.

    Rolando, em casa de estranhos, por esmola, comendo do que sobra, mesmo contra o seu paladar; vestindo restos de roupas, s vezes insuficientes para atenuar o frio; olhada com indiferena por todos, ningum lhe faz um carinho, nem lhe diz palavras de consolo; ningum lhe zela pela sade, e muitas vezes ela se tem sentido morrer, sem o socorro de qualquer medicao.

    Tal a minha tortura de todos os instantes: o quadro dos sofrimentos de minha me no se afasta de diante de mim. Dir-se-ia que em todo horizonte da minha viso no existe outra perspectiva. O meu suplcio espiritual lembra o da gota de gua, caindo sobre a cabea do condenado at perfur-la fora de bater ininterruptamente.

    Coisa terrvel o suicdio! Horrvel mentira, a pro messa do Cu aos pobres pecadores, indignos at do olhar de Jesus!"

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  • instrutivo atentar-se em que o suicdio para alcanar o convvio dos deuses parece uma herana assimilada dos velhos credos, pois era praticado des de h muito na ndia, a grande fonte de sabedoria onde, alm da filosofia, os juristas das eras cesaria nas beberam os elementos do seu pretenso Direito Romano.

    Essa horrvel e enganosa prtica, que o dom nio ingls coibiu nos territrios ento tomados, era largamente exercida em Allahabad, margem direita do Ganges, na confluncia do Juna com esse rio.

    Eis, em rpidas linhas, notcia que se encontra no livro "Pela ndia", autoria de Adriano de S, ilustrado engenheiro militar do Exrcito Portugus:

    "No areal que medeia entre a cidade e os rios, celebra-se anualmente uma feira (Mela), concorrida por mais de um milho de pessoas, que vm banhar-se neste lugar especialmente sagrado e que acampam ao longo dos rios, enchendo as suas margens de animao, de bulcio, de pitoresco e de imundcie.

    Neste local, dez vezes santo, estacionam ha bitualmente, rodeados de um sem-nmero de disc pulos (cheia) ou de simples crentes (astan), mui tas centenas de faquires, cheios de devoo e co bertos de cinza, ocre e de piolhos, com longos cabelos empastados de lama, hediondos, repelentes.

    Ali se conservam extticos, imveis por largo tempo, uns de joelhos, outros de braos no ar, deitados outros sobre "leitos" cujos "colches" so agudas pontas de pregos, sofrendo todos, sem um queixume, os mais dolorosos tormentos. Todo um estendal de martrio, de xtase de devoo doentia...

    O Governo ingls obstou a continuao de uma prtica religiosa, antiqussima, que aqui costumava ter lugar. Muitos devotos se suicidaram, afogando-se na confluncia dos dois rios, na ingnua crena de que iam direitinhos para o Cu. Era bastante ori ginal a maneira desse suicdio, e no lhes faltava a religio com o seu conforto, naquele momento extremo.

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  • O "paciente" ia, com um ou mais sacerdotes bramnicos, em barco, para o meio do rio. Chegados ali, os padres "depunham" o homem na gua, ten do-lhe atado a uma das mos grande panela de barro e dando-lhe para a outra mo uma colher, ou uma "chareta" (pedao amainado) de coco. (1)

    Enquanto a panela se conservava vazia, o desgraado flutuava; mas, animado de fervor religioso, ia com a "chareta" enchendo gradualmente de gua a panela, que, pouco a pouco, mergulhava, at afun dar de todo, panela e devoto, desaparecendo nas sa cras guas do sagrado rio, a caminho do cu hindu..."

    Ainda ligando-se ao mesmo assunto, o erudito autor, referindo-se visita feita ao monte sagrado de Chamendi, no Misore (marajado de cinco milhes de habitantes), narra:

    "Pude examinar de perto um enorme carro, pe sadssima bisarma (coisa disforme) de madeira, opu lentamente ornamentada e sobrecarregada de escul turas dos numerosos deuses da mitologia bramnica, que costuma figurar nas procisses.

    Estes carros, que servem para transportar a ima gem do deus que se festeja, chegam a ter dezesseis rodas, de mais de dois metros de dimetro.

    (1) Cuia.

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  • So puxados pelos fiis, que disputam, lutando violentamente, esta grande honra, e no poucos tm sido os que, nestas pugnas, ficaram esmagados debaixo dos monstruosos carros descomunais. Resta-Ihes a consolao de que vo diretamente ao paraso bramnico...

    H mesmo devotos fanticos que, nas grandes procisses, se atiram voluntariamente sob as rodas dos carros, a fim de por elas serem esmigalhados e alcanarem, de tal forma, o cu hindu.

    Quando isso sucede, toda a enorme multido de fiis desata em louvores aos seus deuses, atroando os ares com gritos e uivos que nada tm de humanos.

    Onde se d maior nmero desses sacrifcios (suicdios) voluntrios em Puri, na regio de Orissa, durante a procisso que sai do grande templo de Jagarnat, nome sob o qual ali adorado o deus Vixnu, cujo enorme carro, de dezesseis rodas, tem catorze metros de altura e arrastado, dizem, por quatro mil e duzentos devotos!"

    Apesar, porm, da ilusria crena fantica desses infelizes, quando podem dar notcia do seu es tado, subsequente ao suicdio, as suas palavras acu sam sempre desolao, agrura, arrependimento, convencidos j da necessidade de reparar o crime praticado, reencarnando para completar o interrompido estgio terreal.

    que, passado o perodo de perturbao constitudo de inenarrveis agruras o Esprito constata a impossibilidade de alterar impunemente o ritmo da Natureza, em todos os setores da vida csmica.

    Tudo quanto est traado nas finalidades de cada coisa ou de cada ser deve ir at o final, sem que a criatura humana lhe possa impunemente modificar o rumo, a durao, a estrutura substancial, o destino, em suma.

    E sempre que a pretensa liberdade dos vermes humanos se aventura a perturbar as harmonias na turais das coisas ou dos seres, tem a imediata reao, as dolorosas consequncias, que custam lgrimas e padecimentos bem terrveis de suportar, acarretando ainda reparaes que s a seu tempo po dem ser iniciadas, como que a atestar a insignificncia da criatura e a superioridade das leis no escritas na Terra que governam os mundos e os destinos do Esprito imortal.

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  • Essa a lio eloquente que nos vem nos ensi namentos do Alm-Tmulo, embora a Humanidade continue entronizando deuses e teorias de sua cria o, engodo para as almas desprevenidas, preten dendo unificar o poder das castas sacerdotais.

    E a esto os testemunhos, unnimes na conde nao do suicdio, embora variando na intensidade e forma especfica do sofrimento, segundo a mentalidade e a sensibilidade da vtima, e ainda conforme o mvel que influiu no nimo da criatura, arrastando-a ao suicdio.

    De outra fonte feminina, mas de mentalidade diametralmente diversa, vem edificante ensinamento que sintetiza um vergonhoso ultraje e muito humilhante sofrimento para a sensibilidade de mulher:

    "Jovem caprichosa, contrariada em meus impulsos afetivos, acariciei a ideia da fuga, menoscabando todos os favores que a Providncia Divina me concedera estrada primaveril.

    Acalentei a ideia do suicdio com volpia e, com isso, atravs dela, fortaleci as ligaes deplorveis com os desafetos de meu passado, que falava mais alto no presente.

    Esqueci-me dos generosos progenitores, a quem devia ternura; dos familiares, junto dos quais me empenhara em abenoadas dvidas de servio; olvidei meus amigos, cuja simpatia poderia tomar por valioso escudo em minha justa defesa, e desviei-me do campo de sagradas obrigaes, ignorando deliberadamente que elas representavam os instrumentos de minha restaurao espiritual.

    Refletia no suicdio com a expectao de quem se encaminhava para uma porta libertadora, tentando, inutilmente, fugir de mim mesma.

    E, nesse passo desacertado, todas as cadeias do meu pretrito se reconstituram, religando-me s trevas interiores, at que numa noite de supremo in fortnio empunhei a taa fatdica que me liquidaria a existncia na carne.

    Imensa repugnncia pela desero, de sbito, iluminou-me a alma; entretanto, na penumbra do quarto, rostos sinistros se materializaram de leve e braos hirsutos me rodearam.

    Vozes inesquecveis e cavernosas infundiram-me estranho pavor, exclamando: " preciso beber."

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  • A bno do socorro celeste fora como que aba fada por todas as correntes de treva que eu mesma nutrira.

    Debalde minha mo trmula ansiou desfazer-se do lquido fatal.Esvaram-se-me as foras.Senti-me desequilibrada e, embora sustentasse a conscincia do meu

    gesto, sorvi, quase sem querer, a poo com que meu corpo se rendeu ao sepulcro.

    Em razo disso, padeci, depois do tmulo, todas as humilhaes que podem rebaixar a mulher indefesa.

    (VOZES DO GRANDE ALM, cap. 39, edio da Federao Esprita Brasileira.)

    Eis mais algumas narrativas autnticas, colhi das em fontes idneas, e que detalham os sofrimentos e as impresses de alguns desesperados colhidos nas malhas traioeiras da morte voluntria:

    "Um dia, em seleta reunio de psiquistas, apa receu um Esprito, que, comunicando-se pelo mdium, revelava a mais extraordinria dor. Gritava aflitivamente, como se estivesse sendo martirizado. A custo foi acalmado um pouco; e a custo, entrecortadamente por gemidos e gritos, contou a causa do seu sofrer.

    Disse o nome. Mulher. Fora quitandeira em uma das ruas de Alcntara, Lisboa. Casada. Tivera filhos. O marido era mau, mandrio, jogador e brio. No trabalhava e obrigava-a a sustent-lo e a prover s necessidades da famlia com os mesquinhos ganhos da sua pouco rendosa indstria. Para t-la sob o seu jugo explorador, dava-lhe maus-tratos. Insulta va-a, agredia-a. Quando isso no bastava, agredia os filhos, para faz-la sofrer.

    Arrastou assim uma vida de angstias durante anos. Cansou. A pacincia esgotou-se-lhe. Comeou a pensar em fugir ao martrio, suicidando-se. Acreditava que um instante de resoluo, uma dor rpida, poria termo quele longo arrastar de dores, quele infernal suplcio de todas as horas. Pensava porm nos filhos... Que seria deles? Eram os filhos o lao que a aguentava presa ao potro do sofrimento.

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  • Surgiu a ocasio em que o lao quebrou. No pde mais. A fome e as dvidas vinham minando o lar. As facilidades, para que o seu carrasco pudesse levar vida sem trabalhar, diminuam, e os maus-tratos aumentavam em proporo oposta dessa dimi nuio. Os filhos estavam doentes e ela alquebrada, sem foras para trabalhar. Para tratar dos filhos, no podia agenciar a vida; para agenciar a vida, fi cariam as criancinhas ao desamparo, em casa. No podia mais. Decididamente, era melhor morrer.

    Em seguida a uma das habituais altercaes, acompanhada do espancamento martirizante, a pobre, louca de desespero, correu linha de trem de Cascais, quando passava, veloz, junto ao cais d'AI-cntara, e precipitou-se debaixo dele.

    Ia acabar tudo, pensava.Nesse instante supremo, lembrou-se dos filhos, mas j no podia

    recuar: o corpo, cedendo ao im pulso, tombara sobre os "rails". No mesmo instan te, sentiu as rodas passarem sobre o corpo; ouviu ranger os ossos na triturao; suas carnes, dilace radas, sacudiam-se, palpitantes; fragmentos dos mem bros rolaram com o impulso do choque que os decepara, e, coisa horrvel, sentia que no morria. Via--se desfeita, esmagada, informe; ouvia o crepitar dos ossos; parecia que uma dor a torturava, compos ta de muitas dores desiguais, localizada cada uma em um dos membros espalhados no solo, jorrando sangue e palpitando em contraes...

    Viu acudir gente, gritando. Notou que examinavam, compungidos, os seus restos. Viu chegarem as autoridades e, em seguida, um homem ajuntar todos os pedaos do seu corpo espostejado, e met-los em um caixote de madeira.

    Queria afastar-se do stio, mas no podia. Gri tava, mas ningum lhe dava ateno. Agarrou-se a um polcia, pedindo-lhe que a levasse para casa, mas o polcia no a atendeu. Parecia at que no a sentia, nem ouvia. No fez dela o mais ligeiro caso. Deixou-o e agarrou-se a outras pessoas. Sucedeu o mesmo. Ningum lhe respondia; ningum se importava com ela.

    Entretanto, ouvia sempre o rodar do trem, sen tia-o passar, esmagando, cortando e arrastando-lhe o corpo e ouvia o rudo do esmagar dos ossos. Era horrvel!

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  • As autoridades afastaram-se. Dois homens le varam-lhe o corpo esmigalhado em fragmentos.

    No compreendia como se via morta e em pe daos, ao mesmo tempo que lhe parecia estar viva e a sentir dores, muitas dores em todo o corpo.

    Imaginou que dormisse e fosse vtima de um pe sadelo. Mas, rapidamente, via toda a sua vida, at ao momento de arrojar-se para debaixo do trem, em procura do descanso da morte. Lembrava-se dos fi lhos. E, coisa espantosa! parecia-lhe que s podia v-los, e ao trem, ao seu corpo despedaado, ao caixote com o seu cadver em bocados, escorrendo san gue, que ia estendendo dois fios vermelhos pela rua fora... No via mais nada.

    A princpio, ainda ouvia os comentrios das pes soas que tinham presenciado a cena do suicdio e as conjeturas que faziam sobre quem ela seria. No meio dos seus gritos, dizia-lhes quem era e onde morava; mas ningum a atendia, todos a desprezavam. Nem a olhavam...

    Pouco a pouco, foi deixando de ver e ouvir essa gente. S lhe ficou o rodar do trem e os estalidos dos ossos.

    Algum tempo depois, comeou a notar ao re dor pessoas que no conhecia, horrendamente feias, que riam dela, a empurravam, e lhe diziam graas e sarcasmos por ter querido fugir s dores da vida, matando-se.

    Pareciam-lhe demnios, e apavorou-se, com o medo de que a viessem buscar para o inferno. Su plicou-lhes que a deixassem... Redobravam de ri sadas e de empurres. O riso era de endoidecer... E no deixava de sentir a triturao do seu corpo, de ouvir o rodar do trem, a fratura dos ossos, o esmagar da carne!...

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  • No parava mais. Aqueles demnios, que ti nham tomado conta dela, nunca mais a deixaram. Iam uns e vinham outros... Riam s gargalhadas, gemiam, berravam. Diziam-lhe que eram seus eter nos companheiros e, iguais a ela, perdidos, porque, tambm, se tinham matado por suas prprias mos... Sofriam tal qual ela, mas cada um de seu feitio. Havia momentos em que pareciam todos doidos furiosos. Cada um berrava sua maneira. Ouvia-os, sentia-os, mas no os via. S uma vez lhe parecera t-los visto. Eram todos de negro, e faziam caretas de sofrimento. Parecia-lhe que alguns deles estavam esmagados, como vira o seu corpo; outros com a cara inchada; outros com fios de sangue a escorrer dos ouvidos!...

    Era coisa do inferno e no quisera ver mais... Mas, quer fechasse os olhos, quer no, via-os do mesmo modo. Para ela, era tudo noite escura; mas noite escura atravs da qual via os filhos, como os deixara, doentes e famintos; o trem a correr por cima dela, o seu corpo a partir-se pelo cortar das rodas... E o trem a passar sempre por cima das suas carnes... No acabava nunca; no cessava mais o rudo, nem deixava de sentir dores, nem de ouvir o rijjjjj-rijjjjj dos ossos e da carne sendo esmagados.

    s vezes, sentia-se arrastada pelos companhei ros, como se fosse arrebatada por um furaco, e as sim ia ver os filhos a sofrerem, o marido mergulhado numa vida de abjeo...

    E l seguia depois, no redemoinho, crendo-se perdida para sempre.A pobre contara estas coisas a pedaos, sufo cada em gemidos, e

    revelando-as com exclamaes de dor.Mostrava-se desconfiada e receosa. Quando o dirigente da reunio

    procurava confort-la, encami nhando-a para a resignao e para o arrependimen to, chorava mais aflitivamente, e exclamava que no sabia resignar-se, nem arrepender-se.

    Pedia que a deixassem ficar onde estava, isto , no corpo do mdium. Dizia que, ao menos, ali no sofria tantas dores, no aturava os demnios, nem se sentia com o corpo em bocados.

    Quando no houve meio de prolongar mais a situao, que estava sendo pesada e penosssima para todos, a pobre retirou-se, no sem ter deixado, numa exclamao final, reveladora de tanto penar, de tanta tristeza, a mais dolorosa impresso que a comunicao com Espritos

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  • pode dar, em tais circunstncias.A exclamao foi: E isto a morte, meu Deus!Sim! Era aquilo a morte, em que ela havia pro curado descanso!

    Aquele inferno inconcebvel!"Em outra oportunidade, e logo de comeo, o mdium, ao cair

    em transe, revelou enorme sofrimen to. O rosto congestionou-se-lhe repentinamente. Arroxeou; inchou; os olhos abriram-se desmesuradamente como se fossem rebentar; a lngua saiu para fora da boca uns cinco centmetros. Ao mesmo tempo, a respirao sibilava lhe estertorosamente.

    Os assistentes aterraram-se. Recomendada cal ma, confiana e muita piedade para aquele infeliz que assim se manifestava, e depois de ligeiros passes magnticos, o mdium falou. Com grande esforo, comeou, com palavras a cada passo cortadas por estertorosos rugidos.

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  • Tinha sido um pequeno comerciante, brioso e honesto, porm infeliz nos negcios. Tentara vrios meios de vida. O ltimo fora pequena mercearia em uma das tortuosas vielas do bairro de Alfama.

    Famlia grande, filhos doentes, negcios maus, falta de freguesia, tudo concorrera para que arrastasse vida quase miservel.

    Vivendo mal, chegou um dia o desastre. Os cre dores tomaram-lhe conta da casa. Fora ele quem, no podendo solver seus compromissos, a entregara.

    Aquilo tinha de ser dizia ele, referindo-se ideia de pr termo vida, como meio de fugir aos tormentos que o torturavam.

    Pensou na famlia, na mulher, nos filhos; mas, conclura como remate a esses pensamentos:

    Ningum morre de fome. Eu que no posso mais... Eles c se arranjaro... Ss, todos tero d deles... Eu que no posso mais...

    Nesta altura, o diretor da reunio lembrou-lhe: E por que no tentou outro modo de vida? Qual? Qualquer. Todos so bons quando se ganha o po

    honradamente... J tinha tentado tantos.. . Tentasse mais. No dissera que ningum morre de fome? Quando

    no houvesse mais meio de trabalhar, pediria esmola. No pensou que era fraqueza fugir, e egosmo deixar os filhos ao abandono, na misria, para, por esse preo, ganhar o descanso?

    Sim. Mas eu no podia mais. Prosseguindo, contou que, ao entregar a casa aos credores, lanara um ltimo olhar para o estabelecimento onde tanto sofrer, e, sem despedir-se da famlia, caminhara sem rumo pelas ruas da ci dade, cogitando nos meios de matar-se. Todos temia, receando no morrer deles. Resolveu, finalmente, enforcar-se. Arranjara um cordo roxo e forte, e dirigira-se ao bairro Estefnia. Ia aparvalhado. No se lembrava seno de que ia ver-se livre da vida que tanto o martirizava.

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  • Algum tempo mais, e estaria descansando para sempre. A morte era o sono amigo, era o sono eterno.

    Escolheu uma oliveira, que tinha ramada salien te. Parecia convid-lo. A custo subiu. Atou o cordo, depois de ter feito a laada corredia. Experimentou se estava bem slido. Estava. Meteu a cabea na laada, olhou para a cidade que se estendia para o horizonte, e sorriu pensando:

    Vou ver-me livre de ti, e do inferno da vida... Deixou-se cair. Sentiu que o sangue lhe subiu vertiginosamente cabea; os ouvidos zuniram-lhe furiosamente; parecia-lhe ter dentro o eco de um trovo; a lngua rompeu pela boca fora, faltou-lhe o ar, sacudiu-se, debateu-se, perneou, procurando um apoio com os ps e com as mos, e perdeu os sentidos.

    Ao voltar a si, viu-se no cho, mas sentindo tudo que pouco antes tivera. Parecia-lhe estar mais leve.

    Olhou em redor, e viu o corpo dependurado na r vore. Pareceu-lhe o seu prprio corpo, que balouava ainda levemente... Recordou-se, ento, de que quisera matar-se... Horrorizou-se de pensar que no houvesse morrido e que teria de recomear...

    Notou que sentia as aflies da morte. Deitou a correr; e de ento at hora em que nos falava, no mais tivera descanso, nem mais deixara de sofrer a sensao do enforcamento.

    Agora sabia que tinha morrido para o mundo: passava martrios, pensando nos filhos, que no mais tinha visto, e maldizia-se porque, supondo buscar o sossego eterno, se tinha perdido para sempre, adquirindo um sofrimento, do qual, uma hora s, era mais horrvel que o total de todos os outros de que quisera fugir.

    Tempos passados, soube-se que sofria j muito menos, e, por um arrependimento sincero, ia em caminho de regenerao.

    Tal regenerao, porm, no faz desaparecer o sofrimento. O que pode desaparecer mais rapida mente a sensao das dores fsicas inerentes ao ato do suicdio.

    Ficam ainda as consequncias morais, que pungem o infeliz na intensidade correspondente ao seu atraso espiritual e aos motivos por que se matou.

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  • Ainda em outra oportunidade, em uma reunio de sinceros e idneos investigadores espiritualistas, na qual havia excelente mdium, manifestou-se o Esprito, identificado, de certa mulher, revelando extraordinrio sofrimento.

    Depois de esforos feitos para averiguar quem era e por que sofria, foi possvel reconstituir o seu caso trgico:

    "Era natural de uma povoao suburbana do Porto. Casada, tinha dois filhos, sendo um de colo e o outro de trs anos. Viviam na misria. O marido era mandrio, vicioso, explorador e carrasco da esposa.

    A vida era para ela verdadeiro suplcio. Canseira, fome, pancada; sem um momento de alegria, sem uma clareira de paz no desespero do seu viver.

    Um dia, resolveu pr termo dolorosa situao. No queria, porm, deixar os filhos entregues a tal pai, pois seria o mesmo que deix-los ao abandono, ou pior. Ao abandono, as autoridades tomariam conta deles; ficando com o pai, seriam futuros desgraados ou futuros criminosos.

    Deliberou que morressem com ela. Assim acabaria tudo, e no iria para o outro mundo com o re morso de os deixar ao desamparo. E, depois, eram dois anjinhos que a acompanhariam e pediriam a Deus por ela, pensava.

    Na ocasio escolhida, tomou o pequenino, que dormia no bero, pegou no outro pela mo, e dirigiu-se com eles, a chorar, em direo linha do trem de ferro, esperando o que devia passar para o Porto.

    Esperou, e, quando o comboio passava na sua vertigem, atirou, num safano, o pequeno que levava, para cima da linha, e, sem querer ver mais, nem olhar onde ele ficava, atirou-se tambm com o que levava ao colo.

    Ouviu o trem chegar, e um repentino ranger e esmagar de corpos.Perdeu os sentidos.Quando voltou a si, pareceu-lhe tudo um pesa delo. Lembrou-se

    rapidamente do que se tinha pas sado, e imaginou que sonhava, porque ouvia ainda o rudo do trem a passar, e o rudo dos corpos a desfazerem-se debaixo das rodas.

    Figurava-se-lhe estar a ver a cena. No ouvia, nem via nada. Sentia o corpo numa espcie de formi gueiro, de dormncia, que ia desaparecendo gradualmente, transformando-se em sensao de dor.

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  • Crente de que sonhava, fazia esforos para acor dar; esforos que serviam s para ir desfazendo o torpor, a dormncia em que jazia, e aumentarem as dores que sentia por todo o corpo.

    De repente, deparou com o filho menor, partido, ao meio da linha, e jorrando sangue dos cortes. Deu um grito horrvel: recordou-se de tudo. Procurou, en to, o outro filho. No o viu, e sim ao seu prprio corpo feito em pedaos, e estes espalhados pela linha fora. Parecia-lhe que endoidecia. Quis levantar os dois pedaos do filho menor, porm, no pde.

    As suas mos tocaram-nos, mas no tinham fora para os mover.De sbito, pensou que o corpo que estava retalhado pelo cho no

    fosse o seu.No podia ser, porque ela estava ali viva a so frer. De quem seria?

    Arrastou-se para ver a cabea, um pouco distante, misturada a farrapos de vestes.

    Ao mesmo tempo, aterrou-se: notou que estava ouvindo o trem chegar com toda a velocidade. Ouvia o rudo das rodas, e o silvo da mquina. Olhou, e, alongando a vista por toda a linha, no viu nada.

    Olhando sempre, para que, se o trem chegasse, no a apanhasse, dirigiu-se ao local onde estava a cabea. Quis apanh-la, mas no pde. Procurou ver-lhe a fisionomia, e viu a sua prpria, em contraes, fazendo caretas horrveis. Estava cheia de sangue, com pedaos de pele arrancados.

    Gritou, gritou que a acudissem, mas ningum a ouviu.Havia, porm, uma coisa que mais a horrorizava ainda: no saber

    do filho mais velho, e ver o peque nino cortado ao meio, em parte esmagado, intestinos de fora, palpitantes.

    Se fechava os olhos, via-o do mesmo modo; se desviava o olhar para o lado, afigurava-se-lhe que os pedaos do corpinho seguiam a mesma direo. Esfregava os olhos porque lhe parecia ter a figura do filho estampada neles. Esse sofrimento, e o de no ver o outro filho, nem saber dele, faziam-lhe esquecer as dores que sentia.

    Persistia em querer morrer. Deitou-se na linha espera que outro trem passasse e a matasse.

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  • No sabe quanto tempo esteve assim. No se lembra de a fazerem sair de l, de passar mais trens, nem se retiraram ou no os pedaos dos corpos que estavam espalhados no local.

    S se recordava de que, ouvindo sempre o trem, de vez em quando parecia-lhe ouvir os filhos chorarem, o marido berrar e insult-la.

    Parecia-lhe, nesses momentos, continuar na vida de misria e de martrio a que quisera fugir.

    Ento chorava, gritava, pedia a morte a Deus.No tinha a noo do tempo.No havia dias para ela. Era sempre noite. Na escurido, no via

    outra coisa alm do filho esfacelado na linha frrea.Passado no sabe quanto tempo, resolveu ir procurar o outro filho.No sabia aonde, nem por onde ia. Queria fugir dali. Se pensava na

    sua casa, parecia-lhe que es tava nela. Ouvia o marido, ouvia o filho mais velho; mas, vendo tudo na casa, no os via a eles.

    Parecia-lhe, sem saber por que, que ambos pai e filho sofriam muito.

    Supunha ter a impresso de que estavam doentes cheios de fome. E ento, esquecendo o seu prprio sofrimento, pensava em ir trabalhar para eles, como antigamente.

    Sentia grande dor ao lembrar-se de que morre riam mngua, por culpa dela.

    Mas, repentinamente, entrava a chorar, por sentir que estava cega e, por isso, no mais podia trabalhar.

    Deixava a casa, aflita. Iria para a rua pedir esmola, pensava.Na rua, de vez em quando, ouvia vozes; ouvia que passava gente;

    estendia a mo, pedindo esmo la, que ningum lhe dava. Parecia-lhe que no a queriam ver, nem socorrer.

    Ouvia os vizinhos. Berrava por eles, e nenhum lhe respondia.Ento, acusava-se, remordia-lhe a conscincia.Reconhecia que tinham razo em a desprezarem, por ela ter matado

    os filhos, um dos quais continuava a ver na sua eterna cegueira.E arrepelava-se, e chorava.As dores do corpo eram nada, comparadas s dores que sentia na

    conscincia.

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  • Ter morto os filhos da sua alma, que adorava, e no se ter morto a ela, era coisa que no lhe pas saria nunca. "Quando morresse" iria para o inferno, sem remisso. E antes fosse logo: no inferno padeceria talvez menos do que estava sofrendo.

    Lembrava-se de rezar; mas, esqueciam-lhe as oraes. Queria pedir perdo a Deus; mas, se o tentava fazer, a cabea perdia-se-lhe numa grande confuso.

    Parecia-lhe, s vezes, que ao barulho constante do rodar do trem e do estalar de ossos, se juntava o rudo de risos escarninhos, vindos de muito longe, misturados com ditos a ela referentes.

    Acusavam-na da morte dos filhos, e ameaavam-na.Receava ser presa. Pensava esconder-se, j que no podia matar-

    se; mas, a cegueira no a deixava enxergar o local. Deixava-se andar ventura, sem destino.

    Comeou ento a reparar que o seu corpo se tornava, de vez em quando, mais leve, e as dores mais tolerveis. E acalmava um pouco.

    Nessas ocasies, tinha a impresso de que, em vez de risos e acusaes, chegavam at ela o eco sumido de palavras de d e de bondade, os murmrios de preces dirigidas a Deus, em seu favor.

    Ouvia choros e soluos, de mistura com o seu nome, que ora lhe pareciam prximos, ora afastados, mal se distinguindo. Imaginava sonhar.

    Nesses momentos, o rudo do trem ia-se su mindo, sumindo, at quase desaparecer; e, na sua alucinao, parecia-lhe que o corpinho dilacerado do filhinho se movia, tomava vida e a olhava, sorrindo.

    E, ao longe, muito ao longe, algum rezava por ela. . . Sentia um bem-estar rode-la, que a fazia mais feliz, que lhe elevava o corpo.

    E, nesse estado, notava que podia pensar em Deus, pedir-lhe perdo, e rezar.

    Ento, animava-a a esperana de que no se perderia para sempre.Mas, esses momentos de paz e de sonhos pas savam depressa.

    Vinha logo o estado do costume. No ouvia mais choros amigos, nem rezas piedosas.

    E l seguia, sem destino, sem ver para onde, sem ver mais que o corpo retalhado do filho. Caa novamente no desespero.

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  • Deixou de querer ir a casa, porque, quando ia l, sofria muito mais, pelo remorso de no ter continuado a olhar pelos filhos e pelo marido que Deus lhe dera. Era a sua obrigao. Fora me m e tambm mulher m. Matara os filhos e abandonara o esposo. Se ele era mau, devia desculp-lo. Era seu marido. Era o seu dever. Ele no ganhava para os filhos? Ganhassse ela, pois tanta obrigao tinha um quanto outro, porque eram filhos de ambos.

    E se, quando pensava nisto, no queria ir, era quando se sentia forada a ir, como se fosse arrastada ...

    No sabia quanto tempo andou assim. S se lembrava de que os momentos de sonho se iam amiudando. Ia sentindo cada vez menos vivo o remorso do que tinha feito. Lembrava-se, j sem grande aflio, de que fora o seu amor pelos filhos, e o desespero de v-los com fome e frio, que a levara a fazer o que fizera.

    Certo dia, num desses instantes de paz, pare ceu-lhe ouvir dizer-lhe algum, uma voz de criana, que breve acabaria o seu maior sofrimento. Receou estar louca, pois teve a iluso de que era o prprio filho morto quem lhe falava.

    Passou-se mais tempo. As suas dores j no lhe doam tanto. S lhe doam a morte dos dois filhos e a sorte do marido. O barulho do trem j pouco o ouvia. No sabia se desaparecia, ou se se ia habituando.

    Davam-se j largos espaos de tempo que no via o filho esquartejado.

    Amiudavam-se os momentos felizes, em que lhe parecia ouvir rezar por ela. Seria verdade? Haveria quem se lembrasse daquela desgraada?

    Fosse ou no verdade, o certo era que sentia nesses instantes um grande bem-estar. A sua cabea desanuviava-se, e podia orar e pedir perdo a Deus, sem grande dificuldade.

    Chegou um dia aquele em que se encontrava em que sentiu pequena mo pegar na sua, e conduzi-la, ao mesmo tempo em que a voz, ouvida j e que supusera do prprio filho, lhe dizia: "Vem". O seu corpo enroscou-se, misturou-se com aquele corpo onde falava, como se ambos fossem de fumaa que se juntasse. E ali estava. Dissera tudo. Queria agora saber o que nos levara a perguntar-lhe tanto, e por que viera at ns.

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  • primeira pergunta respondeu-lhe o diretor da reunio: o nosso interesse e a nossa piedade; segunda: no sabamos.

    Foi feito ento o caridoso trabalho de demonstrar quela infeliz todo o seu erro. Ouviu contrita, compungida. Arrependeu-se com todas as mostras da mais ntima sinceridade; chorou dilacerantemente.

    Acabava, assim, de limpar do Esprito as m culas negras que a sua fraqueza e m ao nele im primiram, e que to horrvel martrio lhe acarreta ram, natural e justa punio pela sua tentativa de fugir ao pagamento de dvidas anteriormente contradas perante a Lei que regula a evoluo espiritual dos seres na Terra.

    Igualmente, tudo foi empregado para que a po bre recuperasse todos os seus sentidos, at ali obscurecidos e obliterados pelo ato condenvel. Essa merc, conquistada pelo prprio esforo dela, pela resignao com que sofreu, pela justia que reconhecia no seu penar, pelo intenso arrependimento que a dominava, foi-lhe concedida; e a infeliz, num transporte de indizvel gozo e de indescritvel felici dade, pde ver o Esprito do filho, que ela levara morte, e que a perdoava; e ver tambm o filho maior, que no mais enxergara, e estava ainda vivo na sua aldeia. Havia escapado da morte.

    Na preparao do meio espiritual, onde podiam brotar o arrependimento e a resignao da desvai rada me, trabalharam eficazmente a piedade e a prece daqueles que se lembravam dela, na Terra e no Espao.

    A orao e a piedade, conduzidas at ela pela f e pelo pensamento, rodeavam-na de uma doce atmosfera espiritual, que a confortava e, ao mesmo tempo, permitia que surgissem nela e dela irradiassem os sentimentos de bondade, de contrio e de splica, que temos em nossa alma.

    A bondade dos outros a envolvia qual uma carcia, e a tornava boa; e assim mais facilmente pde galgar a ladeira do sofrimento, e atingir a luz da redeno.

    Era aquele estado de bem-estar que ela encontrava no seu martrio.Hoje se vota carinhosamente aos filhos e ao marido, e, talvez mais do

    que a eles, a procurar insuflar pensamentos e sugestes de coragem, de f e resignao nos infelizes que v neste mundo em desespero, e a pensarem em despenhar-se no abismo pavoroso do suicdio, em que

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  • ela tambm caiu."Fora e acima dos dramas prosaicos que as dificuldades pecunirias

    das classes pobres tecem diariamente, h outras tragdias que se desenrolam no crebro de homens cultos e abastados, a quem falta coragem para suportar as desiluses do amor ou de seus sonhos e ambies, na poltica ou na alta finana, bolsista ou cambial.

    Defrontando-se com as situaes difceis de re solver ou suportar, muitos suicidas clebres deixa ram posteridade frutuosa lio sobre a fragilidade moral da criatura humana, fcil de empolgar-se de entusiasmo, porm falvel no momento de dar tes temunho do seu denodo, da sua varonilidade moral, do seu esprito de sacrifcio em holocausto de uma ideia, de uma causa grandiosa.

    Falta-lhes a coragem sublimada que heroifica a personalidade, quer se trate da glria pblica, que os povos sagram, quer da benemerncia com que a tradio oral nas famlias perpetua a lembrana dos seus antepassados.

    Desde bem remotos tempos, a crnica dos po vos registrou eloquentes exemplos.

    Demstenes, o grande e celebrado orador grego, cuja glria foi to trabalhosamente conquistada, terminou pelo suicdio.

    Heri de muitas campanhas tribuncias, lutador impvido contra as tiranias que se exerceram sobre a sua Ptria, tendo sofrido injustias dos seus pa trcios, priso, experimentado as agruras do exlio, nada prenunciava que se acorvadasse no momento de dar a vida em sacrifcio e protesto contra o domnio estrangeiro na Grcia.

    Quando morreu Alexandre, o Grande, Dems tenes, que estivera exilado, veio percorrer, triunfalmente, o Pas, pregando a guerra contra a opresso macednica que pesava sobre a Grcia.

    Inflamados pela eloquncia do tribuno, os atenienses cumularam-no de homenagens e arregimen taram-se para dar combate s tropas de Antipater, j em marcha para castigar a rebelio.

    Vencidos, na inesquecvel batalha de Cranon, Demstenes marchou de novo para o exlio, na ilha de Calauria, onde o foi buscar um destacamento de soldados.

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  • A, sem a coragem do martrio pela liberdade da Ptria, sem aquele nimo dos primeiros cristos que alicerou o testemunho da verdade evanglica, Demstenes suicidou-se, com um estilete envenenado.

    No menos eloquente e instrutivo o exemplo de Ptolomeu, rei de Chipre, que viveu no ltimo sculo anterior era crist.

    Irmo do monarca do Egito vivia em perfeita paz com o ento poderosssimo povo romano, do qual se mostrava mui fiel aliado.

    Imensamente rico, to rico quanto avarento, seus tesouros foram causa de runa.

    O tribuno romano, Clodius, famoso pela turbulncia, pela maldade e falta de escrpulos (perseguidor de Ccero e de Cato), tendo cado em poder de piratas, que exigiram resgate, pediu a Ptolomeu que pagasse por ele a soma exigida; mas o rei, na sua imensurvel avarcia, s lhe enviou dois ta lentos de prata (cerca de cinco mil cruzeiros), quan tia muito inferior ao preo estipulado pelos salteadores.

    Clodius, por vingana, props a deposio de Ptolomeu, convertendo-se o seu reino em provncia romana. Ccero combateu vivamente o projeto, mas a lei nesse sentido foi aprovada, e a Cato, que se achava no Oriente, foi incumbido execut-la.

    Cato, consciente da injustia que se praticava e desejoso de evitar violncia, props a Ptolomeu a renncia do trono, assegurando-lhe, em compensao, o posto de gr-sacerdote de Vnus, na cidade de Pafos, dignidade que era a imediata do rei, tal a importncia do templo e culto deusa, e de pingues rendimentos.

    Ptolomeu recusou; mas, no podendo conformar-se com a perda do poder, nem estando em con dies de declarar guerra aos romanos, resolveu suicidar-se, destruindo, ao mesmo tempo, os tesou ros que haviam acendido a cobia e motivado a tor pe vingana do perverso Clodius.

    Equipou um navio, e para ele fez transportar coisas e dinheiro, em montante incalculvel, fazen do-se ao mar, no intuito de afundar a embarcao, sepultando-se sob as guas, com as suas imensas riquezas.

    Mas, nos insondveis arcanos dos sentimentos do avarento, uma luta bem diversa mudou completamente os sombrios desgnios do rei, comprovando a velha mxima de La Rochefoucauld: Nosso orgu lho

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  • cresce muitas vezes custa do que cortamos nos outros defeitos.Em Ptolomeu no foi o orgulho, mas a avareza que aumentou, com o

    cerceamento da vaidade, do orgulho, da revolta, da vingana.Esse homem, que tivera a coragem de morrer, e concertara um plano

    de execuo para tal, fraqueou ante a ideia de perder os seus amados tesouros, as suas adoradas riquezas que, mesmo no fundo do oceano, ele no poderia conduzir para alm das fronteiras da outra vida.

    E, ento, voltou ao palcio, de novo restituiu todos os valores aos seus anteriores esconderijos, e, recolocados esses "deuses" nos "altares" do seu templo da Avareza, o pobre rei envenenou-se, e morreu.

    Alis, a preocupao de prender-se s coisas e s criaturas da Terra, tem levado muitos incautos ao suicdio, convencidos de que, desertando da vida com o propsito de reunir-se a algum no Espao, podem, a seu arbtrio, encontrar o Esprito predileto.

    A desiluso tremenda, e no menor o deses pero, e ainda mais terrvel o sofrimento.

    O suicida um prisioneiro temporrio do martrio espiritual.Em vo tentar mascarar o seu criminoso egosmo, sua disfarada

    revolta com os factcios colori dos do Amor, da Saudade; a situao verdadeira o crime contra a lei das provaes surgir aos olhos do suicida, fechando-o num crculo de treva e de amargura, que s ser desfeito pela luz da misericrdia divina, no momento preciso em que se completar o tempo da vida interrompido pelo ru do auto-homicdio.

    Bem conhecidas so as pginas autnticas vindas do Alm, traadas por Espritos de indiscutvel valor intelectual, e que, inscientes das verdades e leis da vida espiritual, desertaram da Terra na iluso de que o arbtrio humano tenha algum valor ante as foras imensurveis do Cosmo e do Esprito.

    o caso e lio de Jlio Csar Machado, o brilhante e fino escritor lusitano.

    Tinha ele um filho, o Julinho, que se tornou sua obsesso. Para onde fosse, levava-o pela mo, enlevado, a impingi-lo, catando elogios, num exagero de sentimentalidade digno de reparo.

    Alberto Pimentel narra este ligeiro incidente, muito expressivo:31

  • "Certo dia, num jantar em casa de Batista Pode est, o pequeno Jlio levantou-se da mesa, e foi engalfinhar-se nas costas de um amigo do pai, que o recebeu amavelmente. Da a momentos, o pequeno correu a trepar pela cadeira de outro amigo de Jlio Csar, sendo repreendido. No tardou que o pai, com as lgrimas nos olhos, sasse com o filho, depois de haver apertado a mo, muito expressiva mente, ao amigo que tinha afagado o Julito, e interrompendo desde essa hora as suas relaes com o outro amigo, que o repreendera.

    Este imenso amor pelo filho estremecido foi que o alucinou e perdeu. O filho que ele adorava at ao fanatismo sucumbira a uma alucinao de momento, e desde esse dia toda a felicidade de Jlio Csar principiou a desmoronar-se, qual um talude do qual, em se despegando um punhado de terra, nada fica de p dentro de poucas horas."

    O suicdio foi o caminho escolhido para encon trar de novo o filho idolatrado.

    Eis o comentrio da manifestao do Esprito do iludido suicida, quando, depois de morto, verifi cou o erro que cometera e sofreu a dolorosa consequncia do seu ato de desespero, comentrio alis muito divulgado:

    "Jlio Csar Machado, jornalista portugus, foi um dos mais finos e graciosos espritos das ltimas geraes literrias lusitanas. Cintilante de "verve", de estilo leve, sutil qual uma renda de seda, ele fazia dos seus folhetins monumentos de graas, talhados com o cinzel que a sua morte levou. A sua obra literria era um fino e espiritual sorriso.

    Esse homem tinha um filho que adorava que era "o enlevo da sua alma, a alegria da sua alegria, a musa do seu sorrir, a causa do seu viver", tal qual o triste o disse em uma comunicao medinica.

    A morte levou esse filho."Subitamente na minha vida se fez o vcuo diz ele. A minha

    ironia quebrou-se qual corda seca de um violino. O meu corao dava estalidos rou cos de dor. Veio a tentao. Eu no riria mais, eu no viveria mais sem o meu filho. Era necessrio que eu lhe fosse ao

    32

  • encalo.

    Eu acreditava na vida eterna, e sabia que meu filho havia marchado para essa vida. Era indispen svel que eu o seguisse e recuperasse para os meus carinhos. No podia viver sem ele. Era indispensvel que me fosse, rpido, em sua procura. Em seu seguimento eu ia conquista da minha alegria, da minha felicidade, da minha vida, que no poderiam existir sem ele. Assim pensava eu, assim pensava a me."

    E assim o sentiro os coraes de muitos pais, pode-se dizer.Resolveram ambos partir para a regio ignorada, onde a morte lhes

    escondera o filho amado. Embarcaram pelo suicdio, na "casquinha de noz encantadora que, atravs do mar das suas lgrimas, os levaria ao reino da Felicidade a reconquistar a alegria perdida!"

    A me no morreu; mas ele, o pai, "seguiu"."A morte, ao ver-me cado na armadilha, envolveu-me no seu sendal

    negro, e arrastou-me" acrescenta.Senti ento que, em vez da sonhada felicidade, eu era levado em um

    torvelinho, ou, pior ainda, em um turbilho, onde me debatia inutilmente, desesperadamente, sem poder sair dele, preso, por mis teriosa e invencvel atrao, ao seu futuro temeroso, ora levado a regies medonhas, ora demorando nos stios terrenos de onde queria fugir, e onde tudo me lembrava impiedosamente a minha irremedivel desgraa, no conseguindo nunca a mais ligeira indicao sobre meu filho.

    E nem tinha esperana de que a libertao me viesse pela morte, como parece avezinha presa na gaiola, porque para mim a morte no existia mais.

    E, de ento at hoje, ainda no sa dessa angustiosa situao, presa de uma ansiedade que no conheo igual.

    Debato-me, corro, precipito-me, a gritar, a gri tar sempre pelo meu filho adorado, pela alegria da minha vida, pela luz dos meus olhos, e o meu filho no chega nunca.

    Eu, que me matei porque no podia viver sem ele, tenho de viver sem ele porque me matei!

    No o verei mais? Horror! Horror! Mil vezes horror!"33

  • E segue o infeliz, numa desorientao lancinantssima:

    "Haver justia nesta condenao? Quem me condenou? Quem esse juiz brbaro, horrendamente brbaro, que no viu que no v, que no quer ver, que se eu buscava meu filho na morte, que o levara, era porque a minha vida sem ele no era vida?

    Era crime am-lo tanto? Mas se o amor a meu filho crime, por que nos deu Deus o amor?

    Perdoai-me, Senhor, que blasfemo! Mas, Deus de piedade, Pai de Misericrdia: Tu, que s pai, Tu que s bom, Tu que s a Justia e o Amor, por que no me perdoas? Pois Tu no vs, Senhor, que foi o amor que me cegou? No vs que a Tentao me armou o brao, traioeiramente, na despreocupao da minha vida feliz?

    Mas se eu no hei de ver mais meu filho, por que modeste, Senhor? Se eu havia de perder para sempre a felicidade, para que mal mostraste? Para que mal fizeste conhecer?

    Que eu viva em tormento eterno, que eu sofra esta ansiedade sem-fim, que o pavor de quem no tem nimo para suportar a a dor; que o meu ser se revolva, instante a instante, nas lacerantes agonias dos rprobos, dos criminosos contra as tuas leis, Deus de Piedade; mas deixa-me ver o meu filho!

    Deixa que eu, desta regio inconcebvel, onde me debato sem descanso, onde jaz sepultada para sempre a luz do meu dia, a paz da minha vida, a alegria do meu amor, possa ver o meu filho, o meu filho, Senhor, o meu filho!

    Que o veja uma vez s, num instante fugidio, e eu Te bendirei sempre; e eu gozarei nesse instante centuplicada toda a felicidade que perdi no mo mento louco em que me deixei vencer pela tentao de matar-me, na fagueira e ilusria esperana de ir juntar-me a ele."

    E, depois, em lamentaes onde as lgrimas e os soluos ressaltam, dirigindo-se a Deus:

    "Que desdita a minha! Eu que me matei para ir viver com ele, para me aproximar dele mais rapidamente, dele me afastei para sempre!

    Deus, meu Deus! Ouve, atende minha splica! Tu que s pai, v a minha dor!

    34

  • No sofro pelo que sofro. Sofro porque no vejo o meu filho. Aumenta Senhor, o meu penar, se lei da Tua justia necessrio exemplo e obedincia; mas, em troca, deixa que eu tenha a consolao de ver o meu filho! Olha para a minha alma. V Senhor, se algum sentimento condenvel ou revoltoso me conduziu morte. Vers, Senhor, que foi s a fraqueza de no poder viver sem a vida que meu filho me dava."

    Que pungente exemplo surge desta comunicao!Foi s para ver o filho, para continuar a viver com ele, que o desolado

    pai se matou. Mas, porque no soube esperar, porque no soube resistir pro va a que o seu corao foi submetido, no o pde ver mais.

    E o mais doloroso, o mais tragicamente aflitivo, no no o ter visto, nem no o ver pelo tempo necessrio para que o arrependimento redima a sua falta contra a lei que regula a existncia humana. a sensao aterradora da desesperana, que o amargura, com a ideia de que NUNCA mais o ver!

    H de reav-lo, h de, mas quando?Quando a dor houver apagado do seu perspirito a mancha negra de

    ter desobedecido a Deus, suicidando-se.Alis, a extrema preocupao pelos filhos de termina, nos Espritos

    menos preparados para as contrariedades naturais da vida, estados de alma perigosos.

    Em dezembro de 1928, nesta Capital, ocorreu um desses dolorosos desfechos de existncia, com o secretrio da Escola Quinze de Novembro, homem culto, jornalista, professor, estimadssimo dos seus subordinados e nos meios sociais.

    A "Gazeta de Notcias", de 30 daquele ms, deu nos seguintes perodos uma concisa narrativa do lamentado caso:

    "Esprito culto, inteligente, tornara-se, desde que iniciou a nova carreira como educador, querido pelos companheiros e discpulos, aos quais dedicava um amor verdadeiramente paternal.

    Foi, pois, essa notvel figura, que deu cabo da existncia na madrugada de ontem.

    35

  • Em seu domiclio, aps uma grande contrariedade, ferido no seu corao de pai amantssimo, des fechou um tiro no ouvido direito, falecendo instantes aps.

    Solicitados os socorros da Assistncia do Mier, esta acorreu com presteza no intuito de salv-lo, porm, nada mais pde fazer, pois foi encontr-lo j sem vida.

    O Dr. Pinheiro contava 54 anos de idade e, nos ltimos tempos, vinha sendo atacado de pertinaz neurastenia. Pessoas da famlia do ilustre morto dizem que ele se sentira muito contrariado ao ter conhecimento que um de seus filhos, aluno do 3 ano da Escola Militar, vira-se reprovado em uma das matrias, aps ter sido aprovado em todas as outras.

    Dirigindo-se Escola Militar, a fim de saber o resultado dos exames de seu filho, encontrou-o pro fundamente desgostado e contrariadssimo.

    Voltando para a residncia, pouco mais de 9 horas da noite, demonstrou enorme agitao, assim permanecendo at 3 horas da madrugada.

    Agitado dessa forma lembrava, s pessoas da famlia, a dor que sentiria ao ver seu filho interrom per a carreira por ser desligado da Escola, principalmente tendo assistido aos seus exames e julgar ter ele merecido ser aprovado.

    Em horrvel tenso nervosa, aproveitando-se da ocasio em que todos dormiam, ps termo existncia de forma to impressionante."

    Farta, eloquente e autntica a documentao que os Espritos tm trazido aos da Terra, cientificando-os dos horrores que os esperam, se cometerem o crime do auto-homicdio.

    Fora de preocupaes e ambientes seitistas, tm surgido manifestaes insuspeitveis de Esp ritos, que se identificam de maneira convincente, unnimes nas narrativas dos atrozes sofrimentos re servados aos suicidas, quaisquer que hajam sido os mveis propulsores de to desesperado e ilgico procedimento.

    Mas, apesar disso, ningum cogita das consequncias de tal ato, dominado que cada um seja pelo medo ou pela revolta impotente ante uma determinada situao difcil ou presumivelmente irremedivel.

    36

  • Muitas so as causas dessa desero, porm, a que maior contingente oferece a falta de coragem para sofrer.

    J os velhos dicionrios de Teologia assim definiam o suicdio:"Ao de matar-se a si mesmo, para livrar-se de um mal que no se

    tem coragem de suportar." (Bergier, IV, pg. 415, vocab. Suicide.)Grande foi outrora a controvrsia em torno do assunto, pois

    incrdulos apontavam nos mrtires cristos genunos suicidas, enquanto que os douto res da Igreja sustentavam a ausncia da ideia suicida nesses crentes puros, de vez que no fugiam ao sofrimento, mas, ao contrrio, buscavam todos os martrios, para sofrer em testemunho da f, inclusive a perda da vida do corpo, para que o Esprito fosse ao encontro do Mestre.

    No existia, nesse caso, a revolta ou o medo do desertor em face das agruras.

    O suicdio sempre foi considerado, mesmo na antiga teologia paga, uma demonstrao de rebeldia contra a Providncia Divina.

    A prpria Bblia, a vetusta fonte por excelncia, no individua no seu livro inicial esse criminoso atentado contra um dos mais sagrados preceitos da lei moisaica, mas menciona e pune expressamente o homicdio forma de destruio da vida corporal, que somente Deus pode conceder ou eliminar, nas relaes de causa e efeito a que esto subordinados os seres espirituais nos mundos e no Espao.

    a lio em Gnesis, cap. IX, v. 6, que diz: "Se algum derramar o sangue do homem, pelo homem ser derramado o seu sangue; porque o homem foi feito imagem de Deus."

    A ausncia do vocbulo suicdio provm de ha ver sido tal palavra composta (de sui e coedes, si e morte), no sculo XVIII, pelo padre jesuta Guyot Desfontaines (1685-1745), autor de um "Dicionrio Neolgico", escritor de muita erudio, mas de pou co invejvel biografia.

    A despeito, porm, do acatamento que devera inspirar o cnon religioso, o atormentado crente de serta da vida, sem ligar mesmo importncia ausncia de sufrgios pela alma, que lhe sero negados dentro das leis eclesisticas.

    37

  • Tal foi o caso do Dr. Raul Martins, juiz ntegro, cidado probo, inteligncia culta, catlico fervoroso, que desertou da vida a 21 de novembro de 1920.

    Vtima de um desses terrveis eventos que a mal dade tece, ele deixou escritas estas desalentadas palavras:

    "Confesso-me vencido e sem mais foras para lutar contra a perfdia humana."

    Segundo consta dos jornais da poca, uma comisso de oficiais de justia promoveu, no Centro Esprita "Antnio de Pdua", rua Senador Pompeu, 162, uma sesso de preces em prol do Esprito do digno magistrado, que era estimadssimo entre os seus subordinados.

    Pelo mdium respectivo vieram palavras do su fragado, que, em resumo, diziam: "Sofro, e necessi to das vossas preces; mas, no censureis aqueles que foram causa da minha queda; orai tambm por eles."

    Igual sufrgio de preces foi feito na Loja Teosfica "Pitgoras"."O Jornal", de 2 de dezembro, assim detalhou a tocante cerimnia:"O Sr. Juvenal Meireles de Mesquita, presidente dessa agremiao,

    antes de dar a palavra ao Capi to do Exrcito Eugnio Nicoll, que ia fazer como fez, uma conferncia acerca da interpretao dos pla nos da Natureza, realizou um ato devocional em in teno da alma desse magistrado, a quem a Religio Catlica, de que ele fora fervoroso crente, e som bra da qual viveu e educou seus filhos, negou o conforto espiritual, justamente no momento em que dele mais carecia.

    Fez o Sr. Juvenal uma ligeira exortao aos presentes, sob o justo fundamento de que todas as almas so filhas do mesmo Pai, sendo, portanto, a mais clamorosa das injustias negar-lhe o que ne nhuma religio nega aos seus proslitos, e lamen tou que o Catolicismo, que podemos considerar uma grande seita do Cristianismo primitivo, religio que assentava suas bases na doutrina do amor e da fra ternidade, pratique semelhantes iniquidades. A Teosofia, entretanto, que a todos considera como ir mos, prestar quele saudoso juiz o conforto espiritual a que todas as almas tm direito."

    Trinta e trs meses depois, o Esprito Raul Martins dava esta comunicao, largamente divulgada desde ento:

    "Nada poder suceder de mais funesto ao homem do que o suicdio.38

  • Dessa desgraa inominvel j houve verdadei ras epidemias nos tempos ominosos do materialismo romano.

    Nas modernas sociedades, mltiplos so os seus fatores. Sob diversos aspectos e formas, o sui cdio contribui com enorme porcentagem para o obiturio em geral, ora determinado pelas obsesses dolorosas, ora pelas dificuldades e desalentos da vida terrena.

    - O suicdio supe sempre a iluso, de que se acha o candidato possudo, de se libertar da insuportvel carga de dores e tristezas que o acabrunham e lhe envenenam a vida.

    Todavia, que funesta iluso!Fala-vos quem, sob as torturas de uma dolorosssima opresso

    moral, tambm cedeu atrao do abismo e sups libertar-se da conta que, de mui to, lhe estava assinada, interrompendo o curso da existncia.

    Enganei-me, meus caros irmos.Longe de extinguir o sofrimento, este recrudesceu e se tornou mais

    ntimo e profundo aqui no Es pao, onde no h noite, nem sono, e parece eterna a provao da alma.

    Cedi vaidade mundana da honra e do prestgio.E, no entanto, vejo agora, no meu mal sem re mdio, que bem

    melhor fora abstrair dessas futilidades para cuidar do que eterno e imorredouro: a existncia do ser e seu progresso atravs das etapas do Universo.

    Contam-se por milhes os desgraados que, como eu, se debatem na treva depois de terem sido pasto da ignorncia e do orgulho.

    Se eu tivesse podido saber que todos os ouropis da vida terrena no valem uma s das verdades que aqui constatais diariamente, teria certamente evitado, por um ato de coragem e resignao, esta horrvel geena em que agora me debato.

    O suicdio a maior desgraa que pode suceder ao Esprito.Ato de rebeldia insensata contra os desgnios da Providncia,

    encarna o desespero do ru que se quer libertar, por fraqueza, do compromisso anterior que assumiu por seus erros.

    uma afronta Divindade, intil e covarde.

    39

  • Intil, porque jamais poder o ser aniquilar-se, visto que ele eterno qual o prprio Pai e Senhor de quem emana.

    Vede agora a triste situao em que se encon tra o suicida ao desprender-se do corpo; mais vivo do que nunca, sobrevm ao pungente padecer a sur presa alucinante de se ver indestrutvel, incapaz de modificar de um s detalhe o destino que lhe foi traado.

    Sofre no Espao as consequncias do seu orgulho, com a obrigao de voltar matria para ter minar a misso que to loucamente interrompera!

    Sede fortes, vs que me ledes, quando vos assaltar o sofrimento.Afugentai, com todas as foras da vossa alma, a negra viso do

    suicdio, porque, desventurados, se nele cairdes, se cederdes s suas tenebrosas suges tes, ento se abrir para vs o verdadeiro inferno, aquele em que, sem metfora, mas real e dolorosamente, h choro e ranger de dentes.

    No suicdio se nivelam todas as dores, porque ele determina o maior e mais desesperado de todos os sofrimentos.

    A dor, a negra, a profunda dor, dentro da tre menda impresso de que no haver misericrdia, nem remisso para o rprobo, o covarde, o trnsfuga, que jogou face da Justia do Divino Pai o saldo da sua conta.

    Pensai nisto e jamais admiti, nas vossas amarguras, a ideia desse terrvel tentador o suicdio."

    No isolado em nosso meio social esse caso, de um homem culto e prestigioso, catlico militante, recorrer ao auto-homicdio para fugir ao sofrimento.

    Em maio de 1932, um dos mais ilustres expoen tes do Supremo Tribunal Federal, inteligncia primorosa, erudita cultura jurdica, carter ntegro, fazia pelo submarino do suicdio a derradeira viagem para a treva da erraticidade.

    Sentindo-se atingido por grave enfermidade, incurvel a despeito dos "grandes progressos da cirurgia contempornea", caiu em profundo abatimento moral.

    De "A Noite", de 16 daquele ms e ano, so os perodos que concisamente do ideia do quanto deve ter sofrido o ilustre magistrado, na sua perturbao de esprito:

    40

  • "O ministro vinha sofrendo h muito de profun da neurastenia, que muito se agravou com forte acesso de gripe de que fora acometido.

    Assistido pelo mdico da famlia, e, embora me lhor do acesso gripal, passou a sentir dores violen tas nos intestinos e no estmago. O facultativo me dicara-o ento, atendendo a tais incmodos, e o ministro teria descoberto que a medicao indicada era a que se d aos portadores de lceras. Tratava-se de uma medicao tpica da grave molstia.

    Ningum mais pde fazer o ministro disfarar os seus receios. O prprio mdico procurou, inutil mente, roub-lo dvida que o atormentava, afirmando-lhe que no era aquele o seu mal e que a medicao tinha tambm outras aplicaes. O minis tro passou a ficar taciturno, apreensivo, at que, ontem, declarando aos seus ntimos que sabia morrer dentro em breve, manifestou desejo de confessar-se. Que chamassem o Cardeal D. Sebastio Leme, uma vez que o seu estado de sade o privara de compa recer Pscoa dos Intelectuais, ontem realizada, e na grande cerimnia religiosa receber as graas de Deus.

    No demorou o cardeal, amigo da famlia, a atender o pedido do ministro. Sabendo da sua von tade, fez-se acompanhar do Padre Franca, que o confessou.

    Ao cardeal contou o ministro os seus receios, a dvida tremenda que o consumia, ao saber possvel estar sofrendo de lcera no estmago, no escondendo o desejo que tinha de matar-se, que lhe parecia maior que o poder da sua vontade, superior s foras que lhe devia emprestar a f profunda em Deus, que sempre animou a sua alma, colocando-o acima dessas fraquezas humanas.

    Quando o cardeal saiu do palacete da rua Barata Ribeiro n

  • trgicas, de maneira impressionante.O ministro levantara-se cedo, barbeara-se e fora para o banheiro. A

    sua longa demora despertou sus peitas nas outras pessoas da casa, que desceram ao quarto de banhos.

    Ningum atendia. Foi ento arrombada a porta e constatada a brutal realidade de tudo. Estava morto o ilustre jurista, no interior da banheira, mas, vestido ainda no seu pijama. Havia cortado os vasos do pescoo, com um profundo golpe, usando para isso a navalha com que se barbeara, tendo o cuida do de colocar-se assim, para evitar, provavelmente, que o sangue, na grande hemorragia que o matou, se espalhasse pelo cho do aposento."

    A religio no influi, no tem fora para deter a insnia momentnea do sofredor, quando o Esp rito fraqueja e se deixa dominar pelas influncias exteriores de outros Espritos, que agem conluiados, conforme as circunstncias, as afinidades de inte resses ou de sentimentos.

    Nesse caso, eloquentssimo, quanta argumenta o, poderosa e rica de fundamentos cristos, deve ter sido empregada pelo ilustrado sacerdote confessor, secundado pela insinuante palavra do seu superior eclesistico!

    No intuitivo que, emocionados pela iminn cia do desmoronamento daquele lar fervorosamente catlico, os eminentes representantes da Igreja Ca tlica fossem assistidos e inspirados na doutrinao daquela alma empolgada por um Esprito da Treva a querer arrast-la para o hediondo crime do suicdio?

    No entanto, cessada a influncia da palavra que parecia t-lo convencido e confortado, a vtima to mou de novo o curso da sua perturbao e afundou no erro.

    A ideia do suicdio uma obsesso que deve ser extirpada pelo prprio Esprito, e contra a qual nenhuma palavra tem poder decisivo. A prova est nos suicdios de sacerdotes catlicos e de freiras de tirocnio claustral.

    42

  • A documentao, nesta assertiva, poderia ser copiosa; mas, para documentao que exclua a suspeita de vaga afirmativa, bastaro dois casos tpicos.

    O primeiro, noticiado pelo "O Globo", de 9-8-946, refere o suicdio da freira Olga Merosova, praticado em Jerusalm, na Igreja do Santo Sepulcro.

    O outro, mencionado pelo "Dirio de Notcias", em sua edio de 13-2-949, aponta o suicdio do padre Andra Blanchi, que, com um tiro de revlver no estmago, se eliminou da Igreja, na casa de hspedes de "Santa Marta", no Vaticano.

    Eloquente tambm o eplogo do drama que foi a vida do grande escritor portugus, Camilo Castelo Branco.

    Obsidiado, pessimista, mdium que jamais deu valor ou prestou ateno s suas faculdades medinicas, nem mesmo aos notveis fenmenos ocorridos na sua desregrada existncia, ele prprio preparou o seu triste fim.

    Dispondo de grande cultura, um tanto habitua do aos trambolhes da vida que ele nunca soube bem viver, velho heptico e no menos antigo dispptico, foi atingido por um mal de olhos que o levou gradativamente s fronteiras da cegueira completa.

    Sempre esperanado de melhoras ou cura, foi Passando o tempo, at conseguir consultar-se com abalizado especialista, que o foi examinar na pr pria residncia e de quem esperava a ltima palavra decisiva sobre o mal. Isso em junho de 1890.

    No tendo obtido arrancar do mdico o diagns tico, ou antes, o prognstico da enfermidade, Camilo Castelo Branco, andando sutil, veio ficar escuta, enquanto pessoa da famlia acompanhava o oculista sada.

    Somente a o esculpio deu sua opinio sobre a molstia do grande escritor: tratava-se de um caso perdido, de irremedivel cegueira.

    Ouvindo a terrvel revelao, que lhe preten diam ocultar, Camilo Castelo Branco, que, desde um lustro antes pensava no suicdio, deu um tiro na cabea.

    43

  • Da torturante cogitao que durante tal interregno trabalhou esse Esprito, j exaustivamente verrumado pelas necessidades da vida material, diz com eloquncia a carta que escrevera:

    Em 26 de novembro de 1886.

    10 horas da noite.

    Os inenarrveis padecimentos que se vo complicando todos os dias levam-me ao suicdio nico remdio que lhes posso dar. Rodeado de infelicidades de espcie moral, sendo a primeira insnia de meu filho Jorge, e a segunda os desatinos de meu filho Nuno, nada tenho a que me ampare nas consolaes da famlia. A me desses dois desgraados no promete longa vida; e se eu pudesse ar rastar a minha existncia at ver Ana Plcido morta, infalivelmente me suicidaria. No deixarei cair so bre mim essa enorme desventura a maior, a in compreensvel minha grande compreenso da des graa. Esta deliberao de me suicidar vem de longe, como um pressentimento.

    Previ, desde os trinta anos, este fim. Receio que, chegando o supremo momento, no tenha firmeza de esprito para traar estas linhas. Antecipo-me hora final. Quem puder ter a intuio das minhas dores, no me lastime. A minha vida foi to extraordinariamente infeliz que no podia acabar como a da maioria dos desgraados. Quando se ler este papel, eu estarei gozando a primeira hora de repouso.

    No deixo nada. Deixo um exemplo. Este abis mo a que me atirei o "terminus" da vereda viciosa por onde as fatalidades me encaminharam.

    Seja bom e virtuoso quem o puder ser.Camilo Castelo Branco

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  • So Miguel de Seide.Mergulhado por esse trevoso salto no insondvel abismo do

    suicdio, o incauto e orgulhoso literato defrontou-se com as terrveis e irrecorrveis realidades do Alm-Tmulo, onde o Esprito se choca com a muralha inderrogvel das leis eternas que regem a verdadeira vida.

    Longe de encontrar o repouso que filauciosamente a si prprio anunciara e prometera, o pobre escritor encontrou sofrimento, remorso, dores, cr cere de vises aterradoras, um cenrio de expiaes dolorosssimas ante o qual o seu pessimis mo iconoclasta foi impotente para minorar o mais leve de todos os padecimentos.

    E assim, preso ao ergstulo das punies espi rituais, ficou, acorrentado poca prpria, precisa, em que sairia da perturbao sofredora para co municar-se com o mundo que criminosamente abandonara antes do trmino inelutvel.

    Muito tempo depois, mais de quatro lustros decorridos, solicitado a dizer sobre o suicdio, eis o que seu Esprito transmitiu a um mdium seu patrcio:

    Equivale a pedirem-me sinistra sinfonia para a pera do Horrvel.No sei dizer quanto preciso; e tudo que disser no ser, por assaz

    deficiente, a sombra da ver dade necessria. Mas no recuso o meu contingente, nem quero perder a ocasio, que me oferecem, de mais uma vez bradar aos incautos que se defendam de cair no abismo em que me precipitei, em aziaga hora.

    Supe-se a que o suicdio a morte.Alguns creem que na devoluo das carnes verminadas podrido,

    est a extino da vida e do sofrimento.Para esses a libertao, a quebra da grilheta chumbada ao artelho

    de forado do martrio; como para outros s remdio pronto a embaraos inextricveis de momento.

    H quem o creia cmodo fecho a uma vida de angstias; como h quem nele veja fcil alapo por onde se pode fugir s chicotadas do Destino.

    Para uns cura radical de dores; para outros astuciosa maneira de fugir sorte adversa.

    Alguns o tm como remate forado e benem rito de desiluses; outros o buscam como portaria franca para a regio da Esperana.

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  • Aos descrentes finalizao lgica para dificul dades e desgostos; aos infelizes recurso ltimo do desespero acovardado.

    Uns creem conquistar com ele a eterna paz do Nada: o sono tranquilo de que no se acorda mais; outros imaginam-no alavanca irresistvel para forar a porta do Esquecimento.

    Querem uns, com ele, esmagar remorsos de jus ticeiro pungir; querem outros, com ele, escalar mais rapidamente o Cu.

    E a todos enganam as tredas e alucinadoras miragens da Tentao.No morte; no d libertao; no constitui remdio.

    No extingue angstias, nem abre caminho fuga redentora das aoitadas do destino vingador.

    No sara dores, nem acaudilha deseres.No pe fim s desiluses da alma, nem encaminha visionrios s

    sonhadas bandas da Esperana.No d, para os descrentes, razo sua estultcia; nem aos infelizes

    consolaes permeadora do seu desespero pusilnime.No conduz o msero suprema paz do Nada, nem o acalenta no

    eterno sono inacordvel.No abre aos tristes a letrgica regio do Ol vido; no d aos

    remorseados mordaa para calar a grita da conscincia; nem ajuda os crentes a tomar de assalto o Cu.

    Para todos o suicdio o desengano.Simulando defender do infortnio, impele vio lentamente ao salto-

    mortal para o Horror.No sei de nada que lhe seja comparvel.Nem a blasfmia, que eu suponho a suprema ofensa Razo; nem

    o fratricdio, que eu acredito a suprema ofensa Humanidade; nem o matricdio, que eu presumo a suprema ofensa Natureza.

    O suicdio a suprema ofensa a Deus.Nele, as dores redobram de intensidade; a alma impregna-se de

    desesperos, que parecem infindveis no tempo e na angstia.Constitui a cristalizao da Dor; a aflio da ansiedade que nada

    satisfaz; a dentada triturante e perene do Remorso.Eu fui suicida. Querendo fugir cegueira dos olhos, fui mergulhar-me

    na cegueira da alma.46

  • Pensando furtar-me negrura que cobria o meu viver, fui viver na treva onde os suicidas curtem rai vas, sem repouso; e blasfemam quando suplicam.

    Fui viver na pvida regio onde os rprobos se mordem e agatanham; onde gargalham, de olhares em fogo e rangendo os dentes, os furiosos com juzo.

    Aonde o suicdio arroja os seus mrtires, num repelo brutal de louco, no penetra a Luz de Deus, nem a carcia da Esperana.

    L, ruge-se, geme-se, chora-se, solua-se, ulula-se, blasfema-se, pragueja-se e maldiz-se. No existe paz; no se sabe, nem se pode orar.

    - a caverna do Sofrimento, de que Dante s vislumbrou o portal.Sei que rbicas convulses l me sacudiram; que lgrimas ferventes

    queimaram meus olhos cegos; mas no adrega diz-las.As dores descomunais no se descrevem. Sentem-se, no seu ecleo

    titnico, mas no se definem. Entram pelo infinito; so o inenarrvel; so o incompreensvel.

    Quando o suicida supe trancar, com a morte, a porta da Agonia, abre a do ciclo infernal do Desespero.

    Matando-se, no aniquila a vida; destri, s num ato de inepta rebeldia, o meio eficaz e providencial do seu progresso; e recua, voluntariamente, a hora desejada da sua felicidade.

    A vida, alm do suicdio, pertence fase hu mana que os homens da Terra no conhecem, para que no tm ideias apropriadas, e a que a necessida de no criou ainda palavras representativas. De umas e outras, todas as que a mais dolorida, mais trgica e mais sugestivamente pintem o aspecto do Horrvel, no do a impresso esfumada dos tormentos que o suicida entra a curtir, quando, por ingnua ou velhaca presuno, supe conquistar, por uma violncia da sua vontade, o termo do seu sofrer.

    Isto assim. bom? mau? assim. como , e, como , temos de aceit-lo.

    possvel que por a haja quem fizesse coisa mais de perfeio; mas Deus esqueceu-se, lamenta velmente, de os consultar antes de completar a sua obra.

    47

  • Foi uma falta grave; mas j vem tarde a grita indignada dos mestres desse mundo, para remedi-la.

    Ponham de lado prospias de emendar o que est feito.Guardem as sabedorias, que podem melhor ser vir para adubar

    manhas e poucas-vergonhas nos conclaves palreiros da asnice em que a pontificam.

    Conjuro os que me lerem a que me creiam sem experimentar.O desastre ser irremedivel, se no o fizerem.Aceitem, aceitem o fato tal ele .Aceitem a vida como a puderem fazer. Corrijam-na, corrigindo-se.

    Amoldem-se s situaes, ainda as mais desesperadoras.A tudo mais Deus prove de remdio; mas Ele que o juiz da

    oportunidade de aplic-lo.Aceitem as dores, a cegueira, as deformaes, as aberraes,

    o desespero, as perseguies, a des graa, a fome, a desonra, a degradao, a ignomnia, a lama, tudo, tudo que de mau, de injusto, ou de rastejante em desprezo a Terra lhes possa dar, que so ainda coisas excelentes em desiludida compara o ao que de melhor possam chegar, pelo caminho do suicdio."

    Igualmente emocionante e bela a mensagem que ao nosso Chico Xavier transmitiu Camilo Castelo Branco, em 1936 Aos que sofrem:

    "Ainda uma vez, ao escrever para o mundo, fao-o dirigindo-me de preferncia aos sofredores e aos torturados. Quem, como eu, amargo fel expe rimentou nas lies mais dolorosas, durante muito tempo sentir o travo rude, oriundo dos arrependimentos tardios e dos remorsos acerbos. O suicdio no o sono acariciado pelos covardes e desvalidos que se debatem na imensa noite dos condena dos; a mar traioeira que arroja os nufragos da Descrena e do Tormento nas escarpas pontiagudas do Pavor. No o silncio apetecido que expulsa mgoas, que sana dores, que cura feridas, que enxuga lgrimas, que deixa dormitar o Esprito atri bulado em imperturbvel quietao. o padecimento nico no vislumbrado, que duplica a ansiedade e o amargor do pranto dos acovardados.

    Um suicida no mais do que tudo um rprobo. E quase um rprobo de Deus, se Deus no fosse o amor ilimitado e a piedade infinita.

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  • Os infelizes conservam o pessimismo como ale gria mrbida e quase sempre esse fantasma terrificante se apodera dos fracos e dos descrentes, apa ga-lhes a derradeira centelha da f e da esperana que lhes resta, e a noite impenetrvel se faz sentir nesses coraes apavorados pela tortura; abismos tenebrosos abremse-lhes sob os ps e as vtimas da cegueira, desamparadas e trmulas, so absorvidas nas trevas fatais. Porque necessrio frisar que a cegueira dos olhos pouco representa em face da cegueira do corao; os desiludidos se aprovei tam das sombras para efetivarem a sua criminosa evaso e, mal avisados pela estultcie, engasopados pela solrcia da Tentao, repelem as dores, fecun das de luminosidades desconhecidas, para ingressar, surpreendidos, no detestvel pas onde os desesperanados rugem de dor, estertorando-se sob as tenazes da amargura.

    Numerosos trnsfugas miserveis supuseram encontrar, pela escusa sada do suicdio, termo aos seus dissabores, remdio s suas aflies, sedativo s suas lceras, tranquilidade aos dias negros da fome e da misria; as mais cruis desiluses os aguardam, porm, nas portas do tmulo.

    A inviolvel quietude da morte apenas uma figura mitolgica que a realidade esmagadora faz rolar impiedosamente do pedestal que a ignorncia lhe oferece.

    Devolver carnes apodrecidas terra no con quistar o descanso desejado, porque o corpo morre todos os dias; para que se efetue o seu desenvolvimento, mister que desapaream e nasam novas clulas conservadoras da energia vital.

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  • A infncia o embrio da mocidade e a ve