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1 Departamento de Direito Mestrado em Direito O novo CIRE: Incidências e Repercussões Jurídicas Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Direito, especialidade em Ciências Jurídicas. Mestranda: Maria de Lurdes Videira Sequeira Dias Alves Orientadora: Professora Doutora Ana Cristina Ramos Gonçalves Roque dos Santos LISBOA MAIO - 2014

O Novo CIRE Incidências e Repercussões Jurídicas

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CIRE

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  • 1

    Departamento de Direito

    Mestrado em Direito

    O novo CIRE:

    Incidncias e Repercusses Jurdicas

    Dissertao para obteno do grau de Mestre em Direito,

    especialidade em Cincias Jurdicas.

    Mestranda: Maria de Lurdes Videira Sequeira Dias Alves

    Orientadora: Professora Doutora Ana Cristina Ramos Gonalves Roque dos Santos

    LISBOA

    MAIO - 2014

  • 2

    memria de meu Pai

  • 3

    A lei de ouro do comportamento a tolerncia mtua,

    j que nunca pensamos todos da mesma maneira,

    j que nunca veremos seno uma parte da verdade

    e sob ngulos opostos.

    Mahatma Gandhi

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    - minha filha, Ana Filipa, agradeo a compreenso de quo importante para mim este

    trabalho e, peo desculpa pelas horas que no dediquei, no esto deslembradas.

    - Ao Carlos, meu marido, agradeo o incentivo e apoio incondicional, e, o orgulho,

    injustificado, que tem por mim.

    - minha orientadora Professora Doutora Ana Cristina Ramos Gonalves Roque dos Santos,

    agradeo tudo quanto me ensinou, e continuar certamente a ensinar, por todos os desafios

    que me colocou e por todas as oportunidades que me concedeu, pela forma calorosa e

    entusiasta como me apoiou e incentivou para que este trabalho fosse uma realidade, estou

    profundamente grata.

    A todos dedico o eventual mrito que deste trabalho possa advir, os erros so da minha inteira

    e exclusiva responsabilidade.

  • 5

    RESUMO

    O direito da insolvncia no um direito novo que irrompeu recentemente no

    ordenamento jurdico portugus, mas inegvel que, nos ltimos trs anos, um aumento

    considervel do nmero de insolvncias foi o bastante para catapultar o direito da insolvncia

    para a ordem do dia, tornando recorrente a prpria palavra insolvncia.

    As repercusses da declarao judicial de insolvncia no se manifestam somente na

    esfera jurdica do devedor insolvente, mas repercutem-se na esfera jurdica de todos os que

    com ele se relacionam, uma temtica atual e que se reveste de enorme importncia pelos

    efeitos produzidos.

    Compulsados os estudos realizados, verificou-se que poucos incidem de forma

    abrangente sobre as repercusses jurdicas da sentena da declarao de insolvncia, pelo que

    o objetivo da presente dissertao visa analisar os efeitos da declarao judicial de insolvncia

    e a sua repercusso na esfera jurdica, do devedor insolvente, dos seus trabalhadores e dos

    seus credores em geral.

    Assim, partindo da empresa, enquanto organizao de capital e de trabalho destinada

    ao exerccio de qualquer atividade econmica e das pessoas singulares, enquanto fora de

    trabalho, pessoas humanas com dignidade, embora com as suas virtudes e vicissitudes.

    Procurar-se- estabelecer as causas conducentes situao de insolvncia.

    Aferidos os diversos diplomas legais que regulam a matria, o estudo pretende, entre

    outras questes, refletir sobre as questes doutrinrias e jurisprudenciais suscitadas pela

    concesso de privilgios creditrios, que comportam uma derrogao ao princpio da par

    conditio creditorum, permitindo que alguns crditos, laborais e outros, sejam graduados com

    preferncia sobre os demais crditos.

    Com o intuito de contribuir para o estudo, reflexo e progresso da cincia jurdica, a

    presente dissertao procura, responder a algumas questes e dvidas em torno de um tema

    que se compagina com as preocupaes jurdicas - e econmicas - dos nossos dias.

    Palavras-chave: Insolvncia, repercusses jurdicas, empresa, privilgios creditrios.

  • 6

    ABSTRACT

    The insolvency law is not a new law that recently erupted in the Portuguese legal

    system, but it is undeniable that, the last three years, a considerable increase in the number of

    insolvencies was enough to catapult the insolvency law to the agenda, making abundant the

    use of the word insolvency.

    The repercussions of the judicial declaration of insolvency are not manifested only in

    the sphere of the insolvent debtor, but have repercussions on the legal rights of all who are

    related to him, this is a current issue and that it is of huge importance for the effects produced.

    In the process of collecting the studies, was found that few focus comprehensively on

    the legal implications of the judgment of the declaration of insolvency, so the aim of this

    thesis is the parsing of the effects of a judicial declaration of insolvency and its consequences

    in the legal sphere, of the debtor insolvent, its employees and its creditors generally.

    Thus, leaving the company as an organization of capital and labour allocated to

    exercise any economic activity with legal subjects, whom are protect by the human rights and

    equal in dignity, though with virtues and vicissitudes, our efforts will be made to establish the

    causes leading to insolvency.

    Enclosing the various statutes governing the matter, the study aims, among other

    things, reflect on the doctrinal and jurisprudential issues raised by the granting of liens, which

    contain a derogation from the principle of "par conditio creditorum", allowing some credits,

    concerning the manual labour and other sources of credit are assigned with preference

    concerning all the further credits.

    Aiming to contribute to the study, reflection and advancement of legal science, this

    dissertation seeks to answer some questions and doubts around a theme that is consistent with

    the legal - and economic - concerns of our day.

    Keywords: Insolvency, legal repercussions, company, credit privileges

  • 7

    RESUMEN

    El rgimen de la insolvencia no es una nueva ley que ha surgido hace poco en el

    ordenamiento jurdico portugus, pero es innegable que, los ltimos tres aos, un aumento

    considerable en el nmero de insolvencias fue suficientes para catapultar a la ley de

    insolvencia a la orden del da, ha puesto recurrente la palabra en s misma la insolvencia.

    Las repercusiones de la declaracin judicial de insolvencia no se manifiestan slo en el

    mbito del deudor insolvente, sino que tienen repercusiones sobre los derechos legales de

    todos los que estn relacionados con l, es un tema de actualidad y que tiene gran importancia

    para los efectos producidos.

    En el anlisis de los estudios, se encontr que pocos se centran ampliamente sobre las

    consecuencias jurdicas de la sentencia de la declaracin de concurso, por lo que el objetivo

    de esta tesis es analizar los efectos de una declaracin judicial de insolvencia y sus

    consecuencias en el mbito legal, el deudor insolvente, sus empleados y sus acreedores en

    general.

    Por lo tanto, dejando a la empresa como una organizacin de capital y el trabajo

    asignado para ejercer cualquier actividad econmica y de las personas individuales en la

    fuerza de trabajo, las personas humanas con dignidad, aunque con sus virtudes y vicisitudes,

    se harn esfuerzos para establecer la causa que conduce a la insolvencia.

    Medido los diversos estatutos que rigen la materia, el estudio tiene como objetivo,

    entre otras cosas, reflexionar sobre las cuestiones doctrinales y jurisprudenciales que plantea

    la concesin de derechos de retencin, que contienen una excepcin al principio de "par

    conditio creditorum", permitiendo que algunos crditos, mano de obra y otros recursos

    crediticios son graduados con la preferencia sobre los dems crditos.

    Con el objetivo de contribuir al estudio, la reflexin y el avance de la ciencia jurdica,

    esta tesis trata de responder a algunas preguntas y dudas sobre un tema que compagina los

    intereses jurdicos - y econmicos - de nuestro tiempo.

    Palabras clave: Insolvencia, las repercusiones jurdicas, la empresa, los privilegios de

    crdito.

  • 8

    NDICE

    LISTA DE QUADROS E DE GRFICOS .... 11

    LISTA DE ABREVIATURAS ... 12

    CAPTULO I

    INTRODUO

    1. Introduo ..... 14

    1.1. O direito de insolvncia ..... 21

    1.2. O processo de insolvncia ..... 22

    CAPTULO II

    ENQUADRAMENTO HISTRICO

    2. Evoluo histrica do regime da insolvncia ............ 25

    2.1. Direito Romano .. 25

    2.2. Direito Medieval .... 28

    2.3. A codificao ..... 29

    2.4. As reformas Europeias dos finais do sc. XX ... 32

    2.4.1. A reforma Francesa de 1984 .... 32

    2.4.2. A reforma do Reino Unido de 1986 .... 33

    2.4.3. A reforma Alem de 1994 ....... 33

    2.4.4. As reformas posteriores ....... 34

    CAPTULO III

    DIREITO FALIMENTAR PORTUGUS

    3. Direito falimentar Portugus ..... 36

    3.1. Evoluo do regime da falncia/insolvncia em Portugal ..... 36

    3.1.1. O sistema da falncia-liquidao .... 36

    3.1.2. O sistema da falncia-saneamento .. 39

    3.1.3. Retorno ao sistema falncia-liquidao .. 39

    3.2. O regime atual da insolvncia revitalizao/liquidao ...... 41

    3.2.1. O Cdigo da Insolvncia e da Recuperao de Empresas ....... 41

    3.2.2. As alteraes introduzidas pela Lei n 16/2012, de 20 de abril ... 42

    3.2.3. O Processo Especial de Revitalizao (PER) .. 46

  • 9

    3.2.4. O Decreto-lei n 178/2012, de 3 de agosto, e o Sistema de Recuperao

    de empresas por via Extrajudicial (SIREVE) .... 54

    3.2.5. Plano de Ao para o Risco de Incumprimento (PARI) ..... 60

    3.2.6. Procedimento Extrajudicial de Regularizao de Situaes de

    Incumprimento (PERSI) ..... 62

    CAPTULO IV

    A SITUAO DE INSOLVNCIA

    4. A situao de insolvncia ...... 65

    4.1. Critrios de definio da situao de insolvncia .. 71

    4.2. O critrio estabelecido no regime jurdico portugus ........ 72

    CAPTULO V

    INCIDNCIAS

    5. Os sujeitos passivos da declarao .... 73

    5.1. Regime comum da insolvncia ...... 79

    5.2. Regimes especiais da insolvncia .. 84

    5.3. Regime das insolvncias transfronteirias ......... 85

    CAPTULO VI

    REPERCUSSES JURDICAS

    6. Os efeitos da declarao de insolvncia .... 89

    6.1. Efeitos sobre o devedor e outras pessoas ... 92

    6.1.1. Efeitos sobre o devedor ....... 92

    6.1.1.1. Efeitos necessrios ou automticos ..... 93

    6.1.1.1.1. Efeitos pessoais 94

    6.1.1.1.2. Efeitos patrimoniais . 96

    6.1.1.2. Efeitos eventuais ...... 97

    6.1.1.2.1. Efeitos dependentes da qualificao da insolvncia ...... 100

    6.1.1.2.1.1. Insolvncia furtuita .... 103

    6.1.1.2.1.2. Insolvncia culposa 104

    6.1.1.2.2. Efeitos jurdico-penais ... 109

    6.1.1.2.2.1. O crime de insolvncia dolosa ....... 109

    6.1.1.2.2.2. O crime de frustrao de crditos .. 110

  • 10

    6.1.1.2.2.3. O crime de insolvncia negligente ..... 111

    6.1.1.2.2.4. O crime de favorecimento de credores .. 112

    6.1.2. Efeitos da insolvncia do empregador ....... 113

    6.1.2.1. Insolvncia do trabalhador ..... 117

    6.2. Efeitos processuais ... 120

    6.2.1. Efeitos sobre as aes pendentes ... 121

    6.2.2. Efeitos sobre as aes executivas .. 122

    6.3. Efeitos sobre os crditos .. 124

    6.3.1. Vencimento imediato de dvidas ....... 124

    6.3.2. Crditos sob condio resolutiva ... 124

    6.3.3. Converso de crditos .... 125

    6.3.4. Conceo e extino de privilgios creditrios ..... 125

    6.3.5. Compensao . 126

    6.3.6. Prazos de prescrio e caducidade .... 127

    6.3.7. Contagem de juros ..... 128

    6.3.8. Crditos por alimentos ....... 128

    6.4. Efeitos sobre os negcios em curso ..... 129

    6.4.1. Promessa de contrato ..... 130

    6.4.2. Venda sem entrega e operaes a prazo .... 133

    6.4.3. Contratos de mandato e de gesto e procuraes .. 135

    6.5. Efeitos sobre os atos prejudiciais massa insolvente ...... 138

    6.5.1. Resoluo incondicional .... 140

    6.5.2. Forma de resoluo e prescrio do direito ... 141

    6.5.3. Efeitos da resoluo ....... 142

    6.5.4. Impugnao pauliana . 143

    CONCLUSES .... 145

    BIBLIOGRAFIA ...... 158

  • 11

    LISTA DE QUADROS E DE GRFICOS

    Figura 1- Durao mdia dos processos (em meses) de falncia, insolvncia e recuperao de

    empresas findos nos tribunais judiciais de 1 instncia, 3 trimestre ....................................... 24

    Figura 2 - Tipo de pessoa envolvida nos processos especiais de revitalizao no 3 trimestre

    de 2013 ..................................................................................................................................... 53

    Figura 3 - Processos SIREVE - Distribuio por dimenso de empresa ................................ 59

    Figura 4 - Distribuio dos processos concludos ................................................................... 59

    Figura 5 - Rcios de endividamento das empresas privadas ................................................... 74

    Figura 6 - Rcio de endividamento de particulares ................................................................. 74

    Figura 7 - Tipo de pessoa envolvida nas insolvncias decretadas nos tribunais de 1 instncia,

    3 trimestre ............................................................................................................................... 77

    Figura 8 - Nmero de Empresas em atividade ........................................................................ 78

    Figura 9 - Taxa de recuperao de crditos no 3 trimestre de 2013 (dados amostrais) ....... 111

  • 12

    LISTA DE ABREVIATURAS

    Ac. Acrdo

    A. Autor

    AA. - Autores

    ART - Artigo

    BCE Banco Central Europeu

    CC Cdigo Civil

    CCom Cdigo Comercial

    CE Comisso Europeia

    Cfr. - Conforme

    CIRE Cdigo da Insolvncia e da Recuperao de Empresas

    CP Cdigo Penal

    CPC Cdigo do Processo Civil

    CPEREF - Cdigo de Processos Especiais de Recuperao de Empresas e Falncia

    CPP Cdigo do Processo Penal

    CRCiv Cdigo do Registo Civil

    CRCom Cdigo do Registo Comercial

    CRP Constituio da Repblica Portuguesa

    CSC Cdigo das Sociedades Comerciais

    CT Cdigo do Trabalho

    CVM Cdigo dos Valores Mobilirios

    DGPJ Direo-Geral da Poltica de Justia

    DL Decreto-Lei

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    IAPMEI Instituto de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas e Inovao

    LOFTJ - Lei de Organizao e Funcionamento dos Tribunais Judiciais

  • 13

    N - Nmero

    PARI Plano de Ao para o Risco de Incumprimento

    PER Processo Especial de Revitalizao

    PERSI Procedimento Extrajudicial de Regularizao de Situaes de Incumprimento

    SIREVE Sistema de Recuperao de Empresas por Via Extrajudicial

    ss. - Seguintes

    STJ Supremo Tribunal de Justia

    TRE Tribunal da Relao de vora

    TRC Tribunal da Relao de Coimbra

    TRG Tribunal da Relao de Guimares

    TRL Tribunal da Relao de Lisboa

    TRP Tribunal da Relao do Porto

  • 14

    CAPTULO I

    INTRODUO

    1. Introduo

    O fenmeno da insolvncia muito mais que uma questo de direito, ou uma questo

    de economia, tambm, ou sobretudo, uma questo social. Tentaremos na nossa anlise no

    nos afastarmos da questo de direito, antes pelo contrrio focar-nos-emos nas questes de

    direito, sendo certo que no nos podemos abstrair das questes econmicas e sociais, que so

    indissociveis das questes jurdicas, desde logo pelas repercusses jurdicas que da advm.

    A problemtica da insolvncia no uma questo de sociedades comerciais, nem de

    comerciantes em nome individual e muito menos de consumidores, pessoas singulares,

    pessoas humanas com as suas virtudes e vicissitudes, uma questo transversal a toda a

    sociedade.

    uma problemtica que se transmite e propaga sorrateiramente, contagiando no s o

    insolvente, mas todos os que com este se relacionam. Repercutindo-se muitas vezes na esfera

    jurdica de uns pelo efeito domin produzido atravs da situao de insolvncia de outros.

    Da nasceu o interesse na elaborao desta dissertao, com o intuito de aprofundar as

    alteraes produzidas no Cdigo da Insolvncia e da Recuperao de Empresas, doravante

    denominado por CIRE, operadas pela Lei n 16/2012, de 20 de abril. Mais especificamente a

    incidncia dos sujeitos passivos da declarao de insolvncia e as repercusses jurdicas dessa

    declarao e situao de insolvncia. Tendo em conta no s os efeitos inerentes situao de

    insolvncia mas tambm, as causas que conduziram a tais efeitos e que se possam projetar no

    presente e futuro de devedores e credores.

    Nas ltimas quatro dcadas verificou-se um acentuado desenvolvimento econmico e

    social em Portugal, esse desenvolvimento no se processou, nem se poderia processar, sem

    que suscitasse problemas graves. Desde logo, o fcil acesso ao crdito que se comeou a

    propagar nos anos 90 do sculo passado e quase que se democratizou em Portugal. A falta de

    literacia financeira dos consumidores resultou na incapacidade de previso e avaliao dos

    riscos inerentes acumulao de crditos acessveis e apetecveis, os quais nem sempre

    utilizados para financiar bens necessrios, muitas vezes utilizados na aquisio de bens

    suprfluos.

  • 15

    O fcil acesso ao crdito aliado a uma sociedade que se abriu ao consumo criando e

    facilitando o acesso a uma abundncia por vezes desmedida de novas necessidades e desejos,

    levando at adoo de novos estilos de vida, criou inevitavelmente sobreendividamento.

    Mas nem s nos consumidores se verificou esta tendncia, tambm nas empresas nas

    pessoas coletivas, o fcil recurso e o acumular de crditos foi igualmente uma realidade,

    conduzindo do mesmo modo ao sobreendividamento. As empresas no se muniram de

    capitais prprios para prosseguir os seus fins sociais, recorreram s instituies financeiras

    para se financiarem e deste modo aumentarem o seu volume de negcios e expandirem a sua

    atividade, se por um lado esta atitude foi geradora de emprego, avano tecnolgico e

    crescimento econmico, por outro lado no permitiu criar a sustentabilidade necessria de

    solidez dos agentes econmicos1 pelo elevado grau de sobreendividamento.

    O sobreendividamento a consequncia de um conjunto de crditos, que se vo

    acumulando, gerando um montante em dvida, em que no raras vezes produz um efeito bola

    de neve que vai aumentando no decurso do tempo, e em que o devedor se v impossibilitado

    de pagar as suas dvidas no momento que em elas se tornem exigveis, contraindo outros

    crditos para pagar os anteriores, aumentando a sua fragilidade financeira.

    Numa economia em que progressivamente foi quase anulado o setor primrio,

    concentrando a sua dimenso econmica no setor tercirio, onde os bens de consumo

    abundantes provinham das importaes, com uma fraca componente exportadora, a balana

    comercial ressentiu-se.

    O incio do sc. XXI trouxe de novo o fantasma da crise, que teve o seu incio nos

    acontecimentos de 11 de setembro de 2001, agravada pelo sentimento de instabilidade e

    insegurana. Com o surgimento de uma nova crise econmica, no incio do sculo, surgem

    inevitavelmente um maior nmero de empresas (e pessoas) insolventes, em que muitas delas

    poderiam ser recuperadas, os ordenamentos jurdicos sentiram necessidade de reformular as

    suas legislaes de direito falimentar.

    1 Embora se tenha por agentes econmicos: as pessoas singulares, individualizadas ou em famlias, que

    desempenham na atividade econmica a funo de principais consumidores de bens e servios; as empresas, que

    de um modo geral se destinam produo de bens e prestao de servios; o Estado, no seu papel de

    redistribuidor de riqueza e prestador de servios com vista satisfao das necessidades coletivas; e o Mundo em

    geral atravs das transaes realizadas entre a economia nacional e as economias estrangeiras. Doravante,

    quando nos referirmos a agentes econmicos, estaremos a referir-nos s empresas produtoras de bens,

    prestadoras de servios, criadoras de riqueza e geradoras de emprego. Ao referirmo-nos a empresas reportamos

    noo de empresa prevista no art 5 do CIRE considera-se empresa toda a organizao de capital e de trabalho destinado ao exerccio de qualquer atividade econmica.

  • 16

    Crise econmica que se agudizou com o colapso do crdito subprime americano em

    meados do ano de 2007, repercutindo-se no panorama econmico mundial em 2008, aps a

    falncia do Lehman Brothers, tendo como consequncia o colapso do sistema financeiro,

    inevitavelmente atingiu a Europa.

    Levando vrios Estados a nacionalizar bancos, em que Portugal no foi exceo,

    expondo esses mesmos Estados ao descrdito das suas dvidas soberanas. As consequncias

    mais gritantes do colapso do sistema financeiro que atingiu vrios Estados centraram-se no

    decrscimo dos PIBs; na quebra dos investimentos; na diminuio da procura interna e

    externa e no aumento exponencial do desemprego.

    Contudo, em 2009, os Estados Norte-Americanos recuperaram. Comearam a dar

    sinais evidentes de investimento as potncias emergentes, em que a China se destaca. Na

    Alemanha surge um incremento da procura interna, estando as exportaes em franca

    expanso, o que lhe permitiu em 2010 alcanar uma retoma econmica sem precedentes, em

    contraste com outros Estados da Unio Europeia.

    Alguns pases perifricos da Unio Europeia, principalmente os pases do sul da

    europa, viram-se na contingncia, seno mesmo obrigados a pedir ajuda externa a partir do

    final de 2008. A pouca eficcia que se tem vislumbrado desses programas de ajuda externa,

    coloca em causa o sistema financeiro da Unio Europeia, e, qui a prpria moeda nica.

    Precisamente no momento em que escrevemos, maio de 2014, ainda se encontra em

    cumprimento o programa de ajustamento constante do Memorando de entendimento sobre as

    condicionalidades de poltica econmica celebrado entre o Estado Portugus e a denominada

    Troika, em 17 de maio de 2011.

    Com o programa de ajustamento econmico, chegou a austeridade, as insolvncias das

    empresas e das pessoas singulares, o desemprego e o sobreendividamento, fruto da recesso

    sem precedentes que se vive.

    Por cada agente econmico que atinge a situao de insolvncia, diminuem as

    operaes comerciais entre os seus parceiros econmicos, sendo uma das maiores fontes

    geradoras de desemprego.

    Desde logo, o desemprego uma, seno a principal causa do sobreendividamento e a

    consequente situao de insolvncia das pessoas singulares. Todavia, existem sinais, por

    vezes ignorados, que revelam uma necessidade de ajuda e interveno atempada, sob pena de

    entrar numa espiral de dvidas que se acumulam formando uma bola de neve. Comea por

  • 17

    deixar de pagar pequenas despesas como: condomnio, seguros, atividades extracurriculares

    dos filhos, mas, quando comea a deixar de pagar despesas necessrias e essenciais: o colgio

    dos filhos, o pagamento alternado da prestao da casa ou da renda, sinal de que precisa de

    ajuda urgente, para que possa alcanar o retorno da sua sade financeira.

    A falta de literacia financeira; a incapacidade de previso e a imponderada avaliao

    dos riscos conduz inevitavelmente a uma espiral de endividamento.

    A aprovao da Lei 16/2012, de 20 de abril, que procedeu sexta alterao ao CIRE,

    veio impor a simplificao de formalidades e procedimentos, e instituir o processo especial de

    revitalizao. semelhana do que havia acontecido em alguns ordenamentos jurdicos

    europeus.

    Considera-se de todo oportuno, efetuar um primeiro balano de uma nova lei

    falimentar imposta pela comisso tripartida (Unio Europeia; Fundo Monetrio Internacional

    e Banco Central Europeu) no mbito do programa de assistncia econmica e financeira a

    Portugal. Se a mais no se concluir, pelo menos, analisaremos estatisticamente a evoluo do

    nmero de pedidos de declarao de insolvncia e nmeros de insolvncias declaradas desde a

    ltima alterao do CIRE at ao trminos deste estudo, com o intuito de aferir se na presente

    alterao se perspetivava um decrscimo do nmero de insolvncias.

    Pretende-se efetuar uma anlise diacrnica do direito positivo em matria de falncia e

    insolvncia. Em que se proceder a uma anlise do direito comunitrio, qual a moldura

    jurdica do direito comunitrio que disciplina estas matrias, nomeadamente no caso das

    insolvncias transnacionais ou transfronteirias.

    Esta dissertao visa analisar os devedores sobre os quais a recente alterao do CIRE

    incide, ou seja, a anlise pormenorizada dos sujeitos passivos da declarao de insolvncia,

    tendo particular ateno situao de insolvncia da empresa, enquanto organizao de

    capital e de trabalho e das pessoas singulares, enquanto fora de trabalho, procurar-se- de

    forma detalhada estudar a situao em que o sujeito passivo da declarao de insolvncia

    pessoa singular, poder requerer a exonerao do passivo restante.

    Analisar ex post, a sentena declaratria de insolvncia, quanto s repercusses

    jurdicas que se iro produzir na esfera jurdica do insolvente, dos seus credores,

    trabalhadores e terceiros em que de algum modo se repercutem na sua esfera jurdica os

    efeitos da insolvncia declarada. Incidindo o estudo no caso especifico da qualificao de

  • 18

    insolvncia culposa com responsabilizao do devedor ou dos seus gerentes ou

    administradores.

    Analisar-se- igualmente a problemtica da falta de tribunais especiais (tribunais de

    comrcio) em todo pas, quanto especificidade dos processos de insolvncia julgados em

    tribunais comuns de competncia genrica, sem seces ou juzos especializados.

    Pretende-se estudar todos os mecanismos introduzidos pelo novo diploma jurdico

    para que o mesmo seja eficaz e eficiente no combate ao desaparecimento dos agentes

    econmicos, que se tem verificado, uma vez que cada agente econmico que desaparece

    constitui um custo significativo para a economia e traduz-se no empobrecimento do tecido

    econmico portugus.

    Procurar-se- enumerar e elencar neste estudo os mecanismos eficazes para a

    recuperao e revitalizao dos devedores em situao econmica difcil, em situao de

    insolvncia meramente iminente ou em situao de insolvncia atual.

    Ainda no mbito do mencionado programa de assistncia econmica e financeira,

    inserido num conjunto de medidas a adotar, entrou em vigor em 1 de setembro de 2012, o

    Decreto-Lei n 178/2012, de 3 de agosto, que cria o Sistema de Recuperao de Empresas por

    Via Extrajudicial (SIREVE), visa a promoo dos mecanismos de recuperao extrajudicial

    dos devedores, apresentando-se como um procedimento alternativo ao processo de

    insolvncia, quando o agente econmico se encontra em situao econmica difcil ou em

    insolvncia meramente iminente, mas ainda no se encontre em situao de insolvncia atual.

    Constituindo uma vantagem muito significativa no atual e difcil contexto econmico e

    financeiro em que o tecido empresarial portugus se desenvolve.

    Recorrer-se- anlise jurisprudencial, para que se possa efetuar uma ponderao

    sobre como os tribunais tm decidido, aps a entrada em vigor do CIRE, nestas matrias ou

    qual a perspetiva judicial da insolvncia luz do novo CIRE.

    No que se refere aos mtodos de procedimento, pretende-se recorrer ao mtodo

    histrico, para que se possa efetuar uma reflexo histria sobre o direito falimentar portugus.

    Para fundamentao da investigao pretende-se recorrer ao mtodo comparativo,

    nomeadamente com a evoluo das insolvncias desde o incio da presente crise econmica

    (colapso financeiro de 2007) at ao ano de 2014, em que se recorrer ao mtodo estatstico

    para essa comparao.

  • 19

    Quanto s tcnicas escolhidas de recolha de dados, ser utilizada a documentao

    indireta, atravs da pesquisa bibliogrfica em fontes tradicionais de pesquisa (livros e artigos

    de peridicos ou revistas) e em pesquisa documental, sobretudo na legislao existente sobre

    o direito falimentar em Portugal. Efetuar-se- o confronto das posies da doutrina

    portuguesa no mbito do direito falimentar comparativamente jurisprudncia fixada pelos

    tribunais superiores.

    Assim, partindo da empresa, enquanto organizao de capital e de trabalho e, das

    pessoas singulares, enquanto fora de trabalho, procurar-se- estabelecer as causas

    conducentes situao de insolvncia. Com o intuito de contribuir para o estudo, reflexo e

    progresso da cincia jurdica, a presente dissertao procura, responder a algumas questes e

    dvidas em torno de um tema que se compagina com as preocupaes jurdicas - e

    econmicas - dos nossos dias, concretizadas nas seguintes questes especficas:

    I O fcil acesso ao crdito permitiu s empresas e s pessoas singulares em geral,

    contratar diversos crditos, e no raras as vezes, contratar novos crditos para

    cumprimento de obrigaes vencidas de outros. Urge questionar: E quando chegar o

    dia em que o acesso ao crdito se esgotou?

    II A fixao de residncia aos administradores, de direito e de facto, do devedor,

    bem como ao prprio devedor, se este for pessoa singular, no ser uma medida

    inconstitucional imposta pelo CIRE?

    III Estando o devedor insolvente contemplado no direito a alimentos, e no estando

    igualmente abrangidos os administradores das pessoas coletivas, estando estes

    abrangidos de igual modo nas privaes e nas obrigaes, qual a razo por que o

    legislador no os contemplou no direito a alimentos?

    IV A declarao de insolvncia do empregador produz inevitavelmente efeitos no

    contrato de trabalho. Perante a insolvncia do empregador, qual o regime aplicvel

    em caso de denncia antecipada do contrato de trabalho?

  • 20

    V Constituindo a eficcia real um direito oponvel, pode o administrador de

    insolvncia recusar o cumprimento de um contrato-promessa com eficcia real, se

    no tiver havido tradio da coisa?

    VI - Constituir uma derrogao ao princpio da par conditio creditorum a

    concesso de privilgios creditrios, permitindo que alguns crditos, laborais e

    outros, sejam graduados antes de outros crditos?

    VII - Ser que nos processos de insolvncia julgados em juzos de competncia

    genrica, se encontram asseguradas as mesmas garantias de uma justia equitativa

    que nos processos julgados em juzos de competncia especializada?

    VIII Conseguiu o novo CIRE, alcanar os objetivos previstos que fundaram a

    ltima reviso?

  • 21

    1.1. O Direito de Insolvncia

    No ordenamento jurdico portugus a situao de mercador incapaz de assegurar os

    seus pagamentos denominava-se por quebra2 , expresso que no Cdigo Comercial de

    Ferreira Borges, de 1833, se mantinha a par da expresso falncia. No art 1122 do Cdigo

    Comercial de 1833, a insolvncia era exclusivamente reservada a no-comerciantes.

    Etimologicamente, falncia provm do latim fallens, que significa enganar, trair ou

    dissimular, expresso esta, altamente pejorativa. Falncia era um instituto de e para

    comerciantes, incapazes de honrar os seus compromissos.

    Enquanto, insolvncia era um instituto de no-comerciantes, em que a sua situao

    patrimonial correspondia a um passivo superior ao ativo. Etimologicamente, insolvncia

    significa falta de solvncia, provm do latim solvo, que significa desatar, livrar, pagar,

    resolver, expresso muito menos pejorativa que falncia. Insolvncia traduz a qualidade ou

    estado daquele que est impossibilitado de pagar as suas dvidas.

    O Direito da Insolvncia o setor jurdico-normativo relativo s situaes de

    insolvncia. O Direito da Insolvncia3 corresponde sistematizao de normas e princpios e

    , uma disciplina jurdico-cientfica. Que, abrange essencialmente: a situao do devedor

    impossibilitado do cumprimento das suas obrigaes; as medidas da conservao ou de

    liquidao do seu patrimnio; ou da recuperao desse patrimnio de acordo com as medidas

    que venham a ser adotadas; o reconhecimento e graduao dos direitos dos credores; a

    execuo do seu patrimnio e consequente satisfao dos direitos dos credores; e ainda, a

    prpria situao do devedor.

    O Direito Europeu4 determina o seu mbito de aplicao aos processos colectivos

    em matria de insolvncia do devedor que determinem a inibio parcial ou total desse

    devedor da administrao ou disposio de bens e a designao de um sndico5.

    2 Cfr. CORDEIRO, Antnio Menezes Manual de Direito Comercial. 2 Edio. Coimbra: Edies Almedina,

    fevereiro 2007. p. 408. 3 CORDEIRO, Antnio Menezes Idem. Ibidem. p. 410 e ss.

    4 Cfr. o n 1 do art 1 do REGULAMENTO (CE) N 1346/2000 DO CONSELHO, de 29 de maio de 2000.

    Jornal Oficial das Comunidades Europeias. PT (30.6.2000). 5 O Regulamento. Ibidem, define Sndico qualquer pessoa ou rgo cuja funo seja administrar ou liquidar os

    bens de cuja administrao ou disposio o devedor esteja inibido ou fiscalizar a gesto dos negcios do

    devedor. A lista destas pessoas e rgos consta do anexo C. O anexo C determina que em Portugal essas pessoas ou rgo so: o gestor judicial; o liquidatrio judicial e a comisso de credores.

  • 22

    Perante tal abrangncia, o Direito da Insolvncia um complexo de normas jurdicas

    que visam tutelar a situao do devedor insolvente, bem como os direitos dos credores.

    Esta abrangncia abarca no s as normas contidas no Cdigo da Insolvncia e da

    Recuperao de Empresas (CIRE), bem como abrange normas contidas nos mais variados

    diplomas Cdigo Penal (CP); Cdigo do Processo Penal (CPP); Cdigo do Processo Civil

    (CPC); Cdigo Civil (CC); Cdigo Comercial (CCom); Cdigo das Sociedades Comerciais

    (CSC); Cdigo do Registo Civil (CRCiv); Cdigo do Registo Comercial (CRCom);

    Regulamento (CE) n 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio; Regulamento Emolumentar

    dos Registos e Notariado; Regime de Registo Informtico de Execues; Lei de Organizao

    e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ); e, Regime Geral das Instituies de

    Crdito e Sociedades Financeiras.

    A forte carga processual que o Direito da Insolvncia contm, deve-se essencialmente

    necessidade de tutela jurdica, quer do devedor, quer dos credores. Para garante dessa

    mesma tutela jurdica necessria a interveno do tribunal.

    1.2. O processo de insolvncia

    A Insolvncia um fenmeno dotado de uma dupla vertente: a vertente econmica e a

    vertente jurdica. Do ponto de vista da vertente econmica, a insolvncia envolve as noes

    de comrcio, crdito, produtividade e fraude. At porque, a atividade econmica desenvolvida

    pelos mais diversos agentes econmicos, cria entre eles um crculo de relaes, s quais o

    equilbrio entre elas essencial.

    A perda de crdito provocada pela falta de confiana dos credores em relao a algum

    agente econmico pe em causa o equilbrio no crculo das relaes econmicas, no raros os

    casos, levando por arrastamento outros agentes econmicos perda de crdito. A importncia

    dos elevados interesses econmicos envolvidos, tornou a questo da insolvncia, uma questo

    considervel, desde os tempos remotos que tem assumido uma dignidade jurdica prpria.

    Por tal, do ponto de vista da vertente jurdica, a atual legislao visa prevenir e atenuar

    os efeitos gerados pela declarao de insolvncia de um agente econmico no giro comercial.

    Quer pelos efeitos jurdicos que se produzem na esfera jurdica do prprio devedor, quer de

    todos os outros efeitos que advm da declarao de insolvncia.

  • 23

    Efeitos, como se disse, no s so produzidos na esfera jurdica do prprio devedor,

    nomeadamente os efeitos: quanto ao processo, quanto massa, quanto aos negcios em curso

    e na esfera jurdica dos prprios credores, sobre os seus crditos. E precisamente com o

    intuito de restabelecer e restaurar a confiana dos agentes econmicos no giro jurdico-

    comercial por parte dos seus operadores que urge dotar o sistema jurdico de meios idneos

    para fazer face insolvncia dos seus devedores.

    Porque, os agentes econmicos que intervm no giro comercial assumem desde logo

    deveres de particular relevncia o dever de honrar os compromissos assumidos6. Sendo a

    vida econmica e empresarial uma vida de interdependncia, o incumprimento por banda de

    certos agentes econmicos repercute-se inevitavelmente na situao econmica e financeira

    dos demais.

    O processo de insolvncia pois um processo de execuo universal que visa a

    liquidao do patrimnio do devedor com a repartio do produto obtido pelos credores, ou,

    em alternativa, a satisfao destes pela forma prevista no plano de recuperao da empresa7.

    O CIRE suprimiu a dicotomia recuperao/falncia, o processo de insolvncia agora

    um processo nico e alterou a designao do processo para processo de insolvncia8. O

    processo de insolvncia baseia-se agora na liquidao do patrimnio do devedor, abrindo a

    possibilidade dos credores aprovarem um plano de insolvncia que pode abranger9: o plano de

    liquidao da massa insolvente; o plano de recuperao do titular da empresa; e o plano da

    transmisso da empresa a outra entidade. Este preceito inovador foi inspirado na

    Insolvenzordnung alem de 5 de outubro de 199410

    .

    Assim, o processo de insolvncia inicia-se com a declarao de insolvncia do

    devedor, centrando-se o momento crucial do processo com a reunio da assembleia de

    credores11

    para apreciao do relatrio do administrador de insolvncia, esta reunio ocorre

    num curto perodo de tempo (entre quarenta e cinco a sessenta dias), e desempenha a funo

    primordial de deliberar12

    sobre a continuidade ou o encerramento da empresa, ou ento,

    6 Sublinhado nosso.

    7 Cfr. o preceituado no n 1 do art 1 do CIRE.

    8 Cfr. nota 7 do relatrio do diploma preambular que aprovou o CIRE - DECRETO-LEI n 53/2004, de 18 de

    maro. Dirio da Repblica. I srie-A. N 66 (18-03-2004). p. 1402-1409. 9 Nos termos da alnea b) do n 2 do art 195 do CIRE.

    10 De acordo com a nota 5 do relatrio preambular que aprovou o CIRE.

    11 Realizada nos termos do art 156 do CIRE.

    12 Cfr. a alnea n) do n 1 do art 36 concatenado com o art 156, ambos do CIRE.

  • 24

    atribui ao administrador da insolvncia o encargo de elaborar um plano de insolvncia,

    podendo este, determinar a suspenso da liquidao e partilha da massa insolvente13

    . Deste

    modo, os credores so chamados uma nica vez ao processo para a reclamao de crditos,

    dentro do prazo de trinta dias aps a sentena de declarao de insolvncia do devedor14

    .

    Com as alteraes processuais do novo CIRE, que tornou o processo de insolvncia

    um processo nico e universal verificou-se um decrscimo acentuado entre 2007 e 2013 da

    durao mdia dos processos de falncia, insolvncia e recuperao de empresas:

    Figura 1- Durao mdia dos processos (em meses) de falncia, insolvncia e recuperao de empresas findos

    nos tribunais judiciais de 1 instncia, 3 trimestre

    Fonte: Direco-Geral da Poltica de Justia15

    13

    O n 2 do art 36 do CIRE dispe que a parte final da alnea n) do n 1 do art 36 do CIRE no se aplica nos casos em que for requerida a exonerao do passivo restante pelo devedor no momento da apresentao

    insolvncia, em que for previsvel a apresentao de um plano de insolvncia ou em que se determine que a

    administrao da insolvncia seja efetuada pelo devedor. 14

    Nos termos da alnea j) do n 1 do art 156 do CIRE. 15

    PORTUGAL. DGPJ Destaque estatstico trimestral -3 trimestre 2013. Boletim n 13 [Em linha]. Lisboa, janeiro 2014. [Consultado em 10 mar. 2014]. Disponvel em: http://www.dgpj.mj.pt/sections/siej_pt/destaques4485/estatisticastrimestrais8704/downloadFile/file/Insolvencias

    _trimestral_20140131.pdf?nocache=1391193092.58

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

    Durao mdia dos processos (em meses)

    Durao mdia dos processos com deciso final

    Durao mdia dos processos com visto em correio

  • 25

    CAPTULO II

    ENQUADRAMENTO HISTRICO

    2. Evoluo histrica do regime da insolvncia

    No so muitos os elementos referentes s regras comerciais que chegaram at ns,

    dos primrdios do direito na Antiguidade.

    Do Cdigo de Hamurabi (Babilnica, cerca de 1700 a.c.), surgem algumas normas

    sobre contratos, nomeadamente: a sociedade, o emprstimo a juros, o depsito, a comisso.

    Dos Fencios chegaram-nos apenas algumas normas rudimentares do direito martimo,

    embora estes tenham sido grandes comerciantes.

    Os Gregos, igualmente grandes comerciantes, no se dedicaram grandemente s

    instituies jurdicas, criaram apenas, escassas regras do direito martimo a lex rhodia.

    2.1. Direito Romano

    Ao efetivar o enquadramento histrico de um regime jurdico, facilmente se recua ao

    Direito Romano com o intuito de aferir o que se estabelecia quanto a esse regime, e o direito

    falimentar no exceo.

    Nos primrdios do Direito, e em particular na vigncia da Lei das XII Tbuas, a

    responsabilidade por dvidas era uma responsabilidade pessoal, no uma responsabilidade

    patrimonial como sucede hoje.

    A responsabilidade pessoal, conferia aos credores amplos poderes sobre a pessoa do

    devedor, ou seja, o credor tem poder de disposio sobre o corpo do devedor, poder conferido

    pela dvida.

    Desde a lei das XII Tbuas16

    em que, na Tbua III eram referidos os trmites de

    execuo de uma dvida, que o devedor no cumpriu voluntariamente, neste caso, ao credor

    era lcito apoderar-se do devedor, torna-lo escravo, vend-lo (trans Tiberium), ou at ser

    morto e o seu cadver esquartejado.

    16

    Cfr. CRUZ, Sebastio Direito Romano (ius romanum). Vol. I. 4 Edio revista e atualizada. Coimbra: Dislivro, 1984. p.185 a 196.

  • 26

    A Tbua III era composta de seis leis que descrevem o faseamento do cumprimento

    das obrigaes, sendo que:

    1 Lei refere-se aos trmites iniciais da execuo duma dvida em que, o devedor no

    cumpriu voluntariamente a obrigao, tendo sido chamado a juzo. Este primeiro trmite

    corresponde a um processo declarativo da dvida. Esta lei estabelece ainda o prazo de trinta

    dias de benevolncia (dies iusti) aps a confisso da dvida (confessio in iure) ou aps a

    sentena condenatria. O prazo concedido corresponde a uma espcie de trguas concedidas

    ao responsvel para ele conseguir dispor as suas coisas e pagar a dvida17.

    2 Lei Aps o prazo de trinta dias o devedor era levado novamente a juzo, contudo a

    confessio in iure das dvidas em dinheiro e a iudicatio no correspondiam ao direito do credor

    da execuo imediata da dvida a executar pelas suas prprias mos. Alis a vindicta privata18

    no era admitida pela Lei das XII Tbuas, pelo menos como princpio geral.

    3 Lei Passado o prazo de trinta dias e caso no tenha ocorrido o cumprimento da

    obrigao ou apresentado um defensor ou afianador, o juiz decreta a verdadeira manus

    iniectio adjudicando o devedor ao credor, aps estabelecida a manus iniectio, o devedor fica

    numa posio completamente indefesa s mos do credor (numa situao de quase

    escravido), este leva-o para sua casa e encerra-o num crcere privado, podendo at conserv-

    lo atado a uma espcie de cepo ou coluna com algemas ou correias.

    4 Lei O devedor durante o perodo que se mantiver no crcere do credor pode viver

    custa do que seu, uma vez que no est juridicamente reduzido a escravo apenas com

    limitao do uso dos seus direitos de personalidade, todavia, de facto est numa situao

    similar a de escravo, sendo livre no est em liberdade. Esta situao no o privava do seu

    patrimnio (pode alimentar-se dos seus prprios bens), mas quem o tinha preso era obrigado a

    dar-lhe (no limite) uma libra de farinha por dia.

    5 Lei Decorrido o perodo de sessenta dias em que o devedor se mantinha no

    crcere do credor, era levado a trs feiras para que fosse resgatado, caso em que, algum

    efetuasse o pagamento da sua dvida, no podendo nunca ser comprado.

    17

    CRUZ, Sebastio. Ob.Cit. p. 187. 18

    Este princpio da proibio da vindicta privata ou autodefesa, consagrado pela Lei das XII Tbuas,

    atualmente admitido pelas legislaes de todos os povos civilizados. No ordenamento jurdico portugus, este

    princpio tem acolhimento no n 1 do CPC A ningum lcito o recurso fora com o fim de realizar ou assegurar o prprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei. Conforme nota de rodap 211. CRUZ, Sebastio. Ibidem. p. 188.

  • 27

    6 Lei Decorridas essas diligncias sem que fosse cumprida a obrigao, o credor

    podia exercer todas as faculdades contidas na manus iniectio, nomeadamente o devedor podia

    oferecer-se em penhor ao seu credor (se nexum dare), ou ficava escravo do credor (capite

    poenas debant) pelo que podia ser vendido como escravo, podendo ainda o credor mat-lo ou

    at esquartej-lo se fossem vrios credores.

    Para evitar este final horroroso o devedor podia sempre praticar o se nexum dare

    (oferecer-se em penhor ao seu credor). Porm nenhuma fonte jurdica ou fonte literria nos

    relata a ocorrncia de um nico caso19

    , concluindo-se que a capite poenas dabant (era o ru

    condenado a pena capital, podendo o credor mat-lo20

    ) tratava-se sobretudo de um faculdade

    de intimidar de forma terrvel o devedor e fora-lo a cumprir a obrigao.

    Apesar da evoluo significativa do direito pela Lei das XII Tbuas, os Romanos no

    criaram contudo, regras especficas do direito comercial, inseriram somente no jus civile

    normas de comrcio, resultantes das suas necessidades comerciais. At porque, o jus civile era

    um ordenamento jurdico criado para uma sociedade cuja atividade assentava

    primordialmente na agricultura e propriedade da terra.

    Da expanso do comrcio e intercmbio comercial com outros povos, implicou a

    necessidade da criao de um conjunto de regras jurdicas no privativas dos cidados

    romanos21

    o jus gentium.

    Mais tarde, o direito justinianeu criou a figura da concordata e a moratria por cinco

    anos, como meio preventivo da insolvncia, o que originou o convnio falimentar.

    19

    CRUZ, Sebatio. Ob. Cit. p. 196. 20

    Traduo de CRUZ Sebastio. Ibidem. p. 196. 21

    CORREIA, Miguel J. A. Pupo Direito Comercial Direito da Empresa. 11 Edio revista e atualizada. Lisboa: Ediforum - Edies Jurdicas, setembro 2009.

  • 28

    2.2. Direito Medieval

    No direito medieval o contributo do direito romano considerado insuficiente, porque

    aplicvel somente num quadro de concurso de credores. Em que a apreenso geral dos bens

    pelas autoridades um instituto apenas introduzido pelas legislaes de origem germnica,

    tendo sido obra do glosadores que foi aproximado missio in possessionem romana22

    .

    precisamente esta aproximao das duas figuras (direito romano e legislaes

    lombarda e franca) que est na base de todas as legislaes falimentares modernas.

    Do comrcio medieval em virtude do incremento exponencial da atividade comercial

    na Europa e em especial na bacia mediterrnica e nas cidades-Estado italianas do sculo XIV

    (Veneza, Milo, Gnova, Florena, etc.), surgiu a necessidade de alterao aos procedimentos

    e atos judicirios, que desviassem dos comerciantes o perigo das falncias em cadeia. Por tal,

    a falncia considerada uma criao medieval.

    Em 1415, na cidade italiana de Florena foi implantado um estatuto peculiar, o

    Estatuto de Florena. Deste estatuto em que a falncia supunha a cesso de pagamentos, bem

    como a retroatividade da declarao de quebra, em que os atos realizados pelo falido, ou

    pelos seus representantes, depois de a falncia ser notria presumiam-se simulados e eram

    declarados nulos, bem como os pagamentos que houvessem favorecido alguns credores em

    detrimento de outros, violando a igualdade de tratamento, eram restituveis e anulados.

    Inicialmente a concordata foi restrita herana insolvente (pactum ut minus solvatur),

    mais tarde a concordata consistia num acordo da maioria dos credores que vinculava a

    minoria (pacto de non potendo).

    O pensamento doutrinrio e a legislao que foi surgindo acerca da situao de quebra

    que se desenvolveu em Itlia influenciou as restantes praas comerciais europeias, o que

    conduziu unificao da legislao comercial em Frana e que influenciou o Cdigo

    Napolenico.

    22

    Cfr. nota de rodap 26, LEITO, Lus Manuel Teles de Menezes Direito da Insolvncia. 4 Edio. Coimbra: Edies Almedina, maio 2012. p. 27.

  • 29

    2.3. A codificao

    Com o impulso da revoluo de 1789, em Frana os ideais de Napoleo Bonaparte

    arrastaram consigo muitos seguidores, muito pelo seu prestgio entre o povo. No ano de

    1804, Napoleo coroado imperador. Com todo o controlo do poder, estabeleceu uma nova

    forma de governo e tambm novas leis, entre elas o Code de Commerce de 180723

    .

    23

    CODE DE COMMERCE. Paris: De Limprimerie impriale. MDCCCVII. p. 96 a 132. Interpretao e traduo nossa, do original do art 437 - Tout commerant qui cesse ses paiements, est en tat de faillite. art 438 - Tout commerant failli qui se trouve dans lun des cas de faute grave ou de fraude prvus par la prsent loi, est en tat de banqueroute. art439 - Il y a deux espces de banqueroute:

    La banqueroute simple ; elle sera juge par les tribunaux correctionnels ;

    La banqueroute frauduleuse ; elle sera juge per les cours de justice criminelle. art 442 - Le failli, compter du jour de la faillite, est dessaisi, de plein droit, de ladministration de tous ses biens. art 448 - Louverture de la faillite rend exigibles les dettes passives nom chues : lgard des effets de commerce par lesquels le failli se trouvera tre lun des obligs, les autres obligs ne seront tenus que de donner caution pour le paiement, lchance, sils naiment mieux payer immdiatement. art 443 - Nul ne peut acqurir privilge ni hypothqu sur les biens du failli, dans les dix jours qui prcdent louverture de la faillite. art 476 - Ds que le bilan aura t remis par les agents au commissaire, celui-ci dressera, dans trois jour pour tout dlai, la

    liste des cranciers, qui sera remise au tribunal de commerce, et il les fera convoquer par lettres, affiches, et

    insertion dans les journaux. art 501 - La vrification des crances sera faite sans dlai, le commissaire veillera ce quil y soit procd diligemment, mesure que les cranciers se prsenteront. art 514 - Dans les trois jours aprs lexpiration des dlais prescrits pour laffirmation des cranciers connus, les cranciers dont les crances ont t admises, seront convoqus par les syndics provisoires. art 519 - Il ne pourra tre consenti de trait entre les cranciers dlibrants et le dbiteur failli quaprs laccomplissement des formalits ci-dessus prescrits. art 586 - Sera poursuivi comme banqueroutier simple, et pourra tre dclar tel, le commerant failli qui se trouvera dans lun ou plusieurs des cas suivants ; savoir :

    1 Si les dpenses de sa maison, quil est tenu dinscrire mois par mois sur son livre-journal, sont juges excessives

    2 Sil est reconnu quil a consomm de fontes sommes au jeu, ou des oprations de pur hasard ;

    3 Sil rsulte de son dernier inventaire que son actif tant de 50 pour cent au-dessous de son passif ; il a fait des emprunts considrables, et sil a revendu des marchandises perte ou au-dessous du cours ;

    4 Sil a donn des signatures de crdit ou de circulation pour une somme triple de son actif, selon son dernier inventaire. art 593 - Sera dclar banqueroutier frauduleux tout commerant failli qui se trouvera dans un ou plusieurs des cas suivants; savoir:

    1 Sil a suppos des dpenses ou des pertes, ou ne justifie pas de lemploi de toutes ses recettes ;

    2 Sil a dtourn aucune somme dargent, aucune dette active, aucunes marchandises, dentres ou effets mobiliers;

    3 Sil a fait des ventes, ngociations ou donations supposes;

    4 Sil a suppos des dettes passives et collusoires entre lui et des cranciers fictifs, en faisant des critures simules, ou en se constituant dbiteur, sans cause ni valeur, par des actes publics ou par des engagements sous

    signature prive ;

    5 Si, ayant t charg dun mandat spcial, ou constitu dpositaire dargent, deffets de commerce, de denres ou marchandises, il a, au prjudice du mandat ou du dpt ; appliqu son profit les fonds ou la valeur des

    objets sur lesquels portait soit le mandat, soit le dpt ;

    6 Sil a achet des immeubles ou des effets mobiliers la faveur dun prte-nom ;

    7 Sil a cach ses livres. art 600 - Dans tous le cas de poursuites et de condamnations en banqueroute simple ou banqueroute frauduleuse les actions civiles, autres que celles dont il est parl dans larticle 598, resteront spares ; et toutes les dispositions relatives aux biens, prescrites pour la faillite, seront excutes sans

    quelles puissent tre attires, attribues ni voques aux tribunaux de police correctionnelle ni aux cours de justice criminelle. art 604 - Toute demande en rhabilitation, de la part du failli, sera adresse la cour dappel dans le ressort de laquelle il sera domicili.

  • 30

    A primeira codificao que abarcou o direito falimentar foi o Code de Commerce

    francs, de Napoleo, em 1807, mais precisamente no Livro III com a epgrafe Des faillites et

    des banqueroutes, inspirado na Ordonnance de 1673, embora com um relativo afastamento,

    porque se considerava a falncia um instituto privativo dos comerciantes.

    Desde logo na sua epgrafe, o cdigo distingue falncia (faillite) de bancarrota

    (banqueroute). Est falido quando cessa os seus pagamentos (437) e encontra-se no estado de

    bancarrota quando a falncia resulta de falta grave ou fraude (438). Quando a falncia resulta

    de falta grave (banqueroute simple) o julgamento ocorria nos tribunais correcionais, no caso

    de a falncia resultar de fraude (banqueroute frauduleuse) seguia o seu curso nos tribunais

    criminais (439).

    O falido, a partir da data em que decretada a falncia, fica despojado do direito de

    administrar todos os seus bens (442), alm da verificao do vencimento imediato e

    antecipado de todas as obrigaes (448) bem como eram anulados todos os atos praticados

    nos dez dias anteriores abertura da falncia (443). Aps a verificao de falncia, os

    agentes eram afastados e o comissrio tinha trs dias para proceder elaborao da lista de

    credores, sendo esta entregue ao tribunal de comrcio, que convocava os credores por carta,

    cartazes ou por um anncio num jornal (476).

    Em seguida, o comissrio procedia verificao dos crditos e garantia que a no

    existncia de mais credores (501), no prazo de trs dias seria convocada a assembleia de

    credores (514), na qual os credores poderiam aprovar uma concordata com o falido, desde

    que a mesma fosse aprovada com uma maioria representativa de trs quartos da dvida

    verificada (519).

    No caso de bancarrota simples, o cdigo regulava que se verificava quando as suas

    despesas mensais eram consideradas excessivas; se for admitido que geriu sem a diligncia

    exigida; se no resultado do ltimo inventrio os seus ativos so cinquenta por cento inferiores

    ao seu passivo; ou se, o aumento considervel da dvida o resultado da venda dos seus

    produtos com perdas ou abaixo do preo de custo (586).

    Na bancarrota fraudulenta (593), o critrio para a sua determinao tem em conta

    nomeadamente: a no justificao do uso de todas as receitas; o desvio de receitas ou bens; a

    no contabilizao de dvidas; vendas ou doaes realizadas em negcios fictcios; vendas

    simuladas; privilegiar determinados credores em detrimento de outros; ou se depois de

    verificada a falncia houver desvio de dinheiros, mercadorias ou bens; adjudicar um imvel

  • 31

    ou bem mvel em favor de um credor em detrimento de outros; ou se, escondeu os livros

    contabilsticos.

    Em todos os casos de acusaes e condenaes por bancarrota simples ou bancarrota

    fraudulenta o cdigo estabelecia um regime especial para a administrao de bens (600).

    Caso ocorresse o pagamento das dvidas, o falido podia ser reabilitado (604).

    No cdigo francs de 1807, o processo de falncia um processo, basicamente, de

    liquidao dos bens, visava sobretudo a obteno de concordata, viabilizada somente com a

    concordncia de trs quartos dos credos com o falido.

    O processo de falncia estipulado no cdigo era considerado excessivamente severo

    para os falidos alm da eventual aplicao de sanes penais, estes eram sujeitos a uma

    fiscalizao muito intensa24.

    Ainda assim, este cdigo teve grande influncia nas legislaes de outros pases

    europeus, tendo sido adotado na Blgica, Polnia, em certos estados Italianos e Alemes.

    Influenciou sobretudo, o Cdigo de Comrcio Espanhol de 1829, o Cdigo Comercial

    Portugus de 183325

    , o Cdigo de Comrcio Holands de 1838, o Cdigo Comercial

    Brasileiro de 185026

    , e o Cdigo Comercial Italiano de 1865.

    24

    LEITO, Lus Manuel Teles de Menezes Direito da Insolvncia. Ob. Cit. p. 35. 25

    O denominado Cdigo Ferreira Borges foi o primeiro Cdigo Comercial Portugus, parcialmente ainda em

    vigor, foi aprovado por Decreto de 18 de Setembro de 1833. Foi no entanto, amplamente revisto em 1888 por

    uma equipa liderada por Veiga Beiro e aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888, publicada no Dirio

    do Governo n 203, de 6 de Setembro de 1888. 26

    O primeiro Cdigo Comercial Brasileiro foi aprovado pela lei n 556, de 25 de junho de 1850, fortemente

    influenciado pelos Cdigos de Comrcio de Portugal, da Frana e da Espanha. O novo cdigo comercial entrou

    em vigor em janeiro de 2003, revogando expressamente o Cdigo Civil de 1916 (Lei n 3.071, de 1 de janeiro de

    1916) e a Parte Primeira do Cdigo Comercial (Lei n 556, de 25 de junho de 1850). Atualmente a Lei que

    regulamenta a Falncia a Lei 11.101/05 e o antigo Cdigo Comercial Brasileiro de 1850 s est em vigor no

    que se refere ao Direito Comercial Martimo.

  • 32

    2.4. As reformas Europeias dos finais do Sc. XX

    Aps as crises econmicas de 1870, 1914 e 1929, despoletaram uma crescente de

    falncias, ocorrendo um sentimento de tolerncia e compreenso para com os falidos, o que

    originou a mitigao da penosidade da falncia.

    Surge ento, a ideia de separar os destinos do homem e da empresa insolventes,

    ensaiando-se vias de recuperao27.

    No sc. XX por consequncia direta das crises energticas da dcada de 70 verificar-

    se-ia novamente uma crescente de falncias, com repercusses nos trabalhadores e na

    economia.

    Os vrios ordenamentos jurdicos, adotaram ento medidas legislativas, sobretudo

    quanto ao saneamento e recuperao de empresas, com vista estagnao do crescendo de

    falncias. Por via destas medidas a retoma econmica alcanou o seu expoente nas dcadas de

    80 e 90 do sc. XX.

    2.4.1. A reforma Francesa de 1984

    A reforma francesa de 1984 e 1985 ocorreu com a entrada em vigor de duas leis, a

    primeira em maro de 198428

    , esta lei surgiu pela necessidade de uma interveno rpida e

    eficaz logo aps o surgimento de dificuldades econmicas nas empresas, com vista

    preveno e resoluo de dificuldades econmicas. Estabelecendo um rigoroso controlo das

    contas, e, criando mecanismos de alerta perante os primeiros indcios de dificuldades

    econmicas.

    As empresas ao detetarem indcios de crise tinham, aps esta lei, a faculdade de

    recorrer a um rgo do Estado solicitando ajuda de forma amigvel, assim como, podiam

    atravs de um processo extrajudicial de conciliao com os credores, com o intuito de

    estabelecer medidas de viabilizao ajustadas s empresas, com o objetivo de suspender as

    execues sobre os bens.

    27

    LEITO, Lus Manuel Teles de Menezes Direito da Insolvncia. Ob. Cit. p. 38 e ss. 28

    Pela Loi 84-148, du 1 de mars 1984 relative la prvention et au rglement amiable des difficults des

    entreprises.

  • 33

    Em janeiro de 198529 , institudo o processo de redressement et liquidation

    judiciaire, que consistia essencialmente no saneamento e liquidao das empresas, evitando

    a falncia por um lado e mantendo a atividade, o emprego e a recuperao do passivo por

    outro lado.

    Processo este que se baseava na recuperao da empresa, sob o acompanhamento de

    um administrador, sendo s liquidada, caso no se verificasse a menor probabilidade de

    recuperao.

    O processo de liquidao institudo por esta lei desonerava o devedor das suas

    obrigaes, e consequentemente, aos credores era-lhes vedada a possibilidade de recuperao

    do seu crdito, salvo se se tratasse de fraude.

    Esta lei foi considerada nociva aos interesses dos credores, tendo por tal sido

    reformulada em junho de 1994.

    2.4.2. A reforma do Reino Unido de 1986

    O princpio da recuperao de empresas foi igualmente adotado no ordenamento

    jurdico do Reino Unido pelo Insolvency Act de 1986, acreditando-se que a recuperao de

    empresas se traduziria num instrumento mais vantajoso para os credores face deciso de

    liquidao do devedor.

    O Insolvency Act de 1986 foi aplicado em todo o Reino Unido, embora com

    adaptaes especficas Inglaterra, Pas de Gales, Esccia e Irlanda do Norte.

    2.4.3. A reforma Alem de 1994

    Em 5 de outubro de 1994, a Alemanha reformou o seu processo de insolvncia pela

    Insolvenzordnung, reforma que se diferencia das reformas Francesa e Inglesa, no deixando

    porm de prever a possibilidade de recuperao da empresa, assenta sobretudo nos direitos e

    autonomia dos credores.

    Sendo estes os protagonistas da insolvncia, estabelecendo igualdade entre os

    credores, e, colmatando ou reduzindo os privilgios de alguns credores.

    29

    Pela Loi 85-98, du 25 janvier 1985 relative au redressement et liquidation judiciaire des entreprises.

  • 34

    Da Insolvenzordnung retirou-se a expresso insolvncia que abarca os conceitos30

    de

    Direito da falncia (Konkursrecht) e Direito da recuperao (Vergleichrecht). A

    Insolvenzordnung alem de 5 de outubro de 1994 representa um marco na evoluo do

    Direito da Insolvncia31.

    2.4.4. As reformas posteriores

    O incio do sc. XXI trouxe de novo o fantasma da crise, que teve o seu incio nos

    acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, agravada pelo sentimento de instabilidade e

    insegurana.

    Com o surgimento de uma nova crise econmica, surgem inevitavelmente um maior

    nmero de empresas (e pessoas) insolventes, em que muitas delas poderiam ser recuperadas,

    os ordenamentos jurdicos foram reformulando as suas legislaes de direito falimentar.

    Nomeadamente, em Portugal pelo Decreto-Lei 53/2004 de 18 de maro; em Frana pela Loi

    n 2005-845 du jullet 2005; no Reino Unido pela Entreprise Act 2002 e em Espanha pela Ley

    Concursal 22/2003 de 9 de julio.

    Crise econmica esta que se agudizou com o colapso do crdito subprime americano

    em meados do ano de 2007, repercutindo-se no panorama econmico mundial em 2008, aps

    a falncia do Lehman Brothers, tendo como consequncia o colapso do sistema financeiro,

    que inevitavelmente atingiu a Europa.

    Levando vrios Estados a nacionalizar bancos32

    , expondo esses mesmos Estados ao

    descrdito das suas dvidas soberanas. As consequncias mais gritantes do colapso do

    sistema financeiro que atingiu vrios Estados centraram-se no decrscimo dos PIBs; na

    quebra dos investimentos; diminuindo a procura interna e externa e aumentando sobremaneira

    o desemprego.

    Contudo, em 2009, os Estado Norte-Americanos recuperaram. Comearam a dar sinais

    evidentes de investimento as potncias emergentes, em que a China se destaca.

    30

    Cfr. CORDEIRO, Antnio Menezes Ob. Cit. p. 409. 31

    Segundo LEITO, Lus Manuel Teles de Menezes Direito da Insolvncia. Ob. Cit. p. 46. 32

    Portugal no foi exceo, no dia 12 de novembro de 2008, pela Lei n 62-A/2008, de 11 de novembro, foram

    nacionalizadas todas as aes representativas do capital social do Banco Portugus de Negcios, S.A. por

    apropriao pblica nos termos do art 83 da Constituio da Repblica Portuguesa. Os prossupostos que

    conduziram nacionalizao do BPN basearam-se no volume de perdas acumuladas; ausncia de liquidez

    adequada; iminncia de uma situao de rutura de pagamentos que ameaam o interesse dos depositantes e a

    estabilidade do sistema financeiro.

  • 35

    Em 2009, na Alemanha surge um incremento da procura interna estando as

    exportaes em franca expanso, o que lhe permitiu em 2010 alcanar uma retoma econmica

    sem precedentes.

    Ainda assim, legislou a Alemanha, no sentido de simplificar o processo de insolvncia

    com o intuito de obter celeridade e eficincia, pela Lei de 13 de abril de 2007 e pela Lei de 21

    de outubro de 2011 a Gesetz zur vereinfachung des Insolvenzverfahrens.

    Porm, os pases perifricos da Unio Europeia, principalmente os pases do Sul da

    Europa, viram-se obrigados a pedir ajuda externa a partir do final de 200833

    . A pouca eficcia

    que se deslumbra desses programas de ajuda externa, coloca em causa o sistema financeiro da

    Unio Europeia, e, qui a prpria moeda nica.

    Precisamente no momento em que escrevemos, maio de 2014, ainda se encontra em

    cumprimento o programa de ajustamento constante do Memorando de entendimento sobre as

    condicionalidades de poltica econmica celebrado entre o Estado Portugus e a denominada

    Troika34

    em 17 de maio de 2011.

    33

    Entre os quais a Grcia, Irlanda, Portugal, Itlia e Espanha, surgindo tambm sinais inquietantes na Blgica e

    Holanda e at a Frana no foi poupada a esta crise econmica. 34

    Denomina-se troika a comisso formadas por trs elementos, sendo um da Comisso Europeia (CE), um do Banco Central Europeu (BCE) e um terceiro do Fundo Monetrio Internacional (FMI).

  • 36

    CAPTULO III

    DIREITO FALIMENTAR PORTUGUS

    3. O direito falimentar Portugus

    O direito portugus das ordenaes no institu um verdadeiro direito falimentar,

    apenas nas Ordenaes Filipinas surgem as primeiras regras. Entre elas, que os mercadores

    que quebrem de seus tratos e levem bens35 : () sero havidos por pblicos ladres,

    roubadores e castigados com as mesmas penas que por nossas Ordenaes e Direito Civil, os

    ladres pblicos, se castigo, e percam a nobreza, e liberdades que tiverem para no

    haverem pena vil.

    Contudo, segundo o autor, nas Ordenaes Filipinas, j se admitia a falncia no

    fraudulenta: E os que carem em pobreza sem culpa sua, por receberem grandes perdas no

    mar, ou na terra em seus tratos, e comrcios lcitos, no constando de algum dolo, ou

    malcia, no incorrero em pena algum crime.

    3.1. Evoluo do regime da falncia/insolvncia em Portugal

    As ordenaes desempenharam de facto um papel iniciador, instituindo as primeiras

    regras no regime falimentar portugus. Todavia, poder-se- atribuir codificao do Direito

    Comercial, o Cdigo Comercial de 1833, o denominado Cdigo de Ferreira Borges, em que

    no captulo Das quebras, rehabilitao do fallido e moratrias diz o art 1121 Diz-se

    negociante quebrado aquelle, que por vcio da fortuna ou seu, ou parte da fortuna ou parte

    seu, se ache inhabil para satisfazer os seus pagamentos, e abandona o commercio.36

    3.1.1. O sistema da falncia-liquidao

    Com a entrada em vigor do Cdigo Comercial de 1833 (Ferreira Borges), surge no

    direito falimentar portugus, a 1 fase do convnio falimentar, caracterizando-se por visar

    primordialmente a satisfao dos interesses dos credores a par da punio dos devedores.

    35

    De acordo com CORDEIRO, Antnio Menezes Perspetivas Evolutivas do Direito da Insolvncia. Coimbra: Edies Almedina, 2013. p. 26 e ss., referindo-se s ordenaes Filipinas. Livro V, ttulo LXVI Dos mercadores que quebram. E dos que se levantam com fazenda alheia, promio. Edies Gulbenkian, IV-V, 1214/I e 1215/II. 36

    Veja-se nota de rodap 78, LEITO, Lus Manuel Teles de Menezes Direito da Insolvncia. Ob. Cit. p. 50.

  • 37

    No Cdigo Comercial de 188837

    , o denominado Cdigo de Veiga Beiro, foi retomada

    a disciplina do direito falimentar, o livro quarto com a epgrafe Das fallencias dos arts 692

    a 749, englobava as questes de substantivas e as questes processuais.

    Por Decreto de 26 de julho de 1899, foi publicado o Cdigo de Falncia, que entrou

    em vigor no dia 1 de outubro desse ano, o Cdigo de Falncias revogou o livro IV do Cdigo

    Comercial de 1888 (Cdigo Veiga Beiro). Passando a existir no ordenamento jurdico

    portugus um Cdigo de Falncias, ganhando deste modo autonomia, a disciplina de direito

    falimentar.

    Por Decreto de 14 de dezembro de 1905 foi aprovado o novo Cdigo de Processo

    Comercial, no qual foi englobado o Cdigo de Falncias, alis, o art 3 do Decreto de 26 de

    julho de 1899, autorizava o Governo a publicar novamente o Cdigo do Processo Comercial

    de 1895 e a incluir neste o Cdigo de Falncias ento aprovado.

    O Decreto-Lei 21758, de 22 de outubro de 193238

    veio introduzir uma inovao no

    direito falimentar portugus o instituto da insolvncia, destinada aos devedores no

    comerciantes, ampliando o instituto s sociedades civis de forma comercial ou simplesmente

    civis39

    . Criou ainda a aplicao no ordenamento jurdico portugus um processo de liquidao

    coletiva em benefcio dos credores em relao aos no-comerciantes, at ento s os

    comerciantes esto sujeitos falncia, os no-comerciantes esto sujeitos a liberdade de

    execues individuais.

    Em 26 de outubro de 1935 publicado um novo Cdigo de Falncias40

    , o direito

    falimentar retoma novamente autonomia, e retoma-a pelas reclamaes sobre a necessidade

    de modificar o atual regime das falncias reportadas ao Governo pelos comerciantes e

    associaes comerciais, justificando o novo Cdigo de Falncias41

    , e reportando-se sua

    incluso em 1905 no Cdigo do Processo Comercial, Muitos so os defeitos que nas

    reclamaes se atribuem organizao actual e graves os danos que dela resultem para a

    37

    CDIGO COMMERCIAL. Dirio do Governo. Anno 1888. N 203 (06-09-1888). p. 1985 a 1987. 38

    DECRETO-LEI n 21758, de 22 de outubro de 1932. Dirio do Governo. I srie. N 248 (22-10-1932). Em

    que no prembulo se dizia: Daqui resultou que na Frana, Itlia, Blgica, Romnia e Portugal as legislaes regulavam de um modo especial a situao do comerciante insolvente, criando o instituto das falncias; mas

    esqueceram a situao do insolvente no-comerciante, que ficou sujeito ao regime das aces e execues

    individuais, verdadeiramente prejudicial, no s para os credores, como tambm para o prprio devedor. 39

    Cfr. art 24 do DECRETO-LEI n 21758. Ob. Cit. p. 2063. 40

    DECRETO-LEI n 25981, de 26 de outubro de 1935. Dirio do Governo. I srie. N 248 (26-10-1935). 41

    Cfr. n 1 do prembulo do DECRETO-LEI n 25981. Ob. Cit. p.1556.

  • 38

    economia privada e pblica, Acrescenta o prembulo: Depois muita cousa mudou

    continuando a justificao:

    Passaram-se ento a fazer negcios inteiramente margem de todas as regras, sem se ter em conta o tempo da liquidao, a proporo entre o seu volume e a

    capacidade financeira do comerciante, fechados os olhos propositadamente a todos

    os riscos e contratempos.

    Durante alguns anos tudo pareceu correr bem, mas primeira crise ste edifcio logo

    foi abalado sbre todo o corpo comercial, sbre toda a economia pblica.

    Justifica ainda, o novo cdigo de falncias exemplificando que outros ordenamentos

    jurdicos pelos mesmos motivos modificaram as suas legislaes sobre falncias, entre eles: A

    Inglaterra e a Alemanha em 1925, a ustria em 1914, a Sucia em 1921, o Brasil e a

    Jugoslvia em 1929, a Romnia, a Noruega e a Itlia em 1930 e a Checoslovquia em 1932.

    O cdigo de falncias criou a figura do Sndico no art 53 escolhido de entre os

    magistrados judiciais ou do Ministrio Pblico, e ter um secretrio e um servente, todos

    nomeados pelo Ministrio da Justia.

    O Acordo de Credores (art 1286 e ss.) e a Moratria (art 1297 e ss.) surgem neste

    regime falimentar, estes institutos jurdicos tinham a dupla finalidade de: procurar para o

    credor uma resposta mais clere e ampla na satisfao dos seus crditos; permita a

    possibilidade ao devedor de deferir o pagamento aos credores por um determinado prazo

    convencionado com estes ltimos.

    Esta autonomia vigorou pouco tempo, apenas quatro anos, sendo integrado no Cdigo

    de Processo Civil de 193942

    , assim, toda a matria do direito das falncias passou a integrar o

    novo cdigo de processo, onde passou a estar sistematicamente inserido no livro III Do

    processo, ttulo IV Dos processos especiais, captulo XVI - Liquidao de Patrimnios,

    Seco I Liquidao em benefcio dos scios; Seco II Liquidao em benefcio do

    Estado; Seco III Liquidao em benefcio dos credores.

    Levando o direito falimentar do cdigo comercial ao cdigo do processo civil, a se

    mantendo nas reformas subsequentes: - Decreto-Lei n 44129, de 28 de dezembro de 1961; -

    Decreto-Lei n 47690, de 11 de maro de 1967 e, Decreto-Lei n 242/85, de 9 de julho.

    42

    DECRETO-LEI n 29637, de 28 de maio de 1939. Dirio do Governo. I srie. N 123 (28-05-1939).

  • 39

    Nesta primeira fase, os meios de preveno das falncias no foram consideradas

    relevantes, logo no contempladas, esta fase vigorou durante cento e vinte e oito anos at

    entrada em vigor do Cdigo do processo Civil de 1961.

    3.1.2. O sistema da falncia-saneamento

    Esta denominada 2 fase vigorou durante trinta e um anos, entre o evento do Cdigo de

    Processo Civil de 1961 cujas disposies comearam a vigorar no dia 24 de abril de 1962 at

    entrada em vigor do CPEREF em 21 de julho de 1993.

    A nova regulamentao vertida no cdigo do processo civil de 1961 veio dar primazia

    aos meios preventivos do processo de falncia, dando-lhe prioridade real, considerando

    que a concordata ou o acordo de credores seria sempre prefervel ante a ruinosa liquidao

    judicial43

    .

    3.1.3. Retorno ao sistema falncia-liquidao

    Com o CPEREF o direito falimentar adquire de novo autonomia aps cinquenta e

    quatro anos includo no cdigo de processo civil. O perodo que mediou a entrada em vigor

    do CPEREF e a entrada em vigor do CIRE marcam a denominada 3 fase dos convnios

    falimentares em Portugal, que no mais que o retorno ao sistema falncia-liquidao que

    havia vigorado no perodo entre o Cdigo Comercial de 1833 e o Cdigo do Processo Civil de

    1961, em que a primazia era a plena satisfao dos credores custa da liquidao do

    patrimnio dos devedores, eliminando-se a possibilidade de recuperao da empresas e sua

    manuteno no giro comercial.

    A bem da verdade, era alvitrada a hiptese da existncia de um plano de insolvncia,

    todavia a fragilidade do plano de insolvncia era tal que, a mera denncia de incumprimento

    do plano implicava a liquidao imediata do patrimnio dos devedores.

    Entendendo-se que sendo a garantia comum dos crditos o patrimnio do devedor,

    aos credores que cumpre decidir quanto melhor efectivao dessa garantia 44 ,

    43

    Cfr. nota 32 do prembulo do DECRETO-LEI n 44129, de 28 de dezembro de 1961. Dirio do Governo. I

    srie. N 299 (28-12-1961). 44

    De acordo com a nota 3 do prembulo do DECRETO-LEI n 53/2004, de 18 de maro. Dirio da Repblica. I

    srie-A. N 66 (18-03-2004).

  • 40

    considerando que s deste modo se alcanaria a satisfao do interesse pblico e do bom

    funcionamento do mercado. Atribuindo ao direito da insolvncia a competncia de eliminar

    ou regular financeiramente uma empresa segundo uma lgica de mercado.

    Embora se estimasse ser esta sempre a melhor forma de realizao do interesse

    pblico de regulao do mercado, mantendo em funcionamento as empresas viveis e

    expurgando dele as que no o sejam45.

    Todavia, devolvia aos credores o papel preponderante na deciso de continuidade, ou

    no, dessa empresa, convertendo-se por fora do processo de insolvncia em proprietrios

    econmicos da empresa devedora.

    45

    Cfr. Nota 3 in fine do decreto preambular do CIRE, que a este propsito acrescenta que a determinao de

    empresa vivel ou empresa invivel possa resultar apenas do facto de os credores no verem interesse na

    continuao.

  • 41

    3.2. O regime atual da insolvncia revitalizao/falncia

    Esta a fase em que nos encontramos e que alguns autores a classificam como a 4

    fase do direito da insolvncia portugus46

    , em que a primazia dada revitalizao da

    empresa com o intuito de manter o maior nmero de agentes econmicos no giro comercial.

    Parafraseando Menezes Cordeiro, A histria da insolvncia mantm-se, pois, num

    eterno oscilar entre a liquidao e a recuperao sendo que esta em pouco ultrapassa os

    nveis vocabulares47.

    3.2.1. O Cdigo da Insolvncia e da Recuperao de Empresas

    Com a entrada em vigor do Cdigo de Insolvncia e Recuperao de Empresas

    (CIRE)48

    terminou o imprio do Cdigo de Processos Especiais de Recuperao de Empresas

    e Falncia (CPEREF)49

    . O CPEREF vigorou no ordenamento jurdico portugus durante onze

    anos, durante esse perodo, quer a doutrina, quer a jurisprudncia levaram a cabo um esforo

    considervel no sentido de uniformizar decises e solidificar conceitos, verificando-se com

    xito na prtica forense, beneficiando todos os operadores judicirios de um pensamento

    jurdico uniforme. O CIRE veio dar corpo a uma filosofia autnoma e distinta do direito da

    insolvncia.

    O CIRE insere-se num movimento de reformas, iniciado no ltimo quartel do sc. XX,

    de que, aps vrias dcadas de imobilismo, foi alvo o regime de falncias no sistema jurdico

    46

    Sobre esta distino veja-se VIEIRA, Nuno da Costa Silva Insolvncia e Processo de Revitalizao. Lisboa: Quid Juris, 2012. p. 16 a 17. 47

    CORDEIRO, Antnio Menezes Perspetivas Evolutivas do Direito da Insolvncia. Ob. Cit. p. 20, concluindo sobre as perspetivas evolutivas do direito da insolvncia, diz: A experincia de recuperao de empresas de 1993 no foi conseguida. Apesar dos progressos alcanados em 2004, a insolvncia mantm-se como um

    cemitrio de empresas e de riqueza () A revitalizao criada, como processo especial, em 2012, s funciona se houver dinheiro para injetar nas empresas em dificuldades. No h. E o que houvesse, no est disponvel para

    tal efeito. A histria da insolvncia mantm-se, pois, num eterno oscilar entre a liquidao e a recuperao

    sendo que esta em pouco ultrapassa os nveis vocabulares. Tudo perdido? Fica um ponto interessante positivo:

    o da efetiva melhoria progressiva dos processos judiciais, graas, designadamente s novas tecnologias. Esta

    via, embora no sendo milagrosa, interessante, porquanto reduz os custos de transao.

    Cabe aos credores, donos efetivos do patrimnio em dificuldade, gerir, com eficcia, os valores inerentes, de

    modo a minimizar os danos. Partindo de um patamar atual de 95% de crditos perdidos, h uma longa margem

    futura para aperfeioar o direito da insolvncia. Um segundo aspeto positivo prende-se com a insolvncia das

    pessoas singulares: dos seres humanos. Um processo expedito permitir encerrar uma fase menos favorvel da

    vida patrimonial dos devedores singulares infelizes. A sua reabilitao, em prazos curtos, permitir novos

    reincios de vida. Tambm o direito da insolvncia lida com pessoas. 48

    O CIRE (Cdigo da Insolvncia e Recuperao de empresas) entrou em vigor em 14 de Setembro de 2004. 49

    O CPEREF (Cdigo de Processos Especiais de Recuperao de Empresas e Falncia) foi aprovado pelo

    Decreto-Lei n 132/93, de 23 de Abril e entrou em vigor em 31 de julho de 1993.

  • 42

    portugus50

    . O novo cdigo introduziu vrias inovaes no direito falimentar, as mais

    significativas51

    : a primazia da satisfao dos credores; a ampliao da autonomia privada dos

    credores; e, a simplificao do processo da insolvncia.

    3.2.2. As alteraes introduzidas pela Lei n 16/2012, de 20 de abril

    A Lei 16/2012, de 20 de abril, vem proceder sexta alterao do CIRE aprovado pelo

    DL n 53/2004, de 18 de maro, que j havia sido alterados pelos decretos-Lei: 200/2004, de

    18 de agosto; 76-A/2006, de 29 de maro; 282/2007, de 7 de agosto; 116/2008, de 4 de julho

    e 185/2009, de 12 de agosto. Esta sexta alterao como acima se disse, resultou das medidas

    impostas pelo memorando de entendimento celebrado entre o Estado Portugus e a Troika

    no quadro do programa de auxlio financeiro a Portugal, e visa essencialmente a promoo

    dos mecanismos de reestruturao extrajudicial de devedores, no sentido da recuperao do

    devedor com vista continuidade da sua atividade econmica52

    .

    O novo CIRE registou as seguintes alteraes, revogaes e aditamentos:

    - Alterao - artigos: 1; 10; 18; 23; 35; 36; 37; 39; 50; 52; 53; 55; 59; 64;

    65; 75; 76; 82; 84; 88; 93; 120; 125; 128; 129; 136; 146; 147; 158; 172; 182;

    188; 189; 191; 192; 230; 232; 233; 248; 259 e 297;

    - Aditamento artigos: 17-A a 17-I;

    - Revogao n 4 do art 31 e art 190;

    - Altera ainda a sistematizao do Cdigo. O Ttulo I subdividido em dois captulos:

    Captulo I Disposies gerais compreende o art 1 ao art 17;

    Captulo II Processo especial de revitalizao composto pelos artigos 17-A a 17-I

    Reportar-nos-emos somente s alteraes produzidas quanto s normas respeitantes

    incidncia e s repercusses jurdicas, no intuito de verificar se estas alteraes provocaram

    algum impacto na reduo do nmero de insolvncias. Salientando desde j de modo

    simplificado as alteraes de maior impacto, desde logo:

    50

    Segundo Fernandes, Lus A. Carvalho; Labareda, Joo - Cdigo da Insolvncia e da Recuperao de

    Empresas, Anotado. Lisboa: Quid Juris, 2009. 51

    Segundo CORDEIRO, Antnio Menezes Perspetivas Evolutivas do Direito da Insolvncia. Ob. Cit. p. 18 e 19. 52

    De acordo com a RESOLUO DO CONSELHO DE MINISTROS n 43/2011. Dirio da Repblica. I srie.

    N 205 (25-10-2011). p. 4714.

  • 43

    - A promoo da recuperao, privilegiando sempre a manuteno do devedor na atividade

    comercial;

    - Uma maior responsabilizao do devedor ou dos seus representantes (gerentes e

    administradores);

    - Supremacia da recuperao face liquidao;

    - Combate ao desaparecimento dos agentes econmicos;

    - Reduo do prazo de apresentao insolvncia de 60 para 30 dias;

    - O dever de informar todos os envolvidos no processo de insolvncia da situao econmica

    real;

    - O impulso processual do devedor ou dos credores;

    - Reduo do prazo de caducidade do direito de impugnar a resoluo de aes executivas;

    - A reduo do prazo para a resoluo dos atos prejudiciais massa;

    - A responsabilizao do devedor ou dos seus representantes, durante todo o processo,

    reforando-se a responsabilidade civil dos devedor ou dos seus administradores de facto ou de

    direito;

    - A utilizao do Portal Citius como veculo de publicidade, visando a reduo de custos e a

    celeridade processual;

    - A suspenso do processo em caso de morte;

    - A prestao de alimentos e a proteo a menores;

    - A responsabilizao do administrador de insolvncia;

    - E, o incidente de qualificao de insolvncia.

    A reforma do CIRE de 2012, como acima se disse, decorreu das obrigaes assumidas

    pelo Estado Portugus atravs da assinatura do memorando de entendimento celebrado com a

    Troika no quadro do programa de auxlio financeiro a Portugal53, dedica o ponto 2.

    regulao e superviso do setor financeiro, estabelecendo no respeitante ao Cdigo de

    Insolvncia as seguintes obrigaes:

    53

    PORTUGAL. Governo de Portugal. Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de poltica

    econmica. [Em linha]. Lisboa, maio 2011. [Consultado em 18 Nov. 2013]. Disponvel em:

    http://www.portugal.gov.pt/media/371372/mou_pt_20110517.pdf

  • 44

    - No ponto 2.16. - O Cdigo de Insolvncia ser alterado at ao fim de novembro de 2011 a

    fim de assegurar que os depositantes garantidos e/ou os Fundos gozem prioridade sobre os

    crditos no garantidos numa situao de insolvncia de uma instituio de crditos;

    - No ponto 2.17. - A fim de melhor facilitar a recuperao efectiva de empresas viveis, o

    Cdigo de Insolvncia ser alterado at ao fim de Novembro de 2011, com assistncia

    tcnica do FMI, para, entre outras, introduzir uma maior rapidez nos procedimentos judiciais

    de aprovao de planos de reestruturao54

    ;

    - No ponto 2.18. - Princpios gerais de reestruturao voluntria extra judicial em

    conformidade com boas prticas internacionais sero definidos at fim de setembro de

    201155

    ;

    - No ponto 2.19. - As autoridades tomaro tambm as medidas necessrias para autorizar a

    administrao fiscal e a segurana social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de