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O de Ler e - scre E ver e : c t s r r i a t p a E ª 2

O Prazer de Escrever

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texto sobre o prazer de escrever

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O

de Ler

e -scre Evere: c t s r r ia tp a Eª2

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screver começa por ser um exercício de leitura. Primeiro houve que treinar a mão, não a teclar, como acontece agora Ecom os putos, mas a manuscrever. É uma habilidade que

ajuda a apreender a leitura e despertar a escrita. Se para desenhar é preciso observar e treinar o traço, para Escrever é preciso observar e Ler.

Não me lembro exactamente da primeira coisa que escrevi sem ser o meu nome ou cópias, talvez tenha sido uma “composição” para a escola, ou um recado para os meus pais. Aprendia as palavras repetindo a escrita, principalmente quando me enganava a escrevê-las. Os TPC eram muitas vezes “palavras difíceis”, escolhidas dos textos do manual de língua portuguesa, que tinham de ser repetidas três ou cinco vezes. Lembro-me de escrever bilhetinhos com o que queria de prenda de anos ou de Natal e colocar em sítios estratégicos onde sabia que os meus pais iriam ler, tipo bolsos e sapatos. E resultava! Um dos presentes que pedi foi uma máquina de escrever. Passava horas a bater teclas, a passar a limpo coisas que escrevia. Só existia um tipo de letra, um tamanho, duas cores, não dava para apagar e o alinhamento era feito manualmente, mas eu adorava aquilo.

Depois de absorver, a esponja quer escorrer. Comecei por escrever cartas à família, antes de ter telefone, e para correspondentes de outras escolas, antes de haver e-mail. Escrevia também uma espécie de diário que começou fechado a cadeado e acabou por ser qualquer folha que encontrasse. Durou mais de uma década, até acabar por escrever em formato digital apenas aquilo que me parece merecedor de ser registado. Também escrevia pequenos artigos e histórias de uma página, que foram aumentando de tamanho consoante a vontade, até se tornarem contos ou amálgamas de várias dezenas ou centenas de páginas. O processador de texto ajudou bastante, foi uma revolução que adoptei assim que pude. Não compreendo como é que há pessoas que ainda escrevem primeiro à mão e só depois passam para o

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processador (ou pedem a alguém que o faça). A flexibilidade que permite para acrescentar, retirar, mudar de lugar o que se escreve agrada-me bastante, e teclar tornou-se muito mais rápido e eficaz do que escrever manualmente. Sei de cor, à força do hábito, onde está cada letra e cada sinal de pontuação. Ainda me engano demasiadas vezes, mas cada correcção está à distância de um ou dois toques de delete ou backspace e numa fracção de segundo, é como se o erro nunca tivesse existido. Vou conseguindo alguma intimidade com o teclado, não deixo que a virgindade do ecrã branco me intimide, principalmente quando tenho alguma coisa que tem de ser dita com letras e é só uma questão de encontrar a forma. E que dizer do corrector ortográfico? Bem, nem sempre é eficaz, principalmente em termos gramaticais, mas algumas vezes dá jeito, especialmente com as gralhas.

Escrever está muitas vezes para mim como o frasco hermético para o café - uma forma de preservar aromas, sabores e toda a espécie de memórias sensoriais, para não deixar a Imaginação contaminar a Lembrança. Depois de escrever, posso deixar que as duas se misturem na minha cabeça, nunca antes. É assim que mantenho alguma sanidade mental. Não consigo a eficácia da embalagem a vácuo, mas organizo ideias e penso melhor quando as escrevo. E cada vez que revisito a Escrita, viajo até ao momento dos acontecimentos. É uma necessidade básica, visceral, e quando estou em situações em que quero e não posso escrever (normalmente a conduzir, a bicicletar ou no duche) é quando encontro as palavras exactas e mais vontade me dá. Mas já aprendi a gerir isso, pois se for realmente boa ideia, não me esqueço. Gosto de fazer listas e ir riscando o que já está feito. Espantava-me a capacidade de concretizar o que escrevia, como se a Escrita fosse uma ferramenta mágica realizadora de desejos. Depois percebi que Escrever é tão somente um meio, uma forma de expressão e conseguir objectivar assim o que quero é meio caminho andado para encontrar estratégias e concretizar, pelo menos naquilo de depende de mim, tanto ao nível pessoal como profissional.

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Há uma espécie de esquizofrenia no escrever de histórias, no prestar atenção a personagens que querem ser ouvidas, a gritar cá dentro. Por vezes sinto-me um Deus-todo-poderoso criador de universos quando me ponho a mandar em personagens que sei que são todas eu. Elas revoltam-se, têm vida própria e livre-arbítrio, e vejo-me muitas vezes na obrigação de aceitar o que decidem fazer. A escrita permite uma enorme flexibilidade de sentires e pensares ao tentar compreender e encarnar outras vidas. Este exercício de nos pormos na pele dos outros faz maravilhas nas relações interpessoais e acaba por funcionar também como uma forma de auto-conhecimento. Por vezes escrevo-me apenas para poder ter o prazer de me ler e reler, nesse doce prazer, altamente egocêntrico e narcisista onde me encontro e reinvento. Mas gosto ainda mais de partilhar e colher reacções, aliás, esse é o motivo que me leva muitas vezes a fazer sair da mente os pensamentos e materializá-los na escrita. Não sinto que tenha alguma espécie de talento para escrever mas tenho Vontade e reconheço a minha quase total incapacidade para rimar, mas não desisto de procurar a Poesia nas palavras.

Escrever, tal como a masturbação, é um acto íntimo e solitário, nem sempre fácil de partilhar. Claro que podemos escrever ou masturbar com outra(s) pessoa(s), mas isso exige um grau de conhecimento, confiança e coordenação bastante elevados. Ou então pura loucura química e tesão. Sim, para escrever com alguém é indispensável haver estes ingredientes, caso contrário, resulta numa receita executada mecânicamente, sem grande sabor. Gosto de abusar do poder de sedução das letras, das analogias, metáforas, hipérboles e outras figuras de estilo cujo nome agora não me lembro. Gosto de viajar na maionese do meu mundinho interno, de tentar expressar o que vou cozinhando cá dentro, em lume brando, temperando, apurando os sentidos. Masturbação mental do mais alto nível, uma excitação que faz a mente percorrer o corpo todo e estremecê-lo de puro deleite!

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Conseguir expressar e partilhar isso contigo e contagiar-te é comunicar de uma das minhas formas preferidas. Gosto de deixar as ideias fluirem e ver até onde escorrem. Partilhar a Escrita é deixar que Leias e faças a devida apropriação das palavras, dando-lhe o(s) sentido(s) que bem entendes. Nem sempre coincide com a minha intenção, o que nem sempre é sinal de fracasso. É muito bom quando consigo rasgar a indiferença. Melhor que quando gostas e concordas comigo é quando não gostas ou não concordas e a razão disso me acrescenta alguma coisa.

Ler e Escrever são par dançante num diálogo constante feito de ideias e letras. Estimula-me demasiado o despertar dos sentidos que acontece quando saboreio um prato que cozinhei e ao partilhá-lo, percebo que existe quem o compreenda e saboreie também - isto passa-se comigo mais vezes na escrita que na cozinha, mas se a Culinária é uma combinação perfeita de ingredientes comestíveis, a Escrita é uma mistura mágica de palavras que alimenta a alma e desperta a consciência. Comer e Escrever são actividades que evocam todos os sentidos e são bem capazes de me entusiasmar, tal como amar

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