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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO PARAN
CENTRO DE CINCIAS EXATAS E TECNOLGICAS
CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
DAYANE GUSSO MIRANDA
cONTEMPORANEIDADE nO qUILOMBO TRABALHO FINAL DE GRADUAO
CURITIBA
2009
2
dAYANE gUSSO mIRANDA
cONTEMPORANEIDADE nO qUILOMBO TRABALHO FINAL DE GRADUAO
Relatr io de Pesquisa para o Trabalho Fina l de
Graduao, com o tema Contemporaneidade no
Qui lombo , apresentado ao curso de Arquite tura e
Urbanismo da Pont if c ia Univers idade Catl ica do
Paran, com or ientao da professora Gilda Amaral
Cassilha.
CURITIBA
2009
3
O som que nos irmana
o som que nos aquece
o som que nos reveste
de coragem pra vencer
tambor to bom teu som
tam-tam batuque at o teu doce poema
toque canto e dana
lana luta gol
vinda de Cabinda
do Golfo de Benin
chuva de esperana
o sono no capim
a noite palpitando
mil sis dentro de mim
(CUTI, Batuque de tocaia, 19
4
Aos meus ancestrais, sobre os quais, com este trabalho,
comecei a conhecer um pouco da histria e cultura.
5
SUMRIO
1 INTRODUO.......................................................................................................7
2 JUSTIFICATIVA......................................................................................................8
3 CONTEXTO HISTRICO DO BRASIL NO PERODO DE CHEGADA DOS NEGROS............9
3.1 DESCOBRIMENTO DO BRASIL E PERODO PR-COLONIAL.........................................9
3.2 PERODO COLONIAL...............................................................................................10
3.3 O AUGE DA PRODUO AUCAREIRA.....................................................................10
3.4 A INVASO HOLANDESA.........................................................................................11
3.5 A EXPANSO TERRITORIAL E A DESCOBERTA DO OURO..........................................11
4 A CHEGADA DO NEGRO E A ESCRAVIDO NO BRASIL............................................12
4.1 ABOLIO DA ESCRAVATURA.................................................................................15
4.2 SITUAO ATUAL DOS NEGROS NO BRASIL............................................................16
4.3 CULTURA AFRO-BRASILEIRA...................................................................................17
4.4 OS NEGROS NA REGIO SUL...................................................................................20
4.5 CHEGADA DOS NEGROS NO PARAN..............................................,.......................23
5 QUILOMBOS........................................................................................................24
5.1 SITUAO ATUAL DOS QUILOMBOS BRASILEIROS...................................................25
5.2 REGULARIZAO DA TERRA....................................................................................31
5.2.1 ETAPAS DO PROCESSO.........................................................................................32
5.2.2 DADOS GERAIS....................................................................................................34
5.3 EDUCAO DIFERENCIADA.....................................................................................36
6 QUILOMBOS NO PARAN....................................................................................37
6.1 LOCALIZAO. . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . .38
6.2 POPULAO.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .40
6.3 SITUAO ATUAL.. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .44
6.4 INFRA ESTRUTURA.................................................................................................45
6.5 EDUCAO............................................................................................................46
6.6 SADE...................................................................................................................47
6.7 A QUESTO DA TERRA...........................................................................................48
6.8 MUTIRO..............................................................................................................48
6
6.9 AGRICULTURA.......................................................................................................49
6.10 CULTURA.............................................................................................................49
6.11 CONGADA...........................................................................................................50
7 REFERENCIAS......................................................................................................52
7.1 QUILOMBO DOS PALMARES..................................................................................52
7.2 CONCEIO DAS CRIOULAS EXPERINCIA DE VIVNCIA PESSOAL.........................54
8 ARQUITETURA QUILOMBOLA.... . . . . . . .. . . . . . . .. . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . .60
9 PROGRAMA.... . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . .61
10 COMUNIDADE JUO SUR.... . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .64
10.1 LOCALIZAO.......................................................................................................64
10.2 HISTRICO...........................................................................................................65
10.3 DEMOGRAFIA.......................................................................................................67
10.4 DADOS POPULACIONAIS.......................................................................................67
10.5 CARACTERSTICAS DA POPULAO......................................................................67
10.6 DISTRIBUIO DA POPULAO DA COMUNIDADE...............................................70
10.7 ATIVIDADES ECONMICAS E DE SUBSISTNCIA....................................................70
10.8 CARACTERSTICAS CULTURAIS E RELIGIOSAS........................................................71
10.9 AES GOVERNAMENTAIS...................................................................................71
11 CONCLUSO......................................................................................................73
REFERNCIAS.........................................................................................................74
ANEXOS.................................................................................................................77
7
1 INTRODUO
Os quilombos surgiram a partir da fuga de escravos que no queriam mais se
submeter ao regime que lhes era imposto, formando comunidades escondidas, nas quais se
trabalhava para sua prpria sobrevivncia. Atualmente o conceito de comunidade
quilombola atribudo resistncia e autonomia de comunidades que deixaram a
escravido para serem camponeses livres e no mais fuga do escravismo.
At 2004 acreditava-se que o Paran possua cerca de 3 ou 4 comunidades
quilombolas. Hoje j foram identificadas 50, das quais, menos da metade eram conhecidas
pelo Instituto Cultural Palmares (entidade pblica que formula e implanta polticas de
incluso social para a populao negra brasileira), muitas eram desconhecidas para o prprio
municpio ao qual pertencem. Esse isolamento todo devia-se ao medo que os escravos
tinham de serem descobertos e terem de voltar a se submeter ao trabalho, atrasando seu
desenvolvimento, mas ajudando a preservar muitos costumes.
Este Trabalho Final de Graduao tem por objetivo propor uma interveno em uma
comunidade quilombola localizada no Estado do Paran, despontando-a para o cenrio atual
da sociedade, mas preservando, valorizando e utilizando para o seu desenvolvimento, sua
cultura, tradies e seu legado histrico. A interveno deve ser pensada em termos dos
aspectos organizacionais do espao fsico, bem como a preservao do meio ambiente no
qual a comunidade est inserido.
Ao longo desta pesquisa, ser discorrido um histrico da vinda do negro para o Brasil
e a formao dos quilombos, bem como sua situao atual, conceituando e justificando o
tema escolhido.
Tambm sero apresentados os componentes da interveno, sua localizao e
informaes a respeito do stio e seu entorno imediato.
8
2 JUSTIFICATIVA
A razo pela escolha do tema vem da necessidade de trabalhar um problema to
presente na realidade brasileira, que o descaso com a habitao popular e a falta de um
planejamento especfico para os menos favorecidos, absorvendo-se assim conceitos,
tcnicas, materiais e instrumentos urbansticos que possam ser usados para a soluo desses
problemas.
O fato de escolher uma comunidade quilombola paranaense como objeto de
interveno, vem do forte conceito cultural que elas representam e justamente do
desconhecimento que em geral os paranaenses tm sobre a existncia dessas comunidades
aqui no Estado e de que como esse isolamento acabou atrasando seu desenvolvimento no
sentido de falta de infra-estrutura e difcil acesso, mas por outro lado ajudou a preservar
muitos costumes.
Promover um desenvolvimento etno-sustentvel para quilombos um importante
passo, para concretiz-lo inegvel a participao e a influencia de espaos fsicos
adequados.
9
3 CONTEXTO HISTRICO DO BRASIL NO PERODO DE CHEGADA DOS NEGROS
Ser apresentado o contexto no qual o pas estava inserido na poca de chegada dos
negros, para que se entenda melhor como aconteceu sua distribuio no territrio e o
porque das formaes quilombolas nessas terras.
3.1 DESCOBRIMENTO DO BRASIL E PERODO PR-COLONIAL
O Brasil foi descoberto pelos portugueses (esquadra de Pedro lvares Cabral), em 22
de abril de 1500, quando foi chamado de Terra de Santa Cruz. Durante os 30 primeiros anos
perodo chamado de pr-colonial - no houve colonizao, ou seja, no houve a fixao e
nem atividades de desenvolvimento nas terras brasileiras por parte de seus descobridores,
havia apenas a explorao do pau-brasil (madeira que tinha alto valor comercial na Europa
por soltar um pigmento avermelhado usado para tingir tecidos), que os ndios ento nicos
habitantes destas terras colhiam e entregavam aos portugueses sob a forma de escambo
(troca de mercadorias). Em troca da madeira os portugueses davam aos ndios objetos como
espelhos, pentes, etc.
Esse desinteresse dos portugueses pelas terras brasileiras dava-se pelo fato de que
na poca, os comrcios feitos nas ndias eram as atividades mais lucrativas, em apenas uma
viagem ganhava-se muito dinheiro; j as terras recm descobertas, precisavam ser
exploradas, serem trabalhadas com a agricultura (atividade pouco atraente na poca) e,
aparentemente, no possuam riquezas minerais ou elementos que pudessem gerar lucro
imediato.
Como Portugal, nesta poca, no estava em situao financeira muito boa, essa
explorao do pau-brasil foi feita pelo sistema de estanco, ou seja, a coroa portuguesa tinha
o domnio sobre a madeira, mas permitia a sua explorao por particulares se estes lhe
pagassem impostos. Os principais nobres podiam explorar as ndias, e a nobreza de
segundo escalo podia explorar a madeira brasileira.
J em 1494, antes da descoberta do Brasil, Portugal e Espanha haviam assinado o
Tratado de Tordesilhas que dividiam as terras recm descobertas e por descobrir por ambas
as Coroas; assim, as terras brasileiras j eram de Portugal, por direito, antes mesmo de
serem descobertas; mas j nesse perodo pr-colonial, a costa, que no possua guarda, foi
tambm explorada por holandeses, ingleses e franceses que consideravam de direito posse
das terras, ao pas que as ocupasse.
10
Por esse motivo, a Coroa portuguesa mandou ao Brasil a expedio de Martin Afonso
de Sousa, desta vez com o objetivo de colonizao, expulso dos invasores, proteo e o
estabelecimento do cultivo de cana-de-acar.
3.2 PERODO COLONIAL
Para organizar as novas terras, Portugal estabeleceu o modelo administrativo de
capitanias hereditrias, no qual a terra foi dividida em 12 partes, administradas por
particulares, chamados de donatrios. Estes podiam explorar a terra, mas em troca deviam
proteg-la, povo-la e estabelecer o cultivo da cana.
J nesta fase, os ndios tornaram-se rebeldes, disputando as terras com os recm-
chegados. Junto a isso, a falta de recursos e ataques de piratas fez com que o sistema
falhasse. S duas capitanias progrediram, a de So Vicente (So Paulo) e a de Pernambuco.
Foi ento institudo o sistema de administrao chamado Governo-Geral, e as
capitanias fracassadas tornaram-se capitanias gerais, centralizando o poder. Tambm
surgiram nesta poca as cmaras municipais, que serviam para a administrao local, mas
claro, ainda sem a participao do povo no poder, essa administrao era feita pelos
chamados homens bons. O governador geral foi Tom de Sousa, que tinha como misso
combater os indgenas, proteger as terras, desenvolver a agricultura e procurar minerais. A
capital, nesta poca, era Salvador, visto que a regio mais desenvolvida at ento era o
nordeste.
3.3 O AUGE DA PRODUO AUCAREIRA
Nos sc. XVI e XVII, o Brasil tornou-se o maior produtor de acar do mundo, sendo
os maiores produtores a Bahia, Pernambuco, So Vicente (So Paulo) e Rio de Janeiro. Alm
do acar, eram destaques tambm a produo de tabaco e algodo.
Nesta fase, utilizava-se para a agricultura o mtodo plantation, ou seja, as fazendas
produziam um s produto que era internacionalmente comercializado. Elas eram
gerenciadas pelo senhor de engenho, seu proprietrio.
A colnia (Brasil) s podia comercializar com a metrpole (Portugal), e vender seus
produtos a preos j estipulados por ela; assim como s podia comprar dela os produtos
manufaturados e escravos de que precisavam, a preos muito elevados, garantindo assim os
altos lucros para Portugal.
11
A desigualdade social era muito grande, no topo vinham os senhores de engenho que
detinham o poder; abaixo vinham os homens livres comerciantes, padres, capatazes,
militares e artesos e funcionrios pblicos; depois, por ltimo, sem nenhum direito e
tratados como mercadorias, vinham os escravos, trazidos da frica - frente dificuldade que
se tinha de transformar o ndio em agricultor - e eram responsveis por praticamente todo o
trabalho braal.
Os escravos viviam em condies de misria. Dormiam nas chamadas senzalas em
pssimas condies de higiene.
3.4 A INVASO HOLANDESA
No ano de 1630 o Brasil foi invadido pelos holandeses, que se fixaram no nordeste
sob os comandos de Maurcio de Nassau. Este modernizou e organizou vrios trabalhos no
Recife. Porm os holandeses foram expulsos 24 anos depois.
3.5 A EXPANSO TERRITORIAL E A DESCOBERTA DO OURO
Foram os bandeirantes os responsveis pela expanso territorial do Brasil. Eles
penetraram nas matas em busca de ndios para aprisionar e de ouro e/ou diamantes;
encontrando as primeiras jazidas em Minas Gerais, Gois e Mato Grosso.
A metrpole passou a cobrar ento o quinto, imposto de 20% (1/5) sobre o ouro
encontrado e comeou a chamada corrida do ouro que trouxe o desenvolvimento urbano
e cultural para diversas regies. Por causa do desenvolvimento da regio sudeste, a capital
do pas foi transferida para o Rio de janeiro.
12
4 A CHEGADA DO NEGRO E A ESCRAVIDO NO BRASIL
A estimativa que atualmente tem merecido mais reconhecimento sobre o nmero de
escravos importados nos trs sc. de trfico negreiro no Brasil, de Antonie de Taunay,
que estimou 3,6 milhes de negros. Parece que o primeiro negro a chegar ao Brasil veio com
a esquadra de Martim Afonso e, depois, com Tom de Sousa para a edificao de Salvador
(1549). Foram eles os precursores dos milhes de negros africanos que, durante dois sculos
e meio, foram trazidos e escravizados no Brasil.
J na poca do descobrimento, Portugal estava estabelecendo, na frica, domnios
em certas regies de Guin, Zaire, Moambique, Gana, Angola e no arquiplago de Madeira
e Cabo Verde. De todos esses lugares foram trazidos escravos para o Brasil.
As feitorias estabelecidas em Madeira e Cabo Verde detinham o monoplio de
escravos que eram capturados na regio de rios de Guin (uma extensa regio cheia de rios
e canais navegveis). Ali, habitavam as tribos de biafadas, papis, manjacos, brames,
balantas, felupes, baiotes, banhuns, nalus, bijags, fulas e mandingas; estes dois ltimos
estavam em processo de criao de Estados e nacionalidades atravs da penetrao
religiosa, militar e poltica dos islmicos na regio, mas foram interrompidos pela escravido
e invaso causada pela colonizao europia. Eles (os fulas e mandingas) foram
desembarcados no nordeste para trabalhar nas lavouras de cana-de-aucar e, em 1616, na
Amaznia para a fundao de Belm. Porm, no foi advindo de Guin o maior nmero de
importaes de escravos para o Brasil.
Em 1576, Paulo Dias de Novais fundava Luanda, e o negro de Angola passou a
concorrer com os de Guin, nos ento principais portos de escravos: Rio de Janeiro, Bahia,
Recife e So Luis.
Em 1641, os holandeses, j senhores de Pernambuco, tomaram a colnia portuguesa
de Angola e, de l, trouxeram muitos negros para o Recife, onde os vendiam para o Cear e
Alagoas. Povos de lngua banto chegaram ao Brasil quase ininterruptamente at o fim do
trfico (1850); eram eles: os muxicongos, banguelas, rebolos e caanjes; tambm os
cambindas da colnia vizinha do Congo. Com base ou escala em Luanda, os navios
contornavam a regio meridional do continente e ainda traziam de Moambique para
vender no Brasil os macuas e angicos.
No sc. XVIII, comea o trfico com a Costa da Mina (no litoral setentrional do golfo
da Guin dos rios de Guin para o sul, o litoral africano era dividido em diversas costas: a
da Guin, Malagueta ou Gros, a do Marfim, a do ouro e a dos Escravos; a da Mina
englobava estas trs ltimas). 24 embarcaes foram para l em busca dos escravos,
levando cada uma, mercadorias (entre tabaco, acar, aguardente, etc.) para comprarem
500 negros. Os negros dessa regio vieram de diversas tribos: fntis, achantis, txis, gs,
13
eus, fons jejes, nags, tapas, haas, canures, fulas, mandingas e grunces; e j tinham
experincia no trabalho com o ouro, por isso assim que chegavam ao litoral brasileiro
Baiha - eram levados para o interior para o trabalho nas minas, onde eram vendidos a bons
preos. Os negros, trazidos do continente africano, eram transportados dentro dos pores
dos navios negreiros, devido s pssimas condies deste meio de transporte, muitos deles
morriam durante a viagem. Contudo, o transporte nessa poca foi o melhor de todo o
perodo, enquanto os navios que vinham de Angola perdiam em mdia um dcimo de sua
carga humana, os da Costa da Mina perdiam apenas 5%. Esses negros acabaram se tornando
uma espcie de elite escrava, comandando vrios negros em rebelies e servindo de
referncia religiosa (todos os cultos negros do Brasil tm base no culto de nags e jejes).
Com o tempo, a explorao das minas foi passando das mos de particulares para o
governo da metrpole e a aquisio desses negros nas minas foi diminuindo; portanto, em
grande concentrao na Bahia, muitos foram vendidos para afazeres domsticos urbanos no
Rio de janeiro, Maranho e Recife.
A partir desta fase, o negro foi ento desviado das minas, para a cultura do caf e do
algodo.
Em conseqncia de todo esse histrico, o negro adotou a lngua portuguesa, a
religio crist, os costumes nacionais e se destribalizou por completo. Na poca da
escravido o negro era distinguido de trs fromas: boal ou novo, referindo-se ao negro
recm-chegado, ainda sem conhecimentos da cultura brasileira; ladino, negro de origem
africana, mas familiarizados com os costumes brasileiros e o crioulo, nascido e criado no
Brasil. O Estado tambm recrutou negros para formaes militares subalternas.
Nada mais errneo, que imaginar a massa de escravos negros como
unidades tnicas ou lingsticas. Os capites dos navios recusavam
embarcar escravos pertencentes ao mesmo povo ou que falassem a mesma
lngua porquanto o perigo de motins a bordo freqentes e terrveis
aumentava quando os negros se achavam vinculados pela raa ou pela
lngua. A diversidade de origens dos negros era um penhor de segurana,
tanto para os traficantes como para os colonos. Em qualquer sentido, um
Ashanti do rio Volta e um Ovimbundu de Angola teriam extrema dificuldade
em entender-se, sendo to diferentes entre si quanto um italiano de um
alemo. Mais que a lngua, a religio era um fator de discrdia entre os
escravos. As autoridades coloniais portuguesas usavam astutamente as
religies africanas para espicaar essa discrdia (Dcio Freitas, 1982).
Toda essa violenta imposio cultural sobre os africanos preparou, por outro lado, o
caminho de sua ascenso social, criando relaes primrias de confiana e respeito mtuo
entre senhor e escravo e produziu trs tipos de trabalhadores escravos: o negro do campo, o
negro de ofcio e o negro domstico; mas produziu tambm negros forros (livres). No era
14
fcil, mas havia maneiras de se conseguir a liberdade (ainda que precria), como por
beneficiamento do senhor, em geral por testamento; por compra do prprio escravo, que
propunha pagar ao senhor o que este havia pagado por ele; ou por lei, em troca de algum
servio para o governo. Geralmente a alforria era dada a velhos ou doentes e em grande
maioria, para o beneficiamento do prprio senhor, quando este no queria mais aliment-
los e vesti-los.
O sonho da liberdade passou do individual ao coletivo com as juntas de alforria que,
de certa forma associadas s irmandades do Rosrio e de So Benedito, angariavam fundos
por todos pela libertao de cada um de seus componentes. Em 1871, com a Lei do Ventre
Livre, os novos negros nascidos j so considerados cidados livres e em 1885 ficam libertos
tambm os sexagenrios.
Contanto, a maioria dos escravos no teve a ajuda de circunstncias to propcias,
especialmente o negro de campo. Este esteve, mais do que os outros, sujeito e dependente
do senhor, que dispunha de sua vestimenta, moradia, tempo e at mesmo de suas relaes
sexuais. Sofreram tambm os piores castigos e brutalidades como o tronco, pontaps no
ventre de escravas gestantes, dentes quebrados a martelo, mutilaes e aleijes. De sete a
dez anos de trabalho, 14 horas por dia, o negro de campo se transformava em trapo humano
Sobre os seus ombros o negro de campo sustentou todo o comrcio exterior do Brasil
(Enciclopdia Barsa, 1994, v. 7, p. 71). Enquanto dispunham de alguma energia
abandonavam as fazendas e organizavam-se nos chamados quilombos.
O negro de ofcio estava num patamar ligeiramente superior. Ele desenvolvia suas
aptides naturais com ocupaes como barbeiro, ferreiro, pedreiro, marceneiro e
costureiras. Eles valiam muito mais do que os outros escravos e eram poupados das enxadas
e castigos corporais.
Os negros domsticos proliferaram-se nas cidades. Eram as mulheres mais bonitas e
agradveis, e os homens mais inteligentes e sociveis. Muitos aprenderam a ler e eles
geralmente criavam um lao com a famlia para a qual trabalhavam e exerciam cargos de
cozinheiras, pajem, moo de recados, criado, capanga, babs, etc. Os excedentes destes
negros criaram outros dois tipos de negros: os de aluguel e o de ganho. O primeiro gerava
lucros ao senhor sendo usado por outra famlia e o segundo pagava certa soma diria ao
senhor em troca de sua liberdade de ao.
Mais do que as leis, foram as condies sociais e econmicas e a organizao dos
prprios negros que propiciaram sua elevao de escravo para cidado. Fica claro o porqu
de 13 de abril de 1888 (dia da abolio da escravatura no Brasil) beneficiar apenas um
nmero aproximado de 750.000 escravos, cerca de metade da contagem de 16 anos antes
(1872) e menos de um dcimo da populao de cor do pas na poca.
15
4.1 ABOLIO DA ESCRAVATURA
Apesar de a escravido ser considerada normal do ponto de vista da grande
maioria da populao da poca, havia aqueles que eram contra este tipo de abuso, eram os
chamados abolicionistas.
O principal fator que manteve a escravido por quase trs sculos foi o econmico. A
economia do pas dependia deste trabalho escravo para realizar principalmente as tarefas
mais pesadas, portanto as providncias para sua libertao foram acontecendo aos poucos.
A partir de 1870, a regio Sul do Brasil passou a empregar assalariados brasileiros e
imigrantes estrangeiros; no Norte, as usinas substituram os primitivos engenhos, fato que
permitiu a utilizao de um nmero menor de escravos. J nas principais cidades, era grande
o desejo do surgimento de indstrias. Para no causar prejuzo aos proprietrios, o governo,
pressionado pela Inglaterra, foi dando a liberdade aos poucos:
- Em 1850 extino do trfico negreiro;
- Em 1871 a Lei do Ventre-Livre, que garantia liberdade aos filhos de escravos que
nascessem a partir de sua promulgao;
- Em 1885 a Lei dos Sexagenrios, que libertava negros com mais de 65 anos;
- Em 1888 finalmente a Lei urea, assinada pela princesa Isabel, que finalmente tornou
livre todos os escravos brasileiros.
16
4.2 SITUAO ATUAL DOS NEGROS NO BRASIL
A seguir, apresenta-se um mapa desenvolvido pelo IBGE, em escala nacional com
informao da populao que se declarou preta e parda no Censo Demogrfico 2000 (feito
por amostragem). o Brasil possua uma populao de cerca de 170 milhes de habitantes
naquele ano, dos quais 91 milhes se classificaram como brancos (53,7%), 65 milhes como
pardos (38,5%), 10,5 milhes como pretos (6,2%), 762 mil como amarelos (0,4%) e 734 mil
como indgenas (0,4%).
Distribuio espacial da populao segundo cor ou raa
Pretos e Pardos
Figura 01 Distribuio espacial da populao segundo cor ou raa
FONTE: IBGE, Censo Demogrfico 2000
O mapa exposto, deixa claro que o norte e nordeste tem a maior concentrao de
negros do Brasil; cabe ressaltar que a introduo do negro no Brasil est de maneira
histrica ligada aos ciclos que marcaram a economia da Colnia e do Imprio; estando os
principais mercados de importao do negro situados em So Luis, Recife, Salvador e Rio de
Janeiro, que se constituram em importantes centros de disperso do povoamento
localizados entre alguns dos recortes mais importantes do litoral, como o Golfo Amaznico,
17
o Golfo Maranhense, a Baa de Todos os Santos, a Baa da Guanabara e o Esturio de
Santos.
Dessa forma, a cultura canavieira foi responsvel pela introduo do negro na Zona
da Mata Nordestina e no Recncavo Baiano, enquanto as companhias de comrcio e a
lavoura do algodo tiveram esse papel no Maranho, no Piau e no Cear e o ciclo da
minerao para Minas Gerais e no Planalto Central, e o ciclo do caf foi o responsvel pela
presena do negro na Zona da Mata e sul de Minas, no Vale do Paraba e na regio de
Campinas. Da mesma maneira, deve-se registrar a importncia das intensas migraes
secundrias das populaes escravas ocorridas no Nordeste aucareiro em benefcio das
reas de minerao, assim como a migrao dessas populaes verificada aps o declnio da
atividade mineradora em direo s fazendas de caf do Vale do Paraba, verdadeiros
xodos populacionais que ajudaram a interiorizar o negro no Pas. De forma coerente, as
reas de maior ocorrncia da populao de cor parda correspondem, justamente, s reas
em que a ocupao do solo foi feita pelo trabalho escravo, vale dizer, o Maranho, a Zona da
Mata nordestina, o Recncavo baiano e larga poro do Sudeste (RODRIGUES, 1970).
4.3 CULTURA AFRO-BRASILEIRA
a cultura africana que se desenvolveu no Brasil, incluindo inclusive as influencias da
cultura portuguesa e indgena. Os estados que foram mais influenciados por essa cultura
foram o Maranho, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Esprito Santo, Rio de Janeiro, So
Paulo e Rio Grande do Sul, pela quantidade de escravos que neles viviam.
A principio, toda a manifestao cultural negra foi proibida e desprezada, porque no
era considerada civilizada e desenvolvida como a europia. A partir do sc. XX que essas
expresses passaram a ser aceitas e celebradas pela elite brasileira como um expresso
artstica nacional.
O samba foi uma das primeiras expresses a ser admirada. Mas s no governo de
Getlio Vargas os desfiles de escolas de samba ganharam aprovao atravs da Unio Geral
das Escolas de Samba do Brasil (1934). A msica popular brasileira fortemente influenciada
pelos ritmos africanos. As expresses de msica afro-brasileira mais conhecidas so o
samba, maracatu, ijex, coco, jongo, carimb, ciranda, lambada e o maxixe.
18
Figura 02 Bloco carnavalesco Olodum na Bahia
FONTE: http://pt.wikipedia.org
A capoeira, antes considerada uma forma de briga de bandidos e marginais, foi
apresentada, em 1953, ao presidente Getlio Vargas que ento a chamou de "nico esporte
verdadeiramente nacional". Ela uma arte marcial criada por escravos negros no Brasil
durante o perodo colonial. Conta-se que os escravos diziam aos senhores que era apenas
uma dana e, ento, o treino era permitido. Assim, a capoeira sempre praticada com
instrumentos de percusso, msica cantada, dana e acrobacias.
Figura 03 Berimbaus que regem a capoeira
FONTE: http://pt.wikipedia.org
Durante a dcada de 1950, as perseguies s religies afro-brasileiras diminuram e
a Umbanda passou a ser seguida pela classe mdia carioca. E ento, na dcada seguinte, as
outras religies afro-brasileiras passaram a ser celebradas pela elite intelectual branca. Os
negros trazidos da frica na condio de escravo, geralmente eram imediatamente
batizados e obrigados a seguir o catolicismo. A converso era apenas superficial e as
religies de origem africana conseguiram permanecer, geralmente atravs de prtica
secreta. Algumas Religies Afro-Brasileiras ainda mantm quase que totalmente as suas
razes africanas, como o caso do Candombl e Xang do Nordeste, outras formaram-se
19
atravs do sincretismo religioso como o Batuque, Xamb e Umbanda. Em maior ou menor
grau, as Religies Afro-Brasileiras mostram influncias do Catolicismo e da encataria
europia, assim como da pajelana amerndia. A Irmandade da Boa Morte e a Irmandade de
Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos so a maior ligao entre o catolicismo e as
religies afro-brasileiras.
Figura 04 Trajes Tpicos do Candombl
FONTE: http://pt.wikipedia.org
A cozinha brasileira deriva em grande parte da cozinha africana, mesclada com
elementos da cozinha indgena e portuguesa. A culinria baiana a que mais demonstra a
influncia africana nos seus pratos tpicos como acaraj, vatap e moqueca. A feijoada, que
considerado o prato nacional do Brasil, comeou, certamente, quando escravos negros
tentaram reproduzir pratos tpicos da culinria portuguesa da regio do Porto (que
misturavam feijo branco com carne de porco) modificando a receita, pois s tinham acesso
a feijes pretos, s partes rejeitadas do porco que eram salgadas (ps, rabos, orelhas) e
carne-seca.
Figura 05 Feijoada Brasileira FONTE: http://pt.wikipedia.org
Para se ter uma idia de como o processo de aceitao da cultura afro-brasileira
lento, apenas em 2003, foi promulgada a lei n 10.639 que exige que as escolas brasileiras
de ensino fundamental e mdio incluam no currculo o ensino da histria e cultura afro-
brasileira.
20
4.4 OS NEGROS NA REGIO SUL
A histria da colonizao da regio sul, est ligada aos imigrantes europeus. As reas
florestais do sul do pas, que ainda permaneciam intactas, tornaram-se, no decorrer do sc.
XIX, objeto de numerosas tentativas de colonizao por parte de grupos europeus de origem
no lusitana, contando para isso com a iniciativa oficial e privada na criao de ncleos
coloniais nas extensas terras florestais do Sul, antes e depois da independncia, como
atestam a vinda das primeiras levas de imigrantes alemes que se fixaram no Rio Grande do
Sul e, mais tarde, em Santa Catarina e, em menor escala, no Paran e em So Paulo. Data da
mesma poca a entrada de imigrantes de origem eslava, basicamente poloneses e
ucranianos, que vieram a se fixar preferencialmente no Estado do Paran, dedicando-se
agricultura, s atividades madeireiras e ervateiras.
Alguns desses ncleos transformaram-se em cidades importantes como Blumenau e
Joinville, com populao de ascendncia germnica, Nova Trento, Criscima e Tubaro, com
populao de ascendncia italiana, ou a zona serrana do Rio Grande do Sul, com populao
de origem germnica e italiana, nas cidades de Novo Hamburgo ou Caxias do Sul, onde
sobressaem alguns dos poucos exemplos brasileiros de agricultores pequenos proprietrios
(PETRONE, 1970).
J a presena do negro na Regio Sul pode ser explicada pelas migraes internas,
atradas pelo desenvolvimento econmico e pelo deslocamento das frentes pioneiras
associadas ao plantio do caf, no Paran. Entretanto, Rodrigues (1970) observa que a
posio singular do Rio Grande do Sul, com a presena de um contingente de negros
relativamente elevada, poderia ser explicada pela incipiente atividade aucareira registrada
no litoral, acrescentada circunstncia de haver sido pequena a miscigenao, resultando
num forte crescimento vegetativo do contingente de negros que ali se fixou.
Com esse histrico, podemos entender os dados atuais. Detentora de 14,8% da
populao total do Brasil, a Regio Sul, no que diz respeito sua composio por cor ou raa,
evidencia as caractersticas histricas peculiares na formao desse contingente
populacional, com o predomnio absoluto da populao autodeclarada branca (83,6%) e os
menores percentuais, entre todas as macrorregies brasileiras, de participao regional das
populaes autodeclaradas preta (3,7%) e parda (11,5%).
De acordo com o IBGE o Estado do Paran tem uma participao da populao autodeclarada branca de 77,2%, bem abaixo dessa participao nos outros dois estados
sulistas, enquanto a participao da populao autodeclarada parda (18,2%) situa-se bem
acima dos percentuais de participao dessa populao no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina, ao mesmo tempo que a participao da populao autodeclarada preta de 2,8%,
prxima de Santa Catarina e abaixo da do Rio Grande do Sul. Estes dados evidenciam a
21
diferenciada composio tnica dessa regio no contexto nacional e caracterizam, sob uma
tica geral, o Paran como o mais negro dos trs estados da regio sul (somando o
percentual de negros e pardos).
Tabela 01 - Proporo da populao residente por cor ou raa, segundo as Unidades da Federao Brasil
Regio Sul - 2000
FONTE: IBGE, Censo Demogrfico 2000
O mapa a seguir ilustra bem a distribuio dos negros na regio sul, especialmente no
Paran, demonstrando que seu percentual quantitativo, em relao populao muito
baixo.
22
Figura 06 - Distribuio espacial da populao segundo cor ou raa
FONTE: IBGE, Censo Demogrfico 2000
23
4.5 CHEGADA DOS NEGROS NO PARAN
No Paran, os negros escravos chegaram com os bandeirantes paulistas e
portugueses, que aqui vieram em busca de ouro, em meados do sculo XVII, com o
desenvolvimento de novas atividades econmicas.
Com o tropeirismo e a erva-mate, que era uma atividade que toda a famlia
desenvolvia, o escravo negro tambm passou a ser utilizado e trabalhava lado a lado com o
trabalhador livre.
Mas o nmero de escravos negros no Paran sempre foi bem menor do que em
outras regies do Brasil, (aucareiras e aurferas). Os escravos eram utilizados para socar a
erva-mate e no transporte deste at o litoral. Mas eram tambm utilizados nas cidades,
como empregados domsticos, j que no havia possibilidade de o Paran competir com a
regio aucareira, aurfera e, posteriormente, cafeeira.
Isso no quer dizer que aqui havia conscincia poltica, mas apenas que no havia
condies materiais para t-los em abundncia; portanto ainda que a escravido aqui tenha
sido em menor escala, os escravos eram to maltratados e punidos rigorosamente como em
qualquer outro lugar do Brasil. E por isso se revoltavam contra a ordem colonial
estabelecida: apelavam rebelio, fuga para as matas, luta pela liberdade, constituindo
os quilombos.
No interior do Estado o escravo era essencialmente o indgena, mas no litoral era o
africano. Isso confirma a luta dos colonizadores para se conseguir escravo, seja ele quem
fosse. Apenas dependia da situao financeira dos moradores da regio.
Inclusive, a partir de 1850, com a aprovao da Lei Eusbio de Queiroz que visava
medidas para o fim do trfico negreiro -, o Porto de Paranagu, foi um dos maiores centros
de contrabando de escravos, que depois eram distribudos para todo o Brasil.
Assim como no resto do pas, no Paran tambm o escravo saiu da senzala direito
para as favelas, sem que tivesse qualquer ajuda financeira e material, por parte das
autoridades, do governo estadual. E assim continua at hoje, mesmo com os muitos avanos
alcanados. preciso acabar com todas essas injustias, apoiar a luta pelo respeito e
ascenso dos negros no pas.
24
5 QUILOMBOS
As denominaes quilombos, mocambos, terra de preto, comunidades
remanescentes de quilombos, comunidades negras rurais, comunidades de terreiro so
expresses que designam grupos sociais afros-descendentes trazidos para o Brasil durante o
perodo colonial, que resistiram ou, manifestamente, se rebelaram contra o sistema colonial
e contra sua condio de cativo, formando territrios independentes onde a liberdade e o
trabalho comum passaram a constituir smbolos de diferenciao do regime de trabalho
adotado pela metrpole (FUNDAO CULTURAL PALMARES).
A palavra quilombo tem origem nos termos kilombo (kimbundo) ou ochilombo
(umbundo), presente tambm em outras lnguas faladas ainda hoje por diversos povos
Bantu que habitam a Angola, no continente africano. Originalmente, a palavra designava
apenas um lugar de pouso utilizado por populaes nmades ou em deslocamento. Passa a
designar tambm as paragens e acampamentos das caravanas que faziam o comrcio de
cera, de escravos e de outros produtos. Hoje, os quilombos so comunidades organizadas
que preservam tradies e relaes territoriais prprias, com identidade tnica e cultural.
A primeira referncia a existncia de quilombos em documentos oficiais portugueses
data de 1559. Este era o nome dado para os lugares nos quais os negros viviam fugidos das
fazendas para as quais trabalhavam, na poca da escravido. Estudos mostram que tambm
havia outros fatores que incitaram o surgimento de quilombos, como as heranas ou
doaes de terras, o recebimento destas em troca de servios prestados ao Estado, a
permanncia em terras que cultivavam no interior de grandes propriedades ou a compra de
terras, tanto durante como aps o perodo escravocrata; de qualquer forma, foram uma
forma de resistncia ao sistema escravista. Nos quilombos, os negros tornavam-se
agricultores e trabalhavam para a sua prpria sobrevivncia; alguns deles abrigavam
tambm ndios e brancos pobres.
Por causa do perigo iminente de invaso e para manter a organizao, os quilombos
adotaram uma poltica de poder centralizador, eleito e obedecido por sua populao. Alm
disso, criaram formas de organizao familiar, religiosa e econmica.
Os quilombos tinham que produzir aquilo de que necessitavam para sua
sobrevivncia de acordo com as possibilidades ecolgicas e disponibilidade de matrias
primas da rea na qual habitavam. Por esse motivo, eles tiveram vrias formas de
organizao. Embora todos praticavam a agricultura, que no se limitava monocultura do
plantation, mas sim era uma policultora-comunitria que trazia abundncia e permitia
excedentes para serem comerciados, nem sempre ela era a atividade principal, Dcio Freitas
caracterizou-os em sete tipos: os agrcolas; os extrativistas, caractersticos do Amazonas,
onde viviam de drogas do serto; os mercantis, tambm do Amazonas, que adquiriam as
25
drogas dos ndios e comerciavam com os regates; os mineradores, em Minas, Bahia, Gois
e Mato Grosso; os pastoris, que criavam gados no Rio Grande do Sul; os de servio, que
saiam dos quilombos para trabalhar nos centros urbanos; e os predatrios, que viviam de
saques cometidos contra os brancos.
Os quilombos eram localizados no meio da mata, no alto de morros, etc. Sempre em
lugares de difcil acesso, para que no fossem localizados e dizimados pelos brancos. Por
causa deste fator, a maioria das comunidades brasileiras s foram descobertas pelo governo
recentemente, encontrando-se quase sem infra-estrutura; por outro lado, esse isolamento
ajudou a preservar a cultura e os costumes de muitas comunidades.
Os quilombos no deixaram legados escritos, pois seguiram a tradio africana de
comunicao oral para a transmisso de conhecimento e memrias; o que at hoje o usual
nas comunidades de remanescentes quilombolas. Tambm herdaram da frica a tradio de
propriedade coletiva da terra.
5.1 SITUAO ATUAL DOS QUILOMBOS BRASILEIROS
Por causa desta imagem de escravos fugidos muitas pessoas acham que os
quilombos so comunidades extintas do pas. Atualmente os quilombos no so mais
identificados por este histrico, mas sim como um grupo que pela sua resistncia conseguiu
sobreviver e manter-se em comunidade com suas caractersticas prprias. O rgo que
identifica e registra essas comunidades o Instituto Cultural Palmares (ICP), uma entidade
pblica vinculada ao Ministrio da Cultura, que formula e implanta polticas pblicas que
tm o objetivo de potencializar a participao da populao negra brasileira no processo de
desenvolvimento, a partir de sua histria e cultura (FUNDAO CULTURAL PALMARES).
Desde 2003 que a constituio brasileira reconhece atravs do Decreto 4.887 como
quilombola as comunidades que assim se auto atriburem, seja pela sua histria, por suas
lutas ou por sua cultura, ou seja, o auto-reconhecimento de sua identidade tnica o que
garante o ttulo de Comunidade Quilombola e no um conceito fsico, elementos materiais
ou traos biolgicos, como a cor de pele por exemplo. Devido ao histrico das retaliaes
vividas pelo povo negro e da falta de reconhecimento desta cultura, muitos grupos, por
vergonha ou simplesmente por no sentirem o valor disto, ainda no se reconhecem como
remanescentes de quilombos.
Conforme registros junto a Fundao Cultural Palmares, esto identificadas,
oficialmente, 1.000 comunidades remanescentes dos quilombos. Existem comunidades
quilombolas espalhadas por todos os estados brasileiros, de norte a sul, mas as maiores
concentraes destas esto nos estados da Bahia e Maranho.
26
A seguir, apresenta-se uma anlise generalizada da realidade em que se encontram
as comunidades brasileiras de remanescentes de quilombos. Esses dados so do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel, e servem para se identificar quais tipos de
aes poderiam ser efetivas para o desenvolvimento dessas comunidades.
Potencialidades
- Algumas atitudes, que lhes so peculiares, tais como: alegria, idoneidade, identidade
prpria, expectativa de progredir;
- Forte sentimento de famlia, de respeito entre as famlias, alm de uma efetiva participao
das mulheres na vida comunitria;
- Considervel esprito comunitrio, com capacidade para viver coletivamente;
- Valorizao do meio ambiente;
- Capacidade de resistncia, inclusive coletiva, e luta pela terra, pelas tradies, pelos
direitos;
- Expressivos valores culturais, tais como religiosidade, apego s tradies culturais, respeito
s razes e sabedoria ancestrais;
- Conhecimento do permetro das terras a que tm histrico direito de propriedade;
- Despertar e surgimento de lideranas novas;
- Forma gregria de produzir, atravs de processos com reduzido impacto ambiental;
- Potencialidade para uma agricultura de mercado mais eficiente, para o artesanato e para o
turismo etnocultural.
Desafios
- Deficincias no sistema educacional, resultando em baixo nvel de escolaridade e alto
ndice de analfabetismo;
- Deficiente qualificao da mo-de-obra e reduzido investimento em formao profissional;
- Falta de documentao pessoal, dificuldades em obter aposentadoria, condies
financeiras abaixo do nvel da pobreza;
- Debilidade da organizao comunitria e despreparo das lideranas;
- Pouca capacidade de organizao poltica e desconhecimento das formas de acesso aos
programas governamentais;
- xodo dos quilombolas para as cidades;
- Decadncia da cultura local, cuja nica forma de transmisso do conhecimento se limita
oralidade, tornando-a vulnervel s fortes influncias externas;
- Baixo aproveitamento das matrias primas locais e dos recursos nativos, e pouco
reconhecimento do valor dos saberes e fazeres das comunidades;
- Produtividade muito limitada das atividades econmicas, restritas muitas vezes
agricultura de subsistncia, por falta de acesso economia de mercado;
- Situao fundiria no regularizada, marcada pela necessidade de titulao;
27
- Precrios servios de infra-estrutura social bsica: energia eltrica, transportes, estradas,
comunicaes, saneamento bsico.
- Desconhecimento das doenas prevalentes na populao negra, acompanhado pela
precariedade dos servios de sade, principalmente de sade preventiva, tais como
nutrio, higidez fsica, sade bucal, etc.
A anlise no se restringiu exclusivamente s comunidades, mas tambm estendeu-
se ao contexto em que essas se situam. Neste particular, foram identificadas ameaas e
oportunidades.
Ameaas
- Destruio dos stios histricos de valor cultural para as comunidades, imposio de valores
culturais das classes dominantes e de religies, que no se coadunam s tradies das
populaes negras;
- Os impactos negativos de grandes projetos governamentais sobre a vida social das
comunidades;
- Interveno do poder pblico sem levar em conta a demanda das populaes e sem
atender s suas reivindicaes.
- Destruio dos rios pelas dragas, que tiram areia; destruio das terras produtivas por
parte de posseiros; queimadas das florestas, invaso de terras e processo intenso de
grilagem;
- Expanso urbana em torno de terras de Quilombos;
- Insuficincia de recursos financeiros para a titulao das terras;
- Preconceitos e discriminao racial, acompanhadas de excluso social e falta de acesso
cidadania;
- Agresses fsicas e psicolgicas.
Oportunidades
- O momento poltico favorvel: a disposio do Governo Federal em levar frente o
desenvolvimento das comunidades dos quilombos; realizao pela ONU da Conferncia
Internacional contra o racismo, a discriminao e intolerncia; contribuio causa negra
dada pela comemorao dos 500 anos do Descobrimento do Brasil; interesse da comunidade
internacional pelo tema quilombo.
- O foco prioritrio conferido pelas polticas pblicas ao desenvolvimento local sustentvel;
- O compromisso demonstrado por muitos rgos federais em otimizar esforos em uma
ao conjunta e integrada para desenvolver projetos com as comunidades quilombolas;
- Abertura e ampliao dos mercados para o artesanato, para produtos tradicionais locais,
produtos de cunho cultural, bem como de natureza tnica, ecolgica e orgnica, tanto em
nvel nacional como internacional;
- Demanda crescente para o ecoturismo e para o turismo etnocultural
- Aumento da representatividade poltica da comunidade negra;
- Interesse de trabalho em conjunto e parcerias, manifestado pelos Estados e Prefeituras.
28
Em 2003, foi criada a Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial
SEPPIR, na qual o Governo Federal orienta aes para as comunidades quilombolas, na
busca de superao dos entraves jurdicos, oramentrios e operacionais, que impediam a
plena realizao dos seus objetivos. Para governar essas aes, foi criado em 2004 o
programa Brasil Quilombola, que faz a interlocuo entre federativos e suas representaes
em cada estado, ficando a cargo do governo municipal a execuo da poltica em cada
localidade.
So quatro os eixos de ao junto s comunidades: Regularizao Fundiria; Infra-
Estrutura e Servios; Desenvolvimento Econmico e Social; e Controle e Participao
Social.
Como exemplos de alguns dos programas de apoio esto:
Apoio a atividades produtivas para o Desenvolvimento Agrrio - incorporado no
Programa Nacional de Assistncia Tcnica a poltica de Assistncia Tcnica e Extenso Rural -
ATER orientada para os quilombos;
Comercializao dos Produtos tnicos - O Ministrio do Desenvolvimento Agrrio
vem construindo conjuntamente com as organizaes quilombolas, uma proposta de
comercializao que busca incorporar as potencialidades territoriais e o reconhecimento das
habilidades e competncias das mulheres. A participao em feiras muito importante.
Figura: 07 V Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrria
Fonte: SEPPIR
Territrios da Cidadania que difere de outros programas sociais por no se limitar a
enfrentar problemas especficos com aes dirigidas. Ele combina diferentes aes para
29
reduzir as desigualdades sociais. O investimento previsto de R$ 82 milhes para as aes
especficas quilombolas.
CRBQ Centro de Referncia Brasil Quilombola - sero espaos propcios ao
fomento de polticas pblicas voltadas ao desenvolvimento, 18 comunidades quilombolas
em 16 Estados sero beneficiadas com a construo dos Centros.
Programa Luz para Todos - chegou a marca de 19.821 domiclios atendidos,
investindo no perodo 2004/2008 R$ 99.1 milhes. Para viabilizar a eletrificao de alguns
territrios prioritrios, foi estabelecida articulao, em 2008, entre a SEPPIR, Ministrio de
Minas e Energia, Ministrio da Integrao e Ministrio da Defesa, a fim de garantir a
eletrificao (Programa Luz para Todos) para comunidades quilombolas
Pac Funasa - O governo brasileiro, por meio da Funasa, priorizou as aes de
saneamento para as comunidades remanescentes de quilombos tendo como meta atender a
380 comunidades no perodo de 2007 a 2010.
Ateno Sade das Populaes Quilombolas - O Ministrio da Sade investiu R$
416.000,00 em 2008 para esta ao que voltada ao fomento da gesto participativa em
sade.
EDUCQ Projeto Quilombola Venha Ler e Escrever - uma ao pedaggica
conjuntamente idealizada por Organizaes Sociais no Governamentais ligadas ao
Segmento Social do Movimento Negro Os recursos (R$ 2.8 milhes investimento do
Ministrio da Educao - MEC/FNDE e a PETROBRAS) esto sendo aplicados em quatro
estados do territrio Nacional.
Construo de Unidades Habitacionais - As aes voltadas construo e
benfeitorias de unidades habitacionais so fundamentais para garantir condies dignas de
vida s comunidades 28 quilombolas. Nesse sentido, h aes em curso em diversos estados
do pas, executadas em parceria do Ministrio das Cidades com a Caixa Econmica Federal
para beneficiar comunidades quilombolas com a construo de unidades habitacionais.
Balco de Direitos Humanos - A Secretaria Especial de Direitos Humanos apoiou a
execuo de diversos projetos de Balces de Direitos, em 2008, cujo pblico alvo so
comunidades quilombolas.
Embora haja uma preocupao e ao por parte do governo para apoiar o
desenvolvimento das comunidades quilombolas no pas, pode-se perceber que faltam aes
efetivas que construam gradativamente uma realidade melhor, o que se v, so diversas
aes pontuais, sem conectividade, colocadas em prticas em comunidades distintas, ou
seja, sem um plano centralizado de aes. A seguir, apresenta-se uma tabela com a
execuo oramentria prevista, empenhada e paga em 2008, sintetizando o investimento
dos diversos rgos na Agenda Social Quilombola e no Programa Brasil Quilombola de
30
acordo com a SEPPIR. Cabe informar que parte dos rgos no possua execuo prevista
para 2008. Nesses casos, o oramento disponibilizado no quadro* foi apenas o do
executado.
Tabela 02 Execuo oramentria prevista, empenhada e paga em 2008
FONTE: SEPPIS * O oramento apresentado no incorpora a totalidade de aes implementadas nas comunidades quilombolas no pas. 3 Os empenhos liquidados provavelmente sero pagos pois esto comprometidos para data posterior; 4 O valor de R$ 7.100 milhes corresponde soma de 5.6 milhes da construo da ponte de Ivaporanduva (valor j repassado para construo), e, R$ 1.500.000,00 ao programa de revitalizao e controle erosivo da Bacia de So Francisco (s foi investido 750.000,00, do programa). 5 Oramento dessa ao de 2006 e a execuo foi realizada em 2007 e 2008. 6 Destaca-se que no ano de 2007 foram empenhados R$ 8.444.011,78, sendo pago R$ 763.069,49 correspondente a 20% do montante. 7 O valor de R$ 5.242.054,26 corresponde a soma de R$ 2.847.248,32 referente ao que foi empenhado e R$ 2.394.805,94 pagos em 2008. 8 Valor corresponde ao Ateno Sade das Populaes Quilombolas, do Ministrio da Sade somado ao de PSF e PSB.
9 Valor corresponde ao investimento nas comunidades Quilombolas e assentados do Programa Sade da Famlia e Sade Bucal
31
5.2 REGULARIZAO DA TERRA
Desde a constituio Federal de 1988, que o governo garante aos remanescentes de
quilombos a posse das terras que utilizam, mesmo que esta pertena a particulares
(havendo nestes casos desapropriaes indenizadas em favor dos quilombolas).
O Artigo 68 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias (ADCT) Constituio
Federal de 1988 - diz que:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os respectivos ttulos.
A princpio, o Decreto 3.912 de 2001, para regulamentar melhor o processo, institua que somente poderia ser reconhecida a propriedade sobre terras que:
I - eram ocupadas por quilombos em 1888; e
II - estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos em 5 de outubro
de 1988.
Depois, com o Decreto 4.887 de 2003 (ver anexo), o processo de reconhecimento de
um grupo como Comunidade Quilombola e a titulao de suas terras fica garantida por uma
identidade tnica que vem da auto-identificao, ou seja, da auto-afirmao dos
componentes da comunidade como quilombolas. Ainda de acordo com esse Decreto: So
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a
garantia de sua reproduo fsica, social, econmica e cultural, ou seja, toda a poro do
territrio que ocupam, usadas pelos quilombolas para o seu lazer, residncia, preservao
ambiental, trabalho, educao, etc. deles por direito.
A titulao da terra pode ser feita por rgo estadual (no Brasil cinco estados fazem
sua prpria regularizao: Bahia, Gois, Maranho, Mato Grosso e Par) ou a mbito Federal,
neste caso todo o processo administrativo de identificao, reconhecimento, delimitao,
demarcao e titulao das terras quilombolas feito pelo INCRA (Instituto Nacional de
Colonizao e Reforma Agrria), mas so poucas as comunidades que j receberam a posse
de suas terras.
Recentemente, em 2008, foi publicada a Instruo Normativa INCRA n 49 de 2008 (ver
anexo) para, na viso do governo, melhorar a legislao, mas que na prtica apenas aumentou os
entraves do processo de titulao das terras, pois determina que para iniciar o processo preciso
que a Comunidade tenha o certificado de Remanescente de Quilombo expedido pela Fundao
Palmares, e prolonga para nove meses o prazo para que haja alguma contestao ao processo.
32
5.2.1 ETAPAS DO PROCESSO
Segue um passo a passo de como funciona o processo de identificao, reconhecimento,
delimitao, demarcao e titulao das terras ocupadas por remanescentes das Comunidades
Quilombolas.
Certido expedida pela Fundao Cultural palmares antes de tudo preciso que, alm da auto-afirmao, a Comunidade adquira o certificado da FCP que, para emiti-lo, segue os
procedimentos definidos na Portaria FCP N 98 de 2007 (ver anexo) que incluem:
apresentao da ata de assemblia onde a comunidade aprova o seu reconhecimento como
quilombola, relato sinttico da trajetria comum do grupo (histria da comunidade) e,
dependendo do caso, visita tcnica comunidade no intuito de obter informaes e
esclarecer possveis dvidas.
Abertura do processo que pode ser feita pela prpria comunidade, entidade representativa ou pelas Superintendncias do INCRA nos estados.
Produo do RITD (Relatrio de Identificao e Delimitao) produzido pelas superintendncias do INCRA para identificar o territrio e sua situao fundiria. composto
por: relatrio antropolgico, levantamento fundirio, planta e memorial descritivo,
cadastramento das famlias quilombolas, levantamento da eventual sobreposio a unidades
de conservao, a reas de segurana nacional, faixa de fronteira, terras indgenas, terrenos
de marinha, terras pblicas federais e em terras dos estados e municpios
e parecer conclusivo.
Publicidade e Contestao - publicao de um resumo do RITD por duas vezes consecutivas no Dirio Oficial da Unio e no Dirio Oficial da unidade federativa, e na sede do municpio
onde est localizado o territrio. Alm disso, a Superintendncia Regional notificar os
ocupantes e confinantes, detentores de domnio ou no, identificados no territrio pleiteado
pelos quilombolas. O prazo para a apresentao de contestaes de 9 meses.
O processo termina com o Presidente do INCRA declarando uma portaria no Dirio Oficial da Unio, reconhecendo e declarando os limites do territrio.
Demarcao Fsica o INCRA dever fazer essa demarcao com a colocao de marcos.
Outorga do Ttulo - O ttulo definitivo outorgado pelo INCRA em nome da associao que representa a comunidade. A legislao determina que a terra no poder ser dividida,
vendida, loteada, arrendada ou penhorada.
Registro em Cartrio o ltimo passo a ser feito, ento se encerra o processo.
No Paran, o INCRA firmou convnio com a UFPR para realizar os relatrios
antropolgicos, e com o ITCG para a produo da cartografia. Nenhuma comunidade tem o
ttulo de suas terras.
33
Figura: 08 Etapas da Regularizao das Terras Quilombolas Fonte: Comisso Pr-ndio de So Paulo
34
5.2.2 DADOS GERAIS
De acordo com dados da Secretaria Especial de Polticas de Promoo da igualdade
Social (SEPPIS), o INCRA j investiu R$ 4.098.448,57 milhes na implementao dos
processos de regularizao fundiria das reas remanescentes de quilombos. Em 2008,
foram publicados 17 Relatrios Tcnicos de Identificao e Delimitao RTIDS, totalizando
uma rea de 160.351,217 hectares e beneficiando 4.889 famlias.
Considerando cumulativamente, desde 1995, existem cerca de 800 processos
abertos em todas as Superintendncias Regionais, a exceo de Roraima, Marab-Par e
Acre; 81 RTIDS publicados, totalizando 516.586,93 ha em benefcio de 10.625 famlias; 40
portarias de reconhecimento do territrio publicadas, totalizando 216.068,0231 hectares
reconhecidos em benefcio de 3.755 famlias; e 105 ttulos emitidos.
Figura 09 Grfico que expressa a quantidade de titulaes de terras quilombolas
FONTE: SEPPIS
Quanto s certides de auto-reconhecimento, emitidas pela Fundao Cultural
Palmares, Em 2008, 127 comunidades foram certificadas. Ao todo, so 1087 Certides
emitidas e publicadas no Dirio Oficial da Unio DOU que beneficiam 1305 comunidades.
35
Figura 10 Grfico que expressa a quantidade de certides de autodefinio de comunidades quilombolas
FONTE: SEPPIS
Considerando que o Brasil possui hoje, certificadas pela FCP, um pouco mais de mil
comunidades, o nmero delas que j possuem sua titulao de terra baixssimo
(aproximadamente 10%) visto que desde 1988 a Constituio garante esse benefcio.
36
5.3 EDUCAO DIFERENCIADA
Com o propsito de trazer para dentro das comunidades quilombolas uma afirmao
etno-cultural de seu povo, foi criada o que hoje chamada Educao Diferenciada. Ela
proporciona aos alunos quilombolas, uma formao distinta, diretamente ligada ao auto-
reconhecimento e valorizao dos quilombos atuais e de suas caractersticas especficas.
uma forma de educao que leva em considerao os valores, a cultura, os
costumes, as tradies, a sabedoria das pessoas mais velhas e a histria dos antepassados,
reconhecendo tudo isso como parte do processo histrico da comunidade, e servindo de
inspirao e reafirmao do ser quilombola (AQCC: 2007).
A proposta inserir nos currculos escolares temas que sejam comuns aos
quilombolas, como terra, territorialidade e identidade, levando essa realidade aos
estudantes. Brinquedos produzidos com materiais da comunidade seja artesanato, como
bonecas com a cor da pele das meninas , alm de atividades de seu cotidiano como
capoeira, msica e dana so exemplos de como podem ser usados os elementos locais
como contedo de aprendizagem. Atender diversidade tnica no meio rural mais difcil.
Por isso, o esforo precisa ser ainda maior.
Os exemplos pioneiros de aplicao dessas medidas, foram as comunidades
Campinho da Independncia, no municpio de Paraty - RJ, o quilombo de Frechal, no
municpio de Mirinzal - Maranho, e em Conceio das Crioulas, no municpio de Salgueiro -
Serto pernambucano - Desde muito cedo fomos ensinados a negar nossa cor e a nos
aceitar como moreninhos, escondendo nossas razes ancestrais. Tudo isso porque ser negro
era feio, sinnimo de escravido. E quem quer ser feio? Escravo? Em 1995, surge na
comunidade a escola Professor Jos Mendes, com turmas de 5 a 8 srie, um sonho buscado
durante vrios anos. Comea ento um trabalho de resgate da histria local que propiciou
aos alunos e alunas um maior conhecimento de sua identidade e o encontro de respostas
para uma srie de perguntas: Qual a nossa origem? Quem somos? O que queremos?
Comevamos, assim, a entender que depois de sofrer tudo que havamos sofrido, estar ali
contando nossa histria era sinnimo de muito orgulho e resistncia. (AQCC: 2003). Uma
questo importante levantada no incio das discusses em Conceio das Crioulas era a de
que os professores que lecionavam ali no eram naturais da comunidade, mas sim
professores de fora que no compartilhavam do interesse local pela recuperao da histria
e da luta dos quilombolas e que o currculo e o calendrio eram tambm inadequados
histria e organizao do povoado. Tudo isso tem que ser levado em conta para a aplicao
de uma educao diferenciada.
37
6 QUILOMBOS NO PARAN
Os remanescentes de quilombos no Paran tiveram origens diversas e se
estabeleceram em terras de grandes belezas naturais. A maior parte destes grupos no sabia
que existiam outros na mesma situao.
O surgimento dessas comunidades deu-se de diversas maneiras: em fazendas
abandonadas pelos donos; pelas doaes de terras para ex-escravos; terras que foram
compradas pelos escravos que foram alforriados; ganho de reas como reconhecimento da
prestao de servios de em guerras como a do Paraguai; ou ento como no caso da Lapa, os
negros ganhavam pedaos de terras aos redores da fazenda, onde tinham a sua prpria roa
de subsistncia o que deixava o dono da fazenda e dos escravos sem a responsabilidade de
sustent-los. Houve ainda algumas terras que eram de ordens religiosas, deixadas sob a
administrao de escravos e ex-escravos no incio da segunda metade do sculo XVIII, como
o caso da Fazenda Capo Alto no municpio de Castro.
As histrias e a cultura so passadas de gerao em gerao de forma oral, inclusive
os mitos, lendas e as crenas religiosas, porm sua explicao e significado vo
desaparecendo com a morte dos mais velhos. Somente estes que ainda relatam como foi a
fuga do cativeiro, quando esta houve, e foi contada pelos ancestrais que fundaram a
comunidade ou o quilombo e das outras famlias negras, que depois foram chegando, ou
ainda como houve a aproximao das famlias por afinidade de produo, casamentos,
venerao ao santo, s novenas, s romarias, etc.
Chegar aos ncleos onde vivem estas populaes possvel somente depois de uma
demorada viagem por caminhos difceis ao longo de estradas em terreno acidentado, ou em
algumas, completamente sem estradas, depois de horas de caminhadas a p.
Os mais velhos no deixam o quilombo para visitar as cidades, somente em casos de
tratamento de sade, para fazer documentos, ou ento receber a aposentadoria. A
populao mais jovem j comea a se interessar pelo mundo em volta, e alguns j venderam
seus pedaos de terra, ou ento cerraram as portas de suas casas e foram embora em busca
de melhores condies de vida nas cidades mais prximas e at na capital do Estado
Curitiba, engrossando as favelas e as invases, ficando em condies de vida ainda piores,
formando as comunidades negras urbanas para as quais inexistem programas de
atendimento definidos.
38
6.1 LOCALIZAO
Os quilombos paranaenses se estabeleceram especialmente:
Nos caminhos que hoje conhecemos historicamente como sendo o caminho das tropas
para conduo de gado e de comrcio;
Nos caminhos onde se localizavam os antigos garimpos tanto de ouro de lavagem como
os de mina, regio conhecida como o Vale do Ribeira, onde esto as maiores concentraes
de negros tanto do lado do Estado de So Paulo como do lado do Estado do Paran;
Nos caminhos onde se buscavam nos rios as pedras preciosas (serto de Tibagi);
. Pelos caminhos do litoral por aonde chegavam os navios negreiros, Paranagu, Antonina
e Morretes; ilhas ao longo da costa martima paranaense como no municpio de
Guaraqueaba Ilha das Peas (onde eram vendidas as peas, como eram chamados os
escravos - histria contada pelos quilombolas, professor Hilton do Quilombo de Batuva e
professor Antonio do Quilombo do Rio Verde - por conta da proibio do trfico negreiro
pela Inglaterra).
Hoje, esta populao est distribuda em 50 (cinqenta), comunidades, mas somente
36 destes grupos familiares foram certificados pela Fundao Cultural Palmares, j que se
auto declararam como Comunidades de Remanescentes de Quilombos; as outras 14
(quatorze) como ainda no se auto reconheceram, no foram certificadas pela FCP, portanto
a nvel de pesquisa, tm sido denominadas Comunidades Negras Tradicionais.
Alm disso, ainda h um nmero de 20 comunidades que esto sendo investigadas
pelo Grupo de Trabalho Clvis Moura, como possveis comunidades quilombolas, a estes
ncleos, denomina-se, em nvel de pesquisa, como Indicativo de Comunidades Negras.
O mapa a seguir apresenta a distribuio dessas comunidades no Estado.
39
MAPA DE LOCALIZAO DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO PARAN
Figura 11 Mapa de localizao das comunidades quilombolas no Paran FONTE: Paran Negro FUNPAR, GT Clvis Moura, Governo do Paran
Comunidades Remanescentes de Quilombos
Comunidades Negras Tradicionais
Indicativo de Comunidades Negras
40
A PRESENA NEGRA NO VALE DO RIBEIRA PARANAENSE
(rea onde se localiza a comunidade onde ser proposta a interveno)
O processo de territorializao negra no Vale do Ribeira est ligado expanso das frentes de minerao de Freguesia de Iguape rumo Rio Ribeira nos sc. XVII-XVIII. Desde meados do XVII at o descobrimento das jazidas aurferas em Minas, a extrao do ouro foi a atividade predominantemente desenvolvida pelo empreendimento colonial na regio do rio Ribeira. Para l se deslocavam os colonizadores em posse de africanos escravizados, principalmente, de Guin, Angola e Moambique. Esse deslocamento originou os primeiros ncleos de povoamento rio acima: Ivaporunduva, Xiririca, Iporanga, Apia e Paranapanema. Alm da atividade mineradora os africanos trabalhavam na agricultura. A minerao abria espaos para a libertao de escravizados que garimpavam de forma clandestina e escondiam o produto de seu trabalho em garrafas e gomos de bambu, visando possivelmente compra de sua liberdade junto a seus senhores. (FIGUEIREDO:2001,p.2). Com o encerramento das atividades da Casa de Fundio de Iguape, ocorreu um descenso da minerao e um gradual incremento da cultura de cana, mandioca, caf, feijo, fumo, milho e, posteriormente da monocultura do arroz. Essa alterao na dinmica produtiva foi responsvel pela mudana do povoado localizado no Ribeiro Iporanga para a margem do Rio Ribeira, conferindo ao arraial destaque como entreposto comercial entre o litoral e as localidades do rio acima, principalmente com o fortalecimento da produo do arroz e sua comercializao no mercado interno. Esses fatores marcaram o aumento da populao escravizada no povoado que, em 1832, foi alado Freguesia. A exemplo de outras freguesias, fugas foram freqentes em Iporanga. Parte do contingente que se libertou se dirigiu para proximidades do Rio Pardo, onde sua sinuosidade e a dobradura dos morros que o circundam lhe dificultavam o acesso. Tanto os espaos de libertao criados pela minerao clandestina e pelas fugas de escravizados das lavouras, possibilitaram uma territorializao autnoma desses sujeitos em quilombos. Territorializao esta que aumentou ainda mais com a abolio em 1988. Desta forma a presena autnoma ou relativamente autnoma das comunidades negras na regio durante o perodo escravista brasileiro permitiu configurao de territorialidades tradicionalmente constitudas, que se redefiniram ao longo do tempo, consolidando-se como os inmeros bairros rurais habitados predominantemente por negros do Vale do Ribeira do Iguape. (CADERNOS ITESP p.65). A partir desta territorializao negra surgiram comunidades nas proximidades do Rio Pardo, municpio de Adrianpolis, que se autodeclaram remanescentes de quilombos: Joo Sur, Porto Velho, So Joo, Crrego das Moas, Crrego do Franco, Trs Canais, Praia do Peixe e Sete Barras.
6.2 POPULAO
De acordo com os dados do Grupo de Pesquisa Clvis Moura existem hoje no Paran
2.766 habitantes de Comunidades Remanescentes de Quilombos e Comunidades Negras
Tradicionais, sendo 1.398 do sexo masculino e 1.368 do sexo feminino. Estas comunidades
esto distribudas em seis Mesorregies, das quais a Messorregio Metropolitana de
41
Curitiba (onde se encontra a Comunidade de estudo deste trabalho) conta com o maior
nmero de pessoas. Enquanto a Mesorregio de Prudentpolis conta com o menor nmero
de pessoas. 15% da populao no possui certido de nascimento, fato que contribui para a
impreciso da distribuio etria das pessoas nestas comunidades. Da mesma forma, os
outros documentos como titulo de eleitor, CPF e RG, tambm so pouco presentes entre os
quilombolas (grfico a seguir). Isto decorre de um perodo grande de afastamento entre os
anseios da comunidade e as polticas universais dos governos. A ausncia destes
documentos interfere no encontro com a cidadania e, por conseguinte, no alcance de uma
melhor mobilidade social.
Figura 05 Grfica da porcentagem da populao quilombola com CPF, RG e Ttulo de Eleitor
FONTE: Relatrio 2005-2008 Terra e Cidadania Grupo de Trabalho Clvis Moura
42
A seguir apresenta-se uma tabela que mostra as comunidades paranaenses j
certificadas, mostrando seu ano de certificao e a quantidade de famlias e habitantes das
mesmas. Pode-se perceber que o maior nmero de certificados foi dado recentemente, no
ano de 2006, assim como aconteceu em todo o Brasil. Outro fato relevante que, em sua
maioria, as comunidades no tm uma grande populao, sendo que a maioria possui
menos de 100 habitantes, o que tornaria ainda mais fcil o trabalho do poder pblico para
regularizao e atendimento essas pessoas.
Tabela 03 Comunidades certificadas paranaenses, municpio a qual pertencem e o nmero de famlias e
pessoas residentes separadas pelo ano de certificao.
2004
PARAN / PR
NMERO DE
ORDEM COMUNIDADE MUNICPIO FAMLIAS / RESIDENTES
01 INVERNADA PAIOL DA TELHA GUARAPUAVA 85 / 325
2005
PARAN / PR
NMERO DE
ORDEM COMUNIDADE MUNICPIO DATA - PUBLICAO DIARIO OFICIAL DA UNIO
01 GUA MORNA CURIVA 19 / 61
02
COMUNIDADE NEGRA RURAL DE CASTRO (CONSTITUDA PELAS
COMUNIDADES NEGRAS RURAIS DE SERRA DO APON, LIMITO E
MAMANS)
CASTRO 97 / 309
03 COMUNIDADE NEGRA RURAL DE SUTIL
PONTA GROSSA ___
04 GUAJUVIRA CURIVA 38 / 132
05 JOO SUR ADRIANPOLIS 41 / 149
06 SANTA CRUZ PONTA GROSSA ___
43
2006
PARAN / PR
NMERO DE
ORDEM COMUNIDADE MUNICPIO DATA - PUBLICAO DIARIO OFICIAL DA UNIO
01 APEP SO MIGUEL DO IGUAU ___
02 AREIA BRANCA ADRIANPOLIS 16 / 30
03 BAIRRO CRREGO DO FRANCO ADRIANPOLIS 77 / 208
04 BAIRRO TRS CANAIS ADRIANPOLIS 4 / 13
05 BATUVA GUARAQUEABA 24 / 94
06 CAMPINA DOS MORENOS TURVO ___
07 CAVERNOSO 01 CANDI 12 / 86
08 COMUNIDADE NEGRA DO VARZEO DR. ULYSSES 8 / 30
09 COMUNIDADE NEGRA RURAL DE CRREGO DAS MOAS ADRIANPOLIS 20 / 68
10 COMUNIDADE NEGRA RURAL DE SETE BARRAS ADRIANPOLIS 18 / 73
11 DESPRAIADO CANDI 42 / 210
12 ESTREITINHO ADRIANPOLIS 12 / 33
13 FEIXO LAPA 84 / 343
14 MANOEL CIRIACO DOS SANTOS GUARA 7 / 42
15 PALMITAL DOS PRETOS CAMPO LARGO 27 / 108
16 PORTO VELHO ADRIANPOLIS 15 / 66
17 PRAIA DO PEIXE ADRIANPOLIS 6 / 23
18 RESTINGA LAPA 37 / 271
19 RIO VERDE GUARAQUEABA 22 / 80
20 SO JOO ADRIANPOLIS 17 / 62
21 TRONCO CASTRO 15 / 62
22 VILA ESPERANA LAPA ___
23 VILA SO TOM CANDI 21 / 110
2007
PARAN / PR
NMERO DE
ORDEM COMUNIDADE MUNICPIO DATA - PUBLICAO DIARIO OFICIAL DA UNIO
01 SO ROQUE IVA 51 / 203
02 RIO DO MEIO IVA 22 / 84
03 CASTORINA MARIA DA CONCEIO PALMAS ___
04 ADELAIDE MARIA TRINDADE BATISTA
PALMAS ___
FONTE: Fundao Cultural Palmares e http://quilombosnoparana.spaceblog.com.br
44
6.3 SITUAO ATUAL
O rgo estadual que hoje faz todo o levantamento, verificao das necessidades das
comunidades, levando-as para as secretarias responsveis, o Grupo de Trabalho Clvis
Moura, criado em homenagem ao socilogo negro um dos mais importantes intelectuais
do pas com o objetivo de fazer a ponte entre o Governo do Estado e as comunidades
quilombolas. O grupo integra hoje onze Secretarias de Estado SEED, SEEC, SEAE, SEMA,
SECS, SESU, SEAB, SEJU, SETI, SETP, PMPR.
At 2004 acreditava-se que o Paran tivesse poucos quilombos, entre trs ou quatro,
no entanto, desde ento j foram identificadas 50 Comunidades Tradicionais Negras e ainda
h 20 possveis Comunidades que esto para serem identificadas.
Acusam o menor ndice de desenvolvimento humano, com alto ndice de mortalidade
infantil e de analfabetismo, o que faz destas populaes as mais pobres do Estado do
Paran, isso se d principalmente pelo seu desconhecimento (grande parte delas o prprio
municpio no qual se localizam no sabiam de sua existncia) e por causa de sua
caracterstica de isolamento e difcil acesso caracterstica essa que faz parte de sua
histria, j que na poca em que nasceram isso era muito importante para sua sobrevivncia
o que significa que no tiveram obras de infra-estrutura (gua, luz, transporte, etc.) e
apoio social. Faltam tambm casas, escola e apoio sade. O governo est trabalhando para
melhorar a vida desses grupos, alguns j receberam gua, luz e escola e esto
desenvolvendo hortas comunitrias. Tambm esto sendo construdas 800 casas.
As possibilidades de auto-sustentabilidade tornam estas comunidades totalmente
viveis, mas a falta de infra-estrutura e a atuao de grileiros em cima de suas terras o que
impossibilita o seu desenvolvimento.
H comunidades bem antigas, com mais de 200 anos de existncia como o caso de
Paiol de Telha, em Guarapuava, com mais de cem famlias. Sobrevivem da agricultura de
subsistncia, caa, pesca e extrativismo, porm, irreal dizer que elas no so tecnicamente
desenvolvidas, elas tm sim, tambm por causa do isolamento, uma tecnologia e cultura de
cultivo muito prpria, que garantem seu sustento e inclusive criam excedentes para a venda
ou troca por produto dos quais necessitem.
Seu sistema caracterstico de trabalho inclui:
. Cultivo da cana;
Utilizao das moendas de madeira para o trabalho com a cana de acar;
Produo do melao;
Caf do caldo da cana;
45
Produo da Rapadura;
Cultivo da mandioca;
Casa de farinha (onde se transforma a mandioca em farinha);
Produo da farinha de mandioca;
Utilizao do Pilo (descascar o arroz, piloar a erva mate, etc);
Monjolo (pilo movido a gua);
Produo da farinha de milho;
Forno de barro;
Fogo de barro;
Casa de barro;
Forma de trabalhar a terra com respeito ao meio ambiente;
Produo da erva mate de forma artesanal utilizando o forno de barro e o pilo.
Em sua forma de organizao social e de produo quando h abundncia de
terras para plantar estas populaes seguem normas e critrios praticados pelos mais
antigos, ou seja, pelos fundadores da Comunidade, com quem aprenderam fazendo questo
de manter e preservar este conhecimento, uma forma de organizao cooperativista que
possibilitou no passado e possibilita ainda nos dias de hoje, uma economia de abundncia.
Um dos problemas que enfrentam em relao falta da valorizao e a negao de
seu etno conhecimento (conhecimento popular peculiar de cada comunidade) que acaba
sendo muitas vezes reprimido pelo conhecimento cientfico; ou ainda ocorre a chamada
biopirataria, que definida pela utilizao dos conhecimentos de cura e uso de plantas,
ervas, razes, etc. para fins comerciais, sem o beneficiamento da comunidade que o ensinou.
6.4 INFRA ESTRUTURA
Quanto a gua, a maior parte retirada do solo, ou seja, h uma pequena parte que
recebe gua encanada tratada, assim como esgoto e sistema de saneamento mais complexo.
Quanto questo da eletricidade, das 712 famlias, 445 famlias encontravam-se sem luz, o
que representava mais de 50% da populao; como demonstra o quadro abaixo.
46
Tabela 04 Utilizao de luz e gua por nmero de famlias
FONTE: Relatrio 2005-2008 Terra e Cidadania Grupo de Trabalho Clvis Moura
Esses dados j esto sendo modificados por iniciativas do governo de levar gua, luz e
tratamento de esgoto para as comunidades.
6.5 EDUCAO
As comunidades paranaenses tm problemas na rea de educao que vo desde o
difcil acesso s escolas at ausncia de iniciativas que permitam que se chegue ao universo
escolar.
A distncia mdia das comunidades s escolas melhores estruturadas da sede do municpio de 48 km. Entretanto, nas escolas que ofertam os anos finais do Ensino Fundamental, a distncia varia de 5km a 28 km da comunidade, aproximadamente. Um dos maiores problemas detectados o transporte dos alunos at essas escolas, hoje ele feito por muitos nibus, kombis, vans e automveis muito antigos, comprometendo a segurana dos usurios; sem contar que muitos alunos tm que andar por quilmetros at que se chegue ao ponto onde se pega o transporte, isso acarreta numa desmotivao de crianas, jovens e adultos estudarem. Por fim, os contedos programticos destas instituies, na maioria das vezes, no mantm uma aproximao dos saberes locais, sem percepo identitria, sem conexo com a vida do campo, e sem a interao comunidade tradicional / sociedade contempornea. A seguir apresentam-se os dados educacionais j sistematizados de 10 comunidades (525 pessoas).
47
Figura 12 Grfico do ndice de Escolaridade
FONTE: Relatrio 2005-2008 Terra e Cidadania Grupo de Trabalho Clvis Moura
A partir do grfico pode-se ter uma ampla viso do problema que a educao nestas comunidades, principalmente pela diferena gritante da quantidade de alunos que fazem as sries iniciais do ensino fundamental e dos que chegam ao ensino mdio, sem contar que praticamente nenhum aluno tem uma especializao ps-ensino mdio.
6.6 SADE
O grupo de Trabalho Clvis Moura constatou que os quilombolas possuem vrias solues caseiras para as doenas e males que afetam as comunidades. A maioria dessas solues est presente apenas na memria das pessoas mais velhas e podemos afirmar com certeza que essas comunidades s sobreviveram total ausncia das polticas pblicas de sade porque contavam com seus conhecimentos tradicionais. Em muitas comunidades h falta de assistncia mdica, odontolgica e de outros recursos para o funcionamento dos postos de sade (equipamentos, medicamentos e at mesmo de profissionais habilitados nas especificidades dos problemas de sade da populao negra). So exemplos de doenas comuns na populao negra, que exigem a presena de profissionais com conhecimentos na rea: anemia falciforme, hipertenso, diabetes, glaucoma, dentre outras. Muitos municpios no disponibilizam transporte para os agentes de sade se deslocarem at s comunidades, bem como ambulncias para socorrer pessoas doentes nas comunidades, afetando a sade e a qualidade de vida dessas comunidades. Os agentes de campo encontraram um grande nmero de pessoas com problemas de viso, que por no disporem de recursos no conseguem comprar culos - o que muitas vezes responsvel pela evaso escolar. Um outro problema de sade pblica grave encontrado e que precisa de uma ao conjunta entre SESA, SEED e SANEPAR a criao de sunos soltos nas propriedades, que por sua vez no dispem de saneamento bsico, fazendo com que haja uma alta incidncia de pessoas portadoras de cisticercose e de neurocisticercose.
48
6.7 A QUESTO DA TERRA
Um dos maiores problemas enfrentados pelos remanescentes de quilombos, no s
no Paran, mas em todo o Brasil, questo da posse de suas terras. Como j foi dito
anteriormente, essa posse garantida por lei, mas na prtica a situao outra. No Paran
muitas comunidades vem seus espaos de domnio reduzidos pela ao de fazendeiros que
vivem ao seu redor, sofrem solicitaes de Uso Capio de fazendeiros e madereiros e a
presena de empresas, como a Cia Brasileira de Alumnio. O maior problema que estes
trazem s comunidades na questo ambiental, com o desmatamento desordenado,
plantao de pinus, utilizao de agrotxicos e a destruio de matas ciliares, especialmente
no Vale do Ribeira, atividades essas que atingem diretamente as atividades de sustento das
comunidades Tradicionais Negras e Quilombolas do estado.
Sem contar a falta de respeito do poder pblico, que no caso de Iva cedeu as terras
quilombolas para imigrantes recm chegados; em Palmas ainda hoje as transforma em lixo
e em Adelaide loteia suas terras e vende barato para quem no tem onde morar.
Nenhuma comunidade do Paran tem o ttulo de suas terras.
6.8 MUTIRO
Uma das prticas que veio dos antigos e perdura at hoje nas comunidades
Tradicionais Negras e Quilombolas do Paran, principalmente no Vale do Rio Ribeira o
mutiro. A pessoa que organiza o mutiro chama a todos. Cada um traz a sua ferramenta, o
dono da casa oferece comida durante o dia e uma festa noite. Eles podem ser para abrir
roa, carpir, colheita de arroz e feijo, limpar as trilhas, construir canoas, construir casas,
limpar as estradas, etc.
Segundo relato de Clarinda da Comunidade de Remanescentes de Quilombos de Joo
Sur em Adrianpolis, a maioria das pessoas que aqui vive, trabalha mesmo na lavoura,
agente faz de tudo um pouco, aqu ns temos pedreiros, carpinteiros, s que a gente
trabalha para ns mesmos. Se vai pagar algum de fora para fazer algo dentro da
comunidade, a gente mesmos faz. Plantamos de tudo um pouco como a banana, a
mandioca, o milho, o arroz, a batata-doce, a cana-de-acar, o feijo, a abbora, o car. O
forte mesmo a mandioca para a casa de farinha. Ns criamos porcos e galinhas. A gente
vende pros vizinho ou troca por alguma coisa que falta, tem algumas pessoas que vem at
aqui na comunidade para comprar, completa dona Joana a me do Antonio.
49
6.9 AGRICULTURA
O trabalho na