O Padrao Alimentar Ocidental

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    Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 1

    Artigo publicado no Vol. VI/ 1998 da Revista Cadernos de Debate, uma publicao doNcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentao da UNICAMP, pginas 1-25.

    O Padro Alimentar Ocidental:

    consideraes sobre a mudana de hbitos no Brasil1

    Susana Inez Bleil2

    Resumo

    Este trabalho pretende verificar se no Brasil existe a tendncia, presente nos pases industrializados, de adotar novoshbitos, criados pela indstria alimentar e marcados pelo excesso de produtos artificiais, em detrimento do consumo dos

    produtos regionais e com forte tradio cultural. A pesquisa mostra que o feijo, a farinha de mandioca, o arroz e afarinha de milho, os alimentos mais tradicionais na dieta do brasileiro, tm tido uma reduo em seu consumo. Os novos

    produtos alimentares, criados pela indstria, tem conquistado um pblico crescente, principalmente nos grandes centrosonde tambm o fast-food uma realidade para milhes de brasileiros. Isso se deve, em parte, mentalidade moderna,

    presente globalmente, difundindo o desejo de consumo ilimitado, e idia da supremacia do conhecimento tcnico ecientfico. Conclui-se que a identidade cultural presente no Brasil tem facilitado a entrada destes novos produtos.

    Palavras-chave: padro alimentar ocidental, mudana de hbitos, identidade cultural

    The western food standard:

    considerations about the changes in food habits in Brazil

    Abstract

    The object of this paper is to verify if Brazil, like industrialized countries, shows the trend of adopting new food habits,introduced by the food industry, with an increase of artificial products to the detriment of the regional traditional ones.The research shows that beans, cassava flour, rice and maiz flour, the most traditional foods in the Brazilian diet, havehad its consumption reduced. The new foods brought by the industry have conquered more and more people, mostly inlarge cities where fast-food is always a reality for millions of Brazilians. This is due to the modern mentality whichgives preference to unlimited consumption and to the idea of supremacy of technical and scientific knowledge. We canconclude that cultural identity in Brazil has facilitated the entrance of these new products.

    Keywords: western food standard, food habits change, cultural identity

    1. Introduo

    A pesquisa procurou verificar as tendncias na alimentao da populao brasileira nos ltimos 40anos.

    Parte-se do pressuposto que o mundo todo tem passado por uma srie de transformaes desde adcada de 50, entre as quais as mais perceptveis talvez sejam os fenmenos da urbanizao e daglobalizao. As mudanas afetam a qualidade dos alimentos produzidos e industrializados. As expectativasde consumo, orientando as escolhas para alimentos mais condizentes com o novo estilo de vida, so menossatisfatrias ao paladar e ao aporte nutritivo do que no padro anterior.

    Percebe-se que a fome hoje resultante no s da pouca disponibilidade alimentar para os grupos de

    baixa renda, mas tambm da reduo da qualidade dos alimentos, excessivamente industrializados. Istoevidencia-se na anemia e na obesidade como grandes problemas de sade pblica, atingindo a todos osestratos sociais.

    Algumas outras questes deram especial direo ao processo de pesquisa. Um dos objetivosperseguidos foi discutir de que forma a mentalidade moderna, que pressupem o consumo ilimitado, tem

    1 Artigo baseado na tese de mestrado Mudana de hbitos a partir da industrializao agroalimentar. Rio de Janeiro, UFRRJ/ CPDA,1998.

    2Nutricionista, Mestre em Sociologia Rural, Professora Auxiliar II do Curso de Nutrio da UFF e Assessora tcnica da GORA -Associao para Projetos de Combate a Fome, Braslia, DF.

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    afetado os hbitos alimentares nas grandes metrpoles deste pas. Outra questo importante foi verificar comoa difuso global do consumo do hambrguer e da Coca-Cola, smbolos do que mais moderno, teminfluenciado a identidade cultural alimentar do brasileiro.

    Em resumo, procurou-se delimitar como est a alimentao no pas neste fim de sculo e quais astransformaes que se operaram nos ltimos anos.

    Inicialmente procedeu-se a discusso sobre a formao dos hbitos alimentares e sobre todos os

    fatores que interferem nesta construo. A formao do gosto nas diferentes culturas, o status, o prestgio, apresso publicitria, o aspecto religioso, enfim os inmeros aspectos que orientam as escolhas alimentares.

    Alguns aspectos do padro alimentar ocidental so aqui relacionados. A idia foi de caracterizar aforma e o que se come nos grandes centros do mundo. O fast-food o principal fenmeno de consumo nomundo moderno e a carne aparece como o alimento de maior prestgio no Ocidente. O sanduche e osrefrigerantes ganham preferncia quando o mais importante a praticidade e a rapidez. A publicidade e aideologia do consumo favorecem a formao de novos hbitos inimaginveis h pouco mais de trs dcadas.

    Foi necessrio estabelecer algumas consideraes sobre a globalizao e seus reflexos na cultura brasileira. Tambm procurou-se evidenciar se a preocupao com a sade, um dos efeitos da cacofoniaalimentar presente no mundo moderno, est presente nos habitantes deste pas.

    Por ltimo, objetivou-se distinguir o processo no Brasil, observando as particularidades aquipresentes, como a urbanizao acelerada e as polticas estatais.

    Os poucos estudos disponveis sobre consumo alimentar foram analisados. Procurou-se evidenciarqual a alimentao preferencialmente aceita nos grandes centros, quais as tendncias presentes nas escolhasalimentares.

    Finalmente procurou-se demonstrar que a populao dos grandes centros est incorporando progressivamente novos hbitos alimentares, tpicos dos pases desenvolvidos. Como hiptese, um novopadro alimentar est se delineando, com prejuzo dos produtos tradicionais da dieta, como por exemplo, ofeijo e a farinha de mandioca, e a favor de produtos industrializados e com maior valor agregado.

    No momento o debate cientfico aponta para a inviabilidade de se propagar, em nvel mundial, ospadres de consumo que hoje prevalecem no Primeiro Mundo. Descobrir novas alternativas, pautadas em umdesenvolvimento sustentvel, cada vez mais urgente. Hbitos alimentares e padres de produo agrcolaque possam reduzir o consumo excessivo, o desperdcio e a destruio comeam a ser vistos no mais comouma opo mas como uma necessidade. Neste sentido, o trabalho pretende contribuir criticamente para o

    debate, lanando alguma luz no que se refere produo, ao processamento e ao consumo do alimento nestepas.

    2. A comida industrializada

    2.1. Formao dos hbitos alimentares

    So inmeras as razes que envolvem a escolha de alimentos. Muitas vezes esto em jogo, ao mesmotempo, mais de um fator at a deciso final. Segundo Igor de Garine, apesar de percebermos como bviasmuitas relaes entre comida, nutrio e fatores culturais, at hoje no se precisou as regras que regem oscomportamentos alimentares, o que no se revela uma tarefa facilmente atingvel no curto prazo.3

    Em 1945, Mead e Guthe definiram os hbitos alimentares como o estudo dos meios pelos quais osindivduos, ou grupos de indivduos, respondendo a presses sociais e culturais, selecionam, consomem e

    utilizam pores do conjunto de alimentos disponveis.4

    Desta forma, as averses e as preferncias, ou o queconstitui a identidade tnica de um povo, vo corroborar para o fato de que nem tudo que possa serconsumido pelos seres humanos, o seja de fato.5

    3 Este autor alerta para a necessidade dos estudos procurarem estabelecer anlises rigorosas dos aspectos socioculturais envolvidos emcada caso concreto, evitando concluses precipitadas ou generalizaes indevidas. Neste sentido afirma que apesar da tendncia dacivilizao industrial ocidental em estender-se para todo o mundo, isso no pode ser encarado como uma verdade, a priori. Igor deGarine, Los aspectos socioculturales de la nutricin, in: Jess Contreras, (Org.)Alimentacin y cultura. Estudi General. Cincieshumanes i socials; 3, Universitat de Barcelona, Barcelona, 1995, p. 129.

    4 Manual for the Study of Food Habits, citado por Igor de Garine, in: ibid., p.130.5 A. Leroi-Gourhan,Le Geste et la Parole: la memoire et les rythmes, citado por Igor de Garine, ibid., p.130.

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    Excetuando-se os perodos em que a fome possa forar alguma modificao, o ser humano mantmalguns limites entre o que ou no comestvel. A comida uma forma de comunicao, na qual o indivduovai explicitar inclusive sua viso de mundo, ou seja, comer revelar-se.6

    A escolha do alimento revela muitas vezes a que grupo se deseja pertencer, seja este social, tnico oude idade.7

    Sabe-se que o instinto presente nos animais, que origina um comportamento que responde sempre s

    possibilidades do meio, no tem a mesmaperformance nos seres humanos. A diferena est na possibilidadedo ser humano fazer escolhas e modificar seu meio ambiente. Percebe-se que a eleio dos alimentos satisfazs necessidades do corpo mas tambm, em grande medida, s necessidades da sociedade. A cultura estabeleceo que comestvel8, ou seja, a cultura ensina e leva a gostar de todo tipo de comida, dos mais variadossabores desde a pimenta ao tamarindo.

    Os gostos so construdos de acordo com o que a cultura estabelece como aceitvel. Na Idade Mdia, por exemplo, os mais diferentes tipos de carne vinham mesa de forma a manter a pea inteira. Hojepercebe-se uma resistncia a tudo que possa lembrar o animal.9

    Ellen Messer lembra que os gostos so transmitidos como parte de uma cozinha cultural.10 ClaudeLvi-Strauss foi o autor da idia que o alimento deve ser no s bon mangermas tambm bon penser:isto , no s biolgica, mas tambm culturalmente comestvel.11 Segundo ele a cozinha de uma sociedade a linguagem na qual ela traduz inconscientemente sua estrutura12 e ... quando descobrimos onde, quando e

    com quem os alimentos so consumidos, estamos em condies de deduzir, ao menos parcialmente, oconjunto das relaes sociais que prevalecem dentro de uma sociedade porque ... os hbitos alimentares souma parte integrada da totalidade cultural.13

    Neste sentido, Sahlins comprovou que a comestibilidade da carne de boi e do porco, bem como otabu na utilizao da carne de cachorro e cavalo nos EUA no so fatos originados das vantagens biolgicas,ecolgicas ou econmicas. Segundo ele a Amrica a terra do co sagrado. A cultura americana est pautadana carne como principal alimento. Sua prpria estrutura de ocupao do espao e da natureza esta pautadaneste axioma. Segundo este autor o consumo da carne nos EUA tem como base a impropriedade de comeranimais que vivem conosco como nossos amigos.14

    O significado, portanto, no est ligado s caractersticas intrnsecas do alimento. A utilizao docaf, por exemplo, est menos ligada ao efeito estimulante, do que sociabilidade que proporciona, oumesmo paradoxalmente, ao efeito relaxante que representa a parada no trabalho.15

    So inmeros os exemplos que permitem acreditar que o consumo alimentar no se restringe apenass razes econmicas. Apesar deste ser um fator importante num mundo em que as desigualdades soaviltantes, reduzir uma escolha to complexa a termos numricos , no mnimo, uma simplificao dos fatos.Parece certo que os consumidores ajustam e reajustam suas compras de acordo com as flutuaes dos preos

    6 Joo Chagas, Viagem ao redor de um almoo, in: L. da C. Cascudo (org.),Antologia da alimentao no Brasil. Citado por Cludiode M. Castro & M. Coimbra (org.) O problema alimentar no Brasil. So Paulo, Ed. da Unicamp/Almed, 1985, p.203.

    7 Jess Contreras, op. cit., p.19.8 Mary Douglas, Las estruturas de lo culinario, in: Jess Contreras, op. cit., p. 171 e Jess Contreras, op. cit., 1992, p.99.9

    N. Elias, O processo civilizador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1994, V.I, p. 124 e R. W. D. Garcia, Representaes sociaisda comida no meio urbano: um estudo no centro da cidade de So Paulo. So Paulo, USP/IPS, 1993, Dissertao de Mestrado,p.171.

    10 Perspectivas antropolgicas sobre la dieta, in: Jess Contreras, op. cit., p.42.11 O Brasil vai mesa, Superinteressante, Ano 5, n.6, junho, 1991, p.22-35.12Ibid., p.22.13 Jess Contreras, op. cit., 1992, p.101.14 Marshall Sahlins, Cultura e razo prtica. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979, p.190-199.15 Jess Contreras, op. cit., 1992, p.99.

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    dos produtos habitualmente comprados.16 Se o fabricante aumentou o preo de algum produto, este poderser substitudo por outro mais barato.

    Muitas vezes o consumo deste ou daquele alimento est relacionado s crenas que foram construdaspor uma sociedade ao longo de sua histria, as quais nem sempre esto de acordo com a cincia ou a razo.Ao contrrio, as lembranas que os alimentos podem suscitar envolvem o que no quantificvel, ou seja, asemoes que habitam o mundo subjetivo.17 Utiliza-se certos alimentos para alcanar uma poca distante, da

    qual se tem saudades.Ao longo da histria pode-se perceber que o uso ou no dos alimentos obedeceu a cdigos ligados ao

    prestgio deste ou daquele alimento. Os aristocratas consumiam apenas a caa e as aves, enquanto a burguesiaficava com as carnes de aougue. Depois ambos passaram a consumir bons cortes de carne, enquanto que opovo ficava com as peas de segunda. A carne de porco um exemplo destas diferenas. Esta carne foiperdendo prestgio ao longo da Idade Mdia, junto nobreza. Primeiro as orelhas deixaram de ser adquiridaspelos nobres (1659), depois as costelas (1660), a fressura e a banha (1667) e at a simples carne de porco, apartir de 1670.18

    O fato de alguns autores combaterem a viso que s apreende o lado biolgico da alimentao,excluindo o prisma sociocultural19, demonstra uma tendncia ainda muito presente na cincia contempornea,qual seja, a viso fragmentada da realidade, na qual as disciplinas so reduzidas a departamentos estanques.Deste modo, nossa sociedade contempornea, muitas vezes, no parece que coma carne, mas, po ou gro

    de bico, por exemplo, mas sim, tais e quais quantidades de vitaminas, de fibras, de minerais, de cidos graxos poliinsaturados, mono-insaturados ou saturados, de hidratos de carbono, de lipdios, de cido flico, decalorias, de 'aditivos' diversos, etc..20 A alimentao permanece no domnio da rea biolgica.21

    Inmeros programas institucionais que visavam mudar o hbito de populaes do Terceiro Mundoforam frustrados por desconsiderar os preceitos e as proibies religiosas, bem como as categorias culinriaslocais. O mais interessante que por muito tempo se colocou o problema no que concerne populao, ouseja, sua pretensa ignorncia e superstio, alm dos seus preconceitos. Evidenciou-se mais tarde que faltavasensibilidade por parte dos interventores em perceber o peso da cultura sobre a alimentao. Seu excessivotecnicismo fez apenas visualizar a importncia dos aspectos bioqumicos e nutricionais.22

    Entretanto crescente a percepo de que existe uma grande diferena entre comer, um ato social, enutrir-se uma atividade biolgica. Isso tem desencadeado a produo de inmeros trabalhos na rea denutrio que compreendam as mais diferentes reas do conhecimento.

    Ora, essa viso transdisciplinar fundamental a qualquer pesquisa que pretenda verificar os hbitosalimentares de uma populao. Como coloca Jess Contreras, identificar que se come po, por exemplo, norepresenta uma informao com real significado. necessrio (dada a diversificao do produto naatualidade) especificar se po francs, po integral, po doce, etc..23 Roland Barthes, na dcada de 1960, janalisava este fenmeno em sua profundidade. As unidades realmente significativas, relativas alimentao,coincidem somente muito raramente com os produtos alimentcios que a economia e a diettica tem por

    16 Cludio de M. Castro & M. Coimbra, op. cit., p.202.17 Para descrever como uma experincia do paladar pode estar impregnada pela memria, Garcia foi muito feliz ao utilizar o episdio

    das madalenas, do romanceEm Busca do Tempo Perdido - No Caminho de Swann , de Proust. R. W. D. Garcia, op. cit., p.2.

    18 J.-L. Flandrin, A distino pelo gosto, in: Roger Chartier (org.),Histria da vida privada, 3.Da Renascena ao Sculo das Luzes. So Paulo, Companhia das Letras, 1991, p.275.

    19 Jess Contreras, op. cit., 1992, p. 98 e Igor de Garine, op. cit., p.129.20 Jess Contreras, op. cit., p.9.21 Jess Contreras, op. cit.,1992, p.100 e op. cit., p.130.22 Claude Fischler,Lhomnivore. Paris, ditions Odile Jacob, 1993, p. 155. Sobre a incapacidade de algumas pesquisas em captar a

    especfica racionalidade dos hbitos alimentares e, portanto, a tendncia a no compreenso destes, ver tambm Jess Contreras, op.cit., p.10.

    23Op. cit., p.11.

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    costume tratar.24 Este autor lembra que na histria de cada sociedade ou cultura que se pode encontrar osignificado e as razes para as preferncias e as averses individuais ou coletivas, em suma, o que o alimentorepresenta num dado meio social.

    Parece claro que o ato alimentar envolto por uma nuvem de tamanha complexidade que questes asmais diversas esto em jogo.25 Desde as de carter biolgico e ecolgico, at os nveis tecnolgico,econmico, social, poltico e ideolgico.26 E neste ato (alimentar) pesa um conjunto de condicionamentos

    mltiplos e ligados por complexas interaes: condicionamentos e regulaes de carter bioqumico,termodinmico, metablico, psicolgico; presses de carter ecolgico; mas, tambm, modelossocioculturais, preferncias e averses individuais ou coletivas, sistemas de representaes, sistemas denormas, cdigos (prescries e proibies, associaes e excluses), 'gramticas culinrias', etc. Tudo issoinflui na eleio, na preparao e no consumo dos alimentos.27

    Deduz-se, pois, que a escolha dos alimentos no individual.

    Independentemente da bvia necessidade de manter a sade fsica, consideraesrelacionadas com a etnicidade,status e prestgio, capacidade econmica, aceitao dentrode grupos sociais ou religiosos particulares, esnobismo alimentar, presso publicitria eajustes psicolgicos, so todos eles aspectos da cultura que desempenham papisimportantes na determinao das preferncias alimentares.28

    2.2. Mudanas com a industrializao: o padro alimentar ocidental

    importante lembrar que as mais variadas culturas evoluram dentro de um equilbrio alimentarprprio, o que demonstra que suas escolhas revelavam uma sabedoria apreendida atravs de geraes. Maisainda, se aceita que as tcnicas para elaborao de alimentos e as combinaes de alimentos desenvolvidasno passado tem dado lugar a cozinhas nutricionalmente vantajosas e que, sem prvia elaborao, os alimentosde uma regio resultam no comestveis ou menos nutritivos em outras.29

    A questo que se coloca diz respeito, por um lado, persistncia e por outro, s mudanas que serealizam nos sistemas alimentares e, portanto, na cultura.

    Lucien Febvre, em 1938, apontou para a existncia de elementos fundamentais dentro dos sistemasculinrios, os fundos de cozinha. Para este autor alguns alimentos estariam to integrados a uma cultura que

    24 Segundo este autor, os fatos que esto ligados alimentao e que apresentam enorme significado do ponto de vista sociocultural eque, em ltima anlise, orientam as escolhas dos consumidores, so sutis a ponto de parecerem imperceptveis, na maior parte doscasos, aos nutricionistas, economistas e estatsticos. Pour une psichologie de lalimentation contemporaine. Citado por JessContreras, op. cit., p.11-13.

    25 Um estudo bastante interessante, publicado em 1979, chegou a concluso de que em nossa sociedade moderna, a alimentaoapresenta no mnimo vinte usos diferentes. Destes, somente um estava ligado a nutrio: 1) Satisfazer a fome e nutrir o corpo; 2)Iniciar e manter relaes pessoais e de negcios; 3) Demonstrar a natureza e a extenso das relaes sociais; 4) Propiciar um foco

    para as atividades comunitrias; 5) Expressar amor e carinho; 6) Expressar individualidade; 7) Proclamar a distino de um grupo;8) Demonstrar pertencer a um grupo; 9) Reagir ao stress psicolgico ou emocional; 10) Significar status social; 11) Recompensasou castigos; 12) Reforar a autoestima e ganhar reconhecimento; 13) Exercer poder poltico e econmico; 14) Prevenir, diagnosticare tratar enfermidades fsicas; 15) Prevenir, diagnosticar e tratar enfermidades mentais; 16) Simbolizar experincias emocionais; 17)Manisfestar piedade ou devoo; 18) Representar segurana; 19) Expressar sentimentos morais; 20) Significar riqueza. M. A.

    Baas; L. M. Wakefield; e K. M. Kolasa; Community nutrition and individual food behaviour. Citado por Jess Contreras, op. cit.,p.16-17.26 Jess Contreras, ibid., p.99.27 Claude Fischler, Gastro-nomie et gastro-anomie: sagesse du corps et crise bioculturelle de lalimentation moderne, citado por

    Jess Contreras, op. cit., 1992, p.101.28 Dorothy N. Shack, El gusto del catador: determinantes sociales y culturales de las preferencias alimentarias, in: Jess Contreras,

    op. cit., p.124.29 S. Katz, Food, behavior, and biocultural evolution. S, Katz; M. L. Hediger; L. A. Valleroy, Traditional maize processing

    techniques in the New World. C. Ritenbaugh, Human foodways: A window to evolution. D.E. Yen, Indigenous food processingin Oceania. Citados por Ellen Messer, Perspectivas antropolgicas sobre la dieta, in: Jess Contreras, op. cit. p.41.

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    poderiam resistir s conquistas, colonizao, mudana social, s revolues tcnicas, e, em algunsmomentos at industrializao e urbanizao.30

    Claude Fischler, ao contrrio, defende que os sistemas alimentares evoluem e, as vezes, de formaimprevisvel. Entretanto isso no se d sem uma aparente resistncia pautada na inrcia e na recusa. Atendncia dos imigrantes em conservar seus hbitos alimentares amplamente retratada nos estudosetnogrficos.31

    Pode-se dizer que alguns fatos ocorridos a partir de 1850 possibilitaram uma acelerao nasmudanas alimentares no Ocidente. Os progressos na agricultura livraram da fome grande parte da populaoeuropia.32 Por outro lado, a urbanizao, a tecnologia e o comrcio tiveram um impulso nunca dantesverificado. Produtos como o acar, o caf e o chocolate conheceram um pblico cada vez maior.

    Fischler lembra, entretanto, que estas mudanas so mnimas se comparadas s que se vive noperodo contemporneo mais recente. Estas apresentam um tal grau de acelerao que, s vezes, em poucosmeses pode-se verificar alteraes nos comportamentos.33

    Ora, se a alimentao faz parte da cultura isso no poderia ser de outra forma. As ltimas dcadas dosculo XX assistiram a uma verdadeira revoluo cultural. Para Eric Hobsbawm pode-se entender estemovimento como o triunfo do indivduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antesligavam os seres humanos em texturas sociais.34

    Neste processo o estilo jovem de ser passou a ser a marca em nvel mundial, no mais como uma

    etapa para a vida adulta, mas como um estilo de vida. O blue jeans, o rock, o hambrguer e a Coca-Cola soexpresses simblicas desta nova cultura. Os adolescentes ganharam maior autonomia neste fim de sculo eisso tem sido cada vez mais explorado pela indstria que vislumbra a um mercado promissor. O surgimentodo adolescente como ator consciente de si mesmo era cada vez mais reconhecido, entusiasticamente, pelosfabricantes de bens de consumo.35

    Os jovens, a partir de suas escolhas, desejavam mostrar que estavam fundamentalmente rejeitando asconvenes ditadas pela sociedade, construdas historicamente e pautados pela tradio e pelos costumes. Asrefeies feitas em conjunto, com horrio determinado e um cardpio planejado, foram se tornando ocasiescada vez mais excepcionais.

    Assim, percebe-se que a alimentao de diferentes culturas est sendo transformada muitorapidamente em todo o mundo36, como parte de uma cultura que tambm se modificou. Dentro de um processo mais amplo, qual seja o desenrolar da civilizao industrial ocidental, a alimentao, dentre as

    inmeras expresses culturais, tambm tem sido influenciada por este processo acelerado. Em nome dailimitada autonomia do desejo humano, a sociedade de consumo de massa foi, paradoxalmente, impulsionada

    30 Repartition gographique des fonds de cuisine en France, citado por Claude Fischler, op. cit., p.151.31 Claude Fischler, op. cit., p.152-154.32 M. Aymard, Dietary Changes in Europe From 16th to 20th Century, With Particular Reference to France and Italy, citado por

    Claude Fischler, op. cit., p.156.33 Claude Fischler, op. cit., p.156.

    34 Eric Hobsbawm,Era dos Extremos. So Paulo, Companhia das Letras, 1995, p.328.35Ibid., p.318.36 Aceita-se que as mudanas na direo de uma dieta ocidental (dieta rica em gorduras, especialmente as de origem animal, acar

    e alimentos refinados e reduzida em carboidratos complexos e fibras) iniciaram-se nos Estados Unidos, de forma lenta, ainda nasegunda metade do sculo XIX e durante o sculo XX. Estas mudanas nos pases em desenvolvimento, ocorreram h bem menostempo. Em contrapartida, nestes pases elas foram significativamente mais rpidas. C. A Monteiro et alii, Da desnutrio para aobesidade: a transio nutricional no Brasil.In: C.A Monteiro, op. cit., p.247.

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    at pelos crticos das convenes e restries.37 O triunfo universal da sociedade de consumo de massaarruinou, em grande medida,a alta cultura clssica.38

    A tendncia das sociedades desenvolvidas de comer muito alm do que seria necessrio para asnecessidades do organismo, induz a pensar que a sabedoria alimentar, caracterstica das sociedadestradicionais, no tem conseguido acompanhar o desenvolvimento da sociedade moderna. Para ClaudeFischler, a cultura moderna tem reduzido a capacidade do ser humano em perceber qual alimentao ser-lhe-

    ia mais adequada.39Jess Contreras acredita que as razes para esta cacofonia alimentar esto assentadas nacrise cultural vivida pelas sociedades mais desenvolvidas. Percebe-se uma crescente desestruturao dossistemas normativos e dos controles sociais que regiam, tradicionalmente, as prticas e as representaesalimentares.40

    A indstria de alimentos foi, em grande parte, responsvel pela mudana radical que se operou naalimentao dos norte-americano nos ltimos oitenta anos.41 A indstria prosperou num sistema em que atica foi submetida aos interesses do mercado.

    Sentimos que o poder est em toda parte e que a sociedade menos regida porinstituies que se baseiam no direito e na moral que pelas exigncias da concorrnciaeconmica, pelos programas dos planificadores ou pelas campanhas de publicidade. Asociedade, que ao mesmo tempo tcnica e poder, diviso de trabalho e concentrao derecursos, torna-se cada vez mais estranha aos valores e s demandas dos atores sociais. Sea idia de sociedade de massa ou de consumo substitui a de sociedade industrial, porqueela constata a separao entre o mundo da produo e o universo de consumo, ao passoque a sociedade industrial definia ainda o ser humano como trabalhador, portanto nosmesmos termos que o sistema de produo.42

    2.3. O prestgio da carne: ascenso e queda

    O consumo de carne cresceu no mundo todo e, mesmo no Japo, onde a dieta baseou-se durantemuito tempo, no arroz, nos peixes e em inmeros subprodutos da soja. Os dados de consumo identificam queem 1980 aproximadamente 20% das calorias da alimentao japonesa vinham da carne.43

    No Ocidente, pode-se dizer que da dcada de 50 a 1980, a carne foi um dos alimentos que maiscresceu em consumo, considerando as mais diferentes espcies.

    Nos Estados Unidos passou de 84 quilos por habitante/ano em 1955, a 116 em 1978.O consumo humano por habitante aumentou 32 quilos. Na Frana se passou de 71 a 108quilos, o consumo por habitante aumentou 37 quilos. No Japo se passou de 5 quilos (os

    37 Assumia-se tacitamente agora que o mundo consistia em vrios bilhes de seres humanos definidos pela busca de desejoindividual, incluindo desejos at ento proibidos ou malvistos, mas agora permitidos, no porque se houvessem tornado moralmenteaceitveis, mas porque tantos egos os tinham.Ibid., p.327.

    38 Se o consumo de pratos tradicionais ainda persiste em inmeros pontos do globo isso se deve em grande medida ao status socialligado a alta cultura. Bourdieu, emLa distinction, analisou o uso da cultura como sinal de classe. Citado por E. Hobsbawm, ibid.,

    p.495. Sobre a ausncia de bom gosto no mercado de massa, bem como a ausncia da noo de qualidade nos julgamentos ps-modernos, Hobsbawm tem este exemplo pitoresco: Um joalheiro britnico que produzia para o mercado de massa criou umescndalo ao dizer numa conferncia de homens de negcios que seus lucros vinham da venda de merda a pessoas que no tinhamgosto melhor para nada.Ibid., p.502.

    39 Citado por Jess Contreras, op. cit., 1992, p.104.40Op. cit. 1992, p.104.41 F. M. Lapp,Dieta para um pequeno planeta. So Paulo, Global, 1985, p.139.42 Alain Touraine, Crtica da modernidade. Petrpolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1995, p.392.43 F. M. Lapp & J. Collins,Food First. Citado por F. M. Lapp, op. cit., p.109.

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    japoneses quase no comiam carne nos anos 50, s pescado [peixe]) a 29 quilos. Oconsumo aumentou 24 quilos por habitante/ano.44

    A carne tem um peso to forte na cultura alimentar dos Estados Unidos que criou-se a expressoReligio do Grande Bife Americano.45A carne, principalmente o bife, carrega um enormestatus: smbolode poder econmico. Para Frances M. Lapp a carne, ao lado da Coca-Cola e do jeans, constitui smbolo do

    estilo de vida americano, imitado em todos os cantos do planeta.

    46

    No imaginrio coletivo das classes mdiasurbanas, a carne as aproxima do mundo moderno. Em contrapartida, o consumo de cereais diminuiuinternacionalmente, vistos como remanescentes de um mundo que muitos querem esquecer, o mundo dasvilas e aldeias.

    Claude Fischler afirma que os produtos crescem ou declinam com as classes que os consomem: odeclnio dos camponeses e depois dos trabalhadores explica em parte o declnio de certos alimentos maiscaractersticos do gosto de necessidade popular.47

    Por outro lado, observa-se no primeiro mundo, desde os anos 80, uma tendncia em reduzir oconsumo de carne vermelha, principalmente nas populaes com maior poder aquisitivo. Na Frana, porexemplo, uma pesquisa demonstrou que este alimento perdeu grande parte de seu poder simblico. Em 1985,23% dos entrevistados concordava que a carne indispensvel ao equilbrio alimentar. Em 1987, somente19,6% tinha esta mesma opinio e 67% achava que seu consumo de carne de boi era demasiado, necessitandode uma reduo.48

    2.4. A mudana de valores: o importante ser prtico

    O tempo um dos grandes inimigos do prazer. Hoje somos levados como rebanhos para tudo quepossa facilitar o trabalho na cozinha. Os alimentos so comprados quase prontos para o consumo e da oboom dos congelados, do pr-cozido (arroz, principalmente) e do que j vem pr-temperado (a carne defrango).

    Estes produtos, inventados pela indstria, so novos ao paladar e aos hbitos. Assim, para facilitarsua aquisio, normalmente a indstria vai se valer de alguns estratagemas. De um lado a embalagem vai serextremamente colorida para chamar a ateno do consumidor. De outro lado os produtos passam a serfabricados incorporando enormes quantidades de acar, sal e gordura.49 Alm disso os aditivos qumicostornaram-se cada vez mais comuns.

    H cinqenta anos atrs seria difcil imaginar que teramos a variedade de produtos industrializadosde que dispomos hoje: comida desidratada congelada, hortigrangeiros industrializados, carne recheada deenzimas e vrios produtos qumicos para modificar o seu gosto.50

    Na busca pela reduo do tempo e do trabalho humano at os restaurantes de pases com uma largatradio culinria, como a Frana, apresentam modificaes em seus produtos. Nestes, no so mais servidos

    44 Jacques Chonchol, O modelo de alimentao dos pases industrializados, in: M. C. de S. Minayo, (org.),Razes da fome. Rio deJaneiro/ Fase, Petrpolis/ Vozes, 1985, p.99.

    45 Segundo Lapp, a maioria dos americanos na dcada de 80 j comia duas vezes a quantitade de protena que seus organismospoderiam utilizar. Frances Moore Lapp, op. cit., p.30, 32, 41 e 114.

    46 Lapp cita o exemplo de uma propaganda utilizada por uma empresa nos Estados Unidos: Compre nossa carne, quando quiser

    impressionar o seu cunhado.Ibid., p.110.47Op. cit., p.205.48Ibid., p.206.49 Nos Estados Unidos, por exemplo, o total de calorias oriundas das gorduras cresceu 31% entre os anos 1910 e 1976. Neste ano

    observou-se que 42% das calorias vinham das gorduras. Ora isso fez com que os hidratos de carbonos complexos (cereais, principalmente) tivessem uma queda assustadora neste mesmo perodo. Em 1976 somente 21% do total das calorias eramprovenientes deste grupo alimentar. Isso representou uma queda de 43% em apenas seis dcadas. Mas o produto que mais aumentouneste perodo foi, sem dvida, o acar. Seu aumento foi de 50% neste perodo, ou seja em 1976 ele entrava com 18% do total dascalorias absorvidas. Jane Fonda, Ma mthode. Paris, ditions du Seuil, 1982, p.35.

    50 Eric Hobsbawm, op. cit., p.260.

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    os hors-doeuvre.51 A diminuio do consumo de legumes e de sopas outro fenmeno observado na Franamoderna.

    Nesta poca agitada de delirium dieteticum, dominada pelo medo do colesterol e peloculto das vitaminas, atrada por uma cozinha que alie sabor e magreza, bizarro que setenha visto, numa gerao, desaparecer de quase todas as nossas mesas os pratos de

    legumes.

    52

    Revel est se referindo aqui aos pratos nos quais os legumes aparecem como estrela principal, pois

    os legumes enquanto acompanhamento ainda persistem nas refeies, porm em quantidades bem menores. Oautor lembra que a humanidade consumiu durante milnios legumes em inmeras preparaes, no sendo umhbito restrito aos vegetarianos. Pe por terra a falsa crena que as razes 53eram consumidas s pelos pobres.Ao contrrio, a aristocracia francesa, e mesmo o Rei, tinham tal apreo por estes alimentos que o seu cultivoera uma atividade de destaque na corte.

    Foi Lus XIV que encarregou um genial horticultor, Jean de La Quintinie, de ampliar apaleta das hortas francesas. ... A revoluo gastronmica da segunda metade do sculoXVII deve muito s variedades de legumes pesquisadas por La Quintinie, queenriqueceram o repertrio dos novos cozinheiros de ento.54

    Uma outra razo apontada para a diminuio no consumo de legumes se refere qualidade que osmesmos apresentam hoje, na qual o gosto difere em muito dos de antigamente.

    No ser porque se tornaram inspidos que nos afastamos deles? Ser que a quantidadeno matou a qualidade? A superproduo no visa antes conseguir a subveno do quesatisfazer o consumidor? ... A dessazonalizao, com efeito, outro flagelo que priva dealma os neolegumes inspidos, criados debaixo de toldos ou em tneis de plstico. Aspobres plantas jamais conheceram nem a terra plena nem o sol, e s deixaram sua prisopara serem jogadas num caminho refrigerado.55

    2.5. O comedor solitrio

    Outra questo pouco discutida a dissoluo crescente dos rituais que acompanham o ato alimentar.A vida nas cidades grandes minimizou a importncia do ato alimentar. Parece no importar muito o que secome, com que se come e como se come. O tpico habitante da cidade grande come no intervalo de almooum sanduche, ou um pedao de pizza, e bebe um refrigerante, sozinho e de p, no balco de algumalanchonete.

    Talvez esta seja uma das razes pelas quais procuramos uma satisfao onde no a poderemosencontrar, ou seja, na quantidade de comida ingerida.56A relao de afeto que antes permeava a refeio nastrocas familiares e entre amigos, hoje cede lugar a uma alimentao onde o seu parceiro o aparelho deteleviso e, nos pases de primeiro mundo, os livros so convidados para o almoo num restaurante. Uma dascaractersticas deste modelo o apelo a comer demais.

    51 Com este nome esto inmeras iguarias caracterizadas pela sofisticao e detalhe, feitas a partir das cebolas, dos aipos, dos

    cogumelos, das beringelas, dos ovos de tainha, das sardinhas, etc., utilizando o processo de conserva em vinagre ou de defumao.Os pes de queijo ou as frituras de camaro muito utilizados atualmente como tira-gostos, no lembram o esprito de leveza queacompanhava aqueles. Jean-Franois Revel, op. cit., p.314-318.

    52Ibid., p.319.53Era assim designado tudo o que brota debaixo da terra, como a canoura, o nabo, o aipo, a cebola, o alho-por e o rabanete entre

    outros.Ibid., p.320.54Ibid., p.321.55Ibid., p.322-323.56 R. W. D. Garcia, op. cit., p.129-157.

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    2.6. O supermercado e a padronizao das compras

    As compras, nas ltimas dcadas, passaram a ser feitas em grandes supermercados, que conheceramum crescimento vertiginoso neste mesmo perodo. Estimava-se que na dcada de 1980 os supermercados, nosEstados Unidos, j representavam um monoplio considervel. Em mais de um quarto de todas as cidadesnorte-americanas, quatro redes (de supermercados) controlavam pelo menos 60% das vendas.57

    Esta nova forma de comercializar os alimentos, em grandes reas, normalmente nos arredores dosgrandes centros urbanos, foi utilizada pelas firmas multinacionais e pela agroindstria como a via principal deinduo a novos hbitos alimentares, acionando para isso, grande arsenal publicitrio.58

    2.7. A publicidade e a ideologia do consumo

    As preferncias alimentares na sociedade moderna esto cada vez mais influenciadas pelapublicidade.59 interessante assinalar que o significado dos alimentos vai ser elaborado principalmente noato da sua transformao e do seu consumo. No que concerne sua produo poucos significados seroincorporados.60

    A indstria tem sido eficaz nesta funo, qual seja, a de outorgar smbolos a tudo que produz. Muitasvezes o que tem valor simblico pode trazer prejuzos: gostoso mas no tem valor nutricional.61

    As preferncias pelos alimentos com prestgio no dependem do valor nutritivo que ele possa ter.

    Somente os seres humanos evitam o uso de alimentos nutritivamente valiosos por que so de baixostatuse... pelo contrrio, consomem produtos cujas qualidades organolpticas so medocres e nutritivamente pobres,com a finalidade de aparentar prosperidade econmica. De Garine, a partir destas constataes, afirma quea maioria das sociedades esto capacitadas para resolver sua subsistncia e que dispem dos excedentessuficientes, mas que a maior parte da alimentao se desenvolve por razes de prestgio.62

    A comida percebida como uma forma de obterstatus social.63O alimento em nossa sociedade uma mercadoria, e como tal, explorada pela mdia.

    Percebe-se que os jovens apresentam uma tendncia maior a incorporar novos hbitos alimentares.Em populaes migrantes, os estudos so unnimes em afirmar que a socializao dos jovens, principalmentenas escolas e nas reunies sociais, permite que eles, antes do restante da famlia, alterem seus hbitos emfavor do novo meio social.64Mesmo em sociedades mais homogneas, o poder de influncia dos adolescentes muito grande. Pode-se dizer que, a partir dos anos 70, essa influncia ficou ainda maior. Isso veio a

    contribuir para a proliferao dos restaurantes com aspecto mais juvenil, osfast-food.65

    Sobretudo as adolescentes parecem estar mais sensveis e permeveis s mudanas e, portanto, maisvulnerveis propaganda. D. Hamblin, em estudo sobre a relao dos adolescentes com a sua alimentao,comprovou que a batata frita o alimento mais consumido na Inglaterra.66Na Amrica do Norte isso pareceser diferente. Segundo inmeras pesquisas, a pizza tornou-se o alimento preferido pelo jovem norte-americano.67 De qualquer forma, o aspecto emocional que envolve toda fase da adolescncia, permitealgumas generalizaes.

    57 F. M. Lapp, op. cit., p.69.58 Jacques Chonchol, op. cit., p.96.59 Dorothy N. Shack, op. cit., p.117.60 Jess Contreras, op. cit., p.12.61Ibid., p.13162 Citado por Jsus Contreras, op. cit., p.17 e 18.63 Nicola Charles y Marion Kerr, Es as porque es as: diferencias de gnero y de edad en el consumo familiar de alimentos, in:

    Jess Contreras, op. cit., p.200.64 Claude Fischler, op. cit., p.172.65Ibid., p.173.66 Actitudes de los adolescentes hacia la comida, in: Jess Contreras, op. cit., p.219- 237.67 Claude Fischler, op. cit., p.224.

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    Apesar deste grupo apresentar insatisfao em relao ao seu peso, revelando um sonho de ser maismagro, seus hbitos no lhes permitem alcanar esta imagem. Os adolescentes no so os nicos a sofrer comesse conflito. Na realidade este o sonho de grande parte da humanidade no Ocidente: comer tudo que anunciado e permanecer igual modelo que faz o anncio. Todos fingem acreditar, por exemplo, quetomando Coca-Colatudo vai melhorar, ou que Coca-Cola d mais vida.68

    Pode-se utilizar a Coca-Cola como um exemplo de como a mdia tem condicionado as preferncias

    do consumidor. Pode parecer estranho mas os primeiros comerciais deste refrigerante, no final do sculopassado, vendiam um produto indicado para casos de dor de cabea e esgotamento fsico.69 Nos primeiroscinqenta anos, seu desempenho comercial foi discreto. Entretanto, durante a Segunda Guerra, a Coca-Colaalcanou popularidade mundial. Sob o lema onde estiver um soldado americano ter uma Coca-Cola porcinco centavos de dlar, a empresa conseguiu instalar (com a ajuda do governo norte-americano)engarrafadores em todos os cantos do mundo.

    Na dcada de 80, a Coca-Cola constatou, para sua surpresa, que alguns consumidores americanospreferiam o sabor daPepsi, em testes de olhos vendados. Ora, o fracasso de vendas da New Coke, quando deseu lanamento em 1986, demostra que a Coca-Cola vende antes imagem do que sabor. Na verdade osamericanos no aceitaram substituir um dos smbolos da tradio e dos valores americanos.

    Essa imagem foi construda ao longo dos anos, atravs de tcnicas e pesquisas de marketing, nasquais os gastos so fabulosos. No incio da dcada de 90 a empresa j gastava US$ 1 bilho anual em

    publicidade direta, em todo mundo, chegando este valor a US$ 4 bilhes se contados os gastos compromoes e marketingindireto.70

    2.8. O fast-foodcomo cone da modernidade

    Segundo Barthes, dentro da polissemia que acompanha a alimentao, temos hoje uma certamodernidade alimentar.71 A alimentao antes tinha nas festas a ocasio para se realizar de formaorganizada. Hoje, as mais variadas situaes pedem uma comida condizente. O trabalho orienta e d ossignificados das formas de se alimentar da vida moderna. Para Jess Contreras, o snack no somenteresponde a uma necessidade nova, mas d a essa necessidade uma certa expresso teatral, converte aos que osfreqentam em homens modernos, em executivos com poder e controle sobre a extrema rapidez da vidamoderna.72 O que se objetiva no mais a confraternizao, mas a economia de tempo. No momento em queas refeies so destitudas desta funo de reunir e solidificar laos afetivos alguns autores se perguntamsobre conseqncias dessa nova evoluo.73

    A utilizao de espaos pblicos, na forma de lanches rpidos, teve incio nos Estados Unidos, no psguerra.74 O modelo de produo em massa, ou o princpio fordista, ampliou-se para diferentes tipos deproduo. Ajunk food75 foi apenas uma das vrias atividades industriais a prosperar neste perodo.

    68 O primeiro slogan fez parte da campanha de 1966 a 1971; o segundo corresponde de 1977 a 1982. (Coca-cola tem novacampanha, Jornal do Brasil, 03/05/97, p.19).

    69 T. Oliver, The real Coke.: the real story. Citado por Claude Fischler, op. cit., p.170.70 Mark Pendergrast,Por deus, pela ptria e pela Coca-Cola. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993, p.375.71

    Op. cit., citado por Jess Conteras, p.20.72Op. cit., p.20.73 Igor de Garine, op. cit., p.152.74 Marlia F. Tavares, Modelagem de um sistema de informaes gerenciais para estabelecimentos comerciais do tipo Fast-food:

    previso e controle de custos. Niteri, UFF/CPA, 1995, Dissertao de Mestrado, p.17-31. Segundo E. Hobsbawn, (...) o McDonalds foi uma histria de sucesso do ps guerra, op. cit., p.259.

    75 Ajunk-food um tipo de comida caracterstica dos adolescentes norte americanos. ... Deve ser considerada dentro do contexto deuma experincia social que inclui msica, rudo e companhia. Na medida em que, nas comidas estruturadas ou regulares, esteselementos esto ausentes, os teenagers entendem que a experincia social est negada. O hbito alimentar tpico dos adolescentesnorte-americanos baseado em hambrguer, pizza, batata-frita e refrigerante. Jess Contreras, op. cit., p.11.

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    Otermofast-foodfoicriao dos irmos Richard e Maurice Mc Donald, no final da dcada de 40.76O drive-in que possuam desde 1937 passou por uma reformulao que buscava maior racionalidade noservio, tornando-se um lugar amistoso para as famlias. Decidiram fazer da velocidade a essncia do seunegcio e, para isso, acabaram com o atendimento personalizado, em que cada cliente poderia sugeriralterao no produto, segundo a sua escolha. O novo conceito de lanchonete foi logo imitado por outrosempresrios. Este sistema buscou solucionar o problema das grandes cidades no que se refere alimentao

    no perodo de trabalho.Nos Estados Unidos esto grande parte das empresas multinacionais do ramo alimentar.77 Por essa

    razo as comidas industrializadas e ofast-foodso confundidos com a cultura norte-americana.

    A McDonalds Corporate foi a empresa que impulsionou o sistema de franquias defast-food, e atualmente conta com mais de 13 mil estabelecimentos em todo o mundo,sendo a marca que mais franquias detm no mercado mundial. Sua entrada em todos os pases do mundo, inclusive nos de regime socialista, fez com que essa marca, quecomercializa hambrgueres, seja considerada a face exportvel do sonho americano.78

    Os produtos so fabricados segundo critrios de facilidade e rapidez na utilizao, exportando para omundo todo este know-how. Hoje o hambrguer ou a marca Mc Donalds e a Coca-Cola so smbolos doTio Sam. Se a Mc Donalds uma das maiores cadeias de fast-foodda atualidade isso se deve, em grande

    medida, a frmula por ela adotada que conjugou rapidez e custo, mas tambm imagem vendida que satisfazinteiramente a sociedade moderna, pautada no consumo desenfreado.

    Resta saber at onde a indstria do fast-foodpode prosseguir substituindo o gosto pela rapidez. Nansia crescente pela economia de tempo e dinheiro, recentemente realizou-se uma experincia em cemlanchonetes da rede Mc Donalds na qual robs preparam os sanduches, fritam as batatas e enchem os coposde refrigerantes. Percebeu-se que os clientes no notaram a diferena. At porque no exatamente uma arte preparar alimentos sem gosto e muita gordura, ingerido s pressas, deglutidos com refrigerantes earrematados com sorvete.79

    2.9. A globalizao alimentar

    Num mundo cada vez mais integrado pela informao e pela economia, quase impossvel que acultura tambm no sofra os efeitos desta situao.80 A economia mundial est progressivamente ligada aosistema global. Percebe-se uma diviso mundial cada vez mais elaborada e complexa do trabalho e uma redecada vez maior de fluxos e intercmbios que ligam todas as partes da economia mundial ....81

    So inmeras as definies de globalizao, tendo como base as vrias vises que norteiam esteprocesso. Para os mais entusiastas, o processo estaria sendo comandado pelo capitalismo e pela tecnologia e ofuturo teria como cenrio uma civilizao global na qual as perspectivas de solidariedade seriam maiores. Neste sentido haveria uma reorganizao da diviso do trabalho e o fim do Estado-Nao. Para ostransformistas, a modernidade seria o motor deste processo global, que levaria a um futuro marcado pelafragmentao e pela integrao mundial. Quanto s perspectivas sobre a solidariedade global os tericos desta

    76 J. F. Love, Mc Donald: a verdadeira histria do sucesso, citado por Marlia F. Tavares, op. cit., p.27.77 Em quase toda categoria alimentar, apenas quatro corporaes controlam pelo menos dois teros das vendas. Para alguns

    alimentos, o poder de monoplio muito maior: trs corporaes (Kelloggs, General Mills e General Foods) apreendem mais de90% das vendas de cereais para o desjejum americano.Impac of market on rising food prices, citado por F. M. Lape, op. cit. p.62.

    78 Mario Gonzles, Mc Donalds ganha batalha no Equador, Correio Braziliense, 14/09/97, p.28.79 Gilberto Dimenstein, Adivinhe quem no veio para o jantar,Folha de So Paulo, 16/11/97, p.22.80 Para Burkhard, parece certo que o Brasil est sofrendo a influncia da conservao dos alimentos, das latarias, e da industrializao,

    nivelando-o situao mundial, na qual o nvel de uniformidade e perda de qualidade crescente. G. K. Burkhard,Novos caminhosde alimentao. v. 3, So Paulo, C.L.R. Balieiro, 1984, p.72.

    81 Eric Hobsbawm, op. cit., p.192.

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    corrente parecem no arriscar, ainda, nenhum prognstico. A globalizao, segundo esta viso seria areordenao das relaes inter-regionais e a ao distncia. Em relao ao Estado, visualizam umatransformao na poltica mundial.82

    Parece no haver dvida que o mundo est mais interconectado e que as fronteiras nacionais estosendo atravessadas por um movimento global que faz interagir comunidades e organizaes em uma nova perspectiva de espao e de tempo.83 Os movimentos que mobilizam as populaes transcendem reas

    geogrficas e transformam-se em lutas planetrias. O movimento feminista e o movimento ecolgico soalguns exemplos.

    Para o jornal francs Le Monde a globalizao s recentemente assumiu o que se poderia chamar detotal integrao planetria. Afirma este dirio que o comrcio entre naes velho como o mundo, ostransportes intercontinentais rpidos existem h vrios decnios, as empresas multinacionais prosperam j fazmeio sculo, os movimentos de capitais no so uma inveno dos anos 90, assim como a televiso, ossatlites, a informtica. Para o Le Monde, a novidade a desapario do nico grande sistema queconcorria com o capitalismo liberal em escala planetria, ou seja, o comunismo sovitico. 84 Este fato abriuas portas para o capitalismo se disseminar por todo o planeta.

    Parece, entretanto, que a partir dos anos 80 as conquistas tecnolgicas no campo da informtica emassociao com s de telecomunicaes, tornaram o mundo realmente menor.

    A ideologia que comanda a globalizao a do neo-liberalismo. Isto implica numa lgica

    globalizante que torna o mundo ainda mais desigual. Desde 1960, quando os ricos ganhavam 30 vezes maisdo que os pobres, a concentrao da renda mundial mais do que dobrou. Em 1994, os 20% mais ricosabocanharam 86% de tudo o que foi produzido no mundo. Sua renda era 78 vezes superior dos 20% maispobres.85

    Interessa focalizar como a globalizao est afetando as culturas tradicionais e se a sua trajetria vairesultar no que se pode chamar de uma cultura global. Esta uma questo bastante complexa e talvez omximo que se possa fazer apontar algumas proposies para debate.

    Pode-se visualizar trs tendncias de julgamento quanto aos efeitos da globalizao na cultura. Numextremo, temos uma viso que parece acreditar que, pela tcnica, o mundo vai ficar cada vez maisinformatizado e este benefcio estar disponvel para todos os indivduos do planeta. O mundo-redeinformatizado teria na Internet seu principal libi.

    Em outro extremo, uma viso mais politizada e mais pessimista definiria a cultura global pela

    inexorvel difuso, por todo o planeta, de um padro cultural nico. Os sistemas de crenas, oscomportamentos e as representaes presentes na nao mais industrializada, os Estados Unidos, estariamsubjugando as heterogeneidades culturais e impondo-se como uma totalidade uniformizada.86

    82 Para os primeiros, os hiperglobalizantes, Kenichi Omae tem sido apontado como o terico smbolo. Os segundos, os transformistas,parecem encontrar em Anthony Giddens o seu representante terico. Globalizao diminui as distncias e lana o mundo na era daincerteza, Folha de So Paulo, Globalizao, Caderno Especial , 02/11/97, p. 2. Anthony Giddens, sobre a extenso deste

    processo no tempo j dizia: A modernidade inerentemente globalizante. The consequences of modernity. Citado por Stuart Hall,op. cit., p.72.

    83 Anthony Mc Grew, A global society?, in: Stuart Hall; David Held e Tony Mc Grew (orgs.) Modernity and futures. Citado porStuart Hall,Identidades culturais na ps-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A Editora, p.71.

    84 Citado pelaFolha de So Paulo, op. cit., p.2.

    85Folha de So Paulo, op cit., p.12. Sobre as desigualdades oriundas da globalizao vale a pena observar o julgamento feito peloprofessor Nicos Mouzelis daLondon School of Economics, no dia 27 de setembro de 1997, no encerramento do Symposium II TheBlack Sea in Crisis, na cidade de Tessalonica, na Grcia: apreciando o desempenho da ordem global neo-liberal, deve-se admitirque nenhuma outra alternativa econmica consegue produzir mais riqueza do que o mercado por ela dominado. Mas tambm temosde admitir que essa riqueza perversamente produzida e perversamente distribuda. Pois destroi o meio ambiente e, ao mesmotempo, exclui a maioria da populao dos efeitos benficos do desenvolvimento. Deste ponto de vista, a ordem neo-liberal constituium sistema de irresponsabilidade organizada ou um sistema coletivo de cobia. Um sistema que no s imoral, mas mope eestpido. Citado por Dom Mauro Morelli em sua exposio Investir em segurana alimentar, proferida por ocasio do DiaMundial da Alimentao, 16 de outubro passado, no Seminrio Alimentao e Direito Humanos, realizado na Cmara dosDeputados, em Braslia.

    86 Intercmbio aproxima pases e anuncia cultura global ,Folha de So Paulo, op. cit., p.10.

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    Estas duas vises contemplam processos reais, porm deve-se ter o cuidado de no consider-las,numa anlise um pouco simplista, como verdades absolutas. Dito de outra forma: o mundo-rede fabulosomas da a considerar que revolucionar a vida social na terra existe enorme distncia. Da mesma forma no se pode afirmar que o poder dos Estados Unidos, to visvel no campo da alimentao, ir destruircompletamente as culturas heterogneas.

    preciso ter em conta que, ao mesmo tempo em que a invaso da cultura americana preocupa os

    defensores das culturas tradicionais, as migraes de minorias tnicas tambm atemoriza os pases centrais.Tentando exemplificar melhor este processo, talvez fosse mais fcil pensar que haveria uma terceira via, ouseja, nem culturas seriam completamente transformadas, nem tampouco haveria possibilidade de existnciade culturas puras. Tudo indica que est havendo uma maior sobreposio das culturas, ou, como se define noatual estgio da globalizao cultural, um processo em curso, sugerido, mas no concludo, no qual formasculturais nacionais ou locais entram crescentemente em contato, desterritorializam-se, geram mediaes ecriam terceiras culturas.87Esta terceira hiptese seria desvinculada da idia do Estado-nao como difusorde sua prpria cultura. Na realidade os consumidores de fast-food, por exemplo, estariam mais ligados comodidade desta forma de comer do que ao estilo americano de viver.

    Claude Fischler lembra que da mesma forma que o hambrguer invade os mercados mundiais, aslojas de croissanttambm progrediram nos Estados Unidos, pas em que a pizza tem a preferncia da maioriados jovens.88 O crescimento das cadeias defast-foodnos Estados Unidos, nos anos 70, encontrou mesmo um

    sincretismo cultural apoiado na proliferao de diferentes culturas alimentares: vendiam pizza, croissant,tacos mexicanos e, claro, o hambrguer.89

    Para Fischler as transformaes alimentares no mundo no refletem simplesmente um processo deamericanizao dos costumes. Em verdade, por estas transformaes terem iniciado neste pas mais cedo doque no restante do mundo, isso pode confundir o observador, parecendo ser essa difuso do fast-foodumatpica ao imperialista. Porm este processo pode ser melhor compreendido se for relacionado modernidade. Mesmo que a Amrica apresente certas particularidades culturais e culinrias altamenteespecficas e as propague atravs de seu comrcio e de sua indstria, o mundo desenvolvido se americanizamenos do que se moderniza e se transforma mais do que se acultura.90

    Entretanto, na Frana, alguns chefs tm denunciado os riscos que a culinria de seu pas corre com aglobalizao de pratos e sabores. Como alternativa a essa tendncia em direo a uma cozinha mundial elespropem a busca da regionalizao.91

    Para Lauret Suadeau, presidente da Associao Brasileira da Alta Gastronomia (ABAG), com sedeem So Paulo, a alta cozinha no est ameaada com o crescimento das redes de lanches rpidos. Ofast-foodj cresceu muito mas ainda pode mudar a concepo que se tem de um bom restaurante.92No futuro, diz ele,os restaurantes tendem a ser mais baratos e com menor sofisticao. O que vai contar talvez seja o talento dochef.

    2.10. A insegurana presente nas escolhas dirias

    A desconfiana em relao aos alimentos tem razes diversas. Por um lado as autoridades sanitrias,preocupadas com os custos aumentados dos gastos com sade, tem alertado o consumidor para os perigos damesa.

    Apesar dos extraordinrios avanos cientficos experimentados, e apesar da

    preocupao com o estado de sade da populao, acompanhada de inverso econmica,

    87Ibid., p.10.88Op. cit., p.224.89 W. J. Belasco, Ethnic Fast-food: the corporate melthingpot, Food & Foodways. Citado por Claude Fischler, op. cit., p.224.90Op. cit., p.226.91 Liana Sabo, Culinria, mais difcil que pintar, Correio Braziliense, 04/10/96, p.5.92Ibid., p.5.

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    que orienta as autoridades polticas e cientficas, os alarmes sobre o estado nutricional socada vez mais freqentes. ... no parece que comamos bem de acordo com os cnonesnutricionais existentes.93

    A utilizao de venenos na agricultura tem sido uma prtica bastante difundida nas ltimas dcadas.Sabe-se que os pesticidas esto presentes em grande parte dos cultivos. No Terceiro Mundo, no qual o poder

    de presso dos consumidores menor, percebe-se um uso muitas vezes irresponsvel. Pode-se dizer que noBrasil a utilizao dos agrotxicos teve um aumento significativo nas dcadas de 60 a 70. De 1964 a 1975 oincremento do uso de fertilizantes inorgnicos foi de 1.234,2%, o de inseticidas de 233,6%, o de fungicidasde 548,5%, o de herbicidas de 5.414,2% e o de tratores de 398,1%, entretanto o aumento de produtividade dasprincipais culturas foi da ordem de 4,5% ao ano.94

    Alm de ser o quinto consumidor mundial de agrotxicos, o Brasil responsvel por absorver ametade do montante comercializado na Amrica Latina. isso que o torna, em grande medida, lder nasestatsticas mundiais sobre acidentes de trabalho na zona rural.95

    2.11. O sedentarismo e o hbito de se comer demais

    A tendncia a comer demais tpica das sociedades industriais. No passado o indivduo comia paraviver. Hoje, o consumismo induz as sociedades a viver para comer.

    Mas no apenas o consumo se modificou com a industrializao crescente. Nas sociedades urbanas asfacilidades de transporte, o trabalho mecanizado e tambm sedentrio fez com que os organismos gastassemcada vez menos energia, tornando as necessidades calricas menores.96

    Ora, a obesidade97 um reflexo desta tendncia. Diferentemente da Europa, as autoridades dosEstados Unidos apresentam o excesso de peso como um grave problema de sade pblica. L, 30% dapopulao obesa e estima-se que at o final do sculo este nmero poder aumentar para 50%. O maisinteressante que o fato de ser gordo parece no preocupar aquela populao: A obesidade to freqente eos EUA so to insulares que as pessoas pararam de reparar nela. ... A obesidade nos EUA no obesidade. normal.98

    2.12. A preocupao com a sade

    Alguns estudos referem os anos 30 como o incio de um movimento por uma alimentao saudvel.Mais tarde isso se intensificaria com o movimento hippie,que deflagrou uma preocupao com a comida efez com que o natural interferisse na escolha de um nmero crescente de consumidores. Segundo Caldas,hoje o gosto pelo natural apresenta resqucios deste movimento, persistindo principalmente na faixa etriados 30 e 40 anos.99

    93 Jess Contreras, op. cit., p.10.94 Adilson Paschoal, O nus do modelo da agricultura industrial , citado por Eduardo Mazzaferro Ehlers, O que se entende por

    agricultura sustentvel, So Paulo, PROCAM/ USP, 1994, p.34.95 Morte silenciosa no campo, Correio Braziliense, 15/11/97, p.6.96 De acordo com alguns tcnicos da rea, nos pases desenvolvidos estes fatores, associados ainda calefao das casas, teriam

    reduzido as necessidades calricas que so em mdia de 3.000 calorias, para somente 2.200 no caso dos homens e 1.800 para as

    mulheres. Observa-se, no entanto, que nestes pases onde se reduziu mais o dispndio energtico que se consome mais calorias,chegando a 4.000 ou 5.000 por habitante ao dia. Jacques Chonchol, op. cit., p.95.97 Caracteriza-se como obeso o indivduo cujo peso excede em 20% o recomendado para a sua altura.98 Segundo Fumento, a obesidade e as doenas a ela relacionadas (doenas do corao, diabetes, certos tipos de cncer) esto

    ultrapassando o fumo em nmero de mortes. Para o autor, a indstria e tambm o governo tm grande parcela de responsabilidadeneste problema. Os americanos so levados a acreditar que ficaro magros comendo produtos com baixa gordura. Na verdade, no explicitado que podem engordar somente comendo qualquer coisa em excesso. Graas a refrigerantes, biscoitos, balas esalgadinhos (com o rtulo low fat ou pouca gordura), os americanos agora consomem, em mdia, 250 gramas de acar por dia.Michael Fumento, citado por Mary Dejevsky, Obesidade ameaa a sade pblica,Folha de SoPaulo, 16/11/97, p.22.

    99 W. Caldas, Uma utopia do gosto. Citado por R. W. D. Garcia, op. cit., p.158. Como j foi dito anteriormente a palavra natural,assim como natureza, so objetos de mltiplas definies. Para Garcia o gosto pelo natural envolve a apreciao pela comida no

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    Verifica-se tambm, uma preocupao, em alguns setores da sociedade, com a alimentao enquantoum veculo de garantia de boa sade. Para alguns isso pode parecer contraditrio. 100 Para outros isso umaresposta que reflete a insatisfao que antes era apenas de uma minoria, e que passou a ser de um nmerocrescente de pessoas que se opem ao atual padro de desenvolvimento, voltado para o lucro em detrimentoda vida. O medo do colesterol uma mania at no Brasil.101

    3. Reflexes sobre o caso do Brasil

    3.1. A urbanizao acelerada

    A urbanizao e a crescente metropolizao de algumas cidades brasileiras so caractersticas que permitem estabelecer algum grau de comparao com os pases desenvolvidos. A tendncia, observadanaqueles pases, de consumir produtos com um grau de industrializao cada vez maior, apresenta inmerosreflexos no Brasil.

    Os aspectos ligados urbanizao no Brasil, quais sejam, a grande velocidade deste processo, bemcomo a procura pelas grandes cidades, propiciaram mudanas profundas na alimentao de grande parte dapopulao brasileira.

    Desde 1940 tem crescido o nmero de famlias que, dadas as condies de vida do meio rural, tem procurado as cidades para se estabelecer.102 Porm entre os anos de 1960 e 1990, este processo foi mais

    rpido. A proporo de pessoas residindo em rea urbana aumentou de 45% para 75%.103 importante lembrar que neste perodo a indstria brasileira conheceu o seu maior florescimento. A

    dcada de 60 apontada como sendo o perodo em que o pas passa a contar com importante estruturaindustrial, no bojo de uma poltica desenvolvimentista que objetivava implantar indstrias pesadas e deconsumo durvel.104

    Na transio para a economia industrial moderna o Brasil, assim como o Mxico, produziuburocracia, corrupo e desperdcio, porm a taxa de crescimento anual nestes dois pases foi de 7% durantedcadas. O Brasil foi durante muito tempo lembrado por seus governantes como a oitava potncia mundial eno pela sua vergonhosa distribuio de renda, uma das piores do planeta.105 Apesar da renda nacional maisque triplicar de 1960 a 1990, os contrastes sociais aumentaram. A sociedade brasileira carrega hoje um tristerecorde: considerada a mais desigual do mundo.106

    industrializada, por tudo o que rotulado como artesanal e no processado em grande escala, a valorizao da produo domstica eo vegetarianismo. R. W. D. Garcia, op.cit.,p.158.

    100Ibid., p.194.101 Nas representaes sociais as gorduras, indistintamente saturada e insaturada, e o colesterol so alvo na busca de uma

    alimentao saudvel.Ibid., p.193102 Em 1940, 12,8 milhes de pessoas residiam em cidades, em 1980 essa populao j ultrapassava os 70 milhes Neide L. Patarra,

    Mudanas na dinmica demogrfica, in: Carlos A. Monteiro (org.), Velhos e novos males de sade no Brasil. So Paulo, Hucitec/NUPENS/ USP, 1995, p.67.

    103 C. A Monteiro et alii, Da desnutrio para a obesidade: a transio nutricional no Brasil.In: C.A Monteiro, op. cit., p.248.104

    Ibid., p.67-68. A economia brasileira sofreu, neste perodo, mudanas profundas na sua estrutura. A participao do setor rural(primrio) no Produto Interno Bruto (PIB) declina de 17,8% em 1960 para aproximadamente 7% em 1989. Em contrapartida, ossetores secundrio e tercirio contriburam com uma participao crescente no PIB. Percebe-se, particularmente, um aumentoexpressivo do setor tercirio (servios) que cresceu em quase 23% entre 1986 e 1989. MPAS/ CEPAL, A poltica social em tempode crise: articulao institucional e descentralizao. IBGE, Sistema de contas nacionais consolidadas. IBGE, Contas nacionais.Citado por Roberto Fontes Iunes, Mudanas no cenrio econmico, in: C. A. Monteiro (org.), op. cit., p.36.

    105 O Brasil se tornou neste perodo o oitavo maior pas industrial do mundo no comunista. Por outro lado percebe-se que estedesenvolvimento foi injusto pois somente uma elite pode usufruir dele. Em meados da dcada de 1980, os 20% do topo da

    populao ficavam com mais de 60% da renda do pas, enquanto os 40% de baixo recebiam 10% ou at menos. World SocialSituation. Citado por E. Hobsbawm, op. cit., p.334.

    106 World Bank, World Development Report1993. Citado por C. A. Monteiro et alii, op. cit., p.248.

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    A partir deste perodo e principalmente durante as dcadas de 70 e 80 a urbanizao se intensificou.Isso resultou em transformaes da estrutura social, na formao de metrpoles nacionais e na conformaode uma base de trabalhadores urbanos.107

    O processo de urbanizao um fenmeno que vem ocorrendo no mundo todo. Na segunda metadedo sculo XX as cidades tornaram-se o local de moradia para 42% da populao mundial.108 Para EricHobsbawm, a morte do campesinato a mudana social mais impressionante e de mais longo alcance da

    segunda metade deste sculo, e que nos isola para sempre do mundo do passado. Pois desde a era neoltica amaioria dos seres humanos vivia da terra e seu gado ou recorria ao mar para a pesca.109

    O caso especfico do Brasil distingue-se pela rapidez do seu processo, refletindo-se na ocupaodesorganizada do espao urbano. Estima-se que, entre 1960 e 1980, cerca de 30 milhes de pessoasdeixaram as reas rurais em busca de reas urbanas.110

    No incio do sculo e at o fim da II Guerra Mundial, os assalariados utilizavam as pensesfamiliares e os restaurantes populares. Havia inmeros restaurantes anexos a cafs ou bares.111

    O mercado de trabalho nas grandes cidades trouxe como conseqncia o aumento da distncia entre olocal de moradia e o do trabalho. Apesar da melhoria no sistema de transportes, a rigidez nos horrios derefeio no possibilitam grandes deslocamentos. Isso tornou o hbito de fazer as refeies fora de casa umanecessidade crescente.

    O fast-food tornou-se assim uma alternativa rpida de refeio, porm na maior parte das vezes

    carecendo de aporte nutritivo. Em busca de solucionar o problema do tempo, passou a satisfazerminimamente as exigncias do paladar, resultando, pois, no sacrifcio do prazer gustativo.

    3.2. A expanso do fast-foodno Brasil

    A expanso dos servios de alimentao do tipo fast-foodest ligada a uma demanda crescente, porparte da populao, de rapidez a baixo custo e de uma suposta qualidade. De modismo, esta passou a ser aopo permanente para um nmero crescente de consumidores urbanos.

    Desta forma, a cadeia de lojas Mc Donalds cresceu e com ela outras cadeias de lojas de refeiesrpidas. Hoje observa-se no s a venda de hambrgueres, mas de pizzas, de cachorro-quente, etc. Ao mesmotempo aumentou o consumo de bebidas refrigerantes e molhos artificiais industrializados, produtos lcteos esorvetes.

    O consumo de hambrguer no Brasil iniciou-se com a rede de lanchonetes Bobs, na dcada de 50,em Copacabana. Cabe aqui uma ressalva. Na Frana o incio dos fast-foods bem posterior, quase vinte anosmais tarde. Os jovens eram, no incio, o principal grupo alvo.112 Progressivamente as crianas foram tambmcaptadas para este mercado. Hoje um instrumento de marketingdo Mc Donalds um palhao.

    Apesar do consumo alimentar ser ainda um tema pouco explorado no Brasil, algumas pesquisasapontam para uma mudana no padro alimentar do brasileiro. Percebe-se um aumento do consumo daalimentao industrializada.

    107 C. S. Dedecca & S. M. C. Brando, Crise, transformaes estruturais e mercado de trabalho. Citado por Neide L. Patarra, op. cit.,p.68.

    108 Population distribution, migration and development. Proceedings of the Expert Group, Hammamet (Tunisia). Citado por Eric

    Hobsbawm, op. cit., p.288.109Op. cit., p.283-289.110 G. Martine & J. L. Camargo, Crescimento e distribuio da populao brasileira: tendncias recentes. Citado por C. A

    Monteiro, op. cit., p.69.111 J. L. Benchimol,Pereira Passos: um Haussmann Tropical: a renovao urbana da cidade do Rio de Janeiro no incio do sculo

    XX. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte, Departamento Geral de Documentao e InformaoCultural, Diviso de Editorao, 1992; e C. D. de Carvalho, Histria da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, SecretariaMunicipal de Cultura, Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, Diviso Editorao, 1994.

    112 No estmago do homem, no corao da cidade. A ascenso do hambrguer na era do fusca e do jeans, Alimentao & Nutrio,So Paulo, v. III, n. 8, p.22-23, abril/jun, 1982.

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    3.3. As polticas estatais e a mudana de hbitos alimentares no Brasil

    A poltica de alimentao e os restaurantes para trabalhadores na dcada de 40 resultaram numatransformao dos hbitos.113 Os bandejes, inicialmente uma novidade, depois tornaram-se a forma maiscomum de servir os alimentos nos restaurantes das empresas que atendiam seus funcionrios.

    A utilizao de produtos formulados industrialmente nos programas oficiais do governo, como por

    exemplo, a sopa desidratada e o milk-shake, base de soja

    114

    , so exemplos claros de como a poltica dogoverno brasileiro esteve muitas vezes voltada para os interesses das grandes indstrias de alimentos.A ajuda alimentar dos pases desenvolvidos ao Terceiro Mundo tambm foi responsvel por alterar os

    hbitos regionais.115 O programa Alimentos para a Paz, desenvolvido pelos Estados Unidos, foiapresentado como uma forma de melhorar a alimentao do brasileiro. O trigo e o leite em p foram doados populao na dcada de 50. Na realidade, percebeu-se que para os Estados Unidos era importante encontrarum escoamento de sua produo excedente, pois do contrrio os preos baixariam. Alm disso, este programaobteve o desejado efeito de aumentar enormemente os mercados comerciais norte-americanos para oexterior.116

    Estes dois produtos foram incorporados aos hbitos da populao tornando-a dependente destesalimentos. Em troca, a populao reduziu o consumo de produtos tradicionais da dieta como a mandioca e omilho. O governo brasileiro tambm incentivou o consumo do trigo durante o perodo em que subsidiou seupreo para o consumo da populao.

    No apenas a cultura alimentar foi alterada, mas ainda a alimentao foi empobrecida j que trigobranco carece de nutrientes encontrados no milho e na mandioca. Num pas onde a fome ainda um srio problema de sade pblica, isso veio agravar a situao de grande parte da populao. Alm disso, oconsumidor paga mais. O preo de um po francs, por exemplo, proporcionalmente maior que o do mingaude fub. interessante observar que j se sugeriu introduzir o milho no preparo do po comercializado, pois opreo poderia ser reduzido. Entretanto parcelas da populao foram absolutamente contrrias a esta medida.Defendiam o trigo sem saber o quanto ele recente na histria alimentar do pas.

    A poltica do governo, na rea do abastecimento alimentar, estimulou a introduo dossupermercados no Brasil. Ora, esse fato foi responsvel, em grande medida, pela piora no sistema deabastecimento da periferia.117 Alm disso os novos produtos por ele veiculados passaram a seduzir umnmero crescente de consumidores. O fato da aquisio de alimentos ser efetuada, cada vez mais, em grandesredes de supermercados, associado ao apelo publicitrio via televiso, so alguns dos motivos quedesencadearam uma maior uniformidade nas compras e nos hbitos alimentares.118

    3.4. Algumas evidncias na mudana alimentar do brasileiro

    113 R. Antonelli. Cozinha industrial: o trabalhador transforma seus hbitos alimentares.Alimentao & Nutrio. So Paulo, v.VI,n.21, 1985, p.16-22.

    114 Estes produtos faziam parte do Programa de Complementao Alimentar, desenvolvido no mbito da LBA. Era direcionado acrianas at trs anos e gestantes.

    115 A ajuda alimentar tambm foi criticada na frica, na dcada de 80. A entrada de produtos alimentares, estranhos ao hbito local,estava criando problemas ao invs e resolv-los. Um especialista de Gana, o bilogo, Edward Ayensu, chegou a sugerir a suspenso

    por trs anos do envio de alimentos s naes africanas que, naquele perodo, estavam sendo afetadas pela seca. Para ele, ao invsdestes excedentes alimentares proporcionarem algum desenvolvimento s lavouras locais, adaptadas ao clima a s necessidades daregio estavam, ao contrrio, criando uma perigosa dependncia em relao a produtos vindos de fora. Ajuda alimentar sobsuspeita. Cadernos do Terceiro Mundo n. 80, julho,1985, p.12.

    116 Segundo George, grande parte do mundo depende de produo norte-americana de cereais para suas importaes de alimentos, oque significa, no fundo, que dependem da Cargill, da Continental Grain, da Central Soya, da Archer Daniels, da Cook Industries, daOreyfus e de um punhado de empresas menores. Todas as exportaes de cereais dos Estados Unidos (inclusive os Alimentos para aPaz) passam pelas mos destas empresas. Susan George, O mercado da fome. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 130 e 134.Sobre este assunto ver tambm Miranda Neto, Os lucros da fome. Rio de Janeiro, Dois Pontos, 1985, p. 160 e F.M. Lapp, op. cit.,

    p.112.117 Miranda Neto, op. cit., p.146.118 O Brasil vai mesa, op. cit., p.23.

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    Com a velocidade da informao ao nvel global, percebe-se que a expectativa de consumo de umhabitante do Terceiro Mundo est cada vez mais prxima do que consumido nos pases desenvolvidos.

    hoje um fenmeno recorrente no Terceiro Mundo a tendncia a imitar os pasesconsumistas mais desenvolvidos no desejo de adquirir bens industriais e conforto comocarros, televisores e outros objetos, fato que leva s vezes ao sacrifcio de gastos

    essenciais para o financiamento de gastos secundrios.

    119

    No Brasil, assim como na maioria dos pases no desenvolvidos, as pesquisas sobre o consumo

    alimentar so escassas. Na dcada de 70 foi realizado o Estudo Nacional da Despesa Familiar.120 O ENDEF, primeiro

    inqurito no territrio nacional, verificou que, guardadas algumas particularidades regionais, o hbitoalimentar do brasileiro era muito semelhante de Norte ao Sul do pas. 121 Este estudo ps por terra algunsaxiomas que procuravam afirmar que a fome da populao brasileira era oriunda de falta de conhecimentotcnico, ou seja, que a populao no saberia se alimentar. Concluiu-se que a proporo de protenaconsumida era muito semelhante em todos os extratos sociais, ou seja, a qualidade da dieta no mudava nosdiferentes nveis socioeconmicos. O problema residia na quantidade dos produtos consumidos, que erammenores nos extratos com menor capacidade de consumo. A cesta bsica naquele momento era composta porpoucos produtos e, na sua maioria, no industrializados.122

    Alm deste estudo, ao nvel nacional, temos mais duas Pesquisas de Oramento Familiar (POFs). Aprimeira, realizada entre 1961 e 1963, e a segunda entre 1987 e 1988. Mondini e Monteiro, analisando osdados destas trs pesquisas chegaram a importantes concluses a respeito do padro alimentar da populaourbana nas ltimas trs dcadas.123 Pode-se dizer que mudanas significativas ocorreram na composio docardpio do brasileiro. Acompanhando mudanas que ocorreram no apenas nos pases desenvolvidos mas,recentemente, at em outros pases em desenvolvimento, o Brasil apresenta a tendncia de reduzir oconsumo de cereais e tubrculos, de substituir carboidratos por lipdios e de trocar protenas vegetais porprotenas animais.124 Nos pases desenvolvidos, estas mudanas na alimentao esto associadas ao aumentono apenas da obesidade mas de diferentes doenas crnicas degenerativas.125

    Quanto s gorduras, observou-se uma substituio daquelas de origem animal pelas de origemvegetal. A banha de porco e o toucinho deram lugar ao leo de soja, a manteiga foi substituda pelamargarina. A ingesto de fibras parece que ficou prejudicada tendo em vista a reduo no consumo de feijo

    e cereais e a permanncia do alto consumo de acar.126

    Em 1996, o Instituto Nacional de Alimentao e Nutrio, o INAN, em conjunto com universidades brasileiras, decidiu realizar uma ampla pesquisa sobre o consumo alimentar brasileiro, o EstudoMulticntrico sobre Consumo de Alimentos.127 Naquele perodo, foi levantado o consumo alimentar em

    119 Jacques Chonchol, op. cit., p.95.120 Este estudo foi realizado em 55.000 domiclios de todo o pas, de agosto de1974 a agosto de1975, pela Fundao Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica. IBGE, Consumo alimentar; antropometria. Rio de Janeiro, 1977. Estudo Nacional da DespesaFamiliar, ENDEF, v. 1: dados preliminares, Regies I, II, III, IV, V, t.1.

    121 Edgard L. G. Alves, Desnutrio e pobreza no Brasil: alguma evidncias, in: Cadernos de Pesquisa. n. 29, So Paulo,FundaoCarlos Chagas, 1979, p.78.

    122Ibid., p.85.123 Lenise Mondini e Carlos A. Monteiro, Mudanas no padro alimentar, in: C. A. Monteiro, op. cit., p.79-89.124Ibid., p.85.125 Trs estudos realizados nos EUA embasam esta concluso. US DHHS. Department of Health and Human Service, Surgeon

    General,s Report on Nutrition and Health. National Research Concil. Committee on Diet and Helth, Food and Nutrition Board.Commission on Life Sciences, Diet and Health: Implications for Reducing Chronic Disease Risk. Stamler, J. Epidemic obesity inthe United States. Citados por Lenise Mondini e Carlos A Monteiro, op. cit., p.85.

    126Ibid., p. 86- 87.127 Relatrio Final, UNICAMP/Ncleo de Estudos e Pesquisas em Alimentao, UERJ/Departamento de Medicina Social, MS/INAN,

    Campinas, abril, 1997.

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    cinco cidades brasileiras: Campinas, Curitiba, Goinia, Ouro Preto e Rio de Janeiro. Esta pesquisa vemcomprovar que o tradicional prato de arroz e feijo no tem mais a mesma aceitao entre a populaobrasileira. Apesar de continuar como a base da dieta nacional seu consumo diminuiu em 30% nos ltimosvinte anos. O novo cardpio nacional agora inclui carne, frango, salsicha, maionese, mortadela, leite eovos.128

    Houve um aumento na quantidade de protena ingerida, com uma diminuio na quantidade dos

    carboidratos. De acordo com os nmeros levantados pela indstria alimentcia, salsichas e presuntoengordaram suas vendas em 50% nos ltimos dois anos.129 Percebeu-se tambm que o refrigerante um dosdez produtos alimentares mais consumidos, fazendo parte da cesta bsica do brasileiro.130 S no Rio deJaneiro o aumento no consumo de refrigerante foi de 268% nos ltimos vinte anos.

    Como muitos estudos j demonstraram, quando h uma melhoria na renda se consome mais gordura emais carne. Para M. A. Galeazzi sempre que aumenta a renda de um grupo, seu padro de consumo tende aficar parecido com o do segmento mais rico, mesmo quando nenhum outro hbito se altera.131

    Com a estabilizao da moeda, que permitiu maior planejamento de compras 132, os brasileiros detodas as classes esto consumindo uma variedade maior de alimentos, porm isso no significa dizer quehouve uma melhora qualitativa da dieta.133Percebe-se que alguns produtos como cereal matinal, creme deleite e refrigerantes tiveram aumento de consumo espantoso, especialmente entre as classes sociais maisbaixas.134 interessante observar que alimentos in natura como os legumes e as frutas continuam com

    consumo reduzido: apenas 44% dos brasileiros diz comer frutas e 58%, legumes. Segundo Maria A. Galeazzi,os brasileiros adequam sua alimentao de acordo com o poder aquisitivo e a oferta de mercado ... o efeitodo que se come na sade uma idia que ainda no direciona as compras. So poucos os que sepreocupam.135

    O aumento de consumo de refrigerantes e embutidos, que tm marketingmuito agressivo, ou mesmodos laticnios, que, alm da propaganda macia, tambm tiveram reduo de preo nos ltimos anos, permitedizer que a propaganda, aliada ao bom preo, tem sido eficaz na mudana de hbitos do brasileiro. margemdo consumo durante dcadas, alguns setores mais pobres esto exercendo seu poder de compra, talvezbuscando para alm da praticidade, ostatus que estes produtos industrializados lhes fornece.

    Outra revelao deste estudo que o brasileiro das grandes cidades est seguindo a tendnciamundial, que para alguns pode ser chamada padro americano, traduzida em comer mais, aumentar aproporo da gordura ingerida e adotar o hbito de comer fora de casa. Em relao utilizao de refeies

    rpidas, s nesta dcada, esse mercado cresceu 30%. Mas o problema pode ser ainda maior. Cada vez mais ofast-foodinvade tambm os lares brasileiros.

    O consumo domstico de hambrgueres, pratos prontos, aves e carnes congeladascresceu surpreendentes 70% em apenas dois anos. ... as vendas de massas tradicionaiscaram... enquanto as de massas instantneas dispararam. ... a macarronada est sendo

    128 Flvia Varella, Cardpio renovado, Veja, 23/04/97, p.47.129Ibid., p.48.130 O Brasil um dos maiores consumidores mundiais de Coca-Cola. o terceiro maior mercado entre os 200 pases onde a empresa

    opera. Morre o presidente da Coca-Cola Correio Brasiliense, 19/10/97, p.25.131 Aprendendo a comer, Superinteressante, Ano 5, n. 7, julho1991, p.61.132 O Plano Real deu maior poder aquisitivo aos brasileiros de baixa renda, mas o pas continua com a pior distribuio de renda do

    planeta. Rodolfo Hoffmann, citado por Claudia de Souza, Pas tem pior distribuio de renda do mundo, Jornal do Brasil,30/11/95, p.14.

    133 Segundo M. A. Galeazzi, uma das coordenadoras desta pesquisa, apesar da maior variedade e quantidade continuamos nosalimentando mal. Flvia Varella, op. cit., p.47.

    134 Estas concluses so oriundas da pesquisa feita semanalmente, pelo IBOPE, com 6.000 famlias. Flvia Varella, op. cit., p.48.135Ibid., p.48.

  • 5/13/2018 O Padrao Alimentar Ocidental

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    Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 21

    substituda pelo Miojo. ... A sopa pronta que recebe o nome de sopo teve aumento de140% entre 1994 e 1995, apenas entre as classes C e D.136

    O novo padro alimentar do brasileiro traz uma conseqncia bastante desagradvel. Observa-se quea obesidade est se tornando um importante problema de sade publica.137Entre os anos de 1974 a 1988 oaumento da prevalncia da obesidade em adultos que vivem em grandes reas urbanas foi em torno de 50% a

    70%.

    138

    A questo que gostaramos de trazer luz diz respeito s razes pelas quais o fast-foodpenetrou nohbito do brasileiro de forma mais rpida e intensa que em outros pases.139 notria a tendncia da maioriados brasileiros de importar modelos de consumo, at porque a valorizao da nossa cultura, em geral, nuncafoi um objetivo a ser alcanado. Apesar do papel central da comida na cultura de qualquer pas, percebe-seque grande parte dos brasileiros desconhece as tradies brasileiras. No Brasil, as pessoas no sabemaproveitar materiais bsicos da nossa culinria. As frutas estrangeiras, por exemplo, acabam sendo maisvalorizadas porque os brasileiros tentam imitar o modelo europeu.140

    As elites do pas nunca prestigiaram as expresses da arte brasileira. Segundo Darcy Ribeiro, amaior prova de que a elite no cuida da cultura reside no fato de o Brasil s ter expresso no mundo por meioda sua msica e do futebol.141Estas atividades talvez puderam se desenvolver tendo em vista estarem to presentes no imaginrio popular que prescindiram de investimentos pblicos. Para entender um pouco acultura alimentar brasileira e a quase uniformidade de preferncias em todas as classes sociais, interessanteatentar para a expresso que diz: As vezes mais difcil que enriquecer acostumar-se aos queijos e vinhos danova vida social.142

    A sensao de empanturramento, tambm muito presente em nossa cultura, alcanada facilmentecom estes lanches altamente gordurosos. Um lanche tpico no Mc Donalds representa mais da metade dascalorias e das gorduras necessrias numa dieta de 2.000 calorias.

    O consumo de hambrguer tambm foi bem recebido tendo em vista o valor que o brasileiro depositana carne. Inmeros estudos comprovam que a carne no Brasil tem um valor inestimvel, em todas as classessociais. O clssico estudo de Antnio Cndido sobre o caipira paulista revelou que a fome psquica, ou seja, odesejo do homem rural era voltado para a carne, em primeiro lugar. Depois vinha o po e, em menor grau, oleite.143 Alba Zaluar definiu que, para as classes menos favorecidas, poder comer carne todos os diassignificava ser rico. Assim, a carne alm de representar prestgio social, era considerada um alimento forte ebom para a sade.144Nesta mesma linha apontou o trabalho de Ana M. Canesqui. A carne, os ovos e o leite

    136 Ulysses Dant Filho do IBOPE citado por Flvia Varella, op. cit., p.51.137 Observou-se que de 1974 a 1989 a desnutrio, tanto entre as crianas como entre os adultos, tem diminuido. Por outro lado, na

    populao adulta a obesidade quase dobrou neste intervalo de quinze anos (5,7% para 9,6%). C. A Monteiro et alii, Da desnutriopara a obesidade: a transio nutricional no Brasil. In: C.A. Monteiro, op. cit., p.249.

    138 Lenise Mondini e Carlos A Monteiro, op. cit., p.86.139 A primeira casa de lanches rpidos, o Bobs, instalou-se no Brasil ainda na dcada de 50, no bairro de Copacabana, no Rio de

    Janeiro. Na Frana o McDonalds de Raymond Dayan, foi implantado somente em 1972. A cadeia de fast-food, Quick HamburgerRestaurant, de origem belga, veio em seguida, em 1980. Carmen S. Rial, Os charmes dos fast-foods e a globalizao cultural.PPGAS-CFH, UFSC, Antropologia em primeira mo, n. 7, Florianpolis, 1995, p. 5. No Japo o mercado de refeies-rpidas

    comeou a operar em 1970 e no final da dcada j detinha grande fatia do mercado, substituindo muitos estabelecimentostradicionais fornecedores e arroz, peixe e macarro. F. M. Lapp, op. cit., p.113.

    140 Helena Severo, ento Secretria de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro, idealizou em 1995 o Centro Cultural de Gastronomiado Brasil. Neste espao seria apresentada a arte culinria de diferentes pases, atuando assim como um centro de difuso dagastronomia (Helena Severo, citada por Daniela Matta, Culinria cultura, 29/08/95, p.20).

    141 Citado por Vanda Clia, A elite e a cultura, Correio Braziliense, 13/09/97, p.20.142 Cludio de M. Castro e Anna M. Peliano, op. cit. p.203.143 Os parceiros do Rio Bonito. So Paulo, Livraria Duas Cidades, 1982, p.157-158.144A m