21
O Papel das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem: a Dicotomia entre a Soberania Nacional e a Proteção aos Direitos Humanos dos Venezuelanos naAplicação do Decreto nº.9.483, de 28 de agosto de 2018 Clarice Vieira Pádua, Laís Helena Pacheco Silva, Luís Henrique Dutra Mageste, Raiza Pereira de Carvalho e Tiago Grossi Dornelas 1 , Juliane dos Santos Ramos Souza 2 Resumo O presente artigo possui como escopo de pesquisa a análise entre a soberania estatal brasileira, exercida por meio do emprego das Forças Armadas nas medidas de Garantia da Lei e da Ordem, e a proteção dos Direitos Humanos dos refugiados e migrantes venezuelanos no estado de Roraima, refletindo sobre as Operações Tucuxi II, Acolhida e Controle.Objetiva-se compreender como o exercício da soberania do Brasil através da edição de decretos interferiu nos Direitos Humanos dos venezuelanos, bem como quais os reflexos que essa situação surtiu nos direitos fundamentais dos brasileiros, ante a superlotação dos serviços públicos de Roraima. Ao final da pesquisa, verificou-se que a edição do Decreto nº. 9.483/2018, foi de extrema importância para que houvesse melhor acesso aos direitos básicospara os refugiados e migrantes, além de garantir a soberania nacional brasileira na fronteira através do emprego das Forças Armadas, protegendoo território e todos que foram atingidos pelo deslocamento em grande escala dos venezuelanos.Utilizando-se como referencial a teoria contemporânea dos Direitos Humanos e a doutrina moderna de Teoria do Estado, a metodologia empregada neste trabalho compreendeu a pesquisa compreensiva e não somente descritiva, valendo-se do estudo de caso, da pesquisa teórica e da avaliação das informações como estratégias metodológicas. Palavras-chave: Forças Armadas. Soberania. GLO. Direitos Humanos. Venezuelanos. Migração. Introdução O fim do período feudal foi marcado por conflitos socioeconômicos e políticos, que culminaram com o enfraquecimento da noção de tempo histórico pautada na ideia de circularidade, difundida peladoutrina cristã. Após a crise do feudalismo, a sociedade viu-se diante da fome e da peste bubônica, que aniquilara aproximadamente um terço da população 1 Todos estudantes de graduação do 1º (primeiro) período da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Três Rios. 2 Mestre em Direito Constitucional e Professora Assistente, dedicação exclusiva, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Três Rios. 1

O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

O Papel das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem: a Dicotomiaentre a Soberania Nacional e a Proteção aos Direitos Humanos dosVenezuelanos naAplicação do Decreto nº.9.483, de 28 de agosto de 2018

Clarice Vieira Pádua, Laís Helena Pacheco Silva, Luís Henrique Dutra Mageste,Raiza Pereira de Carvalho e Tiago Grossi Dornelas1, Juliane dos Santos RamosSouza2

Resumo

O presente artigo possui como escopo de pesquisa a análise entre a soberania estatalbrasileira, exercida por meio do emprego das Forças Armadas nas medidas de Garantia da Leie da Ordem, e a proteção dos Direitos Humanos dos refugiados e migrantes venezuelanos noestado de Roraima, refletindo sobre as Operações Tucuxi II, Acolhida e Controle.Objetiva-secompreender como o exercício da soberania do Brasil através da edição de decretos interferiunos Direitos Humanos dos venezuelanos, bem como quais os reflexos que essa situação surtiunos direitos fundamentais dos brasileiros, ante a superlotação dos serviços públicos deRoraima. Ao final da pesquisa, verificou-se que a edição do Decreto nº. 9.483/2018, foi deextrema importância para que houvesse melhor acesso aos direitos básicospara os refugiadose migrantes, além de garantir a soberania nacional brasileira na fronteira através do empregodas Forças Armadas, protegendoo território e todos que foram atingidos pelo deslocamentoem grande escala dos venezuelanos.Utilizando-se como referencial a teoria contemporâneados Direitos Humanos e a doutrina moderna de Teoria do Estado, a metodologia empregadaneste trabalho compreendeu a pesquisa compreensiva e não somente descritiva, valendo-se doestudo de caso, da pesquisa teórica e da avaliação das informações como estratégiasmetodológicas.

Palavras-chave: Forças Armadas. Soberania. GLO. Direitos Humanos. Venezuelanos.Migração.

Introdução

O fim do período feudal foi marcado por conflitos socioeconômicos e políticos, queculminaram com o enfraquecimento da noção de tempo histórico pautada na ideia decircularidade, difundida peladoutrina cristã. Após a crise do feudalismo, a sociedade viu-sediante da fome e da peste bubônica, que aniquilara aproximadamente um terço da população

1 Todos estudantes de graduação do 1º (primeiro) período da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Três Rios.

2 Mestre em Direito Constitucional e Professora Assistente, dedicação exclusiva, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Três Rios.

1

Page 2: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

europeia. Destarte, a perda de credibilidade da igreja, somada aos questionamentos do tempohistórico, além da “descoberta de um horizonte de expectativas, terminou ganhando a formado conceito de progresso” (KOSELLECK,1979, p.316) ocasionaram numa descrença emmassa na Igreja como detentora do poder político. Foi exatamente nesse contexto que seobservou o processo de secularização e abstração do Estado, acarretando a formação doEstado Moderno.

Considerando o referido cenário, alguns elementos passaram a integrar a novainstituição política denominada Estado Moderno, tais como o povo, território, finalidade esoberania.

No século XVI, Jean Bodin dedicou os seus estudos ao esclarecimento do conceito desoberania na obra intitulada “LesSix Livres de la Republique”3, no qual soberania é definidacomo o poder absoluto e perpétuo de um Estado. Sendo absoluta, não seria possível limitá-laou mitigá-la. No que se refere à perpetuidade, a soberania não poderia ser exercida com umtempo certo de duração.

Quase dois séculos depois, Jean-Jacques Rousseau prosseguiu na caracterização doinstituto da soberania, sendo objeto de desenvolvimento posteriormente por autores comoHermann Heller, Miguel Reale, Georg Jellinek, OresteRanelletti,ganhando a concepçãonormativista através de Hans Kelsen4.

Como nota essencial do Estado, a soberania demanda a implantação de diversosinstrumentos para que seja realizada a segurança e proteção dos demais elementos do Estado,quais sejam, povo e território, além de ter como finalidade a proteção dos Direitos Humanos.Para o alcance desses desdobramentos da soberania, as Forças Armadas foram previstashistoricamente nas Cartas Constitucionais do Brasil, desde a época do Império5, como

3 Há inúmeras fontes que apontam o ano de 1576 como o de nascimento dessa obra. Entretanto, o presente artigo foi baseado na edição de 1583.

4 Sobre o assunto, Jean-Jacques Rousseau, O Contrato Social, Ed. Cultrix, 1971; Hermann Heller, La Soberanía, Ed. Da Universidade Nacional Autônoma do México, 1965; Miguel Reale, Teoria do Direito e do Estado, 2ª ed., Ed. Martins, 1960; Georg Jellinek, Teoría General del Estado, Ed. Albatroz, 1654, OresteRanelletti, InstituzionidiDirittoPubblico, Parte Gera,l Ed. Giuffrè, 1955; Hans Kelsen, Teoría General del Estado, Ed. Nacional, 1959.

5 Constituição de 1824: Art. 145 “Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar aIndependencia, e integridade do Imperio, e defendel-o dos seus inimigos externos, ou internos”.Art. 148. “AoPoder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecerconveniente á Segurança, e defesa do Imperio”. Constituição de 1891: Art 14 - As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas àdefesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.Constituição de 1934: Art.162 “As forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei,essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir osPoderes constitucionais, e, ordem e a lei”. Constituição de 1946: Art. 177 “Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderesconstitucionais, a lei e a ordem.Constituição de 1967: Art. 92 “As forças armadas, constituídas pela Marinha deGuerra, Exército e Aeronáutica Militar, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas combase na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites dalei.§ 1º - Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os Poderes constituídos, a lei e a ordem.

2

Page 3: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

instituições que possuem como missões (i) contribuir para a defesa da soberania nacional; (ii)atuar na garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e daordem; (iii) atuar em ações sob a égide de organismos internacionais e em apoio à políticaexterna do País; (iv) cumprir as atribuições subsidiárias previstas em Lei, a fim de contribuirpara a salvaguarda dos interesses nacionais; e (v) cooperar com o desenvolvimento nacional eo bem-estar social.

Nesse sentido, o Decreto nº. 6.703, de 18 dez 2008, alterado pelo Decreto legislativonº. 373, de 25 de setembro de 2013,foi utilizado como diretriz básica para a preparação dosefetivos das Forças Armadas para o cumprimento de missões de Garantia da Lei e da Ordem(GLO), nos termos da Constituição Federal. O que se observa é que a GLO e o princípio dasoberania despertam impactos na ordem natural de um determinado local, cabendo questionarquais são os aspectos que necessitam de tal interferência.

Ocorre que não se desconhece os horrores experimentados pelo mundo durante operíodo embasado na ideologia nazista, o que culminou no ressurgimento depreocupaçõesvoltadas às questões humanitárias, tendo como eixo central a dignidade da pessoa humana. Apartir desse marco histórico, intensificou-se a teoria sobre osDireitos Humanos, que objetivaresguardar direitos que seriam inatos a todo e qualquer indivíduo.

Partindo dessa premissa, a comunidade internacional se mobilizou para normatizar asgarantias básicas do ser humano, criando organismos internacionais com a finalidade de zelarpor tais direitos. Tal situação afetou diretamente a soberania dos Estados, visto que seidentificou a necessidadede mitigara soberania estatal em prol da efetividade dos tratadosdestinados a tal temática e, assim, garantir materialmente a proteção internacional dosDireitos Humanos.

Na contemporaneidade, o deslocamento de um grande contingente de indivíduostornou-se pauta basilar das discussões da Organização das Nações Unidas (ONU) devido aabundância de conflitos socioeconômicos e políticos recorrentes no presente século. Comopauta específica, a crise econômica e política instaurada na Venezuela é assunto que temdespertado inúmeras manifestaçõesdos Estados da comunidade internacional, visto que a criseexperimentada nesse país desencadeou um movimento migratório em razão da falta deserviços básicos de sobrevivência, bem como de perseguição política.

O presente artigo possui como escopo de pesquisa a análise entre a soberania estatalbrasileira – exercida por meio do emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e daOrdem – e a proteção dos Direitos Humanos, especificamente dos venezuelanos que sedirigem ao Brasil.

Isso porque o Brasil é um dos principais destinos desses indivíduos, que não sãocategorizados com uma nomenclatura específica, haja vista os diferentes fundamentos de seu

Constituição de 1988: Art. 142 “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pelaAeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e nadisciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dospoderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

3

Page 4: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

deslocamento, podendo ser denominados de migrantes forçados devidoa crise humanitária, ourefugiados, correspondendo às perseguições ideológicas e a iminência de um conflito armado.O que se denota é que tal conjuntura proporcionou uma abundante movimentação na fronteiraentre Brasil (em Roraima) e Venezuela, desencadeando divergências entre brasileiros evenezuelanos e, concomitantemente, na superlotação dos serviços públicos de Roraima, o que,como será visto no decorrer do trabalho, acarretou a disseminação de um nacionalismoexacerbado na região.

Sendo assim, por meio do uso da soberania, em 2018, o Chefe do Executivo daRepública Federativa do Brasil, com o intuito de assegurar a ordem nesse estado brasileiro,deliberoupelo uso damedida de Garantia da Lei e da Ordem, promulgando oDecreto nº. 9.483,o que legitimou a operação na região por meio da utilização das Forças Armadas por períododeterminado no território de Roraima.

Por conseguinte, com a adoção de políticas que visavam garantir a ordem pública,deu-se início à Operação Tucuxi II, que objetivava proteger as relações referentes aosmigrantes na fronteira entre Brasil e Venezuela, no estado de Roraima. Além disso, asoperações de Acolhida e de Controle, desenvolveram-se de modo simultâneo e auxiliaram,também, na adaptação dos venezuelanos no novo país, sempre em atenção aos parâmetrosdeterminados pelo exercício da soberania.

O eixo central do presente trabalho consiste na análise da aplicação das ForçasArmadas na defesa da fronteira Brasil e Venezuela como ferramenta de soberania nacional esuas implicações nos Direitos Humanos dos migrantes e dos brasileiros.

Propõe-se compreender até onde a soberania do país pode interferir nos DireitosHumanos dos indivíduos em situação de conflito, bem como refletir se existe oposição entreos objetivos de proteção da soberania nacional através das Formas Armadas nas fronteiras e agarantia dos Direitos Humanos dos venezuelanos no contexto atual de crise naquele país,além de empreender uma breve análise acerca dos reflexos que a acolhida dos venezuelanospelo Brasil pode surtirnos direitos fundamentais dos brasileiros.

A Metodologia empregada neste trabalho compreende a pesquisa compreensiva e nãosomente descritiva, utilizando como estratégias metodológicas o estudo de caso, a pesquisateórica e a avaliação das informações. Como fontes de pesquisa, foram utilizados livros, atosnormativos específicos e reportagens.

A estrutura deste trabalho é dividida em cinco partes. Primeiro, será realizada umabreve análise acerca da soberania do Estado e o uso das GLO como ferramenta constitucional.No segundo momento, serão apresentados os principais elementos acerca dos direitos dosmigrantes e a definição de refugiados, imigrantes forçados e imigrantes. A terceira parteabordará a situação dos venezuelanos na fronteira com o Brasil (Roraima)e as medidas deGLO adotadas. Em seguida, descrever-se-á a Operação Tucuxi II, Acolhida e Controle, bemcomo o emprego das Forças Armadas no exercício da soberania brasileira. Por fim, no últimocapítulo, propõe-se uma reflexão a respeito das limitações do Estado, da utilização das ForçasArmadas como instrumento de garantia da soberania nacional e das demandas dos

4

Page 5: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

venezuelanos por acolhimento no Brasil e dos brasileiros quanto às implicações internasdessas medidas.

1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como FerramentaConstitucional

Na contemporaneidade, os doutrinadores da Teoria do Estado divergem quanto aonúmero dos elementos constitutivos do Estado Moderno. Por um lado, Alexandre Groppali(1962, p. 107) e Dalmo de Abreu Dallari (2016, p. 106-107) prescrevem quatro elementos,sendo eles o povo, território, soberania e finalidade. Apesar disso, autores como Hans Kelsen(1959, p. 52) se opõem a que a Teoria Geral do Estado se ocupe da finalidade como umelemento integrante do conceito de Estado Moderno.

Segundo, Dalmo Dallari (2011, p. 100) povo seria um conjunto de indivíduos ligadosao Estado através de um vínculo jurídico da nacionalidade.A delimitação de povo, naRepública Federativa do Brasil, vem expressano artigo 12, da CRFB/88, respaldando osconceitos de brasileiros natos, no inciso I, e naturalizados, no inciso II.

Ademais disso, tornou-se necessária a delimitação de fronteiras devido a intensidadedos conflitos, a delimitação dos indivíduos pertencentes ao Estado e, por fim, a necessidadedo marco da efetividade do poder. O território, portanto, passa a ser o “espaço ao qualcircunscreve a validade da ordem jurídica estatal” (DALLARI, 2011, p. 93), sendo o âmbitode ação da soberania do Estado e objeto de direito deste.

É importante destacar que o território abarca o solo, subsolo, o ar e águas, havendouma delimitação do espaço aéreo e marítimo a partir de convenções internacionais. O Brasilestabelece em seu ordenamento jurídico a absoluta soberania e jurisdição sobre o marterritorial, contado a partir da linha de base até as doze milhas marítimas, bem como ajurisdição absoluta sob seu solo e perante o espaço aéreo acima do solo e do mar territorial.

Outro pilar fundamentalda composição do Estado é a soberania e, no caso do Brasil,ela vem instituída no artigo 1º, inciso I, da CRFB/88, demonstrando vigência do conceito noEstado-Nação e suas implicações no meio interno e externona busca pela finalidade máxima,qual seja, a promoção do bem de todos, prescrita no artigo 3º, inciso IV, da CRFB/88.

Uma das medidas constitucionais desenvolvida a partir da soberania é a Garantia daLei e da Ordem (GLO), prevista no artigo 142, da CRFB/88 e regulada pela LeiComplementar 97, de 1999, que institui as normas gerais para a organização, o preparo e oemprego das Forças Armadas, bem como pelo Decreto nº. 3.897, de 24 de agosto de 2001, oqual estabelece as diretrizes na utilização das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem edemais providências.

Nos termos dos artigos 3º, 4º e 5º, do Decreto nº 3.897/2001, a GLO é uma operaçãomilitar determinada pelo Presidente da República e conduzida pelas Forças Armadas de formaepisódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo apreservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de

5

Page 6: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição6 ou em outrasem que se presuma ser possível a perturbação da ordem. Cabe destacar que os Órgãos deSegurança Pública serão considerados esgotados quando forem formalmente reconhecidospelo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ouinsuficientes, conforme dispõe o art. 15, § 3º do inciso III, da Lei Complementar nº 97, de 09de junho de 1999.

Logo, a aplicação de tal medida é uma ferramenta da soberania do Estado, sendo decompetência exclusiva da autoridade suprema do Presidente da República em situações deesgotamento das forças tradicionais de segurança pública e em graves situações de desordem,podendo “ocorrer por sua própria iniciativa, ou dos outros poderes constitucionais,representados pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo Presidente do SenadoFederal ou pelo Presidente da Câmara dos Deputados” (Decreto 3.897/2001, art. 2, § 1º).

Sabe-se que a segurança pública é dever do Estado previsto no artigo 144, daCRFB/88, exercendo a prevenção da ordem pública e a integridade do seu povo e dopatrimônio através das polícias militares, civis, federais, rodoviárias, ferroviárias federais e ocorpo de bombeiros militares. Contudo, após o esgotamento de todas essas forças na garantiada lei e da ordem, incumbirá às Forças Armadas realizar atividades de policiamento ostensivode natureza preventiva ou repressiva, observando os termos e limites impostos peloordenamento jurídico, até o reestabelecimento da ordem social.

Conforme previsto na Publicação MD33-M-10 – Manual de GLO, a medida tem comoprincipais ações: (i) assegurar o funcionamento dos serviços essenciais sob a responsabilidadedo órgão paralisado; (ii) controlar vias de circulação; (iii) desocupar ou proteger as instalaçõesde infraestrutura crítica, garantindo seu funcionamento; (iv) garantir a segurança deautoridade e de comboios; (v) garantir o direito de ir e vir da população; (vi) impedir aocupação de instalações e serviços essenciais; (vii) impedir o bloqueio de vias vitais para acirculação de pessoas e de cargas; (viii) permitir a realização de pleitos eleitorais; (ix) prestarapoio logístico aos Órgãos de Segurança Pública ou outras agências; (x) proteger locais devotação; (xi) realizar a busca e apreensão de armas, explosivos etc; e (xi) realizarpoliciamento ostensivo, estabelecendo patrulhamento a pé e motorizado.

Tendo sido emitida decisão pelo Presidente da República no que se refere ao empregodas Forças Armadas na GLO, caberá ao Ministro da Defesa, assessorado pelo Chefe doEstado-Maior Conjunto das Forças Armadas, emitir a Diretriz Ministerial para ativação dosComandos Operacionais e a designação dos respectivos Comandantes (art. 15 da LC nº 97/99e art. 2º, 6º e 7º do Decreto nº 3.897/01).

Na pauta de planejamento e coordenação das ações deve constar normas de condutaestabelecendo o comportamento da tropa no trato com a população, o qual deverá ser pautado

6Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e dopatrimônio, através dos seguintes órgãos:I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;III - polícia ferroviária federal;IV - polícias civis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

6

Page 7: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

pela urbanidade, pela compreensão exata e correta da execução pela tropa – prática emadestramentos/ensaios–e respeito aos direitos e garantias individuais.

As missões de GLO foram empregadas pelo Brasil vinte e nove vezes no período deoito anos, entre 2010 a 2017, apresentando-se como exemplos recentes a utilização das ForçasArmadas na missão da GLO referente à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016,além da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável do Rio deJaneiro (Rio + 20), em 2012, sendo empregadas nas operações de pacificação em diversascomunidades. Outrossim, a aplicação de GLO transfigura-se em um aparato fundamental dasoberania do Brasil, visto que incumbe a essa estratégia a manutenção da segurança de seupovo e de seu território.

A utilização de ferramentas constitucionais na aplicação da soberania, tais como aGLO, é característico do Estado Moderno e, sobretudo, democrático. Outrossim, os Estadosbuscam adaptar-se às diversas situações político, econômicas e sociais ocorridas em âmbitointerno e internacional, a fim de perpetuar uma convivência pacífica, respeitando a soberaniaestatal.

A dinâmica contemporânea de movimentação e aplicação do direito internacionalmitiga o conceito primário de soberania do Estado que, em parte, abre mão de seu monopóliodo poder soberano almejando uma coexistência conveniente na conjuntura multipolarmundial.A necessidade de proteção dos Direitos Humanos foi um fator gerador dessamitigação, atrelada à Segunda Guerra Mundial e às atrocidades cometidas por meio da ideiade uma raça como mecanismo do projeto de unificação nacional pautado na positivaçãoextrema do direito pelo regime nazista, retirando do ordenamento jurídico toda a moralidade eprincípios, assentado na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen que, mesmo não objetivando,acabou por legitimar os regimes totalitários.

Por conseguinte, a proteção dos Direitos Humanos tornou-se matéria para todas asdiscussões internacionais, difundindo-se a ideia de um conjunto de direitos que sãoimprescindíveis para que se alcance uma vida harmoniosa em suas várias esferas, sendo esseconjunto pautado na liberdade, igualdade e dignidade. Para que esses direitos sejam definidos,o contexto histórico deve ser considerado, tendo em vista as diferentes demandas que surgemno decorrer dos anos. Haja vista sua natureza fundamental, os Direitos Humanos sãoencontrados em Constituições e em Tratados Internacionais, de maneira implícita ou explicita.

Em que pese o fato deexistir maneiras diferentes de tratar esses direitos, há elementosinerentes a todas as espécies normativas: universalidade, essencialidade, superioridadenormativa e reciprocidade. Por universalidade, entende-se que esses direitos são inerentes atodos, não havendo privilégios. Já a essencialidade evidencia a sua indispensabilidade. Suasuperioridade decorre do fato de representarem preferências preestabelecidas. E areciprocidade é responsável por unir toda uma sociedade, resultando em mecanismos deproteção que devem ser respeitados por toda uma coletividade.

No instante em que uma sociedade decide por incorporar esses direitos em seuordenamento, duas consequências serão tratadas como resultado. A primeira, consiste noentendimento de que o direito basilar do indivíduo é o direito a ter direitos. No Brasil, essalinha de pensamento foi adotada pela Supremo Tribunal Federal, sendo vista comoprerrogativa básica. Uma outra consequência é a de que um indivíduo, possuindo direitos,conviverá com direitos pertencentes a outros indivíduos.

7

Page 8: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

Dessa maneira, torna-se necessária uma ponderação no momento em que ocorrer umacolisão entre esses direitos. Por isso, estabelecem-se limites, prevalências e preferências. Háde se compreender, então, que não basta apenas que esse direito seja reconhecido para que suaproteção aconteça de maneira automática. Essa atividade de ponderação será exercida pelosórgãos judiciais nacionais e internacionais que versem sobre Direitos Humanos.

Como visto, a criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos relaciona-se coma nova organização da sociedade internacional no contexto pós-segunda guerra mundial.Como reflexo da ideologia nazista, fez-se a inserção da temática na Carta da Organização dasNações Unidas e, em seu artigo 56, é demonstrado o desejo de que todos os Estados-membroscontribuam para que se persiga a consecução dos propósitos por ela enumerados.

Contudo, a Carta não traz uma lista de quais direitos seriam considerados essenciais,de maneira que foi aprovada a Declaração Universal de Direitos Humanos – também chamadade “Declaração de Paris” – que traz 30 (trinta) artigos e apresenta o rol dos direitos a seremprotegidos internacionalmente. Enumeram-se, portanto, os direitos civis e políticos – direito àvida, à integridade física, à igualdade, entre outros -, os econômicos, os sociais e os culturais.Entre os sociais destacam-se o direito à segurança social, ao trabalho e à educação. Valeressaltar que, dentre todos os direitos que são explicitados, há o direito a um padrão de vidacapaz de suprir todas as necessidades básicas do indivíduo e de sua família, denominadodireito ao mínimo existencial.

Apesar da comoção internacional no que se refere à proteção dos Direitos Humanos,existem discussões na doutrina e na prática dos Estados sobre a força vinculante que teria essadeclaração. Há aqueles que creem em sua força vinculante por se constituir em interpretaçãoautêntica do termo “Direitos Humanos”. Outros entendem que seria vinculante por expressaro costume internacional sobre a matéria. E existem os que defendem sua não vinculação,sendo apenas mecanismo norteador de conduta.

No Direito Brasileiro, mais precisamente no artigo 5º, § 3º, da CRFB/88, há referênciaexplícita ao posicionamento do país em relação a esses direitos. Nesse artigo, trata-se daadoção do rito especial de aprovação pelo Congresso Nacional dos tratados internacionais deDireitos Humanos. Outro ponto que evidencia a aproximação brasileira a esses direitos, estáno reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil,que agirá no momento de inércia ou possível falha do Estado Brasileiro. Conformeentendimento do STF, reconhece-se a divisão feita pelo jurista francês KarelVasak, que sebaseia na existência de três gerações/dimensões de direitos que são comumente associados àexpressão usada na Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

Os direitos de liberdade estabelecem uma limitação Estatal, não podendo esse invadira esfera de autonomia do indivíduo. Também chamado de direito de defesa, gera para oEstado o dever de se abster, ou seja, da origem a uma liberdade negativa. Aqui, incluem-se osdireitos civis e políticos. Já os direitos de igualdade trazem em seu escopo um fazer estatal,isto é, exigem do Estado prestações positivas, por meio de ações afirmativas que visemgarantir igualdade de oportunidades. Neste ponto, encontramos os direitos sociais,econômicos e culturais. Por fim, os direitos de fraternidade são aqueles destinados àcoletividade, os chamados direitos difusos ou de solidariedade. Busca-se preservar bens quenão possuam uma titularidade específica, por exemplo, o direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, à paz e ao desenvolvimento.

8

Page 9: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

O STF entende que as gerações (1ª, 2ª e 3ª) se complementam. Assim, pode-seconcluir que essa teoria é um instrumento didático e demonstra a impossibilidade de exaurir oassunto, tendo em vista as mudanças nas demandas sociais que surgem no decorrer dos anos.Vale ressaltar que, nos primeiros artigos da CRFB/88, percebe-se de maneira clara que oBrasil se dirige para a proteção dos Direitos Humanos. Esses direitos foram baseados,também, nos tratados internacionais celebrados pelo país.

No decorrer dos anos, o Brasil ratificou a celebração de todos os instrumentosinternacionais de proteção aos Direitos Humanos, reconhecendo, inclusive, a jurisdição doTribunal Penal Internacional. Nesse sentido, legitimou-se o universalismo na área dos DireitosHumanos, razão pela qual a supremacia inerente à Constituição repercute e tende por tambémsofrer as consequências dessa internacionalização dos Direitos Humanos.

O caráter imperativo dos Direitos Humanos é de tal relevância que a matéria se tornouum elemento crucial e orientador do exercício da soberania nacional. Como visto, até nashipóteses excepcionais de solução de crises no Brasil – as quais autorizam medidas de GLO –,deve constar na pauta de planejamento e coordenação das ações as normas de condutaexpressando o respeito aos direitos e garantias individuais.

2 Os Direitos de Migração e a Definição de Refugiados e MigrantesForçados

Dentro do contexto do desenvolvimento dos Direitos Humanos e a imperatividade quelhes é inerente, com o decorrer do tempo, um fato que se observou foi a recorrência dos fluxosmigratórios entre os países, acarretando a necessidade de normatizações que garantissem eassegurassem os direitos dos migrantes.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem garante, no artigo XIII, odireito à liberdade de circulação e residência dentro das fronteiras de cada Estado e, no ArtigoXV, o direito a todos os indivíduos terem uma nacionalidade. No âmbito interno do Brasil,com a aprovação da Lei de Migração, o Decreto 9.199/17, artigo 3°, dispõe que é vedadodenegar visto ou residência ou impedir o ingresso no País por motivo de etnia, religião,nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política. Ademais, para complementar, oDecreto 13.445 – o qual institui a Lei de Migração– garante como princípios de políticamigratória brasileira a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos DireitosHumanos; o repúdio ea prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas dediscriminação; e a não criminalização da migração.

Logo, torna perceptível o interesse brasileiro em assegurar e proteger os DireitosHumanos e, acima de tudo, oferecer aos migrantes direitos que se igualam aos direitos daspessoas que aqui residem, tendo em vista o princípio da universalidade e da igualde, ambosgarantidos no artigo 5°, da CRFB/88.

Neste tocante, a migração pode ser caracterizada como um fenômeno de deslocamentode uma pessoa do lugar de origem para um outro em busca de uma vida melhor, seja pormotivos econômicos, de guerra, fome, catástrofe, dentre outros fatores que podem influenciarnesse processo. Como se nota, o fenômeno da migração é algo de grande complexidade.

9

Page 10: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

Historicamente, os fluxos migratórios já ocorriam na época das colonizações dospaíses da América pelos europeus, com o intuito de exploração da terra conquistada, sendoum fator já observado desde essa época.No século XVIII, com a ascensão e a crítica daburguesia em relação a Igreja Católica e à Monarquia, deflagrou-se a Revolução Francesa,causando mudanças no paradigma mundial, pois veio à tona a criação dos Direitos do Homeme do Cidadão. No mesmo século, devido a acumulação de riquezas da Inglaterra, culminou-sena Revolução Industrial, havendo também uma modificação do cenário mundial, alterando aforma de manufatura para a maquino-fatura.

Essas duas revoluções culminaram em transformações em todos os setores dasociedade, seja no âmbito político, econômico e religioso. Assim, a expansão do mercadofinanceiro conjecturou o fenômeno da globalização, com relações cada vez mais estreitasentre os países, proporcionando maior ligação entre eles.

Já no século XX, o fim Segunda Guerra Mundial resultou em um estrondoso desastreem diversos países. Buscando garantir segurança às pessoas, como já mencionado, criou-sejunto à Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração Universal dos DireitosHumanos, (DUDH). Esses direitos passaram a ser denominados direitos inatos à população,pois os Estados devem buscar garanti-los, haja vista que são considerados invioláveis.Portanto, esses direitos adquirem uma grande importância, passando a valer, no caso doBrasil, como normas supralegais, ou seja, que está acima da lei e, quando aprovados com oquórum exigido para aprovação de Proposta de Emenda Constitucional, alcançam o status denorma constitucional.

Com a DUDH e o fenômeno daglobalização, intensificou-se, em uma escalainimaginável, o processo de migração, já que a relação de aproximação criada pelos paísesgerou facilidade de acesso e trânsito livre em quase todas as partes do mundo.

Diante dessa nova conjectura e dos embates mundiais como tensões, guerras,problemas econômicos e consequente violação deDireitos Humanos, a migração se tornou umfenômeno fervoroso nas últimas décadas, culminando em termos de designação dessesmigrantes, como refugiados, migrantes forçados e imigrantes.

No caso dos refugiados, o Protocolo Sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1966, defineessa categoria de pessoas da seguinte forma:

Temendo ser perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade,grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de suanacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quervaler-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade ese encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, nãopode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

Não existe uma definição legal uniforme para o termo “migrante” em nívelinternacional. Nesse sentido, a Convenção de 1990 sobre a Proteção dos Direitos de Todos osTrabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias apenas trabalha com a ideia de“trabalhador migrante”. Também segue essa linha o artigo 11 da Convenção da OIT de 1975sobre Migrações em Condições Abusivas e Proteção da Igualdade de Oportunidades e deTratamento dos Trabalhadores Migrantes e da Convenção da OIT de 1979 sobre

10

Page 11: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

Trabalhadores Migrantes, assim como o artigo 1 da Convenção Europeia de 1977 relativa aoEstatuto Jurídico do Trabalhador Migrante.

Algumas organizações internacionais e meios de comunicação compreendem eutilizam o termo “migrante” como um termo generalista que incluiria migrantes e refugiados.Por exemplo, estatísticas globais em migrações internacionais normalmente utilizam umadefinição de “migração internacional” que inclui os movimentos de solicitantes de refúgio ede refugiados7.

Apesar da ausência de definição jurídica objetiva, os migrantes são comumentecompreendidos dentro de um contexto de deslocamento voluntário. Por isso, o AltoComissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) sempre se refere a“refugiados” e “migrantes” separadamente, para manter clareza acerca das causas ecaracterísticas dos movimentos de refúgio e para não perder de vista as obrigações específicasvoltadas aos refugiados nos termos do direito internacional.

É importante esclarecer que, partindo da premissa acerca da diferença técnicapromovida pela ACNUR entre “migrantes” e “refugiados”, esses últimos possuem legislaçãoespecífica – Protocolo Sobre o Estatuto dos Refugiados – enquanto aqueles são protegidos pordocumentos genéricos de Direitos Humanos, como a Declaração Universal dos DireitosHumanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticose o Pacto Internacional dosDireitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Por fim, no que se refere ao termo “migração forçada”, observa-se que, por vezes, éutilizado como um termo generalista e aberto, que inclui diversos tipos de deslocamentos oumovimentos involuntários, tanto os que cruzam fronteiras internacionais quanto os que sedeslocam dentro do mesmo país. À semelhança do vocábulo “migrantes”, “migração forçada”também não possui uma definição jurídica uníssona e objetiva, o que acaba por admitir a suautilização de modo indiscriminado.

Considerando tais informações, a melhor forma de se referir a grupos mistos emdeslocamento que incluam tanto refugiados quanto migrantes, segundo a prática adotada peloACNUR8, é como “refugiados e migrantes”. Tal expressão permite a compreensão de quetodas as pessoas em deslocamento possuem Direitos Humanos que devem ser respeitados,protegidos e satisfeitos, sem perder de vista que os refugiados e solicitantes de refúgiopossuem determinadas necessidades e direitos que são protegidos por uma estrutura legalespecífica.

3 Os Refugiados e Migrantes Venezuelanos no Estado de Roraima

Para entender o atual e constante movimento de migração venezuelana no Brasil épreciso entender a crise política e econômica que ocorre na Venezuela.

7 Dados apresentados pela Organização das Nações Unidas, disponível em: < https://nacoesunidas.org/qual-a-diferenca-entre-refugiados-migrantes/>. Acesso em: 15 jun. 2019

8 Idem.

11

Page 12: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

Primeiramente, é preciso ressaltar que a Venezuela, em 1920, começou a explorar asreservas de petróleo em seu país, a qual é considerada a maior reserva de petróleo do mundo.Assim, a economia ficou em torno desse recurso natural que possui uma forte relevância noorçamento do país.

Em 1999, Hugo Chávez venceu a eleição presidencial e, como plano de governo,investiu em uma agenda econômica estabilizadora demarcada por uma forte intervençãoestatal na economia, principalmente no que se referia ao petróleo. Com isso, a oposiçãopolítica atuou constantemente para tirar Chávez do poder político, como a realização deplebiscitos, protestos e greves.

Apesar disso, Hugo Chávez também investiu na classe mais pobre da Venezuela, o quediminuiu a desigualdade social e aumentou a expectativa de vida, o que lhe concedeu um forteapoio popular e lhe assegurou as vitórias nas votações estabelecidas democraticamente.

Após a morte de Hugo Chávez, Nicolás Maduro foi eleito em 2013. Entretanto, amaioria legislativa no governo de Maduro era de oposição ao seu governo. Assim, a atuaçãopara tirar esse Presidente do poder foi uma constante.

Como citado anteriormente, a Venezuela possui uma forte dependência do petróleo e,em 2014, ocorreu uma crise internacional do petróleo, desencadeada pela independência dosEstados Unidos em extrair do seu território esse recurso e pela alta produtividade por partedos países árabes. Por tal perspectiva, com maior oferta de petróleo, os preços dos barrispassaram a ser menores. Com essa queda no preço do barril, a Venezuela passou por uma altainflação que chegou a 720% (setecentos e vinte por cento), já que toda a sua economia erabaseada no petróleo. Dessa maneira, a inflação desencadeou a falta de recursos básicos, que seinstalou desde o âmbito alimentício até farmacêutico naquele País.

É preciso mencionar que a estatal que gera a exploração do recurso no país comexclusividade (PDVSA) passou por baixos investimentos no que tange à maquinaria dedesenvolvimento tecnológico, causados principalmente pela má gestão dessa petrolífera.Nesse sentido, a produção de barris diminuiu ao longo dos anos.Outro elemento queintensificou os prejuízos às finanças da PDVSA foi a criação, ainda no governo de HugoChávez, da Petrocaribe, uma iniciativa na qual a Venezuela se comprometia a fornecerpetróleo a preços muito mais baixos para países caribenhos aliados ao governo, com longosprazos para pagamento. Na prática, isso significou quase que um empréstimo de dinheiro semprojeção de retorno.

Com a queda do preço do petróleo e uma redução no fluxo de divisas, o governovenezuelano passou a imprimir mais dinheiro para cobrir o rombo nas contas públicas e issofoi gerando cada vez mais inflação.

A hiperinflação provocou uma pulverização da renda e a pobreza no País aumentou.Em 2017, o índice de pessoas na linha da pobreza chegou a 87% (oitenta e sete por cento), umaumento de 40 (quarenta) pontos percentuais em três anos, segundo levantamento daUniversidade Católica Andrés Bello9.

9 Informação retirada da reportagem disponível em: < https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2018/10/o-que-levou-venezuela-ao-colapso-economico-e-maior-crise-de-sua-historia.html>. Acesso em: 16 jun. 2019.

12

Page 13: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

Essa crise econômica, em soma com a turbulência política, desencadeou fortesprotestos e manifestações na Venezuela, os quais foram fortemente reprimidos pelo governo.Sendo assim, a falta de recursos básicos para sobreviver fez com que um grande número devenezuelanos migrasse para outros países com o intuito de ter uma vida digna.

A situação da Venezuela também afetou a sua participação no Mercado Comum do Sul(MERCOSUL), tendo sido suspensa do bloco em 2017. De acordo com o professor Valério deOliveira Mazzuoli, esse fato ocorreu porque a Venezuela denunciou a Convenção Americanaem 10 de setembro de 2012, reduzindo a proteção dos Direitos Humanos aos segmentos maisvulneráveis de sua população, o que, sem dúvida, pode dificultar (a partir da sua entrada nobloco) os avanços que se buscam implementar no Mercosul relativos a Direitos Humanos.

Em vista disso, a migração dos venezuelanos para o Brasil se intensificou a partir de2015 e até 2018 essa população venezuelana no Brasil tinha aumentado 3.000 % (três mil porcento), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dessa maneira, 99%(noventa e nove por cento) dos migrantes e refugiados venezuelanos vivem em Roraima,principalmente em Pacaraima, cidade brasileira que faz fronteira com a Venezuela (localizadaa cerca de 200 km de distância da capital do estado de Roraima, Boa Vista). Segundo aACNUR, em média, entre 150 a 200 venezuelanos passam pelo Centro de Recepção eRegistro em Pacaraima, além de existir mais de 6 mil venezuelanos morando nos abrigosapoiados pelo ACNUR e parceiros em Boa Vista e Pacaraima.

Como já restou detalhado no capítulo anterior, é possível categorizar os venezuelanosque se deslocam do seu País com destino ao Brasil como grupos mistos, envolvendo tantorefugiados como migrantes, dependendo das espécies de Direitos Humanos que estejam sendovioladas por meio das graves tensões no País.

Considerando os elevados números de refugiados e migrantes venezuelanos queatravessam a fronteira com o Brasil buscando acolhida,observou-se um superlotamento nossetores da saúde e educação no estado de Roraima, o quefoi divulgado por noticiários naimprensa brasileira e geroumanifestações por parte dos brasileiros residentes da cidade dePacaraima.

Por tudo isso, em agosto de 2018, a Governadora do estado de Roraima determinouque, para o uso dos serviços públicos, seria permitido, apenas, imigrantes com passaporte.Logo em seguida, no dia 03 de agosto de 2018, a Advocacia Geral da União requereu aoSupremo Tribunal Federal a suspensão do Decreto expedido pela governadora de Roraima,por considerá-lo inconstitucional. Por isso, no dia 05 de agosto, o Juiz da primeira Vara daFederal de Roraima suspendeu a admissão de imigrantes venezuelanos. Dois dias depois dessasuspensão, o Tribunal Regional Federal reabriu as fronteiras. Ato seguinte, o governo deRoraima encaminhou ao Supremo Tribunal Federal ação civil com pedido para fechar,temporariamente, a fronteira com a Venezuela.

Nesse sentido, em 28 de agosto de 2018, o Presidente Michel Temer assinou o Decretode Garantia da Lei e da Ordem no estado de Roraima na fronteira com a Venezuela,objetivando garantir a segurança do Estado, tendo vigorado de 29 de agosto até 12 desetembro de 2018. Em um pronunciamento, o Presidente afirmou:

13

Page 14: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

“— Tomei essa decisão para complementar as ações humanitáriasque o governo federal promove há vários meses em Pacaraima e BoaVista — afirmou o presidente. — Oferecemos atendimento médico,assistência social e abrigos que recebem as famílias de migrantes emfluxo cada vez mais intenso.”10

Nesse contexto, faz-se necessário destacar os elementos centrais do Decreto nº. 9.483,de 28 de agosto de 2018:

Art. 1º. Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para agarantia da lei e da ordem, no período de 29 de agosto a 12 desetembro de 2018, nas seguintes áreas do Estado de Roraima:I - Faixa de fronteira Norte e Leste; eII - Rodovias federais.§ 1º O emprego das Forças Armadas ficará limitado às competênciasfederais nas áreas de atuação a que se referem os incisos I e II docaput.§ 2º O ministro de estado da defesa definirá a alocação dos meiosdisponíveis para o emprego a que se refere o caput.

É perceptível que houve uma resistência por parte do governo de Roraima em receberesses refugiados e migrantes por motivos de infraestrutura. Sendo assim, o emprego da GLOfoi uma das medidas constitucionais utilizada para a garantir a segurança pública do estado deRoraima e para solucionar a turbulência do fluxo migratório.

Ademais disso, é preciso entender, também, quem são os imigrantes e o seu papel noBrasil. Segundo dados obtidos pela FGV, em julho de 2017 junto à Polícia Federal, o númerode registros ativos de venezuelanos no Brasil era de cerca de 5 mil. Conforme dados doComitê Nacional para os Refugiados (Conare), este número era de 209 em 2014, 829 em 2015e 3.375 em 2016. Segundo o ACNUR, entre 2014 e 2017 já se somaram mais de 22 milsolicitações de refúgio de venezuelanos no Brasil, o que sugere que este número teve umcrescimento muito expressivo em 2017, ano de acirramento das condições sociais daVenezuela. Outro dado relevante é que uma parcela significativa dos venezuelanos que aqui serefugiam possui níveis majoritários de escolarização que superam as das populações locaisbrasileiras11.

Dos refugiados presentes no Brasil, 65% (sessenta e cinco por cento) estão à procurade emprego, 22% (vinte e dois por cento) são crianças e 10% (dez por cento) estão morandona rua. Nesse contexto, há uma necessidade de viabilizar emprego, escola e abrigo para essesrefugiados/migrantes. Assim, grande parte dos refugiados que procura constantementeemprego acaba sendo explorada, permanecendo vulnerável.

10 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/temer-anuncia-decreto-de-garantia-de-lei-ordem-em-roraima-23019281>. Acesso em: 16 jun. 2019.

11 Disponível em< http://dapp.fgv.br/entenda-qual-o-perfil-dos-imigrantes-venezuelanos-que-chegam-ao-brasil/>. Acesso em: 16 jun. 2019.

14

Page 15: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

A GLO implementada pelo Governo Federal aumentou a fiscalização na fronteira coma Venezuela, destinando mais de 300 militares. Além disso, foi criado um novo posto volantenas rodovias BR-174 e 401 e a efetivação constante da circulação de militares nas ruas e naregião de Pacaraima, os quais possuem autonomia para conter qualquer conflito na região.

Dessa forma, o decreto possui uma forte fiscalização para entrada dos refugiados emigrantes venezuelanos, com o intuito de assegurar a ordem pública, proteger a soberanianacional, bem como garantir os direitos humanos aos migrantes e refugiados venezuelanos.

4 As Operações Tucuxi II, Acolhida, Controle e a Soberania Brasileira

O conceito de fronteira é definido como uma faixa de terra que delimita territóriosinternacionais, ou seja, é responsável por definir a base territorial de cada país e,consequentemente, protege os elementos constitutivos do Estado: povo, território, soberania efinalidade. Nesse aspecto, a fronteira entre a República Federativa do Brasil e a RepúblicaBolivariana da Venezuela, que foi demarcada em 1859 pelo Tratado de Limites e NavegaçãoFluvial e sancionada pelo Protocolo de 1929, tem como principal ponto de acesso entre ospaíses a cidade de Pacaraima, localizada no estado-membro brasileiro de Roraima.

Contudo, como já foi visto, a crise política e econômica na qual a Venezuela estáinserida acendeu algumas discordâncias acerca da fiscalização na fronteira entre os países. Éexatamente nesse aspecto de crise que assola a nação venezuelana que o Brasil passa a exercerpapel de destaque, tornando-se um polo atrativo para a migração.

Para entrarem em território brasileiro, os venezuelanos não precisam obter um vistoemitido pelo governo brasileiro, e podem permanecer no território por até sessenta dias comoturistas. Em decorrência da crise, o Brasil permitiu que os venezuelanos estabelecessemresidência temporária no país, criando mecanismos específicos para tal ato.

A maioria dos migrantes encaixa-se na categoria de refugiados, pois são perseguidospolíticos ou foram obrigados a deixar a Venezuela devido ao descaso com a população e afalta de suprimentos básicos. Desse modo, o Brasil permite às pessoas que se enquadram nacondição de refugiado o uso da carteira de trabalho temporária e a permissão para matricularseus filhos em escolas brasileiras. Para aqueles migrantes que se deslocaram voluntariamentedo País, também é concedida proteção humanitária, em virtude dos inúmeros tratados sobreDireitos Humanos assinados pelo Brasil.

Por um lado, o fluxo de migrantes dentro de um país é positivo, pois, de certa forma, éresponsável por suprir a mão de obra operante e escassa em algumas áreas da economia, alémde realizar tarefas com custos menores. Porém, a imigração dos cidadãos da Venezuela para oBrasil foi concentrada em um único estado: Roraima. Essa situação desencadeou diversosproblemas no território nacional brasileiro, pois houve uma superlotação do estado, o quesobrecarregou as entidades públicas responsáveis pelos serviços básicos oferecidos aoscidadãos brasileiros.

Para exemplificar, pode-se citar o colapso dos hospitais que dão assistência aosusuários do Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que o número de atendimentos diárioscresceu em larga escala. Ainda, é preciso ter em conta que os venezuelanos carecem deatendimento médico em seu país de origem, necessitando de maior atenção e cuidado, vistoque muitos possuem doenças graves que precisam ser tratadas de forma urgente.

15

Page 16: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

Os moradores de Pacaraima, cidade fronteiriça com a Venezuela, também, expulsaramde forma violenta, em um ato de rebeldia e desespero, refugiados que estavam instalados embarracas e em abrigos, inclusive ateando fogo em seus pertences.

Um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) verificou, nomonitoramento de redes sociais da FGV/DAPP, predomínio geral de posicionamentoscontrários ao acolhimento de imigrantes no estado, cuja capital Boa Vista enfrenta problemaslogísticos e financeiros para recebê-los em dignas condições. A pesquisa identificou, entre 22de janeiro e 19 de fevereiro de 2019, 58,9 mil postagens sobre a migração venezuelana aoBrasil, sendo 2 mil originadas de blogs com material noticioso/informativo (3,4%), 5,8 mil desites de notícias (10%) e 51 mil publicações do Twitter (86,6%)12.

Apesar do predomínio oposto à ampla recepção de venezuelanos, é preciso mencionarque esse posicionamento se mostrou bastante fragmentado, em função dos diferentes atores deinfluência que atuaram no debate, tendo argumentação crítica mais forte em relação aogoverno da Venezuela e à situação emergencial da população do que em relação à questãomigratória em si.

Diante do exposto, foi necessário que o governo brasileiro adotasse medidas paraamenizar a situação em Roraima, buscando estabelecer a ordem e atender as necessidadesfundamentais dos brasileiros e também dos venezuelanos. Portanto, foi implementada aoperação Tucuxi II, outorgada pelo Decreto nº 9.483, que teve duração de outubro de 2018 amarço de 2019, na fronteira do Brasil com a Venezuela, especificamente no estado deRoraima na faixa leste e norte, para proteger as atividades relacionadas ao acolhimento dosrefugiados e migrantes venezuelanos e garantir seus direitos, além de supervisionar asrodovias federais. Essa operação foi sistematizada pelo Ministério da Defesa, órgão doGoverno Federal responsável por exercer a direção das Forças Armadas e sistematizar asoperações que envolvem essa entidade.

Além disso, no início da operação, foi direcionada à Roraima uma comitiva doMinistério de Defesa, com o objetivo de identificar os principais locais e atividades que foramafetados pelo aumento da população no estado, para que a operação tivesse como focorestaurar a harmonia e a segurança desses locais, dos cidadãos brasileiros e dos recém-chegados venezuelanos. Ademais, o Presidente da República editou a medida provisórianúmero 823 de março de 2018, que liberou cerca de 190 milhões de reais para que oMinistério da Defesa conseguisse realizar seu planejamento de ofertar aos venezuelanosmelhores condições de vida, bem como proteger os direitos básicos da população brasileiraafetada pela situação.

Desse modo, foram postas em práticas duas operações federais que, em concordânciacom a Garantia da Lei e da Ordem, interferiram na ordem estatal com o objetivo derestabelecer a ordem pública, o funcionamento das instituições e a integridade da população.A primeira delas, denominada Operação Acolhida foi coordenada pela Força-Tarefa Logísticae Humanitária e, para ter sua funcionalidade exercida de maneira plena, foi necessário atuarem parceria com outras agências, como órgãos da esfera municipal, estadual e federal.

12 Pesquisa disponível em: < http://dapp.fgv.br/analise-de-redes-sobre-refugiados-venezuelanos-aponta-para-o-desafio-migratorio-em-roraima/>.

16

Page 17: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

Inicialmente, o objetivo principal dessa operação foi o de recepcionar osvenezuelanos, por meio de assistências médicas, melhora nas condições dos abrigos e adistribuição de alimentos. Posteriormente, a operação busca interiorizar esses refugiados emigrantes, visando distribui-los de maneira igual pelo território brasileiro, a fim de equilibrara funcionalidade das instituições públicas e resolver a questão da superpopulação no estado deRoraima.

Cabe destacar, ainda, que a Operação Acolhida teve seu prazo expandido por mais detrês vezes, sendo as duas mais significativas realizadas, primeiramente, pelo presidentevigente na época, Michel Temer, que a estendeu até março de 2019 e, mais recentemente, pelogovernador do estado, Antônio Denarium, que a prorrogou por mais um ano, a partir de 2019.A última prorrogação teve como justificativa o fato de que o número de refugiados emigrantes originados da Venezuela foi maior do que o esperado, impossibilitando que asações conseguissem concluir seus objetivos com êxito e plenitude.

A segunda operação implantada, denominada Operação Controle, foi coordenada peloExército Brasileiro, especificamente pela 1ª Brigada de Infantaria da Selva, e objetivouaumentar a segurança na fronteira entre Roraima e Venezuela, intensificar a triagem e ocontrole dos refugiados, além de direcioná-los para os centros de acolhimento e auxiliarem oprocesso de interiorização deles no Brasil ou o possível retorno à Venezuela.

Dessa forma, o emprego das movimentações empreendidas pelas Forças Armadasauxiliou na manutenção da ordem e da paz no município de Pacaraima, assistindo apopulaçãovenezuelana e ao povo brasileiro residente da localidade. Isso evitou a iminência de umaacentuação dos conflitos já incidentes.

5 Conclusão

A República Federativa do Brasil exerce jurisdição sobre suas fronteiras comsupremacia mediante a autoridade máxima do Presidente da República, nos termos daCRFB/88. Assim, a utilização das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordemcomoferramenta da soberania nacional prevista na CRFB/88, respaldada pelo Decreto nº.3.897/2001 e pelo Decreto nº. 9.483, foi de extrema importância para que o estado deRoraima conseguisse lidar com o grande fluxo de refugiados e migrantes advindos daVenezuela, seja por situações de decadência socioeconômicas, seja por perseguições políticas.A utilização dessa medida contribuiu para que os venezuelanos acolhidos no Brasilobtivessem, pelo menos em parte, o acesso às condições mínimas de existência, definidas pelapremissa de que todos possuem direitos somente pelo fato de ser pessoa humana.

Ademais, observou-se que a GLO objetiva minimizar os conflitos ocorridos entre aspopulações envolvidas na localidade, almejando o restabelecimento da ordem pública. Nesseaspecto, as Forças Armadas disponibilizaram militares para a região afetada pelo fluxomigratório, os quais conseguiram, ao menos, amenizar o sofrimento dos refugiados emigrantes na transição transfronteiriça.

Como já mencionado, a operação de GLO na região de Roraima ambiciou restabelecera ordem e a manutenção da paz na localidade, considerando a conjuntura conflituosa entre opovo brasileiro e os refugiados e migrantes devido a distribuição de benefícios públicos, alémda superlotação de hospitais e instituições de ensino. Assim, tornou-se necessária uma

17

Page 18: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

intervenção governamental na questão presente, para assegurar os direitos fundamentais detoda a população e os serviços básicos de qualidade igualitariamente.

Os serviços prestados a partir do Decreto nº.3.897/2001, foram de extremaimportância para que o acesso à saúde, à educação e à moradia fosse assegurado de formamais satisfatória, além de garantira soberania nacional brasileira na fronteira, protegendo,assim, o território e todos que direta ou indiretamente sofreram com o deslocamento emgrande escala dos venezuelanos.

Destarte, as Operações Tucuxi II, Acolhida e Controle, nas quais a Garantia da Lei eda Ordem fora aplicada a partir dos preceitos afirmados nos artigos 5º e 142, ambos daCRFB/88 – que abordam os direitos fundamentais somados às disposições acerca das ForçasArmadas –, além de cumprir com o Direito Humano de migração, possibilitou a integraçãodos refugiados e migrantes.

Todo projeto desenvolvido pelo governo federal destinado a inclusão dos indivíduosem situação migratória no país salientou a preocupação do Estado na busca pela proteção dosDireitos Humanos, seja dos nacionais, seja dos migrantes e refugiados,constituindo-se emações desejadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o quecorrobora para uma atuação harmônica e prestativa no âmbito das relações internacionais.

É nítido que a atuação das Forças Armadasna assistência ao Estado Brasileiromediante a pauta internacional migratória, em especial no caso do fluxo migratóriovenezuelano,contribuiu sobremaneira para pacificar os conflitos existentes na região,fiscalizando as práticas adotadas pelos diversos órgãos de serviço público, bem comoprotegendo a fronteira brasileira e, consequentemente, assegurando o exercício da soberanianacional.

Nota-se que o estabelecimento de critérios e regras para a concessão da acolhida einserção dos refugiados e migrantes venezuelanos no estado de Roraima, quando materializaos preceitos regidos pela CRFB/88, como proteção da dignidade da pessoa humana (tanto devenezuelanos como de brasileiros), importa em um ato de soberania do País (fundamento daRepública Brasileira), que objetiva a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária, epor fim, a defesa da paz, todos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Dessa forma, tendo em vista o contexto em que se encontrava o estado de Roraima,fez-se necessária a aplicação de GLO como ferramenta constitucional, uma vez que as demaismedidas promovidas anteriormente pelos Órgãos de SegurançaPública demonstraram-seineficazes. Por isso, entende-se que as Operações Tucuxi II, Acolhida e Controle forammedidas necessárias para que fossem preservados os Direitos Humanos dos venezuelanos ebrasileirosenvolvidos na questão, para que sereafirmasse a soberania do Brasil no âmbitointerno e internacional.

Como elemento fundamental difundido na comunidade internacional, os DireitosHumanos servem de limitadores nas atuações dos Estados, além de orientar a tomada dedecisão. Tendo isso em conta, verificou-se que o exercício da soberania nacional através doemprego de GLO com a atuação das Forças Armadas em Roraima não representou umaviolação aos Direitos Humanos. Ao contrário, representou uma forma constitucional degarantir esses direitos de modo uniforme, ponderador e organizado.

18

Page 19: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

Referências Bibliográficas

ACNUR intensifica sua resposta diante do aumento das solicitações de refúgio devenezuelanos-2017. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2017/07/17/acnur-intensifica-sua-resposta-diante-do-aumento-das-solicitacoes-de-refugio-de-venezuelanos/.Acesso em: 07 de junho de 2019.

AGÊNCIA BRASIL. Forças Armadas, Roraima. Forças Armadas ficam em Roraima até dezembro, Brasília, 30 out. 2018. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-10/decreto-prorroga-emprego-das-forcas-armadas-em-roraima. Acesso em: 7 jun. 2019.

BRASIL. Lei nº MPV Nº823, de 9 de março de 2018. Abre crédito extraordinário, em favor do Ministério da Defesa, no valor de R$ 190.000.000,00, para os fins que especifica. [S. l.], 9 mar. 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Mpv/mpv823.htm. Acesso em: 7 jun. 2019.

Brasil tem cerca de 30,8 mil imigrantes venezuelanos; somente em 2018 chegaram 10 mil, dizIBGE-2018. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/08/29/brasil-tem-cerca-de-308-mil-imigrantes-venezuelanos-somente-em-2018-chegaram-10-mil-diz-ibge.ghtml. Acesso em: 07 de junho de 2019.

COSTA, Emily. Decreto que expande ação das Forças Armadas em Roraima é prorrogado até março de 2019: GLO garante poder de polícia às Forças Armadas em abrigos e atividades relacionadas ao acolhimento dos refugiados venezuelanos.. G1: G1 RR, Boa Vista, Roraima, Brasil, p. 1-1, 28 dez. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2018/12/28/decreto-que-expande-acao-das-forcas-armadas-em-roraima-e-prorrogado-ate-marco-de-2019.ghtml. Acesso em: 8 jun. 2019.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. [S. l.]: Saraiva, 2011.

Curso de Direitos Humanos / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – Rio de Janeiro: Forense; SãoPaulo: MÉTODO, 2014. ISBN 978-85-309-5748-3

De onde vêm as pessoas que pedem refúgio no Brasil - e qual a situação em seus países?-2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44177606. Acesso em:07 de junho de 2019.

Entenda qual o perfil dos imigrantes venezuelanos que chegam ao Brasil-2018. Disponívelem: http://dapp.fgv.br/entenda-qual-o-perfil-dos-imigrantes-venezuelanos-que-chegam-ao-brasil/. Acesso em: 07 de junho de 2019.

GOVERNO DO BRASIL. Operação Acolhida será prorrogada por mais um ano. Governador de Roraima garante que a fronteira permanecerá aberta e o acolhimento continuará a ser feito, [S. l.], 18 jan. 2019. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/noticias/cidadania-e-inclusao/2019/01/operacao-acolhida-sera-prorrogada-por-mais-um-ano#wrapper. Acesso em: 8 jun. 2019.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. [S. l.]: Contraponto, 2006.

19

Page 20: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

LEI DE MIGRAÇÃO. Decreto-Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Diário Oficial da União, 24 maio 2017.

LEI DE MIGRAÇÃO. Decreto-Lei nº 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamentação daLei de Migração. Diário Oficial da União, 20 nov. 2017.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. [S. l.]: Método, 2014.

MINISTÉRIO DA DEFESA CHEFIA DE OPERAÇÕES CONJUNTAS SUBCHEFIA DE OPERAÇÕES SEÇÃO DE OPERAÇÕES COMPLEMENTARES. EFETIVOS E CUSTOS DE GLO (2010 -2019). 3 abr. 2019. 1 tabela. Disponível em: https://www.defesa.gov.br/arquivos/exercicios_e_operacoes/glo/6.glo_2010_2018_custos_e_efetivos_03_ABR_2019.pdf. Acesso em: 5 jun. 2019.

Ministério da Defesa. Publicação MD33-M-10 –Manual de GLO, 2014. Disponível em: < https://www.defesa.gov.br/arquivos/ensino_e_pesquisa/defesa_academia/cedn/viii_cedn/ffaagloviiicedn.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2019

MINISTÉRIO DA DEFESA. Garantia da Lei e da Ordem. Brasil, 2017. Disponível em: https://www.defesa.gov.br/exercicios-e-operacoes/garantia-da-lei-e-da-ordem. Acesso em: 4 jun. 2019.

MINISTÉRIO DA DEFESA. OPERAÇÕES EM RORAIMA VISAM À COORDENAÇÃO EÀ SEGURANÇA DE VENEZUELANOS QUE FOGEM DA CRISE HUMANITÁRIA. Exército Brasileiro, braço forte - mão amiga, Boa Vista, RR, entre 2018 e 2019. Disponível em: http://www.eb.mil.br/web/noticias/noticiario-do-exercito/-/asset_publisher/MjaG93KcunQI/content/operacoes-em-roraima-visam-a-coordenacao-e-a-seguranca-de-venezuelanos-que-fogem-da-crise-humanitaria-. Acesso em: 8 jun. 2019.

POLÍTICA NA VENEZUELA: O FIM DE UMA ERA? -2017. Disponível em:https://www.politize.com.br/politica-venezuela/. Acesso em: 07 de junho de 2019.

PORTAL PLANALTO. Entenda como funciona a operação de Garantia da Lei e da Ordem. Segurança, Planalto, 24 maio 2017. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/mandatomicheltemer/acompanhe-planalto/noticias/2017/05/entenda-como-funciona-a-operacao-de-garantia-da-lei-e-da-ordem. Acesso em: 4 jun. 2019.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CASA CIVIL SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. DECRETO Nº 3.897, DE 24 DE AGOSTO 2001. nº3.897, de 24 de agosto de 2001. Fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, e dá outras providências. [S. l.], 24 ago. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3897.htm. Acesso em: 4 jun. 2019.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CASA CIVIL SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. DECRETO Nº 9.483, DE 28 DE AGOSTO DE 2018 nº Nº 9.483, de 28 de agosto de 2018. Autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem nas áreas especificadas, no Estado de Roraima. [S. l.], 28 ago. 2018. Disponível em:

20

Page 21: O Papel das Forças Armadas na ... - Governo do Brasil...1 A Soberania do Estado e a Garantia da Lei e da Ordem como Ferramenta Constitucional Na contemporaneidade, os doutrinadores

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Decreto/D9483.htm. Acesso em: 12 jun. 2019.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. [S. l.]: Saraiva, 2017.

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. [Constituição (1988)]. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Planalto: [s. n.], 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 5 jun. 2019

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 97, DE 9 DE JUNHO DE 1999 nº nº97, de 13 de junho de 2019. Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Planalto, 9 jun. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp97.htm. Acesso em: 5 jun. 2019.

REZENDE MOREIRA, Stefânia. O papel do Estado frente às migrações internacionais: uma análise do caso brasileiro. Conjuntura Internacional, Belo Horizonte, p. p.82 - 91, 20 jan. 2014. Disponível em: file:///C:/Users/La%C3%ADs%20Helena/Downloads/13834-57380-2-PB%20(1).pdf. Acesso em: 5 jun. 2019.

21