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PATRÍCIA BRESSAN LINHARES GAUDENZI
O PERFIL JURÍDICO DO IMPOSTO DE RENDA E A TRIBUTAÇÃO DOS PLANOS
DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA
MESTRADO EM DIREITO
PUC/SP
São Paulo
2006
2
PATRÍCIA BRESSAN LINHARES GAUDENZI
O PERFIL JURÍDICO DO IMPOSTO DE RENDA E A TRIBUTAÇÃO DOS PLANOS
DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito Tributário (Direito do Estado), sob a
orientação do Professor Doutor Roque Antonio
Carrazza.
PUC/SP
São Paulo
2006
3
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
4
À memória de meu pai, Normando, à minha mãe, Rose, às
minhas irmãs, Ana Carolina e Adriana, e ao meu grande
amigo, companheiro e marido, Leonardo.
5
AGRADECIMENTOS
Ao colega e amigo Roberto Quiroga Mosquera, pela inspiração, pelas oportunidades e pela
confiança que em mim deposita.
Ao professor Roque Antonio Carrazza, estimado orientador, pelos ensinamentos jurídicos e
pelas lições de vida que transmite.
7
RESUMO
Diante dos avanços alcançados pelo regime de previdência complementar, com a edição da
Emenda Constitucional nº 20, de 1998, que ensejou a edição da Lei Complementar nº 109, de
2001, e do oferecimento de novos produtos previdenciários ao público, a previdência privada
figura atualmente como elemento fundamental na estruturação do sistema previdenciário
brasileiro – especialmente em vista do conhecido desequilíbrio atuarial e financeiro da
previdência oficial –, propiciando meios para que os indivíduos permaneçam economicamente
ativos mesmo com a chegada da fase de inatividade profissional. A fim de realizar o seu
planejamento para o período de aposentadoria futuro, o indivíduo passa a avaliar os impactos
tributários do investimento de recursos em planos de previdência complementar, em relação
aos outros instrumentos de poupança. Com vistas a esta realidade é que se propõe a apresentar
como tema deste estudo a análise do perfil constitucional do imposto de renda, a sua matriz de
incidência, e o tratamento tributário atualmente conferido aos valores aplicados em planos de
previdência privada. A partir deste estudo, pretende-se analisar criticamente se o “regime de
diferimento do imposto de renda” aplicável aos investimentos em planos de previdência
privada efetivamente traduz uma postergação do ônus financeiro do tributo ou pode acarretar
a incidência do referido tributo sobre parcela do patrimônio (e não da renda) da pessoa física.
Palavras-chave: Previdência complementar privada. Imposto de renda. Conceito de renda.
Perfil constitucional do imposto de renda. Regra-matriz do imposto de renda. Tributação dos
Planos de Benefícios.
8
ABSTRACT
Considering the progress reached by the private pension fund system, because of the edition
of the Constitutional Amendment n. 20, as of 1998, which has resulted in the edition of the
Complementary Law n. 109, as of 2001, and the offering of new pension products to the
public, private pension is presently a fundamental element for the structure of the Brazilian
pension system – especially towards the actuarial and financial instability of the public
pension system –, rendering alternative for the individuals to keep themselves economical
actives even in the inactivity phase of professional duties. In order to organize the retirement
planning, the individual assesses the tax consequences of the investment in private pension
funds, in comparison to other kinds of investment. Facing this reality, the purpose of this
study is to present the analysis of the constitutional profile of the income tax, its matrix-rule
and the tax treatment imposed to the values invested in private pension funds. As from this
analysis, the intention is to review if the “income tax deferment regime” applicable to the
investment in private pension funds effectively corresponds to a postponement of the financial
tax burden or if it can result the income tax incidence on part of the individual’s heritage (and
not his/her income).
Keywords: Private Pension Funds. Income Tax. Definition of Income. Income Tax
Constitutional Profile. Income Tax Matrix-rule. Taxation of the Pension Fund Plans.
9
SUMÁRIO
Introdução..................................................................................................................... 12
PARTE I – NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A PREVIDÊNCIA
COMPLEMENTAR PRIVADA NO BRASIL
Capítulo I - A Previdência Complementar Privada na Constituição Federal de
1988................................................................................................................................
19
1.1 Panorama Geral da Previdência Social....................................................... 19
1.2 A Previdência Complementar Privada......................................................... 25
1.3 A Lei Complementar nº 109/01................................................................... 29
Capítulo II - O Regime Jurídico da Previdência Complementar Privada.............. 32
2.1 A Relação Jurídica Contratual...................................................................... 45
2.1.1 O Participante – Pessoa Física............................................................. 46
2.1.2 O Patrocinador – Pessoa Jurídica........................................................ 49
2.1.3 A Entidade de Previdência Complementar.......................................... 51
2.2 Planos de Benefícios das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar...............................................................................................
56
2.3 Planos de Benefícios das Entidades Abertas de Previdência
Complementar...............................................................................................
59
PARTE II – O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS E RESGATES EM PLANOS
DE BENEFÍCIOS POR ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA
COMPLEMENTAR PRIVADA COMO FATO JURÍDICO TRIBUTÁVEL
PELO IMPOSTO DE RENDA
Capítulo III - Perfil Constitucional do Imposto de Renda........................................ 63
3.1 Competência Tributária da União................................................................ 67
3.2 Noção Constitucional da Renda................................................................... 71
3.3 Princípios Constitucionais Tributários Aplicáveis ao Imposto de Renda... 73
3.3.1 A Importância do Princípio da Capacidade Contributiva.................... 77
3.3.2 A Limitação Imposta pelo Princípio da Vedação ao Confisco............ 82
3.4 A Renda Passível de Tributação pelo Imposto de Renda............................. 86
10
Capítulo IV - A Hipótese de Incidência do Imposto de Renda e a Formação de
sua Regra-Matriz..........................................................................................................
90
4.1 O Antecedente da Norma Tributária............................................................. 96
4.1.1 Critério Material – Renda e Proventos de Qualquer Natureza............ 96
4.1.2 Critério Espacial.................................................................................. 100
4.1.3 Critério Temporal................................................................................ 103
4.2 O Conseqüente da Norma Tributária............................................................ 108
4.2.1 Critério Pessoal.................................................................................... 109
4.2.2 Critério Quantitativo............................................................................ 112
4.3 Síntese da Regra-Matriz do Imposto de Renda............................................ 116
Capítulo V - A Tributação dos Planos de Benefícios de Previdência
Complementar Privada pelo Imposto de Renda........................................................
117
5.1 Regime de Diferimento do Ônus Financeiro................................................ 117
5.1.1 Dedutibilidade das Contribuições na Apuração do Imposto de
Renda..................................................................................................
123
5.1.1.1 Pessoa Física .......................................................................... 123
5.1.1.2 Pessoa Jurídica........................................................................ 129
5.1.2 Isenção do Imposto de Renda Durante a Fase de Acumulação.......... 135
5.1.3 Incidência do Imposto de Renda sobre Resgates e Benefícios........... 143
5.1.3.1 Regime Progressivo de Tributação......................................... 148
5.1.3.2 Regime Regressivo de Tributação.......................................... 150
5.1.3.3 Situações de Isenção............................................................... 156
5.1.3.3.1 Resgate de Contribuições Efetuadas pela Pessoa
Física entre 1989 e 1995, para Desligamento do
Plano.......................................................................
157
5.1.3.3.2 Beneficiários Portadores de Moléstias Graves e
Portadores de Deficiência Mental...........................
160
5.1.3.3.3 Beneficiários Maiores de 65 Anos........................... 163
5.1.3.3.4 Pecúlio..................................................................... 165
5.1.3.3.5 Auxílio-doença e Outros.......................................... 167
11
Capítulo VI - A Adequação da Tributação dos Planos de Previdência
Complementar pelo Imposto de Renda ao Perfil Constitucional do Tributo ........
168
6.1 Possibilidade de Tributação de Parcela do Patrimônio.............................. 168
6.1.1 O Princípio da Capacidade Contributiva e o Regime Regressivo de
Tributação...........................................................................................
170
6.1.2 O Princípio da Vedação ao Confisco e o Regime Regressivo de
Tributação...........................................................................................
173
Capítulo VII - A Adequação da Tributação dos Planos de Previdência
Complementar pelo Imposto de Renda à Regra-Matriz do Tributo......................
175
7.1 A Possibilidade de Tributação do Próprio Capital Investido – Critérios
Material e Quantitativo (Base de Cálculo)...................................................
175
Conclusões..................................................................................................................... 179
Referências Bibliográficas........................................................................................... 187
Acesso Eletrônico......................................................................................................... 192
12
INTRODUÇÃO
O funcionamento da previdência complementar privada no Brasil remota do
final do século XIX, com a criação das primeiras caixas de previdência para trabalhadores
ferroviários, autorizadas a funcionar pela Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682, de 1923). Em
estrutura bastante primitiva, se comparada com a complexa organização de uma entidade de
previdência complementar atual, as caixas de previdência proporcionavam aos trabalhadores
associados auxílio médico, benefícios de aposentadoria e auxílio funerário.
A idéia central das caixas de pecúlio – como também são chamadas essas
primeiras entidades previdenciárias –, estava pautada na solidariedade dos seus associados, a
fim de criar condições de sustentabilidade para os trabalhadores, quando não lhes fosse mais
possível exercer ativamente suas funções laborais.
Essa inspiração inicial da previdência complementar com as caixas de
pensões e pecúlio prolongou-se até a edição da Lei nº 6.435, de 1977, quando a previdência
privada foi instituída formalmente sob as bases das entidades abertas e fechadas de
previdência privada. Neste compasso, criou-se uma maior independência da previdência
privada às relações de trabalho, uma vez que foi possível propiciar aos indivíduos o ingresso
em planos de benefícios abertos, independentemente da existência de vínculo de emprego
com pessoa jurídica patrocinadora.
A normatização da previdência complementar, até o início do corrente
século, pela Lei nº 6.435, de 1977, ganhou contornos mais definidos – alinhados à tendência
mundial de reforçar o sistema previdenciário de caráter privado –, com a edição da Lei
Complementar nº 109, de 21 de maio de 2001.
A referida Lei, ao estabelecer disciplina objetiva ao regime jurídico dos
planos de previdência complementar no Brasil, consignou princípios para a operacionalização
dos planos dessa natureza, estabeleceu institutos obrigatórios (de resgate e portabilidade, entre
outros) e fixou direitos e obrigações às partes da relação jurídica contratual deste segmento:
entidades, participantes e patrocinadores1.
1 A figura denominada patrocinador é mencionada na legislação como atinente apenas aos planos administrados por entidades fechadas de previdência complementar, uma vez que, nos planos abertos, a pessoa jurídica
13
Com o advento da Lei Complementar nº 109, de 2001, possibilitou-se a
modernização dos planos de benefícios, por intermédio da introdução de uma disciplina
normativa mais robusta e eficaz.
Tal avanço foi possível mediante a previsão constitucional do regime
jurídico da previdência complementar, marcada pela edição da Emenda Constitucional nº 20,
de 15 de novembro de 1998. Com isso, reforçou-se a importância da estruturação jurídica da
previdência complementar, possibilitando o seu crescimento, já acentuado na década de 90.
Atualmente, a previdência complementar figura como elemento fundamental
na organização do sistema previdenciário brasileiro, notadamente pela indiscutível
importância de se propiciar meios para que os cidadãos permaneçam economicamente ativos
mesmo com a chegada da fase de inatividade profissional (total ou parcial) e em vista do
conhecido desequilíbrio atuarial e financeiro da previdência geral oficial.2
Não se trata, pura e simplesmente, de um instrumento de investimento com
reflexos apenas na condição financeira individual, mas, sim, de um mecanismo de proteção
social eficiente, capaz de proporcionar consistência e sustentabilidade à previdência social.
Isto porque, estando a previdência social brasileira dividida em duas vertentes: uma
obrigatória, responsável pela previdência básica dos trabalhadores da iniciativa privada e do
serviço público, e outra facultativa, de caráter privado, acessível a todos os cidadãos, o seu
equilíbrio somente é alcançado quando ambos os setores estiverem equalizados e coexistirem
de forma adequada.
participante do custeio do plano recebe o nome de instituidor. Contudo, para fins do presente estudo, serão abrangidos, com este termo, também as pessoas jurídicas patrocinadoras de planos abertos de previdência complementar. Isto porque, os instituidores, no âmbito dos planos fechados, correspondem àqueles que patrocinam planos para associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial. Assim, o termo patrocinador (ou patrocinadora), para a presente análise, abracará toda pessoa jurídica que efetuar aportes em planos de benefícios previdenciários em favor de seus empregados, dirigentes, associados ou membros, independentemente de se tratar de plano administrado por entidade fechada ou aberta de previdência complementar. 2 A este respeito, Marcos Antonio Simões Peres, em recente estudo intitulado “A evolução da previdência complementar aberta” ressalta que: “O sistema de previdência brasileiro apóia-se em dois pilares. O primeiro (previdência social) possui natureza pública e é de iniciativa governamental, a participação da massa de trabalhadores é universal e compulsória (...). O segundo pilar possui natureza privada e subdivide-se em dois segmentos: o fechado e o aberto (...). O incentivo à expansão do segundo pilar tem sido objeto da política dos Governos de muitos países, inclusive o Brasil. Isso vem ocorrendo na medida em que fica cada vez mais clara para a sociedade a incapacidade do primeiro pilar de prover aposentadorias em valor adequado à manutenção do padrão de vida das camadas da população com rendimentos que extrapolam o limite (teto) dos benefícios pagos pela previdência social, bem como não se mostra sustentável, econômica e atuarialmente, a longo prazo.” (in “A Evolução da Previdência Complementar Aberta”, Revista de Previdência nº 4, Gramma, Rio de Janeiro, abril/06, p. 23/24).
14
O fortalecimento da previdência complementar privada – motivado por uma
estrutura normativa organizada, e impulsionado por uma tributação coerente – tem por
conseqüência uma maior expansão do sistema previdenciário nacional, atingindo cada vez
maior parte da população, e, com isso, oferecendo meios para o avanço social e econômico do
País.
É em razão da conscientização sobre a importância da previdência
complementar privada, que, ao longo dos últimos anos, vem sendo verificada uma mudança
na formação cultural quanto ao planejamento da poupança previdenciária do indivíduo
brasileiro. Tal transformação é marcada pelo crescimento do número de planos de benefícios
operados por entidades fechadas de previdência complementar – os chamados fundos de
pensão – e pelo diariamente noticiado aumento dos planos administrados por entidades
abertas de previdência complementar e sociedades seguradoras – especialmente os planos da
modalidade PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres).
Com a identificação da relevância da realização de um planejamento para o
período de aposentadoria futuro, o indivíduo passa a avaliar os impactos tributários do
investimento de recursos em planos de previdência complementar, e os reflexos fiscais sobre
os investimentos em outras modalidades de aplicação financeira, como fundos de
investimento, títulos de renda fixa, ações e até mesmo as alternativas para investimento
imobiliário.
Isto porque, quando se trata de poupança previdenciária, o que a caracteriza
é a finalidade que se pretende alcançar (rendimentos futuros de longo prazo) e não a
modalidade de investimento utilizada para tanto. Assim, é possível admitir-se o investimento
de caráter financeiro ou imobiliário, ou outro, que tenha por finalidade complementar a renda
individual em determinada fase futura, de diminuição da atividade profissional, e, com isso, o
investimento revestir-se da finalidade previdenciária.
Contudo, neste contexto, os planos de benefícios de caráter previdenciário,
ganham posição de destaque em relação às demais modalidades de investimento, em razão de
estarem estruturados especialmente para a finalidade de garantir complementação da renda na
fase de aposentadoria. Por esta razão, justifica-se o agrupamento, facultativo, de pessoas e
seus recursos em planos, cuja carteira de investimentos seja diversificada e esteja voltada para
a cobertura de benefícios previdenciários a seus participantes.
15
É devido à importância do tema relativo à tributação dos planos de
previdência complementar, enquanto instrumento de poupança previdenciária, que se propõe
a apresentar como tema deste estudo a incidência do imposto de renda sobre o investimento
nestes planos. Uma análise crítica acerca do modelo tributário imposto a esta modalidade de
investimento, poderá contribuir para estimular o debate para a sua evolução a fim de que, a
final, a tributação não represente um entrave para o desenvolvimento da previdência
complementar privada no País.
Seguindo estes moldes, o objetivo proposto no presente estudo é o de
analisar a tributação dos resgates e benefícios recebidos de planos de previdência
complementar privada, instituídos no Brasil, em vista da hipótese de incidência do imposto de
renda, conforme delineada constitucionalmente. Justifica-se tal análise à necessidade de se
traçar uma visão crítica sobre o regime tributário ao qual os recursos recebidos pelos
participantes e beneficiários de planos de benefícios estão atualmente submetidos, em face do
enquadramento jurídico-constitucional do imposto de renda devido pelas pessoas físicas
residentes no Brasil.
A tributação a que se refere, neste estudo, é especificamente aquela apurada
mediante a incidência do imposto de renda sobre os recursos alocados em planos de
previdência complementar, posteriormente vertidos sob a forma de benefícios de
aposentadoria ou de resgates, aos participantes e beneficiários dos planos de benefícios. Não
cuidará o presente estudo da análise dos tributos incidentes sobre os resultados das entidades
de previdência complementar ou sociedades seguradoras que administram os planos de
benefícios em questão; mas tão-somente do impacto do imposto de renda sobre as
importâncias vertidas e recebidas dos planos de previdência complementar.
Neste enfoque, abordar-se-á, inclusive, a isenção do imposto de renda
conferida recentemente, pela Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004, aos rendimentos e
ganhos auferidos nas aplicações financeiras dos recursos das reservas técnicas, fundos e
provisões dos planos de previdência complementar. Isto é, aos rendimentos e ganhos
auferidos na aplicação financeira dos recursos destinados, pelos participantes e
patrocinadores, aos planos de benefícios.
É de se destacar que a tributação de tais rendimentos e ganhos é tratada, pela
maior parte da doutrina, como uma tributação da entidade administradora do plano, e não do
16
participante, beneficiário final dos recursos. Isto se deve ao fato de, originalmente, o debate
sobre a tributação de tais recursos estar voltado para a discussão sobre a aplicação ou não da
imunidade tributária das entidades fechadas de previdência complementar conquanto
assemelhadas às entidades de assistência social – artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal
de 19883. O debate sobre a imunidade tributária, apesar de focado na natureza jurídica da
entidade fechada de previdência complementar, tinha como finalidade afastar a tributação,
pelo imposto de renda, sobre os ditos rendimentos e ganhos nas aplicações financeiras dos
recursos acumulados no plano de benefícios, e, com isso, desonerar da tributação os valores
acumulados no plano de benefícios, pelos participantes e patrocinadores.
Contudo, o que se verifica é que o impacto da tributação ou não dos
referidos rendimentos e ganhos é suportado pelo participante, destinatário dos recursos objeto
das aplicações financeiras4. Por isso é que, no bojo deste estudo sobre a incidência do imposto
de renda sobre os resgates e benefícios recebidos dos planos de previdência complementar
pela pessoa física, não se pode afastar a análise da tributação da remuneração obtida na
aplicação financeira dos recursos alocados no plano durante a fase de acumulação.
Portanto, o enfoque que se tomará acerca da isenção prevista na Lei nº
11.053/04, é o de se identificar os seus reflexos sobre o investimento em plano de previdência
complementar, conjuntamente com a análise do impacto da incidência do imposto de renda
sobre o aporte de recursos e sobre a sua disponibilização para o beneficiário, sob a forma de
resgate ou benefício.
Também não será objeto de análise específica a tributação dos planos de
seguro de vida com cobertura por sobrevivência (cujo nome comercial é “VGBL”), nem
3 Conforme será descrito no curso deste estudo, o Supremo Tribunal Federal pôs fim à discussão sobre a imunidade tributária das entidades fechadas de previdência complementar ao decidir no processo que serviu de leading case sobre a matéria (RE nº 202.700-DF). Não obstante, desde o julgamento do leading case, persistia o intuito de demonstrar a existência de bitributação, pelo imposto de renda, quando de sua incidência sobre os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações financeiras (fase de acumulação) e, posteriormente, sobre os valores recebidos na fase de gozo dos benefícios previdenciários. 4 Mesmo porque, como as entidades fechadas de previdência complementar são entidades sem fins lucrativos, o imposto de renda por elas recolhido impacta diretamente nos recursos por elas administrados, cujos beneficiários são os participantes. De outro lado, no tocante às entidades abertas de previdência complementar e sociedades seguradoras, até o ano de 2002, estavam elas isentas do imposto de renda incidente sobre os rendimentos e ganhos que viessem a auferir em aplicações financeiras, quer com recursos próprios, ou com recursos dos planos de previdência por elas administrados. Após a edição da Medida Provisória nº 2.222, de 4 de setembro de 2001, estabeleceu-se a cobrança do referido imposto, o qual, por autorização da entidade reguladora, pôde ser transferido às reservas dos participantes dos planos de previdência complementar; e, com isso, tem-se exatamente o mesmo efeito que o
17
tampouco dos fundos de aposentaria programada individual (referidos pela sigla “FAPI”). Isto
porque, diferentemente dos planos de previdência complementar privada, estas modalidades
de investimento têm natureza de seguro de vida e fundo de investimento, respectivamente, e,
assim, não estão submetidas ao mesmo regime jurídico dos planos de previdência privada –
apesar de estar o FAPI sujeito ao mesmo tratamento tributário dos planos previdenciários em
questão.
A não inclusão dessas espécies de investimento no foco de análise do
presente estudo não impede que sejam tecidos esclarecimentos pontuais e comparações entre
eles e os planos de previdência privada, a título de elucidar e trabalhar os seus cenários
normativos diversos.
Especificamente em relação aos planos de previdência complementar
privada, a hipótese que se propõe analisar é se o regime de tributação introduzido pelas Leis
nº 9.250, de 26 de maio de 1995, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e 11.053, de 2004,
comumente referido como “regime de diferimento do imposto de renda”, efetivamente traduz
uma postergação do ônus financeiro do tributo ou acarreta – e em que situações – a incidência
do referido tributo sobre parcela do patrimônio (e não da renda) da pessoa física.
Cuida-se, portanto, de verificar, em última instância, a adequação do regime
de tributação pelo imposto de renda dos valores investidos e recebidos dos planos de
benefícios previdenciários, no formato atualmente vigente, à competência
constitucionalmente atribuída para instituição do referido tributo e ao perfil constitucional
deste imposto.
Para tanto, verificar-se-ão os contornos constitucionais do imposto de renda,
bem como da estruturação de sua regra-matriz, para então se analisar os efeitos tributários das
contribuições vertidas para os planos de previdência complementar – tanto para a pessoa
física, quando investe recursos para seu próprio benefício, quanto para a pessoa jurídica, na
qualidade de ente patrocinador, ou seja, ao efetuar contribuições em favor de seus empregados
ou associados – (momento um), o impacto tributário da manutenção dos recursos no plano de
previdência complementar durante a fase de acumulação, em que há a aplicação financeira de
tais recursos (momento dois), e a incidência do imposto de renda quando do resgate ou
imposto de renda sobre a remuneração obtida nas aplicações financeiras realizadas pelas entidades fechadas de previdência complementar: a oneração das reservas acumuladas pelo participante.
18
recebimento dos benefícios de aposentadoria, pela pessoa física (momento três), beneficiária
do plano previdenciário.
Com isso, espera-se demonstrar as hipóteses em que a incidência do imposto
de renda sobre os resgates e benefícios recebidos dos planos de previdência complementar
poderá acarretar a tributação sobre a parcela que não corresponde ao conceito constitucional
de renda tributável por esta exação.
19
PARTE I
NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
PRIVADA NO BRASIL
Capítulo I - A Previdência Complementar Privada na Constituição Federal de 1988
1.1 Panorama Geral da Previdência Social
Para tratar sobre a previdência complementar privada é indispensável,
primeiramente, identificar a sua situação em termos constitucionais, a fim de verificar a sua
posição no universo da seguridade social brasileira.
Indiscutivelmente, na Constituição Federal é que residem as normas
estruturadoras e norteadoras do ordenamento jurídico nacional, o que, no campo da
seguridade social, reflete-se no estabelecimento de seus pilares de sustentação: saúde,
assistência social e previdência social.
Com efeito, no Capítulo II, do Título VIII, do texto constitucional, encontra-
se a disposição de que, no Brasil, a seguridade social compreende um conjunto integrado de
ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Tais ações, conforme previsão do artigo 194, devem ser promovidas no âmbito de uma
parceria entre o Poder Público e a sociedade.
Como poder legitimado para definir a ordem nacional, o Poder Público
estabelece normas e cria as instituições e entidades necessárias para fazer valer a organização
da seguridade social. À sociedade cabe a participação mediante a realização de contribuições
para o financiamento da estrutura social, conforme descritas no artigo 195 da Constituição.5
5 Na visão de Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub, porém, a participação da sociedade no âmbito da seguridade social reflete-se justamente na organização da previdência privada: “Pois bem, a iniciativa da sociedade vem se manifestando com o crescimento ímpar da Previdência Complementar Privada brasileira. A Justiça Social se dá, outrossim, com observância do princípio da liberdade de iniciativa (art. 170 da Constituição).” (in “Manual de Direito Previdenciário Privado”, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 18)
20
Na divisão dos pilares que sustentam a seguridade social, tem-se que a saúde
e a assistência social são regidas pelos artigos 196 a 200 e 203 e 204, respectivamente. Já a
previdência social encontra-se regulada nos artigos 201 e 202, cuja redação atual foi dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
A reforma constitucional promovida pela Emenda Constitucional nº 20,
destacou os dois eixos de direcionamento da previdência social: de um lado, a previdência
social de caráter geral e de filiação obrigatória, regida pelo artigo 201, e, de outro, a
previdência complementar privada, autônoma e de filiação facultativa, regida pelo artigo
202.6
É de se notar que ambas figuram na esfera da previdência social (Seção III),
e, portanto, forçoso asseverar que formam um único conjunto que determina a organização da
previdência aos cidadãos, no Brasil. A referência à previdência geral e obrigatória como
previdência sócia (stricto sensu), justifica-se apenas em contrapartida à expressão usada pelo
artigo 202 (previdência privada), não se afastando, porém, o reconhecimento de que ambas –
previdência social e previdência privada – compõem faces de uma mesma unidade da
seguridade social, qual seja, a previdência social (lato sensu).7
O regime geral da previdência social – como é chamada a previdência social
obrigatória – está voltado para segurar os trabalhadores8, garantindo-lhes cobertura na
6 A redação anterior do texto constitucional não contemplava a previdência complementar privada: “Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições: I - aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal; II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei; III - após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério. § 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher. § 2º - Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.” 7 Conforme será exposto a seguir, o sistema previdenciário brasileiro é composto, além da previdência social e da previdência privada, pelo regime próprio dos servidores públicos, o qual encontra sua previsão constitucional no artigo 40 da Constituição Federal de 1988. 8 Entende-se pr “trabalhadores” os cidadãos que prestam serviços a pessoas jurídicas de direito privado ou a pessoas físicas e aqueles que venham a se associar ao regime geral da previdência social, na qualidade de segurado facultativo.
21
modalidade benefício definido9, segundo o regime de repartição simples, em que os
participantes ativos contribuem para o pagamento de benefícios aos beneficiários inativos,
sem qualquer individualização das contribuições arrecadadas, gerando o que Marcos Antônio
Simões Peres chamou de “pacto social entre gerações”10.
A previdência complementar privada, de outro lado, organizada na forma de
planos de benefícios das modalidades benefício definido, contribuição definida ou
contribuição variável11, está voltada para assegurar benefícios previdenciários a todos aqueles,
trabalhadores ou não, que venham a se associar a seus planos, observados os critérios
estabelecidos na legislação12. Este segmento da previdência está baseado no regime de
capitalização, em seu formato escritural ou financeiro. No primeiro, as contribuições são
aplicadas em contas individuais, porém os fluxos financeiros são usados para pagar os
benefícios de beneficiários inativos existentes; no segundo, as contribuições e o seu fluxo
financeiro integram uma reserva individual, usada para pagamento do benefício tão-somente
ao seu titular.13
Com isso, têm-se diferenças essenciais na forma de tratamento financeiro
das contribuições arrecadadas para o regime geral da previdência social e para o regime da
previdência complementar privada, o que acaba por criar discrepâncias quanto ao equilíbrio
atuarial e financeiro de suas contas. Enquanto a previdência privada tende a direcionar os
recursos arrecadados com as contribuições dos seus participantes para o benefício a ser
gozado, na fase de aposentadoria, por estes mesmos participantes, na previdência pública, as
9 Já se adianta, aqui, o esclarecimento de que a cobertura da modalidade “benefício definido” implica a definição do valor da contribuição e do benefício no momento do ingresso no sistema. 10 In ob.cit. p. 23. 11 Não obstante a definição desses tipos de planos ser apresentada adiante, vale, desde já, esclarecer que plano de “contribuição definida” é aquele no qual o benefício de aposentadoria é estabelecido apenas no momento da sua concessão, com base no montante das contribuições arrecadadas, as quais tenham sido previamente fixadas quando da contratação do plano. Os planos da modalidade “contribuição variável”, por sua vez, contém natureza mistas, possuindo características das modalidades “benefício definido” e “contribuição definida”. 12 Conforme será descrito posteriormente, os planos de benefícios fechados são disponibilizados apenas para o universo de empregados, dirigentes e associados a determinada pessoa jurídica ou a determinado grupo de empresas, enquanto que os planos abertos são acessíveis a toda e qualquer pessoa física, independentemente de vínculo empregatício ou associativo. 13 Vale esclarecer que existem variações possíveis nestes regimes financeiros, a depender do desenho estrutural do plano de benefícios – como, por exemplo, o regime de repartição de capital de cobertura, em que parte das contribuições é destinada a um fundo necessário para pagamento de obrigações futuras relativas a eventos não programados –, os quais, porém, não estão contemplados em descrição específica em razão da sua especialidade e eventualidade.
22
contribuições arrecadadas destinam-se ao pagamento dos benefícios de terceiros, num sistema
de genuíno mutualismo e solidariedade.14
Até aqui, é possível afirmar que, enquanto o regime geral da previdência
social é destinado aos trabalhadores da iniciativa privada, o regime da previdência
complementar é voltado para todo e qualquer indivíduo que exerça a faculdade de manter uma
complementação de aposentadoria. Assim, a todo trabalhador atuante no setor privado é dada
a opção de, além de se manter filiado ao regime geral da previdência social, associar-se a
plano de previdência complementar privada. Mas e aos servidores públicos? Há possibilidade
de filiação apenas ao regime da previdência complementar?
Para os servidores públicos, o artigo 40 da Carta Magna prevê a instituição
de regime de previdência próprio, de caráter contributivo, baseado na modalidade benefício
definido, a funcionar como um regime geral para estes servidores, tal como existente para os
trabalhadores da iniciativa privada.
O regime próprio de previdência dos servidores públicos também sofreu
alteração pela Emenda Constitucional nº 20/98, e, posteriormente, modificações adicionais
pela Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e está estruturado para atender
aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de
suas autarquias e fundações, mediante contribuições, em caráter solidário.
Segundo disposição do parágrafo 5º, do artigo 201, da Constituição, é
vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo,
de pessoa participante de regime próprio de previdência dos servidores públicos. Desta forma,
tem-se, em termos gerais: o regime geral para os trabalhadores da iniciativa privada, o regime
próprio dos servidores públicos, e, facultativamente, o regime da previdência complementar,
para ambos.
Ocorre que, especialmente para a determinação de previdência
complementar para os servidores públicos, os parágrafos 14, 15 e 16, do artigo 40, do texto
constitucional, prevêem a possibilidade de a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios instituírem regime de previdência complementar para os seus respectivos
14 Daí decorre o desequilíbrio hoje amplamente divulgado das contas da previdência social pública: na medida em que cresce a população de pessoas inativas e diminui o número de cidadãos em atividade laboral, as contribuições arrecadadas destes últimos tornam-se insuficientes para suportar os benefícios previdenciários dos primeiros.
23
servidores titulares de cargo efetivo. Tal regime deve ser instituído por lei de iniciativa do
respectivo Poder Executivo, observado o disposto no artigo 202, que, conforme dito, trata da
previdência complementar acessível a todos os indivíduos.
A peculiaridade deste regime de previdência complementar destinado aos
servidores, além da sua instituição por lei, é a sua operacionalização obrigatória por
intermédio de entidade fechada de previdência complementar, de natureza pública, e a
estruturação imperativa de seus planos na modalidade de contribuição definida.
A instituição da previdência complementar específica para os servidores
públicos, contudo, não veda o seu ingresso em planos de previdência complementar operados
por entidades abertas de previdência complementar, oferecidos à população em geral. Com
isso, os servidores, em tese – pois depende do exercício da instituição da previdência
complementar específica pelo Poder Legislativo do ente federativo competente –, têm, além
do seu regime próprio, a previdência complementar fechada especial (de caráter público) e a
previdência complementar privada aberta, oferecida a todos os indivíduos, servidores ou não.
Assim, a despeito de a previdência social brasileira estar fundada em dois
pilares: regime geral da previdência social e regime da previdência complementar privada,
conforme anteriormente afirmado, o sistema previdenciário brasileiro, como um todo, é
composto por três vertentes: o regime geral da previdência social, o regime da previdência
complementar e o regime próprio de previdência dos servidores públicos, sendo que a
segunda vertente se subdivide em previdência complementar privada e previdência
complementar pública, assim considerada aquela instituída por lei para os servidores públicos.
Neste sentido, didaticamente expõe Luiz Gushiken:
“A situação atual da previdência no Brasil, após a aprovação da EC nº 20/98 pode ser resumida graficamente da seguinte maneira:
Previdência no Brasil
Regime Próprio de Previdência Social
(RPPS)
Regime Geral de Previdência Social
(RGPS)
Previdência Complementar
Entidades Abertas
Entidades Fechadas
24
Como se pode observar no gráfico acima, o sistema previdenciário brasileiro assenta-se em três pilares:
À direita, tem-se o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), de caráter contributivo e regido pelo princípio do equilíbrio financeiro e atuarial e que guarida a todos os trabalhadores que exercem atividades remuneradas, excetuando os que estejam filiados ao subsistema RPPS descrito abaixo - e é administrado pelo INSS;
Ao meio, a Previdência Complementar, facultativa e privada, que supre a necessidade de renda adicional, por ocasião da inatividade, e é administrada por entidades abertas com fins lucrativos – bancos e seguradoras – ou por entidades fechadas, sem fins lucrativos – Fundos de Pensão, de que são membros a PREVI, a PETROS etc;
À esquerda, tem-se o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), de caráter contributivo e regido pelo princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, que é assegurado exclusivamente aos servidores titulares de cargos efetivo (...).”15
A este quadro esquemático deve-se esclarecer que as entidades abertas de
previdência complementar não se confundem com bancos ou seguradoras, sendo vedado
àqueles (bancos), nos termos da Lei Complementar nº 109/01, administrar planos de
previdência privada16.
Ademais, conforme anteriormente descrito, no tocante à previdência
complementar, é possível a instituição de planos privados – operados por entidades abertas,
fechadas ou sociedades seguradoras – ou de caráter público – operados necessariamente por
entidades fechadas.
Diante disso, em suma, pode-se afirmar que o sistema previdenciário
brasileiro é composto pelos seguintes regimes previdenciários: (i) regime geral da previdência
social; (ii) regime da previdência complementar (de caráter público ou privado); e (iii) regime
próprio dos servidores públicos. Sendo que os regimes mencionados em (i) e (ii) – em relação
aos planos privados – compõem a previdência social lato sensu, conforme disposição
constitucional (artigos 201 e 202), e o regime previsto em (iii) está constitucionalmente
inserido no âmbito das garantias do servidor público (artigo 40), assim como os planos de
previdência complementar de caráter público.
15 “Regime Próprio de Previdência dos Servidores: Como Implementar? Uma Visão Prática e Teórica”. Coleção Previdência Social vol. 17, Brasília, MPAS, 2002, p. 29/30.
25
1.2 A Previdência Complementar Privada
Conforme explicitado anteriormente, é no artigo 202 da Constituição
Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, que se encontra a previsão
sobre o regime da previdência complementar privada:
“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. § 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. § 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (...)”
A Constituição, com estes dispositivos, criou bases gerais obrigatórias para
os planos de previdência complementar privados, fixando sua estrutura (como regime
autônomo em relação ao regime geral da previdência social, de caráter facultativo e
contributivo) e estabelecendo direitos dos participantes (recebimento do benefício contratado,
pleno acesso às informações sobre a gestão dos recursos e o não cômputo das contribuições
do empregador na remuneração devida em razão do contrato de trabalho).
Esses direitos, apesar de constarem do texto constitucional como garantias a
serem disciplinadas por lei complementar específica, já por estarem expressos na
Constituição, servem como genuínos direitos subjetivos constitucionais dos participantes que
ingressam em plano de benefícios privado. Assim, ainda que não estivessem disciplinados em
lei, a sua previsão no bojo do artigo 202 da Constituição Federal é suficiente para lhes
conferir a vedação à sua supressão ou inobservância. A lei complementar mencionada no
16 “Art. 2o O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar.”
26
referido artigo serve tão-somente para instituir meios a garantir a efetivação de tais direitos,
sem restringi-los nem modificá-los.
Ademais, é com a previsão do artigo 202 da Constituição Federal que a
formatação da previdência complementar teve expressamente assegurada a sua autonomia em
relação ao regime geral da previdência social e o seu caráter facultativo.
Essa formatação que atualmente se tem da previdência complementar
somente foi possível com a edição da Emenda Constitucional nº 20/98, a qual inaugurou uma
nova etapa no desenvolvimento e modernização do regime da previdência complementar
privada. Como bem assevera Léo do Amaral Filho, a referida Emenda Constitucional
representa um marco na evolução legislativa da previdência privada, pois a partir de sua
edição “o braço facultativo do sistema de seguridade social teve contornos mais nítidos e
específicos” 17.
É curioso observar que, especificamente em relação à previdência
complementar, o legislador constituinte derivado menciona a necessidade de edição de lei
complementar, e não ordinária, para disciplinar este segmento. Enquanto o artigo 201 da
Constituição Federal determina que o regime geral da previdência social será organizado “nos
termos da lei”, o regime da previdência complementar privada deve ser “regulado por lei
complementar”.
A diferença entre esses instrumentos legais, como se sabe, reside tanto no
seu aspecto formal (uma vez que a lei complementar somente é aprovada por maioria
absoluta, enquanto que a lei ordinária é aprovada por maioria simples), quanto no tocante ao
seu aspecto material. Em relação a este último, a doutrina vem procurando identificar as
hipóteses que ensejam a disciplina da lei complementar, de modo a justificar a sua aprovação
por maioria especial, como um indicativo de que, para as matérias reservadas à lei
complementar, o legislador constituinte requer maior ponderação e reflexão.
Para Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub, a necessidade de lei
complementar para regular a previdência privada deve-se à sua importância sob a perspectiva
social, sendo que, em sua opinião, a previdência complementar privada teria recebido
“tratamento legislativo superior” ao do regime geral da previdência social, verbis:
27
“A relevância da Previdência Privada é tão marcante, do ponto de vista social, e, por conseguinte, legal, que o ordenamento jurídico brasileiro veio a regular a Previdência Social em leis ordinárias, e a Previdência Privada em leis complementares (hierarquicamente superiores). (...) Na hierarquia legal, a Previdência Complementar Privada obteve um tratamento legislativo superior em relação à Previdência Social.” 18
Porém, tal entendimento, data vênia, resta equivocado, pois não se trata de
superioridade em relação ao campo de atuação da lei ordinária em relação ao da lei
complementar, no âmbito do sistema previdenciário brasileiro. Mesmo porque, no caso em
questão, estar-se-ia, assim, admitindo que a previdência privada estaria num nível de
importância superior à previdência social geral.
Neste sentido, parece ser mais apropriada, especialmente em vista do tema
ora tratado, o entendimento sobre a inexistência de hierarquia formal entre leis ordinárias e
complementares, mas tão-somente reservas materiais distintas para seus conteúdos.
A este respeito, leciona Michel Temer:
“A lei complementar à Constituição foi, durante muito tempo, e ainda é, por muitos doutrinadores, tida como uma norma que ocupa uma posição de prevalência constitucional como uma norma à qual se submete hierarquicamente a lei ordinária. Muitos sustentaram que a lei complementar, escalonada no art. 49, vinha antes da lei ordinária e, por isso, seria hierarquicamente superior. (...) Hierarquia, para o Direito, é a circunstância de uma norma encontrar sua nascente, sua fonte geradora, seu ser, seu engate lógico, seu fundamento de validade, numa norma superior. A lei é hierarquicamente inferior à Constituição porque encontra nesta o seu fundamento de validade. (...) Pois bem, se hierarquia assim se conceitua, é preciso indagar: lei ordinária, por acaso, encontra seu fundamento de validade, seu engate lógico, sua razão de ser, sua fonte geradora, na lei complementar? Absolutamente não! (...) A distinção entre a lei ordinária e a lei complementar reside no âmbito material expressamente previsto, que, por sua vez, é reforçado pela exigência de um quorum especial para sua aprovação. (...) Não há hierarquia alguma entre a lei complementar e a lei ordinária. O que há são âmbitos materiais diversos atribuídos pela Constituição e cada qual destas espécies normativas.” 19
Especificamente no tocante à necessidade de lei complementar para regular
a previdência privada, a previsão constitucional justifica-se pelo fato de a Lei Magna não ter
17 “Previdência Privada Aberta”, São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 144. 18 In ob. cit. p. 18. 19 “Elementos de Direito Constitucional”, 15ª edição, Malheiros, São Paulo, 1999, p. 147/148.
28
determinado critérios específicos para os benefícios e institutos aplicáveis ao regime da
previdência privada, como o fez para o regime geral da previdência social.
De fato, explica Antonio Carlos Rodrigues do Amaral que:
“A inserção do instituto da lei complementar no ordenamento positivo pátrio deveu-se ao fato de ter o legislador supremo verificado que, diante de sua natureza, não seria conveniente que determinadas matérias ficassem submetidas à rigidez constitucional, tampouco à flexibilidade concedida à legislação ordinária. Previu assim a edição de normas integradoras do texto magno, orientando, com força vinculante, o trabalho legislativo ordinário.” 20
Em relação ao regime geral da previdência social, o legislador constituinte
definiu critérios mínimos para equilíbrio atuarial e financeiro e estabeleceu benefícios
necessários para: cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de
desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda; pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou
companheiro e dependentes. Ademais, fixou valor para os benefícios previdenciários, com
referência ao mínimo autorizado (equivalente ao salário mínimo), sua atualização, com
preservação do seu valor real, além da contagem do tempo para gozo dos benefícios
previdenciários.
Como, para a previdência privada, tais critérios não estão previstos
expressamente, ficou a cargo do legislador complementar definir estes parâmetros gerais,
sempre com vistas ao atendimento do perfil geral traçado para este segmento, pela
Constituição Federal, isto é, mantendo-se a autonomia do setor, a sua facultatividade e as
garantias mínimas de publicidade das informações, de pagamento do benefício contratado e
do não cômputo das contribuições do empregador na remuneração devida em razão do
contrato de trabalho.
A ausência de definição, pela Constituição Federal, de critérios rígidos para
a previdência complementar tem sua razão de ser por se tratar de um regime autônomo,
facultativo e voltado para a iniciativa privada. Por isso, não caberia à Lei Magna impor limites
rigorosos para sua operacionalização, reservando-se ao legislador complementar a definição
20 “Lei Complementar” in “Curso de Direito Tributário”, coord. Ives Gandra da Silva Martins, 8ª edição Saraiva, São Paulo, 2001, p. 66.
29
de princípios gerais, parâmetros contratuais, atuariais, financeiros e de investimento, bem
como a imposição de responsabilidade aos agentes operadores do sistema.
Assim, a partir do texto constitucional, é possível extrair a situação jurídica
da previdência complementar privada em contraposição aos demais regimes previdenciários
(regime geral da previdência social e regime próprio da previdência dos servidores públicos) e
à previdência complementar pública, bem como as características gerais a ela aplicáveis,
apenas.
Neste tocante, pontua Alexandre de Moraes:
“O regime de previdência privada apresenta algumas características constitucionais: • caráter complementar; • organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social; • independência financeira em relação ao Poder Público: (...) • facultatividade; • regulamentação por lei complementar; • publicidade de gestão: (...).”21
As demais características e a especificação dos critérios para a
operacionalização dos planos de previdência complementar privada ficam reservados à
disciplina legal complementar, infra-constitucional.
1.3 A Lei Complementar nº 109/01
Quando da edição da Emenda Constitucional nº 20/98, que passou a prever o
regime da previdência privada no texto da Constituição Federal de 1988, este segmento estava
regulado em esfera infraconstitucional pela Lei nº 6.435/77, isto é, por lei anterior à própria
instituição da ordem constitucional vigente.22
Apesar de tratar de alguns dos importantes aspectos da previdência
complementa privada – como, por exemplo, a definição de parâmetros mínimos de
21 In “Direito Constitucional”, 17ª edição, São Paulo, Atlas, 2005, p. 726/727. 22 Neste tocante, cabe mencionar que a Lei nº 6.435/77, apesar de formalmente ter sido editada como lei ordinária, foi recepcionada, pela Constituição Federal de 1988, com status de Lei Complementar, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 20/98.
30
operacionalização dos planos de benefícios, a sua administração por entidades abertas e
fechadas de previdência privada, e a atuação do Estado como agente regulador e fiscalizador
do setor –, a Lei nº 6.435/77 não preenchia, integralmente, o perfil traçado pelo artigo 202 da
Carta Magna.
Por esta razão, a Emenda Constitucional nº 20/98 previu, em seu artigo 7º,
que “os projetos das leis complementares previstas no art. 202 da Constituição Federal
deverão ser apresentados ao Congresso Nacional no prazo máximo de noventa dias após a
publicação desta Emenda”.
A Lei Complementar nº 109/01, porém, somente foi publicada quase dois
anos e meio após a reforma constitucional, o que significou a disciplina defasada da Lei nº
6.435/77 por mais de dois anos após o estabelecimento da disciplina constitucional da
previdência privada.
Com o advento da Lei Complementar nº 109/01, porém, as características
constitucionais do regime da previdência complementar e os parâmetros gerais de sua
operacionalização restaram perfeitamente entrelaçados.
A Lei Complementar nº 109/01 cuida da definição dos papéis dos agentes do
setor – entidades, Estado e contratantes (participantes e patrocinadores) –, da exposição de
princípios, das condições mínimas de estruturação dos planos de benefícios, dos direitos dos
participantes e deveres e responsabilidades das entidades de previdência complementar e de
seus dirigentes, da instituição das entidades e o exercício da atividade de administrar planos
de benefícios, dos critérios gerais para o custeio dos benefícios, bem como da fiscalização e
imposição de regime disciplinar repressivo.
A referida lei complementar não determina, como não poderia, a relação
exaustiva de benefícios a serem assegurados pelos planos, tampouco o seu valor e forma de
atualização. Isto porque, como é próprio deste regime o caráter privado, a definição destes
elementos deve ser efetivada contratualmente, em manifestação expressa da vontade das
partes contratantes.
A este respeito, extrai-se da obra de coordenação do professor Wagner
Balera, a esclarecedora descrição acerca do papel da Lei Complementar nº 109/01:
31
“As partes podem decidir, desde que capazes para contratar, sem qualquer tutela, a extensão, os limites e os efeitos do negócio jurídico que engendram entre elas e que somente a elas diz respeito. Ao definir, pois, o negócio previdenciário privado como contrato, a Superlei já imprime os lineamentos que revestirão, sob o império da autonomia privada, o comportamento humano, no particular. É evidente que a lei, ao estabelecer a tipologia contratual previdenciária, definirá, com caráter genérico e abstrato, os termos do negócio privado. A lei é, sempre, a fonte das obrigações. Digamos, explicando melhor, que a lei definirá os elementos externos do negócio previdenciário, deixando ao talante das partes a manifestação da vontade contratual que afeiçoa o arquétipo genérico legalmente estabelecido ao querer que justificou a avença.” 23
Com efeito, o negócio jurídico da previdência complementar privada, de
contratação livre pelas partes, deverá prever os benefícios previdenciários contratados e todas
as demais condições de sua efetivação, uma vez que a Lei Complementar nº 109/01 conferiu
autonomia às entidades de previdência privada e aos indivíduos para fixação das obrigações a
serem reciprocamente assumidas, observado o arquétipo genérico por ela estabelecido.
23 “Comentários à Lei de Previdência Privada”, São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 19/20.
32
Capítulo II - O Regime Jurídico da Previdência Complementar Privada
Por regime jurídico entende-se o conjunto dos elementos e características
que definem o tratamento a ser conferido a dado instituto do direito.
Edmir Netto de Araújo descreve que:
“Por outro lado, regime jurídico de um instituto jurídico pode significar o conjunto de notas que o tipificam, em essência: se esse conjunto coincidir, nos ramos público e privado, o instituto será comum aos dois, não sendo peculiar a nenhum deles; se for diverso, pode-se dizer que existe, em separado, no direito público ou no direito privado. Estabelecer seu regime jurídico, então, é integrá-lo no sistema a que pertence, estabelecendo seus pontos essenciais (mínimos e máximos), de modo a fixar seu exato lugar ‘geométrico’ e delimitar o alcance preciso de suas implicações”. 24
Vejam-se, pois, os elementos que determinam o regime da previdência
complementar privada, identificando a sua essência e o seu alcance.
A previdência complementar privada está estruturada, de forma autônoma,
em planos de benefícios de caráter previdenciário, cuja finalidade precípua é a de
complementar a atuação estatal, no âmbito da previdência social (lato sensu), assegurando a
seus participantes benefícios complementares aos benefícios de aposentadoria assegurados
pelo regime geral da previdência social.
A par da autonomia da previdência complementar privada ao regime estatal
(regime geral da previdência social ou regime próprio de previdência dos servidores
públicos), a primeira característica que se coloca, neste tocante, é o caráter privado da
previdência complementar. Isto significa que apenas os particulares que tenham formalizado
sua inscrição junto à entidade de previdência complementar estarão abrangidos por este
regime previdenciário. Tal inscrição pressupõe que os benefícios assegurados pelo plano de
previdência privada serão concedidos na medida e forma contratadas formalmente, mediante
manifestação da vontade das partes.
Trata-se, efetivamente, de uma relação de cunho contratual privado, pois se
instala com formalização de um acordo entre as partes de direito privado (participante e
33
entidade de previdência privada, com ou sem a participação de uma pessoa jurídica
patrocinadora). A participação do Estado restringe-se à fiscalização e ao controle da
observância de normas gerais aplicáveis à relação contratual instaurada.
O Estado, na previdência complementar privada, não age como parte
contratante nem como interveniente, mas como mero fiscalizador e regulador das condutas
assumidas no âmbito dos planos de benefícios instituídos.
Com efeito, a Lei Complementar nº 109/01, em seu artigo 3º, limita a
atuação do Estado, no regime de previdência complementar privada, apenas para formular a
política de previdência complementar, disciplinar, coordenar e supervisionar as atividades
exercidas pelas entidades de previdência privada, compatibilizando-as com as políticas
previdenciária e de desenvolvimento social e econômico-financeiro, determinar padrões
mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a
liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade
de previdência complementar, no conjunto de suas atividades, assegurar aos participantes e
assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de
benefícios, fiscalizar as entidades de previdência complementar, suas operações e aplicar
penalidades e proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.25
Ademais, nos planos de previdência privada, o custeio dos benefícios é
realizado exclusivamente por contribuições dos participantes (pessoas físicas) e dos
patrocinadores (pessoas jurídicas), se houver. Não há, por parte do Estado, qualquer prestação
ou contraprestação, complementando ou suplementando o custeio das reservas dos
participantes no plano.
A este respeito, ressalta Wagner Balera:
24 “Curso de Direito Administrativo”, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 46. 25 “Art. 3º A ação do Estado será exercida com o objetivo de: I - formular a política de previdência complementar; II - disciplinar, coordenar e supervisionar as atividades reguladas por esta Lei Complementar, compatibilizando-as com as políticas previdenciária e de desenvolvimento social e econômico-financeiro; III - determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades; IV - assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios; V - fiscalizar as entidades de previdência complementar, suas operações e aplicar penalidades; e VI - proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.”
34
“Pertencem ao domínio do ius civile os contornos jurídicos da entidade previdenciária privada. Já mais de uma vez apontei essa circunstância, como no seguinte trecho: ‘O sistema de previdência supletiva, no Brasil, é privado. Essa característica não pode ser considerada apenas como rótulo, presente no nome (previdência privada) e ausente na prática. Não! Convém que haja em esquema estatal de proteção e que, ao lado dele, cólica uma estrutura privada e facultativa.’ (cf., o meu, A Seguridade Social na Constituição de 1988, RT, São Paulo, 1989, p. 109).” 26
A atuação do Estado como órgão regulador e fiscalizador justifica-se pela já
destacada importância da previdência privada na composição da estrutura da previdência
social brasileira.
O papel do Estado, no regime de previdência complementar privada,
portanto, não lhe retira a natureza de direito privado da relação jurídica instalada entre as
partes quando da contratação do plano de previdência privada.
Isso se evidencia ainda mais ao se observar que, no regime geral da
previdência social, ou mesmo no regime próprio de previdência dos servidores públicos, ou
ainda no regime da previdência complementar voltado para os servidores públicos, o Estado
participa do custeio dos benefícios previdenciários e é parte da relação jurídica instaurada. Na
previdência privada, não; é mero fiscalizador e regulador das atividades exercidas pelas
entidades de previdência privada.
As entidades de previdência privada são pessoas jurídicas de direito privado,
ainda que não visem ao lucro, como é o caso das entidades fechadas. São instituídas por livre
iniciativa, sem qualquer imposição por parte de qualquer órgão público. É a fiscalização de
suas atividades que é realizada por órgãos da Administração Pública.
Isso ocorre com inúmeras outras categorias de entidades e instituições no
País, como, por exemplo, as instituições financeiras (bancos, sociedades de capitalização,
distribuidoras de títulos e valores mobiliários, entre outras). Estas, assim como as entidades de
previdência complementar privada, apesar de estarem estruturadas e atuarem como pessoas
jurídicas de direito privado, são reguladas e fiscalizadas por órgãos públicos, em razão do
papel que exercem no mercado em que atuam (neste exemplo, nos mercados financeiro e de
capitais), de suma importância para ordem econômica do País.
26 In ob. cit. p. 32.
35
O caráter privado da previdência complementar tem como corolário a livre
fixação das condições contratuais que regerão os planos de benefícios contratados. Isso quer
dizer que, desde que não haja vedação, e esteja-se observando os limites normativos, as
entidades de previdência privada e seus contratantes (participantes, patrocinadores) podem
fixar livremente o formato do custeio dos benefícios (valor das contribuições, periodicidade,
atualização monetária), os benefícios assegurados (coberturas de aposentadoria por tempo
determinado, vitalício, pecúlio por morte, invalidez) e o tempo de sua concessão (data de
início do pagamento, periodicidade), além de todas as demais condições. É por essa razão que
a previdência privada é marcada pela diversidade de produtos, condições e perfis de
investimento, sendo oferecidas os mais distintos formatos de complementação de
aposentadoria.
Além do seu caráter privado, o regime jurídico da previdência privada ainda
é marcado pela sua complementaridade ao regime geral da previdência social.
Com efeito, tanto o texto constitucional quanto a Lei Complementar nº
109/01, que rege o regime da previdência privada, expressamente destacam que este regime
tem caráter complementar, e não suplementar ao regime estatal de previdência27. Com isso,
destaca-se que a destinação de tais planos, por essência, é a de proporcionar renda extra
àquela já assegurada pelo regime geral da previdência social ou pelo regime próprio dos
servidores públicos.
Vale aqui esclarecer a diferença entre os termos complementar e
suplementar. Complementar deriva de completar, tornar completo; concluir, rematar; perfazer,
preencher. Suplementar quer dizer que serve de suplemento ou de auxílio; que se ajunta como
suplemento; que supre o que falta.28
Com isso, tem-se que dizer que alguma coisa é complementar significa que
ela preenche algo a fim de torná-lo completo, concluído, inteiro. De outro lado, caracterizar
27 Vale observar que a Lei nº 6.435/77, que anteriormente disciplinava o regime da previdência complementar, dispunha expressamente os benefícios assegurados pela previdência privada como complementares e assemelhados aos da Previdência Social, verbis: “Art. 1º Entidades de previdência privada, para os efeitos da presente Lei, são as que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da Previdência Social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos. (...)” (grifamos) 28 Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Melhoramentos, São Paulo: 1998.
36
algo como suplementar é o mesmo que afirmar que este supre alguma coisa, faz as vezes de
algo que está faltando.
No caso específico das entidades de previdência privada, o texto
constitucional e o texto legal mencionam o termo complementar, a fim de indicar que,
efetivamente, não se trata de substituir benefícios assegurados pelo regime geral da
previdência social, ou de instituir um regime previdenciário alternativo ao regime geral29,
mas, sim, de servir como meio para complemento, como um adicional aos benefícios
assegurados pela previdência social geral.
Neste sentido, descreve Léo do Amaral Filho:
“O aspecto de complementaridade decorre da insuficiência do sistema oficial. Explica-se, desde logo, que o sistema oficial de previdência tem como finalidade prover condições mínimas para os que a ela estão filiados, facultativa ou obrigatoriamente. Esses limites serão aferíveis por meio dos parâmetros que a lei fixar. Por certo, os benefícios que a previdência social proporcionar deixarão uma parcela da população com restrições à época do pagamento dos benefícios, em relação àqueles auferidos quando em atividade. Aquele segurado que em atividade extrapolar o limite (teto) de benefícios pagos pela Previdência Social terá seus rendimentos sensivelmente reduzidos por ocasião da aposentadoria. É no exame desse contexto que se verifica a característica nitidamente complementar do regime que ora tratamos. (...)”30
Importante notar que a complementaridade da previdência privada não se
reflete apenas no regime geral da previdência social, isto é, para servir de complemento aos
benefícios dos segurados vinculados à previdência oficial, mas também adiciona benefícios
àqueles assegurados no âmbito do regime próprio da previdência dos servidores públicos. Isto
porque, conforme já exposto anteriormente, não há qualquer vedação para que servidores
públicos ingressem em planos de benefícios operados por entidades de previdência privada.
Desta forma, a previdência privada é complementar ao regime geral da
previdência social e também ao regime próprio de previdência dos servidores públicos.
Ocorre, porém, que a complementação dos benefícios de aposentadoria não
exige, necessariamente, uma vinculação do participante ao regime de previdência dos
trabalhadores da iniciativa privada (regime geral) ou dos servidores públicos (regime próprio).
29 Ainda que, em certos casos concretos a seguir apresentados, a previdência privada seja a única fonte de obtenção de renda na fase da inatividade laboral. 30 In ob. cit. p. 148/149.
37
A previdência privada é autônoma e acessível a qualquer indivíduo, ainda que não esteja
vinculado a um desses regimes31.
A idéia proposta na constituição para a previdência privada não é de limitar
o seu acesso apenas àqueles que já possuam garantia de benefícios mínimos de aposentadoria.
É o de prever que, dentro da estrutura do sistema previdenciário brasileiro, a previdência
privada serve de complementação, e não como um regime paralelo ao de filiação obrigatória.
É nessa intenção, faz-se parecer, que reside a caracterização da previdência
privada como complementar.
Diante disso, é possível perceber que, em alguns casos concretos,
excepcionalmente, os benefícios assegurados pela previdência privada servirão como um
substituto aos benefícios do regime geral de previdência social. É o caso, por exemplo, de
uma pessoa que não tenha vínculo empregatício nem tenha jamais prestado serviços a
terceiros, mas exerce atividade de trabalho doméstico, em sua própria residência. Essa pessoa,
como se sabe, pode ter-se filiado ao regime geral da previdência social, na qualidade de
segurado facultativo. Contudo, se não formalizou tal filiação, mas ingressou em plano de
previdência privada, os benefícios previdenciários percebidos por essa pessoa serão apenas
aqueles advindos do plano de previdência privada, quando da chegada da fase de
aposentadoria.
Ressalte-se que, neste exemplo, os benefícios da previdência privada,
excepcionalmente, não corresponderão a uma complementação dos benefícios do regime
previdenciário geral, mas, sim, como substituição para estes. Há, nesses casos específicos,
certa flexibilização do caráter complementar da previdência privada – o que, contudo, não
afasta a sua essência “complementar” ao regime geral da previdência social.
Exemplos como esse, porém, servem apenas para demonstrar que o caráter
complementar dos benefícios da previdência privada não é absoluto, e admite exceções.
31 No tocante ao tratamento tributário das contribuições efetuadas pela pessoa física para o plano de previdência privada, será possível observar adiante que a sua dedutibilidade para fins de apuração do imposto de renda está, contudo, condicionada à contribuição para o regime geral da previdência social ou para o regime próprio da previdência dos servidores públicos – condição não aplicável apenas aos participantes aposentados por um desses regimes.
38
Vale dizer: o caráter complementar dos planos de previdência privada reside
na essência do seu papel dentro do sistema previdenciário brasileiro, e não na finalidade que
lhes é conferida pelos seus usuários (participantes).
A este respeito, é oportuno mencionar o entendimento exposto, com
exemplos, por Heloisa Hernandez Derzi e Fabiana Ulson Zappa a respeito do tema:
“Afirma-se que o traço constitucional de complementariedade da previdência privada fica profundamente maculado quando a atual legislação dissocia a necessidade de haver obtido a necessária implementação do benefício no regime previdenciário público para que se dê a cobertura do Plano Privado. Entretanto, não se pode esquecer que existe igualmente a função da suplementariedade, que consiste na concessão de benefícios da previdência privada ainda que não se implemente a cobertura pela previdência pública. Ex.: um trabalhador fica desempregado, não consegue mais trabalho e, de acordo com o Regime Geral de Previdência Social, ele perde a qualidade de segurado; em tese não teria direito à aposentadoria, entretanto, nada impede que o plano de previdência privada possa prever a concessão de aposentadoria quando ele atingir a idade e tiver implementado a carência. O mesmo pode se dar em caso de morte que no Regime Geral de Previdência Social não exista beneficiário (dependente econômico); nessa hipótese, a regra não incide e não há prestação do benefício; na previdência privada, ao revés, existe a ordem de sucessão vocacional do Direito Civil, que beneficia os herdeiros necessários ou o beneficiário indicado na proposta de inscrição do plano.” 32
Ainda no tocante a essa relativização da complementaridade da previdência
privada, é possível também observar que, ainda que se tome por base os indivíduos filiados ao
regime previdenciário geral, nem sempre os benefícios assegurados pelo plano de previdência
privada significarão um adicional aos rendimentos futuramente obtidos pelo regime geral.
Isto porque, para o indivíduo filiado ao regime geral da previdência oficial
que não faça jus ao teto do benefício previdenciário assegurado por este regime, os valores
recebidos no plano de previdência privada serão parcialmente considerados como uma
composição de renda.
Essa idéia vem exposta em debates na doutrina e em manifestações dos
órgãos públicos competentes pela fiscalização do sistema, como se destaca do despacho do
Ministro da Previdência e Assistência Social em 28 de agosto de 1997, publicado no D.O.U.
em 03 de setembro de 1997, que aprovou a Nota/CJ/nº 414/97. Confira-se:
32 “A Tributação e o Caráter Social da Previdência Complementar”, Revista de Previdência nº 4, Rio de Janeiro, Ed. Gramma, Abril/06, p. 64/65.
39
“3 - Analisando a questão a Secretaria da Previdência Social deste Ministério, em Nota de 24 de julho de 1997 assim o dispôs: (...)
d) A previdência oficial básica assegura aos seus beneficiários os meios de manutenção indispensáveis nas situações denominadas de risco social, quais sejam, a incapacidade, temporária ou permanente, a idade avançada, o tempo de serviço transcorrido, os encargos familiares, a reclusão e a morte. O valor do benefício oferecido, no entanto, não ultrapassa R$ 1.031,87. Assim, a previdência complementar socorre o trabalhador com rendimentos acima deste valor, na composição do benefício mais próximo de sua remuneração real. Não faz sentido obrigar a que segurados com rendimentos abaixo do teto aufiram benefícios da previdência complementar porque, neste caso, não haveria o que ser complementado. (...)
4. Neste aspecto a Nota da Secretaria da Previdência Social é suficientemente esclarecedora.
5. É certo que o programa há de estar disponível a todos os empregados e dirigentes. Por óbvio não estará obrigatoriamente disponível para aqueles que recebam remuneração abaixo do valor máximo de benefício pago pela Previdência Social. (...)” (g.n.)
Segundo este entendimento, o caráter complementar da previdência privada
somente estaria refletido nos casos em que o beneficiário dos recursos assegurados pelo plano
de previdência privado percebesse aposentadoria, pelo regime geral da previdência social
segundo o teto assegurado por este sistema.
Porém, tal entendimento imobiliza demasiadamente a essência da
complementaridade da previdência privada, restringindo significativamente o âmbito de sua
aplicação.
A complementação dada pelo regime da previdência privada, conforme já se
mencionou, está baseada no papel do regime, em si, por não representar um paralelo ao
regime geral da previdência social ou ao regime próprio dos servidores públicos, mas, sim,
um regime complementar à estrutura do sistema previdenciário brasileiro, como instrumento
de proteção social.
Neste sentido, concorda-se com a afirmação extraída do artigo de autoria de
Andréa Nogueira Neves e Fabiana Ulson Zappa, a seguir transcrito:
“A partir desse novo arcabouço legal resta claro que a ‘complementaridade’ da previdência privada não mais se relaciona com a complementação aos valores de
40
benefícios concedidos pela Previdência Social (...), mas sim com a complementação ao sistema de seguridade social, na cobertura dos ‘riscos sociais’.” 33
A par do caráter complementar, cabe ainda ressaltar outra característica
peculiar do regime da previdência privada: a facultatividade. Qualquer pessoa capaz poderá
ingressar num plano de previdência complementar privada – se assim o desejar –, desde que
siga o procedimento definido pelos órgãos reguladores competentes.
A facultatividade é válida mesmo no âmbito de um plano fechado, restrito
aos empregados de determinada empresa ou grupo de empresas. Assim, não há
obrigatoriedade de instituição de planos de previdência complementar para os empregados de
uma empresa, nem tampouco é compulsória a adesão dos empregados, caso haja instituição de
planos dessa natureza na empresa em que trabalham.
Essa característica da facultatividade, apesar de, a rigor, vincular-se à adesão
ao plano de previdência privada, também está presente nos momentos que seguem essa
contratação, ou seja, à manutenção do plano e à eventual alteração das condições contratadas
originalmente. Desta forma, toda a contratação do plano de benefícios e manutenção da
relação contratual está envolvida pela facultatividade.
A facultatividade referida pela Constituição Federal e disciplinada nas
normas legais diz respeito tanto ao participante do plano, pessoa física que poderá optar ou
não pelo ingresso no plano de benefícios (fechado ou aberto), como à pessoa jurídica, que
poderá optar por integrar a relação jurídica contratual na qualidade de patrocinadora de parte
ou de todo o custeio dos benefícios contratados.
Sobre este ponto-de-vista, pondera Wladimir Novaes Martinez:
“A facultatividade do regime pouco tem que ver com a possibilidade ingresso do trabalhador no plano. Mera coincidência de idéias. Significa que a empresa patrocinadora, sindicato ou associação de classe não está obrigada a criá-lo ou provê-lo, podendo fazê-lo por livre e espontânea vontade. Mas, claro, presencia-se a facultatividade de adesão da pessoa, que detém, a pretensão de fazer parte ou não.” 34
33 “Dedutibilidade das Contribuições Destinadas a Planos de Previdência Complementar”, in “Tributação nos Mercados Financeiro e de Capitais e na Previdência Privada”, coord. Heleno Taveira Torres, São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 511/512. 34 “Comentários à Lei Básica da Previdência Complementar”, LTr, São Paulo, 2003, p. 26.
41
Ademais, também para a entidade de previdência há faculdade, na medida
em que não lhe é imposta a instituição de um número mínimo ou máximo de planos,
tampouco de condições rígidas para operacionalização de tais planos (exceto, obviamente, as
restrições impostas pelo Estado, enquanto agente regulador e fiscalizador)35.
Por tudo isso, é que Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub afirma:
“O fato é que existe grande flexibilidade nas possibilidades de ingresso em planos de Previdência Privada, tanto em relação aos participantes, quanto aos patrocinadores. Para que haja esta flexibilidade de opções de ingresso no sistema previdenciário complementar privado, a contratualidade é a característica mais significativa em relação à formalização material dos direitos e obrigações do participante de entidade de Previdência Privada.” 36
E complementa, reforçando o que antes foi dito sobre a atuação do Estado
apenas como regulador do sistema, sem contudo, limitar a liberdade contratual inerente ao
regime em questão:
“O Estado, porém, permeando o caráter institucional da Previdência, mantém um caráter extremamente regulador, cerceando (com uma legislação extremamente minuciosa e burocratizante) de certa forma a supracitada liberdade contratual, em desprezo à contratualidade. (...) A autonomia da vontade não é absoluta, mas não havendo previsão contrária de ius cogens, a vontade do participante é plena. (...)”
Um outro aspecto importante do regime jurídico aplicável à previdência
complementar privada é a sua organização segundo o regime de capitalização baseado na
acumulação de capital. Isto significa dizer que, diferentemente do regime geral da previdência
social, em que a capitalização está fundada na força do trabalho, de forma que a geração atual
custeia os benefícios previdenciários da geração anterior (atuais aposentados), o regime da
previdência privada está voltado para que os participantes de hoje custeiem os seus próprios
benefícios de manhã.
A este respeito, explica a cartilha “Panorama da Previdência Social
Brasileira”, de edição do Ministério da Previdência Social:
35 Neste sentido, vale destacar que o próprio texto da Lei Complementar nº 109/01 destaca a necessária flexibilidade da previdência complementar privada: “Art. 7o (...) Parágrafo único. O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar.”
42
“A técnica desenvolvida para a construção de qualquer sistema de previdência funda-se no princípio da capitalização, seja com base na força de trabalho ou no capital propriamente. O primeiro modelo diz respeito ao pacto integracional, no qual a geração futura, ao ingressar no mercado de trabalho, assume o ônus da aposentadoria da geração anterior. Todavia, em matéria de Previdência Complementar, a legislação apenas permite a capitalização com base na acumulação de capital, que ocorre por meio da acumulação de ativos, que podem ser imobiliários, títulos da dúvida ou participações acionárias no capital das empresas. Em relação ao modelo de capitalização com base a acumulação de ativos, a técnica desenvolvida permite a utilização de uma grande diversidade de métodos, os quais variam de acordo com o perfil da massa de trabalhadores segurados. Se, por exemplo, a idade média dos participantes é relativamente baixa, o plano de previdência pode acumular recursos a uma taxa mais lenta no início e mais acelerada no final, isso tanto para tornar o plano mais atrativo aos mais jovens, quanto para adequar-se à capacidade de pagamento do grupo. Enfim, o processo de constituição dos ativos que irão garantir o pagamento dos benefícios poderá ocorrer na proporção e na velocidade que for mais adequada aos interesses e à capacidade financeira dos contribuintes, mantendo-se a compatibilidade necessária para manutenção do equilíbrio entre período e nível de contribuição em relação ao valor e período de recebimento dos benefícios.” 37
A operacionalização do regime financeiro, na previdência complementar,
deverá buscar, invariavelmente, a solvência, a liquidez e o equilíbrio econômico-financeiro e
atuarial dos planos de previdência complementar privada, por determinação da Lei
Complementar nº 109/0138.
No tocante aos benefícios assegurados pelos planos de previdência
complementar, tem-se, basicamente, os de aposentadoria, aí incluída a aposentadoria por
alcance de determinada idade, por invalidez ou mesmo em razão de falecimento do
participante inscrito – além de outros benefícios de cobertura de risco, como o auxílio-doença.
Diferentemente do regime geral da previdência social, porém, os planos
privados asseguram a possibilidade de resgate das contribuições realizadas no plano em que a
pessoa física é participante.
Nos planos de previdência complementar privada, o resgate permite o saque
de recursos acumulados pelo participante, antes do gozo da aposentadoria. Ou seja, é o
instrumento que possibilita o recebimento dos recursos acumulados pelo participante, antes do
início do pagamento do benefício contratado.
36 In ob. cit. p. 25/26. 37 Brasília, Março/2004. 38 “Art. 7o Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial. (...)”
43
Neste sentido, Adacir Reis descreve: “Trata-se do único instituto que desvia
a vocação previdenciária da poupança privada, tendo em vista que o resgate nada mais é que
o saque sem qualquer destinação específica, ou seja, é o saque para o consumo.” 39
Apesar de também resultar na entrega de recursos depositados no plano de
benefícios, assim como o pagamento do benefício de aposentadoria, o resgate diferencia-se
essencialmente do pagamento de benefícios de aposentadoria porque, enquanto o resgate
corresponde a um pagamento extraordinário, ocorrido por solicitação do participante,
conforme sua conveniência, ou por desligamento do plano, o pagamento de benefícios é
definido desde a contratação do plano, com a finalidade primordial de proporcionar
complementação à aposentadoria do participante ou de auxiliar na subsistência de seus
beneficiários, em não ocorrendo a sobrevivência do participante.
Observe-se, portanto, que, independentemente da forma como é pago – se
em parcelas periódicas ou em parcela única –, o resgate não se confunde com o pagamento de
benefícios, por sua natureza jurídica. Tal distinção torna-se importante não apenas para fins
contratuais, como para determinação do tratamento tributário ao qual tais institutos estão
sujeitos, conforme será descrito adiante.
Além do resgate, outros institutos podem estar inseridos no âmbito do
regime de previdência complementar (benefício proporcional diferido, portabilidade e
autopatrocínio). A respeito deles, vale mencionar o esclarecimento pontual e objetivo dado
por Andréa Nogueira Neves e Fabiana Ulson Zappa:
“Além desses ‘benefícios previdenciários’, a Lei Complementar nº 109/01 também estabelece alguns institutos que necessariamente devem estar previstos nos planos de benefícios de caráter previdenciário administrados por Entidades Fechadas:
i) o benefício proporcional diferido, que é a possibilidade de o participante do plano
coletivo, em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador ou associativo com o instituidor, antes da aquisição do direito ao benefício pleno, permanecer vinculado ao plano até que cumpridos os requisitos de elegibilidade ao benefício;
ii) a portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro plano, administrado por Entidade Aberta ou Entidade Fechada;
iii) o resgate (...) iv) o autopatrocínio, faculdade de o participante manter-se vinculado ao plano, opção
na qual será obrigado a arcar com o valor de sua contribuição e a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total da remuneração recebida.
39 in “Temas Centrais da Nova Legislação”, publicado no livro “Fundos de Pensão em Debate”, Ed. Brasília Jurídica, 2002, p. 22.
44
Por sua vez, em relação aos planos administrados pelas Entidades Abertas, o artigo 27 da Lei Complementar nº 109/01 garante aos participantes o direito irrestrito ao exercício do resgate e portabilidade de recursos das reservas técnicas, provisões e fundos, total ou parcialmente (...).”40
Dentre esses institutos, para os fins do presente estudo, além do resgate,
anteriormente comentado, destaca-se a portabilidade, posto que os demais (autopatrocínio e
benefício proporcional diferido) têm reflexos no tocante à execução e manutenção do plano e
pagamento dos benefícios, enquanto que a portabilidade altera a condição dos recursos
acumulados.
Isso porque, com a portabilidade, o participante transfere suas reservas
(recursos até então acumulados) para outro plano, no âmbito de uma mesma entidade ou
outra, podendo essa transação ocorrer no âmbito dos planos abertos ou fechados ou entre
esses.
Na portabilidade, diferentemente do resgate, o participante movimenta os
recursos que acumulou, porém, sem que tais recursos se tornem disponíveis a ele. A
portabilidade dos recursos acontece diretamente de um plano (destinatário) para outro
(receptor).41
Sobre a diferença entre a portabilidade e o resgate, pontua Wladimir Novaes
Martinez:
“Portabilidade difere de resgate. Ela é transferência de valor de uma para outra entidade, sem a posse própria da propriedade, enquanto o resgate é saque de importância para uso e fruto do participante. O legislador separa bem claramente os dois institutos: portabilidade é uma coisa e resgate, outra. Significa que a importância sacada dos cofres da EFC [entidade de previdência complementar], na primeira hipótese, é encaminhada aos cofres da outra EPC, onde, finalmente, conforme o caso, segundo as novas regras ora impostas, poderia o titular, a princípio e a rigor, presente os pressupostos, ser resgatada” 42
A portabilidade caracteriza-se por ser um direito subjetivo individual de
cada participante. Nos casos em que a transferência dos recursos acumulados em determinado
plano é realizada em caráter coletivo (isto é, abrangendo todo o universo de participantes e
40 In ob. cit, p. 515/516. 41 Adiante será objeto de comentários o tratamento tributário aplicável aos resgates efetuados no âmbito dos planos de previdência privada e sua diferença em relação à tributação da portabilidade justamente por se tratar de institutos de natureza diversa.
45
reservas de determinado plano de benefícios, que passarão a ser administrados por outra
entidade), a denominação comumente usada é a de “transferência”. A transferência é, em
última instância, portanto, uma portabilidade coletiva.
Além da transferência e da portabilidade, outras hipóteses podem ensejar a
realocação das reservas de determinado plano em outro plano ou para administração de outra
entidade de previdência complementar. São os casos em que há, por exemplo, a retirada de
patrocínio – ou seja, a(s) patrocinadora(s) deixa(m) de custear o plano no âmbito de uma
entidade fechada de previdência complementar e o plano passa a ser administrado por uma
entidade aberta de previdência complementar – ou a reorganização societária da patrocinadora
ou da própria entidade de previdência complementar.
Em qualquer desses casos, entende-se que, não havendo disponibilização de
recursos ao participante nem tampouco à patrocinadora, mas transferência direta dos recursos
entre entidades de previdência complementar, os efeitos jurídicos são semelhantes aos
aplicáveis à portabilidade.
2.1 A Relação Jurídica Contratual
Toda relação jurídica, enquanto o vínculo abstrato criado para gerar
conseqüências de direito, pressupõe a existência de, ao menos, duas pessoas. Hans Kelsen em
sua insuperável obra “Teoria Pura do Direito” explica que “em estreita conexão com os
conceitos de dever jurídico e de direito subjetivo (Berechtigung) está, segundo a concepção
tradicional, o conceito de relação jurídica. Esta é definida como relação entre sujeitos
jurídicos, quer dizer, entre o sujeito de um dever jurídico e o sujeito do correspondente
direito (Berechtigung) (...)”.43
No tocante à previdência complementar privada, há relações jurídicas
instauradas (i) entre a pessoa física que contrata o plano na qualidade de beneficiário
(chamado participante) e a entidade de previdência complementar, administradora do plano
de benefícios, (ii) entre a pessoa jurídica que contrata o plano não como beneficiário, mas
42 In ob. cit. p. 165. 43 Martins Fontes, São Paulo, 1996, p. 182.
46
como intermediário ou participante do custeio do plano (chamado patrocinador) e a entidade
de previdência, e (iii) entre o patrocinador e o participante.
Essas relações jurídicas intersubjetivas, porém, se entrelaçam, formando um
conjunto jurídico único, cuja prestação final é a garantia de benefícios previdenciários futuros
a determinada pessoa física (que poderá ser o participante ou um terceiro que seja por ele
nomeado).
Sobre essas partes das relações jurídicas na previdência privada, Léo do
Amaral Filho descreve:
“Uma visão preliminar da idéia de relação jurídica de previdência privada importa concluir pela existência de, necessariamente, dois sujeitos elementares: o participante, assim entendida a pessoa física que adere ao sistema complementar, visando a auferir benefícios no futuro; e a entidade, administradora e gestora dos planos (...).
Entretanto, ao examinarmos o texto da lei, verificamos que outras espécies de sujeitos da relação podem surgir. São elas: o assistido, assim entendido o participante ao sair da fase de acumulação (formação de reserva) e adentrar a fase de fruição dos benefícios e a figura do proponente, assim entendido o empregador ou o equivalente que proporcionam a oportunidade de o participante aderir a determinado plano, subvencionado total ou parcialmente ou não por ele.” 44
Veja-se, pois, cada uma dessas pessoas que compõem as relações jurídicas
instauradas no âmbito da previdência complementar.
2.1.1 O Participante – Pessoa Física
O artigo 8º, da Lei Complementar nº 109/01, conceitua participante como a
pessoa física que adere ao plano de benefícios e assistido como o participante ou seu
beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada. Segundo os termos da lei,
portanto, o participante somente pode ser pessoa física e apenas será considerado como tal se
formalizar sua adesão a um plano de previdência complementar. 45
44 In ob. cit. p. 183/184. 45 “Art. 8o Para efeito desta Lei Complementar, considera-se: I - participante, a pessoa física que aderir aos planos de benefícios; e II - assistido, o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada.”
47
O fato de a pessoa física contribuir ou não para o plano de benefícios,
portanto, não é condição para a sua caracterização como participante, assim como não o é o
fato de ele manter ou não vínculo empregatício ou associativo com uma pessoa jurídica.
Isto porque, conforme será mais amplamente descrito, os planos de
benefícios, apesar de em sua maioria serem custeados com contribuições da pessoa física
(exclusivamente ou conjuntamente com pessoa jurídica), poderão ser custeados integralmente
por pessoa jurídica patrocinadora. Em qualquer caso, a condição do seu titular como
participante está caracterizada desde o seu ingresso no plano de benefícios.
Não pode o participante ser pessoa jurídica, pois a natureza jurídica dos
benefícios assegurados pelo plano é previdenciária, e, com isso somente pode beneficiar
pessoas físicas. As pessoas jurídicas podem, sim, participar da relação jurídica instaurada no
âmbito de um plano de previdência privada, mas na qualidade de patrocinador; jamais como
beneficiário ou participante.
A este respeito, Wladimir Novaes Martinez, afirma:
“Participante é a pessoa segurada, ou seja, o protegido pelo sistema supletivo que tenha aderido ao plano de benefícios da EPC [entidade de previdência complementar]. No caso da EFPC, empregado ou outro prestador de serviços à empresa (art. 31). Quando se tratar de instituição de associação de classe, o associado. Tal pessoa física não pode ser confundida com a pessoa jurídica que patrocina, ainda que ‘participe’ do empreendimento”. 46
A adesão ao plano de benefícios deve ser formalizada pela pessoa física por
escrito, mediante termo de adesão ou contrato (tendo ambos indiscutível caráter contratual),
no qual conste referência ao plano e às suas condições. É comum, no âmbito da previdência
complementar aberta, a formalização da proposta de inscrição, como instrumento de ingresso
no plano. Nestes casos, a referida proposta servirá, para todos os efeitos, como documento de
adesão do participante ao plano de benefícios.
A figura do assistido, tal como previsto no inciso II, do artigo 8º, da Lei
Complementar nº 109/01, corresponde ao participante ou ao seu beneficiário, quando
estiverem em gozo de benefício de prestação continuada. Em outras palavras, o assistido é a
pessoa física que: (i) tendo aderido a plano de benefício, esteja em fase de gozo do benefício
48
ou (ii) seja indicada por esta pessoa (que tenha aderido ao plano de benefícios) como
beneficiário dos benefícios previdenciários, e esteja na fase de gozo desses benefícios.
O beneficiário do plano de previdência privada, quando não seja o próprio
titular do plano, é indicado por este quando de sua adesão, ou poderá corresponder aos
dependentes que venham a fazer jus às prestações de aposentadoria pagas pelo plano. Em
qualquer desses casos, o beneficiário receberá os valores da entidade de previdência
complementar após o falecimento do participante, uma vez que, a rigor, é ele o beneficiário
original de tais recursos.
O assistido recebe comumente a denominação de “aposentado”, pois se
encontra no período de recebimento dos benefícios de aposentadoria. Mas será também
considerado como assistido o beneficiário que, diante do falecimento do titular do plano
(participante), venha a usufruir os benefícios assegurados pelo plano de previdência (seus
dependentes, em geral).
Note-se que o que define a qualidade de assistido a um participante ou à
pessoa que ele indica como beneficiário, é o fato de ele se encontrar como beneficiário dos
valores pagos pelo plano de previdência privada a título de benefícios. Isso quer dizer que a
condição de assistido somente se concretiza após a fase de acumulação dos recursos no plano.
Enquanto ainda estiver na fase de acumulação, se o participante vier a efetuar resgates
parciais ou mesmo resgate total dos valores acumulados até então, isso não o caracterizará
como assistido.
Desta forma, é possível conceber situações concretas em que possa não
haver o alcance da condição de assistido, se, por exemplo, houver a realização de resgate de
todo o valor acumulado no plano, antes de iniciada a fase de gozo dos benefícios
previdenciários.
Roberto Quiroga Mosquera, sobre a figura do assistido de um plano de
previdência complementar privada, esclarece que não há que confundi-lo com o beneficiário
de serviços de assistência à saúde, oferecidos por entidades fechadas de previdência
complementar:
46 In op. cit . p. 72.
49
“É interessante frisar que o termo assistido, contido no artigo 8º em comento, não guarda vínculo direto com os planos assistenciais ou planos de assistência à saúde, passíveis de oferecimento por entidades fechadas de previdência complementar, nos termos do artigo 76 da Lei Complementar nº 109, de 2001. Nestes planos, assim como nos planos de benefícios de caráter previdenciário, as pessoas físicas que deles participarem serão participantes ou assistidos.” 47
Com efeito, o termo assistido, num plano de previdência privada, refere-se à
condição da pessoa física como aquele que é beneficiário da cobertura previdenciária
oferecida pelo plano.
2.1.2 O Patrocinador – Pessoa Jurídica
Conforme anteriormente comentado, a pessoa jurídica48 somente se insere
no bojo da relação jurídica contratual relativa à previdência complementar privada na
qualidade de patrocinadora do plano de benefícios. Isto é, ela somente pode intervir para o
custeio do plano ou para intermediar esse custeio – como, por exemplo, figurando como
agente arrecadador e repassador das contribuições dos participantes ao plano, descontadas
diretamente da sua remuneração –, e não como beneficiária dos valores acumulados no plano.
Para participar da relação jurídica instalada no âmbito da previdência
privada, a pessoa jurídica patrocinadora deverá guardar vínculo jurídico de natureza
empregatícia ou associativa com o participante. Ou seja, ela somente pode participar do plano
para custear contribuições em favor de seus empregados, dirigentes ou associados, ou
arrecadar e repassar contribuições dos próprios participantes (contribuições essas que sejam
descontadas diretamente da remuneração a ser recebida em razão do trabalho).
Os planos de previdência complementar que tenham a participação da
pessoa jurídica patrocinadora são administrados por entidades fechadas de previdência
complementar (e, assim, os planos são fechados, isto é, restritos aos empregados e dirigentes
47 In “Comentários à Lei de Previdência Privada”, coord. Wagner Balera, Quartier Latin, São Paulo, 2005, p. 76. 48 Está excetuada da referência a pessoa jurídica, a entidade de previdência complementar, uma vez que essa exerce papel específico e exclusivo na relação contratual firmada com participantes e patrocinadores, que é a administração do plano de benefícios.
50
de determinada empresa ou grupo de empresas) ou, quando inseridos na previdência privada
aberta, são chamados de planos coletivos (ou empresariais).
Sobre os planos coletivos, descreve Manuel Soares Póvoas:
“A qualificação ‘coletivo’ não significa que o plano aberto tenha um tratamento atuarial de grupo, mas apenas que o plano é instituído por uma pessoa jurídica para beneficiar mais de uma pessoa a ela vinculada por relação lícita. (...) A característica do plano coletivo previdenciário é ter de ser implantado mediante contrato celebrado entre uma pessoa jurídica, de qualquer natureza, e uma entidade de previdência privada aberta”. 49
No âmbito da previdência aberta, a participação da pessoa jurídica no
custeio do plano de benefícios lhe confere a denominação de instituidora (que é o mesmo que
patrocinadora), enquanto que, se a ela (pessoa jurídica) couber apenas a arrecadação das
contribuições dos participantes e respectivo repasse à entidade de previdência complementar
(além de intermediarem a relação entre participante e entidade de previdência privada), a
denominação que lhe é atribuída é de averbadora.
Didaticamente, expõe Roberto Quiroga Mosquera:
“As pessoas jurídicas, nos planos de previdência complementar, podem figurar apenas como patrocinadoras, instituidoras ou averbadoras, sendo: (i) as primeiras, aquelas que participam do custeio de plano de benefícios oferecido por entidades fechadas de previdência complementar, (ii) as instituidoras, pessoas jurídicas que participam do custeio do plano de benefícios oferecido por entidades abertas de previdência complementar, (iii) as averbadoras, as que, em planos também oferecidos por entidades abertas de previdência complementar, não participam do custeio, mas figuram como intermediárias na relação jurídica entre o participante e a entidade de previdência, inclusive para arrecadar as contribuições devidas pelos participantes” 50
Em qualquer caso, inclusive nos planos de benefícios administrados por
entidades fechadas de previdência complementar, a adesão da pessoa jurídica é facultativa.
Assim como também o é, invariavelmente, a adesão da pessoa física participante; a mera
contratação do plano pela pessoa jurídica não implica assentimento e participação das pessoas
físicas a ela vinculadas direta ou indiretamente.
49 in “Previdência Privada – Planos Empresariais”, Fundação Escola Nacional de Seguros – Editora, 1991, p. 31/32. 50 In ob. cit. p. 73.
51
2.1.3 A Entidade de Previdência Complementar
Nos termos da Lei Complementar nº 109/01, o regime de previdência
complementar privada é operado por entidades abertas e fechadas de previdência
complementar, bem como sociedades seguradoras que atuam no ramo vida, desde que
possuam autorização específica para tanto.
A autorização para tais sociedades, bem como toda a regulamentação,
fiscalização e controle da atividade de administração dos planos de previdência complementar
deverão ser exercidas por órgãos públicos vinculados ao Ministério da Previdência Social e ao
Ministério da Fazenda – Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e Superintendência
de Seguros Privados (Susep), respectivamente. A primeira encarrega-se das entidades
fechadas de previdência complementar e a segunda, das entidades abertas de previdência
complementar e sociedades seguradoras.
As entidades de previdência complementar são pessoas jurídicas,
organizadas, como já dito, sob o amparo do direito privado. O que não significa dizer que
tenham, necessariamente, intuito lucrativo.
O parágrafo 1º, do artigo 31, da Lei Complementar nº 109/01, estabelece que
“as entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins
lucrativos”. Com isso, tem-se que, necessariamente, as entidades fechadas de previdência
complementar devem organizar-se sob a forma de entidades não lucrativas. O resultado por
elas auferido corresponderá a superávit ou déficit, mas não a lucro ou prejuízo; e sempre que
for superavitário, este resultado deverá ser integralmente revertido em favor dos beneficiários
dos planos por ela administrados, por imposição do artigo 20 da mesma Lei Complementar.51
51 “Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas. § 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios. § 2o A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade. § 3o Se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive dos assistidos.”
52
Quanto à sua estrutura formal como fundação ou sociedade civil, é preciso
lembrar que a Lei Complementar nº 109/01 foi editada anteriormente à edição do Código
Civil atualmente em vigor, o qual deu nova formatação às espécies de pessoas jurídicas de
direito privado.
O referido diploma prevê que:
“Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos. (...). Art. 62. (...) Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. (...) Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. (...)”
Assim, com a vigência do novo Código Civil, a figura da sociedade não
comporta mais o seu formato não-lucrativo, e a fundação fica restrita para determinados fins,
dentre os quais não se inclui a previdência privada.
Diante disso, a doutrina divide-se em considerar, por alguns, que a espécie
de organização jurídica aplicável às entidades fechadas de previdência complementar desde o
advento do novo Código Civil é o da associação, pois é, dos tipos mencionados no artigo 44
supratranscrito aquele que mais se assemelha a estrutura da previdência complementar
fechada, e, por outros, que o disposto no artigo 31, parágrafo 1º, da Lei Complementar nº
109/01, ainda é aplicável por se tratar de norma complementar à Constituição Federal e de
caráter especial, pois regula o regime jurídico da previdência complementar privada. Há ainda
aqueles que concluem pela defesa de que as entidades fechadas de previdência complementar
passaram à condição de entidades sui generis.52
Não obstante tal discussão, a Secretaria de Previdência Complementar, por
intermédio da Portaria nº 2, de 08 de janeiro de 2004, dispensou as entidades fechadas já
52 Neste sentido, “Comentários à Lei de Previdência Privada”, coord. Wagner Balera, p. 208.
53
constituídas anteriormente à edição do Código Civil de 2002, à promoção de modificações em
seus estatutos.53
A entidade fechada de previdência complementar é caracterizada pela sua
instituição especificamente para gerir plano ou planos de previdência privada para um
determinado grupo de pessoas vinculadas a uma pessoa jurídica ou pessoas jurídicas
integrantes de um mesmo grupo econômico. É ela classificada como “de plano comum”,
quando administrar plano ou conjunto de planos acessíveis ao universo de participantes; ou
“com multiplano”, quando administrar plano ou conjunto de planos de benefícios para
diversos grupos de participantes, com independência patrimonial, e como “singular”, quando
estiver vinculada a apenas um patrocinador ou instituidor; ou “multipatrocinada”, quando
congregar mais de um patrocinador ou instituidor.
Possuem personalidade jurídica independente das suas patrocinadoras, e
exercem sua atividade de administração de planos de benefícios de forma autônoma e em
caráter exclusivo, posto que é vedado às entidades fechadas a prestação de quaisquer outros
serviços, exceto os de assistência à saúde, desde que tenham sido autorizadas até a edição da
Lei Complementar nº 109/01.54
Como as entidades fechadas – diferentemente das entidades abertas – são
pessoas jurídicas sem fins lucrativos, criadas com o único objetivo de proporcionar um meio
de administrar os recursos dos participantes e patrocinadoras, para assegurar o benefício de
aposentadoria futuro a estes participantes, todo e qualquer recurso que transite por suas
contas é destinado exclusivamente para os participantes e beneficiários do plano de
previdência administrado e para manutenção dessa administração55. Em função dessa
característica, muitos entendem que a entidade fechada de previdência complementar nada
mais é que um veículo assistencial, tal como uma entidade de assistência social.
53 “Art. 1º As entidades fechadas de previdência complementar, regidas por lei complementar, não estão obrigadas a promover em seus estatutos as adaptações a que se refere o artigo 2.031 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Novo Código Civil)”. 54 Lei Complementar nº 109/01: “Art. 32. As entidades fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária. Parágrafo único. É vedada às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto, observado o disposto no art. 76. (...) Art. 76. As entidades fechadas que, na data da publicação desta Lei Complementar, prestarem a seus participantes e assistidos serviços assistenciais à saúde poderão continuar a fazê-lo, desde que seja estabelecido um custeio específico para os planos assistenciais e que a sua contabilização e o seu patrimônio sejam mantidos em separado em relação ao plano previdenciário.” 55 Gastos com pessoal, material e gestão financeira do plano.
54
Neste sentido, Sacha Calmon Navaro Coelho assevera:
“Em resumo, a total ausência de finalidade lucrativa, a prevalência do espírito de solidariedade entre os participantes das entidades fechadas que leva a empresa a contribuir com parcela considerável para o financiamento dos benefícios concedidos, amplos ou de complementação àqueles da seguridade social estatal, prestando atividade de relevante valor social, são características essenciais que legitimam o enquadramento dessas instituições dentro do conceito de assistência social ou de assistência previdenciária (...).”56
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar incidentalmente tal
questão, a fim de decidir sobre a aplicabilidade ou não da imunidade tributária assegurada
pelo artigo 150, VI, c, da Constituição Federal de 1988, entendeu que as entidades de
previdência complementar, a despeito de não buscarem o lucro, têm caráter contratual,
contraprestacional.57, 58
As entidades abertas de previdência complementar, por sua vez, são pessoas
jurídicas de direito privado que administram planos de benefícios com finalidade lucrativa.
Ainda sob a égide da Lei nº 6.435/77, foram criadas entidades abertas de previdência privada
sem finalidade lucrativa, porém, atualmente são minoria no universo da previdência privada
aberta.59
As entidades abertas são constituídas sob a forma de sociedades anônimas e
têm por objetivo administrar planos de benefícios de caráter previdenciário a quaisquer
pessoas físicas, independentemente de vínculo empregatício ou associativo. É certo que elas
podem instituir planos coletivos, cujo acesso esteja restrito aos empregados e dirigentes de
determinada pessoa jurídica, porém, neste caso, a entidade aberta deverá manter outros planos
de benefícios acessíveis a qualquer pessoa jurídica, pois que é este o dado que as caracteriza.
56 “Pis/Cofins – Lei nº 9.718/98 – Entidades Fechadas de Previdência Privada”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 55, abril/2000, p. 140. 57 Recurso Extraordinário nº 202.700-DF. 58 Exceto aquelas cujo plano de benefícios administrado seja custeado integralmente pela patrocinadora. 59 A essas, a Lei Complementar nº 109/01 facultou a permanência de sua manutenção como sociedade civil não lucrativa, desde que não participem do capital social de outras pessoas jurídicas. Confira-se: “Art. 77. As entidades abertas sem fins lucrativos e as sociedades seguradoras autorizadas a funcionar em conformidade com a Lei no 6.435, de 15 de julho de 1977, terão o prazo de dois anos para se adaptar ao disposto nesta Lei Complementar. § 1o No caso das entidades abertas sem fins lucrativos já autorizadas a funcionar, é permitida a manutenção de sua organização jurídica como sociedade civil, sendo-lhes vedado participar, direta ou indiretamente, de pessoas jurídicas, exceto quando tiverem participação acionária: I - minoritária, em sociedades anônimas de capital aberto, na forma regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional, para aplicação de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões; II - em sociedade seguradora e/ou de capitalização. (...)”
55
As sociedades seguradoras autorizadas a operar no ramo vida podem obter
licença para administrar planos de previdência privada. Neste caso, funcionam sob o mesmo
formato e regras aplicáveis às entidades abertas de previdência complementar.
Não raro se confunde a figura das entidades abertas e sociedade seguradoras
à dos bancos. Isso se deve ao fato de grande parte das entidades e seguradoras integrarem
grupos financeiros de bancos comerciais, e, com isso, operarem junto ao público em
instalações próprias desses bancos. Contudo, não obstante a oferta de serviços junto ao
público ser possivelmente realizada em espaço destinado à atividade bancária, a
administração dos planos de benefícios não poderá ser confundida com a atividade financeira
dos bancos, pois o exercício da administração de planos de benefícios abertos é autorizado
exclusivamente às entidades abertas e às sociedades seguradoras do ramo vida.
Uma outra forma de contato com o público utilizada para oferta dos planos
de previdência privada aberta é a corretagem. Tal prática está, inclusive, expressamente
contemplada pela Lei Complementar nº 109/01.60
Em razão da possibilidade de as entidades abertas atuarem conjuntamente
com as sociedades seguradoras no âmbito da previdência complementar aberta, a Lei
Complementar prevê a possibilidade de sua regulação também, no que couber, pela legislação
aplicável às sociedades seguradoras.61
Isso não significa, porém, que o seguro de vida possa ser confundido com o
plano de previdência complementar. Conforme já explicitado anteriormente, a previdência
complementar atua na complementação dos benefícios previdenciários, integrando o sistema
previdenciário brasileiro, em conjunto com o regime geral da previdência social e o regime
próprio de previdência dos servidores públicos. A sua presença, neste sistema, justifica-se
como um instrumento adicional de proteção social.
60 “Art. 30. É facultativa a utilização de corretores na venda dos planos de benefícios das entidades abertas. (...)” 61 “Art. 73. As entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras.”
56
2.2 Planos de Benefícios das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar
A previdência complementar privada está estruturada em planos de
benefícios de caráter previdenciário, também chamados de planos de previdência
complementar ou planos de previdência privada. A expressão primeiramente referida advém
do artigo 2º da Lei Complementar nº 109/01: “O regime de previdência complementar é
operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir
e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei
Complementar.”
Os planos de benefícios são unidades separadas, com características
próprias, cuja finalidade é assegurar benefícios previdenciários aos seus participantes. No
dizer de Wladimir Novaes Martinez:
“Plano de benefícios é modalidade ampla de instituição, expressa num conjunto complexo de normas derivadas de opções assumidas (uma espécie de Lei) e de atos, medidas e providências reais (práticas usuais) no âmbito organizacional, econômico, financeiro e atuarial com vistas à organização e a operação dos comandos de constituição da EPC [entidade de previdência complementar], filiação e admissão dos participantes (entendida abrangendo inclusive a patrocinadora ou a instituidora), contribuição obrigatória e definição das prestações postas à disposição dos beneficiários.” 62
O plano de benefícios reflete a própria contratação efetivada entre o
participante e a entidade de previdência privada, pois deverá ser operado exatamente nos
termos do acordo firmado quando da adesão ao plano. Cada plano possui o seu respectivo
regulamento, que determina as normas segundo as quais será operacionalizado.
Ademais, é o plano de benefícios tão próprio do regime de previdência
privada, que não raramente, no dito popular, ele é confundido com a própria entidade de
previdência que o administra. Diz-se, por exemplo, que determinada pessoa aderiu ao “fundo
de pensão” de determinada empresa, pretendendo referir-se à adesão de alguém a um
62 In ob. cit. p. 60/61.
57
determinado plano de benefícios administrado por determinada entidade fechada de
previdência complementar (ou “fundo de pensão”).
Essa proximidade justifica-se pelo fato de a entidade de previdência
complementar somente exercer atividade se administrar plano(s) de benefícios. Caso
contrário, será um pessoa jurídica formalmente constituída, porém, inativa, “vazia”.
Os planos de benefícios não possuem personalidade jurídica própria,
independente de suas administradoras (entidades), pois não respondem por obrigações ou
deveres. Conforme ensina Roberto Quiroga Mosquera63: “Representam, em verdade, normas
de conduta estatuídas por diferentes pessoas para o atendimento de um custeio
previdenciário complementar, comandos normativos estes traduzidos em rubricas contábeis
dentro de uma única pessoa jurídica, qual seja: a entidade de previdência complementar.”
A entidade de previdência complementar poderá administrar um ou mais
planos, sendo que, os ativos e passivos da cada um deverão estar segregados contábil,
financeira e atuarialmente, para o fim de individualizar os planos de benefícios, visto que
cada um é específico no tocante às suas condições de operacionalização, conforme
contratualmente firmado.
Essa segregação deu ensejo à edição da Resolução do Conselho de Gestão
da Previdência Complementar (“CGPC”) nº 14, de 01 de outubro de 2004, a qual instituiu o
Cadastro Nacional de Planos de Benefícios das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar – CNPB, a permitir o controle, por parte da Secretaria de Previdência
Complementar, sobre a devida segregação patrimonial e equilíbrio econômico-atuarial dos
planos fechados.
Os planos de benefícios podem ser da modalidade “benefício definido”,
“contribuição definida” ou “contribuição variável”64, tanto no caso de plano abertos, quanto
para os planos fechados.
63 In ob. cit. p. 56. 64 “Art. 7o (...) Parágrafo único. O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar.”
58
Newton Conde, ao tratar sobre as modalidades de planos de benefícios
operados por entidades fechadas de previdência complementar esclarece que o plano de
“benefício definido” é aquele em que o benefício complementar é estabelecido no momento
da adesão do participante com base em valores pré-fixados ou em fórmulas de cálculo
previstos em regulamento. “Contribuição definida”, por outro lado, é a modalidade de plano
em que o benefício complementar é estabelecido apenas no momento da sua concessão, com
base no montante das contribuições previamente fixadas e vertidas ao plano durante a fase
contributiva. 65
Por plano da modalidade “contribuição variável”, por sua vez, conceitua o
artigo 4º da Resolução CGPC nº 16, de 22 de novembro de 2005, ser “aquele cujos benefícios
programados apresentem a conjugação das características das modalidades de contribuição
definida e benefício definido”. Um plano de contribuição variável pode ser, por exemplo,
aquele que defina previamente (no momento da contratação) os critérios para definição do
benefício previdenciário, sendo possível a oscilação sobre o valor e formato das contribuições
que irão custeá-lo.
No tocante aos planos de benefícios operados por entidades fechadas de
previdência complementar, diferentemente dos planos abertos, não há “produtos” ou
“modelos” de planos (como PGBL, por exemplo). Os planos são estruturados segundo o perfil
do grupo de pessoas a que se destina, a atividade laboral por elas desenvolvida e a cobertura
previdenciária que se procura oferecer (benefícios de aposentadoria vitalícia, por invalidez,
pecúlio etc.).
Assim, na previdência privada fechada, os planos, apesar de classificados
como de benefício definido, contribuição definida ou contribuição variável, variam de acordo
com as especificidades do público a que se destinam.
65 “Modalidades e Características dos Planos de Benefícios”, in “Introdução à Previdência Complementar”, ABRAPP/ICSS/Sindapp, 2005, p. 88.
59
2.3 Planos de Benefícios das Entidades Abertas de Previdência Complementar
Os planos de benefícios oferecidos por entidades abertas são oferecidos a
todos que preencham as condições estabelecidas contratualmente, nos limites e condições
determinados pelo órgão regulador competente. Por isso denominam-se “planos abertos”.
Tais planos poderão ser coletivos, isto é, serem oferecidos exclusivamente a
pessoas físicas que possuam vínculo empregatício com uma determinada pessoa jurídica ou a
pessoas físicas que possuam vínculo empregatício com pessoas jurídicas integrantes de um
grupo de controle societário comum – neste caso, assemelham-se, quanto à sua destinação,
com os planos fechados –, ou individuais, nos quais qualquer pessoa poderá ingressar,
independentemente de vínculo direto ou indireto com pessoa jurídica.
A caracterização do plano aberto como individual não significa que a ele
somente uma pessoa física possa aderir; mas, sim, que qualquer pessoa física que queira
aderir (para formar o grupo necessário de participantes) poderá fazê-lo sem que seja
necessário vínculo de qualquer natureza com pessoa jurídica.
O custeio dos planos individuais, justamente pela inexistência da
participação de pessoa jurídica na relação contratual, é realizado exclusivamente por
contribuições dos participantes. Já o custeio dos planos coletivos pode ou não ter participação
(ou “patrocínio”) da pessoa jurídica, a depender da sua caracterização como instituidora ou
averbadora, conforme anteriormente exposto.
Os planos de benefícios de previdência privada aberta também são
organizados sob as modalidades contribuição definida, benefício definido ou contribuição
variável, seguindo os mesmos parâmetros antes comentados.
Ocorre, que, por se tratar de planos acessíveis ao público em geral,
convencionou-se criar modelagens padronizadas, que admitem a estipulação de condições
específicas a depender das características do grupo de pessoas que se busca atingir. São essas
modelagens semelhantes a verdadeiros “produtos previdenciários”, conhecidos por suas
siglas: PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres), PAGP (Plano com Atualização Garantida
e Performance), PRGP (Plano com Remuneração Garantida e Performance), VGBL (Vida
60
Gerador de Benefícios Livres), VAGP (Vida com Atualização Garantida e Performance),
VRGP (Vida com Remuneração Garantida e Performance), além dos planos tradicionais, cuja
sigla mais comumente usada é a de FGB (Fundo Garantidor de Benefícios).
Segundo descrição apresentada pelo órgão regulador e fiscalizador das
entidades abertas (Susep), os planos denominados sobre a sigla PGBL têm, durante o período
de diferimento, como critério de remuneração das reservas, a rentabilidade da carteira de
investimentos do fundo de investimento exclusivo instituído para o plano, ou seja, durante o
período de diferimento não há garantia de remuneração mínima. Os planos denominados
sobre a sigla PRGP garantem, durante o período de diferimento, remuneração dos recursos
por taxa de juros efetiva anual e índice de atualização de valores, os quais deverão estar
previstos em seu Regulamento. Nestes, durante o período de diferimento, há apuração de
resultados financeiros. E, por fim, os planos denominados sobre a sigla PAGP garantem,
durante o período de diferimento, atualização dos recursos acumulados, segundo índice de
atualização de valores, sendo que, durante o período de diferimento, há apuração de
resultados financeiros.66
Note-se, com isso, que os planos dos tipos PGBL, PRGP e PAGP são planos
de previdência privada, cujos benefícios assegurados variam desde o pagamento do total das
contribuições adicionadas aos rendimentos produzidos durante a fase de acumulação dos
recursos, até o pagamento do total das contribuições remuneradas segundo uma taxa de juros
ou um índice de atualização, previamente contratados.
As coberturas asseguradas em tais planos podem variar de acordo com a
contratação individual de cada participante (renda vitalícia, por tempo determinado, renda
reversível a filhos menores, a cônjuge etc.).
Os chamados planos tradicionais, por sua vez, distinguem-se das espécies
antes comentadas, pelo fato de assegurarem um mínimo de remuneração (rendimentos)
durante a fase de acumulação dos recursos no plano. A maior parte dos planos com este perfil
encontra-se encerrada para novas adesões – mantido o direito de permanência dos
participantes que já ingressaram –, especialmente devido ao risco a que se expõe a entidade
66 Na sua página na rede mundial de computadores (internet), cujo endereço eletrônico, especificamente no tocante a essas informações é: http://www.susep.gov.br/menuatendimento/previdencia_aberta_consumidor.asp
61
administradora, na medida em que deve honrar o compromisso de rentabilidade mínima,
independentemente de obtê-la em investimentos no mercado financeiro.
Os planos VGBL, VAGP e VRGP, por outro lado, apesar de, na prática,
serem oferecidos como planos de previdência privada, consistem, em sua essência, em
seguros de vida com cobertura por sobrevivência. Em outras palavras, são seguros de vida
pagos ainda em vida ao seu titular (chamado segurado), sendo os recursos aplicados,
inclusive, passíveis de resgate.
Esses planos foram instituídos no início da década corrente, com o objetivo
de oferecer uma alternativa aos planos PGBL, PRGP e PAGP, no tocante ao seu tratamento
tributário. Conforme será descrito adiante, os planos VGBL, VAGP e VRGP diferenciam-se
dos antes mencionados (PGBL, PAGP e PRGP), basicamente, pelo fato de as contribuições e
eles destinadas não serem passíveis de dedução na apuração do imposto de renda devido pela
pessoa física (segurada), e, em contrapartida, quando do recebimento dos valores pagos pela
entidade de previdência privada, o imposto incide apenas sobre a parcela do rendimento
proporcionado durante o período de investimento.
A não ser por esta característica, os planos VGBL, VAGP e VRGP são
bastante semelhantes, quanto à sua estrutura financeira e atuarial, aos planos PGBL, PAGP e
PRGP.
Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub explica o VGBL nos seguintes
termos:
“Sobrevivendo pelo tempo determinado em contrato, o participante (segurado por um VGBL) receberá aposentadoria que varia de acordo com o plano oferecido pela seguradora. Se vier o participante a falecer, o beneficiário por ele indicado em contrato receberá a indenização, exatamente como ocorre em um seguro de vida.” 67
É preciso ressalvar, porém, que, mesmo estando destinados a suprir uma
necessidade de mercado voltada à poupança previdenciária, por serem planos de seguro de
vida, os “VGBL” não estão subordinados ao regime jurídico da previdência privada, nos
moldes antes comentados. O seu regime jurídico é o dos seguros.
67 In ob. cit. p. 29.
62
Da mesma forma, os fundos de aposentaria programada individual,
chamados de “FAPI”, regidos pela Lei nº 9.477, de 24 de julho de 1997, também não se
sujeitam ao regime da previdência complementar privada. Têm como destinatários aqueles
que buscam a formação da poupança previdenciária, mas se estruturam como fundo de
investimento, e, como tal, são administrados por instituições financeiras, notadamente bancos
e asset managements, sob a égide da regulamentação editada pelo Conselho Monetário
Nacional, por intermédio da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central do Brasil.
63
PARTE II
O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS E RESGATES EM PLANOS DE BENEFÍCIOS
POR ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA COMO FATO
JURÍDICO TRIBUTÁVEL PELO IMPOSTO DE RENDA
Capítulo III - Perfil Constitucional do Imposto de Renda
Para se analisar a extensão de qualquer incidência tributária é preciso
verificar, de antemão, a sua previsão constitucional, examinando-se a competência tributária
para sua instituição, a sua limitação material e os princípios constitucionais que a informam.
É na Constituição Federal que se encontra o fundamento último de validade
das normas do sistema jurídico brasileiro, a partir dela é que se arquiteta a pirâmide jurídica,
criando um sistema harmônico de normas válidas.
A validade das normas jurídicas não pode ser, no entanto, dada como uma
característica da norma, por si só. É tomada pela existência de relação de sua pertinência no
sistema jurídico em que se insere, sendo, portanto, um resultado da sua ligação com as demais
normas no sistema.
Paulo de Barros Carvalho, a respeito, ensina que a validade não deve ser tida
como um atributo que qualifica a norma jurídica, mas sim pelo seu status de relação,
correspondendo ao vínculo que se estabelece entre a proposição normativa, considerada na
sua inteireza lógico-sintática e o sistema do direito posto, “de tal sorte que ao dizermos que
u’a norma ‘n’ é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema ‘S’.” 68
E continua, expondo, a par das críticas69, os principais métodos de
verificação de validade de uma norma em um sistema jurídico:
68 “Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência”, Saraiva, São Paulo, 2004, 3ª edição, p. 52. 69 As críticas descritas pelo autor tomam por referência o entendimento de Daniel Mendonça, para quem esses métodos de verificação da validade da norma jurídica pressupõem a pré-existência de regras no sistema, cuja relação de pertinência não seria passível de verificação por tais métodos.
64
“Que significa, contudo, pertencer ao sistema ‘S’? Em outras palavras, qual o critério para sabermos se um enunciado lingüístico com estrutura hipotética e articulado deonticamente pode ser tido como pertencente a determinado sistema, assumindo as proporções de norma jurídica? Bem, aloja-se precisamente aqui a observação de Farrell, no sentido de que depende da perspectiva eleita pelo sujeito do conhecimento. Depende do ponto de vista adotado ou do sistema de referência com que trabalhamos. Poder-se-ia escolher, para esse fim, o modelo kelseniano, importa dizer, será considerada norma válida aquela produzida por órgão credenciado pelo sistema e na conformidade com o procedimento também previsto pela ordenação total. Ao lado dessa diretriz, temos também o critério da dedutibilidade, segundo o qual uma norma pertence ao sistema quando é conseqüência lógica de normas pertencente ao sistema. A relação de pertinencialidade será aferida, para efeito de controle, mediante confronto com a norma superior, dentro da hierarquia do sistema empírico, culminando na norma hipotética fundamental, axioma que fecha o corte metodológico, em termos cognoscitivos. Ou então, pela linha da dedutibilidade, indicando-se as normas do sistema que, por dedução, produziriam a unidade questionada.” 70
Segundo o modelo kelseniano, portanto, uma norma pode ser tida como
pertencente a determinado sistema se for produzida por órgão credenciado pelo sistema e na
conformidade com o procedimento também previsto pela ordenação total. Já pelo critério da
dedutibilidade, uma norma pertence ao sistema quando é conseqüência lógica de normas
pertencentes ao sistema, dentro da hierarquia do sistema empírico.
Para fins do presente estudo, seja pelo modelo kelseniano ou pelo critério da
dedutibilidade, tem-se que a Constituição Federal figura como indicativa do procedimento de
produção das normas válidas e como norma superior, a partir da qual as demais normas
devem se estruturar no ordenamento jurídico nacional.
Não se afasta, contudo, que a fonte primeira do direito é a própria sociedade,
o fato que desencadeia a necessidade de regulação das condutas, como quando da estruturação
de uma organização de Estado fundada na legitimação de poderes para a imposição de regras
de comportamento. No sistema brasileiro, isso se reflete na formação de um poder
constituinte, formulado para o fim de impor a fonte primária formal do direito positivo
brasileiro: a promulgação da Constituição Federal.
Superado, pois, este estágio, parte-se da Constituição para verificar o
encaixe das normas em seu contexto. Assim, a validade das normas no Brasil é extraída da
sua coerência com a Constituição Federal de 1988. Como afirma Roque Antonio Carrazza71,
“a Constituição, num Estado-de-direito”, como o Brasil, “é a lei máxima, que submete todos
70 “Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência”, cit. p. 52/53. 71 “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 20ª edição, Malheiros, São Paulo, 2004, p. 30.
65
os cidadãos e os próprios Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Uma norma jurídica
só será considerada válida se estiver em harmonia com as normas constitucionais”.
Quando se trata da validade da norma jurídica no sistema, considera-se tanto
a sua pertinência formal, isto é, a sua edição segundo o procedimento previsto na Constituição
e nos ditames da competência por ela definida, como também a sua coerência material com os
ditames constitucionais72. Desta forma, ainda que editada pelo poder competente, segundo a
instrumentalidade prevista constitucionalmente, a norma jurídica no Brasil somente deverá
produzir efeitos se estiver em perfeita adequação com a extensão dada pela Constituição aos
institutos e fatos jurídicos por ela tratados.
Essa observação ganha força ao tratar-se do sistema tributário brasileiro,
rigidamente construído no texto constitucional.
Com efeito, se a toda norma a verificação prévia da Constituição para
checagem da sua validade é necessária, no tocante à norma tributária, a Constituição serve de
diretriz, norteando o legislador no tocante à divisão de competência, à relação de espécies de
tributos, às limitações para sua cobrança (princípios e imunidades).
Isto porque, o sistema tributário nacional está desenhado em sua inteireza na
Constituição; o papel das normas infraconstitucionais é o de preencher esse desenho com
regras de conduta.
Nas palavras de Luciano Amaro:
“(...) o direito tributário encontra na Constituição Federal, em primeiro lugar, sua estruturação sistemática: é ali que se desenham, na definição da competência tributária dos entes da federação, os contornos que irá ter cada peça integrante do sistema tributário nacional. Na Constituição encontra-se a matriz de todas as competências; nela se demarcam os limites do poder de tributar e se estruturam os princípios, inclusive os de natureza especificamente tributária, que constituem as pilastras de sustentação de todo o sistema tributário. É ainda na Constituição que se disciplina o modo de expressão do direito tributário, ou seja, a regulação do processo produtivo de normas jurídico-tributárias (leis complementares, leis ordinárias etc.) e o espaço de atuação de cada uma (ou seja, quais tarefas competem a cada tipo normativo).” 73
72 Note-se que aqui fala-se em hierarquia (formal) e coerência (material), critérios para sistematização material das normas num sistema jurídico constitucional, conforme descreve Humberto Ávila (“Sistema Constitucional Tributário”, Saraiva, São Paulo, 2004). 73 “Direito Tributário Brasileiro”, 12ª edição, Saraiva, São Paulo, 2006, p. 166.
66
A Constituição Federal, porém, como fonte do direito positivo, necessita de
ser interpretada para que possa ser aplicada. Isto é, o exercício de verificação da validade e
coerência entre as normas infraconstitucionais e a Lei Magna se perfaz mediante a
interpretação dos dispositivos desta. Sem interpretar o texto constitucional, torna-se
impossível a sua aplicação correta; torna-se inviável a verificação da validade da norma infra-
legal.
É pela interpretação que se extrai o sentido de um enunciado do direito
positivo, que se alcance o substrato de um princípio constitucional.
Roque Antonio Carrazza, com a precisão, assevera:
“Sem outras considerações, que não vêm para aqui, a interpretação é uma atividade cognoscitiva que visa a precisar o significado e o alcance das normas jurídicas, possibilitando-lhes uma correta aplicação. Esta tarefa, voltada, precipuamente, à descoberta da mens legis (da vontade do Estado contida na norma jurídica), exige a constante invocação dos grandes princípios, mormente em face das disposições incertas e das palavras equívocas ou polissêmicas que costumam recamar nossos textos legislativos. Afinal, a procura pela verdade científica não pode determinar na simples leitura de um texto legislativo (ainda mais quando ele briga com o texto legislativo hierarquicamente superior).” 74
A interpretação do texto constitucional para extrair os elementos que
integram o sistema tributário nacional – ramo do direito a que se propõe a analisar –, pode ser
exercida segundo diferentes critérios ou métodos.
Luís Roberto Barroso, ao estudar com louvável empenho tais métodos e
critérios, descreve que, basicamente, se pode realizar a interpretação constitucional a partir de
três aspectos diferentes: (i) com atenção para o sistema, (ii) com ênfase no objeto, ou (iii)
investigando-se o papel do sujeito da interpretação.
Para os fins da presente análise, acredita-se ser mais apropriada a realização
da interpretação com foco no sistema, “isto é”, explica o jurista, “para o conjunto de normas,
princípios e conceitos inerentes ao processo interpretativo”. Com isso, mantém-se reserva à
interpretação sob a perspectiva do objeto – que seria uma análise voltada aos “casos
concretos, às situações da vida, aos problemas que devem ser solucionados pela
interpretação da norma” – e à interpretação do ponto de vista do seu sujeito – em que se
74 “Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 38.
67
estaria, explica o autor, “voltando os olhos para os valores e a ideologia do intérprete e sua
repercussão no produto de seu trabalho”.75, 76
Deste modo, o perfil constitucional que se busca para o imposto de renda, a
fim de avançar na análise sobre a tributação dos valores pagos às pessoas físicas no âmbito da
previdência complementar privada, toma por premissa a busca dos critérios para verificação
da validade e coerência das normas tributárias que tratam acerca de tal tributação, segundo
uma interpretação com vistas para o sistema jurídico-constitucional tributário.
Com isso, não se pretende alcançar todo o campo de incidência do imposto
de renda, conforme seu desenho constitucional, tampouco esgotar a análise dos aspectos
constitucionais que resultam em reflexo direto ou indireto sobre a sua instituição e cobrança.
Procura-se apenas destacar alguns dos elementos que oferecem arcabouço para a atividade do
legislador, na definição do ente competente para exercício da capacidade tributária ativa, na
verificação da extensão material do tributo e na identificação dos princípios elementares para
formação do “arquétipo” do imposto em referência77.
3.1 Competência Tributária da União
O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é tributo passível
de instituição e cobrança pela União, conforme disposto no artigo 153, III, da Constituição
Federal de 198878. O referido dispositivo constitucional trata da competência tributária para
instituição do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
75 “Interpretação e Aplicação da Constituição”, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2004, p.4. 76 É natural que não se consiga afastar por completo as influências de valores e convicções subjetivas, uma vez que, sendo este trabalho construção de expressão humana, está sujeito a ser “contaminado” por opiniões lastreadas em valores sócio-culturais. Porém, ao pretender tratar do tema com foco no sistema em que se insere, estar-se-á buscando afugentar os possíveis desvios pautados exclusivamente em uma visão estritamente subjetiva. 77 Vale-se de empréstimo da expressão “arquétipo tributário” usada por Roque Carrazza e Geraldo Ataliba, posto que expressa com clareza a mensagem que se pretende alcançar. 78 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) III - renda e proventos de qualquer natureza; (...) § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; (...)”
68
A competência tributária é, nas palavras de Roque Antônio Carrazza, “a
aptidão para criar, in abstrato, tributos”79. Não se trata, pois, da criação concreta do tributo –
posto que não tarefa da Constituição instituir tributos, mas, sim, da lei ordinária80 –, mas de
atribuição conferida a determinada pessoa jurídica de direito público para instituir tributos, em
conformidade com as limitações constitucionais.
É a competência tributária que define qual o tributo pode ser instituído no
País, qual o seu titular, sobre qual materialidade ele poderá incidir, e com base em que limites.
Não fossem por essas especificações que a Constituição Federal prescreve, os entes políticos
seriam titulares de verdadeiros poderes absolutos (poder de tributar, em sentido estrito). No
entanto, o direcionamento traduzido no texto constitucional a este poder de tributar
(estabelecendo princípios, imunidades e o que Roque Antonio Carrazza denomina a “hipótese
de incidência possível de cada tributo”81) o converte em competência tributária.
A compreensão da competência tributária perfaz-se pela análise de suas
características. Neste sentido, destaca Roque Antonio Carrazza seis: a privatividade, a
indelegabilidade, a incaducabiliidade, a inalterabilidade, a irrenunciabiilidade e a
facultatividade de exercício. Alguns juristas discordam serem todas necessárias à definição da
competência tributária, a exemplo de Paulo de Barros Carvalho82, para quem apenas a
indelegabilidade, a irrenunciabilidade e a incaducabilidade são atributos essenciais deste
objeto jurídico, e de Cristiane Mendonça83, que entende que apenas a facultatividade e a
irrenunciabilidade caracterizam a competência legislativo-tributária pátria.
A privatividade remete à exclusividade para instituição do tributo, a
autorização para uma pessoa política instituir o tributo e, a contrario sensu, a proibição para
as demais para instituí-lo.
Já a indelegabilidade se refere à proibição para que se transfira a outrem
(mesmo que pessoa jurídica pública de mesma espécie – como entre Estados da federação) a
79 “Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 449. 80 Ressalvadas as hipóteses em que a Constituição Federal de 1988 impõe a instituição de tributo mediante lei complementar. 81 “Curso de Direito Constitucional Tributário”. cit. p. 460. 82 “Curso de Direito Tributário”, Saraiva, São Paulo, 17ª edição, 2005, p. 222. 83 “Competência Tributária”, Quartier Latin, São Paulo, 2004, p. 281.
69
competência para instituição do tributo. A este respeito, o artigo 7º da Lei nº 5.712/6684
(Código Tributário Nacional) esclarece que a indelegabilidade atinge a instituição do tributo
(isto é, o poder para editar lei que crie o tributo in concreto e majore-o), não abrangendo as
funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões
administrativas em matéria tributária, tarefas que podem ser conferidas pela pessoa jurídica
designada pela Constituição a outros sujeitos de direito.
A incaducabilidade, está presente no artigo 8º do mesmo diploma, o qual
esclarece que “o não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de
direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído”. Ou seja, mesmo o
seu não exercício, por tempo prolongado, não impede a pessoa política de exercê-la a
qualquer tempo.
No tocante à inalterabilidade, também passível de extração por este mesmo
dispositivo legal, alude-se à proibição para se modificar a competência tributária, a não ser
por vontade do legislador constituinte derivado, por intermédio de emendas constitucionais.
A irrenunciabilidade refere-se à indisponibilidade da competência tributária;
não pode o ente político designado como competente renunciar à atribuição dada pela
Constituição Federal para instituição de determinado tributo. Não se trata, pois, de proibição
para renúncia à arrecadação de determinado tributo (a chamada renúncia fiscal, que depende
da vontade da pessoa política competente, no exercício dessa competência, estabelecendo
fatos tributáveis e hipóteses de isenção), mas, sim, de vedação à recusa em receber a
competência tributária da forma como delineada na Constituição.
Por fim, a facultatividade de exercício, como corolário das características
anteriormente comentadas, remete-se à não obrigatoriedade de instituição do tributo cuja
competência fora designada pela Constituição. O exercício da competência não é obrigatório,
depende de decisão política (conveniência, vontade e agilidade).
84 “Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição. § 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir. § 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido. § 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.”
70
Diante dessas características e em vista da legislação em vigor no tocante ao
imposto de renda, é possível observar que todos estes atributos da competência tributária
foram preservados, tendo o legislador federal, como poder a quem privativamente foi
atribuída a competência para instituição deste tributo, exercido sua faculdade de criação in
concreto do referido imposto, sem delegar tal função a terceiros, nem tampouco alterá-la, ou
renunciá-la.
Compreendido o poder de tributar limitado a que se refere a competência
tributária, é forçoso lembrar que a forma como ela vem prescrita na Constituição Federal não
apenas aponta para o campo de tributação em que o ente competente deve atuar, mas também
descreve os contornos gerais que devem ser obrigatoriamente observados quando do seu
exercício (isto é, instituição concreta do tributo) pelo legislador ordinário.
Neste diapasão, José Eduardo Soares de Melo afirma que “A competência
tributária é a aptidão para criar os tributos, legalmente e de forma abstrata, indicando todos
os elementos da hipótese de incidência, compreendendo o aspecto pessoal (sujeitos ativos e
passivos), a materialidade, base de cálculo e alíquota.” 85
É como se a Constituição trouxesse, implicitamente, uma regra-matriz
possível para cada tributo, apontando para uma hipótese de incidência possível, um sujeito
passivo possível, um sujeito ativo possível, uma base de cálculo possível e uma alíquota
possível, conforme destaca Roque Antonio Carrazza86.
Isto significa dizer que, quando o artigo 153, inciso III, da Carta Magna,
confere competência à União para instituir imposto sobre a renda, já contém de forma
embutida, o “auferir renda” como materialidade do tributo, a União como sujeito ativo,
“aquele que auferir renda” como sujeito passivo, o valor da renda como base de cálculo e
percentuais progressivos dessa renda como alíquota87.
Esses elementos devem servir como critérios máximos para o legislador
ordinário, ao estabelecer a regra-matriz concreta do imposto de renda, não lhe sendo facultado
85 “Curso de Direito Tributário”, 6ª edição, Dialética, São Paulo, 2005, p.139. 86 “Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 460. 87 No tocante especificamente à alíquota, entende-se que o seu conteúdo possível deve ser alcançado pela combinação do artigo 153, III, com o parágrafo 2º do mesmo artigo e com o artigo 150, IV, da Constituição, que prescreve o princípio de vedação ao confisco, a seguir comentado.
71
extrapolar esses limites a fim de alcançar fatos jurídicos que não guardem correlação com este
arquétipo tributário constitucional.
Luciano Amaro, sobre esta limitação, descreve com precisão:
“Não se nega que a lei tributária possa modificar o conceito dado pelo direito privado (ou, em regra, por qualquer outro ramo do direito). Por conseguinte, é lícito à lei tributária, por exemplo, equiparar a pessoa física à pessoa jurídica (o que, efetivamente, é feito, em dadas situações, pela lei do imposto de renda ). O que se veda à lei tributária é a modificação de conceitos que tenham sido utilizados por lei superior para definição da competência tributária, se da modificação puder resultar ampliação da competência. Por isso, se a regra que outorga competência tributária (e, portanto, dá os contornos do campo sobre o qual é exercitável a competência) autoriza a tributação de imóvel, não pode o legislador tributário equiparar móveis a imóveis, para efeitos fiscais, sob pena de ampliar, ilegitimamente, sua esfera de competência.” 88
Com isso, quer desde já se firmar a conclusão de que, em relação ao imposto
de renda, a sua materialidade não pode corresponder a algo que não seja “auferir renda”, o seu
sujeito passivo não pode ser outro ente da federação que não a União (e pessoas a quem ela
atribua a capacidade de arrecadação, fiscalização e controle do tributo), o sujeito passivo não
pode ser outro senão “aquele que auferir renda”, a base de cálculo não pode ser diversa do
valor da renda (ou parte dela) e a alíquota não pode ser outra senão parte (ou percentual) da
renda auferida, progressivamente projetada.
3.2 Noção Constitucional da Renda
Sabendo-se que a renda, é, então, fator determinante para a análise do perfil
constitucional do imposto de renda, faz-se indispensável uma análise mais precisa sobre a sua
noção constitucional.
Não se trata, pois, de, neste momento, traçar comentário sobre o conceito de
renda tratado pelo legislador infraconstitucional, uma vez que essa é matéria a ser tratada no
tópico seguinte, quando se analisará a regra-matriz de incidência do imposto de renda. O que
se propõe a descrever, aqui, é sobre qual o sentido geral que é possível extrair do texto
constitucional acerca da renda (incluídos aí os “proventos de qualquer natureza”).
72
Roque Antônio Carrazza, em sua importante obra que trata do tema,
descreve que a União deve respeitar em tudo a regra-matriz constitucional desse tributo, pois
do contrário estará exigindo “um arremedo de imposto sobre a renda e proventos de qualquer
natureza”. E continua, afirmando que há, na Constituição Federal, conteúdos semânticos
mínimos (noções genéricas) renda e de proventos de qualquer natureza, a serem
obrigatoriamente levados em consideração pelo legislador oridinário.89
Os conteúdos mínimos a que se refere o jurista, decorrem, justamente, do
perfil constitucional anteriormente comentado, que limita a competência do legislador federal
para tributar aquilo que esteja em dissonância com os princípios que regem o tributo.
Para lapidar o conceito de renda, deve ter-se em mente as demais
competências tributárias atribuídas pela Constituição Federal de 1988. Isto porque,
prescrevendo a Constituição competência para instituição de outros tributos sobre o
patrimônio e sobre operações financeiras, não pode a renda passível de tributação
corresponder ao valor da operação ou do patrimônio do contribuinte.
Assim, não se pode dizer que o imposto de renda tributa a operação de
transferência de bens imóveis, já que o valor envolvido em tal operação está sujeito ao
imposto de competência municipal (“ITBI”), nem tampouco a operação de aplicação em
títulos de renda fixa, pois tal materialidade é alcançada pelo chamado “imposto sobre
operações financeiras” (“IOF”)90. Ademais, não pode o imposto de renda incidir sobre a
manutenção da propriedade de bens móveis ou imóveis, per se, em função de a Constituição
traçar competência para tanto aos Estados (imposto sobre propriedade de veículos
automotores – “IPVA”), aos Municípios (imposto sobre propriedade territorial urbana –
“IPTU”) e à própria União (imposto sobre propriedade territorial rural – “ITR”).
A palavra “renda” deve guardar relação com a atividade de aplicação do
patrimônio ou da realização de operações; não o seu valor, mas o seu produto. O produto
dessa atividade humana, porém, somente é renda se for positiva, isto é, desde que acrescente
riqueza, pois o resultado negativo é considerado prejuízo e decresce o patrimônio existente ou
o valor investido.
88 “Direito Tributário Brasileiro” cit. p. 101. 89 “Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos)”, Malheiros, São Paulo, 2005, p. 33/34. 90 Nesta oportunidade, não se pode deixar de mencionar a crítica de Roberto Quiroga Mosquera a tal denominação, tendo em vista se tratar de quatro impostos e não apenas de um incidente sobre operações financeiras (“Tributação no Mercado Financeiro e de Capitais”, 2ª edição, Dialética, São Paulo , 1999, p. 112).
73
Já a expressão “proventos de qualquer natureza” vem significar, conforme
explicita Mizabel Abreu Machado Derzi, baseada no entendimento de Modesto Carvalhosa
sobre a matéria, a forma específica de rendimento tributável, tecnicamente compreendida
como o acréscimo patrimonial resultante de uma atividade que já cessou, mas que ainda
produz rendimentos, como os benefícios de origem previdenciária, pensões e aposentadoria. 91,
92
Ocorre, porém, que, ao se lapidar este conteúdo semântico, é necessário
verificar os princípios constitucionais elementares para imposição do imposto de renda, e, a
partir de então, acrescentar-se mais alguns dados à noção constitucional de renda, a fim de
identificar a renda passível de tributação pelo imposto de renda.
3.3 Princípios Constitucionais Tributários Aplicáveis ao Imposto de Renda
Humberto Ávila, em sua “Teoria dos Princípios” conceitua:
“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado das coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”. 93
Celso Antonio Bandeira de Mello, completa:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo,. No que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico...” 94
Com efeito, em qualquer das concepções adotadas na doutrina, é claro que o
princípio, o constitucional, por excelência, é que serve de parâmetro para nortear tanto a
91 Nota de atualização da obra de Aliomar Baleeiro “Direito Tributário Brasileiro”, 11ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 291. 92 No mesmo sentido, Roberto Quiroga Mosquera (“Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional”, cit. p. 61) e Geraldo Ataliba (apud Roberto Quiroga Mosquera, “Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional”, Dialética, São Paulo, 1996, p. 61). 93 “Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos”, 2ª edição, Malheiros, São Paulo, 2003, p. 70.
74
aplicação das leis e normas infralegais, quanto para a interpretação do próprio texto
constitucional. Por isso, em seu sentido amplo, os princípios constitucionais regem tanto as
normas (regras) constitucionais quanto as infraconstitucionais.
A fim de melhor compreender a extensão dessa afirmação, vale mencionar a
justa diferenciação feita pela doutrina entre regras e princípios. Neste sentido, Paulo
Bonavides95, Humberto Ávila96 e Willis Santiago Guerra Filho97, baseados no pensamento de
Dworkin e Robert Alexy, descrevem que diversos são os aspectos que diferenciam estes
daquelas.
A diferença principal está na sua estrutura deôntica, tendo em vista que a
regra tem por objeto fatos hipotéticos específicos. Já o princípio não corresponde a fatos
específicos, pois traduz-se em uma “prescrição programática genérica”. Há ainda diferenças
estruturais entre regras e princípios. Considerando-se a teoria tríade de Hans Kelsen, tem-se
que, nas regras, o elemento “valor” é implícito e o elemento “fato” é explícito, enquanto que
nos princípios, ocorre justamente o inverso: o valor é explícito e o fato é implícito. Quanto à
generalidade, os princípios apresentam alto grau, enquanto que as regras têm reduzido grau de
generalidade.
Diante dessas observações, é possível afirmar que os princípios guardam,
intrinsecamente, forte conteúdo pragmático, isto é, tomam por prioridade a ligação entre o
objeto e o seu utente.98 Isto porque, tal como descrito anteriormente, os princípios têm
expressivo conteúdo valorativo.
Posto isso, e retomando à análise sobre os princípios constitucionais
tributários aplicáveis ao imposto de renda, verifica-se que o parágrafo 2º do já mencionado
artigo 153, da Constituição Federal, prescreve que o imposto de renda é informado pelos
critérios de generalidade, universalidade e progressividade, na forma da lei99. Portanto, a
94 Apud Luis Roberto Barroso, ob. cit. p. 153. 95 Curso de Direito Constitucional, 14ª edição, Malheiros, São Paulo, p. 277. 96 “Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos”, cit., p. 28. 97 “Teoria da Ciência Jurídica”, Saraiva, São Paulo, 2001, p. 126 e seguintes. 98 A semiótica, compreendida, assim, a teoria geral dos signos, abrange a estruturação dos sistemas de comunicação. Com base na semiótica, é possível identificar três dimensões de linguagem: (i) sintática (relação dos signos com signos); (ii) semântica (relação dos signos com seu objeto); e (iii) pragmática (relação dos signos com seu usuário, com o homem). 99 “Art. 153. (...) § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; (...)”
75
incidência do imposto sobre a renda deve, obrigatoriamente, observar tais princípios, sob pena
de sua inconstitucionalidade.
Isso não significa afirmar que somente esses princípios são aplicáveis ao
imposto de renda. Ao contrário: o que se extrai desta disposição constitucional é que,
especificamente para o imposto de renda, além dos demais princípios constitucionais
tributários, é obrigatória a observância da generalidade, universalidade e progressividade.
Apesar de o texto da Carta Magna tratar desses elementos como “critérios”,
em verdade, correspondem a princípios, posto que se enquadram perfeitamente no contexto
anteriormente descrito, no tocante a esta espécie – têm alta carga valorativa, não prescrevem
condutas a fatos específicos, funcionando como verdadeiras prescrições programáticas
genéricas.
Especificamente no tocante ao princípio da generalidade, importa esclarecer
que, corolário do princípio da igualdade no âmbito tributário, ele alude à impossibilidade de o
ente tributante competente instituir qualquer diferenciação por critérios diversos daqueles
relacionados ao fato tributável pelo imposto – auferir renda ou proventos de qualquer
natureza. Com base neste princípio, torna-se inconstitucional qualquer tratamento
diferenciado entre contribuintes (desde que não vinculados ao elemento “renda”), quer seja
por condição social, raça, cor, origem etc..
Neste sentido, Mary Elbe Queiroz, em estudo sobre o imposto de renda das
pessoas físicas, assevera:
“A generalidade tem o seu uso mais comum como referindo-se a pessoas, no sentido de que todos, salvo os casos de imunidade, deverão submeter-se à imposição dos tributos, desde que realizem os respectivos fatos geradores. Saliente-se que somente poderá existir a possibilidade de o legislador poder criar exceções à generalidade, se destinadas a realizar a isonomia em consideração à capacidade contributiva”. 100
Enquanto o princípio da generalidade atua no campo subjetivo da hipótese
de incidência do imposto de renda, o princípio da universalidade está situado no campo
objetivo deste tributo. Isto porque corresponde à obrigatoriedade de o imposto sobre a renda
abranger todos os fatos positivos e negativos que contribuam para identificação da renda,
76
independentemente de sua fonte, origem ou natureza. É a imposição dada pela Constituição
contra qualquer distinção para tributação pelo imposto de renda segundo a procedência da
renda.
No que tange ao princípio da progressividade, o que pretendeu o
constituinte foi estabelecer que a fixação da(s) alíquota(s) do imposto de renda deve,
necessariamente, observar uma variação progressiva conforme o aumento da base de cálculo.
Este princípio corresponde, assim, a uma subdivisão (assim tomada pela sua função didática)
do princípio da capacidade contributiva, a seguir comentado.
A seu respeito, descreve Paulo Ayres Barreto:
“A renda auferida deve ser submetida à tributação, uma única vez, mediante a aplicação de alíquotas progressivas. Por força do princípio da progressividade, quanto maior for a renda passível de tributação, mais elevada será a alíquota aplicável. O constituinte não se satisfez com a mera proporcionalidade. Determinou a progressividade do imposto sobre a renda, a ser observada pelo ente tributante no exercício da sua competência impositiva.” 101
Além desses princípios, é possível destacar outros princípios que norteiam a
atividade do legislador ordinário federal, na instituição do tributo e sua majoração, bem como
servem como limites ao poder de tributar.
Dentre eles, está o princípio da igualdade, não apenas em sua extensão no
que tange à progressividade ou generalidade, mas em toda sua abrangência, assegurando que
contribuintes em mesma situação jurídica tenham mesmo tratamento tributário, e
contribuintes em situação jurídica diversa, tenham tratamento tributário diferente.102
Outro importante princípio norteador da incidência do imposto de renda é o
princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, retirado, também, da previsão
100 “Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – Tributação das Pessoas Físicas” in “Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho”, coord. Eurico Marcos Diniz de Santi, Forense, Rio de Janeiro, 2005, p. 445. 101 “Imposto sobre a Renda – Pessoa Jurídica” in “Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho”, cit. p. 771. 102 Não raramente apresenta-se o princípio da igualdade mediante o uso de uma expressão “todos são iguais perante a lei”. Especificamente no âmbito do Direito Tributário, o princípio da igualdade encontra-se presente, no artigo 150, II, da Constituição Federal, ao estabelecer que, para um fato imponível qualquer descrito em lei, todos os indivíduos que venham a inserir-se em seu contexto, estejam obrigados e recolher o tributo cobrado (“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
77
constitucional quanto à progressividade da incidência do imposto em questão. Trata-se de um
princípio que vem sendo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal103, a fim de assegurar que a
cobrança do imposto sobre a renda deve atender aos preceitos da adequação, necessidade e
ponderação, para que a previsão constitucional para tal tributo seja respeitada.
O princípio da irretroatividade é igualmente aplicável ao imposto sobre a
renda, sendo passível de alcance pelo imposto de renda instituído por lei, os fatos tributáveis
futuros, apenas. Da mesma forma, o princípio da anterioridade deve ser observado pelo
legislador, ao instituir a incidência do imposto sobre a renda, não sendo possível a sua eficácia
no mesmo exercício fiscal em que se deu a instituição ou majoração do tributo.
3.3.1 A Importância do Princípio da Capacidade Contributiva
Não obstante a indiscutível importância do papel exercido pelos princípios
constitucionais antes mencionados, destaca-se, para os fins do presente estudo, dois outros
princípios constitucionais tributários, de indispensável aplicação ao imposto de renda: o da
capacidade contributiva e o da vedação ao confisco.
O princípio da capacidade contributiva vem expresso no parágrafo 1º, do
artigo 145, da Constituição Federal de 1988 como “sempre que possível, os impostos terão
caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”.
Trata-se de princípio da igualdade refletido em termos objetivos para o campo da tributação, a
fim de resguardar que a riqueza ou o poder econômico sejam considerados quando da
equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.”). 103 “RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA TRIBUTÁRIA - SUBSTITUIÇÃO LEGAL DOS FATORES DE INDEXAÇÃO - ALEGADA OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADQUIRIDO E DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA - INOCORRÊNCIA - SIMPLES ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM MAJORAÇÃO DO TRIBUTO - RECURSO IMPROVIDO. - Não se revela lícito, ao Poder Judiciário, atuar na anômala condição de legislador positivo, para, em assim agindo, proceder à substituição de um fator de indexação, definido em lei, por outro, resultante de determinação judicial. (...) O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público - tratando-se, ou não, de matéria tributária - devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law" (CF, art. 5º, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade. Precedentes.” (RE-AgR 200844 / PR - Relator: Min. Celso de Mello - Julgamento: 25/06/2002 - Órgão Julgador: Segunda Turma).
78
estipulação do aspecto quantitativo da hipótese de incidência tributária, tratando iguais como
“iguais e desiguais como desiguais”.
O princípio da capacidade contributiva deve ser observado na instituição do
imposto sobre a renda, na medida em que a lei criadora deste tributo preveja forma de
mensuração de riqueza efetiva (e não potencial ou patrimonial), acrescida ao patrimônio ou
auferida pelo sujeito passivo direto. Neste tocante, vale destacar que alguns juristas (como
Luis Cesar Souza de Queiroz104) consideram que o princípio da capacidade contributiva, no
âmbito do imposto sobre a renda, tem também um aspecto subjetivo, qual seja o de considerar
aspectos pessoais do sujeito passivo, para definição da parcela de seu patrimônio a ser
destinada para pagamento do imposto.
Trata-se de um preceito que visa a personalizar a incidência tributária de
acordo com a situação econômica do sujeito passivo, concretamente identificado. É sabido
que cabe à lei prever cada valor específico a ser imputado a cada sujeito passivo, “mas sim
estruturar o modelo de incidência de tal sorte que, na sua aplicação concreta, tais ou quais
características dos indivíduos (número de dependentes, volume de despesas médicas etc.)
sejam levadas em consideração para efeito de quantificação do montante do imposto devido
em cada situação concreta”, conforme ensina Luciano Amaro105. Ou seja, não apenas a
alíquota deve variar segundo a capacidade econômica do sujeito passivo, mas também a sua
base de cálculo – que, no caso do imposto de renda, conforme pontuado pelo jurista, revela-se
pela dedução de despesas, autorizada por lei.
Marcelo Saldanha Rohenkohl, em dissertação recentemente apresentada
para conclusão do curso de mestrado nesta Casa, concluiu que o conteúdo do princípio da
capacidade contributiva é determinado, inexoravelmente, pela tutela dos direitos e garantias
fundamentais expressos na Constituição Federal. A aptidão econômica sujeita à incidência
tributária somente é identificada no espaço em que, pela tributação, não seja obstado o
exercício ou fruição de qualquer das garantias individuais (com o direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança, à propriedade, ao trabalho e à livre iniciativa).106
104 in “Imposto sobre a Renda – Requisitos para uma Tributação Constitucional”, Forense, Rio de Janeiro, 2003. 105 “Direito Tributário Brasileiro”, cit. p. 140. 106 “O Princípio da Capacidade Contributiva no Estado Democrático de Direito (Dignidade, Igualdade e Progressividade na Tributação)”, PUC/SP, São Paulo: 2006, p. 189.
79
Com efeito, o princípio da capacidade contributiva confere ao legislador
tributário o dever de apurar a capacidade econômica do contribuinte a partir da preservação
do mínimo vital e do direito ao trabalho e à livre iniciativa. Partindo-se dessa limitação, é que
o imposto de renda poderá ser mensurado, graduando suas alíquotas segundo a possibilidade
econômica pessoal do contribuinte.
Interessante observar que a capacidade contributiva está relacionada
diretamente à materialidade do imposto, e, com isso, toma por “capacidade econômica”, o
elemento que se insere nesta materialidade. Assim, os impostos sobre o patrimônio podem
variar segundo o tamanho deste patrimônio (o seu valor econômico, venal, de mercado etc.),
independentemente de o seu proprietário gozar de situação financeira compatível ou não com
tal patrimônio.
No tocante ao imposto de renda, tal problemática pode ser atenuada, posto
que, sendo a materialidade do imposto a própria renda, a capacidade contributiva pode ser
medida, efetivamente, pela capacidade econômica do sujeito passivo, e, assim, tributar mais
quem ganhar mais e tributar menos quem ganhar menos.
Para medir a capacidade contributiva basicamente dois métodos são
difundidos: o da progressividade e o da proporcionalidade. A proporcionalidade se concretiza
pela definição de um percentual fixo sobre a base de cálculo legalmente definida, onerando
todos os sujeitos passivos, proporcionalmente à extensão da base de cálculo a eles imponível.
Já a progressividade se fundamenta na fixação de alíquotas progressivas (ou
regressivas, conforme o caso), para bases de cálculo também progressivas (ou regressivas,
sendo o caso). Assim, o percentual ou o valor fixo atribuído como alíquota varia em
progressão geométrica de acordo com a variação geométrica da base de cálculo apurada,
pagando mais quem pode mais e pagando menos, quem pode menos.
O método da proporcionalidade, apesar de propagado para todos os impostos
submetidos ao princípio da capacidade contributiva, recebe crítica de grande parte da
doutrina, que entende não ser ele capaz de efetivar a justiça social que se procura assegurar no
parágrafo 1º, do artigo 145, da Constituição Federal.
Roque Antonio Carraza afirma que a proporcionalidade chega até mesmo a
desatender ao princípio da capacidade contributiva, pois “se alguém ganha 10 e paga 1, e
80
outrem ganha 100 e paga 10, ambos estão pagando, proporcionalmente, o mesmo tributo
(10% da base de cálculo). Apenas, o sacrifício econômico do primeiro é incontendivelmente
maior” 107.
No mesmo sentido, Luciano Amaro108 e Humberto Ávila109.
Para o imposto de renda, especificamente, verifica-se que o artigo 153, em
seu parágrafo 2º, I, exige expressamente que a capacidade contributiva seja apurada segundo a
progressividade das alíquotas, de tal forma que, no âmbito deste imposto, o princípio da
capacidade contributiva seja sobreposto pelo princípio da progressividade, no tocante à
fixação das alíquotas.
O entendimento que se extrai dessa análise, é que as alíquotas do imposto de
renda deverão ser progressivas, sendo mais altas, tanto maior seja a renda auferida pelo
indivíduo. E a renda, para estes fins, também objeto é da aplicação do princípio da capacidade
contributiva, na medida em que corresponderá à base de cálculo do imposto, líquida da
dedução das despesas necessárias, realizadas pelo indivíduo.
Por fim, vale mencionar que o atendimento ao princípio da capacidade
contributiva conviver com característica extrafiscal de determinados tributos.
A extrafiscalidade corresponde à técnica usada para imputar à configuração
dos tributos, elementos que possam nortear seus comportamentos, de forma a estimular ou
desestimular determinadas ações, julgadas de relevante interesse público, seja no âmbito
social, político, monetário ou econômico.
Isso não significa afirmar que a extrafiscalidade possa afastar a aplicação
por completo desde princípio. Mesmo porque, a extrafiscalidade, conforme explica Paulo de
Barros Carvalho, somente pode ser exercida se observados os contornos da competência
tributária. Confira-se:
“Consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser o próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos
107 “Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 83. 108 “Direito Tributário Brasileiro”, cit. p. 141. 109 “Sistema Constitucional Tributário”, cit. p. 361.
81
parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim os expressos que os implícitos”. 110
Assim, em se tratando de imposto de renda, a extrafiscalidade somente é
exercida se a hipótese de incidência atingida contemplar a observância do princípio da
capacidade contributiva.
Neste sentido, considerando-se, hipoteticamente, o imposto de renda sendo
fixado, por exemplo, sobre rendimentos e ganhos em aplicações financeiras, segundo
alíquotas progressivas em conformidade com o aumento da base de cálculo, e que
contemplasse um adicional de alíquota em caso de resgate da aplicação financeira antes de
determinado prazo, estaria respeitando os princípios da capacidade contributiva e da
progressividade, e, ao mesmo tempo, conteria regra válida de extrafiscalidade.
Neste caso, haveria um aumento de alíquota especificamente para atender à
extrafiscalidade, buscando-se incentivar a manutenção dos recursos em aplicação, a fim de
propiciar o alongamento das dívidas do País, sem, contudo, deixar de mensurar a capacidade
econômica do sujeito passivo. Esta situação hipotética iria ao encontro da definição dada por
Roque Antonio Carrazza a este instituto: “Há extrafiscalidade quando o legislador, em nome
do interesse coletivo, aumenta ou diminui as alíquotas e/ou as bases de cálculo dos tributos,
com o objetivo principal de induzir os contribuintes a fazer ou a deixar de fazer alguma
coisa.” 111
Por outro lado, o imposto de renda que tenha suas alíquotas baseadas
exclusivamente no período de manutenção das aplicações financeiras, sem mensurar a
capacidade econômica do sujeito passivo, quer parecer inconstitucional por violar o princípio
da capacidade contributiva e o da progressividade, em prevalência da finalidade meramente
extrafiscal.
A este respeito, ver-se-á adiante um caso concreto em que o imposto de
renda é fixado segundo alíquotas regressivas de acordo com o prazo de manutenção dos
recursos no plano de previdência privada, sendo menor a alíquota quanto maior o prazo de
acumulação nos valores no plano. Neste caso, conforme será demonstrado, a lei não faz
110 “Curso de Direito Tributário”, cit., p. 236. 111 “Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 101.
82
qualquer distinção quanto à base de incidência do tributo, variando a alíquota do imposto
exclusivamente em função do tempo de aplicação financeira do contribuinte, e não em função
da sua capacidade econômica.
3.3.2 A Limitação Imposta pelo Princípio da Vedação ao Confisco
Presente em diversos sistemas jurídicos, a vedação ao confisco, no
ordenamento jurídico brasileiro, está previsto no artigo 150, IV, da Constituição Federal.
Conforme anteriormente descrito, apesar de a Constituição expor um perfil
geral de cada tributo, descrevendo sua materialidade possível, seus sujeitos ativo e passivo
possíveis, sua base de cálculo e alíquota possíveis, é a lei que institui o tributo que deve
prever esses elementos in concreto. Pois bem, a vedação ao confisco – ou o “não-confisco”,
como alguns preferem denominar112 – atinge especificamente um desses elementos ou
elementos da regra-matriz tributária: o quantitativo.
O aspecto quantitativo da hipótese de incidência de um tributo corresponde,
basicamente, conforme restará descrito a seguir, à sua alíquota e à sua base de cálculo. Tais
elementos não precisam estar claramente descritos na lei, basta apenas que constem como a
grandezas eleitas pelo legislador (com fundamento na competência atribuída pela
Constituição Federal), a fim de dimensionar o fato que gera a cobrança do tributo.
Justamente por se referir aos elementos que mensuram o “peso” do tributo,
ou seja, a quantidade de dinheiro a ser entregue aos cofres públicos, é que o aspecto
quantitativo está intimamente ligado ao princípio da vedação ao confisco.
O princípio da proibição ao confisco apresenta-se como uma garantia ao
direito de propriedade, de forma a coibir ações do poder tributante, que tenham por
conseqüência restringir o direito dos cidadãos de usufruir seus próprios bens e direitos
legitimadamente adquiridos.
112 Estevão Horvath, “Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário”, Dialética, São Paulo, 2002.
83
É evidente que qualquer cobrança de tributos atinge a propriedade dos
indivíduos, uma vez que é de sua essência a entrega de recursos ao Poder Público competente.
Contudo, pretende-se, com a vedação ao confisco, limitar esse poder-dever que os entes
públicos detêm para retirar parcela do patrimônio dos indivíduos com o fim de arrecadar
tributos.
É o que expõe Sasha Calmon Navarro Coelho:
“A teoria do confisco e especialmente do confisco tributário ou, noutro giro, confisco através de tributo, deve ser posta em face do direito de propriedade individual, garantida pela Constituição. Se não se admite a expropriação sem justa indenização, também se faz inadmissível a apropriação através da tributação abusiva”. 113
A medida do confisco é, portanto, a medida do abuso, em que o tributo deixa
de ser encargo da atividade do cidadão ou da empresa e passa a comprometer a própria
atividade ou subsistência de sua fonte produtora114. Em outras palavras, o confisco serve
como padrão de tributação tido como suportável, razoável.
O texto constitucional determina que:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV - utilizar tributo com efeito de confisco; (...)”
Diante desta redação, é possível, desde já, inferir que: (i) a proibição
inserida neste dispositivo constitucional aplica-se a todos os tributos; (ii) há vedação para
qualquer utilização de tributo que tenha efeito confiscatório. Assim, o que se proíbe é haja
efeito de confisco na utilização de tributos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Efeito confiscatório, no âmbito do direito tributário, deve ser entendido
como o resultado da cobrança de determinado tributo que represente excessiva exação. Em
outras palavras, o efeito confiscatório é identificado quando, diante de determinada exigência
113 In “O Controle da Constitucionalidade das Leis e o Poder de Tributar na Constituição de 1988”, 3ª edição, Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 457. 114 Neste tocante, vale mencionar as palavras de Ricardo Conceição Souza, in “Regime Jurídico das Contribuições”, Dialética, São Paulo, 2002, p. 115: “Haverá confisco quando o tributo ou sua respectiva carga absorver os meios de produção de riqueza do contribuinte, impossibilitando-lhe de produzir, se for pessoa jurídica, ou de viver com dignidade, se for pessoa física.”
84
tributária, o sujeito passivo tenha que se privar de elementos necessários à sua subsistência ou
ao exercício de suas atividades.
Trata-se, portanto, de uma conseqüência – por isso “efeito” – de uma atitude
de cunho confiscatório adotada pelo ente tributante, em relação aos sujeitos passivos
submetidos à incidência do tributo.
Tributo confiscatório, então, pode ser entendido como todo aquele que,
isoladamente, seja capaz de comprometer a fonte produtora do bem, direito ou serviço sujeito
à tributação.
Ao tratar de utilização de tributo efeito confiscatório, o que a Constituição
Federal de 1988 pretendeu proteger o sujeito passivo contra tributação insuportável,
qualquer(quaisquer) que seja(m) a(s) modalidade(s) de tributo escolhida(s) para tanto.
Não há, porém, até os dias atuais uma definição legal sobre qual o limite que
determinado tributo ou todos os tributos devem observar para não serem tidos como
confiscatórios.
No passado, porém, Ives Gandra Martins destaca que já houve tentativa de
se estabelecer tal limite. O jurista faz referência ao anteprojeto de lei, elaborado pelo então
senador Fernando Henrique Cardoso, para alteração do CTN, com vistas a disciplinar ao
disposto no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. O referido anteprojeto
continha a seguinte redação:
“Art. 7º Considerar-se-á caracterizada a utilização de tributo com efeito de confisco sempre que seu valor, na mesma incidência, ou em incidências sucessivas, superar o valor normal de mercado dos bens, direitos ou serviços envolvidos no respectivo fato gerador ou ultrapassar 50% do valor das rendas geradas na mesma incidência. (...) §2º Para os efeitos deste artigo computar-se-ão todos os tributos federais, estaduais ou municipais, que incidam no bem, direito ou serviço com fatos geradores simultâneos, ou decorrentes de um único negócio.” 115
Tal projeto, porém, não foi levado adiante, sendo possível hoje uma
aplicação bastante subjetiva sobre o limite de incidência de tributos, sem que sejam
“utilizados com efeito de confisco”.
115 “A Abertura de Espaços Comunitários, Carga Tributária, Capacidade Contributiva e Efeito-Confisco”, in “Grandes Questões Atuais do Direito Tributário”, 8º vol., Dialética, São Paulo, 2004, p. 235 e 237.
85
A vedação ao confisco, não se pode ouvidar, é claramente aplicável ao
imposto sobre a renda, e, este, por sua essência, deve observá-lo de forma objetiva, afastando
qualquer efeito do tributo que tenha por conseqüência a inviabilidade de práticas de atividades
ou da subsistência do contribuinte.
Neste sentido, certas situações práticas podem delinear alguns dos limites a
que se submete o legislador federal, ao definir a incidência do imposto de renda. É o caso, por
exemplo, de se tributar a fonte produtora de riqueza (o que invibilizaria o auferimento de
renda e de patrimônio, e o exercício de atividades econômicas) e a correção monetária de
valores (que apenas traz a valor presente determinado montante em dinheiro).
Ademais, apesar de se tratar de um conceito bastante subjetivo, fala-se ainda
de a tributação, especialmente a que se impõe sobre a renda, respeitar o mínimo existencial,
para uma vida digna do indivíduo. Neste tocante, o princípio da vedação ao confisco chega
mesmo a confundir-se com o princípio da capacidade contributiva, conforme palavras de
Elcio Fonseca Reis:
“O mínimo existencial é visto como limite mínimo para a capacidade contributiva, na medida em que a renda consumida na manutenção da vida digna, ou seja, aquela que assegure um mínimo de dignidade para o exercício da cidadania não pode ser posta sob o enfoque da norma de tributação, por não denotar capacidade contributiva. A capacidade contributiva tem como limites, de um lado, o mínimo existencial ligado à dignidade da pessoa humana e, de outro, a propriedade ligada à vedação de tributos confiscatórios. Dentro desses limites há capacidade contributiva passível de ser tributada pelo imposto de renda.” 116
Porém, outros tantos aspectos do princípio da não-confiscatoriedade podem
ser identificados juridicamente, sempre à margem das limitações ao poder de tributar e ao
princípio da capacidade contributiva. Importante, face mesmo à ausência de definição precisa
constitucional sobre o tema, é verificar, em toda e qualquer norma que estatua hipóteses de
incidência tributária, a razoabilidade e a garantia aos direitos fundamentais dos cidadãos,
como o da livre iniciativa117, bem como garantir o mínimo existencial.
116 “O Imposto de Renda das Pessoas Físicas e a Dignidade da Pessoa Humana. Intributabilidade do Mínimo Existencial”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 65, fev/2001, p. 39. 117 Neste sentido, Roque Antonio Carrazza, in “Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 94.
86
3.4 A Renda Passível de Tributação pelo Imposto de Renda
Aqui chegados, torna-se possível a combinação das conclusões parciais
apontadas anteriormente com o conteúdo dos princípios constitucionais tributários
anteriormente comentados, a fim de identificar a abrangência da renda passível de tributação
pelo imposto de renda.
Vê-se, primeiramente, que, em razão das demais competências tributárias
atribuídas na Constituição, a renda tributável pelo imposto de renda não pode corresponder ao
valor de determinada operação nem ao valor dos bens móveis ou imóveis de que se tenha
propriedade. A “renda” em questão deve corresponder ao produto da atividade de aplicação
do patrimônio ou da realização de operações, e não ao valor da operação realizada ou do
patrimônio aplicado.
Ademais, sendo renda aquilo que acrescente riqueza, o imposto somente
pode incidir sobre resultados positivos auferidos pelo sujeito passivo. Isto reflete-se pela
aplicação do princípio da capacidade contributiva, segundo o qual, conforme já exposto, o
imposto há de conter a mensuração da capacidade econômica do sujeito passivo, em
consonância com a materialidade por ele (imposto) alcançada. Isto quer dizer que o imposto
de renda deve ser instituído com base na capacidade econômica mensurada pela renda
auferida pelo sujeito, e a renda do sujeito não considera, por essência, resultados negativos.
Seguindo nesta linha, acrescenta-se ainda que a renda, sujeita ao imposto
federal, há de ser o resultado positivo líquido auferido pelo indivíduo, retirando-se a parcela
investida ou a perda incorrida. Caso contrário, estar-se-á tributando o patrimônio ou o
prejuízo (e não o acréscimo de riqueza), em ofensa ao princípio da capacidade contributiva.
No tocante ao princípio da vedação ao confisco, extrai-se que a renda
passível de tributação pelo imposto federal não pode corresponder à reposição patrimonial,
quer sob a denominação de indenização ou mera devolução do capital investido. Com efeito,
por não representarem acréscimo de riqueza nova (posto que a já acumulada é capital ou
patrimônio) não podem estar compreendidas no espectro de incidência do tributo em tela, sob
87
pena de se atingir a fonte produtora da renda – o que, conforme visto, é banido pelo princípio
do não-confisco.
Neste tocante, são palavras de Mizabel Abreu Machado Derzi:
“Será inconstitucional, então, a lei federal que tribute a receita representativa de mera reposição de bens patrimoniais (por terem, sido objeto de aplicação de capital da pessoa), como pagamento de capital ou reembolso das despesas feitas para produção da receita, inclusive royalties. Nem se pode tributar o preço da alienação do bem, que é mera reposição do capital investido, se não há ganho real. Muito menos é tributável a verdadeira e própria indenização, que é simples recomposição de perdas patrimoniais”. 118
Especificamente sobre a importância da tributação do resultado positivo
líquido auferido, lembra o professor Roque Antônio Carrazza que se trata de corolário do
princípio da universalidade, segundo o qual, conforme descrito em linhas anteriores, o
imposto de renda deverá abranger todos os fatos positivos e negativos que contribuam para
identificação da renda, independentemente de sua fonte, origem ou natureza. 119
Mizabel Abreu Machado Derzi, em outra passagem vem confirmar: a
exclusão das despesas a fim de alcançar a renda líquida tributável é decorrência justamente da
conjunção do princípio da capacidade contributiva e do princípio da vedação ao confisco.
Confira-se:
“A pessoalidade é própria e tecnicamente adequada à apuração da capacidade econômica. Entretanto, só se ajusta, de fato, aos impostos sobre a renda percebida, sobre o patrimônio e seus acréscimos. Essa capacidade só se inicia após deduzidos os custos e gastos necessários à aquisição, produção e manutenção da renda ou do patrimônio (art. 145, §1º). Antes disso, não há capacidade contributiva, sendo confiscatória a tributação: a) que reduza substancialmente o patrimônio, impedindo a sua manutenção; b) que atinja o mínimo vital, como definido no ar. 7º, VI, da Constituição Federal, indispensável a uma existência digna, pessoal e familiar do contribuinte; c) que obste o consumo dos gêneros de primeira e média necessidade.” 120
Neste sentido, devido a estas características, o conceito de “renda e
proventos de qualquer natureza” é assim expressado por Luis Cesar Souza de Queiroz:
“Renda e proventos de qualquer natureza (ou renda em sentido amplo ou simplesmente Renda) é conceito que está contido nas normas constitucionais
118 Nota de atualização da obra de Aliomar Baleeiro em “Direito Tributário Brasileiro”, cit. p. 287. 119 “Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos)”, cit. p. 40. 120 Nota de atualização da obra de Aliomar Baleeiro em “Direito Tributário Brasileiro”, cit. p. 318.
88
relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e que designa o acréscimo de valor patrimonial, representativo da obtenção de produto ou de simples aumento no valor do patrimônio, apurado, em certo período de tempo, a partir da combinação de todos os fatos que contribuem para o acréscimo de valor de patrimônio (fatos-acréscimos) com certos fatos que, estando relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas à preservação da existência, com dignidade, tanto da própria pessoa quanto de sua família, contribuem para o decréscimo de valor de patrimônio (fatos-decréscimos).” 121
Note-se que o referido autor, ao tratar de “fatos-acréscimos” e “fatos-
decréscimos”, a fim de destacar que o perfil constitucional da renda somente admite a sua
tributação sobre a renda líquida, ainda ressalta, em linha com o princípio da vedação ao
confisco, que a exclusão das despesas da renda auferida justifica-se por tais despesas estarem
vinculadas às necessidades de subsistência pessoal e familiar, com dignidade.
A reforçar tudo o quanto ora exposto, vale citar trecho da obra de Humberto
Ávila em que ele concorda com este posicionamento:
“O conceito de renda é construído a partir do postulado da coerência substancial. Desse postulado decorre o dever de analisar, de um lado, os princípios constitucionais fundamentais na sua concretização tributária (o princípio da igualdade, art. 5º, caput, e art. 150, II, a inviolabilidade da dignidade humana, art. 1º, os direitos fundamentais de liberdade, art. 1º, art. 5º, caput, e incisos II, XXII, XXIII, e art. 150) e, de outro lado, os princípios gerais tributários previstos no Sistema Tributário Nacional (pessoalização dos tributos e capacidade contributiva, art. 145, §1º) e aqueles aplicáveis ao imposto sobre a renda (generalidade, universalidade e progressividade). O conceito de renda, apesar de não expressamente instituído, decorre de uma conexão entre direitos fundamentais, princípios constitucionais fundamentais e gerais e regras de competência. Dessa conexão decorrem algumas conseqüências: (i) os gastos indispensáveis para existência pessoal e da família
devem ser desonerados; (ii) os gastos indispensáveis para o livre exercício da atividade
econômica ou para a manutenção da fonte produtora de riqueza devem ser desonerados.
O conceito legal de renda deve ser, portanto, definido de modo a abranger apenas o resultado líquido entre receitas e despesas em determinado período de tempo.” 122
Por tudo isso, acredita-se que a lei ordinária da União, no tocante à
incidência do imposto de renda, deve considerar como sua materialidade (renda
constitucionalmente passível de tributação): (i) o produto da atividade de aplicação do
patrimônio ou da realização de operações, e não ao valor da operação realizada ou do
patrimônio aplicado; assim considerados os (ii) resultados positivos auferidos pelo sujeito
121 in “Imposto sobre a Renda – Requisitos para uma Tributação Constitucional”, Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 263. 122 “Sistema Constitucional Tributário”, cit. p. 366.
89
passivo; apurados (iii) após a dedução da parcela investida ou a perda incorrida, e dos gastos
necessários à sua subsistência ou à manutenção da fonte produtora da renda (resultado
líquido); (iv) excluindo-se qualquer forma de reposição patrimonial.
90
Capítulo IV - A Hipótese de Incidência do Imposto de Renda e a Formação de sua
Regra-Matriz
Partindo-se do conceito de tributo, essencialmente aquele “desenhado” pela
Constituição Federal, é possível destacar entre um dos seus elementos primordiais a
necessária vinculação à lei (princípio da legalidade123). Isto porque, é a norma tributária que
definirá todos os critérios componentes do fato, eleito como ensejador da obrigação tributária
de “transferir dinheiro aos cofres públicos” – excluindo-se, aí, as demais hipóteses de entrega
de recursos ao Estado, decorrente de penalidades, disposições contratuais ou danos124.
A norma tributária tem o mesmo tratamento e efeito que as demais normas
jurídicas, ou seja, o de determinar um comportamento para sujeitos em sociedade, criando
relações jurídicas (mandamento). Há, porém, uma qualificação própria da norma tributária,
que é justamente descrever o fato imponível.
O fato imponível consiste no fato hipoteticamente descrito na lei, como
gerador da obrigação tributária; é o fato que, quando verificado concretamente de forma
completa (isto é, em todos os seus contornos descritos na norma), gera a obrigação de recolher
o tributo.
Desta concepção decorre, portanto, a conclusão de que a lei tributária, que
define as circunstâncias hipotéticas do fato imponível, deve ser anterior à concretização do
fato em si.
Em termos formais, Geraldo Ataliba critica a utilização da expressão “fato
gerador” para designar tanto a descrição hipotética do fato imponível, quanto a sua realização
propriamente dita; a não ser que haja a diferenciação do “fato gerador in abstracto” como
hipótese de incidência, em relação ao “fato gerador in concreto”, assim tido o fato imponível
propriamente125.
123 Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)” 124 Código Tributário Nacional: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” 125 “Hipótese de Incidência Tributária”, 6ª edição, Malheiros, São Paulo, 2005, p. 55.
91
Para este jurista, hipótese de incidência é a denominação mais adequada
para se referir à “descrição legal, hipotética, de um fato, estado de fato ou conjunto de
circunstâncias de fato”, e fato imponível, o termo próprio para conceituação do fato
efetivamente acontecido, no tempo e no espaço, “configurando rigorosamente a hipótese de
incidência”126.
Outros estudiosos, concordando com tal posicionamento, apenas variam em
substituir a expressão “fato imponível” por “fato gerador”, mas sem confundi-lo, porém, com
a hipótese de incidência tributária (ou hipótese tributária).127
A importância desta distinção reside na linha lógica e cronológica da
incidência do tributo: primeiro deve haver a previsão legal atribuindo determinados efeitos a
certas circunstâncias de fato (previsão hipotética, por isso “hipótese de incidência”) e depois o
seu acontecimento, capaz de produzir os efeitos previstos em lei, gerando, assim, a obrigação
de pagar o tributo (por isso “fato gerador”).
Característica destacável da hipótese de incidência é a de que, enquanto
conceito geral, não pode conter descrição do objeto conceituado (fato que enseja a obrigação
tributária), mas apenas o espelhar, mediante menção a seus elementos destacados deste objeto.
Estes elementos, conjuntamente, indicam quais as circunstâncias que são capazes de gerar os
efeitos tributários pretendidos – de recolhimento do tributo.
Assim, é possível encontrar, na norma tributária, muitos elementos ou
poucos elementos do fato descrito hipoteticamente como gerador da obrigação tributária,
sendo que, num ou noutro caso, isto é, havendo muitos ou poucos caracteres da situação
hipotética, todos aqueles descritos são considerados para definição do fato imponível,
concretamente realizado, para fins de imputação da obrigação tributária. Havendo outros,
quaisquer que sejam, não mencionados na hipótese de incidência, não são necessários para
delimitação do espectro de incidência tributária.
Para exemplo, poder-se-ia mencionar como hipótese de incidência do
imposto de renda “aquele que auferir rendimentos decorrentes do trabalho assalariado estará
obrigado a recolher o imposto de renda à alíquota de X%”. Diante dessa hipótese, o sujeito
126 Op. cit. p. 54. 127 Neste sentido, Hugo de Brito Machado in “Curso de Direito Tributário”, 23ª edição, Malheiros, 2003, p. 124.
92
que auferir rendimento, em função do desenvolvimento de trabalho assalariado, estaria
submetido à obrigação de recolher, aos cofres públicos, X% do seu rendimento auferido.
Note-se que, neste caso, a hipótese de incidência não descreve outros
elementos que podem ser vislumbrados concretamente – como o dia em que se aufere o
rendimento, o local, quem é a fonte pagadora dos recursos, o tipo de trabalho assalariado que
foi desenvolvido, se o auferimento do rendimento deu-se por meio de crédito em conta
bancária ou por cheque nominal etc..
Assim, no exemplo em questão, desde que auferido o rendimento decorrente
do trabalho assalariado (seja ele auferido no dia 1, 2 ou 3 ou outro do mês, em qualquer
cidade do País ou fora dele, sendo a fonte pagadora pessoa física ou jurídica,
independentemente de o trabalho ser decorrente da prestação de serviços de venda, de
consultoria, de vigilância ou outro, e sendo o referido rendimento recebido em cheque,
dinheiro ou crédito em conta bancária), estaria o sujeito passivo obrigado a pagar o imposto
de renda à alíquota de X%.
Outro ponto de destaque para a hipótese de incidência é o seu caráter
unitário. Cada hipótese descrita em lei vale apenas para um e somente um tributo, assim como
cada tributo tem uma e somente uma hipótese de incidência.
O fato imponível descrito hipoteticamente na norma tributária confere-lhe
apenas determinado tributo. Isto não quer dizer, porém, que, de um mesmo fato concreto e sua
repercussão no mundo fenomênico não possa ensejar a incidência de tributos diversos. Vender
uma casa, por exemplo, pode acarretar a incidência do imposto sobre transmissão de bens
imóveis (“ITBI”), e o produto da alienação pode estar sujeito ao imposto de renda, por ter
possivelmente gerado, para o alienante, rendimento tributável.
Observe-se, porém, que, nestes casos, não atribui a lei um mesmo fato
imponível para dois tributos. Para o ITBI definiu-se a transmissão onerosa do bem imóvel;
enquanto que, para o imposto de renda, a hipótese descrita na lei é auferir rendimento ou
ganho de capital decorrente da alienação de imóvel. Assim sendo, neste exemplo comentado,
havendo transmissão do bem, por preço inferior ao custo de sua aquisição para o alienante, há
incidência do ITBI, mas não do imposto de renda.
93
Geraldo Ataliba conceitua fato imponível como sendo “fato concreto,
localizado no tempo e no espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por
corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela h.i. legal –
dá nascimento à obrigação tributária”128.
Com efeito, o fato gerador ou imponível, é o fato ocorrido externamente,
contemplado ipsis literis na hipótese de incidência descrita na norma tributária, exceto pelas
variáveis antes comentadas, que não interferem para sua caracterização como fato ensejador
da obrigação tributária.
Por isso afirmar-se que “o fato imponível é um fato jurígeno (fato
juridicamente relevante) a que a lei atribui a conseqüência de determinar o surgimento da
obrigação tributária concreta” (Geraldo Ataliba129). É, pois, um fato qualquer, passível de
ocorrência, que é tomado hipoteticamente na norma tributária, a fim de criar o liame
obrigacional tributário entre o sujeito ativo e o sujeito passivo.
Salienta-se que se trata, efetivamente, de um fato jurídico, e não de um ato
jurídico, pois independe da vontade das partes envolvidas – sujeitos ativo e passivo –, já que o
liame obrigacional criado pela norma tributária não está condicionada à voluntariedade de um
ou outro sujeito.
Assim, ainda que para realização do fato imponível tenha o sujeito passivo
agido mediante ato de vontade (este sim, ato jurídico), não depende de sua vontade o efeito
tributário a ele subjacente.
Em termos práticos, retomando-se o exemplo da venda do imóvel, o
alienante, pressupõe-se, agiu mediante a manifestação expressa de sua vontade ao se desfazer
de propriedade sua – ato jurídico. Mas não o fez com a finalidade de alcançar a hipótese de
incidência do ITBI. A incidência deste tributo foi conseqüência imposta legalmente (e não
voluntariamente) do fato ocorrido (fato imponível – venda do imóvel).
Por isso, justifica-se a afirmação de Geraldo Ataliba: “se a lei colocar como
aspecto material da hipótese de incidência um fato que para outros ramos do direito é
voluntário, para o direito tributário esse fato será fato jurídico simplesmente, sendo
128 Op. cit. p. 68. 129 Op. cit. p. 68.
94
indiferente sua classificação como fato voluntário. (...) Para o direito tributário a única
vontade relevante, juridicamente, é a vontade da lei (...) ”130.
O fenômeno de adequação perfeita entre a hipótese de incidência e o fato
imponível é denominado “subsunção”.
É como se fosse possível imaginar o desenho de uma linha constante, que
corresponderia à hipótese de incidência, e uma parábola que consistiria nos fatos ocorridos no
mundo fenomênico, sendo que o ponto de encontro da linha contínua e da parábola é o fato
imponível, ensejador da obrigação tributária, tal como descrito em lei.
É preciso observar que, como somente com base na hipótese de incidência é
que se torna possível verificar, posteriormente o vínculo obrigacional entre o Estado e o
sujeito passivo tributário, também somente com a ocorrência do fato imponível é que se dá o
nascimento da obrigação tributária.
Interessante observar, neste ponto, que, assim como cada hipótese de
incidência está para um, e somente um, tributo, cada fato imponível dá ensejo a uma, e
somente uma, obrigação tributária. Em outras palavras, a hipótese de incidência de
determinado tributo pode contemplar inúmeros fatos imponíveis, porém, cada um deles,
ocorridos concretamente, dá origem a apenas uma obrigação tributária; assim, haverá tantas
obrigações tributárias quantos sejam os fatos geradores ocorridos.
Para identificar-se como está estruturada a hipótese de incidência de um
tributo, Geraldo Ataliba aponta para seus aspectos, consistindo a hipótese de incidência na
reunião desses aspectos.
Trata-se, em verdade, de “elementos” do fato descrito hipoteticamente na
norma tributária como ensejador do nascimento da obrigação tributária. São, pois, os
contornos da situação descrita na lei (como, se e quando verificada), que criará a obrigação de
recolher tributo aos cofres públicos.
Estes aspectos devem estar todos presentes nas normas que disciplinam a
regra geral de incidência do tributo, ainda que não sejam explicitamente descritos como tal, e
ainda que presentes de forma esparsa, em normativos distintos.
130 Op. cit. p. 72.
95
Estes aspectos são cinco: aspecto material, aspecto temporal, aspecto
subjetivo, aspecto espacial e aspecto quantitativo.
Paulo de Barros Carvalho, ao tratar da matéria, prefere referir-se a estes
elementos como critérios. Com isso, busca descrever que a hipótese de incidência tributária
possui uma estrutura cujos critérios de identificação resultam na formação de uma verdadeira
matriz. Debruçando-se ao estudo desse tema, o jurista verifica o conteúdo desses critérios e
analisa a sua forma de estruturação lógica, a formar a chamada regra-matriz tributária131.
A regra-matriz contém os cinco critérios, sendo três deles (material espacial
e temporal) alocados na parte da regra-padrão do tributo que descreve a hipótese132
(denominado antecedente), e os dois outros (subjetivo e quantitativo) localizados no
conseqüente da regra-matriz tributária, em que se prescreve a norma jurídica tributária.
Por se tratar de norma jurídica, o liame que intercede o antecedente e o
conseqüente da regra-matriz tributária é um dever-ser implicacional, posto que não cria um
vínculo de causalidade, mas de imputação deôntica.
Nas palavras do professor:
“A obra reconstrutiva da norma não estará acabada se não insistirmos no elo de ligação que se estabelece entre a proposição hipótese e a proposição tese, ou, em outros signos, entre o antecedente e o conseqüente. Repousa aí o nexo especialíssimo, a marca indelegável do jurídico-normativo, o dever-ser, o deôntico, que faz com que as leis do direito sejam substancialmente diferentes das leis naturais. (...) Entre a descrição factual e o regramento da conduta incide laço imputativo – a imputação deôntica. Se A ocorrer, deve-ser B, ou se A, então deve-ser B. Diverso é o que se passa com as leis da natureza, guiadas pelo princípio da causalidade – se A for, B também será, ou se A, então B.” 133
A regra-matriz, portanto, forma-se pela combinação dos critérios material,
espacial, temporal (como antecedentes) e subjetivo e quantitativo (como conseqüentes),
ligados pelo vínculo de implicação deôntica: dever-ser.
131 “Curso de Direito Tributário”, cit., p. 256. 132 A “descrição” do fato, contida na hipótese da regra-matriz de incidência, está inserida no contexto da prescrição normativa, pois se vincula diretamente com a “prescrição” da conduta (prevista no conseqüente do enunciado proposicional normativo). “Por isso, os conceitos jurídicos veiculados na hipótese não estão sujeitos aos valores de verdade ou falsidade, como as proposições descritivas que os cientistas emitem. As hipóteses das normas jurídicas valem ou não valem, como também as respectivas conseqüências (prescritores) têm validade ou invalidade”, explica Paulo de Barros Carvalho (“Curso de Direito Tributário”, cit. p. 256). 133 “Curso de Direito Tributário”, cit., p. 346.
96
Como resultado desta verificação, passar-se-á à análise dos critérios que
formam a regra-matriz tributária do imposto de renda, a fim de que sejam identificados os
elementos que compõem a figura do seu fato imponível abstrato – que, realizado
concretamente, gerará a incidência do referido tributo.
4.1 O Antecedente da Norma Tributária
O antecedente da norma tributária, que rege a incidência do imposto de
renda contém a hipótese da regra-matriz de incidência do imposto de renda. Nele estarão
presentes a materialidade do imposto, a indicação do espaço geográfico no qual os fatos, uma
vez ocorridos, desencadearão a implicação normativa e a precisão do momento em que o fato
considerar-se-á concretizado, para efeitos de determinação da incidência.
Em se tratando de imposto de renda, todos esses critérios presentes no
antecedente da estrutura-padrão normativa estão voltados para a definição da obtenção da
renda pelo indivíduo: qual o comportamento alcançado pelo imposto, qual o marco de tempo
em que se dá por ocorrido esse comportamento e onde se considera nascido o liame
obrigacional relativo a este tributo.
Ao perquirir esses critérios, o fato passível de tributação pelo imposto de
renda restará identificado, faltando apenas examinar quem são os sujeitos que, ao realizarem o
comportamento tributável, no tempo e espaço delimitados, irão se submeter à incidência
tributária, e em que medida será devido o tributo.
4.1.1 Critério Material - Renda e Proventos de Qualquer Natureza
O critério material da hipótese da regra-matriz tributária está voltada para a
verificação do comportamento objeto da incidência, isolado dos demais elementos que
formam a situação passível de tributação. Cuida-se, no aspecto material, de extrair da
97
incidência tributária qual a ação ou estado passível de tributação, de forma destacada de seu
contexto (pessoas, espaço, tempo etc.).
Para esta tarefa de identificar tal comportamento, é necessário compor um
enunciado formado por verbo e complemento mínimo.
Sabe-se que este critério material está relacionado com a obtenção de renda
e proventos de qualquer natureza, conforme competência constitucionalmente atribuída à
União. Contudo, a definição precisa do “verbo mais complemento” relativo a este imposto
advém da análise do disposto na lei complementar à Constituição – tomando-se por premissa,
obviamente, que ela somente será válida se estiver coerente com o texto constitucional.
A lei complementar a que se refere é o Código Tributário Nacional (Lei nº
5.172/66), que foi formalmente editada como lei ordinária, sob a égide de ordenamento
constitucional anterior, mas recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei
complementar.
O artigo 43, com redação ajustada pela Lei Complementar nº 104, de 10 de
janeiro de 2001, desse diploma estatui:
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.”
Na linha do que foi exposto anteriormente, ao definir o “fato gerador” do
imposto de renda, a lei determina, além do aspecto material, outros elementos da hipótese de
incidência tributária, os quais serão analisados separadamente. O que importa, neste
momento, é precisar o comportamento tributável.
A este respeito, o artigo supratranscrito contém a dicção de que o
comportamento passível de tributação é adquirir renda, assim entendido o produto do capital,
98
do trabalho ou da combinação de ambos, e/ou proventos de qualquer natureza, assim
entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda. Tem-se aí o
verbo (adquirir) e o seu complemento (renda... e/ou proventos de qualquer natureza...), a
descrição do critério material do imposto.
Não basta, porém, a menção das locuções contidas na prescrição normativa.
É preciso entendê-las, dissecando o que se pode compreender por materialidade desse tributo.
Neste sentido, não oferece maiores dificuldades o conteúdo semântico do
termo “adquirir”. Adquirir é alcançar, conseguir, obter. A substituir o verbo adquirir, vem
sendo bastante usado na doutrina o verbo auferir, que significa colher, obter, receber134.135
Já as definições de renda e de proventos de qualquer natureza merecem
maior atenção.136
Para este exame, é preciso se ter em mente as delimitações já contidas
implicitamente na Constituição a respeito da extensão que essas expressões podem conter,
para fins de incidência do imposto federal. Com isso, somente a partir desses limites
constitucionais é que se definirá o núcleo da materialidade do referido tributo.
Ao conceituar renda, o Código Tributário Nacional remete-se a três
elementos: (i) produto do capital, (ii) produto do trabalho ou (iii) produto da combinação de
capital e trabalho.
O produto do capital é tudo aquilo que resulta da aplicação de bens,
materiais ou imateriais, móveis ou imóveis, permanentes ou não, em razão da sua aplicação,
investimento ou disponibilização. Estão aí incluídos os juros, os aluguéis, os rendimentos e os
ganhos de aplicações financeiras.
Já o produto do trabalho é o que resta do exercício de atividade de prestação
de serviços, com ou sem vínculo empregatício, regular ou esporádico, em caráter público ou
privado. Neste contexto, situam-se os salários, as gratificações, as remunerações de prestação
de serviços, os vencimentos.
134 Significados extraídos do Michaelis Moderno Dicionário de Língua Portuguesa, cit. 135 Neste sentido, José Artur Lima Gonçalves entende que o verbo auferir é “inquestionavelmente aceito como o mais adequado à hipótese” (apud Paulo Ayres Barreto, “Imposto de Renda – Pessoa Jurídica”, cit. p. 773).
99
O produto da combinação de capital e trabalho, como se extrai das
definições anteriores, é aquilo que é fruto da conjunção da aplicação de bens e do exercício de
atividade de prestação de serviços. É, por exemplo, o produto da venda de plantações,
rebanhos, o lucro da atividade econômica de produção, ou ainda o que se recebe por obras de
arte ou literárias (pois nelas não está embutido apenas o serviço que as concretizam, mas
também a propriedade imaterial que lhes é inerente).
Assim, renda, para fins de interpretação do artigo 43, I, do Código,
compreende todo o universo dos resultados acima mencionados. Resultados esses que, por
limitação constitucional, somente estão alcançados pela tributação se positivos e líquidos.
Interessante notar que um dos elementos dessa definição de renda corrobora
o que antes foi exposto acerca da necessidade de a renda representar riqueza nova, para que
possa ser alcançada pela incidência do imposto de renda. O inciso I do artigo acima transcrito
destaca que a renda será o produto do capital. Ora, se os resultados positivos já acumulados
(independentemente de terem sido tributados ou não – isto é, de terem ou não correspondido
ao conceito de renda) compõem o patrimônio do indivíduo, são parte do seu capital, e,
portanto, somente são atingidos pela incidência sobre aquilo que os ultrapassar, o que os
acrescer.
Ademais, quando se trata do produto do capital, claramente afasta a
possibilidade de se pretender tributar a reposição patrimonial, e toda forma de indenização ou
reembolso (como também a correção monetária). Isso porque, sendo uma recomposição do
próprio capital (ainda que imaterial), a reposição não pode ser resultado, e, com isso, não
corresponde a produto.
No tocante aos proventos de qualquer natureza, o conceito dado pelo artigo
43, II, do Código Tributário Nacional é mais amplo: todos os acréscimos patrimoniais que não
sejam considerados como renda.
Trata-se, portanto, de tudo o quanto acresce o patrimônio do indivíduo, sem
que ele tenha aplicado capital, nem trabalho. Estão contemplados, nesta espécie, os prêmios
de loterias e sorteios, as riquezas naturais, extraídas, por exemplo, de minas (que não
136 Afasta-se a análise dos termos “receita” e “rendimento”, presentes no parágrafo 2º do artigo 43, visto que, inseridos no contexto do mesmo dispositivo legal que o que define a renda e os proventos de qualquer natureza como elementos materiais de incidência do imposto, estão por estes abrangidos.
100
representem remuneração do trabalho), e, a princípio até mesmo as heranças e as doações137 e
a valorização patrimonial (de moeda, bens móveis ou imóveis)138.
Também está abraçado pelo termo “proventos” as aposentadorias e os
benefícios previdenciários recebidos pela pessoa física, quer seja da previdência estatal ou da
previdência privada. Isto porque tais valores não decorrem diretamente da aplicação do capital
(pois não é extraído da aplicação de bens, exclusivamente), tampouco do trabalho (mas
justamente da inatividade laboral do beneficiário – pressuposto usual para concessão de
aposentadoria).
Importa esclarecer que o inciso II do artigo 43 trata de outros acréscimos
patrimoniais não contemplados no conceito de renda. Isto quer dizer que tanto a renda quanto
os proventos estão dirigidos ao que acresce o patrimônio139, não podendo jamais abranger o
que decresce o patrimônio (do contrário, estar-se-ia diante de um imposto sobre ingressos ou
sobre receitas, e não sobre a renda). Assim, claro está, mais uma vez, que não pode o imposto
de renda, já pela redação constitucional, mas adicionalmente também por uma limitação da lei
complementar, alcançar parcela que corresponda a diminuição de patrimônio. Isso reforça a
idéia de que somente os resultados positivos líquidos estão alcançados pelo imposto.
4.1.2 Critério Espacial
Geraldo Ataliba ensina que “designa-se aspecto espacial a indicação de
circunstâncias de lugar, contidas explícita ou implicitamente na h.i. [hipótese de incidência],
relevantes para a configuração do fato imponível” 140. E assevera que “um determinado fato,
ainda que revista todos os caracteres previstos na h.i., se não se der em lugar nela previsto
137 Estas somente não estão sujeitas à tributação em razão da sua materialidade guardar íntima relação com a materialidade do imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de competência dos Estados. 138 Neste caso, a incidência do imposto de renda somente não poderá acontecer porque a mera valorização não está inserida no critério temporal da regra-matriz de incidência, que, como será descrito, corresponde à disponibilidade jurídica ou econômica da renda e dos proventos. 139 Daí a afirmação de Luciano Amaro de que “para o CTN, ‘acréscimo patrimonial’ é gênero de que ‘renda’ e ‘proventos’ seriam espécies”. (“Imposto de Renda: Regime Jurídico” in “Curso de Direito Tributário”, coord. Ives Gandra da Silva Martins, 8ª edição, Saraiva, São Paulo, 2001, p. 281). 140 Op. cit. p. 104.
101
implícita ou explicitamente, não será imponível (...) não determinará o nascimento de
nenhuma obrigação tributária”141.
Com efeito, a identificação do espaço geográfico em que o comportamento,
se realizado, pode dar ensejo à incidência do tributo é de suma importância para a análise do
fato que faz nascer o vínculo implicacional concretamente.
O espaço geográfico referido corresponde ao local físico em que a lei reputa
consumado o comportamento que corresponde à materialidade do tributo. Pode ser o
estabelecimento, depósito, sucursal, filial etc., ou simplesmente qualquer lugar dentro dos
limites espaciais explícitos ou implícitos na norma142.
A este respeito, Paulo de Barros Carvalho enumera três possibilidades para
definição do espaço de ocorrência do fato tributável: (i) determinado local para ocorrência do
fato típico; (ii) áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro
delas geograficamente contido; (iii) genérico, em que todo e qualquer fato, que suceda sob o
manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos
peculiares.143
Partindo-se dessas alternativas, parece ser mais adequada a opinião de que o
imposto de renda está inserido na terceira hipótese, ou seja, que o seu critério espacial é
genérico, podendo o tributo alcançar toda a aquisição de renda ocorrida no local de vigência
da lei federal, isto é, o território nacional.
Diante dessa verificação, a primeira impressão é a de que somente é
tributável pelo imposto de renda a renda ou os proventos pagos por fontes localizadas no
Brasil. Essa idéia, porém, está equivocada, pois, ao se definir que o critério material da regra-
matriz deste imposto é a “adquirir (ou auferir) renda”, extrai-se a conclusão de que o que
importa é o local é no qual a renda é auferida, e não onde é paga. Essa distinção é suma
importância, no que se refere ao imposto de renda, para que se determine qual o alcance do
imposto.
Considerando-se do local em que a renda é auferida, é possível verificar que
a hipótese da regra-matriz do imposto de renda abrange toda a renda adquirida no território
141 Op. cit. p. 105. 142 Neste sentido, Geraldo Ataliba, op. cit. p. 106. 143 “Curso de Direito Tributário”, cit. p. 262.
102
nacional, independentemente da localização de sua fonte pagadora. Assim, residentes no
Brasil têm sua renda aqui tributada, independentemente de ela ser proveniente de fonte
localizada além das fronteiras geográficas do País.
Daí advém o esclarecimento contido no parágrafo 1º, do artigo 43, do
Código Tributário, no sentido de que a incidência do imposto independe da localização,
condição jurídica ou nacionalidade da fonte.
Importa verificar que, além de se tomar que toda a renda auferida no
território por residentes no Brasil, independentemente do local em que se situa a fonte
pagadora, o critério espacial voltado para o território nacional também implica a tributação de
residentes no exterior, sobre a renda aqui produzida.
Essa evolução da territorialidade simples para a territorialidade voltada para
a pessoalidade justifica-se pela necessidade atual de preservação da identidade soberana dos
países e manutenção das suas fontes de arrecadação, diante do cenário de globalização em que
se vive.
E é por este motivo que importantes estudiosos da tributação internacional
apontam para o desenvolvimento de critérios de conexão com base em elementos como a
localização da fonte de produção da renda e da residência, além da territorialidade da fonte
pagadora simplesmente. A exemplificar, vale citar a crítica de Alberto Xavier:
“Ora, continuar a falar-se de um princípio da territorialidade, quando os critérios de ligação ao território não são já reais, mas pessoais, significa pelo menos uma radical alteração no sentido tradicionalmente conferido ao conceito e, indubitavelmente, uma quebra do seu valor dogmático”. 144
Especificamente no caso brasileiro, Paulo Ayres Barreto afirma que a
Constituição Federal não impõe limites para fixação da instituição do imposto de renda, sendo
que a identificação do limite espacial da regra matriz de incidência passa a ser a própria
soberania tributária do Estado brasileiro. “Nesse contexto”, afirma o autor, “pode o legislador
ordinário(...) optar por restringir a imposição tributária sobre as fontes produtoras de renda
localizadas no território nacional ou adotar o princípio da universalidade, por meio do qual
144 “Direito Tributário Internacional do Brasil”, 6ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 29.
103
são passíveis de tributação tanto a renda auferida nos lindes do território nacional, como a
renda auferida fora de seus limites”.145
A inexistência de impedimento, melhor dizendo, a existência de autorização
constitucional para se tributar pelo imposto de renda a renda e os proventos adquiridos de
fontes situadas no Brasil ou no exterior, por residentes no Brasil, e de fonte situadas no Brasil,
por residentes no exterior, decorre do princípio da universalidade, consagrado no já
comentado parágrafo 2º, do artigo 153, da Constituição Federal.
Assim, é possível afirmar que o comportamento de auferir renda, quando
ocorrido dentro do espaço geográfico que corresponde ao território nacional, desencadeia a
incidência do imposto – partindo-se da premissa de que tenham sido verificados os demais
aspectos de incidência –, sendo considerada ocorrida dentro do território nacional a aquisição
de renda por pessoa localizada no Brasil e/ou por fonte pagadora/produtora aqui localizada.
4.1.3 Critério Temporal
O estudo do critério temporal da regra-matriz de incidência tributária está
direcionado ao exame do momento preciso em que se considera realizado o comportamento
que dá ensejo à obrigação tributária.
Alguns referem-se a este elemento como o próprio fato gerador, pois é ele
que define quando se dá a incidência do tributo. O próprio Código Tributário Nacional utiliza-
se dessa referência.146 Contudo, por ser o fato jurídico tributável o produto da reunião de
vários elementos dentre os quais está o marco temporal, essa confusão não deve prosperar.
Quando se analisa o exato instante em que acontece o comportamento
tributável, não se faz referência ao seu acontecimento físico, mas àquele que é atribuído por
lei como concretamente realizado. É claro que o momento atribuído por lei deve guardar
145 Op. cit. p. 779. 146 Cita-se, como exemplo, os artigos 19 e 23: “Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. (...)
104
algum vínculo com a realização física do comportamento passível de exação, mas não precisa
ser exatamente coincidente. Esse vínculo, ao menos mínimo, é necessário, pois evita que se
pretenda tributar algo que ainda não aconteceu, por presunção.
A importância da definição do momento em que é desencadeado o vínculo
implicacional da incidência reflete-se não apenas na determinação de quando o sujeito passa a
estar obrigado a recolher determinada quantia aos cofres públicos, mas também gera efeitos
da aplicação de outros institutos, conforme destaca Mary Elbe Queiroz:
“A importância de se detectar, com precisão, o efetivo momento de ocorrência do fato gerador é de extrema relevância, sendo imprescindível e essencial a sua fixação por ter influência sobre: i) o respeito e atendimento aos princípios constitucionais da anterioridade e da irretroatividade aplicáveis aos tributos; ii) o lançamento, independentemente da época em que for efetuado, de conformidade com o art. 144 do CTN, deverá reportar-se, sempre, à data de ocorrência do fato gerador, devendo-se reger pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada; iii) demarcação do prazo decadencial do direito de a Fazenda Pública lançar, isto é, no que se refere à contagem do início do prazo de que dispõe o Fisco para exercer o seu dever-poder de constituir o crédito tributário, com vista a aferir a ocorrência, ou não, do fato gerador e garantir esse crédito, que é um bem público indisponível” 147
Para o imposto de renda, o caput do artigo 43 do Código Tributário expressa
sua incidência sobre a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de
proventos de qualquer natureza. Mais adiante, no parágrafo 2º, o mesmo artigo determina que,
na hipótese de renda auferida de fonte pagadora localizada no exterior, “a lei estabelecerá as
condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do
imposto referido neste artigo”.
Observe-se que, pela referida Lei Complementar, o que define o momento
da incidência do imposto de renda é a sua disponibilidade econômica ou jurídica. A dicção do
parágrafo 2º é inócua neste sentido, pois não altera a definição do critério do imposto, e
menciona que a lei ordinária deverá definir quando se considerará disponível a renda, quando
auferida de fonte estrangeira, o que, invariavelmente, também ocorre com a renda auferida de
fonte localizada no País.
Art. 23. O imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.” 147 Op. cit. p. 462.
105
Resta verificar, portanto, o que é disponibilidade econômica e o que é
disponibilidade jurídica de renda.
Fortunato Bassani Campos destaca que a disponibilidade “é a qualidade
daquele ou daquilo que está disponível; é também usado como sinônimo de livre,
desembaraçado, desimpedido, daquilo que se pode negociar e transferir livremente para
outrem” 148. A disponibilidade econômica seria caracterizada pela renda percebida no regime
financeiro (cash basis), enquanto que a disponibilidade jurídica seria a renda produzida, mas
não percebida, representativa de um crédito exigível, reconhecida sob o regime de
competência (accrual basis).
Hugo de Brito Machado, a esse respeito, assevera:
“Referindo-se o CTN à aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, quer dizer que a renda, ou os proventos , podem ser os que foram pagos ou simplesmente creditados. A disponibilidade econômica decorre do recebimento do valor que se vem a acrescentar ao patrimônio do contribuinte. Já a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte passa a juridicamente dispor, embora este não lhe esteja ainda nas mãos.” 149
Com isso, vê-se que não é apenas o efetivo recebimento da renda (em
dinheiro, por assim dizer), que faz nascer um vínculo obrigacional tributário. Qualquer efeito
que torne a renda desimpedida para uso do seu titular caracteriza tal renda como “auferida”
para fins de incidência do imposto federal.
Havendo disponibilidade econômica, a disponibilidade jurídica está
implicitamente presente. Portanto, o imposto de renda é devido quando, no mínimo, há
disponibilidade jurídica da renda. É neste sentido que, comenta Ives Gandra da Silva Martins,
indicando haver verdadeira coincidência entre os conceitos de disponibilidade jurídica e de
disponibilidade econômica:
“Toda aquisição de disponibilidade econômica é, necessariamente, jurídica. Se não fosse, estaria fora da legalidade. Não há aquisição de disponibilidade injurídica. E toda a aquisição de disponibilidade jurídica é necessariamente econômica, vale dizer, sua materialidade deve decorrer do produto do capital, do trabalho, de ambos ou de acréscimos patrimoniais não decorrentes do trabalho ou do capital.” 150
148 “Imposto de Renda: Pessoas Jurídicas”, in “Curso de Direito Tributário”, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Saraiva, 8ª edição, 2001, p. 292. 149 “Curso de Direito Tributário”, cit. p. 290. 150 “A Hipótese de Imposição sobre a Renda”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 2, nov/1995, p. 40.
106
Neste tocante, interessa observar que se trata de verificar se a renda está
livre, e, portanto, que sobre a sua entrega não paira condição suspensiva. A este respeito, o
artigo 117 do Código Tributário brasileiro, dispõe que é considerado devido o tributo desde o
momento da realização do fato tributável, ainda que sobre ele plane condição resolutória, ou,
no caso de condição suspensiva, desde o momento em que ela se concretize151. Estando a
renda disponível, poderá ela sujeitar-se à incidência do imposto.
À primeira vista, o artigo 43 do Código deixa a impressão de que a todo
momento em que se pagar ou creditar renda e proventos, pode ser efetivada a cobrança do
imposto de renda. Não é esta a conclusão adequada.
O aspecto material é adquirir renda ou proventos de qualquer natureza, e
tanto renda quanto proventos, conforme antes comentado, são resultados positivos líquidos,
isto é, resultados positivos após a dedução de despesas e outros decréscimos de patrimônio.
Ora, sendo assim, quando um rendimento qualquer é percebido, não é ainda passível de
tributação, pois ainda não está líquido. Por isso, é necessário que a lei fixe um período
mínimo para definição da disponibilidade da renda, a fim de que seja possível torná-la líquida.
Luciano Amaro explica:
“O período de formação da renda tributável não pode ser muito curto, sob pena de prejudicar a personalização do tributo e a adequação à capacidade contributiva: o indivíduo que, episodicamente, tem um rendimento elevado não possui a mesma capacidade contributiva de outro indivíduo que perceba, consistentemente, renda elevada. Feita a apuração após o período mais longo, esses efeitos de pico de renda tendem a ser neutralizados. Por outro lado, o período também não pode ser muito longo, o que comprometeria o fluxo de receita tributária do Tesouro. O período que foi tradicionalmente estabelecido no Direito brasileiro, em como na legislação de outros países, é de um ano (...). Ao término de cada um desses períodos, faz-se um ‘corte’ nas atividades do contribuinte, para que se apure o acréscimo líquido do patrimônio (que, com alguns ajustes, fornece a base de cálculo do tributo).” 152
151 “Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: I - sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento; II - sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.” 152 “Imposto de Renda: Regime Jurídico”, cit. p. 285.
107
Para as pessoas físicas, esse período corresponde a um ano civil, encerrando-
se em 31 de dezembro153, e, para as pessoas jurídicas, o período pode ser coincidente com este
ou trimestral, encerrando-se em 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro
de cada ano civil. Este é o intervalo de tempo que a lei julga suficiente para apurar a renda
líquida do sujeito que dela for beneficiário.
A rigor, somente após a data final de encerramento destes períodos é que o
imposto pode ser considerado como devido, e, então, deve ser recolhido ao Tesouro Nacional.
A lei tributária, porém, determina a realização de algumas “antecipações“, durante o ano civil,
antes mesmo de se concluir o intervalo temporal de apuração da disponibilidade de renda.
No âmbito da tributação das pessoas físicas, essas “antecipações”
correspondem a: (i) retenção na fonte com base na tabela de alíquotas e bases progressivas,
sobre os rendimentos recebidos de pessoas jurídicas, exceto se decorrentes de aplicações
financeiras, (ii) retenção na fonte com base em alíquotas fixas, sobre os rendimentos
decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa154; (iii) recolhimento mensal obrigatório
(popularmente conhecido como “carnê-leão”), calculado sobre a tabela de alíquotas e bases
progressivas, sobre os rendimentos recebidos de pessoas físicas ou do exterior; (iv)
recolhimento com base em alíquotas fixas, sobre ganhos de capital na alienação de bens e
direitos e sobre os ganhos apurados em aplicações financeiras de renda variável.155
Vale esclarecer que o termo “antecipações” é usado com certa
impropriedade, uma vez que apenas as incidências descritas em (i) e (iii) são compensáveis
com o imposto de renda devido ao final de cada período de apuração do imposto de renda
(ano civil). As incidências previstas em (ii) e (iv) são tidas como “exclusivas” ou de
tributação “definitiva”, e, portanto, não são objeto de compensação quando da apuração do
imposto efetivamente devido pelo sujeito passivo, ao final do período de apuração.
Apesar de a tributação definitiva parecer a mais incoerente sob a perspectiva
constitucional do conceito de renda e a que mais afronta à hipótese de incidência traçada pelo
153 Neste sentido, Paulo Ayres Barreto (“Imposto sobre a Renda – Pessoa Jurídica”, cit. p. 777) e Mary Elbe Queiroz (“Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – Tributação das Pessoas Físicas”, cit. 463). 154 Alguns rendimentos decorrentes de aplicações financeiras estão sujeitos a alíquotas progressivas, mas não em função da renda, e sim em razão do prazo de investimento financeiro. 155 Os rendimentos e ganhos referidos neste parágrafo são aqueles sobre os quais, geralmente, a antecipação do imposto é cobrada, o que não implica afirmar que os demais rendimentos e ganhos auferidos pela pessoa física não estarão sujeitos à tributação por antecipação; os que não estão mencionados expressamente em uma dessas categorias podem estar abrangidos por uma delas, se a legislação assim definir.
108
artigo 43 do Código Tributário Nacional, visto que não apenas tributa o ingresso de recursos
(ou “renda” bruta), mas também desrespeita o aspecto temporal da incidência –
disponibilidade da renda, assim considerada findo o período do ano civil –, não se pode deixar
de apontar para a manifesta inadequação da antecipação do imposto mediante os
procedimentos de retenção na fonte com base na tabela progressiva ou de recolhimento
mensal obrigatório. Nestes casos, também se está tributando o ingresso de recursos, a receita,
sem se verificar qual parcela efetivamente é resultado positivo líquido.
Se a lei permite a antecipação do imposto sobre o resultado bruto percebido
pelo sujeito, o procedimento de ajuste, ao final do exercício, portanto, haveria de contemplar
ao menos um crédito de imposto devidamente corrigido monetariamente, e não apenas o seu
valor nominal à época em que foi recebido.
A evitar tais questionamentos, a legislação autoriza que parte das deduções
permitidas pela legislação, e que servem de abatimento do resultado bruto, para fins de
apuração da base tributável pelo imposto ao final de cada ano-calendário, possa ser
descontado sobre a apuração do imposto nas modalidades (i) e (iii) anteriormente referidas,
isto é, nos casos em que o imposto “antecipado” é abatido ao final do período de apuração.
Nos demais casos – itens (ii) e (iv) –, a lei ordinária não permite a dedução de qualquer
despesa, nem quando da sua incidência “antecipada”, nem quando do cálculo do montante
efetivamente devido no ano.
Em qualquer dos casos, tem-se que é nitidamente imprópria a definição de
tributação a título de antecipação do imposto, posto que o critério temporal da regra-matriz de
incidência do imposto de renda devido pelas pessoas físicas corresponde ao período que se
encerra em 31 de dezembro de cada ano. Assim, o imposto em questão somente pode ser
exigido a partir de então.
4.2 O Conseqüente da Norma Tributária
Formada a hipótese, isto é, o antecedente da estrutura-padrão de incidência
do imposto de renda, passa-se, neste momento, à pesquisa sobre o conteúdo do conseqüente
109
deste enunciado normativo. Ele contém, conforme antes descrito, a prescrição da conduta,
fornecendo os critérios para identificação do vínculo jurídico que resulta da prática do
comportamento e fato antes descritos, na hipótese.
O conseqüente indica quem são os sujeitos da relação tributária
(hipoteticamente considerada, posto que ela somente se forma com a concretização do fato
tributável) e qual o objeto da prestação da obrigação, quando surgir (definição do valor a ser
pago). Esta análise, portanto, resulta na definição do retrato da relação obrigacional tributária:
credor, devedor e prestação.
4.2.1 Critério Pessoal
Como em qualquer relação jurídica obrigacional, o credor é o sujeito que
detém o direito subjetivo de exigir de outrem uma determinada prestação. Em se tratando de
direito tributário, esse credor recebe o nome de sujeito ativo, e é, a rigor, um dos entes da
federação – posto que somente esses receberam competência para instituição de tributos.
Contudo, é possível que uma pessoa jurídica que seja parte da
Administração Pública, figure como sujeito ativo tributário, caso receba do ente competente
para instituição do tributo a atribuição para cobrá-lo, controlá-lo e fiscalizá-lo. Paulo de
Barros Carvalho156 e Hugo de Brito Machado157 afirmam que esse terceiro que receber tais
funções não precisa ser necessariamente uma pessoa jurídica pública, pode ser privada e até
mesmo pessoa física. Em qualquer desses casos, a atribuição conferida não se estende à
instituição do tributo, pois que esta é privativa dos entes que possuam Poder Legislativo, a
atender o princípio da estrita legalidade.
As situações em que há a nomeação de um terceiro para figurar como titular
de determinado tributo são denominadas pelo termo “parafiscalidade”158.
156 “Curso de Direito Tributário”, cit. p. 301. 157 “Curso de Direito Tributário”, cit. p. 133. 158 Roque Antonio Carrazza conceitua: “Juridicamente, a parafiscalidade é apenas a atribuição, mediante lei, da capacidade tributária ativa que a pessoa política faz a outra pessoa (pública ou privada), que, por vontade desta mesma lei, passa a dispor do produto arrecadado, para a consecução de suas finalidades.” (“Curso de Direito Constitucional tributário”, cit., p. 221).
110
No caso do imposto de renda, o artigo 153, III, da Constituição atribui à
União a competência tributária, não tendo esta atribuído função de exercer a capacidade
tributária ativa a nenhuma outra pessoa. Assim, é ela própria que figura no espaço reservado
ao credor da prestação tributária.
No tocante ao devedor da obrigação tributária, isto é, o sujeito passivo de
quem o sujeito ativo pode exigir o tributo, normalmente tem-se aquele que está ligado à
materialidade do tributo, conforme destaca José Eduardo Soares de Melo:
“Numa fase pré-jurídica, o legislador colhe a pessoa intimamente vinculada à realização da materialidade, que deve traduzir-se no mero índice de capacidade contributiva. A íntima conexão da pessoa com a materialidade é que tem a virtude de revelar a figura do contribuinte, porque, ao realizar o fato imponível, terá que recolher aos cofres públicos uma parte da respectiva grandeza econômica, qualificada como tributo.” 159
A definição do sujeito passivo é feita pela lei que institui o tributo, apesar de
a Constituição Federal já conter uma previsão do sujeito passivo possível, conforme
anteriormente já se tratou quando da análise do perfil constitucional do imposto de renda.
Neste sentido, o sujeito passivo possível do imposto de renda é aquele que venha a auferir
renda e proventos de qualquer natureza.
O artigo 45 do Código Tributário Nacional, ao determinar o desenho da
hipótese de incidência do imposto em questão, aponta expressamente as pessoas que devem
constar da posição de sujeito passivo da relação jurídico-tributária:
“Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.”
Note-se que o caput do artigo trata da figura do contribuinte, como sendo,
em regra, o titular da disponibilidade da renda e dos proventos de qualquer natureza, enquanto
que o parágrafo único define o responsável tributário, como sendo a fonte pagadora da renda
ou dos proventos.
159 “Curso de Direito Tributário”, cit. p. 229.
111
Assim, ressalvados os casos de imunidades, estão inseridos no campo
passível de tributação pelo imposto de renda todas as pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou
públicas, nacionais ou estrangeiras, residentes no Brasil ou no exterior, que adquiram
disponibilidade de renda ou proventos de qualquer natureza, no território nacional.
Apesar de o teor do artigo supratranscrito contemplar a possibilidade de o
contribuinte não ser aquele que dispuser da renda, mas aquele a quem a lei atribuir uma
equiparação, há o entendimento de que essa hipótese não pode se configurar, em razão da
obrigatoriedade da aplicação do princípio da capacidade contributiva.
Geraldo Ataliba, nesta esteira, ensina:
“Nos impostos, o sujeito passivo é alguém de alguma forma relacionado com o fato posto como aspecto material da hipótese de incidência, de modo que se infira ser o titular da capacidade contributiva”. 160
Isto vale tanto para o contribuinte quanto para o responsável tributário
(posto que ambos compõem o papel de sujeitos passivos – um direta, e ou outro,
indiretamente).
Ocorre, porém, que, no tocante à responsabilidade pela retenção e
recolhimento do imposto, a capacidade econômica dificilmente é aferida. Isto se deve, explica
Aliomar Baleeiro, pelo fato de que “a técnica da retenção necessita de homogeneizar, ao
máximo tolerável, situações individuais diversas, reduzindo-as a poucos tipos ou categorias
estandardizadas” 161.
Com efeito, as hipóteses de retenção na fonte previstas na legislação vigente
quando muito prevêem a aplicação da progressividade de alíquotas e suas bases de cálculo;
não consideram as demais condições pessoais do contribuinte sobre cuja renda o imposto é
retido (tais como gastos com a sua subsistência, ou ao menos, despesas dedutíveis).
As pessoas que recebem o dever de responsáveis tributários pela retenção do
imposto de renda são, em geral, pessoas jurídicas; tanto para pagamentos realizados entre si,
como para aqueles feitos em favor de pessoas físicas. Nada impede – senão a vontade política
– que se atribua a pessoas físicas essa função, apesar de não parecer razoável essa
160 “Hipótese de Incidência Tributária”, cit. p. 88.
112
possibilidade visto que uma das funções da retenção é justamente a de otimizar a fiscalização
e o controle da arrecadação do tributo – e sendo as pessoas jurídicas em número notadamente
menor que o universo de pessoas físicas sujeitas ao imposto, a conferência da
responsabilidade tributária somente às pessoas jurídicas parece ser mais apropriada para este
fim.
Luciano Amaro aponta as razões que podem justificar a figura do
responsável tributário pela retenção e recolhimento do imposto de renda:
“Por uma série de razões (...), o imposto de renda pode (e, às vezes, deve) incidir na fonte. Casos há em que essa forma é a única viável ou possível (...). Noutras situações, a incidência na fonte visa a: a) coibir ou dificultar a sonegação (a fonte não tem o mesmo interesse em sonegar, pois, em regra, não teria proveito, mas só risco, na hipótese de deixar de reter e de recolher o tributo); b) atenuar o impacto psicológico negativo de o contribuinte ter que desembolsar os recursos já recebidos para pagar o tributo; c) estimular a adimplência, pois, se o recolhimento do tributo for em momento posterior ao da percepção dos rendimentos, o contribuinte imprevidente pode não mais dispor dos recursos para efetuar o pagamento.” 162
A incidência do imposto de renda na fonte, portanto, restaria validada nos
casos em esta seja a única forma viável ou possível de recolhimento deste tributo, como para
coibir ou dificultar a sonegação, para atenuar o impacto psicológico negativo de desembolso,
para pagamento do tributo, de recursos já recebidos e para estimular a adimplência.
4.2.2 Critério Quantitativo
Nas palavras do professor Paulo de Barros Carvalho: “É no critério
quantitativo que encontraremos referências às grandezas mediante as quais o legislador
pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, para efeito de definir a quantia a ser paga
pelo sujeito passivo, a título de tributo”. 163
161 “Direito Tributário Brasileiro”, cit. p. 313. 162 “Imposto de Renda: Regime Jurídico”, cit. p. 288/289. 163 “Curso de Direito Tributário”, cit., p. 285.
113
Trata-se do objeto da prestação que o sujeito passivo tem a pagar ao sujeito
ativo e este, em contrapartida, tem o direito de exigir do sujeito passivo. Como o objeto desta
relação, por estar inserido no universo jurídico tributário, corresponde a uma prestação
pecuniária164, resta definir qual o montante de pecúnia a ser entregue aos cofres públicos pelo
contribuinte.
Para definição deste montante, a técnica normativa utiliza-se da combinação
de dois elementos: base de cálculo e alíquota. O critério quantitativo da regra-matriz de
incidência consiste, portanto, nos elementos que denotam a capacidade de mensuração do
aspecto material (núcleo do fato jurídico hipotético) da hipótese de incidência do tributo.
Para Geraldo Ataliba, a base de cálculo é que pode ser considerada como
“ordem de grandeza do aspecto material do tributo”165. Tal afirmação deve-se ao fato de a
base de cálculo necessariamente guardar coerência estrita com o aspecto material da hipótese
de incidência de um tributo.
A base de cálculo deve mensurar as proporções reais do fato tributável
enquanto que a alíquota atribui a definição do quantum debeatur na obrigação tributária. É ela
que delimita qual a parcela da base de cálculo deve ser separada para recolhimento aos cofres
públicos. Com a superposição da alíquota sobre a base de cálculo é que se torna possível
aferir o quantum devido pelo sujeito passivo da obrigação tributária.
Enquanto a base imponível é determinada pela sua estrita vinculação com o
aspecto material de incidência, a alíquota não encontra relação direta com tal aspecto, sendo
fixada externamente, mediante adoção dos critérios econômicos e jurídicos, pelo legislador –
tal como o princípio da capacidade contributiva.
A alíquota pode ser um valor fixo (“x” por litro, por metro) ou um
percentual. Correspondendo a um percentual, a alíquota pode ser proporcional (percentual
fixo) ou progressiva (variando conforme a base de cálculo), seguindo os critérios antes
comentados, quando se tratou do princípio da capacidade contributiva e os métodos de sua
efetivação. A progressividade de alíquotas implica, obviamente, o aumento da base de
164 Código Tributário Nacional assim define: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” (destacamos) 165 “Hipótese de Incidência Tributária”, cit. p. 108.
114
cálculo, o que, inversamente significa afirmar que podem ser regressivas as alíquotas,
segundo a diminuição da base de cálculo.
Em qualquer dos casos, porém a progressividade (ou regressividade) deve
estar baseada na variação da base de cálculo, assim estruturada de forma a corresponder a
uma dimensão de riqueza da materialidade do tributo.
Dito isto, importa afirmar que a base de cálculo do imposto de renda deve
invariavelmente ser uma dimensão da renda, deve ser a sua correspondência em termos
pecuniários, como bem ressalta Ricardo Mariz de Oliveira:
“No caso do imposto de renda, que necessariamente incide sobre o acréscimo patrimonial com disponibilidade econômica ou jurídica adquirida (art. 43 do CTN), é sobre o próprio fato do acréscimo patrimonial que a tributação incide, e é do próprio montante do acréscimo que o imposto deve ser apartado em favor dos cofres públicos”. 166
Em razão de tudo o quanto exposto – desde o perfil constitucional do
imposto até a definição dos critérios material, espacial e temporal da sua regra-matriz de
incidência –, tem-se que não é qualquer rendimento ou ingresso recebido pelo sujeito passivo
que poderá representar base de cálculo. Apenas a renda, assim considerado o resultado
positivo líquido disponível, auferido de fonte localizada no Brasil ou no exterior, que
implique acréscimo patrimonial.
A alíquota, por outro lado, pode ser fixada pelo legislador, sempre com
vistas à observância dos princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, antes
comentados. Ademais, como o parágrafo 2º, do artigo 153, da Constituição Federal, consagra
expressamente o princípio da progressividade, não pode a União desviar-se de sua aplicação.
Ao se verificar a aplicação, pelo legislador ordinário federal, destas
diretrizes, para definição das situações passíveis de gerar a cobrança deste imposto, porém,
depara-se com sérias irregularidades.
A maior e mais relevante delas decorre da irregular definição do aspecto
material, cuja implicação gera efeitos diretos no conseqüente da norma, especificamente o
aspecto quantitativo – base de cálculo. O legislador federal, não raramente, determina a
115
incidência do imposto de renda sobre algo que não pode ser considerado como resultado
positivo líquido apurado pelo contribuinte. Na maior parte dos casos, o erro está em atribuir a
incidência do imposto sobre os rendimentos auferidos pelo contribuinte, sem levar em
consideração eventuais despesas incorridas para a apuração do rendimento.
Num primeiro momento, seria até possível dizer que tal inadequação jurídica
é temporária, na medida em que o imposto incidente sobre o rendimento auferido, será
ajustado na declaração anual do contribuinte. Porém, aí residirá o outro problema relacionado
a este ponto: o imposto antecipado poderá não ser compensável, e se o for, não atenderá
integralmente o pressuposto de corresponder a um resultado efetivamente líquido (extraídas
todos os gastos necessários à subsistência do indivíduo e da manutenção da fonte produtiva de
renda).
Será não compensável, isto é, definitivo, nas hipóteses em que o imposto for
retido na fonte em caráter exclusivo, conforme descrito anteriormente. Nestas situações, o
imposto de renda recolhido aos cofres públicos acabará por incidir sobre parcela que não pode
ser considerada como renda, por não corresponder ao montante líquido apurado – as despesas
incorridas não são computadas para abater o resultado positivo bruto (rendimento) verificado.
Em outras situações, não menos comuns, o problema não é a tributação
definitiva, mas a limitação à dedução de despesas, na declaração anual apresentada pelo
contribuinte. Nestes casos, novamente por exclusivo critério do legislador –
fundamentalmente para atender ao orçamento da União –, sem qualquer respaldo
constitucional, limitam-se quais despesas poderão abater o rendimento bruto auferido pelo
contribuinte, a fim de alcançar a renda. É o que acontece em não se considerar como
dedutíveis para fins de imposto de renda, as despesas com aluguel, com vestuário e
alimentação, e tantos outros elementos necessários à subsistência humana.
E quando se autoriza o cômputo da despesa para fins de apuração do
imposto de renda devido aos cofres públicos, a irregularidade reside na fixação de limite de
valor a ser considerado para dedução – tal como para as despesas com educação –, em
flagrante desobediência aos preceitos constitucionais anteriormente comentados.
166 “A Sujeição Passiva da Fonte Pagadora de Rendimento, quanto ao Imposto de Renda Devido na Fonte”,
116
4.3 Síntese da Regra-Matriz do Imposto de Renda
Como resumo do quanto antes exposto em relação à norma-padrão de
incidência do imposto de renda, é possível afirmar que o referido tributo (i) alcança o
comportamento de se auferir renda e proventos, assim considerados os resultados positivos
líquidos que correspondam a acréscimos patrimoniais decorrentes do capital, do trabalho, de
ambos ou de outra origem; (ii) renda e proventos estes adquiridos no território nacional, tidos
como aqueles que sejam auferidos por pessoa aqui localizada, ainda que a fonte pagadora
esteja fora das fronteiras geográficas do país; (iii) sendo considerados tributáveis tais “renda e
proventos” quando disponíveis jurídica ou economicamente, ao final de cada período mínimo
(anual ou trimestral), (iv) cabendo à União o direito de exigir tal imposto de toda e qualquer
pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ressalvadas as situações
de imunidade, (v) sobre a base de cálculo que represente uma renda (ou provento) líquida(o)
de despesas, a partir da(o) qual se aplica alíquota fixada de forma progressiva.
Com isso, é possível notar que a hipótese de incidência do imposto de renda
– assim considerada com a abrangência dos proventos, aqui e adiante – desenhada
constitucionalmente e cujos critérios tenham sido fixados expressamente em lei complementar
vem sendo claramente desrespeitada, especialmente no que tange à definição da renda
tributável – o que acaba por causar reflexos na definição de todos os elementos que definem a
incidência do tributo, em concreto.
A exemplo disso, passar-se-á a analisar a estrutura da tributação dos valores
investidos nos planos de previdência complementar privada, a fim de identificar os seus
deslindes em relação aos contornos da regra-matriz antes comentados e a sua (in)coerência
com o perfil constitucional do tributo em questão.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 49, out/1999, p. 93.
117
Capítulo V - A Tributação dos Planos de Benefícios de Previdência Complementar
Privada pelo Imposto de Renda
5.1 Regime de Diferimento do Ônus Financeiro
Os planos de previdência privada, como visto, têm natureza peculiar. De um
lado, guardam semelhança com um instrumento de aplicação meramente financeira, pois são
regidos pelo direito privado, e formalizados, por livre iniciativa das partes, em contratos nos
quais o investidor tem ampla liberdade de contratação, inclusive para fixar índices de retorno
financeiro e o perfil de investimento dos recursos. De outro, estão intimamente relacionados
com a poupança de caráter estritamente previdenciária, na medida em que servem de
complemento à previdência estatal, garantido benefícios de aposentadoria, pecúlio, e
cobertura por invalidez, entre outras, servindo como instrumento de proteção social.
Em vista dessas características, estruturou-se no Brasil um tratamento
tributário diferenciado aos investimentos nestes planos, que possa garantir a preservação da
sua natureza jurídica, evitando que fossem descaracterizados ou usados de forma desviada ao
que se propõem.
Esse tratamento tributário está estruturado nas premissas de, primeiramente,
incentivar a adesão das pessoas ao setor, promovendo o almejado equilíbrio social decorrente
da manutenção do padrão econômico aos cidadãos mesmo com a chegada da fase de
inatividade laboral, e, de outro, assegurar que a fonte de arrecadação tributária não sofra
diminuição, sob pena de pôr em risco o interesse público subjacente que primeiramente se
procurou estimular.
Seguindo o modelo e a experiência de outros países, estabeleceu-se uma
sistemática que propaga a idéia de diferimento do ônus financeiro do imposto de renda
incidente sobre os valores recebidos dos planos de previdência complementar.
Fernando Pimentel retrata a visão do setor sobre a eficácia desse modelo
tributário nos seguintes termos:
118
“Em todos os países onde os fundos de pensão foram mais longe, os impostos são cobrados unicamente sobre o valor da aposentadoria que está sendo paga, jamais incidindo sobre a poupança em formação. Não importa o nome que se dê a isso – diferimento, isenção ou imunidade – o fundamental é que o exemplo seja seguido. Nações como o Canadá, Estados Unidos, Holanda, Reino Unido e Suíça, têm guardado em seus fundos de pensão reservas próximas ou até mesmo muito superiores aos seus PIBs nacionais” 167
Essa sistemática de tributação está calcada na autorização para dedução, na
apuração da base de cálculo do imposto de renda devido, dos valores investidos em planos de
previdência privada, e, em contrapartida, quando do recebimento de recursos do plano, o
imposto de renda incide sobre o montante integral, correspondente à parcela investida somada
aos rendimentos acumulados durante o período de investimento.
Não se trata, pois, de uma renúncia fiscal, como é característica das isenções
tributárias, conforme bem assevera Marcos Antônio Simões Peres:
“(...) deve ficar claro que esse benefício fiscal não deve ser visto como uma isenção fiscal, mas simplesmente como um diferimento do imposto, visto que a renúncia fiscal do presente será paga no futuro, no momento do resgate.” 168
Tampouco se trata de isenção ou de um benefício fiscal, como será a seguir
demonstrado. O que essa sistemática pressupõe é mesmo, apenas, a postergação do ônus
tributário.
Este modelo encontra-se presente na Lei Complementar nº 109/01, que rege
o regime da previdência privada. Confira-se:
“Art. 69. As contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei. (...).”
A sua justificativa consta claramente da Exposição de Motivos nº 28, de
elaboração o então Ministro da Previdência e Assistência Social, Waldeck Ornélas, e do então
Ministro da Fazenda Interino, Pedro Parente, de cujo texto se destaca:
167 “Tratamento Tributário dos Fundos de Pensão: A Busca de um Padrão Internacional”, em “A Previdência Social Reavaliada - II”, MPAS, agosto/2002, p. 73/74.
119
“O regime de previdência complementar funciona basicamente como instrumento de poupança de longo prazo. Esse tipo de poupança é socialmente mais desejável do ponto de vista da promoção do desenvolvimento econômico, do que a poupança de curto prazo. Dessa forma, estabelecemos que sobre as contribuições aportadas para as entidades de previdência complementar não incide tributação, sendo o pagamento de resgate e dos respectivos benefícios sujeitos à incidência do imposto sobre a renda”.
Importa ressaltar, porém, que, apesar de ter ganhado status de
complementaridade à Constituição Federal, ao passar a ser contemplado em Lei
Complementar, o regime de “diferimento fiscal” para a previdência privada já se faz presente,
no Brasil, desde 1996.
Até o referido ano, vigorava a regra prevista na Lei nº 7.713, de 22 de
dezembro de 1988, segundo a qual os valores vertidos a planos de previdência privada, pelo
participante, sofriam a incidência do imposto de renda por ocasião do pagamento da
contribuição, realizado mediante o desconto no salário mensal da pessoa física (participante),
ajustável na apuração do Imposto sobre a Renda devido anualmente pela pessoa física, em sua
Declaração de Ajuste Anual. Assim, quando do recebimento da aposentadoria, assegurava-se
a isenção do imposto de renda sobre a parcela referente às contribuições vertidas pelo
participante169.
A partir de 1996, porém, passou a vigorar a Lei nº 9.250, de 26 de dezembro
de 1995, que estabeleceu a faculdade de dedução, para fins de incidência do imposto de renda
das pessoas físicas, das contribuições por elas vertidas aos planos de benefícios, e o
recebimento do benefício ou resgate dos recursos aplicados passou a estar sujeito, na sua
integralidade, ao imposto de renda.
Essa, porém, não foi a primeira previsão de um regime de postergação fiscal
aplicável aos planos de previdência privada, como conta Maria da Consolação Silva:
“Até 1988, com base no Decreto-Lei nº 1.642, de 7 de dezembro de 1978, as importâncias pagas ou descontadas, como contribuição, a entidades de previdência privada fechadas de que trata a Lei nº 6.435/1977, eram deduzidas na cédula ‘C’ da declaração de rendimentos da pessoa física participante. Por conseqüência, as
168 “A Evolução da Previdência Complementar Aberta”, cit. p. 35. 169 “Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) VII - os benefícios recebidos de entidades de previdência privada: a) quando em decorrência de morte ou invalidez permanente do participante; b) relativamente ao valor correspondente às contribuições cujo ônus tenha sido do participante, desde que os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte;”
120
importâncias recebidas como benefícios pecuniários das entidades de previdência privada, a pessoas físicas participantes, eram sujeitas à tributação na cédula ‘C’ da declaração de rendimentos, sujeitos ao imposto de renda na fonte, como antecipação do que for devido na declaração, na forma estabelecida para a tributação dos rendimentos do trabalho assalariado.” 170
A estrutura prevista pela Lei nº 9.250/95 foi parecida com o modelo de
diferimento fiscal anterior, abrangendo, porém, todo o universo de planos de benefícios
(abertos e fechados), como decorrência do crescimento do regime da previdência privada até
então, verbis:
“Art. 4º. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas: (...) V - as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social; (...) Parágrafo único. A dedução permitida pelo inciso V aplica-se exclusivamente à base de cálculo relativa a rendimentos do trabalho com vínculo empregatício ou de administradores, assegurada, nos demais casos, a dedução dos valores pagos a esse título, por ocasião da apuração da base de cálculo do imposto devido no ano-calendário, conforme disposto na alínea e do inciso II do art. 8º desta Lei. (...) Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: I - de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva; II - das deduções relativas: (...) e) às contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social; (...) Art. 33. Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de entidade de previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições.”
Com isso, desde 1º de janeiro de 1996, os valores recebidos dos planos de
previdência complementar privada estão sujeitos a uma sistemática específica de tributação
pelo imposto de renda: quando do resgate de recursos mantidos em tais planos ou do
pagamento de benefícios previdenciários, incide o imposto de renda na fonte sobre a
importância total paga ao participante ou beneficiário, e não apenas sobre o resultado ou
170 “Tratamento Tributário da Entidade de Previdência Complementar e dos Planos de Benefícios”, Revista de Previdência nº 4, abril/06, p. 98.
121
rendimento proporcionado pela aplicação financeira durante a fase de acumulação de recursos
no plano. Em contrapartida, as contribuições efetuadas pela pessoa física para tais planos são
dedutíveis na apuração do imposto de renda devido anualmente, acarretando, ao menos por
pretensão, a postergação da tributação dos valores aportados nos planos de previdência
complementar para o momento do efetivo recebimento dos recursos.
No mesmo ano, previu-se a dedutibilidade das contribuições efetuadas pelas
pessoas jurídicas em favor de seus empregados e dirigentes, com a finalidade de se incentivar
a participação das empresas no fomento ao sistema previdenciário nacional.
Ocorre que, dois anos depois da reformulação no regime tributário dos
investimentos em previdência privada, passou-se a estabelecer limites a estas deduções,
ocasionando distorções no modelo originalmente previsto. Da mesma forma, e igualmente
causando desajustes no almejado “diferimento fiscal”, a legislação veio a contemplar
expressamente a tributação dos rendimentos e ganhos auferidos durante o período de
acumulação dos recursos no plano de benefícios.
Tudo isto veio a contribuir para a formação do cenário atual, sobre o qual
passar-se-á a tratar mais especificamente, com vistas a identificar possíveis incongruências do
ponto de vista jurídico-constitucional do imposto de renda.
O regime tributário ora apresentado, vale destacar, aplica-se aos planos que
tenham a natureza jurídica de previdência privada, não sendo o mesmo aplicado para seguros
de vida com cobertura por sobrevivência, como os chamados “VGBL”.
Para estes, o legislador fixou o regime de tributação que não pressupõe o
diferimento fiscal. Assim, as contribuições realizadas pela pessoa física não são dedutíveis na
apuração do imposto de renda, e, em contrapartida, quando do pagamento em forma de
resgate ou “benefícios”, o imposto somente incide sobre a parcela dos rendimentos
acumulados durante a fase em que permaneceram no plano (artigo 63 da Medida Provisória nº
2.113-30, de 26 de abril de 2001).171
171 “Art. 63. Na determinação da base de cálculo do imposto de renda incidente sobre valores recebidos em decorrência de cobertura por sobrevivência em apólices de seguros de vida, poderão ser deduzidos os valores dos respectivos prêmios pagos, observada a legislação aplicável à matéria, em especial quanto à sujeição do referido rendimento às alíquotas previstas na tabela progressiva mensal e à declaração de ajuste anual da pessoa física beneficiária, bem assim a indedutibilidade do prêmio pago.
122
As contribuições realizadas pela pessoa jurídica “patrocinadora” para planos
de seguro de vida desta modalidade são dedutíveis nos moldes do artigo 4º da Lei nº 11.053,
de 29 de dezembro de 2004172, desde que tais planos sejam oferecidos à totalidade dos
empregados e dirigentes da empresa.
Já em relação aos fundos de aposentadoria programada individual (“FAPI”),
apesar de terem natureza de fundo de investimento e serem operados por instituições
bancárias, o legislador federal optou por conferir-lhes o mesmo tratamento tributário aplicável
aos planos de previdência complementar, conforme se pode notar dos textos legais a seguir
mencionados.
Em qualquer dos casos – VGBL e FAPI –, porém, é preciso alertar para o
fato de que, por não corresponderem a planos de previdência complementar, os comentários
adiante tecidos podem não lhes ser aplicáveis – como, por exemplo, em relação à tributação
dos rendimentos e ganhos auferidos na aplicação financeiras das reservas técnicas dos planos
de benefícios173.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2002, os rendimentos auferidos no resgate de valores acumulados em provisões técnicas referentes a coberturas por sobrevivência de seguros de vida serão tributados de acordo com as alíquotas previstas na tabela progressiva mensal e incluídos na declaração de ajuste do beneficiário. § 2º A base de cálculo do imposto, nos termos do § 1º, será a diferença positiva entre o valor resgatado e o somatório dos respectivos prêmios pagos. § 3º No caso de recebimento parcelado, sob a forma de renda ou de resgate parcial, a dedução do prêmio será proporcional ao valor recebido.” 172 “Art. 4º A partir de 1º de janeiro de 2005, a dedução das contribuições da pessoa jurídica para seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência fica condicionada, cumulativamente: I - ao limite de que trata o § 2º do art. 11 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, com a redação dada pela Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004; e II - a que o seguro seja oferecido indistintamente aos empregados e dirigentes.” A previsão original para dedutibilidade dessas contribuições constava do artigo 8º da Medida Provisória nº 2.222, de 4 de setembro de 2001, nos seguintes termos: “Art. 8º A dedução das contribuições da pessoa jurídica para os seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência fica: I - condicionada à opção de que trata o art. 2º desta Medida Provisória; II - sujeita, a partir de 1o de janeiro de 2002, ao limite de que trata o § 2º do art. 11 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997.” 173 Os rendimentos e ganhos apurados nas aplicações dos recursos da carteira de investimentos dos VGBL e FAPI são isentos por força dos artigos 77 da Lei nº 8.981/95, 1º da Lei nº 9.065/95, 12 da Lei nº 9.249/95 e 5º da Lei nº 9.779/99 (no caso dos VGBL) e artigo 28, parágrafo 10º, da Lei nº 9.532/97 (no caso dos FAPI).
123
5.1.1 Dedutibilidade das Contribuições na Apuração do Imposto de
Renda
5.1.1.1 Pessoa Física
Conforme antes transcrito, o artigo 8º da Lei nº 9.250/95 estabelece que a
base de cálculo do imposto devido no ano-calendário “será a diferença entre as somas de
todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-
tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva” e as
deduções relativas a, entre outras despesas, “contribuições para as entidades de previdência
privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear
benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social”.174
Com isso, passou-se a autorizar (ou facultar) a pessoa física a descontar, do
montante devido a título de tributos, todo o valor destinado aos planos de previdência
complementar, os quais são, posteriormente, submetidos ao imposto de renda, quando de sua
disponibilização ao beneficiário.
Alternativamente, o desconto pode ser efetuado sobre o imposto anual,
diretamente, ou sobre o imposto devido mensalmente, desde que o valor das contribuições
seja deduzido da base de cálculo relativa a rendimentos do trabalho com vínculo empregatício
ou de administradores.
No momento do recebimento dos benefícios previdenciários, por outro lado,
o artigo 33 da Lei nº 9.250/95 impõe a incidência do imposto sobre a importância total
recebida pela pessoa física.
Partindo-se da premissa de que os valores, durante a sua acumulação no
plano de benefícios, não sofreriam tributação pelo imposto de renda175, estar-se-ia, com essa
174 O texto da norma faz menção a “benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social”, o que remete ao debate sobre o alcance desse dispositivo. A este respeito, para se evitar repetições, faz-se referência aos comentários tecidos quando do exame do caráter complementar da previdência privada (Capítulo II), em que, basicamente, se expôs o entendimento no sentido de considerar que a complementaridade da previdência privada reside, não na complementação dos benefícios mínimos de aposentadoria assegurados pela previdência estatal, mas no papel do regime de previdência privada como parte do sistema previdenciário brasileiro, a servir de complementação, e não como um regime paralelo, ao de filiação obrigatória. 175 O que será objeto de comentários ulteriores.
124
sistemática, atendendo à desejada finalidade de postergar a tributação pelo imposto de renda
para o momento do recebimento dos recursos.
É de se ressaltar que a postergação ora referida há de ser considerada em seu
aspecto fiscal e não financeiro, pois se assim o for, deve-se ter em mente que a tributação
posterior pode representar perda financeira, na medida em que o principal investido é
tributado sob uma realidade econômica posterior, em que provavelmente há maior ônus
econômico do que aquele existente quando da dedutibilidade das contribuições.
Ademais, a afirmação de que se estaria diante de um efetivo diferimento
parte da premissa de que a tributação seria imposta sob os mesmos critérios vigentes quando
da dedução. Assim, a mudança de alíquotas e/ou base de cálculo do imposto no intervalo
temporal entre o momento da dedução e o do resgate ou recebimento do benefício
previdenciário pode implicar um prejuízo financeiro e fiscal.
Em todo caso, esta realidade foi alterada em 1997, sendo que, desde 01 de
janeiro de 1998, passou a vigorar o disposto no artigo 11 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro
de 1997, que incorporou à sistemática prevista na Lei nº 9.250/95, um limite de 12% para a
dedução das contribuições realizadas pelas pessoas físicas aos planos de previdência
privada176, sem que tenha havido, em contrapartida, uma limitação para o imposto de renda
devido sobre os resgates e benefícios.
Em outras palavras, dois anos após a instituição do regime de diferimento
fiscal, a lei alterou tal sistemática, impondo um limite para a dedução das contribuições
efetuadas pela pessoa física a plano de previdência privada, mas mantendo a incidência, sem
176 A redação original do artigo tem o seguinte teor: “Art. 11. A dedução relativa às contribuições para entidades de previdência privada, a que se refere a alínea ‘e’ do inciso II do art. 8º da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, somada às contribuições para o Fundo de Aposentadoria Programada Individual - FAPI, a que se refere a Lei n.º 9.477, de 24 de julho de 1997, cujo ônus seja da pessoa física, fica limitada a doze por cento do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos. § 1º Aos resgates efetuados pelos quotistas de Fundo de Aposentadoria Programada Individual - FAPI, aplicam-se, também, as normas de incidência do imposto de renda de que trata o art. 33 da Lei nº 9.250, de 1995. § 2º Na determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, o valor das despesas com contribuições para a previdência privada, a que se refere o inciso V do art. 13 da Lei nº 9.249, de 1995, e para os Fundos de Aposentadoria Programada Individual - FAPI, a que se refere a Lei nº 9.477, de 1997, cujo ônus seja da pessoa jurídica, não poderá exceder, em cada período de apuração, a vinte por cento do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao referido plano. § 3º O somatório das contribuições que exceder o valor a que se refere o parágrafo anterior deverá ser adicionado ao lucro líquido para efeito de determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido. § 4º O disposto neste artigo não elide a observância das normas do art. 7º da Lei n° 9.477, de 1997.”
125
limites, sobre a totalidade dos valores recebidos pelo plano, quando do resgate ou pagamento
dos benefícios.
Em 2001, em atendimento ao novo perfil de público dos planos de
previdência privada, notadamente aqueles operados por entidades abertas de previdência
complementar e sociedades seguradoras autorizadas, o Poder Executivo editou a Medida
Provisória nº 2.113-30, de 26 de abril de 2001, que possibilitou, pelo seu artigo 61, a dedução
das contribuições efetuadas por pessoas físicas em favor de seus dependentes, assim
relacionados na Declaração Anual do imposto de renda177, 178. Foi mantido, porém, o limite de
12% para dedução das contribuições, limite este considerado globalmente, isto é, em relação
ao valor total destinado a planos de benefícios, tanto em favor próprio, como de seus
dependentes.
O referido dispositivo legal nada mais fez que adequar a legislação ao
regime de tributação já vigente para os rendimentos recebidos pelos dependentes, os quais
devem ser somados aos rendimentos do contribuinte, para efeitos de tributação pelo imposto
de renda, quando da elaboração da Declaração Anual do imposto.
Mais recentemente, em 18 de junho de 2004, foi editada a Lei nº 10.887, que
estabeleceu mais uma limitação para tal dedutibilidade: a condição de que, para efetuar a
dedução das contribuições, a pessoa física também contribua, ao menos com o valor mínimo
estabelecido pela legislação, para o regime geral de previdência social ou para o regime
próprio de previdência social dos servidores públicos, condição esta somente dispensada, por
questões óbvias, aos participantes aposentados por um desses regimes previdenciários
estatais.
177 “Art. 61. A partir do ano-calendário de 2001, poderão ser deduzidas, observadas as condições e o limite global estabelecidos no art. 11 da Lei no 9.532, de 1997, as contribuições para planos de previdência privada e para o Fundo de Aposentadoria Programada Individual - FAPI, cujo titular ou quotista seja dependente do declarante.” 178 Instrução Normativa SRF nº 15 de 6 de fevereiro de 2001: “Art. 38. Podem ser considerados dependentes: I - o cônjuge; II - o companheiro ou a companheira, desde que haja vida em comum por mais de cinco anos, ou por período menor se da união resultou filho; III - a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até 21 anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; IV - o menor pobre, até 21 anos, que o contribuinte crie e eduque e do qual detenha a guarda judicial; V - o irmão, o neto ou o bisneto, sem arrimo dos pais, até 21 anos, desde que o contribuinte detenha a guarda judicial, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; VI - os pais, os avós ou os bisavós, desde que não aufiram rendimentos, tributáveis ou não, superiores ao limite de isenção mensal de R$ 900,00 (novecentos reais);
126
Essa alteração, como demonstrado na exposição de motivos da lei
(Exposição de Motivos MP/MPS nº 08), tem por finalidade criar uma vinculação financeira
entre o regime de previdência complementar privada e os regimes de filiação obrigatória,
seguindo uma interpretação que é equivocada179. Confira-se:
“A legislação relativa ao imposto de renda pessoa física, especialmente o art. 11 da Lei nº 9.532, de 1997, possibilita que tanto as contribuições pagas à previdência social obrigatória, quanto as vertidas aos planos de previdência privada sejam dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda devido pela pessoa física. Contudo, não exige, para fins dessa dedução, nenhuma vinculação entre os regimes previdenciários. A parcela vertida à previdência privada pode ser deduzida, mesmo não havendo qualquer contribuição ap RGPS ou a qualquer outro regime próprio de previdência social da União, Estados ou Municípios. Essa situação não é razoável. Um dos principais atrativos da participação em fundos de previdência privada tem sido a dedução das contribuições do valor a ser pago a título e imposto de renda da pessoa física. Esse tipo de poupança deve ser estimulado, Entretanto, não há como desvincular a participação do segurado na previdência privada de sua participação nos regimes de previdência oficial. Isto porque a filiação a esses regimes é de caráter obrigatório para qualquer pessoa física que exerce atividade remunerada. É justo que somente seja concedido o incentivo fiscal da dedução aos contribuintes do regime de previdência complementar, nas modalidades aberta ou fechada, desde que seja comprovada a sua regularidade em relação à previdência de filiação obrigatória, vale dizer, desde que op sujeito, primeiramente, desincumba-se do dever constitucional de solidariedade social, fazendo-o ao verter as suas contribuições para os sistemas oficiais de previdência. Do contrário, os regimes deixam de ser complementares, tornando-se simplesmente substitutivos.”
Vale destacar que a regulamentação trazida pela Instrução Normativa da
Secretaria de Receita Federal nº 588, de 21 de dezembro de 2005, no tocante a esta condição
imposta pela Lei nº 10.887/04, deixa claro o entendimento das autoridades fiscais no sentido
de que, para realizar a dedução de contribuições a planos de previdência privada pelas pessoas
físicas em favor dos seus dependentes fiscais, é necessário que também os dependentes
contribuam para os regimes de previdência estatal, se forem maiores de 16 anos de idade.
Confira-se:
“Art. 7º As contribuições para planos de previdência complementar e para Fapi, cujo titular ou quotista seja dependente, para fins fiscais, do declarante, podem ser deduzidas desde que o declarante seja contribuinte do regime geral de previdência social ou, quando for o caso, para regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, observado o disposto no art. 6º. Parágrafo único. Na hipótese de dependente com mais de 16 anos, a dedução a que se refere o caput fica condicionada, ainda, ao recolhimento, em seu nome, de
VII - o absolutamente incapaz, do qual o contribuinte seja tutor ou curador. (...)” 179 A este respeito, vide Capítulo II, quando tratou-se do regime jurídico da previdência privada e o seu caráter complementar.
127
contribuições para o regime geral de previdência social, observada a contribuição mínima, ou, quando for o caso, para regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.”
O elemento que salta aos olhos, no tocante a este dispositivo, é a fixação de
uma condição que não reflete o perfil da população brasileira – quer porque muitos dos jovens
de idade igual ou superior a 17 anos não têm emprego, estando ainda em fase de conclusão do
ensino médio, ou porque exercem atividades sem vínculo empregatício (até mesmo na
economia informal)180.
Não obstante tais críticas, tem-se hoje vigente a seguinte redação do artigo
11 da Lei nº 9.532/97:
“Art. 11. As deduções relativas às contribuições para entidades de previdência privada, a que se refere a alínea e do inciso II do art. 8o da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e às contribuições para o Fundo de Aposentadoria Programada Individual - Fapi, a que se refere a Lei no 9.477, de 24 de julho de 1997, cujo ônus seja da própria pessoa física, ficam condicionadas ao recolhimento, também, de contribuições para o regime geral de previdência social ou, quando for o caso, para regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, observada a contribuição mínima, e limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos. § 1o Aos resgates efetuados pelos quotistas de Fundo de Aposentadoria Programada Individual - Fapi aplicam-se, também, as normas de incidência do imposto de renda de que trata o art. 33 da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995. (...) § 5o Excetuam-se da condição de que trata o caput deste artigo os beneficiários de aposentadoria ou pensão concedidas por regime próprio de previdência ou pelo regime geral de previdência social.”
Assim, atualmente, a pessoa física poderá deduzir, para apuração do
imposto de renda devido no ano, as contribuições vertidas para o plano de previdência
complementar privada, desde que: (i) a contribuição seja destinada a custear benefícios em
plano de previdência próprio ou para seus dependentes fiscais; (ii) não se ultrapasse o limite
de 12% dos rendimentos tributáveis anuais; (iii) haja contribuição para o regime geral da
previdência social ou para regime próprio de previdência social dos servidores públicos
180 A realidade a que se refere está baseada na constatação de que o recolhimento de contribuição para o regime geral da previdência social está intimamente ligado ao exercício de atividade com vínculo empregatício; sendo possível, ainda que remotamente se verifique concretamente, a realização de contribuição, por estes jovens, na condição de segurado facultativo deste regime previdenciário estatal.
128
(exceto aposentados por estes regimes), e, nos casos de contribuição em favor de dependentes
fiscais maiores de 16 anos, estes também contribuam para o regime previdenciário estatal.
Diante disso, algumas considerações merecem destaque.
A primeira é que nem sempre a dedução dá-se da forma descrita na
legislação supra mencionada. Isto se deve ao fato de, atualmente, a pessoa física pode apurar
o imposto de renda anual segundo duas modalidades, que se convencionou referir pelo
modelo de declaração anual do imposto: segundo uma base presumida (em que a declaração é
apresentada em modelo dito simplificado) e um base real (cuja declaração segue o modelo
dito completo).
Apurando o imposto pela base presumida, o contribuinte há de considerar,
para formação da base de cálculo do imposto de renda, a totalidade dos rendimentos e ganhos
auferidos no ano-calendário, com dedução de um percentual de 20%, que, presumivelmente,
tenha sido consumido para despesas necessárias à subsistência do indivíduo. Neste caso, não
importa se houve ou não a realização de contribuições para o plano de previdência
complementar. O percentual de 20% é descontado para formação da base tributável
independentemente de qualquer comprovação por parte do sujeito passivo.
Segundo a base real, por outro lado, parte-se da totalidade dos rendimentos e
ganhos auferidos no ano, para então serem descontadas as despesas autorizadas pela lei, nos
limites e condições legalmente fixados. Nesta hipótese, a pessoa física que tenha realizado
investimento no plano de previdência complementar, poderá descontar as contribuições
efetuadas, até o limite de 12% dos rendimentos tributáveis anuais, mas desde que também
contribua para um dos regimes da previdência estatal181.
Assim, nos casos em que a pessoa física opte pela apuração do imposto de
renda anual pelo sistema de tributação presumida182 e contribua para plano de previdência
privada, a sua dedução efetiva pode ser maior ou menor que aquela autorizada pela lei, e
ainda é possível que não haja nem mesmo satisfação da condição de contribuição ao regime
de previdência estatal. Ao passo que, se essa mesma pessoa escolher a apuração pelo regime
da tributação real, os limites e condições previstos legalmente serão aplicados.
181 Ressalvados os aposentados por um dos regimes estatais, conforme antes mencionado. 182 Lembrando-se que o que se presume, neste caso, é a despesa e não o rendimento.
129
Outra observação que se faz é que o cálculo do limite de 12%, repousa sobre
os rendimentos tributáveis anuais, isto é, outros rendimentos (isentos ou tributados
exclusivamente na fonte) não são computados para determinação deste limite quantitativo,
resultando numa limitação ainda mais estreita que aquela possivelmente atribuída, se
considerados esses outros rendimentos.
Ademais, a limitação para os rendimentos tributáveis acarreta a
impossibilidade de dedução das contribuições para os planos de previdência complementar
para aqueles que não auferem rendimentos tributáveis, o que poderá ser tanto aqueles que
estão abaixo da faixa tributável (segundo a tabela progressiva do imposto de renda) quanto os
que aufiram rendimentos considerados isentos por sua natureza, tal como os lucros e
dividendos e a aposentadoria recebida do regime geral da previdência social.
Por todas estas razões, observando-se exclusivamente as condições para
dedução das contribuições para os planos de previdência complementar, pela pessoa física,
verifica-se que, por existir uma limitação para tal desconto, sem que haja tal limitação para
incidência do imposto no resgate de contribuições ou recebimento dos benefícios, não se
alcança o almejado “diferimento fiscal”.
Ademais, mesmo que se tome como exemplo um indivíduo que contribua
anualmente para o plano de previdência privada até o limite de 12% dos seus rendimentos
tributáveis, é possível, como mencionado anteriormente, que as condições impostas para
dedução das contribuições acarretem a vedação, total ou parcial, dos descontos desses valores,
da base do imposto de renda devido no respectivo ano-calendário.
5.1.1.2 Pessoa Jurídica
Quando da análise do tema da tributação dos planos de previdência
complementar privada, a primeira impressão é a de que se está tratando apenas dos reflexos
tributários relativos ao imposto de renda devido pela pessoa física. Porém, como a contratação
de um plano dessa natureza pode incluir a participação de uma pessoa jurídica na qualidade de
130
patrocinadora, é preciso, também, averiguar qual o impacto das contribuições por ela feitas
em favor de seus empregados e dirigentes.
Essas contribuições, por se dirigirem ao benefício de terceiros que mantêm
vínculo empregatício com a patrocinadora, assemelham-se, à primeira vista, a uma
remuneração concedida em razão do serviço prestado. Assim sendo, em termos tributários,
haveria a incidência do imposto de renda sob a mesma sistemática aplicável aos salários e
demais remunerações decorrentes do contrato de trabalho (i.e., incidência do imposto de renda
na fonte com base de tabela progressiva).
Ocorre, porém, que, especificamente para esses valores, o artigo 6º, inciso
VIII, da Lei nº 7.713/88 previu a isenção do imposto de renda. Dessa forma, sobre as
contribuições realizadas pelas pessoas jurídicas haverá apenas a incidência do imposto de
renda para a pessoa física quando houver a efetiva disponibilidade dos recursos, na realização
de resgates ou recebimento dos benefícios previdenciários183.
Do ponto de vista da empresa patrocinadora, há de se verificar quais os
ditames legais para determinação do seu tratamento tributário.
Editada na mesma data que a Lei nº 9.250/95, que introduziu a sistemática
de diferimento fiscal ao investimento em previdência privada, a Lei nº 9.249, ao estabelecer
normas para a incidência do imposto de renda das pessoas jurídicas, assegurou a possibilidade
de dedução, na apuração do lucro real (base de cálculo do imposto de renda) e da base de
cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, das contribuições efetuadas pessoas
jurídicas aos planos de previdência complementar em favor de seus empregados e dirigentes:
“Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções, independentemente do disposto no art. 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964: (...) V - das contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica; (...)”
A dedução, no tocante ao imposto de renda, está autorizada apenas para as
pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, conforme expressamente consta do texto legal.
183 “Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) VIII - as contribuições pagas pelos empregadores relativas a programas de previdência privada em favor de seus empregados e dirigentes (...)”
131
Aquelas tributadas pela sistemática do lucro presumido não possuem tal faculdade, visto que,
assim como referido quando se tratou da pessoa física, a base de cálculo presumida do
imposto de renda das pessoas jurídicas não admite a dedução de despesas especificamente
autorizadas na legislação.184
Ademais, interessante notar que mais uma vez a redação da lei faz referência
a “benefícios complementares assemelhados aos da previdência social”, o que, conforme
antes afirmado, ressalta a característica de complementaridade da previdência privada no
sistema previdenciário nacional, nada mais185.
Outra expressão usada pelo legislador, no artigo 13 supratranscrito é
“contribuições não compulsórias”, cujo cabimento somente é possível para os seguros e
planos de saúde, mencionados no dispositivo legal, ao lado dos planos de previdência privada.
Isto porque, conforme antes comentado, a previdência privada é marcada pela característica
da liberdade de contratação, sendo facultado às partes das relações jurídicas a ela subjacentes
(participantes, entidades de previdência e patrocinadoras) estabelecer livremente as condições
que desejarem, inclusive no tocante à periodicidade e ao valor das contribuições a serem
efetuadas. Assim sendo, em se tratando dos planos de previdência privada instituídos em
favor de empregados e dirigentes, é desnecessária a menção à não-compulsoriedade das
contribuições da patrocinadora.
Outra observação possível é a de que o texto não condiciona que as
contribuições sejam feitas em favor de todos os empregados e dirigentes da empresa para que
possam ser consideradas dedutíveis. O que está determinado legalmente é que, efetuando a
pessoa jurídica contribuições para custear benefícios de previdência complementar instituídos
em favor de empregados e dirigentes, estará assegurada a dedutibilidade. Em outras palavras,
sendo o plano de benefícios instituído para todos os empregados e dirigentes, ainda que
apenas alguns deles tenham efetuado a sua adesão, as contribuições vertidas pela
patrocinadora podem ser descontadas do imposto de renda devido no respectivo período de
apuração. Em outras palavras, a universalidade é obrigatória quanto à disponibilização do
plano previdenciário para os empregados e dirigentes da empresa; porém, a adesão individual
destes ao plano é facultativa.
184 A dedução é presumida. 185 Vide comentários à característica de complementaridade da previdência privada no Capítulo II do presente estudo.
132
Ocorre que, assim como aconteceu com a dedutibilidade das contribuições
da pessoa física, o artigo 11 da Lei nº 9.532/97 estabeleceu um limite para o desconto das
contribuições realizadas pelas pessoas jurídicas em planos privados de previdência em favor
de seus empregados e dirigentes. Confira-se:
“Art. 11 (...) § 2o Na determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, o valor das despesas com contribuições para a previdência privada, a que se refere o inciso V do art. 13 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e para os Fundos de Aposentadoria Programada Individual - Fapi, a que se refere a Lei no 9.477, de 24 de julho de 1997, cujo ônus seja da pessoa jurídica, não poderá exceder, em cada período de apuração, a 20% (vinte por cento) do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao referido plano. § 3o O somatório das contribuições que exceder o valor a que se refere o § 2o deste artigo deverá ser adicionado ao lucro líquido para efeito de determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido.”
Desde 1998, portanto, nos planos coletivos abertos ou nos planos fechados,
em que a pessoa jurídica participe como patrocinadora, o valor das despesas com
contribuições por ela efetuadas poderá ser deduzido na apuração da base de cálculo do
imposto de renda, desde que não exceda, em cada período de apuração, a 20% do total dos
salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao
referido plano.
A justificativa dada para a inclusão deste limite para dedução das
contribuições da pessoa jurídica, conforme a Exposição de Motivos nº 644, de 14 de
novembro de 1997, foi a de que seria necessário colocar uma “trava” na possibilidade de
postergação do pagamento do imposto de renda mediante a constituição de planos de
previdência no encerramento dos períodos de apuração com resgates previstos para prazos
curtos, com a única finalidade única e exclusiva de obter vantagens de natureza fiscal.
Confira-se:
“O artigo 11 trata das contribuições para a previdência privada, limitando as deduções das pessoas físicas a até doze por cento do seu rendimento bruto no período a que corresponder as contribuições. Relativamente à parcela das contribuições cujo ônus seja da pessoa jurídica instituidora, o limite estabelecido é de até o dobro do valor suportado pelos empregados e dirigentes da empresa. Referidos limites compatibilizam-se com os que atualmente são praticados pela esmagadora maioria das empresas que proporcionam este tipo de benefício a seus
133
empregados e dirigentes, notadamente aquelas com participação societária do setor público. Essa medida, ao mesmo tempo que em nada prejudica o setor da previdência privada, coloca uma trava na possibilidade, hoje existente, de postergação do pagamento do imposto de renda mediante a constituição de planos de previdência no encerramento dos períodos de apuração com resgates previstos para prazos curtos, com a única finalidade única e exclusiva de obter vantagens de natureza fiscal.”
Com a introdução deste limite, o legislador não apenas restringiu a dedução
das contribuições da patrocinadora do plano com a fixação de um percentual, mas também
vinculou esse percentual à remuneração dos respectivos beneficiários.
De um lado, parece razoável ter-se limitado a dedução das contribuições
para evitar que a previdência privada pudesse ser usada como instrumento de pagamento de
salários e gratificações a seus empregados, conforme asseveram Andréa Nogueira Neves e
Fabiana Ulson Zappa:
“A dedução de tais contribuições era ilimitada até a edição da Lei nº 9.532/97, por meio da qual ficou restrita a 20% do valor dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes vinculados ao plano previdenciário, o que é bastante compreensível na medida em que evita a substituição de parcelas salariais – sujeitas a pesados encargos sociais (FGTS, contribuições para a previdência social, 13º salário, férias, verbas rescisórias etc.) por contribuições a planos de previdência complementar.” 186
No mesmo sentido, Eurico Marcos Diniz de Santi e Paulo Ayres Barreto
afirmam:
“Esta é a finalidade do art. 11, §2º, da Lei nº 9.532/97, que – diante da dificuldade de se precisar os contornos e critérios de dedutibilidade das despesas com o custeio de previdência complementar (...) – estabeleceu o limite máximo de 20% da folha de salários, demarcando, por via oblíqua, o conceito de despesa necessária nesta matéria. Fixar limites assim cabe legitimamente em tais circunstâncias – se ausente a regra objetivamente, ao contribuinte sobre-restaria poder unilateral para furtar-se à incidência do IR ou mesmo reduzir artificialmente sua base de cálculo. Sendo assim, é plenamente constitucional a aplicação do limite estabelecido nesta regra às despesas ordinárias correntes com contribuições destinadas a custear seguros, planos de saúde e benefícios complementares assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica, a partir de 1º de janeiro de 1998.” 187
186 “Dedutibilidade das Contribuições Destinadas a Planos de Previdência Complementar” cit. p. 517. 187 “Contribuições para Previdência Privada – Dedutibilidade em face do Imposto sobre a Renda – Força da EC 20/98 – Aplicabilidade da Lei 9.532/97, no Tempo”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 93, junho/03, p. 130.
134
No entanto, ao se observar essa previsão de forma sistemática, considerando
os critérios da dedutibilidade da pessoa física, anteriormente descrita, é possível verificar que
não há uma “complementação” que pudesse justificar a limitação para a realização dessas
contribuições – nem para o participante, nem para a patrocinadora.
Com efeito, o limite, estabelecido para as patrocinadoras, de 20% da
remuneração dos empregados e dirigentes vinculados ao plano não guarda qualquer coerência
nem com o limite fixado para desconto das contribuições realizadas pelo participante, nem
com o imposto que irá incidir sobre o resgate ou aposentadoria recebidos do plano, pela
pessoa física.
Não obstante, é forçoso reconhecer que a faculdade para dedução das
contribuições da pessoa jurídica é um verdadeiro estímulo para a instituição de planos de
previdência em favor de empregados e dirigentes, e, com isso, um importante fator para o
desenvolvimento da previdência privada no País, e, por conseguinte, da evolução de todo o
sistema previdenciário nacional.
Alguns ajustes quanto à aplicação dos dispositivos atinentes à dedução das
contribuições das patrocinadoras, porém, carecem ainda de adaptação por parte das
autoridades tributárias. Isto porque, nos últimos anos, é possível verificar a lavratura de autos
de infração que, a pretexto de questionarem a satisfação das condições legais para
dedutibilidade das contribuições da pessoa jurídica ao plano de benefícios, acabam por
descaracterizar o plano de benefícios como um todo188.
Esses questionamentos devem ser analisados com a devida cautela, para se
separar o que é análise das condições para dedutibilidade das contribuições da pessoa jurídica
– e, com isso delimitar o âmbito de competência da Administração Tributária – daquilo que é
condição contratual do plano de benefícios – submetido à fiscalização e controle da Secretaria
188 “IRPJ E CSLL – BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS - EMPREGADOS E DIRIGENTES – INDEDUTIBILIDADE: São indedutíveis as contribuições não compulsórias destinadas a custear planos de benefícios complementares não assemelhados aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica. A previsão contratual de resgate independentemente da ocorrência de um estado de necessidade como o que ocorre na previdência social, descaracteriza a semelhança, tornando indedutíveis os pagamentos. (Lei nº 9.249/95 art. 13 inciso V c/c Lei 8.213/91 arts. 1º e 18). RECURSO NEGADO” (Acórdão 107-07355 - Sétima Câmara – Primeiro Conselho de Contribuintes)
135
de Previdência Complementar (SPC)189 ou da Superintendência de Seguros Privados
(SUSEP), conforme antes exposto.
5.1.2 Isenção do Imposto de Renda Durante a Fase de Acumulação
Até aqui, é possível afirmar que, quando da realização de contribuições ao
plano de benefícios, a legislação determina a dedução de tais valores, quer tenham sido eles
aportados pela pessoa física ou pela pessoa jurídica. Na seqüência, é necessário verificar,
portanto, qual o tratamento, para fins do imposto de renda, dos recursos, enquanto mantidos
no plano de previdência complementar, isto é, após as contribuições e antes da sua devolução,
sob a forma de resgate ou benefício, ao participante ou beneficiário.
Durante este período (mais conhecido como “fase de acumulação” ou
“período de diferimento”), os recursos mantidos no plano são considerados como reservas
técnicas (para pagamento dos benefícios futuros)190 e são integralmente aplicados em
investimentos financeiros (de renda fixa e de renda variável) e imobiliários. As aplicações são
realizadas com estrita observância dos critérios, condições e limites de diversificação
impostos pelo Conselho Monetário Nacional, conforme previsão do artigo 9º, parágrafo 1º, da
Lei Complementar nº 109/01191.
Os rendimentos e ganhos auferidos em tais aplicações financeiras são
revertidos para o plano e passam a compor a reserva técnica, a fim de rentabilizar a poupança
acumulada pelos participantes e patrocinadores.
189 Houve, em 2004, a tentativa de criação de uma superintendência de regulação das entidades fechadas de previdência complementar, a exemplo da SUSEP, no âmbito das entidades abertas. Por intermédio da Medida Provisória nº 233, de 30 de dezembro de 2004, criou-se a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, a qual deixou de existir em razão de a referida medida provisória não ter sido convertida em lei no prazo previsto no artigo 62 da Constituição Federal. 190 A referência feita pela lei a essas reservas é mediante o uso da expressão “reservas técnicas, fundos e provisões”; atingindo, com isso, todos os valores destinados aos planos de benefícios, que representam passivos para pagamento de benefícios futuros aos participantes ou beneficiários por estes eleitos. 191 “Art. 9o As entidades de previdência complementar constituirão reservas técnicas, provisões e fundos, de conformidade com os critérios e normas fixados pelo órgão regulador e fiscalizador. § 1o A aplicação dos recursos correspondentes às reservas, às provisões e aos fundos de que trata o caput será feita conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. § 2o É vedado o estabelecimento de aplicações compulsórias ou limites mínimos de aplicação.”
136
No caso das entidades fechadas de previdência complementar, a quase
totalidade do que é revertido em contribuições por participantes e patrocinadoras é aplicado
financeiramente e retorna como remuneração das reservas acumuladas, exceto pela pequena
parcela destinada ao custeio das despesas administrativas. Isso se deve à natureza não
lucrativa dessas entidades e a obrigatória reversão do superávit para os planos de benefícios
por elas administrados.
Nos planos abertos, por sua vez, há cobrança de uma taxa que é descontada
das contribuições efetuadas, a título de remunerar a entidade aberta de previdência
complementar ou sociedade seguradora administradora do plano (ambas organizadas como
sociedades com fim lucrativo), e o restante é destinado à constituição de fundo de
investimento exclusivo, a partir do qual as aplicações financeiras são realizadas.
Em ambos os casos, as aplicações financeiras são realizadas pelas entidades
de previdência complementar, tal como se fossem as efetivas titulares dos recursos aplicados.
Tal mecanismo se justifica pelo fato de a estrutura dos planos de previdência no País estar
pautada na entrega dos recursos, pelos participantes e patrocinadoras, às entidades, de forma
semelhante ao negócio fiduciário. As entidades administram esses recursos, realizam
contratos sob nome próprio, mas sempre com vistas a atingir o objetivo dos seus beneficiários
(ou titulares reais).192
Historicamente, um largo debate foi travado acerca do tratamento tributário
dos rendimentos e ganhos auferidos pela aplicação financeira das reservas técnicas dos planos
de previdência privada. Primeiramente, tomando-se por base o desejado reconhecimento das
entidades fechadas de previdência complementar como entidades de assistência social,
beneficiárias da imunidade prevista no artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal193.
A necessidade de tal reconhecimento não somente se justificava pelo
interesse de se desonerar a aplicação financeira dos recursos poupados pelos participantes –
192 Apenas com a edição da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005 (em seus artigos 76 seguintes), é que se passou a estabelecer a possibilidade de criação de planos abertos de previdência complementar nos quais os recursos possam ser aplicados em fundos de investimento cujos quotistas são as próprias patrocinadoras e participantes do plano. 193 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (...)”
137
vez que esses já sofreriam, como de fato sofrem, incidência do imposto de renda quando da
sua disponibilidade sob a forma de resgate ou benefício –, mas também para se criar
condições isonômicas entre as entidades abertas e fechadas de previdência. Isto porque as
entidades e seguradoras administradoras dos planos abertos, ao receberem tratamento
tributário equiparado ao de instituições financeiras, estavam desoneradas da incidência do
tributo durante a fase de acumulação194.195
O artigo 70 da Lei Complementar nº 109/01 tentou pôr fim aos entraves
nesta matéria, determinando que “os investimentos e os rendimentos provenientes das
aplicações dos recursos das reservas técnicas, provisões e fundos, constituídos com recursos
das contribuições e que garantam os benefícios, poderão ser incentivados, na forma da lei, e
deverão ter a tributação diferida em relação ao imposto sobre a renda”.
O referido dispositivo significaria a garantia de se determinar, em lei
complementar, uma limitação para a tributação dos planos de previdência privada, permitindo
o efetivo diferimento fiscal, conforme comentam José Cassiano Borges e Maria Lucia
Américo dos Reis:
“O artigo 70 da Lei Complementar nº 109/2001, indubitavelmente, reconhecia as extraordinárias funções social e econômica da previdência complementar no cenário nacional e reconhecia, ainda, que o estímulo às atividades desempenhadas pelas entidades abertas e fechadas era vital para o incremento da poupança interna. A tributação no período de acumulação e sobre as receitas de provisões, reservas e fundos de tais entidades inviabilizaria esse crescimento tão necessário para o país; daí a preocupação em diferir a tributação do imposto de renda, para a fase de execução dos planos de benefício”. 196
Contudo, o referido artigo foi vetado sob a justificativa de que não caberia à
lei complementar tratar sobre o tratamento tributário dos investimentos em previdência
privada197.
194 Artigo 77 da Lei nº 8.981/95, artigo 1º da Lei nº 9.065/95, artigo 12 da Lei nº 9.249/95 e artigo 5º da Lei nº 9.779/99. 195 Note-se que, como as aplicações financeiras dos recursos investidos nos planos de previdência privada são realizadas pelas entidades de previdência, em seu próprio nome, a discussão sobre a tributação dos rendimentos e ganhos auferidos nestas aplicações está relacionado à tributação das próprias entidades que os administram. 196 “O Regime Jurídico-tributário dos Fundos de Pensão e suas Inconsistências”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 78, março/02, p. 39. 197 Justificativa de veto presidencial ao artigo 70: “A lei complementar não é a norma própria para dispor sobre o tratamento a ser dispensado aos Fundos de Pensão, mormente quando fere questões que se inscrevem no domínio da legislação isencional. Isto posto, estou nesta oportunidade determinando ao Ministro da Fazenda que elabore, no mais breve prazo possível, através do apropriado ato normativo a ser submetido ao Congresso Nacional, que disponha sobre o
138
Com isso, as entidades fechadas de previdência complementar mantiveram
suas demandas judiciais, buscando o reconhecimento do direito ao gozo da imunidade
tributária, e, por conseguinte, da não aplicação das disposições legais que previam a
tributação dos rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações financeiras realizadas por tais
pessoas jurídicas.
A previsão sobre a tributação das aplicações financeiras realizadas pelas
entidades fechadas de previdência complementar data de 26 de outubro de 1983, quando foi
editado o Decreto-Lei nº 2.065, cujo artigo 6º continha a seguinte previsão:
“Art. 6º - As entidades de previdência privada referidas nas letras ‘a’ do item I e ‘b’, do item II, do Art. 4, da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, estão isentas do Imposto sobre a Renda de que trata o Art. 24 do Decreto-Lei nº 1.967 de 23 de novembro de 1982. § 1º - A isenção de que trata este artigo não se aplica ao imposto incidente na fonte sobre dividendos, juros e demais rendimentos de capital recebidos pelas referidas entidades. § 2º - O imposto de que trata o parágrafo anterior será devido exclusivamente na fonte, não gerando direito à restituição. § 3º - Fica revogado o § 3, do Art. 39, da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977.”
O parágrafo 3º, do artigo 39, da Lei nº 6.435/77, revogado por este
dispositivo era justamente o que previa que “as entidades fechadas são consideradas
instituições de assistência social, para os efeitos da letra c do item II do artigo 19 da
Constituição” (leia-se Constituição Federal de 1967).
Como a Constituição Federal de 1988 não trouxe uma previsão expressa
acerca dessa equivalência entre as entidades fechadas de previdência complementar e as
entidades de assistência social, e a Lei Complementar nº 109/01, ao revogar e substituir a Lei
nº 6.435/77, também não fez considerações a este respeito, o questionamento das entidades
subsistiu até finalmente o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal decidir, nos autos do
Recurso Extraordinário nº 202.700-DF, em 08 de novembro de 2001, que as entidades
fechadas de previdência complementar, cujos planos sejam custeados por participantes, não
têm natureza assistencial, mas contratual, verbis:
adequado tratamento tributário a ser conferido aos Fundos de Pensão, porquanto representam instituições indispensáveis à constituição da poupança nacional e, por conseguinte, merecem atenção prioritária e diferenciada, particularmente no que diz respeito ao diferimento da tributação em relação ao imposto de renda, comparativamente a outras formas de captação e investimento.” (Mensagem nº 494, de 29 de maio de 2001).
139
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA. 1. Entidade fechada de previdência privada. Concessão de benefícios aos filiados mediante recolhimento das contribuições pactuadas. Imunidade tributária. Inexistência, dada a ausência das características de universalidade e generalidade da prestação, próprias dos órgãos de assistência social. 2. As instituições de assistência social, que trazem ínsito em suas finalidades a observância ao princípio da universalidade, da generalidade e concede benefícios a toda coletividade, independentemente de contraprestação, não se confundem e não podem ser comparadas com as entidades fechadas de previdência privada que, em decorrência da relação contratual firmada, apenas contempla uma categoria específica, ficando o gozo dos benefícios previstos em seu estatuto social dependente do recolhimento das contribuições avençadas, conditio sine qua non para a respectiva integração no sistema. Recurso extraordinário conhecido e provido.”
Vinte dias depois, em julgamento do Recurso Extraordinário nº 259.756, o
Plenário da mesma corte firmou o entendimento segundo o qual as entidades fechadas de
previdência complementar, cujos planos sejam custeados exclusivamente por patrocinadoras
em favor de seus empregados e dirigentes, têm natureza assistencial, gozando, portanto, da
imunidade tributária assegurada constitucionalmente às entidades de assistência social,
conforme se extrai de sua ementa:
“IMUNIDADE - ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reservas, o fato de mostrar-se onerosa a participação dos beneficiários do plano de previdência privada afasta a imunidade prevista na alínea ‘c’ do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal. Incide o dispositivo constitucional, quando os beneficiários não contribuem e a mantenedora arca com todos os ônus. Consenso unânime do Plenário, sem o voto do ministro Nelson Jobim, sobre a impossibilidade, no caso, da incidência de impostos, ante a configuração da assistência social.”
Em tempo quase coincidente com tais julgamentos, o Poder Executivo
Federal editou a Medida Provisória nº 2.222, de 4 de setembro de 2001, a qual passou a prever
a incidência do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações das
reservas técnicas tanto de planos abertos quanto de planos fechados:
“Art. 1º A partir de 1º de janeiro de 2002, os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações de recursos das provisões, reservas técnicas e fundos de entidades abertas de previdência complementar e de sociedades seguradoras que operam planos de benefícios de caráter previdenciário, ficam sujeitos à incidência do imposto de renda de acordo com as normas de tributação aplicáveis às pessoas físicas e às pessoas jurídicas não-financeiras.
Parágrafo único. O imposto correspondente à parcela do rendimento ou ganho apropriada ao participante ou assistido pelo plano não pode ser compensado com
140
qualquer imposto ou contribuição devido pelas pessoas jurídicas referidas neste artigo ou pela pessoa física participante ou assistida.”
Alternativamente a esta tributação, as entidades de previdência
complementar e seguradoras poderiam optar pela tributação segundo a sistemática que se
convencionaria chamar de Regime Especial de Tributação ou simplesmente “RET”:
“Art. 2º A entidade aberta ou fechada de previdência complementar, a sociedade seguradora e o administrador do Fundo de Aposentadoria Programada Individual - FAPI poderão optar por regime especial de tributação, no qual o resultado positivo, auferido em cada trimestre-calendário, dos rendimentos e ganhos das provisões, reservas técnicas e fundos será tributado pelo imposto de renda à alíquota de vinte por cento. § 1º O imposto de que trata este artigo: I - será limitado ao produto do valor da contribuição da pessoa jurídica pelo percentual resultante da diferença entre: a) a soma das alíquotas do imposto de renda das pessoas jurídicas e da contribuição social sobre o lucro líquido, inclusive adicionais; e b) oitenta por cento da alíquota máxima da tabela progressiva do imposto de renda da pessoa física; II - será apurado trimestralmente e pago até o último dia útil do mês subseqüente ao da apuração; III - não poderá ser compensado com qualquer imposto ou contribuição devido pelas pessoas jurídicas referidas neste artigo ou pela pessoa física participante ou assistida. § 2º A opção pelo regime de que trata este artigo substitui o regime de tributação do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos auferidos por entidade fechada de previdência complementar e pelo FAPI, previsto na legislação vigente, bem assim o de que trata o art. 1º, relativamente às entidades abertas de previdência complementar e às sociedades seguradoras.
§ 3º No caso de entidade aberta de previdência complementar e de sociedade seguradora, o limite de que trata o inciso I do § 1º será calculado tomando-se por base, exclusivamente, as contribuições recebidas de pessoa jurídica referentes a planos de benefícios firmados com novos participantes a partir de 1º de janeiro de 2002.”
Com a instituição da tributação para as entidades abertas de previdência
privada, o Conselho Nacional de Seguros Privados editou a Resolução nº 72, de 26 de abril de
2002, segundo a qual o imposto de renda devido sobre os rendimentos e ganhos auferidos na
aplicação dos recursos dos planos de benefícios seria imputado às reservas dos participantes.
Com isso, o ônus do imposto, que, a priori, seria devido pela entidade administradora, visto
141
que seria ela que figuraria como titular dos investimentos, foi transferido diretamente para o
participante do plano198.
No tocante às entidades fechadas de previdência complementar, como os
seus ativos correspondem aos ativos dos planos de benefícios por elas administrados, a
imputação do ônus do tributo seria imediata e direta, não sendo necessária regulamentação a
este respeito.
O RET consistia, basicamente, no “autorecolhimento” do imposto de renda,
à alíquota de 20%, devido trimestralmente sobre os rendimentos e ganhos de capital auferidos
nas aplicações de recursos das reservas técnicas, fundos e provisões das entidades de
previdência privada. De acordo com essa metodologia de tributação, a carga tributária efetiva
para aqueles que optassem pelo RET poderia ser substancialmente inferior, já que o imposto
de renda ficava limitado a 12% do valor da contribuição da pessoa jurídica instituidora.
Este limite de 12%, correspondia à soma das alíquotas do imposto de renda
das pessoas jurídicas e da contribuição social sobre o lucro líquido (15% + 10% + 9% = 34%)
e 80% da alíquota máxima do imposto de renda das pessoas físicas (27,5% x 80% = 22%). A
sua fixação explicava-se como forma de compensar a “perda de arrecadação” da União em
razão da dedutibilidade das contribuições da pessoa jurídica para os planos de previdência
privada, conforme explicam Fabio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel:
“O Regime Especial de Tributação – RET – buscou, justamente, evitar a perda da receita tributária quando do pagamento da contribuição do empregador pessoa jurídica. É essa diferença, não devolvida via diferimento, que consubstanciava o limite da tributação sobre os ganhos das operações com os ativos garantidores. (...) No que tange às entidades fechadas de previdência, o cálculo do limite descrito incluiu todas as contribuições de patrocinadoras. No caso de entidades abertas de previdência, o limite em comento era calculado tomando-se como base, exclusivamente, as contribuições recebidas de pessoas jurídicas referentes a planos de benefícios firmados com novos participantes a partir de 1º de janeiro de 2002.
198 “Art. 1° Dispor sobre os procedimentos operacionais necessários à imputação do imposto de renda incidente sobre os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações dos recursos das provisões de planos de benefícios de caráter previdenciário. (...) Art. 2° O imposto de que trata o art. 1° será imputado à parcela da Provisão Matemática de Benefícios a Conceder do plano representada pelos rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações dos respectivos recursos. Parágrafo único. O eventual provisionamento a maior deverá, ao final de cada trimestre do ano civil, ser revertido à respectiva Provisão Matemática de Benefícios a Conceder. Art. 3° A imputação de que trata o art. 2° não poderá comprometer o rendimento mínimo contratualmente garantido, quando for o caso. Parágrafo único. Os planos de benefícios de caráter previdenciário que prevejam garantia de rendimento mínimo, submetidos à análise e aprovação da SUSEP, a partir da data de publicação desta Resolução, poderão prever que a respectiva garantia é líquida do referido imposto.(...)”
142
Essa situação denotou verdadeira arbitrariedade por parte do legislador tributário”. 199
Com efeito, sob a justificativa de estabelecer um tratamento igualitário entre
entidades abertas e fechadas de previdência complementar – o que, em última instância,
significaria tratamento isonômico entre participantes dos planos abertos e participantes dos
planos fechados –, a Medida Provisória previu mesma sistemática de tributação, porém com a
estipulação de um critério discriminador, que impactou significativamente, de forma
desfavorável, para a tributação dos planos fechados de previdência privada. Isto porque previa
que, para os planos abertos, o RET somente seria calculado com base nas contribuições dos
novos participantes ou novos planos instituídos a partir de 2002.
Entre aqueles que debatiam sobre a constitucionalidade de se tributar os
resultados financeiros das aplicações efetuadas com os recursos investidos pelos participantes
nos planos de previdência privada, encontra-se José Guilherme Ferraz da Costa, que, em sua
dissertação de mestrado nesta Casa, concluiu que a tributação das entidades de previdência
privada, fechadas ou abertas, sem fins lucrativos, não implica dupla incidência tributária,
tampouco violação ao princípio da capacidade contributiva, pois referidas entidades, em sua
independência econômica e jurídica, detêm capacidade contributiva apartada da do
contribuinte vinculado ao respectivo plano previdenciário. “Assim”, afirma o autor, “a
incidência de tributos sobre ganhos de capital da pessoa jurídica, auferidos na fase de
acumulação desses planos, e sobre os mesmos rendimentos quando repassados ao
beneficiário pessoa física implica mera dupla incidência econômica sobre contribuições
diferentes e não ‘bis in idem’ do ponto de vista jurídico”.200
A Medida Provisória nº 2.222/01 vigorou até 31 de dezembro de 2004,
quando então passou a produzir efeitos a Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004. O artigo
5º desta Lei, cuja redação foi posteriormente complementada pela inclusão do parágrafo único
pela Lei nº 11.196/05, dispõe:
“Art. 5º A partir de 1º de janeiro de 2005, ficam dispensados a retenção na fonte e o pagamento em separado do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações de recursos das provisões, reservas técnicas e fundos de planos de benefícios de entidade de previdência complementar, sociedade
199 “A Tributação das Entidades Fechadas de Previdência Complementar e o Princípio da Igualdade”, em “Tributação nos Mercados Financeiro e de Capitais e na Previdência Privada”, cit. p. 475 e 477. 200 “Incentivos Fiscais na seguridade Social”, PUS/SP, São Paulo: 2004, p. 180.
143
seguradora e FAPI, bem como de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo aos fundos administrativos constituídos pelas entidades fechadas de previdência complementar e às provisões, reservas técnicas e fundos dos planos assistenciais de que trata o art. 76 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001.”
Diante dessa previsão, atualmente os rendimentos e ganhos auferidos nas
aplicações financeiras dos recursos dos planos de benefícios, tanto administrados por
entidades abertas e seguradoras, quanto por entidades fechadas, estão isentos da incidência do
imposto de renda.
Trata-se de um importante avanço em direção ao almejado diferimento
fiscal, por intermédio do qual se propicie a incidência do imposto de renda única e
exclusivamente no momento do recebimento dos recursos pelo beneficiário do plano, seja na
forma de resgate ou de benefícios.
Isto não apenas como forma de alavancar o crescimento da previdência
complementar privada no País, mas como respeito à hipótese de incidência do imposto de
renda, como lembra Enrico Estefan Mannino, ao tratar especificamente das entidades
fechadas de previdência complementar (“fundos de pensão”):
“De fato, se tais fundos são (i), por expressa disposição legal, impedidos de auferir lucros, e, por tal razão, (ii) obrigados a contabilizar todos os rendimentos por ele recebidos como obrigações suas para com seus participantes, é mais do que legítima a tributação dos respectivos benefícios quando de sua disponibilização à pessoa física dos participantes. Como repetidamente mencionado, é dos ditos beneficiários a disponibilidade jurídica e econômica de todo e qualquer rendimento auferido nas aplicações administradas pelos fundos de pensão privada fechados” 201
5.1.3 Incidência do Imposto de Renda sobre Resgates e Benefícios
Conforme antes mencionado, a Lei nº 9.250/95, ao introduzir o regime de
“diferimento fiscal” previu, em seu artigo 33, que, em contrapartida à dedutibilidade das
contribuições, pela pessoa física, “sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e na
201 “Imunidade das Entidades Fechadas de Previdência Privada – Não-ocorrência dos Fatos Geradores do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 86, novembro/02, p. 140.
144
declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de entidade de previdência privada, bem
como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições.”
Trata-se de uma previsão diferenciada de incidência do imposto de renda: ao
invés de incidir apenas sobre a parcela que corresponder a um acréscimo patrimonial, este
regime prevê a incidência sobre o valor principal investido, além da parcela de acréscimo
patrimonial (rendimento). Essa tributação diferenciada pressupõe que tenha havido dedução
das contribuições realizadas ao plano, e até mais, que tenham sido tais contribuições
integralmente deduzidas da base do imposto de renda, tanto pelos participantes quanto pelas
empresas patrocinadoras. O que, conforme visto, nem sempre ocorrerá.
Em não ocorrendo a dedução, porém, o regime previsto na Lei nº 9.250/95
não admite flexibilização de sua aplicação, isto é, mesmo que não haja dedução das
contribuições, por qualquer motivo, o imposto incide invariavelmente sobre a totalidade do
valor pago pela entidade de previdência complementar.
As únicas exceções a este tratamento são as situações abrangidas por
isenção, sobre as quais se tratará a seguir. No mais, a regra é válida em sua inteireza.
É conveniente ressaltar, desde já, que o artigo 33 da Lei nº 9.250/95, matriz
legal da tributação dos investimentos nos planos de previdência complementar faz expressa
referência à incidência do imposto de renda apenas sobre os benefícios recebidos de entidade
de previdência privada, e sobre as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições,
o que significa dizer que outras movimentações dos recursos aplicados nos planos, que não
tenham natureza de resgate ou de benefícios, não sofrem a incidência do imposto por
carecerem de previsão legal para tanto.
Este esclarecimento é importante para se demonstrar a inexistência de
autorização legal para as autoridades fiscais pretenderem cobrar imposto de renda sobre as
operações de portabilidade das reservas acumuladas nos planos de benefícios.
Conforme as considerações tecidas no Capítulo II desde estudo, a
portabilidade corresponde à transferência das reservas individuais do participante entre planos
de previdência complementar administrados pela mesma entidade ou por outra entidade de
previdência privada, fechada ou aberta. Trata-se de um direito assegurado pela Lei
Complementar nº 109/01 a todos os participantes de planos previdenciários privados.
145
A portabilidade, por corresponder a uma transferência direta de recursos
entre entidades de previdência complementar ou mesmo no âmbito de uma mesma entidade,
sem qualquer disponibilização de recursos ao participante ou à patrocinadora, diferencia-se
essencialmente do resgate e do pagamento de benefícios – hipóteses em que os recursos do
plano são justamente postos à disposição do participante.
Assim sendo, é forçoso concluir que sobre a portabilidade não há que se
falar em incidência do imposto de renda.
Da mesma forma, as demais situações comentadas, que têm o mesmo efeito
da portabilidade – tal como a transferência coletiva de reservas de todo o grupo de
participantes de um plano de benefícios, a retirada de patrocínio ou mesmo as realocações de
reservas devido à reorganização societária da entidade – estão igualmente fora do alcance da
incidência do imposto.
Foi neste espírito que o legislador complementar inseriu o parágrafo 2º ao
artigo 69 da Lei Complementar nº 109/01:
“Art. 69. (...) § 2º Sobre a portabilidade de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões entre planos de benefícios de entidades de previdência complementar, titulados pelo mesmo participante, não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.”
Posto isso, firma-se, desde já, o entendimento de que a incidência do
imposto de renda, nos planos de previdência complementar somente atingem resgates e
benefícios.
Até 31 de dezembro de 2004, a tributação dos resgates e benefícios
recebidos de planos de benefícios estava baseada na incidência da tabela progressiva do
imposto de renda, instituída pelo artigo 25 da Lei nº 7.713/88, com alterações subseqüentes,
composta por uma faixa de renda isenta, uma faixa de renda tributada à alíquota de 15% e
uma tributada a 27,5%.
A partir de 1º de janeiro de 2005, no entanto, os participantes dos planos de
previdência complementar passaram a poder optar pelo regime de tributação que preferem
seja aplicado aos resgates e benefícios recebidos de seus planos.
146
Com efeito, em razão da edição da Lei nº 11.053/04, à escolha do
participante, os valores recebidos pelo plano de previdência complementar são tributáveis
segundo a tabela progressiva (“Regime Progressivo de Tributação”) ou, alternativamente, de
acordo com alíquotas regressivas conforme o prazo de permanência dos recursos no plano
(“Regime Regressivo de Tributação”).
Tal escolha somente não foi permitida para os participantes de planos de
benefícios da modalidade “benefício definido”, por impossibilidade técnica de aplicação do
Regime Regressivo de Tributação, conforme será exposto a seguir. Para estes participantes, os
resgates e os benefícios recebidos no âmbito desses planos sujeitam-se obrigatoriamente à
tabela progressiva do imposto de renda.
A escolha deve ser feita até o último dia útil do mês subseqüente ao do
ingresso do participante no plano de benefícios202, 203 e vale para todos os benefícios e
resgates pagos no âmbito do plano de previdência privada, ainda que os benefícios
previdenciários sejam pagos a beneficiários outros que não o próprio participante (se este vier
a falecer, por exemplo).
Tal opção é irreversível, mesmo que o participante transporte seus reservas
para outro plano administrado pela mesma ou outra entidade de previdência complementar,
exercendo o direito que lhe é garantido da portabilidade204. Com isso, há uma espécie de
“carimbo” das reservas acumuladas pelo participante, de tal forma que, se no momento da
realização da portabilidade, ele venha a optar por regime de tributação distinto daquele
escolhido no plano originário, as reservas acumuladas neste plano serão tributadas segundo o
202 Participantes que ingressaram nos planos antes de 1º de janeiro de 2005 tiveram até 30 de dezembro de 2005 para formalizar sua opção, nos termos do parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 11.053/04, com redação dada pelo artigo 91 da Lei nº 11.196/05. 203 Lei nº 11.053/04, com redação modificada pela Lei nº 11.196/05: “Art. 1º É facultada aos participantes que ingressarem a partir de 1o de janeiro de 2005 em planos de benefícios de caráter previdenciário, estruturados nas modalidades de contribuição definida ou contribuição variável, das entidades de previdência complementar e das sociedades seguradoras, a opção por regime de tributação no qual os valores pagos aos próprios participantes ou aos assistidos, a título de benefícios ou resgates de valores acumulados, sujeitam-se à incidência de imposto de renda na fonte às seguintes alíquotas: (...) § 5º As opções de que tratam o caput e o § 1º deste artigo serão exercidas pelos participantes e comunicadas pelas entidades de previdência complementar, sociedades seguradoras e pelos administradores de FAPI à Secretaria da Receita Federal na forma por ela disciplinada. § 6º As opções mencionadas no § 5º deste artigo deverão ser exercidas até o último dia útil do mês subseqüente ao do ingresso nos planos de benefícios operados por entidade de previdência complementar, por sociedade seguradora ou em FAPI e serão irretratáveis, mesmo nas hipóteses de portabilidade de recursos e de transferência de participantes e respectivas reservas.” 204 A respeito deste instituto, vide Capítulo II do presente estudo.
147
modelo de tributação antes escolhido e os recursos acumulados após a portabilidade serão
tributados de acordo com a opção feita no plano receptor.
Independentemente da alternativa escolhida, a base de cálculo do imposto de
renda será sempre a totalidade dos recursos pagos (principal e rendimentos); o que irá variar é
a alíquota aplicada para fixação do montante de tributo a ser recolhido.
Além da fixação da alíquota a outra única mudança entre o Regime
Progressivo de Tributação e o Regime Regressivo de Tributação é o tratamento a ser dado ao
imposto devido: no primeiro, o imposto de renda é retido em caráter de antecipação, isto é,
compensável com o imposto de renda devido ao final do ano-calendário, enquanto que no
outro, o imposto de renda retido é definitivo, não sendo ajustável quando da apuração da base
de cálculo efetiva do imposto da pessoa física.
Afora isto, também importa destacar que, independentemente do regime de
tributação escolhido, permanece a faculdade de dedução das contribuições tanto da pessoa
física quanto da pessoa jurídica. A opção pelos regimes de tributação progressivo ou
regressivo somente causa reflexos quanto ao imposto de renda devido no momento do
pagamento dos valores ao beneficiário, sendo mantida a dedutibilidade e a isenção na fase de
acumulação dos recursos no plano.
A modificação do tratamento tributário possibilitando-se a escolha entre dois
modelos de tributação é, de um modo geral, bem recebida, especialmente por criar uma
cultura de análise dos impactos tributários dos investimentos realizados em planos de
previdência privada.
Ademais, conforme destacado por João Marcelo Máximo Ricardo dos
Santos, a mudança no formato da tributação dos investimentos de longo prazo, como é o caso
da previdência privada, sempre deverá conter uma regra que inspire segurança jurídica aos
investidores, e neste ponto a manutenção do Regime Progressivo de Tributação tem grande
relevância:
“O primeiro ponto a ser pensado no tocante a mudanças no ambiente legal, quando se trata de uma atividade e de contratos que se constroem no longo prazo, é a segurança jurídica. Essa segurança, por sua vez, não está somente no respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, elementos que, juntamente com a coisa julgada, compõem aqueles expressamente protegidos pela Constituição. Na realidade, conforme acima mencionado, mesmo os ofertantes de planos consideram o ambiente legal existente quando se estruturam e preparam-se para
148
prover dinamismo à atividade que exercem. A alteração abrupta desse ambiente, muito embora possa eventualmente ser necessária, resulta na quebra das expectativas não somente dos consumidores mas também desses ofertantes, e pode desorganizar a evolução da atividade como um todo. Assim, o primeiro cuidado que se teve foi a criação de ambientes paralelos, o novo e o antigo, sem alterar os contratos já celebrados e mantendo válido o sistema tributário anterior, inclusive para contratações realizadas após a promulgação da norma, que veio a ser a Lei nº 11.053, de 2005.” 205
Passe-se à análise das peculiaridades e implicações de cada regime de
tributação.
5.1.3.1 Regime Progressivo de Tributação
O Regime Progressivo de Tributação segue, basicamente, os moldes daquele
vigente até 31 de dezembro de 2004, isto é, os resgates e benefícios pagos pelos planos de
previdência complementar sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte com base na
tabela progressiva vigente à época da ocorrência do fato jurídico tributável (“fato gerador”).
A referida tabela progressiva é composta por faixas de renda que
determinam a alíquota do imposto de renda aplicável. Atualmente, a tabela progressiva
mensal vigente, tal como aprovada pelo artigo 1º, da Lei nº 11.311, de 13 de junho de 2006, é
a seguinte:
Base de Cálculo em R$ Alíquota % Parcela a Deduzir do Imposto emR$
Até 1.257,12 - - De 1.257,13 até 2.512,08 15 188,57
Acima de 2.512,08 27,5 502,58
A única alteração promovida, neste regime, pela Lei nº 11.053/04, foi a
determinação da alíquota fixa de 15% do imposto de renda retido sobre os resgates efetuados
pelos participantes, independentemente do valor resgatado. Essa tributação é válida, porém,
205 “Panorama da Evolução Recente do Ambiente Legal e Regulatório da Previdência Complementar Aberta”, Revista de Previdência nº 4, Ed. Gramma, Rio de Janeiro, abril/06, p. 15.
149
para o imposto de renda a ser retido na fonte, sendo que, ao final do exercício fiscal, quando
da apuração da base de cálculo do imposto efetivamente devido no ano pelo contribuinte, os
resgates deverão ser submetidos à tabela progressiva, podendo alcançar a tributação pela
alíquota de 27,5%, a depender dos demais rendimentos e ganhos, bem como das deduções, a
serem consideradas.
Diante disso, é correto afirmar que, em última instância, resgates e
benefícios são tributados, no Regime Progressivo de Tributação, segundo a tabela
progressiva.
Cabe esclarecer que o estabelecimento da alíquota de 15% para os resgates
teve por finalidade prática evitar as situações, que antes aconteciam, de o contribuinte
programar seus resgates em valores iguais ou inferiores à faixa de renda isenta do imposto.
Assim, evitavam a retenção do imposto a título de antecipação. Quando da apuração do
imposto de renda anual, muitos desses contribuintes deixavam de incluir os resgates que
efetuavam no cômputo dos rendimentos tributáveis.
Esse tipo de situação ocorria no âmbito dos planos abertos de previdência
complementar, em que a realização de resgates é mais flexível que nos planos fechados – nos
quais os resgates decorrem da cessação de vínculo empregatício entre o participante e a
patrocinadora. Não obstante, a regra contida no artigo 3º da Lei nº 11.053/04206 é aplicável a
ambos os tipos de planos207, desde que o participante tenha optado pelo Regime Progressivo
de Tributação.
O participante que tenha optado pela incidência do imposto de renda
segundo o regime de tributação em tela, conforme dito, terá seus resgates e benefícios sempre
tributados pela tabela progressiva vigente á época do pagamento desses valores. Assim,
sempre que a tabela progressiva for corrigida, ou tiver suas alíquotas aumentadas ou
diminuídas, haverá reflexo na tributação dos valores a receber do plano de previdência
privada.
206 “Art. 3º A partir de 1º de janeiro de 2005, os resgates, parciais ou totais, de recursos acumulados relativos a participantes dos planos mencionados no art. 1º desta Lei que não tenham efetuado a opção nele mencionada sujeitam-se à incidência de imposto de renda na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento), como antecipação do devido na declaração de ajuste da pessoa física, calculado sobre: I - os valores de resgate, no caso de planos de previdência, inclusive FAPI; II - os rendimentos, no caso de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de opção pelo regime de tributação previsto nos arts. 1º e 2º desta Lei.”
150
Em contrapartida, como a tabela progressiva é a medida de tributação da
pessoa física pelo imposto de renda no Brasil, as deduções que o participante faça no âmbito
de seu plano de previdência tomarão por base também essa tabela, o que mantém certa
coerência entre esses dois momentos. A correspondência somente não será mais adequada
porque é possível que o participante deduza as contribuições com base em uma tabela
progressiva (vigente à época da realização desses aportes) e resgate ou receba benefícios
tributados com base em outra tabela progressiva (vigente à época do recebimento dos
valores).
O imposto de renda devido no Regime Progressivo de Tributação é retido na
fonte pela entidade de previdência complementar (fonte pagadora), seguindo os moldes da
tributação dos rendimentos pagos por pessoas jurídicas em favor de pessoas físicas, conforme
antes comentado208.
O imposto retido nesses termos é passível de compensação quando da
apuração do devido no respectivo ano-calendário, pela pessoa física. Assim, será ele
considerado quando do ajuste entre os rendimentos e ganhos auferidos pelo contribuinte e as
despesas dedutíveis por ele efetuadas, acarretando eventual complementação ou restituição do
imposto já antecipado.
5.1.3.2 Regime Regressivo de Tributação
O Regime Regressivo de Tributação, diferentemente do regime progressivo,
corresponde a uma inovação na legislação que disciplina a tributação dos planos de
previdência privada no Brasil. Consiste basicamente na introdução de alíquotas do imposto de
renda sobre os resgates e benefícios, variáveis segundo o tempo em que os recursos são
mantidos no plano de previdência complementar.
O referido regime está assim previsto na Lei nº 11.053/04 – com parágrafos
6º e 7º, respectivamente alterado e incluído pelo artigo 91 da Lei nº 11.196/05:
207 Exceto os da modalidade “benefício definido”, conforme antes citado.
151
“Art. 1º É facultada aos participantes que ingressarem a partir de 1º de janeiro de 2005 em planos de benefícios de caráter previdenciário, estruturados nas modalidades de contribuição definida ou contribuição variável, das entidades de previdência complementar e das sociedades seguradoras, a opção por regime de tributação no qual os valores pagos aos próprios participantes ou aos assistidos, a título de benefícios ou resgates de valores acumulados, sujeitam-se à incidência de imposto de renda na fonte às seguintes alíquotas: I - 35% (trinta e cinco por cento), para recursos com prazo de acumulação inferior ou igual a 2 (dois) anos; II - 30% (trinta por cento), para recursos com prazo de acumulação superior a 2 (dois) anos e inferior ou igual a 4 (quatro) anos; III - 25% (vinte e cinco por cento), para recursos com prazo de acumulação superior a 4 (quatro) anos e inferior ou igual a 6 (seis) anos; IV - 20% (vinte por cento), para recursos com prazo de acumulação superior a 6 (seis) anos e inferior ou igual a 8 (oito) anos; V - 15% (quinze por cento), para recursos com prazo de acumulação superior a 8 (oito) anos e inferior ou igual a 10 (dez) anos; e VI - 10% (dez por cento), para recursos com prazo de acumulação superior a 10 (dez) anos. § 1º O disposto neste artigo aplica-se: I - aos quotistas que ingressarem em Fundo de Aposentadoria Programada Individual - FAPI a partir de 1º de janeiro de 2005; II - aos segurados que ingressarem a partir de 1º de janeiro de 2005 em planos de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qualquer título pelo beneficiário. § 2º O imposto de renda retido na fonte de que trata o caput deste artigo será definitivo. § 3º Para fins do disposto neste artigo, prazo de acumulação é o tempo decorrido entre o aporte de recursos no plano de benefícios mantido por entidade de previdência complementar, por sociedade seguradora ou em FAPI e o pagamento relativo ao resgate ou ao benefício, calculado na forma a ser disciplinada em ato conjunto da Secretaria da Receita Federal e do respectivo órgão fiscalizador das entidades de previdência complementar, sociedades seguradoras e FAPI, considerando-se o tempo de permanência, a forma e o prazo de recebimento e os valores aportados. § 4º Nos casos de portabilidade de recursos e de transferência de participantes e respectivas reservas entre planos de benefícios de que trata o caput deste artigo, o prazo de acumulação do participante que, no plano originário, tenha optado pelo regime de tributação previsto neste artigo será computado no plano receptor. § 5º As opções de que tratam o caput e o § 1º deste artigo serão exercidas pelos participantes e comunicadas pelas entidades de previdência complementar, sociedades seguradoras e pelos administradores de FAPI à Secretaria da Receita Federal na forma por ela disciplinada. § 6º As opções mencionadas no § 5º deste artigo deverão ser exercidas até o último dia útil do mês subseqüente ao do ingresso nos planos de benefícios operados por entidade de previdência complementar, por sociedade seguradora ou em FAPI e serão irretratáveis, mesmo nas hipóteses de portabilidade de recursos e de transferência de participantes e respectivas reservas. § 7º Para o participante, segurado ou quotista que houver ingressado no plano de benefícios até o dia 30 de novembro de 2005, a opção de que trata o § 6º deste artigo deverá ser exercida até o último dia útil do mês de dezembro de 2005, permitida
208 Vide Capítulo IV, quando tratou-se dos comentários à regra-matriz de incidência do imposto de renda.
152
neste prazo, excepcionalmente, a retratação da opção para aqueles que ingressaram no referido plano entre 1º de janeiro e 4 de julho de 2005.”
As alíquotas descritas no caput do artigo supratranscrito podem ser
organizadas segundo uma tabela nos seguintes moldes:
Prazo de Acumulação Alíquota Igual ou inferior a 2 anos 35%
Superior a 2 anos e igual ou inferior a 4 anos 30% Superior a 4 anos e igual ou inferior a 6 anos 25% Superior a 6 anos e igual ou inferior a 8 anos 20% Superior a 8 anos e igual ou inferior a 10 anos 15%
Superior a 10 anos 10%
O artigo 2º da Lei nº 11.053/04, para não tratar de forma distinta os novos
participantes (que ingressaram em planos de previdência privada a partir de 1º de janeiro de
2005) e participantes “antigos” (que ingressaram antes desta data), previu a possibilidade de
escolha a estes últimos, também:
“Art. 2º É facultada aos participantes que ingressarem até 1º de janeiro de 2005 em planos de benefícios de caráter previdenciário estruturados nas modalidades de contribuição definida ou contribuição variável, a opção pelo regime de tributação de que trata o art. 1º desta Lei. § 1º O disposto neste artigo aplica-se: I - aos quotistas de Fundo de Aposentadoria Programada Individual - FAPI que ingressarem até 1º de janeiro de 2005; e II - aos segurados que ingressarem até 1º de janeiro de 2005 em planos de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qualquer título pelo beneficiário. § 2º A opção de que trata este artigo deverá ser formalizada pelo participante, segurado ou quotista, à respectiva entidade de previdência complementar, sociedade seguradora ou ao administrador de FAPI, conforme o caso, até o último dia útil do mês de dezembro de 2005. § 3º Os prazos de acumulação mencionados nos incisos I a VI do art. 1º desta Lei serão contados a partir: I - de 1º de janeiro de 2005, no caso de aportes de recursos realizados até 31 de dezembro de 2004; e II - da data do aporte, no caso de aportes de recursos realizados a partir de 1º de janeiro de 2005. § 4o Aplica-se às opções realizadas na forma deste artigo o disposto nos §§ 2º a 6º do art. 1º desta Lei. § 5º Os valores pagos aos próprios participantes ou aos assistidos, a título de benefícios ou resgates de valores acumulados, antes da formalização da opção
153
referida no § 2º deste artigo, sujeitam-se à incidência de imposto de renda com base na legislação vigente antes da edição desta Lei.”
Interessante notar que neste Regime Regressivo de Tributação, a alíquota do
imposto de renda varia não em função do valor da renda tributável (ou melhor, do valor dos
resgates e benefícios recebidos pela pessoa física), mas em função do prazo de acumulação,
que, basicamente, é refletido pelo tempo de manutenção dos recursos no plano de benefícios.
Trata-se de uma sistemática que busca privilegiar aqueles que constroem a
poupança previdenciária em médio ou longo prazo, afastando uma possível utilização do
plano de previdência privada como instrumento de investimento meramente financeiro. A este
respeito, são as considerações de Heloisa Hernandez Derzi e Fabiana Ulson Zappa:
“Entendemos que essa nova sistemática de tributação foi introduzida para preservar a própria filosofia da previdência complementar, na medida em que privilegia aqueles participantes que contribuem para o plano de previdência com a idéia de formação de poupança previdenciária ao longo de sua vida laboral. Tal modelo surgiu embasado em questões práticas e econômicas. O mercado sempre muito criativo, a partir da grande gama de produtos previdenciários com características financeiras muito fortes, passou a utilizar largamente os planos de previdência com intuitos desvirtuados, permitindo resgates das contribuições efetuadas ao plano independentemente da configuração de qualquer ‘estado de necessidade’ que pudesse justificar a natureza previdenciária dos recursos” 209
Ocorre que, de outro lado, ainda que o participante tenha a intenção de
permanecer com os recursos investidos no plano a longo prazo, situações alheias à sua
vontade poderão ensejar a antecipação do pagamento dos benefícios pelo plano de
previdência, e com isso, a tributação para aquele que tiver optado pelo Regime Regressivo de
Tributação poderá ser bastante onerosa.
Com vistas a solucionar (ou ao menos amenizar os efeitos negativos dessas
situações), foi que o legislador incluiu a previsão do artigo 95 da Lei nº 11.196/05, verbis:
“Art. 95. Na hipótese de pagamento de benefício não programado oferecido em planos de benefícios de caráter previdenciário, estruturados nas modalidades de contribuição definida ou contribuição variável, após a opção do participante pelo regime de tributação de que trata o art. 1º da Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004, incidirá imposto de renda à alíquota: I - de 25% (vinte e cinco por cento), quando o prazo de acumulação for inferior ou igual a 6 (seis) anos; e
209 “A Tributação e o Caráter Social da Previdência Complementar”, cit. p. 79.
154
II - prevista no inciso IV, V ou VI do art. 1º da Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004, quando o prazo de acumulação for superior a 6 (seis) anos. § 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se, também, ao benefício não programado concedido pelos planos de benefícios cujos participantes tenham efetuado a opção pelo regime de tributação referido no caput deste artigo, nos termos do art. 2º da Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004.
§ 2º Para fins deste artigo e da definição da alíquota de imposto de renda incidente sobre as prestações seguintes, o prazo de acumulação continua a ser contado após o pagamento da 1ª (primeira) prestação do benefício, importando na redução progressiva da alíquota aplicável em razão do decurso do prazo de pagamento de benefícios, na forma definida em ato da Receita Federal do Brasil, da Secretaria de Previdência Complementar e da Superintendência de Seguros Privados.”
Com isso, caso, antes de ultrapassados os seis anos de prazo de acumulação
dos recursos no plano, o participante venha a receber benefícios por invalidez ou seus
beneficiários passem a perceber os benefícios previdenciários em razão da falência do titular
do plano, estará assegurada a tributação à alíquota de 25%, desde que o participante tenha
efetuado a opção pelo Regime Regressivo de Tributação. Essa alíquota inicialmente fixada,
será passível de redução, segundo os mesmos critérios da tabela regressiva antes apresentada.
A fixação da alíquota de 25% nestes casos, visa a manter certa relação com
aquela que seria imputável caso o participante tivesse optado pelo Regime Progressivo de
Tributação – isto é, 27,5%210.
Diante disso, sendo o caso de pagamento de benefícios programados ou de
resgates a pessoa física titular de plano em que se optou pelo Regime Regressivo de
Tributação, a alíquota do imposto de renda irá variar entre 35% e 10%, a depender da
acumulação dos recursos no plano.
No caso dos participantes que ingressaram no plano de benefícios até 31 de
dezembro de 2004 e que tenham efetuado a opção por esta modalidade de tributação, é
preciso saber que o tempo de aplicação até então não será contado. Todos os valores
acumulados por estes participantes ate a referida data são considerados como se tivessem sido
aportados no dia 1º de janeiro de 2005, e, a partir de então, sofrem a contagem para fins de
determinação da alíquota regressiva do imposto.
210 Claro que, para essa comparação, parte-se da premissa de que os valores pagos alcançariam a faixa de renda tributável pela alíquota de 27,5%.
155
O prazo de acumulação, para fins de aplicação das alíquotas regressivas
anteriormente mencionadas, segundo a Lei nº 11.053/04, deve ser considerado como sendo “o
tempo decorrido entre o aporte de recursos no plano de benefícios mantido por entidade de
previdência complementar, por sociedade seguradora ou em FAPI e o pagamento relativo ao
resgate ou ao benefício, calculado na forma a ser disciplinada em ato conjunto da Secretaria
da Receita Federal e do respectivo órgão fiscalizador das entidades de previdência
complementar, sociedades seguradoras e FAPI, considerando-se o tempo de permanência, a
forma e o prazo de recebimento e os valores aportados”.
Em razão desta previsão, as referidas autoridades editaram a Instruções
Normativas Conjuntas nº 524, de 11 de março de 2005 e nº 589, de 21 de dezembro de 2005,
que determinam o cálculo do prazo de acumulação. Nos termos ditados pelos referidos
normativos, o prazo de acumulação é contado, basicamente, de duas formas: (i) segundo o
método do prazo médio ponderado (“PMP”), para os benefícios estruturados em regime cuja
manutenção dos benefícios concedidos tenha por premissa o mutualismo dos respectivos
recursos garantidores (“regime atuarial”); ou (ii) com base nas primeiras contribuições
efetuadas durante o período que antecede o pagamento do resgate ou o início do gozo do
benefício pelo participante ou pelo beneficiário do participante não assistido (“PEPS”), para
os benefícios não estruturados em regime atuarial.
Em ambos os casos, há um controle segregado de cada uma das
contribuições realizadas pelo participante211. O que diferencia uma modalidade de cálculo da
outra é o fato de que no PEPS os pagamentos a serem efetuados ao participante vão
“esgotando” o estoque de contribuições mais antigas até chegar às mais recentemente
aportadas no plano. Nesse sistema, ao pagar um benefício à pessoa física, a entidade de
previdência retirasse das reservas desse participante os valores com acumulados a mais
tempo.
No caso do PMP, por outro lado, o cálculo do prazo de acumulação parte da
média ponderada do tempo de manutenção das contribuições no plano e os seus respectivos
valores correspondentes.
211 Que é justamente o dado que impede os participantes de planos de “benefício definido” de optarem pelo Regime Regressivo de Tributação, uma vez que nestes planos os recursos vertidos formam uma reserva comum, partilhada por todos os participantes do plano de benefícios.
156
O imposto de renda do Regime Regressivo de Tributação, assim como no
Regime Progressivo de Tributação, é retido na fonte pela entidade de previdência privada.
Ocorre, no entanto, que esse imposto, especificamente no regime tributário em questão, é
considerado como definitivo, não integrando o ajuste na Declaração Anual do imposto de
renda da pessoa física.
Isso significa afirmar que os valores submetidos à tributação não são
considerados para formação da base de cálculo do imposto de renda devido no respectivo ano-
calendário – e, com isso, eventuais despesas dedutíveis realizadas pelo contribuinte não
podem acarretar diminuição do imposto a pagar ou restituição do imposto pago –, e o
montante de imposto retido e recolhido não é compensável com aquele efetivamente devido
pelo contribuinte.
Note-se, portanto, que, aqueles participantes cujos resgates e aposentadoria
estiverem submetidos ao Regime Regressivo de Tributação, não apenas têm as alíquotas do
imposto de renda alteradas, em comparação àquelas aplicáveis ao Regime Progressivo de
tributação, mas também o tratamento do referido imposto na declaração anual apresentada
pela pessoa física, sendo o imposto não passível de ajustes segundo outros rendimentos e
despesas incorridos no respectivo ano-calendário.
5.1.3.3 Situações de Isenção
Apresentam-se, abaixo, as situações contempladas pela legislação vigente
como isentas do imposto de renda sobre resgates e/ou benefícios recebidos de planos de
previdência complementar privada.
Apesar de todas as situações a seguir descritas serem tratadas pela legislação
como isenções, é possível que elas se refiram à mera modificação quanto ao tratamento
tributário aplicável aos valores recebidos de planos de previdência complementar. É o caso
das contribuições efetuadas até 1995, para as quais a legislação então vigente não autorizava a
dedução. Neste caso, não se pode falar em isenção sobre toda a parcela do valor pago pela
entidade de previdência privada, mas tão-somente sobre os rendimentos acumulados.
157
Importante esclarecer que as dispensas de tributação concedidas nos termos
abaixo comentados são aplicáveis independentemente da opção de regime de tributação
efetuada pelo participante do plano de benefícios212.
5.1.3.3.1 Resgate de Contribuições Efetuadas pela Pessoa
Física entre 1989 e 1995, para Desligamento do Plano
Conforme descrito anteriormente, até o início da vigência da Lei nº
9.250/95, os investimentos em previdência complementar estavam submetidos a um regime
de tributação diverso daquele hoje aplicável.
Até 1995, vigorava a regra prevista na Lei nº 7.713/88, segundo a qual os
valores vertidos a planos de previdência privada, pelo participante, sofriam a incidência do
imposto de renda por ocasião do pagamento da contribuição, realizado mediante o desconto
no seu salário mensal, ajustável na apuração do Imposto sobre a Renda devido anualmente
pela pessoa física, em sua Declaração Anual do imposto. Assim, quando do recebimento da
aposentadoria, não havia nova cobrança do imposto de renda sobre a parcela referente às
contribuições vertidas pelo participante.
Nos termos do artigo 6º, VII, da Lei nº 7.713/88, os benefícios recebidos dos
planos de previdência estariam “isentos” “desde que os rendimentos e ganhos de capital
produzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte”.
Com a edição da Lei nº 9.250/95, porém, introduziu-se a já comentada
sistemática de diferimento fiscal segundo a qual as contribuições destinadas aos planos de
previdência podem ser deduzidas na apuração do imposto de renda da pessoa física, e, em
contrapartida, o imposto de renda passa a incidir, sobre o resgate e pagamento dos benefícios,
em relação ao montante total pago.
212 Neste tocante, vale mencionar o artigo 19 da Instrução Normativa SRF nº 588, de 21 de dezembro de 2005, segundo o qual: “Para fins de apuração da base de cálculo do imposto de renda, conforme o disposto nos arts. 11, 15 e 16, relativamente à parcela do benefício pago, devem ser observadas, no que couber, as disposições relativas a isenção, não-incidência e exclusões previstas na legislação vigente, independentemente da opção pelo regime de tributação efetuada pelo participante.”
158
Ocorre, porém, que, para aqueles que já haviam aderido a um plano de
benefícios à época da edição da Lei nº 9.250/95, a realidade legislativa que lhes era
apresentada, em relação às contribuições efetuadas até 31 de dezembro de 1995, implicava a
dupla incidência do imposto de renda: primeiramente sobre as contribuições vertidas e
posteriormente sobre o valor total recebido da entidade de previdência complementar.
Diante desse cenário, fazia-se necessária a edição de uma norma de
transição, que pudesse resguardar o direito dos participantes de serem tributados, quando do
resgate ou recebimento dos benefícios, apenas em relação às contribuições realizadas a partir
de 1º de janeiro de 1996.
Essa norma somente foi editada em 21 de maio de 1996, com a publicação
da Medida Provisória nº 1.459, a qual atualmente encontra-se vigente sob o nº 2.159-70, de 24
de agosto de 2001. O artigo 8º da referida norma determinou a exclusão da incidência do
imposto de renda na fonte e na declaração de rendimentos “o valor do resgate de
contribuições de previdência privada, cujo ônus tenha sido da pessoa física, recebido por
ocasião de seu desligamento do plano de benefícios da entidade, que corresponder às
parcelas de contribuições efetuadas no período de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de
1995”213.
Ainda que após a edição desta Medida Provisória a grande parte das
eventuais discussões sobre a incidência do imposto de renda sobre o resgate de contribuições
efetuadas no período entre 1989 e 1995 tenham sido parcialmente solucionadas, a Fazenda
Pública vinha sustentando posicionamento sobre essa tributação, nas demandas judiciais
propostas sobre a matéria. Isso somente veio a cessar com a edição do Parecer PGFN/CRJ/nº
2.863/2002 (publicado no D.O.U. de 26/09/02), segundo o qual:
“(...) 15. Examinando-se a hipótese vertente, desde logo, conclui-se que: I) nas causas em que se discute a incidência do Imposto de Renda sobre o resgate das contribuições efetuadas perante entidade de previdência privada por parte do segurado, a competência para representar a União é da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, já que se trata de matéria fiscal; e II) os venerandos acórdãos retromencionados manifestam a reiterada Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Destarte, há base legal para o Sr. Procurador-Geral da Fazenda Nacional, com o imprescindível agreement de S. Exa. O Ministro de Estado da
213 A fixação do marco inicial para 1º de janeiro de 1989, deve-se ao fato de, somente com a edição da lei nº 7.713/88 é que as contribuições deixaram de ser dedutíveis na apuração do imposto de renda da pessoa física, conforme antes comentado. Até 31 de dezembro de 1988, vale lembrar, vigorava o Decreto-lei nº 1.642/78, que assegurava uma sistemática de diferimento fiscal, em formato semelhante ao hoje vigente.
159
Fazenda, dispensar a interposição de recursos ou requerer a desistência dos já interpostos na situação sub examine. 16. Assim (...) recomenda-se sejam autorizadas pelo Sr. Procurador-Geral da Fazenda Nacional a dispensa e a desistência dos recurso cabíveis nas ações judiciais que versem exclusivamente a respeito da incidência do Imposto de Renda sobre o resgate dos depósitos efetuados perante as entidades de previdência privada durante a vigência da Lei nº 7.713, de 22.12.1988 até o advento da Lei nº 9.250, de 26.12.1995, desde que inexista qualquer outro fundamento relevante.”
Ocorre que a decisão de desistência dos processos referida no parecer da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional refere-se exclusivamente àqueles que tratem da
incidência do imposto de renda sobre o resgate das contribuições efetuadas pelas pessoas
físicas nos planos de previdência privada entre 1989 e 1995. Com isso, permaneceram as
discussões judiciais sobre a incidência do imposto de renda sobre os benefícios pagos pelo
plano de previdência, com recursos das contribuições efetuadas no mencionado período.
Esse debate tem por fundamento o texto da Medida Provisória nº 1.459/96,
que contemplou expressamente a “isenção” do imposto de renda somente sobre o valor do
resgate de contribuições de previdência privada, cujo ônus tenha sido da pessoa física,
recebido por ocasião de seu desligamento do plano de benefícios da entidade, que
corresponder às parcelas de contribuições efetuadas no período de 1º de janeiro de 1989 a 31
de dezembro de 1995. Assim, pela letra da lei, somente os resgates efetuados para
desligamento do plano de previdência privada estão dispensados da tributação pelo imposto
de renda, restando tributáveis os benefícios pagos com os valores dessas contribuições. Este
equívoco da lei acarretou, como ainda acarreta, a proposição de numerosas ações judiciais por
parte dos participantes, especialmente nos últimos 5 a 10 anos, quando, estima-se, esses
participantes passaram a ser elegíveis ao gozo dos benefícios assegurados pelo plano.
O Superior Tribunal de Justiça, apesar de, na maioria dos seus julgados,
manifestar entendimento favorável à aplicação da “isenção” do imposto de renda também
sobre os benefícios pagos com recursos dos investimentos efetuados entre 1989 e 1995214,
214 A exemplo, cite-se a decisão proferida em 20 de junho de 2006, nos autos do recurso especial nº 808.488, de cuja ementa se extrai: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. PRESCRIÇÃO. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ. ERESP 262.475/DF. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP 327.043/DF. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. LEIS 7.713/88 (ART. 6º, VII, B) E 9.250/95 (ART. 33) E MP 1.943/96 (ART. 8º). INCIDÊNCIA SOBRE O BENEFÍCIO. BIS IN IDEM. EXCLUSÃO DE MONTANTE EQUIVALENTE ÀS CONTRIBUIÇÕES EFETUADAS SOB A ÉGIDE DA LEI 7.713/88. JUROS. SELIC.
160
expressou opinião diversa em outras decisões isoladas sobre a matéria215. Assim, permanece
controverso o entendimento jurisprudencial sobre a matéria.
5.1.3.3.2 Beneficiários Portadores de Moléstias Graves e
Portadores de Deficiência Mental
O artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88, prevê isenção para os benefícios de
aposentadoria recebidos por pessoas portadoras de determinadas mazelas de grave
repercussão à saúde. O referido artigo, com redação dada modificada pelo artigo 47 da Lei nº
8.541/92 e posteriormente pelo artigo 1º da Lei 11.052/04 prevê:
(...) 4.O recebimento da complementação de aposentadoria e o resgate das contribuições recolhidas para entidade de previdência privada no período de 1º.01.1989 a 31.12.1995 não constituíam renda tributável pelo IRPF, por força da isenção concedida pelo art. 6º, VII, b, da Lei 7.713/88, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei 9.250/95. Em contrapartida, as contribuições vertidas para tais planos não podiam ser deduzidas da base de cálculo do referido tributo, sendo, portanto, tributadas. 5. Com a edição da Lei 9.250/95, alterou-se a sistemática de incidência do IRPF, passando a ser tributado o recebimento do benefício ou o resgate das contribuições, por força do disposto no art. 33 da citada Lei, e não mais sujeitas à tributação as contribuições efetuadas pelos segurados. 6. A Medida Provisória 1.943-52, de 21.05.1996 (reeditada sob o nº 2.159-70), determinou a exclusão da base de cálculo do imposto de renda do ‘valor do resgate de contribuições de previdência privada, cujo ônus tenha sido da pessoa física, recebido por ocasião de seu desligamento do plano de benefícios da entidade, que corresponder às parcelas de contribuições efetuadas no período de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1995’ (art. 8º), evitando, desta forma, o bis in idem. 7. Da mesma forma, considerando-se que a complementação de aposentadoria paga pelas entidades de previdência privada é constituída, em parte, pelas contribuições efetuadas pelo beneficiado, deve ser afastada sua tributação pelo IRPF, até o limite do imposto pago sobre as contribuições vertidas no período de vigência da Lei 7.713/88. (...) 9. Recurso especial a que se dá parcial provimento.” (destacamos) 215 “TRIBUTÁRIO - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - PRESCRIÇÃO - INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA - NÃO CONFIGURADA HIPÓTESE DE BIS IN IDEM. (...) 2. Nos termos do art. 33 da Lei 9.250/95, incide imposto de renda sobre as verbas recebidas a título de complementação de aposentadoria, independentemente do período ou da legislação vigente à época do recolhimento das contribuições do beneficiário para o fundo de pensão. 3. O recebimento de complementação de proventos decorre de vínculo contratual existente entre o participante e a entidade de previdência privada, não se tratando e de devolução de valores, de modo que inexiste correlação entre aquilo que foi recolhido pelo beneficiário e que será recebido na aposentadoria, o que fica evidente quando observada a possibilidade de contratação de renda mensal vitalícia - feito na grande maioria dos casos -, prevista no art. 14, § 4º, e no art. 33, § 2º, da Lei Complementar 109/2001. 4. Impossível configurar-se a hipótese de bis in idem se não há identidade entre a parcela recolhida e a recebida na complementação, inexistindo bitributação, não importando se a contribuição mensal foi recolhida sob a égide da Lei 7.713/88 ou na vigência da Lei 9.250/95. 5. Revisão do entendimento firmado na jurisprudência do STJ. 6. Impossibilidade de modificação do julgado, na hipótese dos autos, a fim de se evitar a reformatio in pejus. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.” (destacamos)
161
“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (...) XXI - os valores recebidos a título de pensão quando o beneficiário desse rendimento for portador das doenças relacionadas no inciso XIV deste artigo, exceto as decorrentes de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão.”
Trata-se de uma efetiva isenção, pois não está condicionada à não dedução
das contribuições efetuadas pelo participante durante a fase de acumulação dos recursos no
plano de benefícios.
Tal isenção tem forte cunho social, e visa a trazer um benefício fiscal aos
valores recebidos por pessoas que sejam portadoras das moléstias expressamente designadas
pela legislação, de forma a evitar que a tributação possa representar mais um fardo a ser
suportado, na difícil luta de superação pessoal sofrida por esses indivíduos diariamente.
Sabendo-se que muitas dessas doenças relacionadas pelo legislador
impedem o exercício de atividade profissional e/ou diminuem sensivelmente a capacidade
laboral de seus portadores, a lei procurou assegurar que o mínimo necessário para a
subsistência desses indivíduos seja preservado da incidência do imposto de renda.
É preciso, porém, que a interpretação dessa isenção seja feita corretamente,
à luz do artigo 111 do Código Tributário Nacional216, sabendo-se que ela alcança
exclusivamente os proventos de aposentadoria e pensão percebidos pelos portadores das
doenças expressamente previstas na legislação.
Especialmente em relação a esta observação, cabe alertar para o fato de que
o texto da lei faz referência aos benefícios de aposentadoria e pensão, não limitando a sua
abrangência àqueles pagos pelo regime geral da previdência social ou pelo regime próprio dos
servidores públicos. Assim, diante da inexistência de restrição a este respeito, é perfeitamente
216 “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: (...)
162
aplicável tal isenção aos benefícios de aposentadoria e pensão pagos pelas entidades de
previdência complementar.
Mesmo porque, se o intuito da lei é o de propiciar condições mínimas de
sobrevivência de pessoas portadoras dessas mazelas, especialmente diante da sua diminuição
da capacidade de trabalho, não seria coerente qualquer imposição de limitação acerca da fonte
pagadora da aposentaria por elas recebida.
Note-se, porém, que o texto da lei trata de proventos de aposentadoria e
pensão, não abarcando com a isenção os resgates efetuados pelos portadores das doenças
relacionadas.
A par disso, vale mencionar que a Lei nº 9.250/95, em seu artigo 30,
determina condições para que a pessoa física possa usufruir a isenção em questão:
“Art. 30. A partir de 1º de janeiro de 1996, para efeito do reconhecimento de novas isenções de que tratam os incisos XIV e XXI do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo art. 47 da Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, a moléstia deverá ser comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1º O serviço médico oficial fixará o prazo de validade do laudo pericial, no caso de moléstias passíveis de controle. § 2º Na relação das moléstias a que se refere o inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo art. 47 da Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, fica incluída a fibrose cística (mucoviscidose)”.
No mesmo sentido da isenção prevista no artigo 6º, XIV e XXI, da Lei nº
7.713/88, sobreveio, em 20 de julho de 1993, a Lei nº 8.687, que prevê a isenção do imposto
de renda sobre os benefícios de aposentadoria e pensão recebidos por beneficiários portadores
de deficiência mental, verbis:
“Art. 1º Não se incluem entre os rendimentos tributáveis pelo Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza as importâncias percebidas por deficientes mentais a título de pensão, pecúlio, montepio e auxílio, quando decorrentes de prestações do regime de previdência social ou de entidades de previdência privada. Parágrafo único. Para fins do disposto nesta Lei, considera-se deficiente mental a pessoa que, independentemente da idade, apresenta funcionamento intelectual
II - outorga de isenção; (...)”
163
subnormal com origem durante o período de desenvolvimento e associado à deterioração do comportamento adaptativo.
Art. 2º A isenção do Imposto de Renda conferida por esta Lei não se comunica aos rendimentos de deficientes mentais originários de outras fontes de receita, ainda que sob a mesma denominação dos benefícios referidos no artigo anterior.”
Apesar de o texto desta lei fazer referência a “pensão, pecúlio, montepio e
auxílio”, em se tratando de pagamentos realizados no âmbito da previdência privada, todos
eles recebem o tratamento de benefícios, e, portanto, é válida a mesma observação
anteriormente tecida, no tocante à não abrangência da isenção aos resgates efetuados pelos
beneficiários referidos pela lei.
5.1.3.3.3 Beneficiários Maiores de 65 Anos
O artigo 6º da Lei nº 7.713/88, além da isenção antes comentada, também
isenta da incidência do imposto de renda devido pelos indivíduos maiores de 65 anos os
rendimentos de aposentadoria e pensão uma parcela adicional, equivalente àquela fixada
como isenta para todas as pessoas físicas, segundo a tabela progressiva do imposto. Com isso,
tais indivíduos passam a ter o equivalente ao dobro da parcela isenta do imposto de renda
aplicável aos rendimentos auferidos pelas demais pessoas físicas.
Tal isenção dirige-se exclusivamente aos benefícios de aposentadoria e
pensão, inclusive aqueles pagos por entidade de previdência privada (dessa vez
expressamente designada), não incluindo resgates eventualmente realizados pelas pessoas
beneficiárias. Confira-se da redação do inciso XV, do referido artigo, alterado pelas Leis nº
9.250/95, 11.119/05 e 11.311/06:
“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) XV - os rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, transferência para a reserva remunerada ou reforma pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por qualquer pessoa jurídica de direito público interno ou por entidade de previdência complementar, até o valor de R$ 1.257,12 (mil, duzentos e cinqüenta e sete reais e doze centavos), por mês, a partir do mês em
164
que o contribuinte completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, sem prejuízo da parcela isenta prevista na tabela de incidência mensal do imposto; (...)”
Esta dispensa da incidência do imposto de renda sobre os benefícios de
aposentadoria para os beneficiários com idade superior a 65 anos, constava do texto original
da Constituição Federal de 1988, o que lhe conferia verdadeiro status de imunidade tributária.
O parágrafo 2º, do artigo 153, do texto constitucional previa tal imunidade em relação à
aposentadoria e à pensão recebida das pagos pela previdência social (não abrangendo as
entidades de previdência privada) e estava condicionada a que a renda total auferida pelos
indivíduos maiores de 65 anos fosse constituída exclusivamente de rendimentos do trabalho.
Confira-se:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) III - renda e proventos de qualquer natureza; (...) § 2º - O imposto previsto no inciso III: (...) II - não incidirá, nos termos e limites fixados em lei, sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho.”
Esta imunidade tributária estava fundamentalmente vinculada com os
padrões fixados pelo regime de previdência social, vigentes até 1998. Tanto o é que, com a
reforma do sistema previdenciário nacional pela Emenda Constitucional nº 20/98, o referido
dispositivo foi revogado.
Há entendimento doutrinário no sentido de que a revogação formal do inciso
II, do parágrafo 2º, do artigo 153, da Carta Magna, porém, não pode representar a sua retirada
do ordenamento jurídico, em razão de a emenda constitucional não poder alterar cláusulas
pétreas, como a ora referida. Neste sentido, merecem destaque as palavras de Roque Antonio
Carrazza:
“(...) dentro da linha de pensamento que adotamos, estamos convencidos de que este dispositivo continua em vigor e irradiando efeitos. Realmente, tratando de imunidade tributária (direito fundamental do contribuinte), ele veicula cláusula pétrea (cf, art. 60, §4º, IV, da CF), imodificável, pois, por meio de emenda constitucional, fruto do mero poder constituinte derivado”. 217
217 “Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 737.
165
De qualquer forma, em se tratando de benefícios pagos por planos de
previdência privada, por não estarem anteriormente contemplados no texto do artigo 153,
parágrafo 2º, II, da Constituição Federal, a dispensa de incidência do imposto de renda deverá
vincular-se ao texto do artigo 6º, XV, da Lei nº 7.713/88, anteriormente transcrito.
5.1.3.3.4 Pecúlio
O inciso VII, do artigo 6º, da Lei nº 7.713/88, conforme antes mencionado,
continha a regra de isenção do imposto de renda sobre os benefícios recebidos de planos de
previdência privada, em razão da sistemática antes vigente, em que as contribuições
realizadas pela pessoa física não eram passíveis de dedução na apuração do imposto de renda.
Contudo, a Lei nº 9.250/95, ao introduzir a sistemática do diferimento fiscal,
retirou o original do inciso VII e, em seu artigo 32, deu nova redação a este dispositivo:
“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) VII - os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez permanente do participante; (...)”
Note-se que a isenção mencionada pela norma usa do termo seguro para
designar a parcela paga pela entidade de previdência complementar em razão da morte ou de
invalidez permanente do participante. Cabe, no entanto, ao aplicador da lei interpretar esta
palavra no contexto em que se enquadra. Isto porque, em se tratando de entidades de
previdência complementar privada, impedidas de exercer outras atividades que não a
administração de planos de benefícios previdenciários, o pagamento por elas efetuado como
conseqüência do falecimento ou invalidez permanente do participante há de ter a natureza
previdenciária e não securitária. Por esta razão, a legislação que disciplina a isenção
introduzida pelo artigo 6º, VII, da Lei nº 7.713/88, refere-se a este “seguro” pelo uso do termo
“pecúlio”.
166
As autoridades tributárias, ao regulamentar a aplicação desta isenção,
porém, estabeleceram como condição que o pagamento do pecúlio, para ser considerado
isento, seja feito em parcela única, conforme é possível extrair da Instrução Normativa SRF nº
15, de 6 de fevereiro de 2001:
“Art. 5º Estão isentos ou não se sujeitam ao imposto de renda os seguintes rendimentos: (...) XXII - pecúlio recebido em prestação única de entidades de previdência privada, quando em decorrência de morte ou invalidez permanente do participante;(...)”
Esta condição tem por equivalência o tratamento conferido pelo artigo 82 da
Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (revogado pela Lei nº 9.032/95) que, ao tratar do pecúlio
então pago no âmbito do regime geral da previdência social, estabelecia que “o pecúlio
consistirá em pagamento único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às
contribuições do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos
depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro”.
Assim sendo, mesmo com a revogação do referido artigo 82, permanece o
entendimento das autoridades fiscais de que o pecúlio pago por morte do participante ou em
decorrência de sua invalidez permanente é isento se for pago em parcela única.
Vale mencionar que a redação equivocada do artigo 7º da Instrução
Normativa Conjunta nº 524, de 11 de março de 2005, criou dúvidas sobre um possível
entendimento das autoridades tributárias sobre a não aplicação da isenção relativa ao pecúlio,
a partir da vigência da Lei nº 11.053/04. Isto porque a Instrução Normativa em questão, com a
intenção de disciplinar em âmbito infralegal o Regime Regressivo de Tributação, previu que,
em relação aos benefícios de “pecúlio” morte ou pensão por morte do participante assistido, a
tributação seria determinada considerando o prazo de acumulação apurado para o benefício
que vinha sendo pago ao participante falecido, verbis:
“Art. 7º Em relação aos benefícios não programados decorrentes da reversão em pecúlio por morte ou pensão por morte do participante assistido, a tributação será determinada considerando o prazo de acumulação apurado para o benefício que vinha sendo pago ao participante falecido, adotando-se a redução progressiva da alíquota aplicada à última prestação de benefício em razão do decurso do prazo de pagamento do benefício.”
167
Contudo, a Instrução Normativa Conjunta nº 589, de 21 de dezembro de
2005, afastou tal possibilidade ao incluir o parágrafo único ao referido artigo, em que restou
determinado que “não se aplica o disposto no caput ao pecúlio recebido em prestação única,
isento de tributação nos termos da legislação vigente”.
5.1.3.3.5 Auxílio-doença e Outros
Outra isenção assegurada pela legislação que rege o imposto de renda das
pessoas físicas, aplicável aos benefícios recebidos de entidades de previdência complementar
é a prevista no artigo 48 da Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992. O referido artigo, em
sua redação original, garantia isenção do imposto de renda para “os vencimentos (...)
decorrentes de seguro desemprego, auxílio-natalidade, auxílio-doença, auxílio-funeral e
auxílio-acidente, quando pagos pela previdência oficial da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios”.
Contudo, a Lei nº 9.250/95, em seu artigo 27, deu nova redação a este
dispositivo, de forma a abranger, pela isenção do imposto, os benefícios dessa natureza, pagos
por entidades de previdência complementar. Confira-se:
"Art. 48. Ficam isentos do imposto de renda os rendimentos percebidos pelas pessoas físicas decorrentes de seguro-desemprego, auxílio-natalidade, auxílio-doença, auxílio-funeral e auxílio-acidente, pagos pela previdência oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas entidades de previdência privada."
Em vista disso, atualmente tem-se como isentos, além dos valores
mencionados nos itens anteriores, o auxílio-natalidade, o auxílio-doença, o auxílio-funeral e o
auxílio-acidente, pagos por entidades de previdência complementar privada.
168
Capítulo VI - A Adequação da Tributação dos Planos de Previdência Complementar
pelo Imposto de Renda ao Perfil Constitucional do Tributo
Diante da descrição acima sobre o tratamento tributário previsto na
legislação que atualmente rege o imposto de renda sobre os investimentos em planos de
previdência privada, resta identificar quais as suas possíveis incongruências em relação ao
perfil constitucional do imposto de renda, notadamente quanto à adequação dessas normas ao
conceito constitucional de renda tributável e aos princípios constitucionais que norteiam a
competência tributária da União no tocante a este tributo.
6.1 Possibilidade de Tributação de Parcela do Patrimônio
O regime de diferimento do ônus financeiro do imposto de renda, com a
dedução das contribuições e incidência do imposto de renda sobre a totalidade dos valores
pagos pelo plano de previdência complementar, como visto, não é eficaz ao que se propõe
(postergar o ônus do tributo), em razão das distorções existentes, decorrentes dos critérios
adotados para dedução e para a incidência do imposto.
Isto porque a dedutibilidade das contribuições, tanto pela pessoa física
quanto pela pessoa jurídica, conforme verificado, está limitada a determinadas condições que
impedem, na maior parte das vezes, que todo o valor contribuído seja usado para abater do
imposto de renda devido. E, em contrapartida, quando do retorno dos recursos ao participante
ou beneficiário do plano de previdência complementar, o imposto de renda incide na fonte
sobre alíquotas variadas – que podem não guardar relação com aquelas usadas para a dedução
das contribuições – e sob sistemáticas diversas – imposto de renda definitivo ou em caráter de
antecipação.
Assim, o que se verifica é que, ainda que o intuito do legislador tenha sido o
de traçar um regime de tributação que proporcionasse a postergação do efeito financeiro do
imposto de renda, o que há, na realidade, é a tributação de algo que não pode ser considerado
como renda nem como proventos.
169
Antes descreveu-se que a Constituição Federal contém uma definição
mínima do conceito de renda e de proventos passíveis de tributação pelo imposto federal.
Observou-se que a renda e os proventos tributáveis não podem alcançar o patrimônio das
pessoas, nem o valor das transações por elas efetuadas, posto que esses elementos são objeto
de competências tributárias diversas, atribuídas à própria União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios.
Com isso, o imposto de renda somente pode abranger o produto da atividade
de aplicação do patrimônio ou da realização de operações, e os valores recebidos em razão de
uma atividade que já cessou (aposentadoria e pensões); sendo que tanto a renda, quanto os
proventos, deverão representar acréscimos patrimoniais (resultados positivos).
Ademais, após a análise dos princípios constitucionais aplicáveis ao tributo
em questão, concluiu-se que a materialidade do imposto de renda deve corresponder aos
resultados positivos auferidos pelo sujeito passivo apurados após a dedução da parcela
investida ou a perda incorrida, e dos gastos necessários à sua subsistência ou à manutenção da
fonte produtora da renda, obtendo-se, assim, o resultado líquido, com exclusão de qualquer
forma de reposição patrimonial.
O imposto de renda incidente sobre os resgates e benefícios recebidos dos
planos de previdência privada, porém, não guarda correspondência com esse perfil. Isto
porque a incidência do imposto ocorre sobre o valor total recebido pelo participante, seja a
título de benefícios ou de resgate, e, dessa forma, acaba por tributar o patrimônio da pessoa
física e o valor da operação realizada (isto é, do investimento efetuado no plano).
Tal situação somente não irá ser constatada nos casos em que as
contribuições aportadas no plano sejam deduzidas na exata medida da tributação incidente
sobre os benefícios e resgates ulteriores, ou se a tributação destes ocorrer em alíquota inferior
àquela aplicável sobre a dedução das contribuições. Nos demais casos, o imposto de renda
incide, efetivamente sobre todo o valor recebido, inclusive sobre a devolução do patrimônio
(valor principal – contribuições) investido – em descompasso com a vedação para tributação
da reposição patrimonial.
Por conta disso, o imposto de renda, nas hipóteses em que não houver
dedução com base em critérios coincidentes ou de dedução “a maior” que a medida do
imposto de renda incidente sobre os resgates e benefícios recebidos pela pessoa física, incide
170
não apenas sobre os resultados positivos, mas também sobre o que não é resultado (é
principal, é patrimônio).
Mesmo na hipótese de a pessoa deduzir a totalidade das contribuições que
efetue ao plano de benefícios, o imposto de renda cobrado sobre os resgates e benefícios
decorrentes desse investimento pode não incidir sobre o resultado líquido. Isso é verificado
verificado quando da aplicação do Regime Regressivo de Tributação, em que as alíquotas do
imposto de renda são empregadas sobre os resgates e benefícios, sem a possibilidade de
dedução de qualquer despesa – tributação em caráter exclusivo ou definitivo.
Por essas razões, é possível afirmar que, exceto nos casos em que se possa
deduzir a totalidade das contribuições efetuadas para o plano de benefícios, e que o imposto
de renda incida com base na tabela progressiva do imposto de renda, a incidência do imposto
de renda ocorrerá em completo descompasso ao perfil constitucional do referido imposto.
6.1.1 O Princípio da Capacidade Contributiva e o Regime Regressivo de
Tributação
No tocante ao princípio da capacidade contributiva, descreveu-se, antes, que
ele se destina a determinar que o ente político competente, sempre que possível, mensure as
bases de incidência dos impostos de sua competência segundo a capacidade econômica dos
respectivos sujeitos passivos.
Diante desse preceito, a base de cálculo e a alíquota dos impostos devem ser
fixadas segundo um modelo que possa propiciar a gradação da carga tributária de acordo com
a situação econômica do contribuinte. Essa gradação e a verificação da capacidade econômica
do contribuinte devem ser medidas em coerência com a materialidade do tributo, posto que é
esse o dado com o qual o poder competente estrutura a tributação que lhe compete instituir.
Em relação ao imposto de renda, isto significa dizer que a sua base de
cálculo deve ser “personalizada” de forma que a base tributável guarde estrita correlação com
a realidade econômica do contribuinte – daí decorre a autorização para dedução das despesas
efetivamente incorridas pelo sujeito passivo.
171
Quanto à alíquota do imposto de renda, o princípio da capacidade
contributiva impõe a fixação de percentuais progressivos, conforme aumentar o poder
econômico do contribuinte. Essa imposição resulta, também, da aplicação do princípio da
progressividade, consagrado especificamente para o imposto de renda, no artigo 153,
parágrafo 2º, da Constituição Federal.
Importante observar que, como a mensuração da capacidade econômica do
sujeito passivo deve estar relacionada à materialidade do tributo, a União deve medir a
incidência do imposto de renda sempre em função da renda e dos proventos percebidos pelo
contribuinte.
No caso da tributação dos planos de previdência privada, é possível observar
que o Regime Progressivo de Tributação atende ao princípio da capacidade contributiva, pois,
além de conter a previsão de alíquotas progressivas segundo a renda auferida pela pessoa
física, tem a sua base de cálculo submetida aos descontos de despesas incorridas pelo
contribuinte no respectivo ano-calendário – já que o imposto de renda, nesses casos, tem
caráter de antecipação do devido ao final do período de apuração.
O mesmo não se pode afirmar do Regime Regressivo de Tributação. Este
referido regime baseia-se na instituição de alíquotas regressivas, não segundo a renda do
contribuinte, mas segundo o prazo de acumulação dos recursos no plano. Assim, conforme o
tempo de acumulação dos recursos, a alíquota do imposto de renda é a mesma
independentemente do montante de renda auferida pela pessoa física.
Ademais, a sua base de cálculo não é variável de acordo com a situação
econômica pessoal do contribuinte. Isto porque o imposto de renda, nesta sistemática, é
definitivo, não sendo computado quando da apuração do imposto de renda efetivamente
devido no ano pelo indivíduo (sobre a renda efetivamente recebida no período) nem os
rendimentos por ele tributados, nem o seu montante retido na fonte.
A única justificativa para este critério de incidência seria vislumbrar a
aplicação da extrafiscalidade – técnica usada para imputar à configuração dos tributos,
elementos que pudessem nortear seus comportamentos, de forma a estimular ou desestimular
determinadas ações, julgadas de relevante interesse público, seja no âmbito social, político,
monetário ou econômico.
172
Neste caso, porém, conforme anteriormente exposto, em se tratando de
imposto de renda, a extrafiscalidade somente poderá ser exercida se a hipótese de incidência
atingida contemplar a capacidade contributiva e a progressividade.
Roque Antonio Carrazza, a este respeito, leciona:
“De qualquer modo, os tributos extrafiscais, tanto quanto os fiscais, devem submeter-se aos princípios que informam a tributação: igualdade, legalidade, generalidade, proporcionalidade, não-confiscatoriedade etc.. Além disso, na medida em que interferem nas condutas das pessoas precisam encontrar respaldo num valor constitucionalmente consagrado, nunca em concepções ideológicas ou morais, incompatíveis com a liberdade na atuação da vida privada das pessoas, que deve imperar num Estado Democrático como o nosso”. 218
Tomando-se por base esta lição, ter-se-ia que a extrafiscalidade, neste caso
em exame, deveria estar respaldada num valor consagrado pela Constituição Federal.
Não é o que se verifica.
A extrafiscalidade, no Regime Regressivo de Tributação, está relacionada ao
incentivo de realização da poupança de longo prazo. Com efeito, a Exposição de Motivos nº
116, de 20 de agosto de 2004, que contém as razões para edição da Medida Provisória nº 209,
de 2004, da qual resultou a edição da Lei nº 11.053/04, destaca que “deve existir um estímulo
para que o cidadão abra mão de um consumo imediato ou de investimentos de curto prazo em
troca de uma poupança que exija períodos mais longos de maturação”.
O intuito da fixação das alíquotas regressivas é, portanto, de fazer com que
as pessoas considerem a poupança da previdência como um investimento do longo prazo.
Este valor deveria, como ensina Roque Carraza, estar consagrado na
Constituição Federal, para que pudesse ser aplicado como medida de mensuração do imposto
de renda, e ainda assim não poderia ser sobreposto em prejuízo à aplicação dos princípios da
capacidade contributiva e da progressividade.
Ocorre, porém, que, nem no Título VII, da Constituição Federal, que
disciplina a ordem econômica e financeira no País ou mesmo o artigo 192, que trata
218 “Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos), cit. p. 132.
173
especificamente do Sistema Financeiro Nacional219, nem no Título VIII, que trata da ordem
social ou em seus artigos que tratam da previdência social, é possível encontrar disposição
constitucional que privilegie a poupança de longo prazo. Dessa forma, na linha de pensamento
de que a extrafiscalidade deve encontrar justificativa em fundamento constitucional, verifica-
se que, no tocante ao Regime Regressivo de Tributação, a expressão extrafiscal do imposto de
renda está fundada em valor não convencionado pelo constituinte.
Ainda que estivesse, a extrafiscalidade jamais poderia implicar a não
aplicação dos princípios da progressividade e da capacidade contributiva. Assim, não se
encontra razão para justificar a constitucionalidade da regressividade proposta nos artigos 1º e
2º da Lei nº 11.053/04.
A única situação em que, possivelmente, fosse afastado o caráter
inconstitucional do Regime Regressivo de Tributação seria o de tal sistemática de apuração do
imposto de renda resultar em efetivo benefício fiscal para o sujeito passivo. Isso ocorreria, por
exemplo, se o participante viesse a deduzir integralmente as contribuições efetuadas para o
plano previdenciário – à alíquota máxima de 27,5% –, e, posteriormente, quando do resgate
ou do recebimento dos benefícios, a alíquota do imposto de renda fosse a mínima, de 10%.
6.1.2 O Princípio da Vedação ao Confisco e o Regime Regressivo de
Tributação
Também em relação ao princípio de vedação ao confisco, verifica-se
irregularidade jurídico-formal no Regime Regressivo de Tributação.
Conforme antes mencionado, o princípio do não-confisco representa uma
limitação imposta ao legislador tributário para evitar a fixação de critérios de quantificação do
tributo (base de cálculo e alíquota) de forma abusiva, comprometendo a própria atividade
exercida pelo sujeito passivo ou a sua subsistência, e preservando o mínimo existencial.
219 “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”
174
No que se refere ao Regime Progressivo de Tributação, em que se apura o
imposto de renda segundo base de cálculo e alíquota fixadas de acordo com a situação pessoal
do contribuinte, permitindo que a retirada da parcela tributável (dedução) as despesas com
tratamentos de saúde e educação, e a tributação da renda segundo a sua capacidade
econômica, é possível afirmar que, a rigor, não haveria ofensa ao princípio do não-confisco.
No Regime Regressivo de Tributação, porém, além de a base de cálculo do
imposto não permitir a dedução de despesas inerentes à sobrevivência do indivíduo, as
alíquotas chegam a alcançar 30% e 35% do valor recebido da entidade de previdência privada,
isto é, bem acima dos percentuais fixados normalmente para o imposto da pessoa física (cuja
alíquota máxima é de 27,5%).
Ademais, o imposto de renda apurado pela aplicação destas alíquotas do
Regime Regressivo de Tributação é considerado como definitivo, e, portanto, incide
independentemente da dedução das contribuições realizadas ao plano.
Esses elementos, se somados, podem acarretar a tributação, pelo imposto de
renda, de uma parcela bastante significante da renda efetivamente auferida pelo contribuinte
no período; e, com isso, ensejar a caracterização deste tributo, especificamente neste caso,
como de efeito confiscatório.
Com isso, e apesar de não existir definição legal de um critério para
classificação dos tributos (ou sua carga tributária) como confiscatórios, a fixação de alíquotas
elevadas, sobre base de cálculo que corresponda não apenas à renda – bruta –, mas ao próprio
capital aplicado, pode ensejar a caracterização de ofensa ao princípio consagrado no artigo
150, IV, da Constituição Federal.
175
Capítulo VII - A Adequação da Tributação dos Planos de Previdência Complementar
pelo Imposto de Renda à Regra-Matriz do Tributo
A par da análise sobre as inconsistências do tratamento tributário aplicável
aos planos de benefícios em relação ao perfil constitucional do imposto de renda, importa
também verificar em que medida a tributação aplicável aos investimentos em previdência
complementar privada não se ajustam à regra-matriz de incidência deste tributo.
7.1 A Possibilidade de Tributação do Próprio Capital Investido – Critérios
Material e Quantitativo (Base de Cálculo)
Da forma como está atualmente prevista, a tributação dos recursos
destinados aos planos de previdência complementar acarreta a incidência do imposto de renda
sobre parcela não considerada como renda ou proventos, segundo o seu sentido semântico
extraído da Constituição Federal de 1988.
Esse descompasso entre o conceito constitucional de renda e proventos
passíveis de tributação pelo imposto federal e o os valores recebidos de planos de previdência
privada, como estão submetidos ao imposto de renda atualmente, repercute diretamente na
análise da observância aos limites do critério material da regra-matriz de incidência.
Isto porque o artigo 43 do Código Tributário Nacional, ao disciplinar os
elementos da hipótese de incidência do imposto de renda, assegurou que a renda tributável por
este imposto coincida exatamente com aquela extraída da Carta Magna. O mencionado
dispositivo legal apenas conferiu definição expressa sobre a classificação da renda como o
acréscimo patrimonial resultante da aplicação do capital ou do trabalho, ou de ambos, e dos
“proventos de qualquer natureza”, como os demais acréscimos patrimoniais que não
estivessem alcançados pelo conceito de renda.
Assim, não havendo compatibilidade entre o elemento submetido à
incidência do imposto de renda pela legislação que disciplina a tributação dos planos de
176
previdência complementar – a não ser nos casos em que se possa deduzir a totalidade das
contribuições efetuadas para o plano de benefícios, e que o imposto de renda incida com base
na tabela progressiva – e a “renda” (aí incluídos os proventos) passível de tributação pelo
imposto de renda, há, de fato, não apenas um problema de constitucionalidade, mas também
de legalidade.
Com relação ao critério quantitativo da hipótese de incidência, observa-se
que a base de cálculo está intimamente ligada ao critério material da regra-matriz do tributo.
Isto porque a base de cálculo deve mensurar as proporções reais do comportamento objeto da
incidência tributária.
Diante disso, o imposto de renda deve sempre ter como base de cálculo uma
projeção da renda e dos proventos auferidos pelo contribuinte. Deve ela corresponder,
necessariamente, ao que efetivamente se define como renda tributável.
Assim sendo, nos casos em que o imposto venha a incidir sobre algo que não
represente renda, assim considerado o resultado positivo líquido disponibilizado ao sujeito
passivo, estar-se-á desrespeitando o critério quantitativo da regra-matriz de incidência do
imposto de renda.
Ante dessa verificação, é possível afirmar que a base de cálculo do imposto
de renda incidente sobre os resgates e benefícios recebidos de planos de previdência
complementar é ilegal, exceto nos casos em que se possa deduzir a totalidade das
contribuições efetuadas para o plano de benefícios, e que o imposto de renda incida com base
na tabela progressiva do imposto de renda ou nos casos em que a dedução seja maior que a
própria incidência do imposto (benefício fiscal). Isto porque, em todos os demais casos, parte
do patrimônio investido no plano de benefícios por meio de contribuições – que, por certo,
não é acréscimo patrimonial, mas o próprio capital investido – estará sendo submetido à
incidência do imposto.
Conforme descrito anteriormente, a dedução das contribuições para os
planos de previdência complementar, é feita, para as pessoas físicas, com base na tabela
progressiva, cuja alíquota máxima é de 27,5%, e, para as pessoas jurídicas, com base na
alíquota de 34%. A incidência do imposto de renda, quando do resgate ou recebimento da
aposentadoria, contudo, recai sobre toda a importância recebida pela pessoa física, a uma
alíquota que pode alcançar 35%.
177
Ou seja, ainda que se considere que a pessoa física deduz integralmente as
contribuições vertidas aos planos de previdência complementar, à alíquota máxima de 27,5%,
todo o valor recebido do plano (inclusive a parcela que foi deduzida à alíquota máxima de
27,5%) pode estar sujeito à alíquota do imposto de renda de 35%.
E o mesmo poderá ocorrer em relação à parcela contribuída pela
patrocinadora, a qual se integralmente deduzida, atingirá o percentual máximo de 34% da
renda tributável pela pessoa jurídica.
Com efeito, parece evidente que esse descompasso entre a alíquota (menor)
do imposto usada para dedução e a alíquota (maior) do imposto para a tributação resulta em
evidente tributação de parcela do patrimônio do contribuinte.
Some-se, ainda, a essas conclusões o fato de que o contribuinte pode deduzir
(se cumpridos todos os rígidos limites legais) as contribuições segundo uma sistemática de
antecipação do imposto de renda, sendo que a incidência, quando do resgate ou recebimento
da aposentadoria, poderá ocorrer segundo a sistemática de imposto de renda definitivo (no
Regime Regressivo de Tributação), isto é, não compensável com outros rendimentos e
despesas incorridos pelo mesmo contribuinte.
Assim, enquanto o valor deduzido do imposto de renda anual (quando da
realização das contribuições para o plano) pode ser submetido a ajuste na declaração anual,
em que se deveria apurar o montante de renda efetivamente auferida pela pessoa física e o
imposto efetivamente devido à União, conforme discorrido anteriormente, a importância
retida no retorno dos recursos (inclusive principal, que não corresponde à renda tributável)
pode não ser considerada para tal ajuste, caso o participante tenha optado pelo Regime
Regressivo de Tributação.
Por fim, mas não menos importante, tem-se que a imposição de restrições
bastante rígidas para a dedução das contribuições, especialmente as das pessoas físicas,
segundo descrito anteriormente, em contrapartida à ampla e irrestrita tributação de todo o
valor pago pelo plano de previdência complementar aos participantes e beneficiários, gera,
sem sombra de dúvidas, a incidência do imposto de renda sobre parcela do patrimônio das
pessoas físicas.
178
Isto porque, mesmo não conseguindo realizar a dedução das contribuições –
por ter ultrapassado o limite de 12% dos rendimentos tributáveis anuais, ou por nem mesmo
apurar rendimentos tributáveis no ano em que as contribuições foram pagas, ou ainda por não
contribuir para o regime geral da previdência social ou para o regime próprio de previdência
dos servidores públicos –, o imposto de renda incidirá na fonte sobre a totalidade dos valores
recebidos do plano de previdência complementar, ou seja, sobre a parcela dos rendimentos
gerados durante a permanência dos recursos no plano de previdência complementar e sobre
parcela do principal (patrimônio do contribuinte).
179
CONCLUSÕES
8.1 Desde a reforma introduzida pela Emenda Constitucional nº 20/98, o sistema
previdenciário brasileiro é composto por três vertentes: o regime geral da previdência social, o
regime próprio dos servidores públicos e o regime da previdência complementar, o qual pode
ter caráter público – cujos planos são instituídos por lei, para os servidores do ente que os
instituir – ou privado – no qual os planos são acessíveis a qualquer pessoa física e contratados
livremente, observados apenas os limites previstos em lei.
8.2 Especificamente quanto a este último, a Constituição Federal de 1988
assegura a sua organização enquanto regime autônomo, facultativo e complementar à atuação
estatal no âmbito da previdência pública. Assim, a previdência complementar privada tem por
finalidade proporcionar um mecanismo adicional de proteção social àqueles que atingem a
fase de inatividade laboral.
8.3 Por se tratar de um regime previdenciário regido pelo direito privado, apenas
os particulares que tenham formalizado sua inscrição junto à entidade de previdência
complementar estarão abrangidos pela previdência complementar privada. Tal inscrição
pressupõe que os benefícios assegurados pelo plano de previdência privada serão concedidos
na medida e forma contratadas formalmente, mediante manifestação da vontade das partes. A
participação do Estado restringe-se à fiscalização e ao controle da observância de normas
gerais aplicáveis à relação contratual instaurada.
8.4 Nos planos de previdência privada, o custeio dos benefícios é realizado
exclusivamente por contribuições dos participantes (pessoas físicas) e dos patrocinadores
(pessoas jurídicas), se houver. Não há, por parte do Estado, qualquer prestação ou
contraprestação, complementando ou suplementando o custeio das reservas dos participantes
no plano.
8.5 Segundo previsão da referida Lei, a previdência complementar privada é
operada exclusivamente pelas entidades fechadas de previdência complementar, pelas
entidades abertas de previdência complementar e pelas sociedades seguradoras do ramo vida.
180
São elas pessoas jurídicas de direito privado, instituídas por livre iniciativa, sem qualquer
imposição por parte de qualquer órgão público.
8.6 Tais pessoas jurídicas operam os planos de benefícios de caráter
previdenciário, os quais podem estar organizados sob a modalidade “benefício definido”,
“contribuição definida” ou “contribuição variável”. O plano de “benefício definido” é aquele
em que o benefício complementar é estabelecido no momento da adesão do participante com
base em valores pré-fixados ou em fórmulas de cálculo previstos em regulamento;
“contribuição definida” é a modalidade de plano em que o benefício complementar é
estabelecido apenas no momento da sua concessão, com base no montante das contribuições
previamente fixadas e vertidas ao plano durante a fase contributiva; e o plano da modalidade
“contribuição variável” é aquele cujos benefícios programados apresentem a conjugação das
características de ambas as modalidades.
8.7 Os planos de benefícios são contratados por participantes e/ou
patrocinadores.
8.8 Participante é a pessoa física que adere ao plano de benefícios,
independentemente de participar do custeio do plano de benefícios. Não pode o participante
ser pessoa jurídica, pois a natureza jurídica dos benefícios assegurados pelo plano é
previdenciária, e, com isso somente pode beneficiar pessoas físicas. As pessoas jurídicas
podem, sim, participar da relação jurídica instaurada no âmbito de um plano de previdência
privada, mas na qualidade de patrocinador; jamais como beneficiário ou participante.
8.9 Para participar da relação jurídica instalada no âmbito da previdência
privada, a pessoa jurídica patrocinadora deverá guardar vínculo jurídico de natureza
empregatícia ou associativa com o participante. Ou seja, ela somente pode participar do plano
para custear contribuições em favor de seus empregados, dirigentes ou associados, ou
arrecadar e repassar contribuições dos próprios participantes (contribuições essas que sejam
descontadas diretamente da remuneração a ser recebida em razão do trabalho).
8.10 Diferentemente do regime geral da previdência social, os planos privados
asseguram a possibilidade de resgate das contribuições realizadas no plano em que a pessoa
física é participante. Nos planos de previdência complementar privada, o resgate permite o
saque de recursos acumulados pelo participante, antes do gozo da aposentadoria. Ou seja, é o
181
instrumento que possibilita o recebimento dos recursos acumulados pelo participante, antes do
início do pagamento do benefício contratado.
8.11 Para se analisar o pagamento de benefícios e resgates em planos de
benefícios por entidades de previdência complementar privada como fato jurídico tributável
pelo imposto de renda, há que se verificar, primeiramente, a extensão da incidência do
referido segundo a sua previsão constitucional, examinando-se a competência tributária para
sua instituição, a sua limitação material e os princípios constitucionais que a informam.
8.12 A competência tributária conferida à União pelo artigo 153, inciso III, da
Carta Magna, para instituir imposto sobre a renda, já contém de forma embutida, o “auferir
renda” como materialidade do tributo, a União como sujeito ativo, “aquele que auferir renda”
como sujeito passivo, o valor da renda como base de cálculo e percentuais progressivos dessa
renda como alíquota, não sendo facultado ao legislador ordinário federal extrapolar esses
limites a fim de alcançar fatos jurídicos que não guardem correlação com este arquétipo
tributário constitucional.
8.13 Por força do princípio da capacidade contributiva e do princípio da
progressividade, as alíquotas do imposto de renda deverão ser progressivas, sendo mais altas,
tanto maior seja a renda auferida pelo indivíduo. E a renda, para estes fins, também objeto é
da aplicação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que corresponderá à base
de cálculo do imposto, líquida da dedução das despesas necessárias, realizadas pelo indivíduo.
Tais critérios devem ser observados mesmo em se tratando de imposto com característica
extrafiscal.
8.14 Em razão do princípio de vedação ao confisco, a tributação da renda deve
levar em consideração, como limitação de incidência, a razoabilidade e a garantia aos direitos
fundamentais dos cidadãos, como o da livre iniciativa, bem como garantir o mínimo
existencial.
8.15 Baseado neste perfil constitucional, a renda constitucionalmente passível de
tributação corresponde: (i) ao produto da atividade de aplicação do patrimônio ou da
realização de operações, e não ao valor da operação realizada ou do patrimônio aplicado;
assim considerados os (ii) resultados positivos auferidos pelo sujeito passivo; apurados (iii)
após a dedução da parcela investida ou a perda incorrida, e dos gastos necessários à sua
182
subsistência ou à manutenção da fonte produtora da renda (resultado líquido); (iv) excluindo-
se qualquer forma de reposição patrimonial.
8.16 Em relação à regra-matriz do imposto de renda, partindo-se da estruturação
lógica da hipótese de incidência tributária, tem-se que: (i) o seu critério material corresponde
aos resultados líquidos auferidos como produto do capital, do trabalho, de ambos (renda) ou
decorrente de qualquer outra forma de acréscimo patrimonial (proventos); (ii) o seu critério
espacial é o território nacional, sendo passível de tributação a renda adquirida por pessoa nele
residente ou paga por fonte produtora ou pagadora nele localizada; (iii) o seu critério temporal
é a disponibilidade jurídica ou econômica da renda, após o período mínimo estabelecido por
lei como exercício fiscal, sendo possível apenas antecipações do imposto de renda, antes de
findo o este período, se passíveis de compensação e ajuste quando da apuração do imposto
devido ao final do mesmo exercício fiscal; (iv) o seu critério pessoal, de um lado, a União
(sujeito ativo), e, de outro, o titular da disponibilidade da renda e dos proventos de qualquer
natureza (contribuinte) e a sua fonte pagadora (responsável tributário); e (v) o seu critério
quantitativo o resultado positivo líquido (base de cálculo) e percentuais progressivos
(alíquota).
8.17 Em decorrência desse conteúdo da norma-padrão de incidência do imposto
de renda, é possível afirmar que o referido tributo alcança o comportamento de se auferir
renda e proventos, assim considerados os resultados positivos líquidos que correspondam a
acréscimos patrimoniais decorrentes do capital, do trabalho, de ambos ou de outra origem;
renda e proventos estes adquiridos no território nacional, tidos como aqueles que sejam
auferidos por pessoa aqui localizada, ainda que a fonte pagadora esteja fora das fronteiras
geográficas do país, sendo considerados tributáveis tais “renda e proventos” quando
disponíveis jurídica ou economicamente, ao final de cada período mínimo (anual ou
trimestral), cabendo à União o direito de exigir tal imposto de toda e qualquer pessoa, física
ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ressalvadas as situações de
imunidade, sobre a base de cálculo que represente uma renda (ou provento) líquida(o) de
despesas, a partir da(o) qual se aplica alíquota fixada de forma progressiva.
8.18 A tributação, pelo imposto de renda, dos resgates e benefícios recebidos dos
planos de previdência complementar privada, está baseada em um regime de diferimento do
ônus financeiro do imposto. Tal sistemática de tributação está calcada na autorização para
dedução, na apuração da base de cálculo do imposto de renda devido, dos valores investidos
183
em planos de previdência privada, e, em contrapartida, quando do recebimento de recursos do
plano, o imposto de renda incide sobre o montante integral, correspondente à parcela investida
somada aos rendimentos acumulados durante o período de investimento.
8.19 A dedução das contribuições vertidas para o plano de previdência
complementar privada, pela pessoa física, somente é permitida se: (i) a contribuição for
destinada a custear benefícios em plano de previdência próprio ou para seus dependentes
fiscais; (ii) não ultrapassar o limite de 12% dos rendimentos tributáveis anuais; (iii) houver
contribuição para o regime geral da previdência social ou para regime próprio de previdência
social dos servidores públicos (exceto aposentados por estes regimes), e, nos casos de
contribuição em favor de dependentes fiscais maiores de 16 anos, estes também contribuam
para o regime previdenciário estatal.
8.20 As contribuições vertidas para o plano de previdência complementar
privada, pela pessoa jurídica, em favor de seus empregados e dirigentes, por sua vez, podem
ser deduzidas na apuração da base de cálculo do imposto de renda, desde que não excedam,
em cada período de apuração, ao equivalente a 20% do total dos salários dos empregados e da
remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao referido plano.
8.21 Atualmente, os rendimentos e ganhos de capital auferidos nas aplicações
financeiras com os recursos acumulados nos planos de previdência complementar encontram-
se isentos da incidência do imposto de renda.
8.22 Quando do resgate ou recebimento de benefícios de aposentadoria, o
imposto de renda incide sobre a totalidade dos valores recebidos – principal e rendimentos
produzidos durante o período em que os recursos foram mantidos no plano.
8.23 O imposto de renda, sobre tais resgates e benefícios, poderá ser calculado
segundo o Regime Progressivo de Tributação ou de acordo com o Regime Regressivo de
Tributação, à escolha do participante.
8.24 No Regime Progressivo de Tributação, os resgates e benefícios pagos pelos
planos de previdência complementar sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte
com base na tabela progressiva vigente à época da ocorrência do fato jurídico tributável, cuja
alíquota máxima é 27,5%. O imposto de renda retido sob esses moldes é passível de
compensação quando da apuração do devido no respectivo ano-calendário, pela pessoa física.
184
8.25 Já o Regime Regressivo de Tributação consiste na aplicação de alíquotas
regressivas do imposto de renda (de 35% a 10%), segundo o tempo em que os recursos são
mantidos no plano de previdência complementar – quanto maior o prazo da aplicação dos
valores, menor a alíquota do imposto. O imposto de renda, retido na fonte pela entidade de
previdência privada, é considerado como definitivo, não integrando o ajuste na Declaração
Anual do imposto de renda da pessoa física.
8.26 Há casos previstos na legislação em que se assegura a isenção do imposto de
renda para os benefícios e resgates recebidos dos planos de previdência complementar. Nesses
casos, porém, a regra de isenção é aplicável independentemente da opção de regime de
tributação efetuada pelo participante do plano de benefícios.
8.27 Contrapondo-se o perfil jurídico do imposto de renda ao regime de
tributação atualmente aplicável aos recursos destinados aos planos de previdência
complementar, verifica-se não ser possível, em alguns casos, apurar uma efetiva postergação
do ônus financeiro do imposto de renda, como pretendido pelo legislador federal. Nesses
casos, haverá verdadeira tributação sobre o patrimônio (valor principal destinado no plano) e
não apenas sobre a renda (rendimentos gerados durante a fase de acumulação).
8.28 Tal situação somente não irá ser constatada nos casos em que as
contribuições aportadas no plano sejam deduzidas na exata medida da tributação incidente
sobre os benefícios e resgates ulteriores, ou se a tributação destes ocorrer em alíquota inferior
àquela aplicável sobre a dedução das contribuições. Nos demais casos, o imposto de renda
incide, efetivamente sobre todo o valor recebido, inclusive sobre a devolução do patrimônio
(valor principal – contribuições) investido – em descompasso com a vedação para tributação
da reposição patrimonial.
8.29 O Regime Regressivo de Tributação, na medida em que pressupõe a fixação
de alíquotas regressivas do imposto de renda independentemente da base de incidência desse
tributo, acarreta ofensa ao princípio da capacidade contributiva.
8.30 Mesmo considerando que este critério de incidência tem caráter extrafiscal,
em se tratando de imposto de renda, a extrafiscalidade somente poderá ser exercida se a
hipótese de incidência atingida contemplar a capacidade contributiva e a progressividade.
185
8.31 No Regime Regressivo de Tributação, além de a base de cálculo do imposto
não permitir a dedução de despesas inerentes à sobrevivência do indivíduo, as alíquotas
chegam a alcançar 30% e 35% do valor recebido da entidade de previdência privada, e o
imposto de renda apurado pela aplicação destas alíquotas é considerado como definitivo, e,
portanto, incide independentemente da dedução das contribuições realizadas ao plano. Esses
elementos, se somados, podem acarretar a tributação, pelo imposto de renda, de uma parcela
bastante significante da renda efetivamente auferida pelo contribuinte no período; e, com isso,
ensejar a caracterização deste tributo como de efeito confiscatório.
8.32 Não havendo compatibilidade entre o elemento submetido à incidência do
imposto de renda pela legislação que disciplina a tributação dos planos de previdência
complementar – a não ser nos casos em que se possa deduzir a totalidade das contribuições
efetuadas para o plano de benefícios, e que o imposto de renda incida com base na tabela
progressiva – e a “renda” (aí incluídos os proventos) passível de tributação pelo imposto de
renda, há, de fato, não apenas um problema de constitucionalidade, mas também de
legalidade.
8.33 A base de cálculo do imposto de renda incidente sobre os resgates e
benefícios recebidos de planos de previdência complementar é ilegal, exceto nos casos em
que se possa deduzir a totalidade das contribuições efetuadas para o plano de benefícios, e que
o imposto de renda incida com base na tabela progressiva do imposto de renda ou nos casos
em que a dedução seja maior que a própria incidência do imposto (benefício fiscal). Isto
porque, em todos os demais casos, parte do patrimônio investido no plano de benefícios por
meio de contribuições – que, por certo, não é acréscimo patrimonial, mas o próprio capital
investido – estará sendo submetido à incidência do imposto.
8.34 Além disso, o contribuinte pode deduzir (se cumpridos todos os rígidos
limites legais) as contribuições segundo uma sistemática de antecipação do imposto de renda,
sendo que a incidência, quando do resgate ou recebimento da aposentadoria, poderá ocorrer
segundo a sistemática de imposto de renda definitivo (no Regime Regressivo de Tributação),
isto é, não compensável com outros rendimentos e despesas incorridos pelo mesmo
contribuinte.
8.35 Ademais, a imposição de restrições bastante rígidas para a dedução das
contribuições, especialmente as das pessoas físicas, segundo descrito anteriormente, em
186
contrapartida à ampla e irrestrita tributação de todo o valor pago pelo plano de previdência
complementar aos participantes e beneficiários, acarreta a incidência do imposto de renda
sobre parcela do patrimônio das pessoas físicas.
187
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