O Papel das Relações de Comunicação na Construção do ... · PDF fileEste artigo propõe uma reflexão sobre a construção do sentido do trabalho por meio das relações de comunicação

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  • Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXXVII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Foz do Iguau, PR 2 a 5/9/2014

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    O Papel das Relaes de Comunicao na Construo do Sentido do Trabalho1

    Mnica Carvalho de OLIVEIRA2

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

    Resumo

    O mundo do trabalho parte constituinte do universo simblico do trabalhador e serve como campo de mediao para suas relaes sociais dentro e fora da organizao. Trata-se de um cenrio de incertezas e ausncia de dilogo, construdo por discursos, cdigos e normas visveis e invisveis. Este artigo prope uma reflexo sobre a construo do sentido do trabalho por meio das relaes de comunicao que o trabalhador estabelece em uma trama de diferentes interesses e expectativas.

    Palavras-chave: comunicao; sentido do trabalho; humanizao; mundo do trabalho; relaes de trabalho.

    A caracterizao do trabalho como campo de mediao para a vida de um

    profissional serviu de estmulo para a produo deste artigo, que prope uma reflexo sobre

    o sentido atribudo pelo trabalhador s suas atividades por meio das relaes de

    comunicao que estabelece. O trabalho parte do imaginrio de cada indivduo, portanto

    no se resume s tarefas dirias e metas a serem atingidas no horrio do expediente. O

    mundo do trabalho se constitui dentro e fora das organizaes, marcado por discursos

    visveis e invisveis, pela ausncia de dilogo e presena constante da incomunicao3.

    Na Antiguidade, o modelo escravista relegou o trabalho condio de entrave

    virtude do homem, pois brutalizaria sua mente e a deixaria inadequada para a prtica da

    poltica ou da filosofia. Bendassolli (2007) mostra que o primeiro impulso para a elevao

    do valor do trabalho no ocidente partiu da religio, um passo fundamental para que, mais

    tarde, tenha se tornado algo essencial para a relao do homem com o mundo e consigo

    mesmo.

    1 Trabalho apresentado no GP Relaes Pblicas e Comunicao Organizacional do XIV Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicao, evento componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao. 2 Aluna especial do PPGCOM da UFRGS, e-mail: [email protected]. 3 Para Wolton (2006), incomunicao tem sentido semelhante incompreenso. O outro simplesmente no est ali, no responde, no escuta, ope-se ou foge (WOLTON, 2006, p. 147).

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    Para Antunes (2001), o sentido dado ao trabalho pelo capital no o mesmo que

    o sentido conferido a ele pela sociedade. A busca incessante por rentabilidade e

    produtividade retirou a autonomia do indivduo sobre seu produto, que passou a pertencer a

    outro. Nesse instante, houve a separao clara entre o fator humano e o fator trabalho,

    colocando o trabalhador na condio de alienado, sem condies de refletir a respeito de

    sua atividade.

    A supremacia do fator econmico sobre as relaes de trabalho marca o fim da

    modernidade slida4 e o incio da modernidade lquida5, de acordo com Bauman (2001).

    Para o socilogo, deixamos para traz obrigaes ticas, tradies e responsabilidades

    humanas para dar lugar a decises excessivamente baseadas na racionalidade inspirada

    pelos negcios (BAUMAN, 2001). Essa nova lgica de mercado afetou tambm a

    comunicao organizacional, que precisou se adaptar para atender a compromissos das

    organizaes com o mercado. No Brasil, na poca da reabertura poltica, as organizaes

    comearam a aplicar tcnicas mais sofisticadas de comunicao a fim de atender a seus

    interesses estratgicos, como afirma Kunsch (2006). Aps desenvolver-se para atender a

    exigncias de mercado, a comunicao organizacional passa por um processo de

    humanizao, buscando a conexo com os sujeitos que compem a organizao. Seu papel

    fundamental na construo do sentido do trabalho, na compreenso do ambiente

    organizacional e constituio das relaes que permeiam esse universo simblico.

    O mundo do trabalho, identificado por Figaro (2008, p.92) como um

    microcosmo da sociedade, serve como campo de negociao de interesses particulares e da

    organizao. por meio da comunicao que os significados que formam a comunicao

    organizacional so postos em circulao, disputados, construdos e transformados, para,

    novamente, experimentarem certa estabilidade como significados

    organizados/organizadores (BALDISSERA, 2010, p.61).

    Para o funcionrio, o sentido do seu trabalho construdo nesse campo de

    interseo de significados que a organizao. Expressar suas opinies e necessidades

    4 Para Bauman (2001), a modernidade slida estava ligada certeza de iniciar a carreira em uma empresa e nela alcanar a aposentadoria, baseada na mtua dependncia entre capital e trabalho. Os trabalhadores dependiam do emprego para sua sobrevivncia, enquanto que o capital dependia de contrataes para que pudesse ter crescimento. 5 A modernidade lquida, de acordo com Bauman (2001), significa uma poca de volatilidade, inconsistncia e instabilidade nas relaes, alm da busca por resultados a curto prazo e frequente sensao de insegurana.

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    uma forma de se sentir parte deste universo, refletir sobre sua condio e estabelecer

    relaes positivas e verdadeiras com colegas, gestores e com a prpria instituio.

    Comunicao e trabalho: uma relao complexa

    Ao longo da histria da humanidade, o sentido atribudo pelo homem ao

    trabalho passou por diversas mudanas. Na Antiguidade, foi considerado um obstculo

    virtude por no possuir valor elevado na construo da subjetividade humana; durante a

    Idade Mdia, quando passou a ter ligao direta com a religio, tornou-se um instrumento

    para o alcance de bens materiais ou espirituais (BENDASSOLLI, 2007).

    J no sculo XVII, o sentido do trabalho esteve ainda mais prximo da

    economia por meio das ideias de John Locke. Para o empirista, o homem indivduo

    quando proprietrio de bens, de sua vida e de sua liberdade, sendo o trabalho o nico meio

    para aumentar a riqueza (BENDASSOLLI, 2007). Ao final do sculo XIX, uma grande

    mudana no sentido do trabalho veio por meio das ideias de Karl Marx, que definiu o

    sujeito como um sujeito do trabalho. Para o filsofo, o trabalho serve como campo de

    mediao para a vida do trabalhador, uma forma de externalizao do sujeito e de

    concretizao de sua existncia, conforme explica Bendassolli (2007).

    O binmio Taylorismo/Fordismo vigorou por praticamente todo o sculo XX,

    baseado na produo de mercadorias em massa. Seu objetivo era aumentar o ritmo de

    trabalho e intensificar a forma de explorao dos trabalhadores (ANTUNES, 2001).

    Diferentemente do trabalho arteso, na era industrial o trabalho deixou de ser propriedade

    do sujeito e passou a ser propriedade de outro. Assim, a produo no estava mais ligada s

    necessidades, mas ao limite da capacidade produtiva, o que retirou do indivduo sua

    autonomia para decidir o que era produzido e em qual quantidade. O sentido do trabalho

    tornou-se o sentido do capital, e as tarefas passaram a ser divididas em manuais e

    intelectuais, suprimindo a dimenso intelectual do trabalho operrio, que era transferida

    para as esferas da gerncia cientfica (ANTUNES, 2001, p.37). A lgica vigente era de

    diferenciao entre o fator humano e o fator trabalho para a criao de processos e

    estratgias que resultassem em maior produtividade.

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    Essa forma de diviso do trabalho trouxe como resultado a alienao do

    trabalhador, que no se enxerga no que produz e, portanto, no tem ferramentas para

    encontrar sentido em sua atividade. Para Bauman (2001), o trabalho perdeu a centralidade

    que se lhe atribua nos valores da era da modernidade slida e do capitalismo pesado, com

    horizontes em longo prazo, para adquirir um carter de curto prazo, entrando na era da

    modernidade lquida. O trabalho deixou de ser um eixo seguro na vida do trabalhador. Na

    corrida pela produtividade e inovao constante das ltimas dcadas, funcionrios tendem

    a ser as partes mais dispensveis, disponveis e trocveis do sistema econmico na viso

    de Bauman (2001, p.191).

    Em um universo guiado pela incerteza, as organizaes perceberam a

    necessidade de criar vnculos com seus pblicos de interesse, promovendo a credibilidade

    por meio da transparncia nas relaes. No Brasil, com a redemocratizao, principalmente

    a partir do ano de 1985, as instituies e organizaes passaram a entender melhor a

    necessidade de serem transparentes e que suas relaes com a sociedade deveriam dar-se

    pelas vias democrticas (KUNSCH, 2006, p.171). A comunicao adquiriu novas

    caractersticas, passou a ser produzida com maior tcnica e atingiu um grau de sofisticao

    na elaborao, o que atendia aos interesses estratgicos das organizaes (KUNSCH, 2006).

    Essa viso foi se aprimorando at hoje. Na contemporaneidade, o ambiente organizacional

    caracteriza-se por uma mudana de cenrio, novas bases nas relaes sociais; a

    coexistncia de mundos distintos, complexos, ambguos e fluidos, sign