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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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 Identidade

Preciso ser um outro para ser eu mesmo

Sou grão de rocha

Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem inseto

Sou areia sustentando o sexo das árvores

Existo onde me desconheço

aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro

no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in  Raiz  de  Orvalho  e  Outros  Poemas          

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Índice

1. Introdução: a adolescência e os media digitais ....................................................................................................................... 3

2. A adolescência e processos de construção de identidade ...................................................................................................... 3

3. Produção Digital e "Identidades em ação" .............................................................................................................................. 4

4. Produção de Identidades: quatro casos .................................................................................................................................. 5

5. Os diferentes papéis dos media digitais .................................................................................................................................. 6

5.1 Construtividade ..................................................................................................................................................................... 7

5.2 Coletividade e Construção Social ......................................................................................................................................... 7

5.3. Convergência, Reflexividade, Negociação, Incorporação .................................................................................................... 8

5.4. Aprendizagem ...................................................................................................................................................................... 8

6. A construção da identidade como bricolage ........................................................................................................................... 9

7. Vídeos interessantes ............................................................................................................................................................. 10

8. Referências ............................................................................................................................................................................ 10

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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1. Introdução: a adolescência e os media digitais

Ao longo dos últimos séculos, sempre que pensamos em tecnologia associamo-la às camadas jovens ou mais

novas, desde a Revolução Industrial até à atual era tecnológica. Exatamente aquando da revolução industrial

surge o termo adolescência tal como hoje o conhecemos1. Se primeiramente a criança/jovem depressa passava

ao estado de adulto ao ser-lhe incutido o ritmo da vida fabril, presentemente o termo do período da

adolescência tende a alongar-se2.

Em pleno quarto momento da Revolução Industrial, correspondente ao avanço da informática, da robótica e do

setor de comunicações ao longo dos séculos XX e XXI, se repararmos com atenção ao nosso redor, temos

constantemente presente na mais simples tarefa do nosso quotidiano um elemento media: telemóvel,

Gameboy, Play Station, Wii, reprodutor mp3, câmara fotográfica digital, computador...

Embora ainda hajam adolescentes mesmo na América do Norte sem computadores ou acesso à internet, ou a

outros media digitais, que fazem parte do dia a dia dos adolescentes e as novas tecnologias forçam-nos a

reexaminar as identidades, os corpos, a interação, o diálogo intergeracional, bem como a natureza da infância e,

consequentemente, da adolescência.

Os adolescentes absorvem, utilizam, adaptam, combinam como mestres os media digitais, daí que um grupo de

adultos esteja a aproximar-se em termos de adoção e utilização de hard e software, seja por querer manter-se

jovem, ou desejar o contato com seus filhos e netos, ou a necessidade de se adaptar às novas exigências do

mercado de trabalho. Incluídos nestes últimos estão os professores.

Os media digitais, ao estarem presentes em casa, na escola, no trabalho e em quase todos os espaços sociais dos

adolescentes e, ao mesmo tempo, de formarem parte do seu espaço privado de reflexão e crescimento,

assumem um papel de destaque na vivência da crise da identidade. No presente trabalho, procuraremos

explorar esses papéis e importância, assim como analisaremos o impacto dos mesmos nos contextos de

aprendizagem, formal e informal, tendo como base o artigo de Sandra Weber e Claudia Mitchel Imaging,

Keyboarding, and Posting Identities: Young People and New Media Technologies, mas integrando outras

fontes e leituras.

2. A adolescência e processos de construção de identidade

Segundo vários autores, a adolescência ocupa um lugar de destaque na construção da identidade. Nos inícios do

século XX, G. Stanley Hall3 define a adolescência como um período de "tempestade e stress". Erik Erikson, por

seu lado e dentro da Teoria Psicossocial do Desenvolvimento Humano, afirma que nesta fase a crise psicossocial

a ser vivida é a identidade versus confusão. Ainda segundo este autor, devem ser resolvidas neste período

questões essenciais, como os valores que norteiam a conduta, os ideais que se que persegue, a

definição/descoberta da identidade sexual, a decisão sobre o futuro percurso profissional. James Marcia segue e

amplia esta ideia, propondo quatro estados: difusão, execução, moratória e construção de identidade.

Existe, por isso, uma ideia generalizada de que a adolescência é um período crucial no desenvolvimento da

identidade. São muitas as perguntas que estão no centro das inquietações dos jovens, mas que poderiam ser

1 Cabié e Gammer, 1999

2 Emerging Adulthood Theory

3 Adolescence (1904) e Aspects of Child Life and Education (1921).

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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ilustradas pelo quadro de Guaguin D'où Venons Nous? Que Sommes Nous? Où Allons Nous4. Os jovens vivem,

nesta fase, a procura de respostas para as suas perguntas, mas também para as perguntas que os outros lhes

colocam (pais, adultos significativos, professores, amigos).

Ao mesmo tempo, estas inquietações psicológicas, filosóficas e existenciais são acompanhadas por mudanças

corporais próprias da puberdade. De facto, nesta fase, registam-se alterações corporais, biológicas e fisiológicas

acentuadas culminando na maturação sexual.

A nível social, é uma fase que, em muitos casos, corresponde a transferências para novas escolas, ao primeiro

emprego (mesmo que a tempo parcial) e a constituição de relacionamentos significativos e intensos com os seus

pares. Esta nova vivência e ampliação dos espaços sociais e relacionais são acompanhados por novas

responsabilidades e compromissos assumidos consigo e com os outros. Segundo Lévi-Straus, o indivíduo acede à

consciência de si, por diferenciação dos outros e assimilando a identidade do grupo que designa e identifica

como seu.

A adolescência é, por isso, uma fase muito intensa e cheia de novidades e incertezas, que exige decisões e

definições, normalmente vividas com muita intensidade e angústia. Segundo Weber e Mitchel, no discurso

ocidental a adolescência é retratada como um período de questionamento e ânsia por um futuro desconhecido,

em que o jovem se deve situar, encontrar os seus pares e o seu lugar na sociedade, tendo sempre presente a

dualidade: pertencer/não pertencer.

Os media digitais ocupam, principalmente nas sociedades industrializadas, um papel preponderante nesta

procura e definição do eu. Como veremos nos casos investigados e apresentados, esta procura nem sempre é

consciente e intencional, mas a relevância dos media digitais neste itinerário desconhecido de procura e

definição da identidade é evidente.

3. Produção Digital e "Identidades em ação"

Assim como as identidades juvenis, as tecnologias mudam aceleradamente, convergindo, transformam-se num fluxo

constante. Este turbilhão de mudanças está igualmente presente no modo como os adolescentes utilizam as novas

tecnologias: adaptam, misturam, experimentam, modificam e mesclam os vários media5. Ao fazê-lo deixam a sua impressão

digital. Segundo Weber e Mitchel, a “identidade em ação” é definida por estas atividades de produção cultural,

relembrando que, como a produção cultural digital, os processos de identidade são multifacetados e em fluxo,

incorporando imagens novas e antigas. Assim, o modo como interagem em linha (e não só) servirá de modelo para analisar

os processos de construção da sua identidade, pela observação de narrações digitais (site, powerpoint...), muitas vezes não

lineares e a múltiplas vozes .

Segundo Jenkins6, a produção implica a criação, manipulação e interação (consumir, combinar, criticar, adaptar ou

incorporar nos seus media digitais). Assim, os adolescentes tornam-se nos denominados "prosumers7", produzir, consumir e

ser consumido. Estes revisitam as suas produções na internet, atualizam-nas, verificam os "hits" ou mensagens de resposta.

Neste processo, no qual são a sua própria audiência, está presente uma reflexividade, um olhar consciente, não só na sua

produção, mas como os outros a veem e avaliam. Desta forma, as identidades são construídas, desconstruídas, formadas,

testadas e experimentadas.

4 1897 5 Media-mix segundo Mizuko “Mimi” Ito 6 Vide Henry Jenkins discussing the characteristics of Participatory Culture

7 Termo introduzido por Alvin Toffler, in The Third Wave (1980)

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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4. Produção de Identidades: quatro casos

Para analisar os processos de construção de identidade na adolescência através da utilização dos media digitais, são

apresentados quatro casos que ilustram o seu uso pelos adolescentes. Estes casos são diferentes em vários aspetos: país,

género, contexto social e económico, idade, tecnologia utilizada. De seguida, apresentamos uma tabela com os dados mais

relevantes dos quatro casos.

Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4

País Canadá Reino Unido África do Sul África do Sul

Projeto de

investigação

Digital Girls Moving Lives8

Digital Bedroom Every Voice Counts”9

Entidade

responsável

Investigadores Instituição de

caridade

Escola

Professores

Professores

Assistentes sociais

Pais

Adolescentes

Raparigas de

diferentes etnias,

culturais e

económicas

desfavorecidas

(círculo de amigos)

Jovem rapariga

refugiada de 15

anos

Grupo de 50

adolescentes

raparigas de 11 e 12

anos

Jovens do sexo

masculino de um bairro

rural entre os 14 e os 16

anos

Media Digitais

utilizados

Sites pessoais

Fotografias

Imagens digitais

Internet

Telemóvel

Câmaras

fotográficas

Internet

PowerPoint

Câmara fotográfica

digital

PowerPoint

Câmara de vídeo

digital

Técnica utilizada Entrevista de resposta

aberta

e análise do site

pessoal

Análise do

processo de

produção de uma

narração digital

(photovoice10

)

Análise do processo

de produção da

representação visual

dos quartos

Análise da

produção coletiva de

vídeo

Produção digital e

Identidade em

ação

Situar e construir o eu

social e o eu

individual através de

um site pessoal

(imagens e palavras)

Construir estados

de

autoconfiança,

usando a própria

voz e fotografias

para se descrever

Experimentar os eus

possíveis e a

autoimagem pela

exposição pública de

um lugar tão privado

como o quarto,

através de fotografias

e uma apresentação

PowerPoint

Criar uma identidade

coletiva a partir da

produção vídeo,

explorando questões

significativas através de

representações visuais

de machismo agressivo

8 http://www.photovoice.org 9 Projeto associado à prevenção do HIV e AIDS, pois cerca de 25% dos jovens sul africanos com idades compreendidas entre

15 e 24 anos são HIV positivos. 10 http://en.wikipedia.org/wiki/Photovoice

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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No primeiro caso, é escolhido o site pessoal da Isabella para explorar os processos de construção de identidade. Isabella é

uma adolescente de 11 anos de raízes italianas, que começa a viver os primeiros passos na construção da identidade. Neste

site a expressão individual e coletiva é notória. O resultado é uma paisagem visual cheia de recortes e impressões da

realidade pessoal, do círculo de amigos mais próximos, mas também da influência da cultura popular. As necessidades

emergentes congregam o novo e o antigo, o público e o pessoal, os objetos cândidos da infância com os símbolos sexuais da

cultura pop. Nos sites de rapazes e de raparigas mais velhas podem ser observadas as mesmas estruturas de construção,

mas tanto os conteúdos como as cores utilizadas são diferentes.

No segundo caso, Get my phone back or die trying, Walia expressa o valor que atribui ao telemóvel. Este é uma extensão de

si, dá-lhe voz e autoconfiança. Aqui, a intenção educativa está bem definida. Walia deveria combinar imagem e voz para

representar-se e expressar a forma como queria ser ouvida. Esta expressão pessoal, fora do contexto formal de

aprendizagem, transforma-se num canal de autenticidade e de experimentação desde o quem sou eu até ao quem é que eu

quero ser.

Os quartos têm um papel importantíssimo na construção da identidade, contam as histórias de quem os habita. Este ato

social de expor publicamente algo tão privado, pode revelar dados muito interessantes sobre a construção da identidade:

Que objetos decidiram fotografar?; Que imagens acompanhavam o seu quarto?; Que acessórios preferiram mostrar?; Que

relação há entre a infância e a procura de uma idade adulta?. Como referiram Webber e Mitchel é através da utilização e da

leitura desses detalhes aparentemente banais que as identidades emergem.

No último caso, só com elementos do sexo masculino e num contexto social marcado pelo machismo, pela problemática da

sida e pela marginalidade, grupos de jovens são convidados a criar uma narrativa digital participativa. Os jovens têm, desta

forma, a possibilidade de explorar e de se envolverem de forma ativa em questões que lhes são significativas. Os jovens

observados produziram um vídeo chamado Rape, onde exploram uma situação de violação11. Neste vídeo são visíveis as

heranças machistas, a importância dos líderes dos grupos e a pouca importância atribuída ao género feminino.

5. Os diferentes papéis dos media digitais

Que media digitais utilizam os jovens? Todos os que estão ao seu alcance. Mesmo os jovens que vivem em contextos menos

industrializados e, por isso, menos tecnológicos facilmente aprendem a manipular os artefactos digitais, como foi

observado no caso 4. Segundo Marc Prensky (2001) estes jovens são nativos digitais. Utilizam e integram a tecnologia nas

suas vivências e experiências de forma natural e orgânica.

Naturalmente, este aspeto tem consequências e desempenha papéis variados na construção da identidade. Segundo

Susannah Stern12

, muitos jovens vivenciam, pela primeira vez, estados de auto-consciência, fora do conforto e estabilidade

da infância e do seio familiar. Neste contexto, os media digitais são as ferramentas perfeitas para testarem e provarem os

diferentes eus e as diferentes avaliações feitas pelos pares. Esta é a fase de porem à prova as suas potencialidades, mas

também de perceberem os seus limites e necessidades pessoais, sociais e sexuais.

A internet e o espaço online torna-se o lugar, por excelência, para se exprimirem. Como refere Stern, a expressão juvenil já

existia antes da internet, mas esta atribuiu-lhe um caráter global e coletivo nunca antes observado.

Tendo como pano de fundo os quatro casos, passamos a analisar os processos de construção de identidade potenciados

pelos media digitais: construtividade, coletividade e construção social, convergência, reflexividade, negociação,

incorporação e aprendizagem.

11 Aquando da realização do vídeo, Jacob Zuma, primeiro ministro de África do Sul, era acusado de violar em sua casa uma

jovem que estava de visita. 12

Stern, Susannah Producing Sites, Exploring Identities: Youth Online Authorship, University of San Diego, Department of

Communication Studies

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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5.1 Construtividade

Um dos processos de construção de identidade transversalmente presente em todas as produções multimédia é a

construtividade. A criação de linguagens, universos e expressões próprias têm como matéria-prima todas as possibilidades

e recursos disponíveis nos media digitais. Os adolescentes fundem e convergem elementos e esta mistura é inerente à

própria criatividade adolescente.

Como sugerem Webber e Mitchel, imaginemos os media digitais como pequenas peças de legos que estão à disposição dos

jovens. Os adolescentes utilizam e experimentam todas as peças, de uma forma intencional ou não. O resultado da

manipulação destes elementos é a mistura criativa de uma identidade emergente.

Os jovens utilizam os artefactos digitais que estão ao seu alcance mesmo desconhecendo-os. Primeiro testam as suas

possibilidades e as limitações, improvisando, testando, aprendendo, sozinhos ou com a ajuda de pares. Desta forma, a

construtividade começa desde o primeiro contacto com os media digitais utilizados num determinado momento e são parte

integrante do papel que assumem os adolescentes, seja online ou offline.

Os jovens apropriam-se dos elementos para os fundir, reutilizar, construir em cima, misturar, adaptar na utilização dos

media digitais e como forma de expressão e comunicação. Os adolescentes deixam as suas marcas, como impressões

digitais, nas suas criações, previamente negociadas, interpretadas e adaptadas coletivamente.

Ao adquirir certas competências e explorar possibilidades, os jovens começam a improvisar e a procurar materiais

adicionais para integrar na sua construção. Segundo Weber e Mitchel, a produção digital permite a manipulação de

identidades de géneros, de raças e sexuais.

Nas produções digitais encontra-se e converge, como em colagens, fragmentos da vida familiar e pessoal, vestígios de

materiais originais, fotografias, apontamentos, notas, poemas, tudo que tem significado num determinado momento para o

adolescente. Esta fusão e combinação de elementos transforma-se numa imagem única da identidade do adolescente, um

processo contínuo que pode ser alterado, reorganizado e reconstruído em qualquer momento. Como numa obra de arte,

de todos os elementos, a construtividade é o mais difícil de determinar13.

5.2 Coletividade e Construção Social

Durante a construção de identidade, o outro assume um papel de relevância. O adolescente constrói, reconstrói-se e co-

constrói-se de acordo com o feedback dos seus pares. O espaço online, como se pode observar no caso 1, torna-se uma

amálgama de experiências e testes, um laboratório para experimentar os diferentes aspetos e facetas da identidade.

Neste espaço, são e estão reunidos e convergidos todos os tipos de fontes, estilos, linguagens e culturas, a procura do eu e

do espaço no seio do grupo torna-se o principal objetivo, mesmo que seja inconsciente. A construção da identidade é, desta

forma, um work in progress que descobre novos caminhos de acordo com a influência da aceitação do grupo de pares.

Adapta-se ao contexto e às manifestações dos outros.

Mas, não é só a voz e expressão individual que está presente online, neste espaço está presente e cresce uma cultura

colaborativa, participativa e convergente. São espelhados os universos macrossociais de pertença social e cultural. Há,

desta forma, uma relação dialética entre o pessoal e o social, entre o privado e o público.

Tomando como exemplo o último caso, podemos observar a importância e aprofundar o nosso conhecimento sobre a

importância do coletivo na construção do eu individual. O trabalho deste grupo era o de fazer um vídeo coletivo. Este

13 Fernando Pessoa

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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trabalho tem, obrigatoriamente de passar por várias fases e tomadas de decisão, entre outras terão de ser negociadas e

construídas as seguintes perguntas: Qual será o tema do vídeo?; O quê, como e onde será filmado?; Que mensagem

queremos transmitir?; Quem desempenhará as diferentes funções?; Qual será o roteiro de filmagens?.

Estamos perante um grupo constituído só por membros do sexo masculino, o que segundo Judith Butler só acentua a visão

binária do género e acentua os pontos de vista masculinos e de desempenho (apud David Buckingham14).

Durante o processo de produção do vídeo, os vários membros mantinham um papel ativo e refaziam cenas, trocavam e

reescreviam papéis. Este tipo de desempenho poderia ser visível em qualquer tipo de produção digital, mas a produção

vídeo permite o colocar-se no lugar do outro, atribuindo valor social e coletivo na construção de identidades.

5.3. Convergência, Reflexividade, Negociação, Incorporação

Os adolescentes, nos casos referidos, utilizam variados media digitais, antigos e novos, convergendo-os harmonicamente,

usando um medium para reforçar o conteúdo do outro. Tal como no caso 1, onde a construção de um site

(tecnologicamente novo) incorpora escrita de jornal, álbuns de fotografias, projeção de slides..., e no caso 2, em que Walia

no PowerPoint foca a importância do seu telemóvel.

Weber e Michel defendem que os media digitais facilitam a relexibilidade, por três razões: (1) a sua criação media força-os a

olhar para si, por vezes de uma nova maneira, permitindo posterior modificação à representação do eu; (2) as escolhas e

processos que os adolescentes usam no processo de produção revelam quem são e com que se identificam, embora por

vezes seja inconscientemente; (3) através da colocação de mecanismos de resposta e/ou de comentários espontâneos de

outrém está presente um diálogo que permite mediar e reformular como se veem e como os outros os caracterizam.

Embora seja ressalvado que este olhar reflexivo poderá não ser crítico, pois é moldado pela cultura e experiência, ou seja,

resulta de um ato de socialização15. Produzir media provoca exatamente essa sensibilização.

A expressão e construção de identidade através da produção de media digital assenta essencialmente no visual. Segundo

antropologistas16, existe um elemento reflexivo aquando da produção com imagens. Analisemos os exemplos dos casos

estudados: Isabella e os seus amigos estão, através da estrutura visual e o conteúdo dos seus sites, constantemente a

negociar os seus pontos de vista e identidade dentro da cultura pop, da sua herança cultural. Entre si analisam os posts e

sugerem subtilmente o que deve ou não ser colocado ali.

Embora haja a tendência para esquecer que as identidades online estão incorporadas, a verdade é que os nossos corpos são

presentes nos processos inerentes à produção online. Tomemos o exemplo de Isabella (caso 1) com as suas fotografias,

com poses à Hillary Duff. Os adolescentes examinam, modificam, vestem, adornam e projetam os seus corpos no que

produzem. Igualmente na produção do vídeo do grupo do caso 3, os adolescentes envolvidos prepararam a sua

representação e estudam os movimentos corporais para melhor expressão da simulação de violação, tendo inclusive jovem

protegido o corpo do colega ao colocar duas folhas no chão de cimento durante a filmagem. A produção de media tal como

a identidade possui um corpo e este está sempre presente.

14 Buckingham, David. (2008) “Introducing Identity." Youth, Identity, and Digital Media. Edited by David Buckingham. The

John D. and Catherine T. MacArthur Foundation Series on Digital Media and Learning. Cambridge, MA: The MIT Press, 2008.

1–24. doi: 10.1162/dmal.9780262524834.001 15 Antony Giddens: “Projeto reflexivo do eu”; “A reflexividade é essencial nos vários sentidos da ação humana, e esta é uma

propriedade de indivíduos.”; “o sujeito só pode ser apreendido através da constituição reflexiva de atividades diárias em

práticas sociais” 16 Vide Sarah Pink

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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5.4. Aprendizagem

A aprendizagem é um aspeto transversal nos casos investigados. Pode-se facilmente perceber que diferentes estruturas e

espaços têm consequências no desenvolvimento de competências e nos conteúdos das produções digitais. Os jovens, assim

como todos os seres humanos em qualquer fase da sua vida, aprendem tanto em contextos formais como em contextos

informais.

Na adolescência, a aprendizagem informal é caracterizada pela auto-motivação, pelo ritmo de aprendizagem pessoal e pela

utilização de espaços eleitos individualmente, sem a supervisão de um adulto. Este tipo de aprendizagem é visível no

primeiro caso. Isabella tem um site pessoal, de atualização quase diária, aprende e adquire competências e conhecimentos

de acordo com os seus interesses, potencialidades e necessidades com a ajuda dos seus pares e da sua irmã. Não é, pois,

um processo solitário. É, segundo Weber e Mitchel, uma aprendizagem caracterizada pela interação, experimentação,

autenticidade, acompanhada por um sentimento de satisfação. É uma paisagem de aprendizagem pessoal, rica em

referências ao contexto social, que utiliza os recursos disponíveis e permite a construção e análise da identidade.

A aprendizagem formal ocorre em espaços definidos que respeitam uma intenção, planificação e estrutura pedagógica.

Além disso, tem objetivos bem definidos e pretendem alcançar metas pedagógicas. Nos restantes casos (2, 3 e 4) estamos

perante este tipo de aprendizagem. As competências desenvolvidas e os conhecimentos adquiridos resultam de atividades

propostas por adultos. Pode-se argumentar que nos três casos, a escolha do conteúdo foi livre, mas não podemos omitir

que todas as atividades foram dirigidas por professores,ou agentes educativos mesmo na escolha da tecnologia a utilizar,

realizando em alguns casos workshops para a aquisição de competências tecnológicas e digitais.

O acesso aos media digitais é um fator a ter em conta. Nos primeiros três casos, o acesso à tecnologia está para além do

espaço escolar. No entanto, no último caso nem os agentes educativos nem os adolescentes tinham acesso a tecnologia

fora do espaço formal educativo. As possibilidades educativas são, portanto, maiores nos primeiros três casos e mais

limitadas no último caso.

Todos os casos mostram a aprendizagem motivada pelos media digitais. São notórios processos de aprendizagem

colaborativos, construtivistas, conectivistas (com especial destaque no primeiro caso, com dinâmicas informais na rede e

através, muitas vezes, de tentativas e erro).

Os media digitais permitem o desenvolvimento de competências técnicas e digitais, estéticas e visuais, permitindo a

construção de múltiplas facetas da identidade e de diferentes espaços de autoconhecimento e experimentação.

6. A construção da identidade como bricolage

A identidade é vista por muitas teorias contemporâneas como um processo permanente, sujeito a negociações, mas

também a restrições. As produções digitais analisadas seguem esta visão de processo contínuo, inacabado, em construção.

Por isso, Webber e Mitchel sugerem o termo bricolage para definir este processo de construção de identidade pessoal e

social. Todos os aspetos do mundo online e offline, assim como os aspetos físicos, culturais e sociais interagem

dialeticamente com os processos psicológicos. Assim como numa peça de bricolage, a identidade é uma mescla de

fragmentos misturados, improvisados, até mesmo contraditórios.

Nas produções e usos digitais são criadas paisagens compostas por retalhos, recortes e registos que espelham a forma

como os jovens se veem a si e aos outros. Esta característica também pode ser observada, como já foi referido, nos quartos

digitais17 dos jovens adolescentes.

17 Julian Sefton-Green e David Buckingham

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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Após esta análise torna-se visível o valor incontornável dos media digitais na construção da identidade e nas aprendizagens

juvenis. Urge, por isso, compreender estes processos, analisá-los, torná-los centro das nossas reflexões de forma a

promover práticas pedagógicas com crescente qualidade, que promovam o desenvolvimento da identidade dos jovens.

7. Vídeos interessantes

Henry Jenkins discussing the characteristics of Participatory Culture.

Henry Jenkins fala sobre "Convergence Culture"

8. Referências

Páginas WWW

Antropologia Visual - Wikipedia

Entrevista com Alvin Toffler (transcrição)

Entrevista com Anthony Giddens (transcrição)

Revolução Industrial - Wikipedia

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O papel dos media digitais na construção da identidade social dos jovens

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Artigos

A Cultura Adulta e Juventudo como Valor (Projeto reflexivo do eu, p. 20)

Embodiment, Identity and Presence in Second Life

Emerging Adulthood, A Theory o f Development From the Late Teens Through the Twenties

Erikson e a Teoria Psicossocial do Desenvolvimento

Imaging, Keyboarding, and Posting Identities: Young People and New Media Technologies. In Youth, Identity, and Digital

Media: 25-47.

Integrating New Media and Old Media: Seven Observations of Convergence as a Strategy for Best

Life beyond the screen: embodiment and identity throngh the internet

Practices in Media Organizations

When Consumers Produce on the Internet: The Relationship between Cognitive-affective, Sociallybased, and Behavioral

Involvement of Prosumers

Livros

Anthony Giddens, Modernity and Self Identity, Self and Society in the Late Modern Age (Cambridge, Polity Press, 1992)

Henry Jenkins, Convergence Culture: Where Old and New Media Collide (New York and London: New York University Press,

2006), 290