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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DAYANE GUSSO MIRANDA cONTEMPORANEIDADE nO qUILOMBO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO CURITIBA 2009

cONTEMPORANEIDADE nO qUILOMBO

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO PARAN

    CENTRO DE CINCIAS EXATAS E TECNOLGICAS

    CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

    DAYANE GUSSO MIRANDA

    cONTEMPORANEIDADE nO qUILOMBO TRABALHO FINAL DE GRADUAO

    CURITIBA

    2009

  • 2

    dAYANE gUSSO mIRANDA

    cONTEMPORANEIDADE nO qUILOMBO TRABALHO FINAL DE GRADUAO

    Relatr io de Pesquisa para o Trabalho Fina l de

    Graduao, com o tema Contemporaneidade no

    Qui lombo , apresentado ao curso de Arquite tura e

    Urbanismo da Pont if c ia Univers idade Catl ica do

    Paran, com or ientao da professora Gilda Amaral

    Cassilha.

    CURITIBA

    2009

  • 3

    O som que nos irmana

    o som que nos aquece

    o som que nos reveste

    de coragem pra vencer

    tambor to bom teu som

    tam-tam batuque at o teu doce poema

    toque canto e dana

    lana luta gol

    vinda de Cabinda

    do Golfo de Benin

    chuva de esperana

    o sono no capim

    a noite palpitando

    mil sis dentro de mim

    (CUTI, Batuque de tocaia, 19

  • 4

    Aos meus ancestrais, sobre os quais, com este trabalho,

    comecei a conhecer um pouco da histria e cultura.

  • 5

    SUMRIO

    1 INTRODUO.......................................................................................................7

    2 JUSTIFICATIVA......................................................................................................8

    3 CONTEXTO HISTRICO DO BRASIL NO PERODO DE CHEGADA DOS NEGROS............9

    3.1 DESCOBRIMENTO DO BRASIL E PERODO PR-COLONIAL.........................................9

    3.2 PERODO COLONIAL...............................................................................................10

    3.3 O AUGE DA PRODUO AUCAREIRA.....................................................................10

    3.4 A INVASO HOLANDESA.........................................................................................11

    3.5 A EXPANSO TERRITORIAL E A DESCOBERTA DO OURO..........................................11

    4 A CHEGADA DO NEGRO E A ESCRAVIDO NO BRASIL............................................12

    4.1 ABOLIO DA ESCRAVATURA.................................................................................15

    4.2 SITUAO ATUAL DOS NEGROS NO BRASIL............................................................16

    4.3 CULTURA AFRO-BRASILEIRA...................................................................................17

    4.4 OS NEGROS NA REGIO SUL...................................................................................20

    4.5 CHEGADA DOS NEGROS NO PARAN..............................................,.......................23

    5 QUILOMBOS........................................................................................................24

    5.1 SITUAO ATUAL DOS QUILOMBOS BRASILEIROS...................................................25

    5.2 REGULARIZAO DA TERRA....................................................................................31

    5.2.1 ETAPAS DO PROCESSO.........................................................................................32

    5.2.2 DADOS GERAIS....................................................................................................34

    5.3 EDUCAO DIFERENCIADA.....................................................................................36

    6 QUILOMBOS NO PARAN....................................................................................37

    6.1 LOCALIZAO. . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . .38

    6.2 POPULAO.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .40

    6.3 SITUAO ATUAL.. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .44

    6.4 INFRA ESTRUTURA.................................................................................................45

    6.5 EDUCAO............................................................................................................46

    6.6 SADE...................................................................................................................47

    6.7 A QUESTO DA TERRA...........................................................................................48

    6.8 MUTIRO..............................................................................................................48

  • 6

    6.9 AGRICULTURA.......................................................................................................49

    6.10 CULTURA.............................................................................................................49

    6.11 CONGADA...........................................................................................................50

    7 REFERENCIAS......................................................................................................52

    7.1 QUILOMBO DOS PALMARES..................................................................................52

    7.2 CONCEIO DAS CRIOULAS EXPERINCIA DE VIVNCIA PESSOAL.........................54

    8 ARQUITETURA QUILOMBOLA.... . . . . . . .. . . . . . . .. . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . .60

    9 PROGRAMA.... . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . .61

    10 COMUNIDADE JUO SUR.... . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .64

    10.1 LOCALIZAO.......................................................................................................64

    10.2 HISTRICO...........................................................................................................65

    10.3 DEMOGRAFIA.......................................................................................................67

    10.4 DADOS POPULACIONAIS.......................................................................................67

    10.5 CARACTERSTICAS DA POPULAO......................................................................67

    10.6 DISTRIBUIO DA POPULAO DA COMUNIDADE...............................................70

    10.7 ATIVIDADES ECONMICAS E DE SUBSISTNCIA....................................................70

    10.8 CARACTERSTICAS CULTURAIS E RELIGIOSAS........................................................71

    10.9 AES GOVERNAMENTAIS...................................................................................71

    11 CONCLUSO......................................................................................................73

    REFERNCIAS.........................................................................................................74

    ANEXOS.................................................................................................................77

  • 7

    1 INTRODUO

    Os quilombos surgiram a partir da fuga de escravos que no queriam mais se

    submeter ao regime que lhes era imposto, formando comunidades escondidas, nas quais se

    trabalhava para sua prpria sobrevivncia. Atualmente o conceito de comunidade

    quilombola atribudo resistncia e autonomia de comunidades que deixaram a

    escravido para serem camponeses livres e no mais fuga do escravismo.

    At 2004 acreditava-se que o Paran possua cerca de 3 ou 4 comunidades

    quilombolas. Hoje j foram identificadas 50, das quais, menos da metade eram conhecidas

    pelo Instituto Cultural Palmares (entidade pblica que formula e implanta polticas de

    incluso social para a populao negra brasileira), muitas eram desconhecidas para o prprio

    municpio ao qual pertencem. Esse isolamento todo devia-se ao medo que os escravos

    tinham de serem descobertos e terem de voltar a se submeter ao trabalho, atrasando seu

    desenvolvimento, mas ajudando a preservar muitos costumes.

    Este Trabalho Final de Graduao tem por objetivo propor uma interveno em uma

    comunidade quilombola localizada no Estado do Paran, despontando-a para o cenrio atual

    da sociedade, mas preservando, valorizando e utilizando para o seu desenvolvimento, sua

    cultura, tradies e seu legado histrico. A interveno deve ser pensada em termos dos

    aspectos organizacionais do espao fsico, bem como a preservao do meio ambiente no

    qual a comunidade est inserido.

    Ao longo desta pesquisa, ser discorrido um histrico da vinda do negro para o Brasil

    e a formao dos quilombos, bem como sua situao atual, conceituando e justificando o

    tema escolhido.

    Tambm sero apresentados os componentes da interveno, sua localizao e

    informaes a respeito do stio e seu entorno imediato.

  • 8

    2 JUSTIFICATIVA

    A razo pela escolha do tema vem da necessidade de trabalhar um problema to

    presente na realidade brasileira, que o descaso com a habitao popular e a falta de um

    planejamento especfico para os menos favorecidos, absorvendo-se assim conceitos,

    tcnicas, materiais e instrumentos urbansticos que possam ser usados para a soluo desses

    problemas.

    O fato de escolher uma comunidade quilombola paranaense como objeto de

    interveno, vem do forte conceito cultural que elas representam e justamente do

    desconhecimento que em geral os paranaenses tm sobre a existncia dessas comunidades

    aqui no Estado e de que como esse isolamento acabou atrasando seu desenvolvimento no

    sentido de falta de infra-estrutura e difcil acesso, mas por outro lado ajudou a preservar

    muitos costumes.

    Promover um desenvolvimento etno-sustentvel para quilombos um importante

    passo, para concretiz-lo inegvel a participao e a influencia de espaos fsicos

    adequados.

  • 9

    3 CONTEXTO HISTRICO DO BRASIL NO PERODO DE CHEGADA DOS NEGROS

    Ser apresentado o contexto no qual o pas estava inserido na poca de chegada dos

    negros, para que se entenda melhor como aconteceu sua distribuio no territrio e o

    porque das formaes quilombolas nessas terras.

    3.1 DESCOBRIMENTO DO BRASIL E PERODO PR-COLONIAL

    O Brasil foi descoberto pelos portugueses (esquadra de Pedro lvares Cabral), em 22

    de abril de 1500, quando foi chamado de Terra de Santa Cruz. Durante os 30 primeiros anos

    perodo chamado de pr-colonial - no houve colonizao, ou seja, no houve a fixao e

    nem atividades de desenvolvimento nas terras brasileiras por parte de seus descobridores,

    havia apenas a explorao do pau-brasil (madeira que tinha alto valor comercial na Europa

    por soltar um pigmento avermelhado usado para tingir tecidos), que os ndios ento nicos

    habitantes destas terras colhiam e entregavam aos portugueses sob a forma de escambo

    (troca de mercadorias). Em troca da madeira os portugueses davam aos ndios objetos como

    espelhos, pentes, etc.

    Esse desinteresse dos portugueses pelas terras brasileiras dava-se pelo fato de que

    na poca, os comrcios feitos nas ndias eram as atividades mais lucrativas, em apenas uma

    viagem ganhava-se muito dinheiro; j as terras recm descobertas, precisavam ser

    exploradas, serem trabalhadas com a agricultura (atividade pouco atraente na poca) e,

    aparentemente, no possuam riquezas minerais ou elementos que pudessem gerar lucro

    imediato.

    Como Portugal, nesta poca, no estava em situao financeira muito boa, essa

    explorao do pau-brasil foi feita pelo sistema de estanco, ou seja, a coroa portuguesa tinha

    o domnio sobre a madeira, mas permitia a sua explorao por particulares se estes lhe

    pagassem impostos. Os principais nobres podiam explorar as ndias, e a nobreza de

    segundo escalo podia explorar a madeira brasileira.

    J em 1494, antes da descoberta do Brasil, Portugal e Espanha haviam assinado o

    Tratado de Tordesilhas que dividiam as terras recm descobertas e por descobrir por ambas

    as Coroas; assim, as terras brasileiras j eram de Portugal, por direito, antes mesmo de

    serem descobertas; mas j nesse perodo pr-colonial, a costa, que no possua guarda, foi

    tambm explorada por holandeses, ingleses e franceses que consideravam de direito posse

    das terras, ao pas que as ocupasse.

  • 10

    Por esse motivo, a Coroa portuguesa mandou ao Brasil a expedio de Martin Afonso

    de Sousa, desta vez com o objetivo de colonizao, expulso dos invasores, proteo e o

    estabelecimento do cultivo de cana-de-acar.

    3.2 PERODO COLONIAL

    Para organizar as novas terras, Portugal estabeleceu o modelo administrativo de

    capitanias hereditrias, no qual a terra foi dividida em 12 partes, administradas por

    particulares, chamados de donatrios. Estes podiam explorar a terra, mas em troca deviam

    proteg-la, povo-la e estabelecer o cultivo da cana.

    J nesta fase, os ndios tornaram-se rebeldes, disputando as terras com os recm-

    chegados. Junto a isso, a falta de recursos e ataques de piratas fez com que o sistema

    falhasse. S duas capitanias progrediram, a de So Vicente (So Paulo) e a de Pernambuco.

    Foi ento institudo o sistema de administrao chamado Governo-Geral, e as

    capitanias fracassadas tornaram-se capitanias gerais, centralizando o poder. Tambm

    surgiram nesta poca as cmaras municipais, que serviam para a administrao local, mas

    claro, ainda sem a participao do povo no poder, essa administrao era feita pelos

    chamados homens bons. O governador geral foi Tom de Sousa, que tinha como misso

    combater os indgenas, proteger as terras, desenvolver a agricultura e procurar minerais. A

    capital, nesta poca, era Salvador, visto que a regio mais desenvolvida at ento era o

    nordeste.

    3.3 O AUGE DA PRODUO AUCAREIRA

    Nos sc. XVI e XVII, o Brasil tornou-se o maior produtor de acar do mundo, sendo

    os maiores produtores a Bahia, Pernambuco, So Vicente (So Paulo) e Rio de Janeiro. Alm

    do acar, eram destaques tambm a produo de tabaco e algodo.

    Nesta fase, utilizava-se para a agricultura o mtodo plantation, ou seja, as fazendas

    produziam um s produto que era internacionalmente comercializado. Elas eram

    gerenciadas pelo senhor de engenho, seu proprietrio.

    A colnia (Brasil) s podia comercializar com a metrpole (Portugal), e vender seus

    produtos a preos j estipulados por ela; assim como s podia comprar dela os produtos

    manufaturados e escravos de que precisavam, a preos muito elevados, garantindo assim os

    altos lucros para Portugal.

  • 11

    A desigualdade social era muito grande, no topo vinham os senhores de engenho que

    detinham o poder; abaixo vinham os homens livres comerciantes, padres, capatazes,

    militares e artesos e funcionrios pblicos; depois, por ltimo, sem nenhum direito e

    tratados como mercadorias, vinham os escravos, trazidos da frica - frente dificuldade que

    se tinha de transformar o ndio em agricultor - e eram responsveis por praticamente todo o

    trabalho braal.

    Os escravos viviam em condies de misria. Dormiam nas chamadas senzalas em

    pssimas condies de higiene.

    3.4 A INVASO HOLANDESA

    No ano de 1630 o Brasil foi invadido pelos holandeses, que se fixaram no nordeste

    sob os comandos de Maurcio de Nassau. Este modernizou e organizou vrios trabalhos no

    Recife. Porm os holandeses foram expulsos 24 anos depois.

    3.5 A EXPANSO TERRITORIAL E A DESCOBERTA DO OURO

    Foram os bandeirantes os responsveis pela expanso territorial do Brasil. Eles

    penetraram nas matas em busca de ndios para aprisionar e de ouro e/ou diamantes;

    encontrando as primeiras jazidas em Minas Gerais, Gois e Mato Grosso.

    A metrpole passou a cobrar ento o quinto, imposto de 20% (1/5) sobre o ouro

    encontrado e comeou a chamada corrida do ouro que trouxe o desenvolvimento urbano

    e cultural para diversas regies. Por causa do desenvolvimento da regio sudeste, a capital

    do pas foi transferida para o Rio de janeiro.

  • 12

    4 A CHEGADA DO NEGRO E A ESCRAVIDO NO BRASIL

    A estimativa que atualmente tem merecido mais reconhecimento sobre o nmero de

    escravos importados nos trs sc. de trfico negreiro no Brasil, de Antonie de Taunay,

    que estimou 3,6 milhes de negros. Parece que o primeiro negro a chegar ao Brasil veio com

    a esquadra de Martim Afonso e, depois, com Tom de Sousa para a edificao de Salvador

    (1549). Foram eles os precursores dos milhes de negros africanos que, durante dois sculos

    e meio, foram trazidos e escravizados no Brasil.

    J na poca do descobrimento, Portugal estava estabelecendo, na frica, domnios

    em certas regies de Guin, Zaire, Moambique, Gana, Angola e no arquiplago de Madeira

    e Cabo Verde. De todos esses lugares foram trazidos escravos para o Brasil.

    As feitorias estabelecidas em Madeira e Cabo Verde detinham o monoplio de

    escravos que eram capturados na regio de rios de Guin (uma extensa regio cheia de rios

    e canais navegveis). Ali, habitavam as tribos de biafadas, papis, manjacos, brames,

    balantas, felupes, baiotes, banhuns, nalus, bijags, fulas e mandingas; estes dois ltimos

    estavam em processo de criao de Estados e nacionalidades atravs da penetrao

    religiosa, militar e poltica dos islmicos na regio, mas foram interrompidos pela escravido

    e invaso causada pela colonizao europia. Eles (os fulas e mandingas) foram

    desembarcados no nordeste para trabalhar nas lavouras de cana-de-aucar e, em 1616, na

    Amaznia para a fundao de Belm. Porm, no foi advindo de Guin o maior nmero de

    importaes de escravos para o Brasil.

    Em 1576, Paulo Dias de Novais fundava Luanda, e o negro de Angola passou a

    concorrer com os de Guin, nos ento principais portos de escravos: Rio de Janeiro, Bahia,

    Recife e So Luis.

    Em 1641, os holandeses, j senhores de Pernambuco, tomaram a colnia portuguesa

    de Angola e, de l, trouxeram muitos negros para o Recife, onde os vendiam para o Cear e

    Alagoas. Povos de lngua banto chegaram ao Brasil quase ininterruptamente at o fim do

    trfico (1850); eram eles: os muxicongos, banguelas, rebolos e caanjes; tambm os

    cambindas da colnia vizinha do Congo. Com base ou escala em Luanda, os navios

    contornavam a regio meridional do continente e ainda traziam de Moambique para

    vender no Brasil os macuas e angicos.

    No sc. XVIII, comea o trfico com a Costa da Mina (no litoral setentrional do golfo

    da Guin dos rios de Guin para o sul, o litoral africano era dividido em diversas costas: a

    da Guin, Malagueta ou Gros, a do Marfim, a do ouro e a dos Escravos; a da Mina

    englobava estas trs ltimas). 24 embarcaes foram para l em busca dos escravos,

    levando cada uma, mercadorias (entre tabaco, acar, aguardente, etc.) para comprarem

    500 negros. Os negros dessa regio vieram de diversas tribos: fntis, achantis, txis, gs,

  • 13

    eus, fons jejes, nags, tapas, haas, canures, fulas, mandingas e grunces; e j tinham

    experincia no trabalho com o ouro, por isso assim que chegavam ao litoral brasileiro

    Baiha - eram levados para o interior para o trabalho nas minas, onde eram vendidos a bons

    preos. Os negros, trazidos do continente africano, eram transportados dentro dos pores

    dos navios negreiros, devido s pssimas condies deste meio de transporte, muitos deles

    morriam durante a viagem. Contudo, o transporte nessa poca foi o melhor de todo o

    perodo, enquanto os navios que vinham de Angola perdiam em mdia um dcimo de sua

    carga humana, os da Costa da Mina perdiam apenas 5%. Esses negros acabaram se tornando

    uma espcie de elite escrava, comandando vrios negros em rebelies e servindo de

    referncia religiosa (todos os cultos negros do Brasil tm base no culto de nags e jejes).

    Com o tempo, a explorao das minas foi passando das mos de particulares para o

    governo da metrpole e a aquisio desses negros nas minas foi diminuindo; portanto, em

    grande concentrao na Bahia, muitos foram vendidos para afazeres domsticos urbanos no

    Rio de janeiro, Maranho e Recife.

    A partir desta fase, o negro foi ento desviado das minas, para a cultura do caf e do

    algodo.

    Em conseqncia de todo esse histrico, o negro adotou a lngua portuguesa, a

    religio crist, os costumes nacionais e se destribalizou por completo. Na poca da

    escravido o negro era distinguido de trs fromas: boal ou novo, referindo-se ao negro

    recm-chegado, ainda sem conhecimentos da cultura brasileira; ladino, negro de origem

    africana, mas familiarizados com os costumes brasileiros e o crioulo, nascido e criado no

    Brasil. O Estado tambm recrutou negros para formaes militares subalternas.

    Nada mais errneo, que imaginar a massa de escravos negros como

    unidades tnicas ou lingsticas. Os capites dos navios recusavam

    embarcar escravos pertencentes ao mesmo povo ou que falassem a mesma

    lngua porquanto o perigo de motins a bordo freqentes e terrveis

    aumentava quando os negros se achavam vinculados pela raa ou pela

    lngua. A diversidade de origens dos negros era um penhor de segurana,

    tanto para os traficantes como para os colonos. Em qualquer sentido, um

    Ashanti do rio Volta e um Ovimbundu de Angola teriam extrema dificuldade

    em entender-se, sendo to diferentes entre si quanto um italiano de um

    alemo. Mais que a lngua, a religio era um fator de discrdia entre os

    escravos. As autoridades coloniais portuguesas usavam astutamente as

    religies africanas para espicaar essa discrdia (Dcio Freitas, 1982).

    Toda essa violenta imposio cultural sobre os africanos preparou, por outro lado, o

    caminho de sua ascenso social, criando relaes primrias de confiana e respeito mtuo

    entre senhor e escravo e produziu trs tipos de trabalhadores escravos: o negro do campo, o

    negro de ofcio e o negro domstico; mas produziu tambm negros forros (livres). No era

  • 14

    fcil, mas havia maneiras de se conseguir a liberdade (ainda que precria), como por

    beneficiamento do senhor, em geral por testamento; por compra do prprio escravo, que

    propunha pagar ao senhor o que este havia pagado por ele; ou por lei, em troca de algum

    servio para o governo. Geralmente a alforria era dada a velhos ou doentes e em grande

    maioria, para o beneficiamento do prprio senhor, quando este no queria mais aliment-

    los e vesti-los.

    O sonho da liberdade passou do individual ao coletivo com as juntas de alforria que,

    de certa forma associadas s irmandades do Rosrio e de So Benedito, angariavam fundos

    por todos pela libertao de cada um de seus componentes. Em 1871, com a Lei do Ventre

    Livre, os novos negros nascidos j so considerados cidados livres e em 1885 ficam libertos

    tambm os sexagenrios.

    Contanto, a maioria dos escravos no teve a ajuda de circunstncias to propcias,

    especialmente o negro de campo. Este esteve, mais do que os outros, sujeito e dependente

    do senhor, que dispunha de sua vestimenta, moradia, tempo e at mesmo de suas relaes

    sexuais. Sofreram tambm os piores castigos e brutalidades como o tronco, pontaps no

    ventre de escravas gestantes, dentes quebrados a martelo, mutilaes e aleijes. De sete a

    dez anos de trabalho, 14 horas por dia, o negro de campo se transformava em trapo humano

    Sobre os seus ombros o negro de campo sustentou todo o comrcio exterior do Brasil

    (Enciclopdia Barsa, 1994, v. 7, p. 71). Enquanto dispunham de alguma energia

    abandonavam as fazendas e organizavam-se nos chamados quilombos.

    O negro de ofcio estava num patamar ligeiramente superior. Ele desenvolvia suas

    aptides naturais com ocupaes como barbeiro, ferreiro, pedreiro, marceneiro e

    costureiras. Eles valiam muito mais do que os outros escravos e eram poupados das enxadas

    e castigos corporais.

    Os negros domsticos proliferaram-se nas cidades. Eram as mulheres mais bonitas e

    agradveis, e os homens mais inteligentes e sociveis. Muitos aprenderam a ler e eles

    geralmente criavam um lao com a famlia para a qual trabalhavam e exerciam cargos de

    cozinheiras, pajem, moo de recados, criado, capanga, babs, etc. Os excedentes destes

    negros criaram outros dois tipos de negros: os de aluguel e o de ganho. O primeiro gerava

    lucros ao senhor sendo usado por outra famlia e o segundo pagava certa soma diria ao

    senhor em troca de sua liberdade de ao.

    Mais do que as leis, foram as condies sociais e econmicas e a organizao dos

    prprios negros que propiciaram sua elevao de escravo para cidado. Fica claro o porqu

    de 13 de abril de 1888 (dia da abolio da escravatura no Brasil) beneficiar apenas um

    nmero aproximado de 750.000 escravos, cerca de metade da contagem de 16 anos antes

    (1872) e menos de um dcimo da populao de cor do pas na poca.

  • 15

    4.1 ABOLIO DA ESCRAVATURA

    Apesar de a escravido ser considerada normal do ponto de vista da grande

    maioria da populao da poca, havia aqueles que eram contra este tipo de abuso, eram os

    chamados abolicionistas.

    O principal fator que manteve a escravido por quase trs sculos foi o econmico. A

    economia do pas dependia deste trabalho escravo para realizar principalmente as tarefas

    mais pesadas, portanto as providncias para sua libertao foram acontecendo aos poucos.

    A partir de 1870, a regio Sul do Brasil passou a empregar assalariados brasileiros e

    imigrantes estrangeiros; no Norte, as usinas substituram os primitivos engenhos, fato que

    permitiu a utilizao de um nmero menor de escravos. J nas principais cidades, era grande

    o desejo do surgimento de indstrias. Para no causar prejuzo aos proprietrios, o governo,

    pressionado pela Inglaterra, foi dando a liberdade aos poucos:

    - Em 1850 extino do trfico negreiro;

    - Em 1871 a Lei do Ventre-Livre, que garantia liberdade aos filhos de escravos que

    nascessem a partir de sua promulgao;

    - Em 1885 a Lei dos Sexagenrios, que libertava negros com mais de 65 anos;

    - Em 1888 finalmente a Lei urea, assinada pela princesa Isabel, que finalmente tornou

    livre todos os escravos brasileiros.

  • 16

    4.2 SITUAO ATUAL DOS NEGROS NO BRASIL

    A seguir, apresenta-se um mapa desenvolvido pelo IBGE, em escala nacional com

    informao da populao que se declarou preta e parda no Censo Demogrfico 2000 (feito

    por amostragem). o Brasil possua uma populao de cerca de 170 milhes de habitantes

    naquele ano, dos quais 91 milhes se classificaram como brancos (53,7%), 65 milhes como

    pardos (38,5%), 10,5 milhes como pretos (6,2%), 762 mil como amarelos (0,4%) e 734 mil

    como indgenas (0,4%).

    Distribuio espacial da populao segundo cor ou raa

    Pretos e Pardos

    Figura 01 Distribuio espacial da populao segundo cor ou raa

    FONTE: IBGE, Censo Demogrfico 2000

    O mapa exposto, deixa claro que o norte e nordeste tem a maior concentrao de

    negros do Brasil; cabe ressaltar que a introduo do negro no Brasil est de maneira

    histrica ligada aos ciclos que marcaram a economia da Colnia e do Imprio; estando os

    principais mercados de importao do negro situados em So Luis, Recife, Salvador e Rio de

    Janeiro, que se constituram em importantes centros de disperso do povoamento

    localizados entre alguns dos recortes mais importantes do litoral, como o Golfo Amaznico,

  • 17

    o Golfo Maranhense, a Baa de Todos os Santos, a Baa da Guanabara e o Esturio de

    Santos.

    Dessa forma, a cultura canavieira foi responsvel pela introduo do negro na Zona

    da Mata Nordestina e no Recncavo Baiano, enquanto as companhias de comrcio e a

    lavoura do algodo tiveram esse papel no Maranho, no Piau e no Cear e o ciclo da

    minerao para Minas Gerais e no Planalto Central, e o ciclo do caf foi o responsvel pela

    presena do negro na Zona da Mata e sul de Minas, no Vale do Paraba e na regio de

    Campinas. Da mesma maneira, deve-se registrar a importncia das intensas migraes

    secundrias das populaes escravas ocorridas no Nordeste aucareiro em benefcio das

    reas de minerao, assim como a migrao dessas populaes verificada aps o declnio da

    atividade mineradora em direo s fazendas de caf do Vale do Paraba, verdadeiros

    xodos populacionais que ajudaram a interiorizar o negro no Pas. De forma coerente, as

    reas de maior ocorrncia da populao de cor parda correspondem, justamente, s reas

    em que a ocupao do solo foi feita pelo trabalho escravo, vale dizer, o Maranho, a Zona da

    Mata nordestina, o Recncavo baiano e larga poro do Sudeste (RODRIGUES, 1970).

    4.3 CULTURA AFRO-BRASILEIRA

    a cultura africana que se desenvolveu no Brasil, incluindo inclusive as influencias da

    cultura portuguesa e indgena. Os estados que foram mais influenciados por essa cultura

    foram o Maranho, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Esprito Santo, Rio de Janeiro, So

    Paulo e Rio Grande do Sul, pela quantidade de escravos que neles viviam.

    A principio, toda a manifestao cultural negra foi proibida e desprezada, porque no

    era considerada civilizada e desenvolvida como a europia. A partir do sc. XX que essas

    expresses passaram a ser aceitas e celebradas pela elite brasileira como um expresso

    artstica nacional.

    O samba foi uma das primeiras expresses a ser admirada. Mas s no governo de

    Getlio Vargas os desfiles de escolas de samba ganharam aprovao atravs da Unio Geral

    das Escolas de Samba do Brasil (1934). A msica popular brasileira fortemente influenciada

    pelos ritmos africanos. As expresses de msica afro-brasileira mais conhecidas so o

    samba, maracatu, ijex, coco, jongo, carimb, ciranda, lambada e o maxixe.

  • 18

    Figura 02 Bloco carnavalesco Olodum na Bahia

    FONTE: http://pt.wikipedia.org

    A capoeira, antes considerada uma forma de briga de bandidos e marginais, foi

    apresentada, em 1953, ao presidente Getlio Vargas que ento a chamou de "nico esporte

    verdadeiramente nacional". Ela uma arte marcial criada por escravos negros no Brasil

    durante o perodo colonial. Conta-se que os escravos diziam aos senhores que era apenas

    uma dana e, ento, o treino era permitido. Assim, a capoeira sempre praticada com

    instrumentos de percusso, msica cantada, dana e acrobacias.

    Figura 03 Berimbaus que regem a capoeira

    FONTE: http://pt.wikipedia.org

    Durante a dcada de 1950, as perseguies s religies afro-brasileiras diminuram e

    a Umbanda passou a ser seguida pela classe mdia carioca. E ento, na dcada seguinte, as

    outras religies afro-brasileiras passaram a ser celebradas pela elite intelectual branca. Os

    negros trazidos da frica na condio de escravo, geralmente eram imediatamente

    batizados e obrigados a seguir o catolicismo. A converso era apenas superficial e as

    religies de origem africana conseguiram permanecer, geralmente atravs de prtica

    secreta. Algumas Religies Afro-Brasileiras ainda mantm quase que totalmente as suas

    razes africanas, como o caso do Candombl e Xang do Nordeste, outras formaram-se

  • 19

    atravs do sincretismo religioso como o Batuque, Xamb e Umbanda. Em maior ou menor

    grau, as Religies Afro-Brasileiras mostram influncias do Catolicismo e da encataria

    europia, assim como da pajelana amerndia. A Irmandade da Boa Morte e a Irmandade de

    Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos so a maior ligao entre o catolicismo e as

    religies afro-brasileiras.

    Figura 04 Trajes Tpicos do Candombl

    FONTE: http://pt.wikipedia.org

    A cozinha brasileira deriva em grande parte da cozinha africana, mesclada com

    elementos da cozinha indgena e portuguesa. A culinria baiana a que mais demonstra a

    influncia africana nos seus pratos tpicos como acaraj, vatap e moqueca. A feijoada, que

    considerado o prato nacional do Brasil, comeou, certamente, quando escravos negros

    tentaram reproduzir pratos tpicos da culinria portuguesa da regio do Porto (que

    misturavam feijo branco com carne de porco) modificando a receita, pois s tinham acesso

    a feijes pretos, s partes rejeitadas do porco que eram salgadas (ps, rabos, orelhas) e

    carne-seca.

    Figura 05 Feijoada Brasileira FONTE: http://pt.wikipedia.org

    Para se ter uma idia de como o processo de aceitao da cultura afro-brasileira

    lento, apenas em 2003, foi promulgada a lei n 10.639 que exige que as escolas brasileiras

    de ensino fundamental e mdio incluam no currculo o ensino da histria e cultura afro-

    brasileira.

  • 20

    4.4 OS NEGROS NA REGIO SUL

    A histria da colonizao da regio sul, est ligada aos imigrantes europeus. As reas

    florestais do sul do pas, que ainda permaneciam intactas, tornaram-se, no decorrer do sc.

    XIX, objeto de numerosas tentativas de colonizao por parte de grupos europeus de origem

    no lusitana, contando para isso com a iniciativa oficial e privada na criao de ncleos

    coloniais nas extensas terras florestais do Sul, antes e depois da independncia, como

    atestam a vinda das primeiras levas de imigrantes alemes que se fixaram no Rio Grande do

    Sul e, mais tarde, em Santa Catarina e, em menor escala, no Paran e em So Paulo. Data da

    mesma poca a entrada de imigrantes de origem eslava, basicamente poloneses e

    ucranianos, que vieram a se fixar preferencialmente no Estado do Paran, dedicando-se

    agricultura, s atividades madeireiras e ervateiras.

    Alguns desses ncleos transformaram-se em cidades importantes como Blumenau e

    Joinville, com populao de ascendncia germnica, Nova Trento, Criscima e Tubaro, com

    populao de ascendncia italiana, ou a zona serrana do Rio Grande do Sul, com populao

    de origem germnica e italiana, nas cidades de Novo Hamburgo ou Caxias do Sul, onde

    sobressaem alguns dos poucos exemplos brasileiros de agricultores pequenos proprietrios

    (PETRONE, 1970).

    J a presena do negro na Regio Sul pode ser explicada pelas migraes internas,

    atradas pelo desenvolvimento econmico e pelo deslocamento das frentes pioneiras

    associadas ao plantio do caf, no Paran. Entretanto, Rodrigues (1970) observa que a

    posio singular do Rio Grande do Sul, com a presena de um contingente de negros

    relativamente elevada, poderia ser explicada pela incipiente atividade aucareira registrada

    no litoral, acrescentada circunstncia de haver sido pequena a miscigenao, resultando

    num forte crescimento vegetativo do contingente de negros que ali se fixou.

    Com esse histrico, podemos entender os dados atuais. Detentora de 14,8% da

    populao total do Brasil, a Regio Sul, no que diz respeito sua composio por cor ou raa,

    evidencia as caractersticas histricas peculiares na formao desse contingente

    populacional, com o predomnio absoluto da populao autodeclarada branca (83,6%) e os

    menores percentuais, entre todas as macrorregies brasileiras, de participao regional das

    populaes autodeclaradas preta (3,7%) e parda (11,5%).

    De acordo com o IBGE o Estado do Paran tem uma participao da populao autodeclarada branca de 77,2%, bem abaixo dessa participao nos outros dois estados

    sulistas, enquanto a participao da populao autodeclarada parda (18,2%) situa-se bem

    acima dos percentuais de participao dessa populao no Rio Grande do Sul e em Santa

    Catarina, ao mesmo tempo que a participao da populao autodeclarada preta de 2,8%,

    prxima de Santa Catarina e abaixo da do Rio Grande do Sul. Estes dados evidenciam a

  • 21

    diferenciada composio tnica dessa regio no contexto nacional e caracterizam, sob uma

    tica geral, o Paran como o mais negro dos trs estados da regio sul (somando o

    percentual de negros e pardos).

    Tabela 01 - Proporo da populao residente por cor ou raa, segundo as Unidades da Federao Brasil

    Regio Sul - 2000

    FONTE: IBGE, Censo Demogrfico 2000

    O mapa a seguir ilustra bem a distribuio dos negros na regio sul, especialmente no

    Paran, demonstrando que seu percentual quantitativo, em relao populao muito

    baixo.

  • 22

    Figura 06 - Distribuio espacial da populao segundo cor ou raa

    FONTE: IBGE, Censo Demogrfico 2000

  • 23

    4.5 CHEGADA DOS NEGROS NO PARAN

    No Paran, os negros escravos chegaram com os bandeirantes paulistas e

    portugueses, que aqui vieram em busca de ouro, em meados do sculo XVII, com o

    desenvolvimento de novas atividades econmicas.

    Com o tropeirismo e a erva-mate, que era uma atividade que toda a famlia

    desenvolvia, o escravo negro tambm passou a ser utilizado e trabalhava lado a lado com o

    trabalhador livre.

    Mas o nmero de escravos negros no Paran sempre foi bem menor do que em

    outras regies do Brasil, (aucareiras e aurferas). Os escravos eram utilizados para socar a

    erva-mate e no transporte deste at o litoral. Mas eram tambm utilizados nas cidades,

    como empregados domsticos, j que no havia possibilidade de o Paran competir com a

    regio aucareira, aurfera e, posteriormente, cafeeira.

    Isso no quer dizer que aqui havia conscincia poltica, mas apenas que no havia

    condies materiais para t-los em abundncia; portanto ainda que a escravido aqui tenha

    sido em menor escala, os escravos eram to maltratados e punidos rigorosamente como em

    qualquer outro lugar do Brasil. E por isso se revoltavam contra a ordem colonial

    estabelecida: apelavam rebelio, fuga para as matas, luta pela liberdade, constituindo

    os quilombos.

    No interior do Estado o escravo era essencialmente o indgena, mas no litoral era o

    africano. Isso confirma a luta dos colonizadores para se conseguir escravo, seja ele quem

    fosse. Apenas dependia da situao financeira dos moradores da regio.

    Inclusive, a partir de 1850, com a aprovao da Lei Eusbio de Queiroz que visava

    medidas para o fim do trfico negreiro -, o Porto de Paranagu, foi um dos maiores centros

    de contrabando de escravos, que depois eram distribudos para todo o Brasil.

    Assim como no resto do pas, no Paran tambm o escravo saiu da senzala direito

    para as favelas, sem que tivesse qualquer ajuda financeira e material, por parte das

    autoridades, do governo estadual. E assim continua at hoje, mesmo com os muitos avanos

    alcanados. preciso acabar com todas essas injustias, apoiar a luta pelo respeito e

    ascenso dos negros no pas.

  • 24

    5 QUILOMBOS

    As denominaes quilombos, mocambos, terra de preto, comunidades

    remanescentes de quilombos, comunidades negras rurais, comunidades de terreiro so

    expresses que designam grupos sociais afros-descendentes trazidos para o Brasil durante o

    perodo colonial, que resistiram ou, manifestamente, se rebelaram contra o sistema colonial

    e contra sua condio de cativo, formando territrios independentes onde a liberdade e o

    trabalho comum passaram a constituir smbolos de diferenciao do regime de trabalho

    adotado pela metrpole (FUNDAO CULTURAL PALMARES).

    A palavra quilombo tem origem nos termos kilombo (kimbundo) ou ochilombo

    (umbundo), presente tambm em outras lnguas faladas ainda hoje por diversos povos

    Bantu que habitam a Angola, no continente africano. Originalmente, a palavra designava

    apenas um lugar de pouso utilizado por populaes nmades ou em deslocamento. Passa a

    designar tambm as paragens e acampamentos das caravanas que faziam o comrcio de

    cera, de escravos e de outros produtos. Hoje, os quilombos so comunidades organizadas

    que preservam tradies e relaes territoriais prprias, com identidade tnica e cultural.

    A primeira referncia a existncia de quilombos em documentos oficiais portugueses

    data de 1559. Este era o nome dado para os lugares nos quais os negros viviam fugidos das

    fazendas para as quais trabalhavam, na poca da escravido. Estudos mostram que tambm

    havia outros fatores que incitaram o surgimento de quilombos, como as heranas ou

    doaes de terras, o recebimento destas em troca de servios prestados ao Estado, a

    permanncia em terras que cultivavam no interior de grandes propriedades ou a compra de

    terras, tanto durante como aps o perodo escravocrata; de qualquer forma, foram uma

    forma de resistncia ao sistema escravista. Nos quilombos, os negros tornavam-se

    agricultores e trabalhavam para a sua prpria sobrevivncia; alguns deles abrigavam

    tambm ndios e brancos pobres.

    Por causa do perigo iminente de invaso e para manter a organizao, os quilombos

    adotaram uma poltica de poder centralizador, eleito e obedecido por sua populao. Alm

    disso, criaram formas de organizao familiar, religiosa e econmica.

    Os quilombos tinham que produzir aquilo de que necessitavam para sua

    sobrevivncia de acordo com as possibilidades ecolgicas e disponibilidade de matrias

    primas da rea na qual habitavam. Por esse motivo, eles tiveram vrias formas de

    organizao. Embora todos praticavam a agricultura, que no se limitava monocultura do

    plantation, mas sim era uma policultora-comunitria que trazia abundncia e permitia

    excedentes para serem comerciados, nem sempre ela era a atividade principal, Dcio Freitas

    caracterizou-os em sete tipos: os agrcolas; os extrativistas, caractersticos do Amazonas,

    onde viviam de drogas do serto; os mercantis, tambm do Amazonas, que adquiriam as

  • 25

    drogas dos ndios e comerciavam com os regates; os mineradores, em Minas, Bahia, Gois

    e Mato Grosso; os pastoris, que criavam gados no Rio Grande do Sul; os de servio, que

    saiam dos quilombos para trabalhar nos centros urbanos; e os predatrios, que viviam de

    saques cometidos contra os brancos.

    Os quilombos eram localizados no meio da mata, no alto de morros, etc. Sempre em

    lugares de difcil acesso, para que no fossem localizados e dizimados pelos brancos. Por

    causa deste fator, a maioria das comunidades brasileiras s foram descobertas pelo governo

    recentemente, encontrando-se quase sem infra-estrutura; por outro lado, esse isolamento

    ajudou a preservar a cultura e os costumes de muitas comunidades.

    Os quilombos no deixaram legados escritos, pois seguiram a tradio africana de

    comunicao oral para a transmisso de conhecimento e memrias; o que at hoje o usual

    nas comunidades de remanescentes quilombolas. Tambm herdaram da frica a tradio de

    propriedade coletiva da terra.

    5.1 SITUAO ATUAL DOS QUILOMBOS BRASILEIROS

    Por causa desta imagem de escravos fugidos muitas pessoas acham que os

    quilombos so comunidades extintas do pas. Atualmente os quilombos no so mais

    identificados por este histrico, mas sim como um grupo que pela sua resistncia conseguiu

    sobreviver e manter-se em comunidade com suas caractersticas prprias. O rgo que

    identifica e registra essas comunidades o Instituto Cultural Palmares (ICP), uma entidade

    pblica vinculada ao Ministrio da Cultura, que formula e implanta polticas pblicas que

    tm o objetivo de potencializar a participao da populao negra brasileira no processo de

    desenvolvimento, a partir de sua histria e cultura (FUNDAO CULTURAL PALMARES).

    Desde 2003 que a constituio brasileira reconhece atravs do Decreto 4.887 como

    quilombola as comunidades que assim se auto atriburem, seja pela sua histria, por suas

    lutas ou por sua cultura, ou seja, o auto-reconhecimento de sua identidade tnica o que

    garante o ttulo de Comunidade Quilombola e no um conceito fsico, elementos materiais

    ou traos biolgicos, como a cor de pele por exemplo. Devido ao histrico das retaliaes

    vividas pelo povo negro e da falta de reconhecimento desta cultura, muitos grupos, por

    vergonha ou simplesmente por no sentirem o valor disto, ainda no se reconhecem como

    remanescentes de quilombos.

    Conforme registros junto a Fundao Cultural Palmares, esto identificadas,

    oficialmente, 1.000 comunidades remanescentes dos quilombos. Existem comunidades

    quilombolas espalhadas por todos os estados brasileiros, de norte a sul, mas as maiores

    concentraes destas esto nos estados da Bahia e Maranho.

  • 26

    A seguir, apresenta-se uma anlise generalizada da realidade em que se encontram

    as comunidades brasileiras de remanescentes de quilombos. Esses dados so do Conselho

    Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel, e servem para se identificar quais tipos de

    aes poderiam ser efetivas para o desenvolvimento dessas comunidades.

    Potencialidades

    - Algumas atitudes, que lhes so peculiares, tais como: alegria, idoneidade, identidade

    prpria, expectativa de progredir;

    - Forte sentimento de famlia, de respeito entre as famlias, alm de uma efetiva participao

    das mulheres na vida comunitria;

    - Considervel esprito comunitrio, com capacidade para viver coletivamente;

    - Valorizao do meio ambiente;

    - Capacidade de resistncia, inclusive coletiva, e luta pela terra, pelas tradies, pelos

    direitos;

    - Expressivos valores culturais, tais como religiosidade, apego s tradies culturais, respeito

    s razes e sabedoria ancestrais;

    - Conhecimento do permetro das terras a que tm histrico direito de propriedade;

    - Despertar e surgimento de lideranas novas;

    - Forma gregria de produzir, atravs de processos com reduzido impacto ambiental;

    - Potencialidade para uma agricultura de mercado mais eficiente, para o artesanato e para o

    turismo etnocultural.

    Desafios

    - Deficincias no sistema educacional, resultando em baixo nvel de escolaridade e alto

    ndice de analfabetismo;

    - Deficiente qualificao da mo-de-obra e reduzido investimento em formao profissional;

    - Falta de documentao pessoal, dificuldades em obter aposentadoria, condies

    financeiras abaixo do nvel da pobreza;

    - Debilidade da organizao comunitria e despreparo das lideranas;

    - Pouca capacidade de organizao poltica e desconhecimento das formas de acesso aos

    programas governamentais;

    - xodo dos quilombolas para as cidades;

    - Decadncia da cultura local, cuja nica forma de transmisso do conhecimento se limita

    oralidade, tornando-a vulnervel s fortes influncias externas;

    - Baixo aproveitamento das matrias primas locais e dos recursos nativos, e pouco

    reconhecimento do valor dos saberes e fazeres das comunidades;

    - Produtividade muito limitada das atividades econmicas, restritas muitas vezes

    agricultura de subsistncia, por falta de acesso economia de mercado;

    - Situao fundiria no regularizada, marcada pela necessidade de titulao;

  • 27

    - Precrios servios de infra-estrutura social bsica: energia eltrica, transportes, estradas,

    comunicaes, saneamento bsico.

    - Desconhecimento das doenas prevalentes na populao negra, acompanhado pela

    precariedade dos servios de sade, principalmente de sade preventiva, tais como

    nutrio, higidez fsica, sade bucal, etc.

    A anlise no se restringiu exclusivamente s comunidades, mas tambm estendeu-

    se ao contexto em que essas se situam. Neste particular, foram identificadas ameaas e

    oportunidades.

    Ameaas

    - Destruio dos stios histricos de valor cultural para as comunidades, imposio de valores

    culturais das classes dominantes e de religies, que no se coadunam s tradies das

    populaes negras;

    - Os impactos negativos de grandes projetos governamentais sobre a vida social das

    comunidades;

    - Interveno do poder pblico sem levar em conta a demanda das populaes e sem

    atender s suas reivindicaes.

    - Destruio dos rios pelas dragas, que tiram areia; destruio das terras produtivas por

    parte de posseiros; queimadas das florestas, invaso de terras e processo intenso de

    grilagem;

    - Expanso urbana em torno de terras de Quilombos;

    - Insuficincia de recursos financeiros para a titulao das terras;

    - Preconceitos e discriminao racial, acompanhadas de excluso social e falta de acesso

    cidadania;

    - Agresses fsicas e psicolgicas.

    Oportunidades

    - O momento poltico favorvel: a disposio do Governo Federal em levar frente o

    desenvolvimento das comunidades dos quilombos; realizao pela ONU da Conferncia

    Internacional contra o racismo, a discriminao e intolerncia; contribuio causa negra

    dada pela comemorao dos 500 anos do Descobrimento do Brasil; interesse da comunidade

    internacional pelo tema quilombo.

    - O foco prioritrio conferido pelas polticas pblicas ao desenvolvimento local sustentvel;

    - O compromisso demonstrado por muitos rgos federais em otimizar esforos em uma

    ao conjunta e integrada para desenvolver projetos com as comunidades quilombolas;

    - Abertura e ampliao dos mercados para o artesanato, para produtos tradicionais locais,

    produtos de cunho cultural, bem como de natureza tnica, ecolgica e orgnica, tanto em

    nvel nacional como internacional;

    - Demanda crescente para o ecoturismo e para o turismo etnocultural

    - Aumento da representatividade poltica da comunidade negra;

    - Interesse de trabalho em conjunto e parcerias, manifestado pelos Estados e Prefeituras.

  • 28

    Em 2003, foi criada a Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial

    SEPPIR, na qual o Governo Federal orienta aes para as comunidades quilombolas, na

    busca de superao dos entraves jurdicos, oramentrios e operacionais, que impediam a

    plena realizao dos seus objetivos. Para governar essas aes, foi criado em 2004 o

    programa Brasil Quilombola, que faz a interlocuo entre federativos e suas representaes

    em cada estado, ficando a cargo do governo municipal a execuo da poltica em cada

    localidade.

    So quatro os eixos de ao junto s comunidades: Regularizao Fundiria; Infra-

    Estrutura e Servios; Desenvolvimento Econmico e Social; e Controle e Participao

    Social.

    Como exemplos de alguns dos programas de apoio esto:

    Apoio a atividades produtivas para o Desenvolvimento Agrrio - incorporado no

    Programa Nacional de Assistncia Tcnica a poltica de Assistncia Tcnica e Extenso Rural -

    ATER orientada para os quilombos;

    Comercializao dos Produtos tnicos - O Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    vem construindo conjuntamente com as organizaes quilombolas, uma proposta de

    comercializao que busca incorporar as potencialidades territoriais e o reconhecimento das

    habilidades e competncias das mulheres. A participao em feiras muito importante.

    Figura: 07 V Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrria

    Fonte: SEPPIR

    Territrios da Cidadania que difere de outros programas sociais por no se limitar a

    enfrentar problemas especficos com aes dirigidas. Ele combina diferentes aes para

  • 29

    reduzir as desigualdades sociais. O investimento previsto de R$ 82 milhes para as aes

    especficas quilombolas.

    CRBQ Centro de Referncia Brasil Quilombola - sero espaos propcios ao

    fomento de polticas pblicas voltadas ao desenvolvimento, 18 comunidades quilombolas

    em 16 Estados sero beneficiadas com a construo dos Centros.

    Programa Luz para Todos - chegou a marca de 19.821 domiclios atendidos,

    investindo no perodo 2004/2008 R$ 99.1 milhes. Para viabilizar a eletrificao de alguns

    territrios prioritrios, foi estabelecida articulao, em 2008, entre a SEPPIR, Ministrio de

    Minas e Energia, Ministrio da Integrao e Ministrio da Defesa, a fim de garantir a

    eletrificao (Programa Luz para Todos) para comunidades quilombolas

    Pac Funasa - O governo brasileiro, por meio da Funasa, priorizou as aes de

    saneamento para as comunidades remanescentes de quilombos tendo como meta atender a

    380 comunidades no perodo de 2007 a 2010.

    Ateno Sade das Populaes Quilombolas - O Ministrio da Sade investiu R$

    416.000,00 em 2008 para esta ao que voltada ao fomento da gesto participativa em

    sade.

    EDUCQ Projeto Quilombola Venha Ler e Escrever - uma ao pedaggica

    conjuntamente idealizada por Organizaes Sociais no Governamentais ligadas ao

    Segmento Social do Movimento Negro Os recursos (R$ 2.8 milhes investimento do

    Ministrio da Educao - MEC/FNDE e a PETROBRAS) esto sendo aplicados em quatro

    estados do territrio Nacional.

    Construo de Unidades Habitacionais - As aes voltadas construo e

    benfeitorias de unidades habitacionais so fundamentais para garantir condies dignas de

    vida s comunidades 28 quilombolas. Nesse sentido, h aes em curso em diversos estados

    do pas, executadas em parceria do Ministrio das Cidades com a Caixa Econmica Federal

    para beneficiar comunidades quilombolas com a construo de unidades habitacionais.

    Balco de Direitos Humanos - A Secretaria Especial de Direitos Humanos apoiou a

    execuo de diversos projetos de Balces de Direitos, em 2008, cujo pblico alvo so

    comunidades quilombolas.

    Embora haja uma preocupao e ao por parte do governo para apoiar o

    desenvolvimento das comunidades quilombolas no pas, pode-se perceber que faltam aes

    efetivas que construam gradativamente uma realidade melhor, o que se v, so diversas

    aes pontuais, sem conectividade, colocadas em prticas em comunidades distintas, ou

    seja, sem um plano centralizado de aes. A seguir, apresenta-se uma tabela com a

    execuo oramentria prevista, empenhada e paga em 2008, sintetizando o investimento

    dos diversos rgos na Agenda Social Quilombola e no Programa Brasil Quilombola de

  • 30

    acordo com a SEPPIR. Cabe informar que parte dos rgos no possua execuo prevista

    para 2008. Nesses casos, o oramento disponibilizado no quadro* foi apenas o do

    executado.

    Tabela 02 Execuo oramentria prevista, empenhada e paga em 2008

    FONTE: SEPPIS * O oramento apresentado no incorpora a totalidade de aes implementadas nas comunidades quilombolas no pas. 3 Os empenhos liquidados provavelmente sero pagos pois esto comprometidos para data posterior; 4 O valor de R$ 7.100 milhes corresponde soma de 5.6 milhes da construo da ponte de Ivaporanduva (valor j repassado para construo), e, R$ 1.500.000,00 ao programa de revitalizao e controle erosivo da Bacia de So Francisco (s foi investido 750.000,00, do programa). 5 Oramento dessa ao de 2006 e a execuo foi realizada em 2007 e 2008. 6 Destaca-se que no ano de 2007 foram empenhados R$ 8.444.011,78, sendo pago R$ 763.069,49 correspondente a 20% do montante. 7 O valor de R$ 5.242.054,26 corresponde a soma de R$ 2.847.248,32 referente ao que foi empenhado e R$ 2.394.805,94 pagos em 2008. 8 Valor corresponde ao Ateno Sade das Populaes Quilombolas, do Ministrio da Sade somado ao de PSF e PSB.

    9 Valor corresponde ao investimento nas comunidades Quilombolas e assentados do Programa Sade da Famlia e Sade Bucal

  • 31

    5.2 REGULARIZAO DA TERRA

    Desde a constituio Federal de 1988, que o governo garante aos remanescentes de

    quilombos a posse das terras que utilizam, mesmo que esta pertena a particulares

    (havendo nestes casos desapropriaes indenizadas em favor dos quilombolas).

    O Artigo 68 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias (ADCT) Constituio

    Federal de 1988 - diz que:

    Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam

    ocupando suas terras reconhecida a propriedade definitiva, devendo o

    Estado emitir-lhes os respectivos ttulos.

    A princpio, o Decreto 3.912 de 2001, para regulamentar melhor o processo, institua que somente poderia ser reconhecida a propriedade sobre terras que:

    I - eram ocupadas por quilombos em 1888; e

    II - estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos em 5 de outubro

    de 1988.

    Depois, com o Decreto 4.887 de 2003 (ver anexo), o processo de reconhecimento de

    um grupo como Comunidade Quilombola e a titulao de suas terras fica garantida por uma

    identidade tnica que vem da auto-identificao, ou seja, da auto-afirmao dos

    componentes da comunidade como quilombolas. Ainda de acordo com esse Decreto: So

    terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a

    garantia de sua reproduo fsica, social, econmica e cultural, ou seja, toda a poro do

    territrio que ocupam, usadas pelos quilombolas para o seu lazer, residncia, preservao

    ambiental, trabalho, educao, etc. deles por direito.

    A titulao da terra pode ser feita por rgo estadual (no Brasil cinco estados fazem

    sua prpria regularizao: Bahia, Gois, Maranho, Mato Grosso e Par) ou a mbito Federal,

    neste caso todo o processo administrativo de identificao, reconhecimento, delimitao,

    demarcao e titulao das terras quilombolas feito pelo INCRA (Instituto Nacional de

    Colonizao e Reforma Agrria), mas so poucas as comunidades que j receberam a posse

    de suas terras.

    Recentemente, em 2008, foi publicada a Instruo Normativa INCRA n 49 de 2008 (ver

    anexo) para, na viso do governo, melhorar a legislao, mas que na prtica apenas aumentou os

    entraves do processo de titulao das terras, pois determina que para iniciar o processo preciso

    que a Comunidade tenha o certificado de Remanescente de Quilombo expedido pela Fundao

    Palmares, e prolonga para nove meses o prazo para que haja alguma contestao ao processo.

  • 32

    5.2.1 ETAPAS DO PROCESSO

    Segue um passo a passo de como funciona o processo de identificao, reconhecimento,

    delimitao, demarcao e titulao das terras ocupadas por remanescentes das Comunidades

    Quilombolas.

    Certido expedida pela Fundao Cultural palmares antes de tudo preciso que, alm da auto-afirmao, a Comunidade adquira o certificado da FCP que, para emiti-lo, segue os

    procedimentos definidos na Portaria FCP N 98 de 2007 (ver anexo) que incluem:

    apresentao da ata de assemblia onde a comunidade aprova o seu reconhecimento como

    quilombola, relato sinttico da trajetria comum do grupo (histria da comunidade) e,

    dependendo do caso, visita tcnica comunidade no intuito de obter informaes e

    esclarecer possveis dvidas.

    Abertura do processo que pode ser feita pela prpria comunidade, entidade representativa ou pelas Superintendncias do INCRA nos estados.

    Produo do RITD (Relatrio de Identificao e Delimitao) produzido pelas superintendncias do INCRA para identificar o territrio e sua situao fundiria. composto

    por: relatrio antropolgico, levantamento fundirio, planta e memorial descritivo,

    cadastramento das famlias quilombolas, levantamento da eventual sobreposio a unidades

    de conservao, a reas de segurana nacional, faixa de fronteira, terras indgenas, terrenos

    de marinha, terras pblicas federais e em terras dos estados e municpios

    e parecer conclusivo.

    Publicidade e Contestao - publicao de um resumo do RITD por duas vezes consecutivas no Dirio Oficial da Unio e no Dirio Oficial da unidade federativa, e na sede do municpio

    onde est localizado o territrio. Alm disso, a Superintendncia Regional notificar os

    ocupantes e confinantes, detentores de domnio ou no, identificados no territrio pleiteado

    pelos quilombolas. O prazo para a apresentao de contestaes de 9 meses.

    O processo termina com o Presidente do INCRA declarando uma portaria no Dirio Oficial da Unio, reconhecendo e declarando os limites do territrio.

    Demarcao Fsica o INCRA dever fazer essa demarcao com a colocao de marcos.

    Outorga do Ttulo - O ttulo definitivo outorgado pelo INCRA em nome da associao que representa a comunidade. A legislao determina que a terra no poder ser dividida,

    vendida, loteada, arrendada ou penhorada.

    Registro em Cartrio o ltimo passo a ser feito, ento se encerra o processo.

    No Paran, o INCRA firmou convnio com a UFPR para realizar os relatrios

    antropolgicos, e com o ITCG para a produo da cartografia. Nenhuma comunidade tem o

    ttulo de suas terras.

  • 33

    Figura: 08 Etapas da Regularizao das Terras Quilombolas Fonte: Comisso Pr-ndio de So Paulo

  • 34

    5.2.2 DADOS GERAIS

    De acordo com dados da Secretaria Especial de Polticas de Promoo da igualdade

    Social (SEPPIS), o INCRA j investiu R$ 4.098.448,57 milhes na implementao dos

    processos de regularizao fundiria das reas remanescentes de quilombos. Em 2008,

    foram publicados 17 Relatrios Tcnicos de Identificao e Delimitao RTIDS, totalizando

    uma rea de 160.351,217 hectares e beneficiando 4.889 famlias.

    Considerando cumulativamente, desde 1995, existem cerca de 800 processos

    abertos em todas as Superintendncias Regionais, a exceo de Roraima, Marab-Par e

    Acre; 81 RTIDS publicados, totalizando 516.586,93 ha em benefcio de 10.625 famlias; 40

    portarias de reconhecimento do territrio publicadas, totalizando 216.068,0231 hectares

    reconhecidos em benefcio de 3.755 famlias; e 105 ttulos emitidos.

    Figura 09 Grfico que expressa a quantidade de titulaes de terras quilombolas

    FONTE: SEPPIS

    Quanto s certides de auto-reconhecimento, emitidas pela Fundao Cultural

    Palmares, Em 2008, 127 comunidades foram certificadas. Ao todo, so 1087 Certides

    emitidas e publicadas no Dirio Oficial da Unio DOU que beneficiam 1305 comunidades.

  • 35

    Figura 10 Grfico que expressa a quantidade de certides de autodefinio de comunidades quilombolas

    FONTE: SEPPIS

    Considerando que o Brasil possui hoje, certificadas pela FCP, um pouco mais de mil

    comunidades, o nmero delas que j possuem sua titulao de terra baixssimo

    (aproximadamente 10%) visto que desde 1988 a Constituio garante esse benefcio.

  • 36

    5.3 EDUCAO DIFERENCIADA

    Com o propsito de trazer para dentro das comunidades quilombolas uma afirmao

    etno-cultural de seu povo, foi criada o que hoje chamada Educao Diferenciada. Ela

    proporciona aos alunos quilombolas, uma formao distinta, diretamente ligada ao auto-

    reconhecimento e valorizao dos quilombos atuais e de suas caractersticas especficas.

    uma forma de educao que leva em considerao os valores, a cultura, os

    costumes, as tradies, a sabedoria das pessoas mais velhas e a histria dos antepassados,

    reconhecendo tudo isso como parte do processo histrico da comunidade, e servindo de

    inspirao e reafirmao do ser quilombola (AQCC: 2007).

    A proposta inserir nos currculos escolares temas que sejam comuns aos

    quilombolas, como terra, territorialidade e identidade, levando essa realidade aos

    estudantes. Brinquedos produzidos com materiais da comunidade seja artesanato, como

    bonecas com a cor da pele das meninas , alm de atividades de seu cotidiano como

    capoeira, msica e dana so exemplos de como podem ser usados os elementos locais

    como contedo de aprendizagem. Atender diversidade tnica no meio rural mais difcil.

    Por isso, o esforo precisa ser ainda maior.

    Os exemplos pioneiros de aplicao dessas medidas, foram as comunidades

    Campinho da Independncia, no municpio de Paraty - RJ, o quilombo de Frechal, no

    municpio de Mirinzal - Maranho, e em Conceio das Crioulas, no municpio de Salgueiro -

    Serto pernambucano - Desde muito cedo fomos ensinados a negar nossa cor e a nos

    aceitar como moreninhos, escondendo nossas razes ancestrais. Tudo isso porque ser negro

    era feio, sinnimo de escravido. E quem quer ser feio? Escravo? Em 1995, surge na

    comunidade a escola Professor Jos Mendes, com turmas de 5 a 8 srie, um sonho buscado

    durante vrios anos. Comea ento um trabalho de resgate da histria local que propiciou

    aos alunos e alunas um maior conhecimento de sua identidade e o encontro de respostas

    para uma srie de perguntas: Qual a nossa origem? Quem somos? O que queremos?

    Comevamos, assim, a entender que depois de sofrer tudo que havamos sofrido, estar ali

    contando nossa histria era sinnimo de muito orgulho e resistncia. (AQCC: 2003). Uma

    questo importante levantada no incio das discusses em Conceio das Crioulas era a de

    que os professores que lecionavam ali no eram naturais da comunidade, mas sim

    professores de fora que no compartilhavam do interesse local pela recuperao da histria

    e da luta dos quilombolas e que o currculo e o calendrio eram tambm inadequados

    histria e organizao do povoado. Tudo isso tem que ser levado em conta para a aplicao

    de uma educao diferenciada.

  • 37

    6 QUILOMBOS NO PARAN

    Os remanescentes de quilombos no Paran tiveram origens diversas e se

    estabeleceram em terras de grandes belezas naturais. A maior parte destes grupos no sabia

    que existiam outros na mesma situao.

    O surgimento dessas comunidades deu-se de diversas maneiras: em fazendas

    abandonadas pelos donos; pelas doaes de terras para ex-escravos; terras que foram

    compradas pelos escravos que foram alforriados; ganho de reas como reconhecimento da

    prestao de servios de em guerras como a do Paraguai; ou ento como no caso da Lapa, os

    negros ganhavam pedaos de terras aos redores da fazenda, onde tinham a sua prpria roa

    de subsistncia o que deixava o dono da fazenda e dos escravos sem a responsabilidade de

    sustent-los. Houve ainda algumas terras que eram de ordens religiosas, deixadas sob a

    administrao de escravos e ex-escravos no incio da segunda metade do sculo XVIII, como

    o caso da Fazenda Capo Alto no municpio de Castro.

    As histrias e a cultura so passadas de gerao em gerao de forma oral, inclusive

    os mitos, lendas e as crenas religiosas, porm sua explicao e significado vo

    desaparecendo com a morte dos mais velhos. Somente estes que ainda relatam como foi a

    fuga do cativeiro, quando esta houve, e foi contada pelos ancestrais que fundaram a

    comunidade ou o quilombo e das outras famlias negras, que depois foram chegando, ou

    ainda como houve a aproximao das famlias por afinidade de produo, casamentos,

    venerao ao santo, s novenas, s romarias, etc.

    Chegar aos ncleos onde vivem estas populaes possvel somente depois de uma

    demorada viagem por caminhos difceis ao longo de estradas em terreno acidentado, ou em

    algumas, completamente sem estradas, depois de horas de caminhadas a p.

    Os mais velhos no deixam o quilombo para visitar as cidades, somente em casos de

    tratamento de sade, para fazer documentos, ou ento receber a aposentadoria. A

    populao mais jovem j comea a se interessar pelo mundo em volta, e alguns j venderam

    seus pedaos de terra, ou ento cerraram as portas de suas casas e foram embora em busca

    de melhores condies de vida nas cidades mais prximas e at na capital do Estado

    Curitiba, engrossando as favelas e as invases, ficando em condies de vida ainda piores,

    formando as comunidades negras urbanas para as quais inexistem programas de

    atendimento definidos.

  • 38

    6.1 LOCALIZAO

    Os quilombos paranaenses se estabeleceram especialmente:

    Nos caminhos que hoje conhecemos historicamente como sendo o caminho das tropas

    para conduo de gado e de comrcio;

    Nos caminhos onde se localizavam os antigos garimpos tanto de ouro de lavagem como

    os de mina, regio conhecida como o Vale do Ribeira, onde esto as maiores concentraes

    de negros tanto do lado do Estado de So Paulo como do lado do Estado do Paran;

    Nos caminhos onde se buscavam nos rios as pedras preciosas (serto de Tibagi);

    . Pelos caminhos do litoral por aonde chegavam os navios negreiros, Paranagu, Antonina

    e Morretes; ilhas ao longo da costa martima paranaense como no municpio de

    Guaraqueaba Ilha das Peas (onde eram vendidas as peas, como eram chamados os

    escravos - histria contada pelos quilombolas, professor Hilton do Quilombo de Batuva e

    professor Antonio do Quilombo do Rio Verde - por conta da proibio do trfico negreiro

    pela Inglaterra).

    Hoje, esta populao est distribuda em 50 (cinqenta), comunidades, mas somente

    36 destes grupos familiares foram certificados pela Fundao Cultural Palmares, j que se

    auto declararam como Comunidades de Remanescentes de Quilombos; as outras 14

    (quatorze) como ainda no se auto reconheceram, no foram certificadas pela FCP, portanto

    a nvel de pesquisa, tm sido denominadas Comunidades Negras Tradicionais.

    Alm disso, ainda h um nmero de 20 comunidades que esto sendo investigadas

    pelo Grupo de Trabalho Clvis Moura, como possveis comunidades quilombolas, a estes

    ncleos, denomina-se, em nvel de pesquisa, como Indicativo de Comunidades Negras.

    O mapa a seguir apresenta a distribuio dessas comunidades no Estado.

  • 39

    MAPA DE LOCALIZAO DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO PARAN

    Figura 11 Mapa de localizao das comunidades quilombolas no Paran FONTE: Paran Negro FUNPAR, GT Clvis Moura, Governo do Paran

    Comunidades Remanescentes de Quilombos

    Comunidades Negras Tradicionais

    Indicativo de Comunidades Negras

  • 40

    A PRESENA NEGRA NO VALE DO RIBEIRA PARANAENSE

    (rea onde se localiza a comunidade onde ser proposta a interveno)

    O processo de territorializao negra no Vale do Ribeira est ligado expanso das frentes de minerao de Freguesia de Iguape rumo Rio Ribeira nos sc. XVII-XVIII. Desde meados do XVII at o descobrimento das jazidas aurferas em Minas, a extrao do ouro foi a atividade predominantemente desenvolvida pelo empreendimento colonial na regio do rio Ribeira. Para l se deslocavam os colonizadores em posse de africanos escravizados, principalmente, de Guin, Angola e Moambique. Esse deslocamento originou os primeiros ncleos de povoamento rio acima: Ivaporunduva, Xiririca, Iporanga, Apia e Paranapanema. Alm da atividade mineradora os africanos trabalhavam na agricultura. A minerao abria espaos para a libertao de escravizados que garimpavam de forma clandestina e escondiam o produto de seu trabalho em garrafas e gomos de bambu, visando possivelmente compra de sua liberdade junto a seus senhores. (FIGUEIREDO:2001,p.2). Com o encerramento das atividades da Casa de Fundio de Iguape, ocorreu um descenso da minerao e um gradual incremento da cultura de cana, mandioca, caf, feijo, fumo, milho e, posteriormente da monocultura do arroz. Essa alterao na dinmica produtiva foi responsvel pela mudana do povoado localizado no Ribeiro Iporanga para a margem do Rio Ribeira, conferindo ao arraial destaque como entreposto comercial entre o litoral e as localidades do rio acima, principalmente com o fortalecimento da produo do arroz e sua comercializao no mercado interno. Esses fatores marcaram o aumento da populao escravizada no povoado que, em 1832, foi alado Freguesia. A exemplo de outras freguesias, fugas foram freqentes em Iporanga. Parte do contingente que se libertou se dirigiu para proximidades do Rio Pardo, onde sua sinuosidade e a dobradura dos morros que o circundam lhe dificultavam o acesso. Tanto os espaos de libertao criados pela minerao clandestina e pelas fugas de escravizados das lavouras, possibilitaram uma territorializao autnoma desses sujeitos em quilombos. Territorializao esta que aumentou ainda mais com a abolio em 1988. Desta forma a presena autnoma ou relativamente autnoma das comunidades negras na regio durante o perodo escravista brasileiro permitiu configurao de territorialidades tradicionalmente constitudas, que se redefiniram ao longo do tempo, consolidando-se como os inmeros bairros rurais habitados predominantemente por negros do Vale do Ribeira do Iguape. (CADERNOS ITESP p.65). A partir desta territorializao negra surgiram comunidades nas proximidades do Rio Pardo, municpio de Adrianpolis, que se autodeclaram remanescentes de quilombos: Joo Sur, Porto Velho, So Joo, Crrego das Moas, Crrego do Franco, Trs Canais, Praia do Peixe e Sete Barras.

    6.2 POPULAO

    De acordo com os dados do Grupo de Pesquisa Clvis Moura existem hoje no Paran

    2.766 habitantes de Comunidades Remanescentes de Quilombos e Comunidades Negras

    Tradicionais, sendo 1.398 do sexo masculino e 1.368 do sexo feminino. Estas comunidades

    esto distribudas em seis Mesorregies, das quais a Messorregio Metropolitana de

  • 41

    Curitiba (onde se encontra a Comunidade de estudo deste trabalho) conta com o maior

    nmero de pessoas. Enquanto a Mesorregio de Prudentpolis conta com o menor nmero

    de pessoas. 15% da populao no possui certido de nascimento, fato que contribui para a

    impreciso da distribuio etria das pessoas nestas comunidades. Da mesma forma, os

    outros documentos como titulo de eleitor, CPF e RG, tambm so pouco presentes entre os

    quilombolas (grfico a seguir). Isto decorre de um perodo grande de afastamento entre os

    anseios da comunidade e as polticas universais dos governos. A ausncia destes

    documentos interfere no encontro com a cidadania e, por conseguinte, no alcance de uma

    melhor mobilidade social.

    Figura 05 Grfica da porcentagem da populao quilombola com CPF, RG e Ttulo de Eleitor

    FONTE: Relatrio 2005-2008 Terra e Cidadania Grupo de Trabalho Clvis Moura

  • 42

    A seguir apresenta-se uma tabela que mostra as comunidades paranaenses j

    certificadas, mostrando seu ano de certificao e a quantidade de famlias e habitantes das

    mesmas. Pode-se perceber que o maior nmero de certificados foi dado recentemente, no

    ano de 2006, assim como aconteceu em todo o Brasil. Outro fato relevante que, em sua

    maioria, as comunidades no tm uma grande populao, sendo que a maioria possui

    menos de 100 habitantes, o que tornaria ainda mais fcil o trabalho do poder pblico para

    regularizao e atendimento essas pessoas.

    Tabela 03 Comunidades certificadas paranaenses, municpio a qual pertencem e o nmero de famlias e

    pessoas residentes separadas pelo ano de certificao.

    2004

    PARAN / PR

    NMERO DE

    ORDEM COMUNIDADE MUNICPIO FAMLIAS / RESIDENTES

    01 INVERNADA PAIOL DA TELHA GUARAPUAVA 85 / 325

    2005

    PARAN / PR

    NMERO DE

    ORDEM COMUNIDADE MUNICPIO DATA - PUBLICAO DIARIO OFICIAL DA UNIO

    01 GUA MORNA CURIVA 19 / 61

    02

    COMUNIDADE NEGRA RURAL DE CASTRO (CONSTITUDA PELAS

    COMUNIDADES NEGRAS RURAIS DE SERRA DO APON, LIMITO E

    MAMANS)

    CASTRO 97 / 309

    03 COMUNIDADE NEGRA RURAL DE SUTIL

    PONTA GROSSA ___

    04 GUAJUVIRA CURIVA 38 / 132

    05 JOO SUR ADRIANPOLIS 41 / 149

    06 SANTA CRUZ PONTA GROSSA ___

  • 43

    2006

    PARAN / PR

    NMERO DE

    ORDEM COMUNIDADE MUNICPIO DATA - PUBLICAO DIARIO OFICIAL DA UNIO

    01 APEP SO MIGUEL DO IGUAU ___

    02 AREIA BRANCA ADRIANPOLIS 16 / 30

    03 BAIRRO CRREGO DO FRANCO ADRIANPOLIS 77 / 208

    04 BAIRRO TRS CANAIS ADRIANPOLIS 4 / 13

    05 BATUVA GUARAQUEABA 24 / 94

    06 CAMPINA DOS MORENOS TURVO ___

    07 CAVERNOSO 01 CANDI 12 / 86

    08 COMUNIDADE NEGRA DO VARZEO DR. ULYSSES 8 / 30

    09 COMUNIDADE NEGRA RURAL DE CRREGO DAS MOAS ADRIANPOLIS 20 / 68

    10 COMUNIDADE NEGRA RURAL DE SETE BARRAS ADRIANPOLIS 18 / 73

    11 DESPRAIADO CANDI 42 / 210

    12 ESTREITINHO ADRIANPOLIS 12 / 33

    13 FEIXO LAPA 84 / 343

    14 MANOEL CIRIACO DOS SANTOS GUARA 7 / 42

    15 PALMITAL DOS PRETOS CAMPO LARGO 27 / 108

    16 PORTO VELHO ADRIANPOLIS 15 / 66

    17 PRAIA DO PEIXE ADRIANPOLIS 6 / 23

    18 RESTINGA LAPA 37 / 271

    19 RIO VERDE GUARAQUEABA 22 / 80

    20 SO JOO ADRIANPOLIS 17 / 62

    21 TRONCO CASTRO 15 / 62

    22 VILA ESPERANA LAPA ___

    23 VILA SO TOM CANDI 21 / 110

    2007

    PARAN / PR

    NMERO DE

    ORDEM COMUNIDADE MUNICPIO DATA - PUBLICAO DIARIO OFICIAL DA UNIO

    01 SO ROQUE IVA 51 / 203

    02 RIO DO MEIO IVA 22 / 84

    03 CASTORINA MARIA DA CONCEIO PALMAS ___

    04 ADELAIDE MARIA TRINDADE BATISTA

    PALMAS ___

    FONTE: Fundao Cultural Palmares e http://quilombosnoparana.spaceblog.com.br

  • 44

    6.3 SITUAO ATUAL

    O rgo estadual que hoje faz todo o levantamento, verificao das necessidades das

    comunidades, levando-as para as secretarias responsveis, o Grupo de Trabalho Clvis

    Moura, criado em homenagem ao socilogo negro um dos mais importantes intelectuais

    do pas com o objetivo de fazer a ponte entre o Governo do Estado e as comunidades

    quilombolas. O grupo integra hoje onze Secretarias de Estado SEED, SEEC, SEAE, SEMA,

    SECS, SESU, SEAB, SEJU, SETI, SETP, PMPR.

    At 2004 acreditava-se que o Paran tivesse poucos quilombos, entre trs ou quatro,

    no entanto, desde ento j foram identificadas 50 Comunidades Tradicionais Negras e ainda

    h 20 possveis Comunidades que esto para serem identificadas.

    Acusam o menor ndice de desenvolvimento humano, com alto ndice de mortalidade

    infantil e de analfabetismo, o que faz destas populaes as mais pobres do Estado do

    Paran, isso se d principalmente pelo seu desconhecimento (grande parte delas o prprio

    municpio no qual se localizam no sabiam de sua existncia) e por causa de sua

    caracterstica de isolamento e difcil acesso caracterstica essa que faz parte de sua

    histria, j que na poca em que nasceram isso era muito importante para sua sobrevivncia

    o que significa que no tiveram obras de infra-estrutura (gua, luz, transporte, etc.) e

    apoio social. Faltam tambm casas, escola e apoio sade. O governo est trabalhando para

    melhorar a vida desses grupos, alguns j receberam gua, luz e escola e esto

    desenvolvendo hortas comunitrias. Tambm esto sendo construdas 800 casas.

    As possibilidades de auto-sustentabilidade tornam estas comunidades totalmente

    viveis, mas a falta de infra-estrutura e a atuao de grileiros em cima de suas terras o que

    impossibilita o seu desenvolvimento.

    H comunidades bem antigas, com mais de 200 anos de existncia como o caso de

    Paiol de Telha, em Guarapuava, com mais de cem famlias. Sobrevivem da agricultura de

    subsistncia, caa, pesca e extrativismo, porm, irreal dizer que elas no so tecnicamente

    desenvolvidas, elas tm sim, tambm por causa do isolamento, uma tecnologia e cultura de

    cultivo muito prpria, que garantem seu sustento e inclusive criam excedentes para a venda

    ou troca por produto dos quais necessitem.

    Seu sistema caracterstico de trabalho inclui:

    . Cultivo da cana;

    Utilizao das moendas de madeira para o trabalho com a cana de acar;

    Produo do melao;

    Caf do caldo da cana;

  • 45

    Produo da Rapadura;

    Cultivo da mandioca;

    Casa de farinha (onde se transforma a mandioca em farinha);

    Produo da farinha de mandioca;

    Utilizao do Pilo (descascar o arroz, piloar a erva mate, etc);

    Monjolo (pilo movido a gua);

    Produo da farinha de milho;

    Forno de barro;

    Fogo de barro;

    Casa de barro;

    Forma de trabalhar a terra com respeito ao meio ambiente;

    Produo da erva mate de forma artesanal utilizando o forno de barro e o pilo.

    Em sua forma de organizao social e de produo quando h abundncia de

    terras para plantar estas populaes seguem normas e critrios praticados pelos mais

    antigos, ou seja, pelos fundadores da Comunidade, com quem aprenderam fazendo questo

    de manter e preservar este conhecimento, uma forma de organizao cooperativista que

    possibilitou no passado e possibilita ainda nos dias de hoje, uma economia de abundncia.

    Um dos problemas que enfrentam em relao falta da valorizao e a negao de

    seu etno conhecimento (conhecimento popular peculiar de cada comunidade) que acaba

    sendo muitas vezes reprimido pelo conhecimento cientfico; ou ainda ocorre a chamada

    biopirataria, que definida pela utilizao dos conhecimentos de cura e uso de plantas,

    ervas, razes, etc. para fins comerciais, sem o beneficiamento da comunidade que o ensinou.

    6.4 INFRA ESTRUTURA

    Quanto a gua, a maior parte retirada do solo, ou seja, h uma pequena parte que

    recebe gua encanada tratada, assim como esgoto e sistema de saneamento mais complexo.

    Quanto questo da eletricidade, das 712 famlias, 445 famlias encontravam-se sem luz, o

    que representava mais de 50% da populao; como demonstra o quadro abaixo.

  • 46

    Tabela 04 Utilizao de luz e gua por nmero de famlias

    FONTE: Relatrio 2005-2008 Terra e Cidadania Grupo de Trabalho Clvis Moura

    Esses dados j esto sendo modificados por iniciativas do governo de levar gua, luz e

    tratamento de esgoto para as comunidades.

    6.5 EDUCAO

    As comunidades paranaenses tm problemas na rea de educao que vo desde o

    difcil acesso s escolas at ausncia de iniciativas que permitam que se chegue ao universo

    escolar.

    A distncia mdia das comunidades s escolas melhores estruturadas da sede do municpio de 48 km. Entretanto, nas escolas que ofertam os anos finais do Ensino Fundamental, a distncia varia de 5km a 28 km da comunidade, aproximadamente. Um dos maiores problemas detectados o transporte dos alunos at essas escolas, hoje ele feito por muitos nibus, kombis, vans e automveis muito antigos, comprometendo a segurana dos usurios; sem contar que muitos alunos tm que andar por quilmetros at que se chegue ao ponto onde se pega o transporte, isso acarreta numa desmotivao de crianas, jovens e adultos estudarem. Por fim, os contedos programticos destas instituies, na maioria das vezes, no mantm uma aproximao dos saberes locais, sem percepo identitria, sem conexo com a vida do campo, e sem a interao comunidade tradicional / sociedade contempornea. A seguir apresentam-se os dados educacionais j sistematizados de 10 comunidades (525 pessoas).

  • 47

    Figura 12 Grfico do ndice de Escolaridade

    FONTE: Relatrio 2005-2008 Terra e Cidadania Grupo de Trabalho Clvis Moura

    A partir do grfico pode-se ter uma ampla viso do problema que a educao nestas comunidades, principalmente pela diferena gritante da quantidade de alunos que fazem as sries iniciais do ensino fundamental e dos que chegam ao ensino mdio, sem contar que praticamente nenhum aluno tem uma especializao ps-ensino mdio.

    6.6 SADE

    O grupo de Trabalho Clvis Moura constatou que os quilombolas possuem vrias solues caseiras para as doenas e males que afetam as comunidades. A maioria dessas solues est presente apenas na memria das pessoas mais velhas e podemos afirmar com certeza que essas comunidades s sobreviveram total ausncia das polticas pblicas de sade porque contavam com seus conhecimentos tradicionais. Em muitas comunidades h falta de assistncia mdica, odontolgica e de outros recursos para o funcionamento dos postos de sade (equipamentos, medicamentos e at mesmo de profissionais habilitados nas especificidades dos problemas de sade da populao negra). So exemplos de doenas comuns na populao negra, que exigem a presena de profissionais com conhecimentos na rea: anemia falciforme, hipertenso, diabetes, glaucoma, dentre outras. Muitos municpios no disponibilizam transporte para os agentes de sade se deslocarem at s comunidades, bem como ambulncias para socorrer pessoas doentes nas comunidades, afetando a sade e a qualidade de vida dessas comunidades. Os agentes de campo encontraram um grande nmero de pessoas com problemas de viso, que por no disporem de recursos no conseguem comprar culos - o que muitas vezes responsvel pela evaso escolar. Um outro problema de sade pblica grave encontrado e que precisa de uma ao conjunta entre SESA, SEED e SANEPAR a criao de sunos soltos nas propriedades, que por sua vez no dispem de saneamento bsico, fazendo com que haja uma alta incidncia de pessoas portadoras de cisticercose e de neurocisticercose.

  • 48

    6.7 A QUESTO DA TERRA

    Um dos maiores problemas enfrentados pelos remanescentes de quilombos, no s

    no Paran, mas em todo o Brasil, questo da posse de suas terras. Como j foi dito

    anteriormente, essa posse garantida por lei, mas na prtica a situao outra. No Paran

    muitas comunidades vem seus espaos de domnio reduzidos pela ao de fazendeiros que

    vivem ao seu redor, sofrem solicitaes de Uso Capio de fazendeiros e madereiros e a

    presena de empresas, como a Cia Brasileira de Alumnio. O maior problema que estes

    trazem s comunidades na questo ambiental, com o desmatamento desordenado,

    plantao de pinus, utilizao de agrotxicos e a destruio de matas ciliares, especialmente

    no Vale do Ribeira, atividades essas que atingem diretamente as atividades de sustento das

    comunidades Tradicionais Negras e Quilombolas do estado.

    Sem contar a falta de respeito do poder pblico, que no caso de Iva cedeu as terras

    quilombolas para imigrantes recm chegados; em Palmas ainda hoje as transforma em lixo

    e em Adelaide loteia suas terras e vende barato para quem no tem onde morar.

    Nenhuma comunidade do Paran tem o ttulo de suas terras.

    6.8 MUTIRO

    Uma das prticas que veio dos antigos e perdura at hoje nas comunidades

    Tradicionais Negras e Quilombolas do Paran, principalmente no Vale do Rio Ribeira o

    mutiro. A pessoa que organiza o mutiro chama a todos. Cada um traz a sua ferramenta, o

    dono da casa oferece comida durante o dia e uma festa noite. Eles podem ser para abrir

    roa, carpir, colheita de arroz e feijo, limpar as trilhas, construir canoas, construir casas,

    limpar as estradas, etc.

    Segundo relato de Clarinda da Comunidade de Remanescentes de Quilombos de Joo

    Sur em Adrianpolis, a maioria das pessoas que aqui vive, trabalha mesmo na lavoura,

    agente faz de tudo um pouco, aqu ns temos pedreiros, carpinteiros, s que a gente

    trabalha para ns mesmos. Se vai pagar algum de fora para fazer algo dentro da

    comunidade, a gente mesmos faz. Plantamos de tudo um pouco como a banana, a

    mandioca, o milho, o arroz, a batata-doce, a cana-de-acar, o feijo, a abbora, o car. O

    forte mesmo a mandioca para a casa de farinha. Ns criamos porcos e galinhas. A gente

    vende pros vizinho ou troca por alguma coisa que falta, tem algumas pessoas que vem at

    aqui na comunidade para comprar, completa dona Joana a me do Antonio.

  • 49

    6.9 AGRICULTURA

    O trabalho na