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MIL FOLHAS 23 | OUTUBRO | 2004 | PÚBLICO nos 80 anos do poeta antónio ramos rosa uma conversa poemas inéditos aproximações à obra DAVID CLIFFORD livros história do ateísmo de georges minois | exposição paula rego em serralves | arquitectura antónio belém lima

o Poema e Sempre Uma Heresia 20130923 193041

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entrevista Ramos Rosa

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  • MIL FOLHAS23 | OUTUBRO | 2004 | PBLICO

    nos 80 anos do poeta

    antnio ramos rosa

    uma conversa

    poemas inditos

    aproximaes obra

    DA

    VID

    CLI

    FFO

    RD

    livros histria do atesmo de georges minois | exposio paula rego em serralves | arquitectura antnio belm lima

  • Director: Jos Manuel Fernandes Edio: Isabel Coutinho Redactores: Alexandra Lucas Coelho, Carlos Pessoa, Cristina Fernandes, Fernando Magalhes, Mrio Santos, scar Faria,

    Rita Pimenta, Vanessa Rato Cronistas: Desidrio Murcho, Eduardo Prado Coelho, Joo Barrento, Jorge Silva Melo Colaboram nesta edio: Antnio Marujo, Anselmo Borges, Augusto

    M. Seabra, Fernando Pinto do Amaral, Jorge Figueira, Lus Maio, Pedro Quedas Design: Jorge Silva e Snia Matos Designers: Ana Carvalho, Hugo Pinto, Ivone Ralha, Jorge Guimares

    C O R R E I O D O S L E I T O R E S

    Pedimos que as informaes das galerias sejam enviadas para o endereo electr-nico: [email protected] agora tem a possibilidade de enviar as suas opinies para o endereo elec-trnico:[email protected] para a morada Mil Folhas Cor-reio dos Leitores, Jornal Pblico, Rua Viriato, n13 1069-315 Lisboa

    C O N F E R N C I A

    Trs vises da Itlia

    02PBLICO 23 OUTUBRO 2004

    PLANO GERAL

    CadernosNIJINSKI

    ASSRIO & ALVIM

    Subintitulados O Sentimento, estes famosos Cadernos so um docu-mento impressionante, perturbador e comovente. Escritos no incio de 1919 em Saint-Moritz, na Sua, constituem uma espcie de ltimo e catico aceno da grande estrela dos Ballets Russes, ento j beira do abismo: Nijinski da-ria depois o passo em frente, passando os 30 anos seguintes, at sua morte em 1950, mergulhado naquilo a que se costuma chamar loucura: Sou Deus no homem. Sou o que Cristo sentia. [...]Co-nheo toda a gente. Sei tudo. [...]Sou um filsofo que no pensa. Sou um filsofo que sente. [...]Eu no sou Cristo. Sou o Nijinski. Sou um homem simples.

    O L I V R O D A S E M A N A

    Ciclo na livraria Ler DevagarI lhas da UtopiaIlhas da Utopia o ttulo do ciclo de conferncias, fi lmes e exposies que est a decorrer at ao fi nal deste ms na livraria Ler Devagar, em Lisboa. Hoje, dia 23, pelas 21h30, Antnio Cndido Franco abordar o tema O utopismo na gerao da Renascena Portuguesa e Adelaide Gonalves falar das Comuni-dades utpicas brasileiras; no dia 28, s 21h30, ser a vez de Nuno Flix da Costa e Antnio Bracinha Vieira apresentarem A utopia como estratgia de sobrevivncia mental; terminar o ciclo, no dia 29, s 21h30, com uma palestra de Nuno Nabais intitulada O fi m das utopias?. Paralela-mente, possvel ver na galeria da Ler Devagar a exposio Ilhas da Utopia, na qual participam Roger Claustre, Olga Pombo, Isabel do Carmo, Leonel Moura, Pedro Mota e Nuno Flix da Costa.

    Paula Rego ilustra o clssico de CollodiO regresso de Pinquio

    O segredo deste livro, no qual parece que nada calculado, que o enredo decidido passo a passo [...], reside na necessidade interna do seu ritmo, da sua sintaxe de imagens e metamorfoses, que faz com que um episdio se deva seguir a outro num encadeamento propulsivo., escrevia Italo Calvino, num ensaio que foi publicado em 1981, nos cem anos de As Aventuras de Pinquio. E acrescentava: da que advm o poder gentico do Pinquio, pelo menos de acordo com a minha experincia, pois desde que comecei a escrever que o tenho considerado um modelo do conto de aventuras. Este ensaio de Calvino foi agora retomado para servir de posfcio belssima edio de As Aventuras de Pinqio Histria de um Boneco, de Carlo Collodi, o grande clssico italiano de literatura infantil que a Cavalo de Ferro acaba de lanar. Com traduo de Margarida Periquito, feita a partir da verso integral original, esta edio conta com uma qualidade extra irresistvel: as ilustraes de Paula Rego, que so comentadas pela escriotra italiana Romana Petri. Um mimo.

    Nova edio comemora 400 anos da obra de CervantesQuixote definitivo em 3000 pginasUma nova, monumental e defi nitiva edio de Dom Quixote de Miguel de Cervantes foi esta semana lanada em Espanha pela editora Galaxia Gutenberg/Crculo de Lectores, a pensar nos 400 anos da primeira edio da obra, que se comemoram em 2005. Fi-nanciada pelo Instituto Cervantes e pela Sociedad Estatal de Con-memoraciones Culturales e elaborada no mbito do Centro para la Edicin de los Clssicos Espaoles, a nova edio do clssico dos clssicos castelhanos soma quase 3 mil pginas distribuidas por dois volumes, nas livrarias ao preo de 50 euros. Na preparao desta edio trabalhou nos ltimos dez anos uma equipa de perto de cem cervantistas de todo o mundo coordenada por Francisco Rico, que j dirigira a anterior edio defi nitiva da obra, publicada em 1998 pela Editorial Crtica. Agora, explicou Francisco Rico, o texto cervantino e as notas foram mais uma vez revistos, e eventualmente corrigidos, linha a linha, depois de cotejados com quase uma cen-tena de outras edies do Quixote, algumas das quais no tinham sido antes tidas em conta. A nova edio, afi rmou Rico, devolve ao autor e a todos os leitores aquilo que geraes de impressores pouco escrupulosos e no poucos fi llogos desnorteados lhes roubaram: as palavras e os signifi cados originais.O primeiro volume acolhe o texto de Cervantes, profusamente anotado, a introduo de Francisco Rico e o ensaio j clssico Las voces del Quijote, de Lzaro Carreter, que dirigiu o Centro para la Edicin de los Clssicos Espaoles. O segundo volume, com mais notas e apndi-ces e mapas e ilustraes e um grande aparato crtico, aquilo a que resumidamente se pode chamar uma enciclopdia quixotesca com o melhor que se escreveu e contou sobre a obra.

    Os autores italianos Romana Petri ( Case Venie), Alain Elkann (O Pai Francs) e Giovanni Chiara (Solo Siciliano), publicados pela editora Cavalo de Ferro, estiveram na passada segunda-feira, em Lisboa, a participar nas actividades da IV Semana da Lngua Italiana no Mundo. Na sesso em que falaram dos seus livros, que decorreu no Instituto Italiano de Cultura, mostraram ser trs vozes distintas, mas curiosamente paralelas, do mundo literrio contemporneo italiano.

    Estas trs obras compem um quadro fragmentado mas intenso daquilo que constitui a essncia da Itlia. Uma Itlia de memrias colectivas e detalhes ntimos; de passado, presente e futuro; de amor e de morte sempre a morte, como um fantasma omnipresente pairando sobre o futuro da Itlia contempornea.

    Em Case Venie, de Romana Petri, acom-panhamos a histria de Alcina, uma mulher forte, parte integrante dos partigiani que se defenderam contra a invaso das tropas alems na Segunda Guerra Mundial. Neste contexto histrico, a protagonista tem de lidar com o desejo de proteger o irmo mais novo, Aliseo; com a tentao de concretizar o seu amor pelo jovem Spaltero e com a morte negra e inexorvel, personalizada na memria do seu pai falecido. um li-vro sobre a relao difcil entre a vida e a morte, comentou Romana Petri um livro sobre a escolha entre a sombra do passado e a abertura s possibilidades do futuro.

    J o livro O Pai Francs, de Alain Elkann, um pequeno romance de des-coberta paternal polvilhado de momentos

    surrealistas. A obra parte de uma premissa bastante original: Alain Elkann, aps enter-rar o seu pai, veio a descobrir que este, um homem severo e regrado, figura inf luente na comunidade judaica, havia sido enter-rado ao lado de Roland Topor, um homem de excessos, um artista. Foi este pormenor que o levou a escrever este livro. Para o fazer de uma forma credvel teve conversas com os verdadeiros filhos do artista mas decidiu tambm incluir na obra conversas imaginrias entre o seu pai e o seu compa-nheiro de campa, Roland Topor. Sobressai em todo o livro uma busca de um ideal de paternidade perdido (o autor passa a ver Topor como um outro pai), bem como uma crua honestidade na abordagem da morte: Face morte, as mscaras da face pblica desaparecem, afirmou Elkann.

    Finalmente, em Solo Siciliano, de Giovanni Chiara, temos a histria de D. Gaetano, um pai, velho e gasto, di-vidido entre a dor da morte do seu f ilho e a certeza da iminncia da sua prpria morte. um livro sobre a Siclia, sobre os sicilianos. D. Gaetano v o que se passa sua volta com os olhos de algum que ama tanto quanto detesta a sua terra, e que esconde sempre uma Beretta 7,65 no bolso direito do casaco. um conto de violncia, resignao e morte mas, acima de tudo, sobre o ltimo reduto da existn-cia humana, a dignidade. Esta dignidade, referiu o autor, no um sentimento de banda sonora, um sentimento totalmente ntimo Solo Siciliano um livro de silncios interrompido a estampidos de balas. PEDRO QUEDAS

  • 03PBLICO 23 OUTUBRO 2004

    PLANO GERAL

    L A N A M E N T O S

    Gmeos, o novo romance de Mrio Cludio (Dom Quixote), lanado ho-je, pelas 22h, no Auditrio da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto. A obra ser apresentada por Artur Santos Silva. Com Gmeos, Mrio Cludio encerra a trilogia iniciada com Ursa Maior e continuada por Oron.

    A partir das 23h na galeria ZDB, no Bairro Alto, em Lisboa, decorre hoje uma sesso de poesia Sonora-meapoiesis !!! com Carla Bolito e Vtor Rua, Antnio Poppe, Andrea Martha e Antnio Pocinho. Poesia dos prprios e de Antnio Maria Lis-boa, Ary dos Santos, Maria Velho da Costa, Herberto Hlder, Natlia Cor-reia, Maria Lusa Antunes, Virgnia de S, Antnio Botto.

    Antnio Arnaut apresenta Dilogos de Rosa e Espada, de Antnio Vi-lhena (Editora Mar da Palavra), hoje, pelas 16h, na Biblioteca Municipal de Aveiro.

    Botafogo, de Leonor Xavier (Ofi cina do Livro), ser apresentado por Ins Pe-drosa segunda-feira, dia 25 de Outubro, s 18h30, na Casa de Imprensa no Chia-do, em Lisboa.

    Lanamento da revista Mealibra (n. 14) com inditos do primeiro projecto de romance de David Mou-ro-Ferreira, dia 26 de Outubro, ter-

    a-feira, pelas 18h, na Universidade Nova de Lisboa.

    Duelos & Atentados, de Eduardo Nobre, ser apresentado no dia 26 de Outubro pelas 18h, em pleno Chiado, em Lisboa, porta da Livraria Bertrand.

    Lanamento do livro Migraes do Fogo, de Manuel Gusmo, no dia 26 de Outubro pelas 18h30, na Sala Carlos Paredes da Sociedade Portuguesa de Autores (Rua Gonalves Crespo, 62), em Lisboa. A apresentao leitura de poemas, palavras sobre ele estar a cargo de Helena C. Buescu, Helena Serdio, Isabel Allegro de Magalhes, Antnio Guerreiro, Eduardo Prado Co-elho, Fernando Cabral Martins e Jorge Silva Melo.

    Rosa, Minha Irm Rosa, de Alice Vieira, com ilustraes de Evelina Oliveira, apresentado por Jos Jorge Letria, no dia 26 de Outubro, s 18h30, na Galeria So Mamede (R. Escola Politcnica,167), em Lisboa. Vinte e cinco anos decorreram desde a publi-cao deste livro de estreia de Alice Vieira (na Caminho foram publicadas 18 edies, perfazendo mais de 100.000 exemplares).

    EUA E ANGOLA: a Diplomacia Econmica do Petrleo, de Ana Paula Fernandes (ed. Principia), ser apresentado por Lus Moita no dia 26

    de Outubro, no Auditrio da Fundao Luso-Americana (Rua do Sacramento Lapa, n. 21), em Lisboa, s 18h30.

    O livro rvore sem Voz, de Daniel Sampaio (Editorial Caminho), ser apresentado por Laurinda Alves, dia 27 de Outubro, s 18h30, na Sala Europa do Hotel Altis (R. Castilho, 11), em Lisboa. Rene um conjunto de crnicas e uma pea de teatro, a verso teatral de Va-gabundos de Ns. As crnicas foram publicadas na revista XIS entre Abril de 2003 e Julho de 2004.

    Lanamento do projecto Os Lvsadas (uma baixela de coleco limitada, jun-tamente com a reproduo fac-similada da 1. edio de Os Lusadas de 1572) da GSPIE, dia 27 de Outubro, pelas 18h30, no Salo Nobre do Palcio Foz, em Lisboa. Victor de Sousa ler o poema e Ftima Lopes, da Sic, apresenta.

    Sesso pblica do programa Ouvindo a Escrita, do Pen Clube Portugus, sobre o tema Ouvindo a escrita nas livrarias com a presena dos autores lvaro Manuel Machado, Ana Ca-lhau e Eduardo Prado Coelho com apresentao de Casimiro de Brito e de Teresa R. Cadete, dia 27 de Outubro, s 21h30, na Livraria Ler Devagar (Rua da S. Boaventura, 115-119), em Lisboa.

    Transatlntico, de Paulo Nogueira (Dom Quixote), ser apresentado dia

    27 de Outubro, s 22h, no Lux (Av. In-fante D. Henrique, Armazm A, Cais da Pedra a Santa Apolnia). Nuno Jdice e Joo Gabriel de Lima apresentam e Ins Pedrosa ler um excerto do livro.

    De Legibus Livro I da Lei em geral, de Francisco Surez (Editora Tribuna da Histria), ser lanado no dia 28 de Outubro, pelas 18h, na Universidade Ca-tlica Portuguesa, em Lisboa, Edifcio da Biblioteca Universitria Joo Paulo II, piso 2, sala de exposies.

    Histrias de Sade Pblica, de Fran-cisco George (Livros Horizonte), ser lanado dia 28 de Outubro, quinta-feira, pelas 18h30, no Palcio dos Marqueses de Fronteira, no Largo de So Domingos de Benfi ca, n. 1. A apresentao ser fei-ta por Daniel Sampaio.

    Crnica de Amor e Mar, o romance histrico de Maria Joo da Cmara (Sopa de Letras), ser lanado no dia 28 de Outubro, s 18h30, na Santa Casa da Misericrdia de Lisboa, com apresenta-o de Maria Jos Nogueira Pinto.

    As Furtivas Pegadas da Serpente, de Antnio de Macedo (Editorial Caminho), ser apresentado por Vtor Quelhas no dia 30 de Outubro, s 19h, no Auditrio do Centro Cultural de Cascais (Av. Rei Humberto II de Itlia). A sesso realiza-se no mbito das Jornadas Fan-tsticas Na Periferia do Imprio.

    TOPLIVRARIA BARATALisboa

    Fico

    01A Regra de QuatroIan Caldwell e Dustin ThomasonPresena

    02O Bosque dos PigmeusIsabel AllendeDifel

    03EragonChristopher PaoliniGailivro

    04Uma Histria SujaLus SeplvedaAsa

    05BudapesteChico BuarquePublicaes Dom Quixote

    No Fico

    01A Verdadeira Histria de JesusE. P. SandersEd. Notcias

    02Pais Brilhantes, Professores FascinantesAugusto CuryPergaminho

    03O Segredo dos TemplriosLynn Picknett e Clive PrincePublicaes Europa-Amrica

    04Alimentao Saudvel, Alimentao SeguraIsabel do CarmoPublicaes Dom Quixote

    05Moambique 1895Antnio Jos TeloTribuna da Histria

    F I C O

    O Romance de Leonardo de VinciAUTOR Dimitri MerejkovskiTRADUTOR Jos Fernandes CostaEDITOR Vega368 pgs., 19,95A vida do leitor dava um romance? A de Leonardo da Vinci d (deu e dar) vrios. Este, por exemplo, talvez mais conhecido como A Ressurreio dos Deuses, e que um dos vrtices de uma trilogia ambiciosa do russo Dimitri Merejkovski (1866-1941). Por ele desfi lam Csar Borgia, Savonarola, Maquiavel e pelo menos dois Papas, alm do grande mestre renascentista, claro, naquilo que costume designar como um grande fresco de poca.

    C U L I N R I A

    Receitas Rpidas e FceisTRADUTOR Patrcia Costa ContreirasEDITOR Asa112 pgs., 13Nesta nova coleco da Asa, Cozinha Prtica Passo a Passo, pode aprender a fazer jantares rpidos de preparar (as receitas so para quatro pessoas). O livro foi dividido em sete captulos: sopas e saladas, massas e arroz, grelhados e barbecues, fritos e salteados, guisados e estufados, pratos de forno e sobremesas. Refeies de massas, fritos e grelhados so preparadas em 15 minutos e podem estar prontas, na mesa, em 30 minutos. Tem dicas para se saber quais os ingredientes essenciais numa despensa e truques para poupar tempo.

    C U L I N R I A

    Receitas no SingularTRADUTOR Paula MotaEDITOR Asa112 pgs., 13Que o leitor aprenda a cozinhar para si mesmo o lema deste livro. Fazer menos quantidade, saber comprar s para um, saber cozinhar para congelar : uma seco de passagem obrigatria para quem vive sozinho e chega a casa mesmo hora do jantar e sem pacincia nenhuma para cozinhar.Massa com tomate, feta e rcula; salmonete cozido com ervas aromticas; frango com especiarias e pra; pasteis de gro com salada de pepino e tomate; panquecas fofas com molho de mirtilos, etc., etc., etc.

    sadas

  • 04 LIVROSCAPAPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    ramosrosa

    antnio

  • 05PBLICO 23 OUTUBRO 2004

    LIVROSCAPA

    O poema sempre uma heresia

    No uma entrevista. uma conversa com Antnio Ramos Rosa e uma amiga em visita, a escritora Hlia Correia, no dia a seguir ao aniversrio dos 80 anos do poeta, completados domingo, dia 17. Ainda quatro poemas inditos e uma aproximao sua obra.

    | ALEXANDRA LUCAS COELHO (TEXTO), DAVID CLIFFORD (FOTOS)

    uma segunda-feira de tempestade, em Lisboa. E portanto Hlia Correia, que fl oresce no Inverno, vem feliz, a p e sem chapu de chuva, desde Entrecampos at Barbosa du Bocage, guardando uma pedra de ametista. Ser para Ant-nio Ramos Rosa, que fez 80 anos na vspera, dia 17. So amigos de muitas tardes de conversa na casa da Barbosa du Bocage, onde tantos dos poemas de Ramos Rosa foram escritos, e por onde foram passando sempre amigos, escritores, crticos ao longo do tempo, uma pequena casa quase absolutamente tomada pe-los livros.

    O poeta mudou-se entre-tanto para uma residncia com jardim no Restelo, mas s segundas e quintas vem aqui.

    Pela mo cuidadosa de Agripina Costa Marques, poeta, mulher de Antnio Ramos Rosa, acomodamo-nos junto janela, na salinha voltada para o Campo Peque-no. O cu comea a mudar de cinza para branco. Adiantada a conversa, vir ainda a luz que vem depois da chuva.

    De dentro de um saco de papel onde transporta uma volumosa antologia, La Posie du vingtime sicle, e um exemplar do seu livro A Imobilidade Fulminante (Campo das Letras, 1998) , Ramos Rosa retira os desenhos que preparou para os visitantes, traos fl uidos a marcador azul em folha branca, esboando um rosto feminino. H anos que faz e oferece estes desenhos. Alm das esferogrfi cas, an-da sempre com um marcador no bolso do seu casaco casta-nho de veludo ctel.

    HLIA CORREIA E agora est a desenhar bichos.

    ANTNIO RAMOS RO-SA Sim, j desenhei.

    MIL FOLHAS Que bichos so esses?

    Irromperam do papel, da pgina, sem eu ter tempo de os domesticar. Saram o mais selvagens possvel. Na maior parte dos desenhos, so dois bichos a dialogarem mas no sei se a dialogarem, da forma to feroz como s vezes esto. No os fi z com qualquer inteno, aparece-ram. S se concretizou [a ideia de um livro, a publicar em breve] porque os dese-nhos disseram qualquer coisa a uma grande amiga minha, a Isabel Aguiar Barcelos. E como ela escreve economista, mas tambm ensasta, especialista em poesia hispano-americana, tem duas antologias publica-das e outra para publicar , entusiasmou-se tanto que co-meou a escrever uns textos muito imaginrios, com uma imaginao muito diferente da minha. Pela minha parte, comecei a corresponder aos textos dela. A histria [do livro] a dos bichos e a histria da nossa histria.

    So bichos instntaneos. Bichos ferozes, saram do meu inconsciente.

    H.C. Batem no pulso e desenham-se.

    So mesmo selvagens Selvagem em portugus tem uma consonncia terrvel, mas em francs sauvage parece-me mais suave.

    Agora um pouco parte: cheguei concluso que as mulheres mais terrveis no so aquelas puramente selvagens, so as domsticas selvagens. Ou as selvagens domsticas

    [Ri-se, sem esclarecer muito mais. Fala vagamente das visitantes que aparecem na residncia do Restelo. A propsito, Hlia pergunta-lhe por um desenho que Ma-ria Keil, tambm residente no Restelo, fez para ele.]

    uma fi gura. Uma fi gura-o minha do poeta que abre os braos para uma fi gura feminina. E ela [Maria Keil] ps assim: Agarra a musa.

    Musa uma coisa ultra-

    passada, hoje j no sou capaz de usar essa palavra. Tem uma consonncia como museu, e no como msica. Um grande poeta norte-americano, Archibald McLeish, diz que a musa foi sempre um pretexto para o poeta disfarar, porque o verdadeiro destinatrio do poeta o poema.

    [Hlia lembra-se dele escrever todos os dias de manh, toda a manh. Ele responde que toda a manh, no seria Olha para o cu. Hlia, que est de costas para a janela, v como a luz est mais clara pelos olhos dele, e diz-lhe. Ramos Rosa apanha a viso e segue.]

    A diferena entre usar cu-los e no usar era mnima, de maneira que deixei de usar culos. Vejo as fi guras, as silhuetas, com uma percep-o que me parece bastante esttica. Mais do que se as visse lindamente, no ?

    H.C. olhar de gato.[Ramos Rosa diz que gos-

    ta de dias nublados e fala de um par que viu na esplanada do Centro Cultural de Belm num dia assim. Fiquei a olhar para o dilogo das mos deles. Passa da para a pintura, e da pintura para o cinema. Foi um dos funda-dores do Cineclube de Faro, a cidade onde nasceu.]

    Eu gostava mesmo de ter uma mquina de fi lmar No vou h muito tempo ao cinema. H um realizador de que gostava muito, o Visconti. Particularmente, Morte em Veneza. Esse fi lme comoveu-me muito. Vi-o no Cinema Monu-mental [quando estreou em Lisboa]. Aquela fi gura do homem velho, tuberculoso, que se apaixona por uma fi gura ambgua no posso dizer bem se era um rapazi-nho... uma fi gura andrgina. Apaixona-se, e nem sequer lhe toca com um dedo. Vi ali a fi gurao do desejo, e quando me apercebi, comecei a chorar. No fi m, para no manifestar a mi-nha emoo, tive que fugir

    das pessoas. Sa do cinema a correr, com a Agripina atrs de mim.

    [Conta ainda que quando o homenagearam no Cineclube de Faro lembrou a sua hist-ria com Morte em Veneza, e por coincidncia o fi lme passara l, essa manh.]

    Sou, de certa maneira, um poeta mais francs que por-tugus, ou to francs como portugus. Gosto tambm muito do ingls, mas no o sei to bem. Tradues, fi z de siciliano, espanhol, italiano francs, muitos ingls, poucos. H um escri-tor francs que diz que para se inspirar, para se inclinar, precisa de uns allumeurs [ letra: acendedores]. Eu inspiro-me muito nos poetas que leio.

    [Chama a Hlia uma sua allumeuse. Pergunta a todos em volta se amuser ter musa l dentro. Fala no exotismo da lngua, nas palavras fascinantes, no problema da traduo. Como traduzir, por exemplo, dpayser? Desenrai-zar?]

    Uma vez participei em Berlim numa sesso sobre a traduo. Havia poetas que diziam que a poesia era in-traduzvel, outros que diziam que era traduzvel. Estava l o Jorge Luis Borges, com quem no falei. E ele dizia, no sei se estava certo, que no Canto Espiritual, de San Juan de la Cruz, havia um verso numa traduo em ingls que era melhor do que no original. Parece-me que o verso em espanhol era es-tando ya mi casa sosegada

    [De La noche oscura:

    En una noche oscura,Con ansias, en amores

    infl amada,oh dichosa ventura!,sal sin ser notada,estando ya mi casa

    sosegada.()]

    Borges dizia que a palavra em ingls para sossegada era melhor, dava mais ideia do sossego: hush.

    Musa uma coisa

    ultrapassada, tem

    uma consonncia

    como museu, e no

    como msica

    Eu gostava mesmo de

    ter uma mquina de

    filmar

    Morte em Veneza

    comoveu-me muito.

    Aquela figura

    do homem velho,

    tuberculoso, que se

    apaixona por uma

    figura andrgina.

    Apaixona-se, e nem

    sequer lhe toca com

    um dedo. Vi ali a

    figurao do desejo, e

    quando me apercebi,

    comecei a chorar.

    Sa do cinema a correr>>

  • 06 LIVROSCAPAPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    H.C. Acon-chegar acalmar. uma palavra mais afectiva. Para se dizer baixinho.

    [Nada a propsito, toca o telemvel l de casa. Finita a pausa, Ramos Rosa tenta recomear, dizendo como gosta da poesia espanhola, do Sculo de Ouro, de Que-vedo O telemvel volta a tocar. Quando reiniciamos, conta que estudou ingls por si prprio para ler, por exemplo, os trgicos gregos. Li-os apaixonadamente, em particular o Eurpedes, das Bacantes e da Medeia, nas edies Penguin. E tendo sido sempre muito mais um leitor de poesia do que de fi co, h prosadores de que no se esquece.]

    Por exemplo, Flaubert. Gostei muito da Madame Bovary, mas tambm de Lducation Sentimenta-le, que um livro muito diferente, com um ritmo extraordinrio, muito mais dinmico que a Madame Bovary, que mais lento. H pouco tempo li um cr-tico que dizia que Flaubert era sem grande valor Eu penso que um prosador admirvel. Tambm mui-to interessante o Bouvard et Pcuchet. [Conta em detalhe o incio, com uma memria fresqussima.] Um dos primeiros romancistas que li com muito gosto foi Dostoivski, uma outra paixo foi o Kafka [De-tm-se longamente n O Processo.]

    MF O que est a ler agora?

    Continua a ser dominan-te o interesse pela poesia francesa. [Retira do saco de papel La Posie du Ving-

    time Sicle. Cita o poeta Pierre Jean-Jouve. Fala da esttica das citaes.] um estudo que eu gostaria de fazer. Uma citao num contexto de prosa tem uma evidncia

    H.C. As citaes em poesia podem ser incorpo-radas no poema?

    Sim [folheando o livro, absorto]. Um poeta tem que sentir que no poeta, que no sabe como pode trans-formar um sentir noutra linguagem.

    MF O poeta escreve para chegar a ser poeta?

    Para escrever um poema.H.C. Se fosse verdadei-

    ramente poeta no lhe fal-tava mais nada, no havia mais passo nenhum a dar.

    H um grande poeta in-gls que escreveu um poema a sonhar, Coleridge. Tinha

    tomado uma substncia, uma droga.

    H.C. Era pio. Lu-dano.

    Cara num sono e tinha composto um poema quando estava a dormir. Foi extra-ordinrio. Um poeta pode sonhar com um verso, mas escrever um poema s conheo este caso.

    [Mais uma campanha a tocar. Ramos Rosa aprovei-ta-a para a moral da sua histria.]

    O Coleridge ainda no tinha concludo o poema, e apareceu uma visita as visitas so sempre importu-nas em relao poesia e o poema fi cou inconcluso.

    [L em francs um poema de Jean-Jouve. E refl ecte.]

    No tenho medo de ser infl uenciado. Sei que no seria o poeta que sou se

    no tivesse lido tantos poetas, de tal maneira que quando escrevo um verso s o posso escrever porque li determinado poeta. Con-fessar isto no confessar uma coisa vergonhosa, tem uma ressonncia autntica. E dizer que a poesia uma leitura. Um poeta sem informao nenhuma no podia ser poeta.

    MF A poesia contm a prpria Histria da poesia.

    Mas, por outro lado, pen-sa-se muitas vezes que o poeta escreve para exprimir um contedo anterior, j de-terminado. Como se a poesia fosse uma consequncia, e no fosse qualquer coisa de inaugural. E o que que o poema inaugura? Uma forma nova. a nomeao que lhe d o sentido. a forma, a pa-lavra, a linguagem, a lngua mesmo, que do um sentido ao sentido.

    Um poeta escreve para que num poema apaream certas palavras, para que essas pa-lavras digam qualquer coisa que s elas poderiam dizer. Portanto, h aqui uma in-verso. Em vez de a palavra estar pendente de qualquer coisa, a prpria palavra j qualquer coisa: criao. a palavra que se cria a si prpria.

    Exemplifi cando com o Magritte: Ceci cest pas une pipe. Isto um bom comeo para uma aula sobre a cria-o. Nenhum pintor alguma vez pintou um cachimbo, co-mo no pintou uma rosa. a sua percepo do cachimbo, da rosa. Criou a criao.

    Depois, evidentemente que a palavra tambm se dirige a um fundo inominvel, inex-cedvel.

    >> Antnio Ramos Rosa

    IH uma susceptibilidade na pgina que preciso no ferircomo se a sua luz requeresse a lucidez de um sonoe no entanto h nela uma iminncia vaziacomo se quisesse receber uma forma para o seu vazioAssim vem num sono a vaga inspiraode plpebras tocadas por um dedo de mercrioEm lenta ecloso de fl utuante fulgoras palavras movem-se com as vogais do repousono rastro da transparncia de um cintilante nadaque o silncio de uma pura abolioE assim o mundo respira comeandona abertura da palavra que se erigeno pudor de ser a nudez de uma atenoque no quebra a solido amante e virgem do vazio

    IIO desejo de conhecer embate na muralha de uma redesoturna de silncio e no encontra o espaoque corresponderia ao seu anseio de luzNo mistrios nem enigmas mas o impenetrvel vuque no oculta algum tesouro ou sexo sagrado o inexpugnvel opaco a mudez de um universoque mesmo nas suas evidncias se retirae no signifi ca nem indica um rumo ou um abrigo tranquilo Se h prodgios e sortilgios naturaisem tal exuberncia como um parasoo seu excesso gratuito sobre um fundo negroS o deserto revela a essncia desoladado ser humano e s ele lava a sua solidoAssim o poeta na pgina encontra a aridez brancaem que imagina o acorde inicialde uma corola aberta em que se abria o mundos vezes as veias do poema so de lavae talvez o sangue da terra que nelas pulsacomo um tumultuoso vinho que estilhaa as comportase inunda os campos ridos dos homens

    IIIH sempre o mais que um excesso de sernum contnuo crculo vertiginoso e lentoA cabea quereria dormir ao ritmo das constelaes do sonoou banhar-se no cintilante esturio de uma espduaPerdeu-se a amplitude o vagaroso fl uir das nuvense a delicadeza dos leques vegetaisO poema nunca tem a ligeireza cintilante de um regatonem uma vereda verde entre um canavialNs procuramos restaurar os valores subtis das veias e da pelepara que a boca seja a boca amante vida de sabore o sangue fl ua viva virao do espaoO corpo manteria o seu mbito de frondosa indolnciae as folhagens da sombra entre as manchas solaresPorque perdemos ns o estar na sossegada lucideze j no sentimos o odor montono e selvagem da maresia?Escrevemos ainda palavras para que cintile o muroda separao para que respire aindaa sede que em ns se levanta numa coluna quase exaustae quer abrir-se extensa sobre o verde harmnio do mar

    IVSe nos detivssemos na pgina como se fosse uma espduae vssemos os fl ancos fortes da sua sombrasob a sua latitude brancapoderamos talvez inaugurar o mundo sem acrescentar uma slabaMas a respirao pausada dos seus msculos redondosque inebria o desejo de lavrar o seu corpo solitrioe de acender nele os brancos girassisE ento como se cada verso fosse uma varanda brancaaberta sobre uma praia virgemos versos estendem-se com uma tenso de cordase o sal solar e verde de uma lcida atenoEnto a palavra um corpo de reverncia vivaque vivifi ca o corpo que inunda as suas caves negrase d ao cio o volume de uma mulher despida

    I N D I T O S

    Poemas escritos provavelmente h 20 anos

    Um poeta escreve

    para que num poema

    apaream certas

    palavras, para que

    essas palavras digam

    qualquer coisa que s

    elas poderiam dizer.

    a palavra que se

    cria a si prpria.

    >>

    >>

  • 07PUBLICIDADE PBLICO 23 OUTUBRO 2004

  • 08 LIVROSCAPAPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    A lngua generosa

    | FORA DE MERCADO |

    De vez em quando, preciso vir um poeta para limpar a lngua, para deitar fora as excrecncias que o senti-mentalismo e as academias nela vo depositando e a retrica, o hbito, esse rom-rom potico, mldio e p de arroz da poesia. E caem folhas, limpam-se os ramos, secam as feridas expostas, a lngua clareia. F-lo Gar-rett e com ele se sumiram os torcidos do pr-roman-tismo, dissolveram-se imagens, l caiu a composio acadmica, libertou-se a frase, surgiram os adjectivos inglesa, estreitaram-se os laos entre prosa e poesia numa fl uidez que viria a ser a que permitiu Cesrio e assim fez a lngua espraiada em que escreveu lvaro de Campos e esses muitos fi lhos que por c houve de Whitman.

    Agora, que os jornais me anunciam ter o Antnio Ramos Rosa feito 80 anos, quase 50 depois da publi-cao do seu primeiro livro O Grito Claro, edio de autor, Faro, 58, ponho-me a folhear a Antologia Potica (Crculo de Leitores) que Ana Coutinho Men-des organizou em 2001, a ltima que tenho e encontrei nem sei bem como, que o lugar de Ramos Rosa nas estantes dos livreiros dos mais obscuros.

    Conheo bem estas poesias, fui acompanhando o seu fazer, sempre gostei do convvio com esta pala-vra que se repete, sempre me entendi bem com esta afi rmao da incerteza, estas variaes incessantes sobre a pgina, o sol, a palavra, o indeciso e preciso lugar do homem, sempre fui acumulando os muitos volumes dispersos que Ramos Rosa faz sair ora aqui ora ali, tantas obras, fui tentando juntar obras completas que nunca as haver, tal o ritmo vital com que vai escrevendo e publicando, surpresas por vezes quando se abalana a uma poesia claramente ertica como no Trs que publicou na &etc (belssimo livro silenciado), ou naquele incessante Ciclo do Cavalo onde a sua poesia aspirando ao silncio se enovela, dourada, nos turbilhes do barroco. Mas tambm gos-to de o reencontrar apenas, de encontrar poesias que se repetem, que ecoam tempos e vozes passadas, que insistem, que continuam, que o encontram no mesmo local, ssifo escrevendo na pgina ao sol. Gosto de todo o Ramos Rosa, do poeta e da sua continuao, da sua permanente continuao, gosto destes livros incertos que me apanham nas pequenas editoras, s vezes de provncia, livros e livros que se seguem.

    Mas hoje, ao folhear as 400 pginas incompletas desta antologia, no tanto a poesia que me acompa-nha, no tanto o recomeado andante do seu fazer, a afi rmao permanente de uma lngua que, vejo ago-ra, Ramos Rosa construiu desde os seus incios, lim-pando, insistindo, recusando os classicismos pomposos mas tambm as fugas imagticas, uma lngua e uma msica sem academia, palavras rasas, frases largas, vagarosas contradies, uma clareza solar, uma afi r-mao onde cabem os subtis sensores das dvidas.

    esta a lngua que foi limpa, que deixou cair os dramatismos do declamatrio, que recusou a pica e a apstrofe, que encontrou na poesia francesa (Char!) a abstraco necessria, lngua nova e sempre fresca que fez seguir um pensamento incessantemente recomea-do, que recusou o classicismo elegante que estiolava o potico e se ps a pensar, diria eu, pensando.

    esta sua lngua, a geradora da poesia da nossa ltima metade do sculo passado, a que se insinua entre a prosa, a que se afi rma num recomeo permanente, quase nua.

    Por isso as Obras Completas de Antnio Ramos Ro-sa (tentativa pelo menos duas vezes encetada) so livro que eu tanto queria ter, comprar e dar: seriam elas o nosso dicionrio, a alavanca, o repositrio de uma lngua que avana e que, generosa, abriu o seu futuro.

    jorge si lva melo

    MF Disse uma vez que a poesia religiosa, mas tambm heresia religiosa.

    No sei que pensador que disse que o mais interessante na religio so os herti-cos De qualquer maneira, a poesia no uma religio ortodoxa. H um verso do Walt Whitman que diz que a poesia uma religio profunda que resiste a toda a anlise.

    Mas outro dia estive a ler um texto de um hermeneuta extraordinrio, Peter Szondi, sobre uma linguagem que das mais fechadas, das mais concentradas que pode haver, a do Paul Celan. Como pode ele dar uma interpretao perfeita de uma linguagem destas? Eu achei perfeita. Mas ao mesmo tempo, como possvel? O Adorno disse que no era possvel escrever poesia a seguir a Auschwitz, mas depois de Paul Celan re-considerou. Havia uma poesia que podia ser admissvel, di-gamos. Bem, a poesia nunca admissvel... A poesia sem-pre uma grande heresia.

    [Fala da negatividade que julga existir na sua poesia, de como pensa ser um po-eta da dcalage entre a lin-guagem e o mundo. Hlia abana a cabea, veemente, recusando.]

    H.C. A sua poesia to obra e obra uma coisa feita como a obra de Deus a fazer o mundo.

    [Ramos Rosa olha-a e diz que lhe responde com um poema seu. Abre ento A Imobilidade Fulminante, e comea a ler: Quando chegar a hora de no mais uma palavra / onde estaro as palavras / onde estar a

    minha mo?]E isto, meu?[silncio]Meu, completamente meu,

    no nada. A poesia essencialmente

    para vitalizar a possibilidade da interrogao, mais do que para responder, no ?

    MF E qual o lugar do poeta?

    Desde quando que nasceu o no-lugar do poeta? O ex-lio do poeta? um conceito da modernidade, mas tam-bm um conceito clssico. O poeta habita a terra mas h qualquer coisa nele que no habita. O Heidegger diz que o ser humano inabitvel. Mas a poesia pode criar a possibi-lidade de habitabilidade.

    H.C. [Radiante] Aca-bou de falar contra a nega-tividade.

    Vivemos de certa maneira sob o signo de Heraclito. O caminho que vai para baixo o caminho que vai para cima. O que negativo na poesia essencial, sem esse negativo no havia criao potica.

    [E hora do lanche. Antnio Ramos Rosa gosta do caf da Culturgest, do outro lado da rua. Sai de cabea desco-berta, ao vento. Chove miu-dinho, mas ele diz que no nada. Um copo de leite, uma madalena, um desenho de repente. A memria de um encontro casual com uma jovem italiana, ali mesmo, que sabia quem ele era e lhe falou de Eugenio Montale. E ao cair da noite, pouco antes do caf fechar, um verso de Guilherme da Aquitnia: O poeta adormecido sobre um cavalo a toda a veloci-dade.]

    >> Antnio Ramos Rosa

    O espao do olhar to claro e abertoque ns estamos no mundo antes de o pensarmose nada nele indica que exista um outro ladode sombras incertas de silncios abismaisVivemos no seio da luz onde o inteiro vibracom a sua evidncia de claro planetae ainda que divididos vivemos no seu espao unoporque o nico em que podemos respirarAs nossas sombras no nos acolhem como folhasenvolvendo o fruto o nosso desamparo vem do mais fundoe nele no podemos manter-nos temos de ascenderao mvel girassol do nosso olharainda que seja s para ver a fulva monotonia do desertoA vocao da pupila o imediato universalquer caminhemos numa rua quer viajemos pelo mundoquer ainda diante de uma pgina em brancoA palavra pode anteceder a viso mas tambm ela atradapara o luminoso espao em que desenha os seus contornosComo poderia a palavra cingir o que lhe fogesem a superfcie de um solo iluminado?

    (A transcrio deste poema indito, na edio do PBLI-CO de domingo passado, continha dois lapsos que aqui so corrigidos.)

    >>

    Um

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    09PBLICO 23 OUTUBRO 2004

    LIVROSCAPA

    | FERNANDO PINTO DO AMARAL

    Em face de um poeta como Antnio Ramos Rosa, acontece por vezes que o eco das suas palavras e a soberania da sua fala nos roubam quaisquer hipteses de anlise ou as faculda-des de um discurso mais ou menos coerente exercido a partir dos seus poemas. Apesar disso, alinharei neste breve depoimento cin-co aspectos que primeira vista me parecem particularmente relevantes na sua leitura. Falo sobretudo dos textos publicados a partir dos anos 60 e 70, num ininterrupto caudal de poesia, embora no devamos esquecer a importncia da fase inicial da sua obra, que fi cou marcada por poemas como o do fun-cionrio cansado ou do boi da pacincia, ainda to emblemticos de uma certa atmos-fera dos anos 50, carregada de uma angstia existencial com preocupaes sociais. Em primeiro lugar, o lxico: Ramos Rosa tem sabido utilizar uma constelao relati-vamente simples, em que poderamos isolar alguns ncleos de sentido agrupados em torno de palavras como terra, ar, gua, pe-dra, vento, corpo, espao, claridade, deserto, luz, silncio, sombra, etc. Com estes e outros elementos de base, o poeta o nico a ser capaz de tecer uma teia recomeada a cada instante, retomando-a como se se tratasse de uma incessante respirao. Nada mais sim-ples, nada mais infi nito. Conservando uma profunda fi delidade ao seu universo, a poesia de Ramos Rosa, embora evoluindo por ciclos, persegue palavras ditas sempre pela primeira vez palavras inaugurais, que recriam o real num processo sem princpio nem fi m, pronto a desenvolver-se e a expandir-se em cada verso.

    Em segundo lugar, a busca da transparn-cia: de facto, nesta escrita o real atingido graas a fulguraes abertas no territrio do poema, que nos so oferecidas como uma espcie de promessa suspensa no limiar de si mesma. Isto desencadeia um efeito de evidncia e um desejo de transparncia que ultrapassa qualquer mera dimenso descritiva e passa a habitar o prprio cerne das palavras palavras cujo destino o de nos escaparem irremediavelmente, at que todo o esplendor da sua nudez possa reencontrar o seu silncio sem peso nem medida, no seu horizonte enig-mtico, interrogando esse desconhecido da linguagem de que falava Maurice Blanchot.

    Em terceiro lugar, o magnetismo: por causa das vibraes quase imperceptveis desse real que afl ora poesia de Ramos Rosa, criam-se campos magnticos em que as palavras so atradas umas pelas outras, como nas rbitas dos astros. Tais movimentos de gravitao ge-ram um sistema de foras cujo ncleo parece quase no ter peso, o que explica a imponde-rabilidade que tambm caracteriza esta escri-ta. As suas palavras tornam-se areas, a sua fala dissipa-se no ar escrevo para dissipar o que est escrito e essa volatilidade leva as palavras a libertarem-se dos seus sentidos ha-bituais, em que tantas vezes as aprisionamos. Trata-se de uma irradiao semntica que vi-ve de si mesma e da energia que a atravessa, mas sem cair nunca em qualquer autismo, j que se conjuga ao mesmo tempo com as leis da natureza em que se integra.

    Em quarto lugar, o conhecimento e a igno-rncia: a escrita de Ramos Rosa sabe e no sabe, h um conhecimento que a habita mas no chega a ser conceptualizvel, uma sabe-doria que pulsa atravs dela e parece provir dos sentidos humanos, com o que comportam de animal, mas tambm uma ignorncia que celebra a vida superfcie das coisas, na sua tranquila imanncia. Os textos deste poeta conseguem, assim, a liberdade de absorver tudo na glria da sua presena, a tal ponto que a polifonia dos seus acordes nos restitui uma serenidade nova perante o real, perante o enigma que se infi ltra em cada partcula desse real.

    Em quinto e ltimo lugar, o amor: na escrita de Ramos Rosa, ao perseguirmos a unidade ou a harmonia universais, no encontramos os sentimentos herdados do lirismo tradicional, com a sua carga subjecti-va, mas sim um desejo obscuro e imediato de fuso com todas as coisas, o elo que nos liga a essa divindade acesa na matria que feito o mundo, no corao de cada tomo de que somos feitos. Por isso o seu deus um deus sem rosto, um deus desejo puro, e apenas o sbio ardor da sua voz nos ensina a escutar lies como esta:

    O amor fecha os olhos, no para ver, mas para absorver: a obscura transparncia, a espessura das sombras ligeiras, a ondulao ardente: a alegria. O amor conhece-se sobre a terra coroada: animal das guas, animal de fogo, animal do ar: a matria s uma, ter-restre e divina.

    Cinco tpicos para ler o poeta

  • 10 LIVROSVIAGEMPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    | LUS MAIO

    Alain de Botton conquistou o raro e algo excntrico ttulo de metafsico das massas em Inglaterra. Ascendeu primeiro ribalta com How Proust Can Change Your Life (1997), atin-gindo depois a consagrao com O Consolo da Filosofi a (2001, Dom Quixote), que vendeu mais de 100 mil exemplares e deu origem a uma srie de televiso. A frmula de sucesso, este ano reiterada com Status Anxiety um conjunto de refl exes sobre os dilemas do amor , passvel de ser descrita como uma fi ltragem popular do pen-samento fi losfi co sob a forma de ensaios de auto-ajuda.

    A Arte de Viajar (2002) o seu livro anterior e constitui uma extrapolao da mesma receita para o campo da literatura de viagens. Uma abordagem sin-gular que desde logo se revela contra-corrente, se aceitarmos a tese de Paul Theroux, uma das principais autoridades no gnero. Incumbido de proceder escolha do Best American Travel Writing de 2001 (Hou-ghton Miffl in, Boston), The-roux privilegiou o princpio da adversidade, considerando que a melhor literatura de viagens na idade ps-moderna envolve risco, desventura ou puro horror.

    Nos antpodas desta corren-te, De Botton no um grande aventureiro, compra pacotes tursticos e viaja em grupo para destinos de massas. Tambm certo que no faz o que toda

    a gente faz em frias, que distanciar-se das preocupaes do dia-a-dia e entrar em piloto automtico. precisamente a diferena na refl exo que d sentido sua A Arte de Via-jar, que desloca a ateno da viagem e dos destinos para o prprio viajante.

    Os livros em volta Especialista em tornar o b-

    vio relevante, De Botton parte de dois lugares-comuns. Um que a maioria viaja porque no feliz em casa, no seu pas, ou pelo menos no suporta o clima; um sndroma de que o paradig-ma literrio Gustav Flaubert, que odiava a sua Frana natal e defendia que cada qual deveria ter o direito de escolher a nacio-nalidade da sua preferncia. A outra constatao fundadora que esta demanda de felicidade frequentemente frustrada, uma vez que as nossas viagens quase nunca correspondem s expec-tativas que nelas projectamos.

    Ento o que fazer para sermos mais felizes enquanto viajamos? Vivemos afogados em con-selhos que nos prescrevem os lugares at onde deveramos viajar; mas muito pouco nos dito sobre o porqu e o como de viajarmos. So justamente essas questes omitidas nas brochuras tursticas A Arte de Viajar procura responder em nove narrativas-ensaios, or-ganizados em cinco categorias (partida, motivos, paisagem, arte, regresso), que seguem com algumas liberdades a or-dem dos tratados clssicos de

    fi losofi a (ontologia, tica e est-tica). O ttulo voluntariamente equvoco, pois no se trata aqui do que seria mais bvio um conjunto de expedientes e dicas prticas para os viajantes , mas do acto de viajar como uma espcie de arte.

    O viajante o prprio De Botton, que comea por des-crever a sua partida de Londres para Barbados, para mais de 200 pginas frente concluir com a viagem em sentido inverso. Pelo meio os seus destinos so Ames-terdo, Madrid, Provena, Sinai, a britnica Regio dos Lagos e a auto-estrada que liga Lon-dres e Manchester. Cada uma destas experincias de viagem retratada num estilo narrati-vo, elegante e fl uido, habitado por uma melancolia potica e condimentado por uma subtil auto-ironia que confl ui para inscrever o autor na grande tra-dio romntica que prescrevia a viagem como demanda de interioridade.

    Se os apontamentos de via-gem exibem argcia e virtuo-sismo, a mais-valia de A Arte de Viajar reside no equacionar dessas experincias actuais do autor com as de escritores, ar-tistas e exploradores dos sculos XVIII e XIX. Algumas dessas articulaes so bvias e, se De Botton visita a Provena, quase inevitvel que invoque o pintor Van Gogh, ou o poeta Wordsworth a propsito dos Grandes Lagos. Outras cone-xes, no entanto, derivam de sinuosas associaes de ideias a estranheza que experi-

    menta perante um painel de sinalizao num terminal de aeroporto de Amesterdo leva-o a dissertar sobre o extico, o que por sua vez o remete para a viagem ao Egipto de Flaubert.

    Outras ligaes, talvez as mais conseguidas em termos de estrutura narrativa, resultam de pura confrontao entre passado e presente. o caso da notvel anttese estabelecida entre a motivao do explorador ale-mo Humboldt na Amrica do Sul de 1800, onde tudo estava por explorar, e o aborrecimen-to do autor na Madrid actual, onde tudo parece descoberto e classifi cado.

    Viajar com arte ou a arte de viajar?

    Esta referncia a individu-alidades das artes e das letras parece natural, dada a bagagem cultural de quem as invoca. Mas tem uma motivao mais pro-funda, s explicitada ao cair do pano, quando De Botton assume o argumento aparentemente pa-cfi co de que o sentido esttico susceptvel de aprendizagem, para concluir que a arte de viajar envolve viajar com arte: pos-svel que as artes visuais sejam o meio mais efi caz no que se re-fere ao enriquecimento da nossa capacidade de olhar aquilo que vemos. As narrativas literrias e sobretudo pictricas surgem nesta perspectiva como guias de viagem ideais, na medida em que nos ensinam a ver e a valorizar o que de outro modo nos passaria ao lado, como o caso dos ciprestes da Provence,

    inexistentes antes de Van Gogh.

    De Botton tem a histria a seu favor, se verdade que as pai-sagens da Esccia e do Pas de Gales, hoje das principais atrac-es tursticas do Reino Unido, foram ignoradas at as guerras no continente do sculo XVIII obrigarem os artistas ingleses a fi carem em casa, desistindo de viajar para o Mediterrneo. O leitor mais atento no deixar de confrontar esta tese com a histria relatada sobre Des Esseintes, o fi dalgo francs que viveu o paradoxo de se sentir mais na Holanda ao contemplar as obras dos mestres fl amengos no Louvre do que quando visi-tava o pas em causa. Fica a ideia de que a arte e a literatura podem contribuir para a iluminao do viajante, mas, tal como um folheto turstico cor-de-rosa, tambm so susceptveis de distorcer ou bloquear a sua ca-pacidade de percepo.

    uma eventual contradio, mas no chega a comprometer A Arte de Viajar, que, como todo o bom ensaio fi losfi co, vale menos pelo que afi rma do que pelo que questiona. A grande virtude das digresses de De Botton reside no talento-so explicitar do no dito; mas interiorizado e decisivo no acto de viajar, para depois explorar fi losofi camente as implicaes. Um entendimento que, segun-do pretende, qualquer viajante poder atingir, seguindo o con-selho do pintor londrino John Ruskin: O meio mais efi caz de conseguirmos uma tal tomada

    de conscincia tentarmos des-crever os lugares belos atravs da arte, da escrita ou do dese-nho, sem perdermos tempo a considerar se acaso teremos um mnimo de talento que justifi que faz-lo. Da tambm o fi lsofo ingls no ter escrpulos em ilustrar os seus tpicos com uma coleco de imagens onde as suas fotografi as amadoras contracenam com obras-primas dos autores que invoca.

    No necessrio, portanto, ter talento ou ser um gnio, basta que cada qual procure alinhar umas frases, tirar uns bonecos ou rabiscar um desenho sua maneira, para que o objecto da sua ateno ganhe uma nova luz. assim que se atinge a alterida-de que De Botton designa por humor do viajante, mas que reconhece, no sem alguma teatralidade, no francs Xavier de Maistre, que escreveu Via-gem Volta do Meu Quarto e Expedio Nocturna Volta do Meu Quarto fechado no mes-mo e tendo por nico enredo ora vestir um pijama rosa, ora um pijama azul. Soa a convite imobilidade e tambm no de-ve ser por acaso que o fi lsofo ingls remata a narrativa com a sua recordao mais feliz: a de um passeio volta do bairro onde vive em Londres.

    Excelente a traduo do ingls e razovel a repro-duo das imagens, numa edio onde s lamentvel a perda do formato original de caderno de viagens com uma fotografi a tirada da janela de um avio na capa.

    Bagagem para a felicidadeA Arte de Viajar literatura de viagens, romntica e contra-corrente. Uma deliciosa provocao de Alain de Botton.

    A Arte de ViajarAUTOR Alain de BottonTRADUO Miguel Serras PereiraEDITOR Dom Quixote255 pgs., 15,5

    ALASTAIR GRANT / AP

  • 11LIVROSSADASPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    sadas

    E N S A I O

    Um Sculo de Violncia na Rssia SoviticaAUTOR A. YakovlevTRADUTOR M Serras PereiraEDITOR Ulisseia260 pgs., 17,49Um catlogo circunstanciado do horror e dos crimes de Estado perpetrados pelo poder sovitico, escrito por algum que dele foi cmplice: Yakovlev teve vrios cargos dirigentes na Unio Sovitica, tendo fi nalmente sido um dos inspiradores da perestroika. Contabilizando em 60 milhes o nmero de vtimas do terror sovitico, Yakovlev tem tambm a decncia de pr fi m a uma distino hipcrita: Estaline no inventou nada que no estivesse j presente sob Lenine: execues, refns, campos de concentrao e tudo o resto.

    E N S A I O

    Filosofi a par CrianasAUTOR Nomia RollaEDITOR Porto Editora224 pgs., 13,00Trata-se de um ensaio pioneiro em Portugal sobre um tema de ponta (digamos assim), ou seja, sobre a eventualidade e a convenincia de a fi losofi a, algo a que se possa chamar um pensamento crtico, passar a ser leccionada logo no ensino bsico. Estimulante e muito recomendvel. O tema fi losofi a para crianas no contexto socio-educativo portugus foi objecto da tese de doutoramento em Pedagogia que a autora apresentou no ano passado na Universidade de Santiago de Compostela.

    E N S A I O

    Infncia e Internet - Interaces na RedeAUTOR Marlene BarraEDITOR Autonomia 27188 pgs., 16,90Um ensaio inovador sobre um tema actualssimo e que preocupa muitos adultos: o que que as crianas fazem na internet? Como, porqu e para qu? Com que riscos? Um livro singular, diz Manuel Jacinto Sarmento no prefcio: Pelo tema. Pela metodologia. Pelas respostas que nos d. Pelas questes que nos levanta. Mas, sobretudo, pela surpresa de redescobrirmos as crianas [...] e, com elas, redesenharmos o nosso conhecimento do mundo. A autora mestre em Sociologia da Infncia pela Universidade do Minho.

    E N S A I O

    Metal FundenteAUTOR Eduardo PittaEDITOR Quasi160 pgs., 13,15Coleco de 22 textos escritos e publicados pelo poeta e ensasta Eduardo Pitta entre 1996 e 2001. Foram revistos para esta reunio e, com duas excepes, tratam de poetas, o mais antigo dos quais Franois Villon e o mais recente L.Miguel Nava. Blake, Whitman, Rimbaud, Kavafi s, Pessoa, Eliot, Borges, Auden, Pavese, Cesariny e Ruy Belo so alguns outros. Seleccionei este conjunto, e no outro, por encontrar nele linhas de contiguidade identifi cveis com certa ideia de desobedincia normativa. Une-os, porventura, uma tica do sobressalto, diz o autor.

    lisboa jovem

    www.publico.pt

  • 12 LIVROSENSAIOPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    | ANSELMO BORGES

    O que que se quer dizer, quando se fala de atesmo? -se ateu em relao a qu? O que ou quem Deus? A que Deus que mestre Eckhart pedia que o libertasse de Deus? H, por exemplo, guerras em curso, e os cristos pedem ao Deus, os judeus pedem ao Deus, os muulmanos pedem ao Deus. Qual Deus? E como vai Deus atender a todos contraditoriamente? O que faz que haja crentes e no crentes, que ao longo dos tempos se perseguiram e at mataram uns aos outros? O que que muda na vida das pessoas e no mundo, acreditando em Deus ou no acreditando? Afi nal, Deus no uma questo meramente terica, pois im-plica uma prxis. De facto, no a mesma coisa dizer: aquela rvore existe e Deus existe, pois a f tem de ter consequncias na transformao da existncia e da sociedade. H quem se afi rme no crente e lute mais pela justia do que muitos crentes. Portanto, quando se fala de atesmo, tambm aparece a distino funda-mental entre atesmo terico e atesmo prtico...

    Um dos contributos desta obra modelar esclarecer, partida, o que entende por atesmo. Nesta Histria do Atesmo, Georges Minois comea por prevenir que no livro no h nenhuma posio apologtica a favor ou contra o atesmo, a favor ou contra a f. Perante o mistrio da existncia, tal-vez muitos no ponham se-quer a questo. Outros tm respostas prontas, claras e indiscutveis. H tambm os que no compreendem e, porque, no meio de um mundo ambguo, grandio-so e inquietante, se no satisfazem com nenhuma resposta, se interrogam angustiados: porqu? O autor, que diz pertencer ao terceiro grupo, pensa que tarefa do historiador explo-rar o passado destas trs atitudes com compreenso e compaixo. Assim, este

    livro fala da histria dos descrentes, agrupando sob esse vocbulo todos os que no reconhecem a existncia de um deus pessoal que in-tervenha na sua vida: ateus, pantestas, cpticos, agns-ticos, mas tambm destas (pp. 14-15).

    No ser esta uma con-cepo excessivamente am-pla de atesmo? Hans Kng, por exemplo, reconhecido especialista na matria, tem uma viso mais estrita: O autntico atesmo nega todo o tipo de Deus e todo o divino, tanto entendidos em sentido mitolgico como

    concebidos de forma teol-gica ou fi losfi ca. (Existiert Gott?, Munique, 1978, p. 221). Mas Georges Minois pode ter razo, quando rei-vindica o carcter pessoal e providente de Deus. De facto, embora se no saiba propriamente o que possa signifi car Deus enquanto o Absoluto pessoal, um Deus que fosse menos do que pessoa, isto , que fosse da ordem do Neutro, do Isso, que que poderia dizer ao homem religioso? Heidegger preveniu que ao Deus Cau-sa sui o homem no pode rezar...

    As razes do atesmo so mltiplas e variadas. Por que que se h-de ir alm da natureza ou da matria, causa e me de todas as coisas? No Deus uma ilu-so enquanto projeco das melhores possibilidades do homem, ou ento compensa-o para os seus fracassos e aspiraes frustradas? Fre-quentemente, o que apre-sentado como Deus, em vez de engrandecer o homem, apenas o humilha e ridicula-riza aos seus prprios olhos. Deus, que pode no passar de outro nome para a ordem moral do mundo, foi e cau-

    Uma histria Histria do Atesmo, de Georges Minois uma obra exemplar. Percorrendo a histria do Ocidente,

    A f e o leite-creme da avOs Dilogos sobre a F entre Eduardo Prado Coelho e D. Jos Policarpo so construdos tambm a partir da descrena: o primeiro dos interlocutores no se considera crente e confessa,nestas matrias, a sua incompetncia desmedida: Fiz o gesto mais docemente agressivo: ignorei, desinteressei-me, pus de lado.Prado Coelho faz muitas perguntas: qual a base para o entendimento dos homens? Onde est a racionalidade no acto de acreditar? Que lugar ocupa a esttica na experincia crente? A pginas tantas, surge uma pergunta fundamental: S vale a pena ser um crente se um crente diferente do que seria caso no fosse crente. Ser que muitos crentes podem passar inclumes a um teste deste tipo? O perguntador duvida. (Poderia dizer-se que, adaptando a pergunta a diferentes situaes de vida a poltica, a profi sso, a famlia, a participao cvica , teramos talvez uma resposta semelhante; quem, entre ns, assume as consequncias do que diz, falando apenas das suas reas de interveno?) A radicalidade da pergunta feita aos crentes recorda o incio do cristianismo (a experincia mais prxima nos nossos ambientes). O testemunho de que algo de muito forte acontecera nas suas vidas levava os primeiros cristos a viver de modo tal que, quem os observava de fora, dizia: Vede como eles se

    amam. Essa era, alis, a proposta fundamental de Jesus de Nazar em certa medida, comum s grandes religies. Hoje ser possvel dizer isso? Certo: muitos cristos passariam no teste de Prado Coelho (provavelmente com uma aprovao desconhecida, no meditica mas esse outro problema). D. Jos Policarpo responde que quem olha de fora tem, a respeito dos crentes, a mesma urgncia de Deus: a de que sejam santos, j. E lembra que no se deve chamar hipcrita a

    quem no desiste, apesar da sua fragilidade. A questo est, depois, na percepo que a Igreja Catlica (e as outras igrejas crists: a difi culdade atravessa-as a todas de igual modo, no mais ou menos Papa que as diferencia) d de si mesma, enquanto comunidade de comunidades. O panorama no brilhante e Prado Coelho cita temas conhecidos: o papel das mulheres, o problema que vem de muito longe em relao sexualidade, o lugar do sofrimento e do sacrifcio, o medo inerente estrutura religiosa. A mudana na Igreja no pode ter o ritmo da mutao cultural e sociolgica, responde o patriarca, que sente uma maior abertura ao dilogo por parte de quem cristo. E que traz, para a conversa escrita, as suas convices: a conquista da liberdade e da felicidade no so, para um crente, desligveis do mistrio da cruz; a esperana do paraso como plenitude de vida; a f como convite contnuo humildade e aos limites da racionalidade; o homem, e no apenas Deus, como mistrio e por isso no se pode responder pergunta porque alguns no crem?; e Deus como experincia esttica e como um acontecimento inesperado. Ora, o inesperado de Deus torna mais urgente, para os crentes, que acreditar no seja como para a av de Prado Coelho apenas prosseguir uma tradio que estava quase no mesmo plano que o leite-creme aos domingos ou os sonhos no Natal e as passas no Ano Novo. ANTNIO MARUJO

    Dilogos Sobre a FAUTORES D. Jos Policarpo e Eduardo Prado Coelho; PREFCIO Eduardo LourenoEDIO Editorial Notcias92 pgs., 8,42

    da descrena no mu DR

  • 13PBLICO 23 OUTUBRO 2004

    LIVROSENSAIO

    modelar mostra que o atesmo co-extensivo histria do pensamento.

    sa de violncia e diviso sem fi m entre os homens. No difcil constatar que o que se chamou Deus foi causa de opresso, infantilismo e alie-nao. Se Deus existe, no fi ca o ser humano limitado e paralisado na sua liberdade? Se Deus omnipotente e infi nitamente bom, como que se explica todo o horror do mundo? Precisamente o mal talvez a maior fonte de atesmo. No parado-xalmente o atesmo tambm um produto do cristianismo, mediante a distino do sa-grado e do profano e a pro-clamao da liberdade e da autonomia, de tal modo que no falta quem pense que o atesmo essencialmente um fenmeno ps-cristo?

    O atesmo multifaceta-do. De qualquer modo, no se reduz simples negao de Deus, no sentido de se no crer em Deus: signifi ca tambm aquele modo de conceber o mundo em que o homem se v s, face a si mesmo e natureza e, se alguns sentiram que desse modo tudo se afundava no absurdo, outros viram precisamente na negao e ausncia de Deus a possibi-lidade de dar um sentido existncia e ao mundo.

    Percorrendo a histria do Ocidente, mostra-se que, com amplido e intensida-de diferentes, o atesmo co-extensivo histria do pensamento. Na Antiguida-de e na Idade Mdia, em-bora Jean Delumeau tenha demonstrado a parte de lenda na expresso Idade Mdia crist, ainda so-bretudo coisa de minorias. Depois, o sculo XVI ser o sculo da dvida (p. 177). O sculo XVIII j o sculo dos incrdulos e dos cp-ticos, mas de forma ainda quase clandestina (p. 336). O sculo XIX apresenta um atesmo sistemtico e proclamar a morte de Deus (p. 498). Hoje, as fronteiras entre os crentes e os descren-tes so fl uidas. No limite, o autntico atesmo coerente seria o atesmo silencioso (p. 560), aquele que no pusesse sequer a questo de Deus. Pergunta-se, porm,

    se precisamente a questo de Deus enquanto questo, independentemente da res-posta positiva ou negativa que se lhe d, e a questo do Sentido ltimo no so cons-titutivas do ser humano.

    Citando Georges Gusdorf, o autor conclui com um quadro implacvel e lcido da humanidade do ano 2000: Vive no Grande Interregno dos valores, condenada a uma travessia do deserto axiolgico de que ningum pode prever o fi m. Durante muito tempo perseguido, o ateu obteve o direito de cidadania no sculo XIX e acreditou mesmo poder proclamar a morte de Deus. Mas j no fi m do sculo XX houve a tomada de consci-ncia de que, ao eclipsar-se, Deus levou consigo o sentido do mundo. Georges Minois continua: o futuro imprevisvel, porque o ate-smo e a f, enquanto com-preenso global do mundo, andaram sempre juntos. A ideia de Deus era um modo de apreender o universo na sua totalidade e dar-lhe, de forma testa ou ateia, um sentido. Assim, a diviso hoje j no est tanto entre crentes e descrentes como entre aqueles que afi rmam a possibilidade de pensar

    globalmente o mundo, de modo divino ou ateu, e os que se limitam a uma vi-so fragmentria em que predomina o aqui e agora, o imediato localizado. Se esta segunda atitude prevalecer, isso signifi ca que a humani-dade abdica da sua procura de sentido (pp. 721-722).

    Histria do Atesmo fi -ca como obra de referncia. Num tempo em que, feliz-mente, se despertou para a urgncia do estudo do facto religioso tambm na escola e a palavra de ordem o dilogo inter-religioso, tor-na-se imprescindvel o co-nhecimento do atesmo, no s como ideia, mas tambm como conjunto de valores, atitudes e comportamentos. Da autocompreenso do homem moderno faz parte o atesmo, e os prprios crentes, se quiserem s-lo de modo responsvel, no po-dem deixar de se confrontar com ele.

    A editora merece uma palavra de aplauso por esta obra. S lamentvel que a traduo no tenha sido mais cuidada. A ttulo de exemplo: onde se l: no existem questes sem res-postas (p.15), dever ler-se: s tenho perguntas sem res-postas; onde se l man (pp. 22 e 100), dever ler-se mana; onde se l fi delis-ta (pp. 91 e 440), dever ler-se fi desta; onde se l: no pode convencer aquele que j acredita (p. 96), de-ver ler-se: s pode...; onde se l: a graa de Deus (...) apenas nos pode fazer crer que a alma imortal, porque isso nos chega naturalmente ao esprito, sobretudo... (pp. 402-403), dever ler-se: s a graa de Deus (...) nos pode fazer crer que a alma imortal; porque isso no nos vem naturalmente ao esprito, sobretudo...; onde se l laicos (p. 411), deve-r ler-se leigos. Quanto a nomes: Sextus Empiricus Sexto Emprico, Jean Scot Erigina Joo Escoto Eri-gena, Ablard Abelardo, o cardeal de Cues o cardeal de Cusa, Bellarmin Belar-mino, Saint Bernard So Bernardo...

    Histria do AtesmoAUTOR Georges MinoisTRADUTOR Serafim FerreiraEDITOR Editorial Teorema741 pgs., 39,50

    Uma tica comum?

    Entre Fevereiro de 1995 e Maro de 1996, Umberto Eco e o cardeal Carlo Martini (ento arcebispo de Milo) conversaram nas pginas da revista Liberal. O dilogo foi ainda completado por um coro, conjunto de seis comentrios conversa. O fi m do milnio e os medos do fi m dos tempos a ele associados, a dimenso da esperana e a responsabilidade de crentes e no-crentes relativamente ao futuro, a questo da vida humana, o papel das mulheres e a possibilidade do seu acesso ao sacerdcio, so temas dissecados pelos dois intervenientes. O tema que acaba por se destacar o da possibilidade ou no de uma tica comum a crentes e no-crentes. O cardeal Martini defende o direito de as confi sses religiosas tentarem infl uenciar democraticamente as leis e pergunta qual a justifi cao ltima de quem age com rectido mas sem um fundamento religioso da vida. Ou seja: Como que eu posso chegar ao ponto de dizer, prescindindo da referncia a um Absoluto, que no posso realizar de forma nenhuma e por preo nenhum certas aces e que devo fazer outras, custe o que custar?O mistrio transcendente o fundamento de uma aco moral, defende Martini. Eco no entende como se pode ser ateu: No acreditar em Deus e considerar que no se pode provar a sua existncia e acreditar depois fi rmemente na inexistncia de Deus e sentir-se capaz de poder prov-la. Mas diz que a dimenso tica se inicia quando o outro entra em cena. Mesmo o mandamento cristo do amor s ser enunciado (...) quando os tempos estiverem maduros. ANTNIO MARUJO

    Em Que Cr Quem No Cr?AUTORES Umberto Eco e Carlo Maria MartiniEDIO Grfica de Coimbra140 pgs.

    sadas

    E N S A I O

    A Universidade em RunasAUTOR Bill ReadingsTRADUTOR Joana FrazoEDITOR Angelus Novus248 pgs., 21,00Bill Readings (1960-1994) foi professor de literatura comparada na Universidade de Montreal,no Canad, tendo publicado livros sobre Lyotard e o ps-modernismo. Morreu num desastre de avio antes da publicao original deste livro, que ocorreu em 1996. Trata-se de um livro ainda polmico, no qual Readings comea por apresentar a instituio universitria como produto histrico de uma ideia de cultura e de nao que o capitalismo global de hoje arruinou para a seguir teorizar sobre uma emergente Universidade da Excelncia, na qual seria a performatividade o critrio dominante de validao.

    E N S A I O

    Alta Polcia, Baixa PolticaAUTOR Hlne LHeuilletTRADUTOR Lus FonsecaEDITOR Notcias352 pgs., 22,00Uma abordagem histrica da polcia o subttulo da edio portuguesa deste livro. Hlne LHeuillet, doutorada em Filosofi a e docente na Universidade de Paris X-Nanterre, esclarece: Se frequente perguntarmo-nos acerca do que faz a polcia, j mais raro interrogarmo-nos acerca daquilo que ela . A ambio deste livro tentar defi ni-la e esclarecer as suas relaes com a poltica. Ou seja, trata-se de saber que usos d o Poder polcia e com que fundamentos. Questo por certo actualssima.

    ndo ocidental

  • 14 OPINIOPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    O que resta do rosto de Deus

    Eduardo Prado Coelho sobretudo o poema Em voz baixa e o conjunto intitulado Claro-Escuro que mostram um poeta complexo, capaz de afrontar a noite, o sofrimento, o dio e a dor, para atingir, no limite do percurso, a estrela de seis pontas (e a palavra estrela corresponde a uma das obsesses de Fernando Pinto do Amaral).

    No h escolas na poesia portuguesa. Alis, na literatura em geral. Cada autor um caso, que envolve uma combinatria de referncias e de marcas pessoais. Podemos fazer o rastreio das fi guras que tutelam a poesia de cada um, sabendo, no entanto, que isso no basta para estabelecermos grupos mais ou me-nos estruturados. Existem os poetas que tm o recorte lrico, balouadamente intersubjectivo, da poesia de Eugnio de An-drade, ou que se deixam tocar ontologicamente pelo xtase dos seres, maneira de Sophia. Existem aqueles que assumem uma energia caudalosa, ininterrupta, radical, da escrita potica, e se situam no espao aberto por Herberto Helder. Encontramos outros que enveredam pela frieza oblqua e subtil de um Pedro Tamen (que, por sua vez, evoca Vitorino Nemsio contraposto veemncia de Jos Rgio e tambm de Jos Gomes Ferreira). H os que escolhem um classicismo cerrado e conciso, rigo-roso e tenso, emotivo e enxuto, seguindo o exemplo de Carlos de Oliveira e de Gasto Cruz ou Fiama. Alexandre ONeill prolonga-se em Fernando Assis Pacheco. O surrealismo hoje um fogo decrpito, mas as suas cinzas continuam a proliferar de Al Berto a Antnio Cabrita.

    Mas, neste elenco de famlias, s poderemos utilizar uma tal expresso porque a iremos usar maneira de Wittgenstein: existem famlias porque cada um dos seus membros tem alguns traos em comum com outros membros, mas nenhum preenche todos os traos que podem levar a identifi car uma famlia. precisamente nestes termos que poderemos falar numa linhagem que vem de David Mouro-Ferreira, passa por Manuel Alegre (com um toque de orgulho patritico que recolhe em Louis Aragon) e Vasco Graa Moura, e emerge em Fernando Pinto do Amaral: impulso comunicativo, que nalguns casos se aproxima da prosa, mas compensado por um balanceamento constante que vem do recurso a formas

    poticas tradicionais dominadas com elegncia e mestria, e por um sentido do ritmo que vai ao limite das enumeraes, to frequentes em David como em Pinto do Amaral. Existe ao mesmo tempo uma ampla gama de perspectivas humorais que vai do registo satrico at refl exo metafsica. Personalidade de formao cientfi ca reconvertida nos estudos literrios, de que professor, Fernando Pinto do Amaral comeou por desenvolver trabalhos no campo da melancolia, abrindo uma dimenso que se tornou predominante na nossa literatura mais recente.

    O livro agora publicado e que tem o ttulo de Pena Suspen-sa (Dom Quixote) rene volumes de ndole diversa, embora nos seja possvel encontrar dois eixos fundamentais. Por um lado, uma interrogao sobre o estatuto do eu a partir da memria, das recordaes dispersas, das pessoas fundamen-tais (como o irmo mais velho que morreu). Por outro, uma viso impiedosa do mundo, um inventrio de caricaturas, em particular em relao instituio literria, que alvo de uma espcie de descrena. A literatura triste e cabisbaixa na me-dida em que se transforma em sesses de lanamento e feiras do livro, e o lado mundano se sobrepe em relao verdade dos afectos: Esse folclore de sonho e esquecimento / a que s vezes chamamos literatura. A literatura desanimada e melanclica na medida em que as palavras vo escondendo a vida que dizem representar: Abre as pginas, v, no tenhas medo / nelas encontrars unicamente / palavras / e, por mais que procures, a tua vida / j no respira ali todo esse lume / que um dia te queimou agora cinza / pouco a pouco mais fria enquanto o fi m da tarde / cai sobre o mar que ainda te seduz. / Folheia essas memrias, sim, mas nunca esqueas / que livros so papis pintados com tinta / e que tudo o que amaste, o gozo, a dor, pessoas ou lugares outrora irresistveis, / so hoje

    silhuetas abstractas, / perfi s que sepultaste para sempre / sob o peso de tantas palavras.

    Em versos que se equilibram de um modo arriscado entre a prosa e a poesia, Fernando Pinto do Amaral tem palavras amar-gas em relao a certos poetas romntico-revolucionrios que se ocupam num festim da m lngua e inveja roedora: Consideram o trabalho um hbito burgus / e nunca se renderam ao sistema, / mas para que a revolta no parea / demasiado cmoda ou suspeita / procuram convencer-se, muito dignos, / de que todo o universo uma vasta conspirao / de que eles so obviamente as vtimas. // Sobrevivem assim, na chulice dos dias, / com o seu prprio veneno alimentando-se / de tudo o que magoa e fere e mata / enquanto se imaginam como autores malditos / e nos seus corrimentos so apenas / juzes da moral e da esttica alheias, / os rostos onde o dio recomea / a sua eterna luta / pequenos Ro-bespierres de guilhotina / longamente afi ada pela inveja, / pronta a decapitar seja quem for / em nome da justia. E num poema que para meu gosto vai demasiado ao encontro do conformismo do leitor, Fernando Pinto do Amaral ataca tambm certos crti-cos: Se queres parecer inteligente / desdenha de quem escreve coisas simples / e desconfi a, desconfi a sempre / dos sentimentos, das convices. // Diz mal da tua poca / procura dar a tudo um ar difcil / e cita alguns autores que ningum leu // Se queres que te respeitem, / reserva a admirao e o elogio / para certos mortos bem escolhidos, / de preferncia estrangeiros, / e acima de tudo / no caias nunca na vulgaridade.

    De certo modo, estes poemas so os mais fceis do livro. Mas existe uma outra faceta que me parece mil vezes mais interessante: a de um sono que alucina a poesia, a de um fogo que atravessa o sono e o mundo, a de portas que se abrem (para utilizar uma das expresses mais frequentes no poeta).

    sobretudo o poema Em voz baixa e o conjunto intitu-lado Claro-Escuro que mostram um poeta complexo, capaz de afrontar a noite, o sofrimento, o dio e a dor, para atingir, no limite do percurso, a estrela de seis pontas (e a palavra estrela corresponde a uma das obsesses de Fernando Pinto do Amaral). Escreve o poeta: No tenhas medo: / desce ao abismo e estende agora / a tua mo. Com ela /agarras outra mo e atravessas / a noite / o deserto / um espelho de mil faces que te mostra / a cor de cada rosto. / D o primeiro passo, recupera / a sede mais antiga, / o primeiro milagre, a confi ana / da rvore no seu fruto.

    Fernando Pinto do Amaral cria estranhos ambientes em que oscilamos entre o pntano e as estrelas. Isso d-nos ver-sos densamente iluminados em que se revela a qualidade do poeta. Encontramos as palavras exactas nesses momentos de desespero e salvao, quando podemos ler essa cama / intil e vazia onde te deitas / espera do naufrgio que te abra / as navegadas portas de uma estrela. Ou no poema que termina com estas palavras admirveis: quando a msica lume e o comboio / avana noite dentro, noite fora, / sobre lenis de cinza iluminada. O que aqui temos corresponde a afi rmaes e desmentidos sucessivos: o comboio que avana noite dentro avana afi nal noite fora (e a expresso corrente noite dentro ganha uma outra dimenso ao confrontar-se com a ideia de uma noite fora); e o lume transforma os lenis em cinza, mas essa cinza ainda iluminada pelo lume extinto da msica. O que corresponde estrela do poeta o que emergia quando os sonhos pareciam animados / da vida extraterrestre que per-demos / em nome deste mundo j sem dramas. isto o que nos resta do rosto de Deus. isso o que suspende a pena a que parecamos condenados.

    RUI GAUDNCIO

  • 15LIVROSSADASPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    Antigamente, quando havia fbulas e os animais no ligavam vaidade dos factos, as crianas tinham gostos melanclicos e desejos decentemente ir-realizveis. E pergunta traioeira (dos adultos) sobre o que que gosta-riam de ser quando fos-sem grandes costumavam responder: bombeiro ou palhao. Hoje, domesti-cadas pela pedagodema-gogia curricular, mais as aulas complementares de ingls, e as de msica, e as de natao (quando no as de expresso plstica, e as de expresso dramti-ca, e qui, cus, as de uma eventual expresso informtica), ou ento rasteira e criminosamen-te vendidas criminosa catequese televisiva, responderiam (se algum ainda lhes fi zesse pergun-tas, ainda que esprias): quero ser assessor.

    verdade que a nobre profi sso de assessor (afi nal, algum tem de fazer o trabalho sujo) tem residualmente algo da misso do bombeiro (especialmente se pensarmos no caso extremo e excepcional de um bombeiro pirmano) e tem muito (sobremaneira, em tratando-se de um as-sessor de imprensa, de imagem), tem muito de palhao (sem ofensa aos profi ssionais deste ra-mo circense). E ainda por cima a nobre profi sso de assessor (algum tem de fazer o trabalho sujo, afi nal) bem paga, ouvi dizer. O que a distingue escandalosamente (mas so opinies do vulgo) das outras duas e parece constituir em si (isso de ser escandalosamente paga) um valor. Bem. O problema que ser assessor deixou de ser um desejo doce e decentemente irrealizvel e at o provvel e risonho futuro de muitas das nossas crianas (como diria um assessor licenciado e metido na respectiva ordem). O problema (mas a inveja a falar) que hoje um pai verdadei-ramente moderno, e liberal e tudo, no sorrir, com apenas condescendncia, ao ouvir o seu herdeiro dizer que quer ser assessor quando for grande (como faziam os pais no tempo fabuloso em que as crianas s queriam ser bombeiros ou palhaos), antes ir a correr trocar de carro, mudar-se para um condomnio privado e cons-truir uma casa de frias numa zona de paisagem protegida (caso o patrimnio do Estado lhe no providencie um fortezito costeiro com guas correntes quentes e frias).

    Dito isto, diga-se agora que o que fi cou dito (sans peur et sans reproche) no pretendeu mais do que contextualizar uma breve leitura de O Assessor, que se apresenta como livro de estreia de Gonalo Zarco (mas eu tenho razes para suspeitar de que se trata de um pseudnimo de um escritor h muito estreado e at j estriado). Trata-se, isso sim, da estreia de uma editora, auspiciosamente chamada O Prncpio do Contraditrio. Um romance sem qualidades, eis como o autor (defensivamen-te?, provocadoramente?) subintitula o livro, cuja aco decorre em um pas no qual as-sessorar era o primeiro verbo que as crianas aprendiam a conjugar: Eu [no] assessoro, tu assessoras [se no tiveres outra serventia], ele assessora [com voluntariosa servido], etc.. No tal pas beira-merda atascado, escreve Zarco, um assessor com as vacinas em dia,

    devidamente atrelado, o melhor amigo do seu do-no. [...] Assessorar , mais do que uma profi sso, um estado de esprito, uma vocao. E assim que se pode ser ministro ou mesmo administrador de empresas de comunicao social sem que, por isso, se deixe de ser assessor, um servial. (p. 31). E mais frente: Com elites assim, quem que precisa de ter-roristas? (p. 33).

    O heri (e escrevemo-lo sem aspas porque eviden-te o esforo do autor para fazer passar o protagonista e a gentaa que o assessora nesta narrativa de escrnio e maldizer por heris do nosso tempo, a bem da ironia), o heri um (ex-?) jornalista que, depois de uma clssica carreira como moo de fretes ao servio da vaidade a que

    temos direito, decide tornar superlativamente rendosa a sua verdadeira vocao, fundando um ateli de comunicao e imagem cha-mado AssessorArte. Segue-se uma carreira de sucesso como assessor, sempre a subir (Zarco chama-lhe, a determinada altura, o ascensor) e a sumir dinheiros pblicos e privados (mas principalmente aqueles), ascenso cujo limite a incredulidade e a impotncia do leitor (para lhe pr um fi m). Stira mordente e sem mordaa, ostensivamente um roman clef, pleno de personagens, lugares e peripcias que o leitor poder, com divertido proveito, suponho, sobre-por a personagens, lugares e peripcias mais ou menos pblicos e patrioticamente portugueses. Eu que, incompetentemente versado em asses-sorias, vassalagens e outras porcarias, no estou aqui disposto a assessorar o leitor, abrindo-lhe (todas) as portas do romance.

    claro que o pthos retrico de Gonalo Zarco padece muito estentoricamente os jogos de palavras e os trocadilhos (h um ministro dos Assuntos para Lamentar, designao injusta num Governo em que no h ministro que no seja lamentvel; h um Concelho [sic] de Ministros criado de raiz num bal-dio entre Castelo Branco e Portalegre e que, alm de ser um exemplo de deslocalizao, se confunde com um programa televisivo in-titulado Pocilga das Ventosidades; h uma TVIP-Televiso Imune a Presses; h um Previdente da Repblica em uma torre em Belm (Lisboa), vigiando a barra e o trnsito negreiro com os binculos embaciados e pos-tos ao contrrio; h um professor de Direito Assessrio, etc., etc.). E eu e mais uma legio de renomados cronistas e outros intelectuais sabemos que os trocadilhos so sempre - por natureza, fado e defi nio - fceis. Mas no se pode negar, pasquinada fi ccional de Gonalo Zarco, actualidade (como diria o assessor de Zarco, se ele o tivesse), pertinncia satrica (e neste particular O Assessor at uma nove-leta remoativa do gnero) e rapidez a soprar o rastilho. No se diga, agora, que Zarco (que sendo mensageiro, no assessor) quem est a carminar a ptria sordidez. O que se pode e deve dizer que O Assessor, sendo um livro sobre um pas sptico, tambm um livro cpti-co. E no sendo um livro assptico, sobretudo um livro actico.

    Um romance sem qualidades?

    | B I B L I O T E C A D E P A P E L |M R I O S A N T O S

    O AssessorAUTOR Gonalo ZarcoEDITOR O Princpio do

    Contraditrio131 pgs., 9,99

  • 16 ARTES PLSTICASEXPOSIESPBLICO 23 OUTUBRO 2004

    | SCAR FARIA

    Em 1885, o psiclogo belga Joseph Delboeuf visita a es-cola de La Salptrire, em Paris, onde eram clebres as apresentaes pblicas, semanais, de doentes his-tricos hipnotizados ali in-ternados. As sesses eram orientadas pelo neurologis-ta Jean Martin Charcot, que, com Paul Richer, escreveu Les Demoniaques Dans l Art (1887). O relato escrito por Delboeuf no s atra-vessado por descries das demonstraes preparadas pelo mdico, mas tambm por outras observaes acer-ca do contexto onde aquelas decorriam: Cheguei um quarto de hora adiantado. Empreguei-o a examinar a espcie de locutrio onde fui introduzido. Ele decorado com grandes desenhos devi-dos ao lpis de M. P. Richer (...). Estes desenhos, muito bem feitos, onde as fi guras tm quase uma dimenso na-tural, representam as quatro fases do grande ataque his-trico (...)

    Extremamente interes-sante, cheio de pormenores acerca da histria privada de La Salptrire, o relato de Delboeuf conduz o leitor para o interior da grande sa-la onde decorreu a primeira sesso de Charcot a que as-sistiu. Tudo acontecia numa espcie de museu, onde se podiam ver um nmero as-sinalvel de desenhos, de pinturas, de gravuras, de fotografi as que representa-vam ora cenas com vrios personagens, ora um nico doente nu ou vestido, de p, sentado ou deitado, ora uma ou duas pernas, uma mo, um torso, ou outra parte do corpo. A paciente, uma jovem rapariga de nome C., parisiense e fl orista, entrou fi nalmente no espao de observao: Ela como uma grande boneca cujas articulaes so absoluta-mente maleveis.

    C. entrou rapidamente em catalepsia: Algumas poses conformam-se s leis da paixo, e obtm-se assim atitudes passionais, de uma verdade impressionante. um manequim de uma inte-ligncia sem igual, observa Delboeuf. E continua: (...) as covinhas do rosto cavam-se nas suas bochechas, ela sorri e o seu olhar envia

    Paula Rego Da beleza convulsiva No Museu de Arte Contempornea de Serralves, no Porto, uma exposio atravessada por trabalhos onde em mltiplas declinaes. Da beleza convulsiva dos surrealistas ao devir-animal deleuziano, uma crtica

    Possesso I, 2004 Metamorfoseando-se segundo Kafka, 2002

    um apelo a um amante in-visvel. O psiclogo, sempre com alguma desconfi ana quanto espontaneidade da cena, escreve ainda: A assistncia estava maravi-lhada. No, jamais algum actor, algum pintor, jamais Rachel ou Sarah Bernhardt, Rubens ou Rafael chegaram a este poder de expresso. Esta jovem rapariga reali-zava uma srie de quadros que apagavam em brilho e em fora os mais sublimes esforos da arte. No poda-mos sonhar com um modelo mais admirvel.

    Beleza convulsivaPossesso (2004) o t-

    tulo da mais recente srie de Paula Rego sete pinturas em pastel, onde se faz sentir a infl uncia das fotografi as e desenhos realizados res-pectivamente por Charcot e Richer e publicados quer em Les Demoniaques Dans l Art, quer noutros volumes dos mesmos autores. Como nota a prpria artista: Sem-pre me interessei muito pelos gestos que as pessoas do para exprimirem situaes interiores de angstia. Nos

    quadros Renascentistas h posies de dor bastante extremas, que so muito expressivas. A narrativa de Delboeuf parece servir como uma luva ao novo conjunto apresentado em Serralves pela pintora, pois a fi gura tem escala humana, algumas das suas poses conformam-se s leis da paixo, podendo mesmo ver-se nas representaes um apelo a um invisvel amante. So trabalhos de uma beleza convulsiva; de um invulgar auto-erotismo, que passam pela sugesto de uma masturbao e um mo-mento posterior ao xtase, o ltimo quadro do polptico.

    Beleza convulsiva o conceito com o qual Andr Breton fi naliza Nadja (1928) A beleza ser convulsiva ou no ser , noo aprofundada em O Amor Louco (1937) La beaut convulsive sera ro-tique-voile, explosante-fi xe, magico-circonstancielle ou ne sera pas. As teorias de Freud sobre o inconsciente e a sua relao com os sonhos infl uenciaram decisivamente Breton, que defi niu como ob-

    Em cima: Fotografias de histricas tiradas por Jean Martin

    Charcot, sculo XIX; direita: Le Phnomne de lextase, 1933,

    Salvador Dal; em baixo: Caprichos n. 10 O Amor e a Morte,

    1796-1797, Francisco Goya

  • 17PBLICO 23 OUTUBRO 2004

    ARTES PLSTICASEXPOSIES

    ao devir-animalamor e morte surgem como extremos que se confundem e desdobram alternativa s habituais leituras psicanalticas da obra de Paula Rego.

    jectivo do surrealismo a re-soluo dos estados de sonho e realidade, aparentemente contraditrios, numa esp-cie de realidade absoluta, uma surrealidade. E no nmero 11 do rgo ofi cial dos surrealistas, La Rvo-lution Surrealiste (1928), que Breton e Aragon assi-nalam o cinquentenrio da histeria, meio supremo da expresso, num artigo ilus-trado com fotografi as tiradas por Charcot num lbum privado, Breton juntava na mesma pgina retratos deste neurologista e de Freud. Um outro autor conotado com a primeira fase do movimento, Salvador Dal, numa colabo-rao com a revista Mino-taure, publica, em 1933, a fotocolagem Le phnomne de lextase.

    A srie de Paula Rego integra, portanto, as in-vestigaes surrealistas sobre a beleza convulsiva, que, no seu caso, so apre-sentadas sob a forma de uma sequncia de repente invadida pelo sonho no plano superior da terceira pintura de Possesso surgem estrelas, que, de

    alguma forma, podemos relacionar, pelo facto de a aco continuar a desenrolar-se sobre um div de psiquiatra, com a passagem para o outro lado do espelho, para o imaginrio, habitado pelo medo e pelo desejo. Pare-ce, no entanto, demasiado limitado interpretar estas obras luz da psicanlise, at porque, como assina-lam Isabelle Schmitz e Pauline Soreau, mesmo se o surrealismo e a psican-lise reconhecem o poder do desejo e do inconsciente na vida humana e lhe do um lugar fundamental, o primeiro visa a realizao do desejo, o segundo a sua sublimao. E continuam: A psicanlise prope-se curar indivduos inadap-tados para os reinserir na sociedade, enquanto o surrealismo entende li-bertar as foras reprimidas e mudar as condies de vida.

    Devir-animalQual , portanto, a hip-

    tese de sair desse impasse criado por um excesso de

    Hoje

    Coleces dfricaA mostra Coleces dfrica apresenta trabalhos de dois acervos de arte africana: a coleco de etnografi a do Museu Municipal de Lagos, construda entre as d-cadas de sessenta e setenta do sculo XX, e a coleco de artistas africanos contemporneos da Caixa Geral de Depsitos, iniciada nos anos noventa.Coleces dfricaLAGOS. Centro Cultural. R. Lanarote de Freitas, 7. Telef.: 282770450. De 2 a sb. das 10h s 20h. Inaugura-se s 18h. At 30 de Dezembro.

    Dia 26

    Michael BibersteinEm Teoria da Unifi cao Parte 1, Michael Biberstein, (Suia, 1948), que vive e trabalha em Portugal h mais de vinte anos, mostra um conjunto de pinturas em acrlico que se deslocam da paisagem para o atmosfrico. Teoria da Unificao Parte 1, de Maichael Bi-bersteinLISBOA. Galeria Cristina Guerra. R. Santo Antnio Estrela, 33. Telef.: 213959559. de 3 a sb. das 11h s 20h; sb. das 12h s 20h. Inaugura-se s 22h. At 20 de Novembro.

    Dia 27

    ESAD - Exposio de Finalistas 2004 No a primeira vez que a Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha apresenta trabalhos dos seus alunos, mas a primeira vez que essa exposio contm trabalhos de todos os alunos fi nalistas dos diver-sos cursos. So 180 trabalhos em exposio num antigo edifcio desactivado de moagem de cereais.ESAD - Exposio de Finalistas 2004 CALDAS DA RAINHA Sociedade Industrial Ceres - R. Filinto Elisio. Inaugura-se s 14h30. O horrio da exposio das 13 h s 17 h. At 26 de Novembro.

    Dia 28

    James ColemanA emergncia do trabalho artstico de James Coleman (Du-blin, 1941) deu-se na dcada de sessenta do sculo passado, altura de profunda convulso no mundo da arte, marcada tambm pela redefi nio do objecto artstico. Aps ter abandonado a pintura, nos anos 70, Coleman concentrou-se em meios como a fotografi a, o fi lme e o vdeo, realizando trabalhos, como Slide Piece, que incorporavam encena-es teatrais, e que tinham como tema central a produo de signifi cado atravs do cruzamento da linguagem, da imagem e do espao. Esta temtica mantm-se nos seus trabalhos, agora expostos no Museu do Chiado, que apresenta obras como Pump, de 1972, Charon (MIT Project), de 1989 e Lapsus Exposure, 1992-94. Esta primeira parte da apresen-tao da obra de James Coleman na instituio lisboeta ser seguida por um segundo momento, que trar ao Museu do Chiado, em Janeiro, um trabalho indito do autor. Parte 1: Trabalhos de James Coleman, de James Coleman