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18/02/2015 O portão azul na rua sem saída | literatices e rascunhos https://jornalismosespecializados363.wordpress.com/2014/12/17/oportaoazulnaruasemsaida/ 1/3 literatices e rascunhos 17 DE DEZEMBRO DE 2014 · 00:02 | EDITAR O portão azul na rua sem saída Bruna Castelo Branco Há alguns meses, mais ou menos em agosto, visitei a instituição beneficente Lar Mundo da Criança, localizada em uma ruazinha sem saída em Lauro de Freitas, para fazer uma fotorreportagem para o Labfoto. O lugar abriga não apenas crianças, como diz na placa, mas todos aqueles que não têm um lar: jovens, adultos, e animais domésticos. Marina Castro Sampaio, 81 anos, é a coordenadora do espaço e mãe de 82 pessoas – e destas, 53 ainda moram lá. A instituição, que surgiu há 28 anos fundada por dona Marina, hoje não conta com a colaboração do governo, pelo contrário: “Antes eu tinha aqui a ajuda de seis funcionários públicos. Quando mudou a prefeitura, o auxílio acabou. Disseram que o local é inadequado” diz a velhinha. A instituição vive de doações e da sua própria aposentadoria. A idosa sustenta 52 pessoas com as próprias mãos. Durante a minha visita, conheci Almiro em uma situação extremamente inusitada. Almiro tem 27 anos e é esquizofrênico. Tentei, em vários momentos, começar uma comunicação com ele: “Oi, bom dia”. Sem resposta. “Tudo bem?”. Vácuo. “Almiro?”. Um pouco encabulada, dona Marina me disse que o rapaz estava tem um ‘transe esquizofrênico. “Fui lá hoje para buscar o remédio dele. Mas não tinha”, explicou a idosa. Almiro tem 27 anos é e esquizofrênico. Chegou na casa de Marina quando era ainda criança, e foi adotado por um casal americano. Anos depois, voltou a morar com dona Marina. Almiro chegou ao abrigo quando ainda era um bebê, depois de ter sido abandonado pelos pais. Mas, segundo dona Marina, foi logo adotado por um casal de estadunidenses. O menino, então, foi morar nos Estados Unidos, onde aprendeu a falar inglês. Quando começou a apresentar sinais da esquizofrenia, Marina ficou sabendo e começou a ficar preocupada. De acordo com ela própria, o rapaz, que estava sozinho em terras estrangeiras, já não estava mais em condições de ficar fora. Marina, então, foi aos Estados Unidos e o trouxe volta à instituição. Quando ele está “bem de saúde”, dá aulas de inglês para os outros residentes da casa de Marina – principalmente para as crianças. Mas a situação inusitada foi bem mais inusitada do que tudo o que relatei até agora. Eu estava parada, em pé, conversando com algumas pessoas quando, de repente, ouvi uma movimentação e alguns gritos. Olhei para a frente e

O portão azul na rua sem saída

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Blog criado para a disciplina Jornalismos Especializados, que teve como tema semestral o gênero Jornalismo Literário, ministrada pela professora Malu Fontes. Blog: jornalismosespecializados363.wordpress.com

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literatices e rascunhos

17 DE DEZEMBRO DE 2014 · 00:02 | EDITAR

O portão azul na rua sem saída

Bruna Castelo Branco

Há alguns meses, mais ou menos em agosto, visitei a  instituição beneficente Lar Mundo da Criança,  localizada em

uma ruazinha sem saída em Lauro de Freitas, para fazer uma fotorreportagem  para o Labfoto. O lugar abriga não

apenas crianças, como diz na placa, mas  todos aqueles que não  têm um lar:  jovens, adultos, e animais domésticos.

Marina Castro Sampaio, 81 anos, é a coordenadora do espaço e mãe de 82 pessoas – e destas, 53 ainda moram lá.

A  instituição, que surgiu há 28 anos  fundada por dona Marina, hoje não conta com a colaboração do governo, pelo

contrário: “Antes eu tinha aqui a ajuda de seis funcionários públicos. Quando mudou a prefeitura, o auxílio acabou.

Disseram que o local é inadequado” diz a velhinha. A instituição vive de doações e da sua própria aposentadoria. A

idosa sustenta 52 pessoas com as próprias mãos.

Durante  a  minha  visita,  conheci  Almiro  em  uma  situação  extremamente  inusitada.  Almiro  tem  27  anos  e  é

esquizofrênico. Tentei, em vários momentos, começar uma comunicação com ele: “Oi, bom dia”. Sem resposta. “Tudo

bem?”.  Vácuo.  “Almiro?”.  Um  pouco  encabulada,  dona  Marina  me  disse  que  o  rapaz  estava  tem  um  ‘transe

esquizofrênico. “Fui lá hoje para buscar o remédio dele. Mas não tinha”, explicou a idosa.

Almiro tem 27 anos é e esquizofrênico. Chegou na casa deMarina quando era ainda criança, e foi adotado por um casalamericano. Anos depois, voltou a morar com dona Marina.

Almiro chegou ao abrigo quando ainda era um bebê, depois de ter sido abandonado pelos pais. Mas, segundo dona

Marina,  foi  logo  adotado  por  um  casal  de  estadunidenses.  O menino,  então,  foi morar  nos  Estados  Unidos,  onde

aprendeu a  falar  inglês. Quando começou a apresentar  sinais da esquizofrenia, Marina  ficou sabendo e começou a

ficar preocupada. De acordo com ela própria, o rapaz, que estava sozinho em terras estrangeiras, já não estava mais

em condições de ficar fora. Marina, então, foi aos Estados Unidos e o trouxe volta à instituição. Quando ele está “bem

de saúde”, dá aulas de inglês para os outros residentes da casa de Marina – principalmente para as crianças.

Mas  a  situação  inusitada  foi  bem mais  inusitada  do  que  tudo  o  que  relatei  até  agora.  Eu  estava  parada,  em  pé,

conversando com algumas pessoas quando, de repente, ouvi uma movimentação e alguns gritos. Olhei para a frente e

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vi.  Almiro  estava  sem  roupa. Nu. Despido  de  tudo: medo,  vergonha,  pudor.  “Ajuda,  ajuda!”. Dona Marina, muito

incomodada, me explicou que ele era pacífico. Só tinha algumas crises como essa de vez em quando. E que eu tinha

dado azar em aparecer em um dia como aquele. “Azar, dona Marina? Adorei conhecer Almiro”.

E, de fato, conhecê­lo foi uma das experiências mais ricas que já tive em toda a minha vida. Não troquei uma palavra

com ele. Não consegui nem olhar diretamente em seus olhos. Ele nem sabe quem eu sou. Mas eu nunca vou conseguir

esquecer Almiro.

Nunca vou conseguir esquecer nenhum daqueles desabrigados adotados por dona Marina.

“Seu sonho é ser jornalista?” “É. E o seu?” “Jogador defutebol” – Eric

Longe de ser um abrigo, e, segundo a coordenadora “é apenas a nossa casa”, a instituição tem uma escola e as crianças

estudam  todos  os  dias.  Muitos  fazem  faculdade  e  outros  já  são  profissionais  formados.  Na  casa  de  dona Marina

também vivem pessoas com deficiência mental, e a mãe luta diariamente para conseguir os remédios necessários.

A instituição beneficente Lar Mundo da Criança, localizada em uma ruazinha sem saída em Lauro de Freitas, é tudo

o que dona Marina tem, e, mesmo depois de inúmeras propostas para vender o terreno, a sua casa resistiu. E, ainda

que com poucos recursos e nenhuma ajuda governamental, a idosa resiste.

“Eu e meus filhos continuaremos aqui”.

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