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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES O RETRATO FEMININO NA ESCULTURA PORTUGUESA DOS SÉCULOS XIX E XX Um percurso escultórico Ana Alexandra Carvalho Ribeiro Dissertação de Mestrado em Escultura Especialização em Estudos de Escultura Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Eduardo Duarte 2017

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

O RETRATO FEMININO NA ESCULTURA PORTUGUESA DOS SÉCULOS XIX E XX Um percurso escultórico Ana Alexandra Carvalho Ribeiro Dissertação de Mestrado em Escultura Especialização em Estudos de Escultura Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Eduardo Duarte 2017

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA Eu, Ana Alexandra Carvalho Ribeiro, declaro que a presente dissertação de mestrado intitulada “O Retrato Feminino na Escultura Portuguesa dos Séculos XIX e XX: Um percurso escultórico”, é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas académicas. O Candidato

Lisboa, 30 de outubro de 2017.

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RESUMO Na presente dissertação abordamos a tipologia escultórica do retrato feminino na escultura portuguesa no final do século XIX e no século XX. Inicialmente, faremos uma contextualização da temática a nível internacional, desde a Antiguidade até ao século XX de modo a compreender as diferentes perspetivas sobre esta temática. Será elaborada uma análise mais detalhada ao retrato romano não só pela ampla difusão que este teve, como pelo legado que nos deixou, impossível de igualar em qualquer outro período da história da escultura. Numa fase posterior, o foco principal será o retrato em Portugal, dando destaque às épocas referidas. Um percurso escultórico composto por 25 retratos femininos, pertencentes a 16 escultores diferentes, define a segunda parte. Esta viagem pela escultura portuguesa é iniciada através de uma seleção pessoal elaborada com base num inventário com cerca de 251 retratos femininos. Será feita a análise de cada um dos retratos, bem como uma pequena biografia dos respetivos escultores. Este percurso inicia-se em 1881 com Flor Agreste, da autoria de Soares dos Reis e termina em 1999 com o busto de Natália Correia, realizado por João Cutileiro. Englobará retratadas de diferentes faixas etárias, que corresponderão a pessoas anónimas, figuras relevantes do panorama nacional, entes queridos e amigas dos escultores. Desta forma, pretende-se que esta mostra diversificada de retratos exiba a qualidade retratistica dos escultores portugueses e também detetar algumas mudanças formais presentes nos retratos, de acordo com a época em que foram elaborados. O objetivo principal desta dissertação é, sobretudo, entender o ato de retratar e de que forma isso pode variar de acordo com o referente, época e escultor.

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Palavras-Chave: Escultura Retrato Feminino Portugal Séculos XIX e XX

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ABSTRACT In this Master’s dissertation we will approach the sculptural tipology of the female portrait in the portuguese sculpture of the end of the 19th century and on of 20th century. In order to understand the different views over this subject, we will give an international context to the subject, beginning with the classical Antiquity utill the 20th century. There will be, a more detailed analysis concerning the roman portrait, not only because of its large diffusion but also for its legacy, like no other period in history of sculpture the portrait was so important. In another moment, the focus will be on the portrait in Portugal, emphasizing the refered periods. The second part is composed by a sculptoric set of 25 portraits belonging to 16 different sculptors. The choice was based on a personal selection having in count an inventory of about 251 female portraits. Each portrait will be analyse and also a short biography of the sculptors will be present. We will start at the year of 1881 with Flor Agreste, from Soares dos Reis and finish in 1999 with the bust of Natália Correia, from João Cutileiro. This set englobes different age ranges, corresponding to anonymous people, detached people from the national scene, as well as artists’ relatives and friends. With all this diversity, it is possible to understand the artistic qualities but also the formal changes present in portraits, accorrdingly to the time they were executed. The main goal of this Master dissertation is to understand the act of portray and how it can changes depending on time and sculptor.

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Keywords: Sculpture Portrait Female Portugal 19th and 20th centuries

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AGRADECIMENTOS Primeiramente, quero agradecer ao Prof. Doutor Eduardo Duarte pelo voto de confiança, dedicação, auxílio, paciência e, sobretudo, por ouvir e respeitar as minhas ideias ao longo desta investigação.

Aos meus Pais e à minha Irmã pela presença e apoio incondicional. À minha Madrinha pelo auxílio e companheirismo. À Escultora Susana Miranda por me ajudar a descobrir a minha vocação. Ao Centro de Artes das Caldas da Rainha, nomeadamente à Dra. Rita Sáez, pelas visitas, tanto aos museus como às suas reservas, por me disponibilizarem toda a informação que tinham ao vosso alcance para completar a minha investigação. À Casa-Museu Teixeira Lopes, especialmente à Dra. Raquel Martino, pela concessão das fotografias e respetivas fichas de inventário dos retratos femininos existentes, tanto na Casa-Museu, como nas Galerias Diogo de Macedo, e à D. Maria Rosa Nabais pela simpatia com que me recebeu nas visitas. Ao Museu Rafael Bordalo Pinheiro, sobretudo à Dra. Cláudia Freire, por me disponibilizar o acesso ao espólio documental do museu. À Dra. Elsa Martins Correia pelo auxílio, pelas fotografias concedidas e, sobretudo, por me disponibilizar a fotografia inédita dum retrato seu em criança feito pelo seu pai. Ao Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, principalmente à Dra. Maria de Aires Silveira, pelas visitas às reservas. Ao Dr. Pedro Lapa pelo auxílio na descoberta de informações relacionadas com o retrato do escultor Jorge Vieira. Ao Museu José Malhoa, sobretudo ao seu diretor, o Dr. Carlos Coutinho, e à Dra. Sónia Gonçalves, pela visita às reservas e pela cedência de algumas fotografias. Ao Museu da Assembleia da República, principalmente à Dra. Cátia Mourão, pela visita ao museu e informações concedidas.

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Ao Museu Municipal Joaquim Correia, em especial à D. Maria de Jesus, pela cedência das fotografias dos dois retratos femininos do escultor. Ao Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, sobretudo à Dra. Maria Cristina Gonçalves, pela informação disponibilizada.

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ÍNDICE

Resumo Palavras-chave Abstract Keyworks Agradecimentos Índice Índice de Imagens Introdução | 1

1. O Retrato 1.1. O Retrato Internacional 1.1.1. Breve Introdução ao Retrato | 5 1.1.2. Nos Primórdios da Antiguidade | 6 1.1.3. O Legado Egípcio: Nefertiti | 7 1.1.4. O Retrato Grego | 7 1.1.5. O Retrato Romano | 10 1.1.6. Na Idade Média | 14 1.1.7. No Renascer da Antiguidade Clássica | 15 1.1.8. Período Barroco | 17 1.1.9. No Século das Luzes | 18 1.1.10. Na Geração Oitocentista | 19 1.1.11. Na Época Moderna | 21 1.2. O Retrato em Portugal 1.2.1. Na Antiguidade | 23 1.2.2. Na Época Medieval | 24 1.2.3. Francisco de Holanda e o Renascimento | 24 1.2.4. No Barroco | 25 1.2.5. Em Oitocentos | 26 1.2.6. No Século XX | 29

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2. Percurso Escultórico 2.1. Flor Agreste | 32 2.2. Viscondessa de Moser | 38 2.3. Negra | 41 2.4. Mistress Elisa Leech | 45 2.5. Madame X | 48 2.6. Maria Visconti | 53 2.7. Invocação | 59 2.8. Virgínia Dias da Silva | 62 2.9. Busto de Polaca | 64 2.10. Busto de Senhora | 69 2.11. Florbela Espanca | 72 2.12. Beatriz Costa | 77 2.13. Retrato da Minha Avó | 79 2.14. Cabeça | 83 2.15. Retrato de Senhora | 87 2.16. Maria Lalande | 90 2.17. Menez | 92 2.18. Pintora Estrela Faria | 95 2.19. Guilhermina Suggia | 98 2.20. D. Maria Luísa Pacheco Luiz Gomes | 101 2.21. Retrato de Lurdes | 103 2.22. Fernanda Lino António | 106 2.23. Maria Elsa Martins Correia | 108 2.24. Sophia de Mello Breyner | 111 2.25. Natália Correia | 113 Conclusão | 117 Referências | 122 Anexo I - Fotografias dos Retratos e Cronograma | 1-50 Anexo II - Inventário dos Retratos Femininos na Escultura Portugueses dos Séculos XIX e XX | 1-255

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ÍNDICE DE IMAGENS Capítulo I Fig. 1 - Busto da Rainha Nefertiti, 1340 a.C., em calcário com 48,3 cm de altura. Egyptian Museum, Berlim. Fig. retirada de: http://www.egyptian-museum-berlin.com/c53.php [Consult. 1 de dezembro de 2016] Fig. 2 - Herma, c.150-170, mármore, 1, 52 m de altura. British Museum, Londres. Fig. retirada de: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=459874&partId=1 [Consult. 1 de dezembro de 2016] Fig. 3 - Retrato de Péricles, séc. II, mármore, cópia romana do original grego, feito por Crésilas, British Museum, Londres. Fig. retirada de: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details/collection_image_gallery.aspx?partid=1&assetid=13046001&objectid=461658 [Consult. 1 de dezembro de 2016] Fig. 4 - Escultura de Barberini Togatus. Finais do séc. I, mármore, tamanho natural. Museo Montemartini, Roma. Fig retirada de: http://www.centralemontemartini.org/collezioni/percorsi_per_sale/sala_colonne/ritrattistica_tardo_repubblicana/togato_barberini [Consult. 1 de dezembro de 2016] Fig. 5 - Lívia, séc. I, mármore. The State Hermitage Museum, S. Petersburgo. [Fig retirada de: https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/06.+Sculpture/188833/?lng=en [Consult. 1 de dezembro de 2016] Fig. 6 - Julia Domna, esposa de Septímio Severo, c. 200, mármore, Glyptotek, Munique. Fig retirada de: http://ancientrome.ru/art/artworken/img.htm?id=522 [Consult. 1 de dezembro de 2016] Fig. 7 - Relicário de Santa Balbina, c. 1520-30, madeira pintada, 44,5x40,6x15,9 cm. The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque. Fig. retirada de: http://www.metmuseum.org/art/collection/search/468720 [Consult. 20 de dezembro de 2016] Fig. 8 - Busto de Senhora, Francesco Laurana, c.1490, mármore. Kunsthistorisches Museum, Viena. Fig. retirada de: https://www.khm.at/objektdb/detail/89411/ [Consult. 20 de dezembro de 2016] Fig. 9 - Costanza Bonarelli, Bernini, c. 1635, mármore, com 70 cm de altura. Museo Nazionale del Bargello, Florença. Fig. retirada de: DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - Sculpture: From the Antiquity to th Present Day. Köln: Taschen, 2015, p. 770.

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Fig. 10 - Donna Olímpia Maidalchini Pamphili, Alessandro Algardi, 1646-47, mármore, 70 cm de altura. Galleria Doria Pamphilj, Roma. Fig. retirada de: http://www.doriapamphilj.it/roma/en/i-capolavori-doria-pamphilj/alessandro-algardiritratto-di-olimpia-maidalchini-pamphilj/ [Consult. 20 de dezembro de 2016] Fig. 11 - Negro Paulo, Jean-Baptiste Pigalle, 1760, terracota. Musée des Beaux-arts d'Orléans, Orleães. Fig. retirada de: http://www.linternaute.com/musee/diaporama/1/7335/musee-des-beaux-arts-d-orleans/5/35231/portait-de-paul--negre-de-desfriches/ [Consult. 20 de dezembro de 2016] Fig. 12 - Charles Philipon, Honoré Daumier ,1832, terracota pintada a cru, 16,4x13x10,6 cm. Musée d'Orsay, Paris. Fig. retirada de: http://www.musee-orsay.fr/fr/collections/catalogue-des-oeuvres/notice.html?nnumid=6335 [Consult. 20 de dezembro de 2016] Fig. 13 - Sarah Bernhardt, do escultor Jean-Léon Gérôme, 1895, mármore tingido, 69x41x29 cm. Musée d'Orsay, Paris. Fig. retirada de: http://www.musee-orsay.fr/fr/collections/catalogue-des-oeuvres/notice.html?nnumid=15297 [Consult. 20 de dezembro de 2016] Fig. 14 - La Pensée, Auguste Rodin, c. 1888-89, mármore, 74,2x43,3x46 cm. Musée Rodin, Paris. Fig. retirada de: http://www.musee-rodin.fr/fr/exposition/rodin-la-chair-le-marbre/oeuvres-liees?nidOeuvre=2856 [Consult. 4 de janeiro de 17] Fig. 15 - Musa Adormecida, Constantin Brancusi, 1910, bronze, 17,1x24,1x15,2 cm. The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque. Fig. retirada de: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/488458 [Consult. 4 de janeiro de 17] Fig. 16 - Busto de Anette IV, Alberto Giacometti,1962-65, bronze, 57,8x23,6x21,8 cm. Tate, Londres. Fig. retirada de: http://www.tate.org.uk/art/artworks/giacometti-bust-of-annette-iv-t00778 [Consult. 4 de janeiro de 17] Fig. 17 - Cabeça de Mulher (Fernande), Pablo Picasso, 1909, bronze, 41,3x24,7x26,6 cm. Museum of modern art, Manhattan. Fig. retirada de: https://www.moma.org/collection/works/82049 [Consult. 4 de janeiro de 17] Fig. 18 - Cabeça de Mulher, Antoine Pevsner, 1925, madeira e plástico, 37,5x24x24 cm. Fig. retirada de: TEIXEIRA, José - Antropomorfismo e abstracção do rosto na escultura do Séc. XX. In - As artes visuais e as outras artes. Lisboa, Faculdade de Belas-Artes da Universidade Lisboa, 2008, p. 146. Fig. 19 - Imperatriz Agripina Maior, mármore de Estremoz, séc. I, 54x34x34 cm. Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=161198 [Consult. 30 de janeiro de 17] Fig. 20 - D. João V, Alessandro Giusti, 1748-53, mármore de Carrara, 120x80x60 cm (apenas o busto). Palácio Nacional de Mafra. Fig. retirada de: http://www.matrizpix.dgpc.pt/MatrizPix/Fotografias/FotografiasConsultar.aspx?TIPOP

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ESQ=2&NUMPAG=7&REGPAG=50&CRITERIO=Coroa&IDFOTO=91364&LANG=EN [Consult. 30 de janeiro de 17] Fig. 21 - Máscara mortuária de Soares dos Reis, José Joaquim Teixeira Lopes, 1889, gesso, 19x17x29 cm. Museu Nacional Soares dos Reis. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=309282 [Consult. 30 de janeiro de 17] Fig. 22 - Maria da Paciência, Rafael Bordalo Pinheiro, 1900, faiança. Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa. Fig. retirada de: http://museubordalopinheiro.cm-lisboa.pt/images/0302/galeriapopup/0302_G05_03.jpg [Consult. 30 de janeiro de 17] Fig. 23 - Busto da República, Francisco dos Santos, 1921, réplica em bronze do original de 1911, 90x70x62 cm. Assembleia da República, Lisboa. Fig. retirada de: https://www.parlamento.pt/VisitaParlamento/Paginas/PPerdidosBustoRepublica.aspx [Consult. 30 de janeiro de 17] Capítulo II Fig. 24 - Flor Agreste, da autoria de Soares dos Reis, 1881, mármore, 48x27x21,7 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=306642 [Consult. 07.082017] Fig. 25 - Rosa Silvestre, José Joaquim Teixeira Lopes, sem data, mármore, 50x30x20 cm. Fig. retirada de: Espólio da documental Casa-Museu Teixeira Lopes, Vila Nova de Gaia. Fig. 26 - Viscondessa de Moser, do escultor Soares dos Reis, 1883, bronze, 87x56x32,5 cm. Museu Nacional Soares dos Reis. Fig. retirada de: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/files/images/soares-dos-reis---viscondessa-de-moser.jpg [Consult. 7 de agosto de 2017] Fig. 27 - Marquesa de la Valette, da autoria de Jean-Baptiste Carpeaux, 1861, gesso, 65,4x64,1x32,5 cm. Musée d'Orsay, em Paris. Fig. retirada de: http://www.musee-orsay.fr/fr/collections/catalogue-des-oeuvres/notice.html?nnumid=5731 [Consult. 7 de agosto de 2017] Fig. 28 - Negra, Duquesa de Palmela, em 1885, bronze, 26x11,5x11cm. Encontra-se na Casa-Museu Teixeira Lopes, Vila Nova de Gaia, e no Museu Biblioteca Condes de Castro Guimarães, em Cascais. Fig. retirada de: Espólio documental da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 29 - Duquesa de Palmela por António Teixeira Lopes, 1915, gesso patinado, 59x56x28 cm. Casa-Museu Teixeira Lopes, Vila Nova de Gaia. Fig. retirada de: Espólio documental da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 30 - Busto de Negra, Jean-Antoine Houdon, bronze patinado. Les Arts Décoratifs, Paris. Fig. retirada de: http://www.lesartsdecoratifs.fr/francais/musees/musee-nissim-de-

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camondo/parcours/rez-de-chaussee-haut/la-salle-a-manger-et-le-cabinet-de-porcelaines/buste-de-negresse [Consult. 7 de agosto de 2017] Fig. 31 - Mistress Elisa Leech, Soares dos Reis, mármore, 1887, mármore, 69x53x35 cm. Museu de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa. Fig retirada de: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/files/images/soares-dos-reis---elisa-leech.jpg [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 32 - Fotografia de Elisa Leech, s/ data. Fig retirada de: JÚNIOR, Diogo José de Macedo (Mem Burgalho) - Soares dos Reis (recordações). Gaia: Associação Cultural Amigos de Gaia, 1989, p. [41]. Fig. 33 - Madame X, de Teixeira Lopes, datada de 1892, gesso patinado, 79x57x35 cm. Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. retirada de: Espólio documental da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 34 - Madame Pompadour, Jean-Baptiste Pigalle, 1748-51, mármore, 75,9x47,3x28,9 cm. The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque. Fig, retirada de: http://www.metmuseum.org/art/collection/search/200564 [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 35 - Madame Du Barry, Jean-Jacques Caffieri, c. 1770, mármore, 67 cm de altura. The State Hermitage Museum, S. Petersburgo. Fig. retirada de: https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/06.+sculpture/40401 [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 36 - Maria Visconti, Rafael Bordalo Pinheiro, 1899, terracota pintada, 51x37x26 cm. Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa. Fig. retirada de: Espólio documental do Museu Rafael Bordalo Pinheiro/EGEAC. Fig. 37 - Fotografia de Maria Visconti, tirada por Alfred Fillon. Museu Rafael Bordalo Pinheiro. Fig retirada de: Espólio documental do Museu Rafael Bordalo Pinheiro/EGEAC. Fig. 38 - Invocação de Francisco dos Santos, 1916, mármore, 40x38x27 cm. Museu de Arte Contemporânea do Chiado. Fig. retirada de: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/files/images/francisco-dos-santos---invoca%C3%A7ao.jpg [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 39 - Santa Teresinha - estudo, Simões de Almeida (sobrinho), 1940, gesso, 50 cm de altura. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42232 [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 40 - Virgínia Dias da Silva, Teixeira Lopes, 1917, gesso patinado, 61,5x70x47 cm. Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. retirada de: Espólio documental da Casa-Museu Teixeira Lopes.

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Fig. 41 - Fotografia de Virgínia Dias da Silva com o escultor António Teixeira Lopes. Fig. retirada de: Museu Municipal Carlos Reis/ Inv. MMCR n.º 4000. Fig. 42 - Busto de Polaca, de Francisco Franco, 1921, bronze, 38x24x28,5 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa. Fig. retirada de: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/files/images/francisco-franco---busto-de-polaca.jpg [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 43 - Escultora Maria Irene Vilar, Barata Feyo, 1957, bronze, 42x41x30cm. Museu Barata Feyo, Caldas da Rainha. Foto: Ana Ribeiro, 2016. Fig. 44 - Cabeça de Mulher, Amedeo Modigliani, 1912, calcário, 70,5x23,5x16,5 cm. Philadelphia Museum of Art. Fig. retirada de: http://www.philamuseum.org/collections/permanent/51930.html [Consult. 30 de agosto de 2017] Fig. 45 - Retrato de uma Mulher Polaca (detalhe), Amedeo Modigliani, 1919, óleo sobre tela, 100,3x64,8 cm. Philadelphia Museum of Art. Fig. retirada de: https://www.philamuseum.org/collections/permanent/59575.html [Consult. 30 de agosto de 2017] Fig. 46 - Busto de Senhora, Simões de Almeida (sobrinho) datado de 1931, bronze, 50x48x32 cm. Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42260 [Consult. 30 de agosto de 2017] Fig. 47 - Busto de Senhora, Simões de Almeida (sobrinho), 1929, bronze, 46x48x32 cm. Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42457 [Consult. 30 de agosto de 2017] Fig. 48 - Cleo de Merode, Mariano Benlliure, 1910, mármore de Carrara. Fig. retirada de: http://marianobenlliure.org/8-obras-originales-de-benlliure-y-una-de-dudosa-atribucion-del-museo-de-crevillente-visitan-cartagena/ [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 49 - Florbela Espanca, por Diogo de Macedo, 1931, gesso, 62x69,50x55,50 cm. Galerias Diogo de Macedo. Fig. retirada de: Espólio da documental Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 50 - Fotografia de Florbela Espanca. Fig. retirada de: GUEDES, Rui - Florbela Espanca: fotobiografia. 2.ª ed. Lisboa: Dom Quixote, 1999, p. 221. Fig. 51 - Retrato de Florbela Espanca executado por António Duarte em 1934. O retrato foi destruído. Fig. retirada de: GUEDES, Rui - Florbela Espanca: fotobiografia. 2.ª ed. Lisboa: Dom Quixote, 1999, p. 242. Fig. 52 - Poetisa Florbela Espanca, Raul Xavier, 1955, em bronze, 47x26x22cm. Encontra-se no Museu Amadeo de Souza Cardoso. Fig. retirada de: http://www.amadeosouza-cardoso.pt/pt/artistas/raul-xavier [Consult. 30 de agosto 2017]

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Fig. 53 - Florbela, João Cutileiro, 1994, mármore policromado. Fig. retirada de: PERIENES, Luísa - O fragmento na escultura portuguesa no séc.XX. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2010, vol 2, p. 39. Fig. 54 - Beatriz Costa, Diogo de Macedo, 1931, gesso patinado, 45x21x25 cm. Galerias Diogo de Macedo. Fig. retirada de: Espólio da documental Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 55 - Fotografia de Beatriz Costa, de 1934. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=1063215 [Consult. 10 de setembro de 2017] Fig. 56 - Retrato da Minha Avó, Joaquim Correia, 1938, bronze, 30x20x25 cm. Museu Joaquim Correia, Marinha Grande. Fig. retirada de: Espólio documental do Museu Joaquim Correia. Fig. 57 - Tia Joana, António Teixeira Lopes, s/ data, bronze, 26,50 x14,50x12,50 cm. Fig. retirada de: Espólio documental da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 58 - Cabeça, Raul Xavier, 1938, calcário, 28x20x22 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado. Fig. retirada de: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/files/images/raul-xavier---cabe%C3%A7a.jpg [Consult. 10 de setembro de 2017] Fig. 59 - Cabeça de Mulher (Cabeça Egípcia), Gaston Lachaise, 1923, bronze, 50,8x24,7x23,1 cm. The Museum of Modern Art, Manhattan. Fig. retirada de: https://www.moma.org/collection/works/81659 [Consult. 10 de setembro de 2017] Fig. 60 - Retrato de Senhora, da autoria de Leopoldo de Almeida, 1945, gesso, 82x51x36 cm. Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42218 [Consult. 10 de setembro de 2017] Fig. 61 - Bitinha Vieira Machado, Leopoldo de Almeida, 1948, gesso, 73x53x32 cm. Museu Leopoldo de Almeida, Caldas da Rainha Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 62 - Joaquim Correia, Maria Lalande, 1945, gesso patinado, 51x36x28 cm. Fig. retirada de: Espólio do Museu Joaquim Correia. Fig. 63 - Menez, Barata Feyo, 1946, bronze, 33x30x30 cm. Fig. retirada de: Ana Ribeiro, 2016. Fig. 64 - Pintora Estrela Faria, António Duarte, 1950, granito sueco, 35x22x32 cm. Fig. retirada de: Espólio documental Centro de Artes, Caldas da Rainha - Pasta 01/Fotografia/ Coleção António Duarte. Fig. 65 - Fotografia de António Duarte, Joaquim Correia, Estrela Faria e João Fragoso, na casa da Avenida Infante Santo, Lisboa. Finais dos anos 50 e inícios dos anos 60. Fig. retirada de: Espólio documental do Centro de Artes, Caldas da Rainha - Pasta 04/Fotografia/Coleção António Duarte.

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Fig. 66 - Guilhermina Suggia, Leopoldo de Almeida, 1952 gesso, 80x55x37 cm. Museu Leopoldo de Almeida. Fig. retirada de: Ana Ribeiro, maio 2017. Fig. 67 - Guilhermina Suggia (esboceto), Leopoldo de Almeida, 1952, bronze, 21x15x10 cm. Museu Leopoldo de Almeida. Fig. retirada de: Espólio documental do Centro de Artes das Caldas da Rainha. Fig. 68 - Fotografia de Guilhermina Suggia. Fig. retirada de: Suggia: o violoncelo (Coord. Maria da Luz Paula Marques ; Luís Cabral). Catálogo da Exposição patente na Casa-Museu Guerra Junqueiro. Porto: Câmara Municipal, 2006, p. 139. Fig. 69 - Máscara de Guilhermina Suggia, Irene Vilar, c.1989, gesso, 60x27x28 cm. Fig. retirada de: Suggia: o violoncelo (Coord. Maria da Luz Paula Marques ; Luís Cabral). Catálogo da Exposição patente na Casa-Museu Guerra Junqueiro. Porto: Câmara Municipal, 2006, p. 119. Fig. 70 - D. Maria Luísa Pacheco Luiz Gomes, da autoria de Francisco Franco, s/ data, bronze, 48 cm de altura. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42030&EntSep=3#gotoPosition [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 71 - Imperatriz Lívia, basalto egípcio, 31 a. C., Museu do Louvre, Paris. Fig. retirada de: http://www.louvre.fr/mediaimages/l-imperatrice-livie [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 72 -Retrato de Lurdes, Jorge Vieira, 1956, terracota, 32,5x17x27,5cm. Fundação Calouste Gulbenkian. Fig, retirada de: https://gulbenkian.pt/museu/works_cam/cabeca-de-rapariga-154704/ [Consult. 30 de agosto de 2017] Fig. 73 - Retrato de Lurdes, Jorge Viera, 1956, gesso patinado, 32,5x17x27,5cm. Museu Jorge Vieira, Beja. Fig retirada de: Museu Jorge Vieira: Casa das Artes. Beja: Câmara Municipal de Beja, 1998, p. 72. Fig. 74 - Fernanda Lino António, António Duarte, 1959, mármore, 50x22x38 cm. Atelier-Museu António Duarte. Fig. retirada de: Espólio documental Centro de Artes, Caldas da Rainha - Pasta 01/Fotografia/ Coleção António Duarte. Fig. 75 - Maria Elsa Martins Correia, Martins Correia, s/ data (aprox. finais dos anos 60 ou início dos anos 70) bronze policromado. Museu Municipal Martins Correia. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 76 - Elsa Martins Correia, Martins Correia, datado de 1952, mármore pintado. Foto: Dra. Elsa Martins Correia. Fig. 77 - Sophia de Mello Breyner, Martins Correia, bronze policromado, 1986. Museu Municipal Martins Correia. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 78 - Sophia de Mello Breyner, Martins Correia, s/ data, bronze. Pertence aos familiares da poetisa. Foto: Dra. Elsa Martins Correia.

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Fig. 79 - Retrato de Sophia de Mello Breyner, Martins Correia, 1956, mármore, 42x13,5x29 cm. Fig. retirada de: https://gulbenkian.pt/museu/works_cam/retrato-de-sofia-de-mello-breyner-154490/ [Consult. 30 de agosto de 2017] Fig. 80 - Natália Correia, João Cutileiro, 1999, mármore policromado, 78x51x35 cm. Museu da Assembleia da República. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 81 - Homenagem a Natália Correia “a-natália-e-a-juventude-ao-sabor-dum-novo-ritmo”, Martins Correia, s/ data, bronze policromado, 86x40x25cm. Coleção Elsa Martins Correia. Fig. retirada de: Mar e Cor: escultura, desenho, pintura. Obra publicada por ocasião da exposição da celebração do centenário do escultor Martins Correia patente no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa (Portugal), de 15 de abril a 30 de maio de 2011 (Coord. José Aurélio, José Teixeira, Gabriela Carvalho, Elsa Lourenço)., p. [49]. Anexo I I - Flor Agreste, de Soares dos Reis, 1881, mármore, 48x27x21,7 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. 82 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 83 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 84 -Vista lateral. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 85 - Vista posterior a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. II - Viscondessa de Moser, Soares dos Reis, 1883, bronze, 87x56x32,5 cm. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Fig. 86 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 87 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 88 - Detalhe. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 89 - Vista Posterior. Foto: Ana Ribeiro, 2017. III - Negra, Duquesa de Palmela, em 1885, bronze, 26x11,5x11cm. Encontra-se na Casa-Museu Teixeira Lopes, Vila Nova de Gaia, e no Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, em Cascais. Fig. 90 - Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 91 - Vista lateral direita. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 92 - Vista posterior. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 93 - Vista lateral esquerda. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes.

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IV - Mistress Elisa Leech, Soares dos Reis, mármore, 1887, mármore, 69x53x35 cm. Museu de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa. Fig. 94 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 95 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 96 - Vista lateral. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 97 - Vista posterior. Foto: Ana Ribeiro, 2017. V - Madame X, de Teixeira Lopes, datada de 1892, gesso patinado, 79x57x35 cm. Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 98 - Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio documental da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 99 - Vista lateral direita. Fig. retirada de: Espólio documental da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 100 - Vista lateral esquerda. Fig. retirada de: Espólio documental da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 101 - Vista posterior. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. VI - Maria Visconti, Rafael Bordalo Pinheiro, 1889, terracota pintada, 51x37x26 cm. Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa. Fig. 102 - Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio Documental do Museu Rafael Bordalo Pinheiro/EGEAC. VII - Invocação de Francisco dos Santos, 1916, mármore, 40x38x27 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa. Fig. retirada de: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/files/images/francisco-dos-santos---invoca%C3%A7ao.jpg [Consult. 15 de setembro de 2017] Fig. 103 - Vista frontal. Fig. retirada de: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/files/images/francisco-dos-santos---invoca%C3%A7ao.jpg [Consult. 15 de setembro de 2017] Fig. 104 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 105 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 106 - Vista posterior a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. VIII - Virgínia Dias da Silva, Teixeira Lopes, 1917, gesso patinado, 61,50 x70x47 cm. Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 107 -Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 108 - Vista lateral direita. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes.

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Fig. 109 - Vista lateral esquerda. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 110 - Vista posterior. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. IX - Busto de Polaca, de Francisco Franco, 1921, bronze, 38x24x28,5 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa. Fig. 111 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 112 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 113 - Vista lateral esquerda. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 114 - Vista lateral direita. Foto: Ana Ribeiro, 2017. X - Busto de Senhora, Simões de Almeida (sobrinho) datado de 1931, bronze com 50 cm de altura. Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Fig. 115 - Vista a três quartos. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42260 [Consult. 15 de setembro de 2017] Fig. 116 - Vista frontal. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42260 [Consult. 15 de setembro de 2017] Fig. 117 - Vista a três quartos do modelo em gesso. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42906 [Consult. 15 de setembro de 2017] Fig. 118 - Vista a três quartos do modelo em gesso. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42906 [Consult. 15 de setembro de 2017] XI - Florbela Espanca, por Diogo de Macedo, 1931, gesso, 62x69,50x55,50 cm. Galerias Diogo de Macedo, Vila Nova de Gaia. Fig. 119 - Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 120 - Vista posterior. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 121 - Vista lateral esquerda. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 122 - Vista lateral direita. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. XII - Beatriz Costa, Diogo de Macedo, 1931, gesso patinado, 45x21x25 cm. Galerias Diogo de Macedo. Fig. 123 - Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 124 - Vista posterior. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes.

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Fig. 125 - Vista lateral esquerda. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. Fig. 126 - Vista lateral direita. Fig. retirada de: Espólio da Casa-Museu Teixeira Lopes. XIII - Retrato da Minha Avó, Joaquim Correia, 1938, bronze, 30x20x25 cm. Museu Joaquim Correia, Marinha Grande. Fig. retirada de: Espólio documental do Museu Joaquim Correia. Fig. 127 - Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio do Museu Joaquim Correia. Fig. 128 - Vista lateral. Fig. retirada de: Espólio do Museu Joaquim Correia. Fig. 129 - Vista posterior. Fig. retirada de: Espólio do Museu Joaquim Correia. XIV - Cabeça, Raul Xavier, 1938, calcário, 28x20x22 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado. Fig. 130 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 131 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 132 - Vista posterior. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 133 - Vista lateral. Foto: Ana Ribeiro, 2017. XV - Retrato de Senhora, da autoria de Leopoldo de Almeida, 1945, gesso, 82x51x36 cm. Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Fig. 134 -Vista a três quartos. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42218 [Consult. 10 de setembro de 2017] Fig. 135 - Vista lateral. Foto: Dra. Sónia Gonçalves. XVI - Joaquim Correia, Maria Lalande, 1945, gesso patinado, 51x36x28 cm. Museu Joaquim Correia, Marinha Grande. Fig. 136 - Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio Museu Joaquim Correia. Fig. 137 - Vista a três quartos. Fig. retirada de: Espólio Museu Joaquim Correia. Fig. 138 - Vista a três quartos. Fig. retirada de: Espólio Museu Joaquim Correia. Fig. 139 - Vista lateral. Fig. retirada de: Espólio Museu Joaquim Correia. XVII - Menez, Barata Feyo, 1946, bronze, 33x30x30 cm. Museu Barata Feyo, Caldas da Rainha. Fig. 140 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2016. Fig. 141 - Vista lateral. Foto: Ana Ribeiro, 2016. Fig. 142 - Vista posterior. Foto: Ana Ribeiro, 2016.

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XVIII - Pintora Estrela Faria, António Duarte, 1950, granito sueco, 35x22x32 cm. Atelier-Museu António Duarte, Caldas da Rainha. Fig. 143 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2016. Fig. 144 - Vista posterior. Foto: Ana Ribeiro, 2016. Fig. 145 - Vista a três quartos. Fig. retirada de: Espólio documental Centro de Artes, Caldas da Rainha - Pasta 01/Fotografia/ Coleção António Duarte. Fig. 146 - Vista lateral. Fig. retirada de: Espólio documental Centro de Artes, Caldas da Rainha - Pasta 01/Fotografia/ Coleção António Duarte. XIX - Guilhermina Suggia, Leopoldo de Almeida, 1952, gesso, 80x55x37 cm. Museu Leopoldo de Almeida, Caldas da Rainha. Fig. 147 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, maio 2017. Fig. 148 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, maio 2017. Fig. 149 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, maio 2017. Fig. 150 - Detalhe. Foto: Ana Ribeiro, maio 2017. XX - D. Maria Luísa Pacheco Luiz Gomes, da autoria de Francisco Franco, s/ data, bronze, 48 cm de altura. Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Fig. 151 - Vista frontal. Fig. retirada de: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42030&EntSep=3#gotoPosition [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 152 - Vista posterior. Foto: Ana Ribeiro, 2016. Fig. 153 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2016. Fig. 154 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2016. XXI - Retrato de Lurdes, Jorge Vieira, 1956, terracota, 32,5x17x27,5 cm. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Fig. 155 - Vista frontal. Fig, retirada de: https://gulbenkian.pt/museu/works_cam/cabeca-de-rapariga-154704/ [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 156 - Vista a três quartos. Fig, retirada de: https://gulbenkian.pt/museu/works_cam/cabeca-de-rapariga-154704/ [Consult. 28 de agosto de 2017] Fig. 157 - Vista a três quartos. Fig, retirada de: https://gulbenkian.pt/museu/works_cam/cabeca-de-rapariga-154704/ [Consult. 28 de agosto de 2017]

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Fig. 158 - Retrato de Lurdes, Jorge Viera, 1956, gesso patinado, 32,5x17x27,5cm. Museu Jorge Vieira, Beja. Fig retirada de: Museu Jorge Vieira: Casa das Artes. Beja: Câmara Municipal de Beja, 1998, p. 72. XXII - Fernanda Lino António, António Duarte, 1959, mármore, 50x22x38 cm. Atelier-Museu António Duarte, Caldas da Rainha. Fig. 159 - Vista frontal. Fig. retirada de: Espólio documental Centro de Artes, Caldas da Rainha - Pasta 01/Fotografia/ Coleção António Duarte. Fig. 160 - Vista a três quartos. Fig. retirada de: Espólio documental Centro de Artes, Caldas da Rainha - Pasta 01/Fotografia/ Coleção António Duarte. Fig. 161 - Vista a três quartos. Fig. retirada de: Espólio documental Centro de Artes, Caldas da Rainha - Pasta 01/Fotografia/ Coleção António Duarte. Fig. 162 - Vista posterior a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2016. XXIII - Maria Elsa Martins Correia, Martins Correia, s/ data (aprox. finais dos anos 60 ou início dos anos 70), bronze policromado, 97x31x22 cm. Museu Municipal Martins Correia, Golegã. Fig. 163 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 164 - Vista lateral. Foto: Ana Ribeiro, 2017. XXIV - Sophia de Mello Breyner, Martins Correia, 1986, bronze policromado, 35x38x24 cm. Museu Municipal Martins Correia, Golegã. Fig. 165 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 166 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 167 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. XXV - Natália Correia, João Cutileiro, 1999, mármore policromado, 78x51x35 cm. Museu da Assembleia da República, Lisboa. Fig. 168 - Vista frontal. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 169 - Vista a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 170 - Vista lateral. Foto: Ana Ribeiro, 2017. Fig. 171 - Vista posterior a três quartos. Foto: Ana Ribeiro, 2017.

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação trata a temática do retrato feminino em Portugal, mais concretamente os finais do século XIX e o século XX. Refira-se que estes séculos dizem respeito às épocas de maior produção retratista em Portugal, pelo menos, devidamente documentadas. Desta forma, faria todo o sentido eleger estes dois períodos da História da Escultura Portuguesa. A escolha do retrato está relacionada com o facto de ser uma área da escultura pouco explorada e valorizada desde o Modernismo. O tema do retrato feminino relaciona-se, em primeiro lugar, com o facto, muito pessoal, de preferirmos o referente feminino para a criação escultórica, mas também com a vontade de apresentar um carácter mais intimista desta tipologia, ao contrário do que habitualmente observamos nas praças públicas, expondo uma vertente mais frágil e pessoal do escultor e do retratado. Alguns dos retratos encontrados, na investigação que foi elaborada, pertencem a pessoas que fizeram parte da vida íntima do escultor e, desta forma, apelam ao lado mais emotivo e privado do artista. Na tipologia do retrato, interessa-nos sobretudo a cabeça, o busto e até mesmo a figura de meio corpo. Ao contrário, a conceção de retrato de corpo inteiro, é completamente excluída nesta dissertação por estar, muitas vezes, associado aos monumentos e à estatuária.

O tema foca-se em Portugal e nos seus artistas, devido ao desconhecimento que ainda existe acerca das nossas raízes, escultores e da sua produção escultórica. Para além de amplificar os nossos conhecimentos, pretende-se que seja um contributo para futuras pesquisas relacionadas com este assunto. Com a realização desta dissertação, pretendemos aprofundar os conhecimentos no campo da escultura, nomeadamente da escultura portuguesa no final do século XIX e no século XX; expor a diversidade escultórica dos retratos em Portugal; desenvolver capacidade de análise em relação ao retrato como obra de arte, mostrando assim o seu potencial artístico e qualidade plástica; entender o retratista, as suas considerações acerca do retrato e retratado.

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As metodologias escolhidas que vão de encontro aos objetivos desta dissertação são: a análise documental e a observação direta. A análise documental consiste da recolha de documentos referentes ao retrato, nomeadamente ao retrato feminino português dos séculos XIX e XX, aos diferentes períodos artísticos em que este conceito está mais presente. As bibliotecas, bem como os museus, são locais bastante importantes na fase da investigação. A Biblioteca da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, a Biblioteca Nacional e a Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian foram o suporte da nossa pesquisa. Demos primazia a fontes que tenham contactado diretamente com os escultores, como, por exemplo, o escritor e escultor Diogo de Macedo. O Dicionário de Escultura Portuguesa foi igualmente um dos principais elementos de investigação. Foi também elaborada uma recolha fotográfica de vários retratos femininos portugueses que compõem o inventário, apresentado em anexo. Após a análise aos mesmos, foi feita uma seleção de 25 retratos que, posteriormente, são analisados ao longo da dissertação. A observação direta nesta investigação tem como base a visita a coleções de museus ou a locais que contenham esculturas que necessitem de uma observação mais minuciosa, neste caso os retratos possíveis de integrarem a seleção. O Museu Soares dos Reis, no Porto; a Casa-Museu Teixeira Lopes e as Galerias Diogo de Macedo, em Vila Nova de Gaia; o Museu Joaquim Correia, na Marinha Grande; o Museu Martins Correia, na Golegã; a Casa-Museu Anjos Teixeira, em Sintra; o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado; o Museu Bordalo Pinheiro e o Museu da Assembleia da República foram locais essenciais para o desenvolvimento do trabalho. No Atelier-Museu António Duarte; no Atelier-Museu João Fragoso; no Museu Barata Feyo; no Museu Leopoldo de Almeida e no Museu José Malhoa, situados nas Caldas da Rainha; para além das visitas, tivemos acesso às reservas, possibilitando a observação do vasto património de retratos existentes, para além dos expostos. Também foi realizada uma visita às reservas no Museu de Arte Contemporânea do Chiado, em Lisboa, local onde se encontram quatro das esculturas pertencentes à seleção. Outros instrumentos de pesquisa foram as conversas informais com familiares de escultores, técnicos dos museus, entre outros, com o objetivo de corroborar e complementar a informação obtida na análise documental.

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Relativamente à estrutura da dissertação, esta encontra-se dividida em dois capítulos: o retrato e o percurso escultórico. O primeiro capítulo, intitulado “O Retrato”, subdivide-se em dois capítulos, um destinado ao retrato internacional e outro relacionado com o retrato em Portugal. Inicialmente, na primeira subdivisão, faremos uma abordagem geral ao retrato escultórico e também ao seu significado etimológico. Posteriormente, é elaborada uma síntese muito generalizada desde os primórdios da Antiguidade até ao Modernismo, corrente artística que vigorará no século XX. O Retrato Romano será tratado com um pouco mais de detalhe, pois este foi o responsável pela propagação desta tipologia escultórica por toda a Europa. O segundo subcapítulo faz uma análise desde a Antiguidade até ao século XX dos retratos em território nacional. Devido à pouca informação acerca desta temática em Portugal, o nosso estudo irá centrar-se mais nos séculos XIX e XX, devido à existência duma maior produção e documentação da mesma nestes períodos. É dada especial atenção ao Naturalismo e Modernismo em Portugal, visto que na cronologia, são os movimentos artísticos que vigoraram na época estudada. A segunda parte é dedicada exclusivamente aos retratos femininos portugueses dos séculos XIX e XX, nomeadamente do final do século XIX, e do século XX. Devido à extensa produção, faremos uma proposta de seleção, de 25 retratos, mostrando a diversidade escultórica e a mestria dos escultores portugueses. Cada um dos 16 escultores que integram este conjunto terá uma pequena biografia, de modo a contextualizá-los, sendo ainda abordada a sua produção artística, as ligações e possíveis influências entre os artistas referidos na investigação. O processo de seleção dos retratos partiu de uma escolha pessoal, tendo em conta a importância de cada um deles para a tipologia do retrato, para a escultura da época e também a influência no processo criativo sobre outros retratistas que se seguiram. O percurso escultórico abrange várias faixas etárias, bem como familiares e amigos dos escultores e figuras pertencentes ao panorama cultural português. Os retratos estão ordenados cronologicamente. Alguns deles não estão datados, no entanto, através de pessoas ligadas diretamente ao escultor ou de informações do museu disponibilizadas sobre as esculturas, fomos tentando encontrar alguma pista, de modo a aproximarmo-nos o mais possível da data de elaboração.

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Cada um dos retratos escolhidos para a seleção terá obrigatoriamente uma ficha de inventário com informações relevantes acerca da escultura desde as dimensões, as marcas e inscrições próprias do escultor ou da fundição, o local onde se encontra, a sua incorporação no mesmo e o número de inventário para facilitar futuras pesquisas. Além disso, todos os retratos foram vistos pessoalmente, à exceção do retrato de Maria Visconti, pertencente ao Museu Bordalo Pinheiro, pois, atualmente encontra-se em reserva e o seu acervo não se situa no mesmo edifício referente ao Museu. A perspetiva do escultor será a nossa prioridade, tentar entender as suas convicções acerca do retrato, os processos técnicos tratados no atelier, o método de observação (direta, através da presença do retratado, ou indireta, apenas a partir de fotografias), o tipo de relação que mantinha com o representado, entre outras questões, que influenciam a criação do retratista. Sempre que possível, para além de fazermos a descrição de cada retrato, teremos em conta a técnica escultórica utilizada pelo artista, elaborando uma breve introdução ao processo e a sua perspetiva relativamente à matéria eleita em cada retrato. No Anexo I, colocaremos fotografias dos retratos tiradas nas principais vistas. Em alguns casos não foi possível fazer o registo fotográfico devido ao facto de estarmos em locais em que só nos possibilitava visualizar a mesma em escassos ângulos, desta forma o seu suporte documental tornou-se menor. Também elaborámos um cronograma, que se encontra após as imagens de cada um dos retratos. O inventário de base, com cerca de 251 retratos, realizado ao longo da pesquisa com todos os retratos femininos encontrados será colocado no Anexo II, após o cronograma. É de salientar que cada retrato será acompanhado por uma ficha realizada a partir das fichas de inventário disponibilizadas na MatrizNet ou por intermédio dos museus que foram contactados. Registe-se que algumas destas estão incompletas devido à escassez de informação obtida.

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CAPÍTULO I 1.1. O RETRATO

1.1.1. BREVE INTRODUÇÃO AO RETRATO

A palavra “retrato” deriva do vocábulo latino retractus, particípio passado do verbo retrahere, que significa “fazer voltar atrás.”1 Para além da significação anteriormente descrita, este também pode ter outros sentidos como o de reviver ou reduzir.2 A partir do significado etimológico da palavra, sobre a qual nos vamos debruçar, compreendemos o seu verdadeiro sentido. Mais do que representar alguém, o retrato “traz de volta” o retratado e, com este, uma época, diferentes costumes, tempos inalcançáveis que se tornaram presentes devido ao desejo humano de querer ser eterno. Plínio (23-79), o Velho, numa das partes do seu livro História Natural, conta-nos o mito da invenção da modelação em barro e do nascimento do retrato: “Utilizando la misma tierra com la que trabajaba, el alfarero Butades de Sición fue el primero que modeló retratos de arcilla, en Corinto, a causa de una hija suya que estaba enamorada de un joven; cuando éste se marchó al extranjero, ella trazó una línea alrededor de la sombra de su rostro proyectada en una pared por la luz de una lucerna y a partir de esa línea, su padre la modelo en arcilla y la puso al fuego para que se endureciera junto con el resto de su cerâmica […]” 3 Para além de nos contar o mito do retrato, mostra-nos o processo para a elaboração do mesmo. Primeiro a observação e o desenho do modelo e, posteriormente, a passagem para a modelação ou outro material definitivo, como acontece na escultura. O retrato consiste na representação de um indivíduo, vivo ou morto, através de um ou de vários meios artísticos, como a escultura. O principal objetivo deste tipo de representação é, para além de tornar presente o sujeito, no caso de estar morto, e de o imortalizar, incluir no retrato os traços fisionómicos característicos e elementos de

1 Etimologia de Retrato [Em linha]. [Consult. 1 dezembro 2016] Disponível em WWW:<URL: http://etimologias.dechile.net/?retrato> 2 MACHADO: José Pedro - Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 7.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1995, vol. V, p. 93. 3 PLINIO - Textos de Historia del Arte. Edición de Maria Esperanza Torrego. Madrid: Visor Dis, 1987, p. 124. [tradução livre] “Ao utilizar também a terra, o ceramista Butades de Sycione foi o primeiro a descobrir a arte de modelar retratos em argila; passava-se isto em Corinto, e ele deveu a sua invenção à sua filha que se tinha apaixonado por um rapaz; como este ia partir para o estrangeiro, ela contornou uma linha com a sombra do seu rosto projetada na parede pela luz de uma lanterna; o seu pai aplicou a argila sobre o esboço, e fez um relevo que pôs a endurecer ao fogo com o resto das suas cerâmicas, depois de o ter secado […].”

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identificação individual, de modo a tornar o modelo semelhante ao original. O retrato escultórico pode assumir várias formas, entre as quais: apenas a cabeça, busto para os ombros ou para o peito, meia-figura e corpo inteiro; tanto em relevo como em vulto.4 Muitas vezes, existe a tendência para utilizar o termo “busto” para definir qualquer retrato, contudo, um retrato nem sempre é um busto, já este último, é sempre um retrato. O busto é um tipo de escultura que, para além da cabeça, inclui o peito ou parte do mesmo, no fundo, “contextualiza” a cabeça através da utilização de elementos da parte superior do corpo humano, como o peito e os ombros. Geralmente os braços não são representados, apesar de frequentemente incluir a sugestão dos mesmos.5

1.1.2. NOS PRIMÓRDIOS DA ANTIGUIDADE

A temática do retrato subentende o realismo, mas nem sempre foi tratada desta forma. Inicialmente, nas culturas primitivas, os nossos antepassados tinham em conta apenas a forma geral da cabeça humana, sem perderem tempo nos detalhes ou semelhanças físicas. Este tipo de idealização é denominada por retrato simbólico. As mesmas imagens eram utilizadas para representar pessoas diferentes, apenas mudando a inscrição que estas continham. Noutras civilizações antigas de África, América do Norte, Mesoamérica e Melanésia, em que o retrato escultórico desempenhava sobretudo funções rituais, chegava mesmo a ganhar formas minimais e eram representados maioritariamente em terracota, madeira e pedra. A preocupação com a verosimilhança talvez tenha começado apenas na arte egípcia, na grega helenística e na romana, que analisaremos posteriormente.6 Para os rituais mágicos e cerimónias sagradas de muitas das civilizações antigas eram utilizadas máscaras como o principal instrumento para fazer a ligação entre dois mundos. Estas civilizações acreditavam que, através das mesmas, o seu portador poderia representar um espírito ou um deus e que, futuramente, esse poder divino seria encarnando no rosto. Muitas destas máscaras eram tiradas diretamente da face do

4 PELLEGRINO, Francesca - Portrait. In The Encyclopedia of Sculpture (Ed. Antonia Boström). New York: Fitzroy Dearborn, 2004, vol. 3, p. 1336. 5 PENNY, Nicholas - Bust. In The Dictionary of Art (Ed. Jane Turner). London: Macmillan Publishers Limited. New York: Grove’s Dictionaries Inc., 1996, vol. 5, pp. 297-304. 6 PELLEGRINO, Francesca - Portrait. In The Encyclopedia of Sculpture (Ed. Antonia Boström). New York: Fitzroy Dearborn, 2004, vol. 3, p. 1337.

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falecido, através de moldes em gesso. No Egipto em 1340 a.C., mais propriamente na cidade de Amarna, foram encontrados uma série de moldes egípcios em que se pensa que sejam provenientes desta prática.7

1.1.3. O LEGADO EGÍPCIO: NEFERTITI Também na cidade referida anteriormente, foi descoberto o retrato feminino mais célebre de toda a arte egípcia: o Busto da Rainha Nefertiti (1370-1330 a.C.) [Fig. 1]. Feita por volta de 1340 a. C., esta escultura policromada em calcário é um dos exemplos da arte amarniana. Este retrato mostra-nos o cânone da figura humana da época, no qual vemos uma mulher com um crânio protuberante que se estende para trás, o pescoço muito alongado e os olhos amendoados. Uma coroa azul, característica da época, encima a cabeça, dando-lhe um ar ainda mais elegante e poderoso. Ao contrário da idealização que seria expectável nesta altura, encontramos um retrato realista de uma das rainhas egípcias mais enigmáticas de todas dinastias.8

1.1.4. O RETRATO GREGO

Na escultura grega, as cabeças começaram a ser vistas como um membro separado do corpo através dos Hermas [Fig. 2], que eram postes ou pilares encimados por uma cabeça, geralmente barbuda, que representavam o deus Hermes, com um falo anexado à 7 PENNY, Nicholas - op. cit., p. 297. 8 Museu Egípcio de Berlim - Nefertiti [Em linha]. [Consult. 15 dezembro 2016] Disponível na WWW:<URL:http://www.egyptian-museum-berlin.com/c53.php>

Fig. 1 - Busto da Rainha Nefertiti, 1340 a.C., calcário.

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parte frontal do pilar. Inicialmente, simbolizavam fertilidade e, a partir do século V a.C., tornaram-se populares na cidade de Atenas.9 Segundo Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), o aparecimento da figura humana na arte grega, começou apenas com a cabeça, que era colocada sobre um pilar retangular, designada por herma, confirmando a ideia descrita anteriormente.10 A cabeça ocupava assim um lugar de destaque na arte grega. O retrato de homens ilustres, na escultura e na medalhística grega, começa a ganhar popularidade no período helenístico, contudo, era ainda uma prática limitada. Segundo Plínio, “It was not the costum to make images of men, except those who deserved immortality for some brilliant action, first and foremost victory in the sacred games, particularly the Olympic Games.”11 No entanto, com o passar do tempo, qualquer homem poderia fazer e dedicar um retrato se assim o entendesse, sem precisar de um decreto oficial. Uma das principais inovações que a escultura grega helenística implementa nos seus retratos é a semelhança. Até então, os artistas gregos quiseram reproduzir a forma exemplar e não a forma original e individual, procuravam a semelhança apenas entre homens e deuses.12 Obviamente que não existe forma de comprovarmos se o retrato estava realmente parecido com o seu modelo, todavia, é-nos percetível as diferenças fisionómicas entre eles ao compararmos retratos desta época, como o de Péricles e o de Sócrates. O primeiro apresenta-se com um rosto mais magro e com um ar sereno, ao passo que o segundo, mostra-nos as marcas da idade com a linha do cabelo bastante recuada, as bochechas salientes e com as sobrancelhas

9 PENNY, Nicholas - op. cit., p. 298. 10 WINCKELMANN, Johann Joachim - History of the Art of Antiquity. Los Angeles: Getty Publications, 2006, p. 112. 11 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - Sculpture: From the Antiquity to th Present Day. Köln: Taschen, 2015, p. 102. [tradução livre] “não havia o hábito de fazer imagens de homens, exceto daqueles que merecia a imortalidade por alguma ação brilhante, em primeiro lugar, a vitória nos jogos sagrados, particularmente nos Jogos Olímpicos.” 12 ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner - O nu na Antiguidade Clássica. Lisboa: Portugália editora, [196-], p. 12.

Fig. 2 - Herma, c.150-170, mármore.

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franzidas. Esta capacidade de conseguirem produzir semelhanças individuas marca o século IV a.C., e é muito potenciada pelos desenvolvimentos técnicos. Quando as primeiras esculturas individualizadas começaram a surgir, como a de Péricles [Fig. 3], feito por Crésilas (480-410 a.C.), anteriormente referida, era reforçada a ideia de que “[…] an admirable quality in sculpture is that it makes famous men more famous[…],”13 segundo Plínio. A prática de colocar a imagem de governantes nas moedas gregas também se tornou recorrente. Um dos primeiros a ser retratado foi o conquistador Alexandre O Grande (356-323 a.C.), que é conhecido por ter retratistas oficiais. Já o seu pai, Filipe II, optou por levar consigo para a vida eterna os familiares, incluindo o próprio Alexandre, ao adicionar ao seu túmulo pequenas miniaturas em marfim dos mesmos.14

O retrato oferecia agora ao retratado, para além da imortalidade, uma omnipresença devido ao facto de este poder ser reproduzido em números indefinidos, quer nas moedas, quer na escultura. Apesar de, no período helenístico, se dar os primeiros passos em busca da semelhança, ainda estavam muito longe da realidade, e muitos dos imperadores viam no retrato a hipótese de serem apresentados e vistos pelos outros da forma que desejavam (a maior parte das vezes, como deuses), deste modo, a idealização também esteve presente.15 Contudo, a mestria grega era notória e muitos dos retratistas acabaram mais tarde por trabalhar para os patronos Romanos.

13 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - op. cit., p. 104. [tradução livre] “[…] uma qualidade admirável na escultura é o que torna os homens famosos ainda mais famosos […].” 14 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - op. cit., p. 103. 15 Ibid., pp. 104-105.

Fig. 3 - Péricles, réplica romana do original grego, séc. II, mármore.

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1.1.5. O RETRATO ROMANO A produção de retratos, principalmente em mármore, na Roma Antiga atingiu proporções que até hoje nunca foram igualadas. Estas representações eram a forma mais célebre de comemorar, tanto homens como mulheres, dos diferentes estratos sociais. Os retratos escultóricos do imperador e da sua família, elaborados ao longo do Império Romano, são facilmente datados, devido ao facto de serem copiados como forma de propaganda, certificando desta maneira um panorama cronológico seguro da apropriada autorrepresentação e de tendências da moda. Os romanos tinham uma grande devoção pelos costumes e comportamentos dos seus antepassados.16 Esta atitude, designada por mos maiorum, fez com que as casas de elite se preenchessem com retratos dos seus antepassados, com legendas dos nomes, a idade, atividades e ocupações.17 As imagines maiorum, assim conhecidas entre os romanos, talvez tivessem sido feitas originalmente em cera, como eram elaborados os retratos nos séculos anteriores, pretendiam representar um determinado indivíduo e salientar as suas virtudes, de modo a proporcionar aos jovens o desejo de rivalizarem com os antepassados.18 A propaganda feita aos antepassados da família tinha um papel decisivo para o desenvolvimento da carreira dos jovens, pois era o seu nome de família e o reconhecimento que determinavam se estes poderiam ser eleitos para um cargo público inicial, no qual, posteriormente, as suas carreiras se poderiam desenvolver. O cursus honorum, caminho feito de cargos públicos, tornava os membros familiares orgulhosos dos feitos alcançados pelos antepassados, e levava-os à necessidade de divulgar os mesmos. A escultura do Barberini Togatus [Fig. 4], é um dos exemplos de família

16 LENAGHAN, Julia - Portrait: Acient Rome. In The Encyclopedia of Sculpture (Ed. Antonia Boström). New York: Fitzroy Dearborn, 2004, vol. 3, p. 1337. 17 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - op. cit., p. 167. 18 LENAGHAN, Julia - op. cit., p. 1337.

Fig. 4 - Barberini Togatus, séc. I, mármore.

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orgulhosa das gerações anteriores. Este objeto artístico, apresenta-nos um homem a segurar dois retratos, um de cada lado, que, provavelmente, seriam imagines maiorum da sua família. Para além de impulsionarem a carreira dos jovens, estas imagens também marcavam presença nas cerimónias fúnebres. Em Roma, os funerais, que numa fase inicial, abrangiam toda a elite e que, posteriormente, passaram a ser reservados apenas à família imperial, apresentavam um cortejo com imagens dos seus antepassados, no qual, com a chegada ao Fórum, eram feitos elogios aos retratos dos defuntos ilustres exibidos. Estes desempenhavam, novamente, uma função educativa.19 Erguer um retrato dum antecessor num local público era considerada a maior homenagem, pois tinha de ser reconhecido por uma organização pública. Os retratos, mais do que assegurarem o lugar dos familiares na comunidade e de estimularem os mesmos a serem melhores, ampliavam-no para toda a comunidade, com o intuito, não só de afirmá-la, como também de mostrar a sua posição no império. No século II, esta prática tornara-se quase obrigatória para qualquer indivíduo célebre e existia também um formato pré-estabelecido para o homenageado, que consistia num retrato da cabeça do mesmo, uma escultura do corpo e também uma base inscrita com a sua identificação e o título.20 O retrato imperial dominou vigorosamente toda a escultura romana. Muitos dos retratos escultóricos encontrados são facilmente identificáveis devido à eficaz propaganda dos imperadores, que não se contentaram apenas em produzir cópias tridimensionais à sua semelhança ao longo do império, como também deixaram as medalhas e os medalhões com o seu rosto gravado e legendado. É a partir destas moedas, que se conseguem identificar muitos dos retratos sem inscrições, devido às semelhanças entre eles, e também que nos apercebemos de que todos os membros da família imperial tinham, pelo menos, um protótipo oficial de retrato. Este modelo, chamado pelos estudiosos de “tipo oficial,” era produzido na esfera oficial e, posteriormente, difundido por todas as províncias pertencentes ao império, de modo a obter uma certa união e lealdade perante o mesmo conceito em terras distantes. Alguns imperadores possuíam mais do que um “tipo oficial.” Pensa-se que estes pudessem ter sido criados em ocasiões especiais como o matrimónio do imperador ou, para as mulheres, o nascimento dos filhos.21

19 Ibid. 20 Ibid., pp. 1337-1338. 21 Ibid., p. 1339.

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Dado o avultado número de escultores que trabalhavam para a família imperial e à variedade de materiais e dimensões dos retratos, obviamente que as cópias dos modelos não eram exatamente iguais. No entanto, havia sempre a preocupação de fazer muito parecida a linha do cabelo e os cachos que a ornamentavam. Muitas vezes era a partir deste enquadramento que se conseguia definir a sua cronologia.22 As representações dos imperadores romanos oscilam entre o realismo e o idealismo. Os retratos do período republicano, compreendido entre 509 a 27 a.C., tinham como principal característica o verismo do rosto humano. As imagens de imperadores ao longo desta época, seguem o modelo de forma fidedigna, sem terem medo nem constrangimentos ao exaltarem as marcas da idade cravadas no rosto. Para muitos romanos, estes sinais de idade avançada traduziam a experiência e a responsabilidade necessária para se poder governar.23 Algumas destas caracterizações eram mesmo consideradas como desagradáveis devido à quantidade de aspetos físicos negativos, como, por exemplo as rugas, que nelas eram colocados. Posteriormente, no século I a.C., o desejo de exteriorizar os sentimentos humanos começa a ser notório, e o melhor exemplo de combinação entre os aspetos da personalidade e as características físicas é o retrato de Júlio César (100-44 a.C.). Todavia, com a ascensão de Augusto (63 a.C. - 14 d.C.), marcada pelo início do período imperial (27 a.C. - 476 d.C.), retrocedemos para a idealização total do imperador. Agora era valorizada uma aparência jovem, serena, bastante influenciada pela escultura grega de Policleto. Esta era a tendência que reinava ao longo século I d.C. e acabou por se tornar no “tipo oficial” de retrato mais famoso. Contudo, a permanência de Augusto no poder também foi marcada pelos retratos femininos de propaganda oficial,

22 Ibid. 23 JANSON, H. W. - A Nova História da Arte de Janson: A Tradição Ocidental. 9.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 195.

Fig. 5 - Lívia, séc. I, mármore.

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nomeadamente o de sua esposa Lívia [Fig. 5], que surgiram em grande número, passando a ditar os penteados da época.24 Já Calígula (12-41) e Cláudio (10 a.C.- 54 d.C.), não ambicionaram tanto como os anteriores, optando por revelarem os defeitos de aparência e carácter. O período de Adriano (76 -138), é marcado pelo primeiro “tipo oficial” de um imperador com barba e pela inovação do talhe do globo ocular, escavando a pupila e delineando a íris, de modo a tornar o retrato mais realista.25 Anteriormente, na arte grega, os escultores tinham o hábito de pintar algumas partes das esculturas como a indumentária e os cabelos, mas sobretudo os olhos. Se observarmos com atenção, no olho humano, para além da forma esférica que é totalmente tridimensional, a pupila (que tem um ligeiro relevo, impercetível à primeira vista) e a íris são desenhadas sobre o globo ocular. Desta forma, os gregos ao deixarem a convexidade ocular intacta tiveram de optar pela sua pintura, facilitando, deste modo, a parte muitas vezes tida como a mais difícil de representar num retrato: os olhos.26 Todavia, na arte romana, os escultores optaram por deixar a cor natural do material utilizado, tendo, desta forma, de encontrar outras soluções para a elaboração dos olhos. Uma delas foi a referida acima na época de Adriano, contudo, já anteriormente no período grego helenístico haviam utilizado o método de delineamento a íris. É importante referir que o globo ocular intacto nunca deixou de ser usado. Esta solução formal, fortemente presente nos temas da iconografia cristã, acabou por ser utilizada para expressar ideias gerais, ou sentimentos assim como a compaixão, que exigem um olhar vago, sem estar definido.27 Com Septímio Severo (145-211) deparamo-nos com um confronto entre a quietude exterior e a tensão interior, sugerida através do seu olhar para cima, pensativo e

24 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - op. cit., pp. 169-170. 25 Ibid., p. 170. 26 WITTKOWER, Rudolf - Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 1989, pp. 192-193. 27 Ibid., p. 195.

Fig. 6 - Julia Domna, esposa de Septímio Severo, c. 200, mármore.

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de introspeção.28 Contudo, a esposa [Fig. 6] marcou a sua era, devido ao facto de ser representada com uma peruca, característica nunca antes vista. Tanto o cabelo como as perucas eram agora evidenciados através de um mármore com uma tonalidade diferente, geralmente mais escura.29 Outro imperador que também marcou a história do retrato pela irreverência, foi Constantino (272-337) cuja imagem magnânima expressa valores transcendentais.30 1.1.6. NA IDADE MÉDIA

A época medieval, situada entre o ano 476 e 1453, foi uma altura fortemente influenciada pelo aparecimento do Cristianismo. A Igreja dominava assim toda a arte e as temáticas abordadas estavam fortemente relacionadas com esta nova religião. O retrato estava praticamente reservado para retratar a morte. No entanto, apesar de todas as restrições, foram feitos avanços a nível formal por volta da segunda metade do século XIII: os gisants (jacentes) funerários que até agora eram apresentados como idealizações de jovens a experienciar a vida eterna, foram substituídos pela verosimilhança dos rostos pálidos já sem vida, o retrato da verdadeira morte. Muitas vezes eram tirados moldes ao rosto do falecido.31 Para além da personificação da morte ser um tema recorrente nos retratos da Idade Média, os relicários [Fig. 7] com representações da Virgem Maria, de Cristo e dos santos passaram a ocupar os nichos das igrejas, não só no fim desta época, como ainda no início do Renascimento. Os relicários eram retratos simbólicos, apesar de cada um ostentar um nome de um santo em particular, as características gerais são idênticas na

28 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - op. cit., p. 171. 29 LENAGHAN, Julia - op. cit., p. 1341. 30 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - op. cit., p. 171. 31 PELLEGRINO, Francesca - Portrait: Other than Acient Rome. In The Encyclopedia of Sculpture (Ed. Antonia Boström). New York: Fitzroy Dearborn, 2004, p. 1343.

Fig. 7 - Relicário de Santa Balbina, c. 1520-30, madeira pintada.

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maioria das representações. Estes objetos escultóricos geralmente assumiam a forma de busto, eram ocos no seu interior e, algumas das partes, como o topo da cabeça, poderiam servir de tampa, para guardarem relíquias no seu interior ou até mesmo partes do crânio do santo representado. Estas preciosidades escondidas no interior da escultura, geralmente, eram avistadas através de uma pedra de cristal colocada na zona do peito do representado. Na maioria das vezes, os relicários eram elaborados em madeira ou em cobre, contudo, nunca em pedra, devido às dificuldades de transporte que advêm deste material, e visto que muitas vezes, estas relíquias acompanhariam as procissões. Estes também eram pintados, sendo os tons dourados de eleição e decorados com peças de joalharia.32 1.1.7. RENASCER DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA

Ao contrário do que acontecia na Idade Média, no Renascimento, o Homem passa a ser considerado o centro de tudo, lugar anteriormente ocupado apenas por Deus. Como o próprio nome indica, faz-se renascer a Antiguidade Clássica e os seus valores, bem como o gosto pelo retrato e pelas moedas antigas. Para os retratos do Renascimento exigia-se que estes fossem uma representação verosímil da face humana, mas também um retrato “idealizado.” De acordo com Leon Baptista Alberti (1404-1472), no livro De Statua, um retrato deve dar ênfase àquilo que diferencia um indivíduo do outro; mas também sugere que seja feita uma avaliação dos seus detalhes de modo a que estes se inscrevam nas proporções médias que geralmente devem ser utilizadas em cada retrato. O artista, para além de caracterizar e individualizar, deve estabelecer relações harmoniosas. Visto que para a caracterização se pretendia definir e particularizar as características próprias de cada sujeito, implicava, por um lado, uma perspetiva “moderna” para as atitudes fisionómicas e psicológicas; e, por outro, inscrevia o homem na sua finitude.33 O retrato realista inaugural do Quattocento, segundo Pope Hennessy (1913-1994), foi o busto de Piero de’ Medici de Mino de Fiesole (1429-1484), esculpido em 1453. Este escultor destacava-se, sobretudo, pela capacidade retratística.34

32 PENNY, Nicholas - op. cit., p. 300. 33 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - op. cit., pp. 600-601. 34 Ibid., p. 602.

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Por volta de 1460, a moda do uso moldes de gesso, utilizada na Antiguidade Clássica, para fazer retratos de pessoas, estava para ficar. O busto de Giovanni Chellini (1372-1462), de Antonio Rossellino (1427-1479), diz-se ter sido feito através duma máscara em gesso tirada diretamente a partir do rosto do retratado, poucos anos antes da execução da escultura.35 Esta técnica, permite ao escultor criar uma imagem do retratado mais fidedigna, bem como, através da observação da máscara, objeto tridimensional e estático, compreender a volumetria das formas com um modelo palpável e uma superfície aproximada à matéria final. Os retratos femininos renascentistas tinham sempre como principal objetivo comemorar a beleza da mulher, o que muitas vezes levou à idealização da figura feminina retratada. No Busto de Senhora [Fig. 8], do escultor Francesco Laurana (1430-1502), deparamo-nos com a representação duma mulher com uma expressão muito serena, quase etérea. Admite-se que o referente fosse Eleonora de Aragão, contudo a simplicidade e o facto de estar despida de adornos, excetuando no apanhado, fazem-nos duvidar de que se trate efetivamente de alguém pertencente à nobreza. É de salientar a tendência para a geometrização, que é notória na forma como o artista insere volume no cabelo, e nas linhas geométricas que se afastam obliquamente do pescoço, formando quase um triângulo já zona do peito. Andrea del Verrochio (1435-1488) com o busto Senhora com um ramo de violetas, introduz uma nova visão dos retratos femininos através do detalhe, não só das vestes da modelo, como das mãos. A face da retratada, subtilmente esculpida, mostra-nos a imagem real e ideal da mulher para o mesmo, e em contraste com a suavidade do rosto, encontramos as roupas texturadas pelas pregas e pela acentuação das suas mãos.36

35 Ibid. 36 Ibid., pp. 602-603.

Fig. 8 - Francesco Laurana, Busto de Senhora, c. 1490, mármore.

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1.1.8. PERÍODO BARROCO Mais tarde, no Barroco, encontramos grandes inovações para o retrato, proporcionadas por Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), o escultor mais célebre deste período. Os bustos criados por este artista, como o de Scipicione Borghese e de Costanza Bonarelli [Fig. 9], estão de acordo com as exigências barrocas, desde a teatralidade das formas ao apelo dos sentidos por parte do espectador. Para além de, a nível formal, serem bastante realistas, tanto o cardeal romano como a amante do escultor, dão-nos a sensação de terem sido retratados no ato de comunicar.37 Os lábios encontram-se separados um do outro, prontos para dialogar, pressupondo a existência de mais alguém que ali estivesse para os escutar, levando-nos para uma situação de palco. 38 Com o busto de Louis XIV, Bernini desafia a inércia da matéria ao colocar tanto movimento nas vestes do majestoso Rei-Sol, e deixa uma diferente sugestão de corte do busto, menos abrupta do que as que conhecemos até então.

37 Ibid., p. 768. 38 Ibid.

Fig. 10 - Alessandro Algardi, Donna Olímpia Maidalchini Pamphili, 1646-47, mármore. Fig. 9 - Bernini, Costanza Bonarelli, c.1635, mármore.

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Para além dos drapeados esvoaçantes do rei francês, a rotação da cabeça para o lado, contra o vento, corrobora o movimento que o escultor quer incorporar.39 Para a elaboração do retrato do rei, Bernini começou por fazer esboços de D. Luís XIV (1638-1715) enquanto este desempenhava as suas funções na corte mas também as suas ocupações favoritas pois, segundo o escultor, o verdadeiro carácter do ser humano só é revelado quando este se distrai nas suas tarefas habituais, evitando, desta forma, as poses artificiais e premeditadas.40 Para além das inovações referidas anteriormente, Bernini mostra-nos a sua habilidade para esculpir pedra, que é notória nas rendas que este coloca na indumentária do inglês Thomas Baker. Alessandro Algardi (1595-1654), contemporâneo de Bernini, no busto de Donna Olímpia Maidalchini Pamphili [Fig. 10], releva-nos a sua aptidão para os drapeados, mas também para esculpir em superfícies bastante finas.41

1.1.9. NO SÉCULO DAS LUZES

Até ao século XVIII, a maioria dos retratos, realizados para serem exibidos em locais públicos, tinham uma componente bastante formal, no sentido em que a pose bem como o penteado e as vestes dos modelos eram escolhidas ao pormenor, de forma a personificarem o modo como o retratado gostaria de se apresentar (ou ser visto). No entanto, o romper deste novo século trouxe consigo novas abordagens deste tipo de escultura. O retrato ganhou uma conotação intimista. Passaram a ser feitos, não com a intenção de serem mostrados a todo o mundo, mas como testemunhos de amizades confidenciais, vistos por poucas pessoas. O astrónomo Alexandre Guy Pingré, representado em busto por Jean-Jacques Caffieri 39 Ibid., p. 770. 40 WITTKOWER, Rudolf - op. cit., p. 201. 41 DUBY, Georges ; DAVAL, Jean-Luc - op. cit., p. 769.

Fig. 11 - Jean-Baptiste Pigalle, Negro Paulo, 1760, terracota.

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(1725-1792) ilustra o novo tipo de retrato criado nesta época. Outro retrato que também espelha esta atitude intimista é o Negro Paulo [Fig. 11], de Jean-Baptiste Pigalle (1714-1785). Paulo, trabalhava na casa de um grande amigo de Pigalle, Desfriches, que o escultor visitava com regularidade. Após estas informações, e pelo facto de ter sido modelado em barro, matéria mais plástica que a pedra, permitindo fazer uma escultura sem estudo prévio num menor espaço de tempo, podemos admitir que este busto tenha sido realizado numa das visitas de Pigalle ao amigo Desfriches, pela vivacidade e naturalidade como Paulo foi representado.42 Também neste século surge um novo movimento artístico, o Neoclassicismo. Caracterizava-se pela idealização dos modelos representados, transformando-os em figuras mitológicas. Antonio Canova (1757-1822), um dos escultores mais conhecidos dessa época, foi o retratista escolhido para representar Napoleão Bonaparte (1769-1821) e a sua família. Apesar de, na generalidade, fazer retratos de corpo inteiro, no Busto de Napoleão, apenas a sua cabeça é o suficiente para compreendermos que foi inspirado pela idealização dos bustos dos imperadores da Antiga Roma.

1.1.10. NA GERAÇÃO OITOCENTISTA

Posteriormente, já no século XIX, durante o Romantismo, David d’Angers (1788-1856), talvez o escultor com a maior produção de retratos da época, focava a sua atenção no carácter moral dos modelos. Características como a testa larga e um olhar intenso podem ser encontradas nos bustos de Victor Hugo, Chateaubriand, Lamartine e Goethe.43 Honoré Daumier (1808-1879) ficou conhecido pelas suas caricaturas, como a de Charles Philipon [Fig. 12] e Guizot, que contrastam na totalidade com os retratos feitos ao longo do período neoclássico. Pensa-se mesmo que a moda das caricaturas foi iniciada com os objetos artísticos de Daumier.44 Também Jean-Léon Gérôme (1824-1904), utilizou a cera colorida para pintar o mármore, criando efeitos diferentes daqueles vistos até então. O busto de Sarah Bernhardt [Fig. 13], é o seu melhor exemplo de escultura com cor. 45

42 Ibid., p. 831. 43 Ibid., p. 880. 44 Ibid., p. 883. 45 Ibid., p. 926.

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No fim do século XIX, Auguste Rodin (1849-1917) introduz novos conceitos para a escultura: o de fragmento e o de objeto artístico inacabado por opção do escultor. Em La Pensée [Fig. 14], Rodin apresenta-nos uma cabeça feminina, neste caso de Camille Claudel, sua aprendiz e amante, sobre um bloco de mármore. A figura parece-nos atenta, presa ao bloco, como se fizesse parte dele, e fosse a consciência do mesmo. A Máscara 1880, do mesmo escultor, mostra-nos o rosto da sua esposa, feito a partir de moldes em gesso. Rodin decide deixar as marcas das uniões entre os moldes negativos, assumindo assim esta técnica, em que as partes juntas criam um todo.46 Camille Claudel (1864-1943), referida anteriormente, no busto que realizou do seu mestre, Rodin, mais do que uma escultura verista, expressa as emoções da mesma em relação ao referente. A forma como esta modela a barba, demonstra um pouco a “modernidade” que se avizinhava.47 Sobre o talento da escultora, Auguste Rodin declarou: “Mostrei-lhe onde poderia encontrar o ouro, mas o ouro que encontrou pertence-lhe por direito próprio.”48

46 Ibid. 47 Ibid. 48 RODIN, Auguste apud FIGUEIREDO, Maria Rosa - “Apenas uma vez vi Rodin.” In Encontro de Escultura. Porto: Faculdade de Belas-Artes do Porto, D.L., 2005, p. 33.

Fig. 12 - Honoré Daumier, Charles Philipon,1832, terracota pintada a cru. Fig. 13 - Jean-Léon Gérôme, Sarah Bernhardt, 1895, mármore pintado.

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Posteriormente, Constantin Brancusi (1876-1957), rejeita todos os processos de escultura que estavam agora em voga, iniciados por Rodin, na tentativa de criar a sua própria identidade no mundo da arte. Em 1910, com a escultura A musa adormecida [Fig. 15], para além de eliminar tanto o pescoço como os ombros, os traços humanos confundem-se com a superfície esférica homogénea, quase desaparecendo. Aqui, eram agora dados os primeiros passos para a modernidade. 49 A cabeça humana passa a ser, muitas vezes, explorada apenas como referente e não como a representação das características físicas e psicológicas de alguém.

1.1.11. NA ÉPOCA MODERNA

O Modernismo apoderara-se de toda a arte, transfigurando-a. Os valores clássicos da escultura, foram completamente rejeitados. Agora as características plásticas do material impõem-se a qualquer simbolismo, e são testados os limites do espaço. O retrato acaba também, desta forma, por sofrer muitas alterações. Henri Matisse (1868-1954), entre 1910 e 1913, trabalhou exaustivamente a temática da cabeça de Jeannette, fazendo primeiramente uma abordagem mais naturalista ao modelo, e começando, numa fase posterior, a sintetizar a forma, chegando a resultados

49 TUCKER, William - A linguagem da escultura. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1999, p. 47.

Fig. 14 - Auguste Rodin, La Pensée, c. 1888-89, mármore. Fig. 15 - Constantin Brancusi, Musa Adormecida, 1910, bronze.

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bastante geométricos, dando-nos apenas “a estrutura estereotipada da forma convencionalizada do busto.”50 No Busto de Anette IV [Fig. 16] de Alberto Giacometti (1901-1966), mostra-nos uma caracterização expressionista que quase perdeu as suas semelhanças com a forma humana. Tanto Giacometti como Matisse, visto anteriormente, partem duma representação figurativa, orgânica, para a abstração. Também nos retratos de Pablo Picasso (1881-1973), é possível observar-se essa passagem da organicidade à geometrização. Entre 1905 e 1910, o artista utiliza uma das suas amantes, Fernande Olivier, como referente. A Cabeça de Mulher (1909-10) [Fig. 17], uma das suas explorações em torno do rosto da amada, mostra-nos que Picasso olhou para o referente de modo unicamente formal, deixando apenas visíveis as principais linhas do rosto.51 A Cabeça de Mulher (1925) [Fig. 18] elaborada pelo construtivista Antoine Pevsner (1884-1962), feita em madeira e plástico, é elucidativa, não só da desnaturalização dos materiais, como também da simplificação da forma, desta vez a cabeça humana é reduzida à sua estrutura.52

50 TEIXEIRA, José - Antropomorfismo e abstracção do rosto na escultura do Séc. XX. In - As artes visuais e as outras artes. Lisboa, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2008, p. 139. 51 Ibid., p.142. 52 Ibid., p.146.

Fig. 16 - Alberto Giacometti, Busto de Anette IV, 1962-65, bronze. Fig. 18 - Antoine Pevsner, Cabeça de Mulher, 1925, madeira e plástico. Fig. 17 - Pablo Picasso, Cabeça de Mulher (Fernande), 1909, bronze.

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1.2. O RETRATO EM PORTUGAL

1.2.1. NA ANTIGUIDADE Os primeiros retratos feitos em Portugal vão de encontro à colonização romana em território luso. Nesta época, existiam dois tipos de cabeças-retrato: as imperiais, destinadas à representação de imperadores romanos, e as privadas, que permitiam a caracterização de qualquer comum mortal.53 Os retratos dos governantes seguiam o “tipo oficial” determinado pelo próprio, assim como acontecia em Roma. A primeira feição romana talhada na pedra, em terras peninsulares, foi a de Augusto, onde este se apresenta de forma idealizada, tal como gostava de aparecer. Os retratos dos outros imperadores como Cláudio, Vespasiano ou Adriano, assim como os de Augusto, respeitam o “tipo oficial” definido pelos mesmos, como já foi visto anteriormente. A honra de ter um retrato seu esculpido não se destinava exclusivamente ao imperador. Outros membros pertencentes à família imperial também eram representados, nomeadamente as esposas. Retratos de Lívia, mulher de Augusto, também foram descobertos em Coimbra, pertencentes ao período de Tibério, filho apenas de Lívia, fruto dum casamento anterior. Também o retrato de Agripina Maior (14 a.C.-33 d.C.), filha de Agripa (63-12 a.C.) e neta de Augusto, e da sua filha Agripina Menor (16 - 59), são encontrados em Portugal.54 O exemplar mais antigo, correspondente ao conjunto de retratos privados, pertence a um homem, descoberto em Beja, e está representado segundo o realismo republicano. Contudo, o sexo feminino também era caracterizado. Uma mulher de Alcácer do Sal, também desta época, é imortalizada através da escultura. 55

53 PEREIRA, Fernando António Baptista - Retrato. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 500. 54 Ibid., p. 501. 55 Ibid.

Fig. 19 - Imperatriz Agripina Maior, séc. I, mármore de Estremoz.

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1.2.2. NA ÉPOCA MEDIEVAL

Posteriormente, já na Alta Idade Média, o retrato desaparece por completo, inclusivamente durante o século XIII. Todavia, nos anos que se seguiram, esta prática acaba, não só por ser reemergida, como também desenvolvida. Esta evolução é notória ao nível da escultura tumulária. No século XV, começou a existir a preocupação de introduzir traços individuais nos defuntos, não só a nível fisionómico, como também através da indumentária e da pose, deixando para trás o exagerado idealismo gótico utilizado em meados do século anterior. Nicolau Chanterene (1470-1551), tornou-se um célebre retratista tumular em Portugal, ao trazer consigo a prática italiana de grande qualidade naturalista.56 O seu primeiro trabalho em solo português devidamente documentado é referente ao ano de 1517, aquando da elaboração da estatuária para o portal axial da igreja do Mosteiro dos Jerónimos. Neste portal, destacam-se os retratos de D. Manuel e D. Maria, respetivamente, devido às características naturalistas, pouco comuns para a época.57

1.2.3. FRANCISO DE HOLANDA E O RENASCIMENTO Francisco de Holanda (1517-1585), dedicou um dos seus tratados à arte do retrato. No livro Do Tirar Polo Natural, logo no primeiro capítulo, o autor faz referência às imagines maiorum romanas: “E assim o costumavam os famosos homens passados, como ainda se conhece nas ilustres imagens naturais das esculturas de Roma, que somente aos que muita honra e memória mereciam por ser claros feitos e proezas, assim em as armas como em a paz, a estes tiravam eles em quadros de ilustre pintura, e em figuras de prata e de ouro, ou de metal, ou mármore, por honra e lembrança deles, como a dignos merecedores de serem conhecidos no mundo, assim no seu tempo, como dos vindoiros.”58

56 FRANÇA, José-Augusto - O Retrato na Arte Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 1981, p. 26. 57 PEREIRA, Fernando António Baptista - Chanterene, Nicolau. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, pp. 141-142. 58 HOLANDA, Francisco de - Do Tirar Polo Natural. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, p. 15.

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Mais tarde, no terceiro capítulo da mesma obra, admite a escultura como umas das formas mais nobres de se tirar do natural: “Tira-se ao natural em desenho nestas maneiras: de iluminação, de pintura de óleo, de pintura de fresco, de têmpera, e de escultura em mármore ou pedra, e em relevo de prata, ou de metal e bronze, ou em fundo e doutras maneiras em que tiraram os famosos homens antigos e alguns modernos: e estas são as mais nobres das que eu saiba.”59

1.2.4. NO BARROCO Contudo, o retrato português que melhor ilustra o Barroco é o busto de D. João V [Fig. 20], de Alessandro Giusti (1715-1799). Trata-se de uma figura de meio corpo, esculpida em mármore, onde apenas a adiposidade nos informa da idade avançada que este já teria quando foi representado. A figura régia, expressa poder e apresenta-se com uma cabeleira encaracolada, encimada por uma coroa de louros. Relativamente à indumentária, veste uma armadura, que fica parcialmente coberta por um manto, e segura um bastão de comando militar.60 Em Setecentos, o retrato tornava-se agora público. Machado de Castro (1731-1822), conhecido pela estátua equestre erigida a D. José I (1714-1777), mostra-nos, no livro, Descripção Analytica da Execução da Real Estátua Equestre do Senhor Rei Fidelissimo D. José I, na parte dedicada à modelação do retrato da figura real, a dificuldade de agradar ao representado. Segundo o mesmo: “No Rosto quiz fazer hum retrato parecido quanto eu pudesse; e tendo Sua Magestade benignidade para conceder-me a honra de que na sua Imagem (pois que em outras occasiões me havia já conferido a Graça de admitir-me a modelar na sua Real presença) não se me consentio intentar isto; e o unico recurso, que tive, foi valer-me do meio perfil expressado na moeda, e da estampa de Carpinetti, com alguma vista casual. Em qualquer retrato, para se mostrar bem parecido, (como os Professores não tem poder de os animar) he muito da essencia não esconder nada do rosto, nem mudar-lhe o 59 Ibid., p. 21. 60 FRANÇA, José-Augusto - O Retrato na Arte Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 1981, p. 39.

Fig. 20 - Alessandro Giusti, D. João V, 1748-53, mármore de Carrara.

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penteado, que a pessoa retratada costuma usar: tambem estes socorros me faltárão, por ser o penteado diverso; e peior que tudo, cubrio o capacete huma grande porção da frente, a qual no retrato do Senhor Rei D. José I. faz huma muito principal parte da semelhança.”61 Nesta escultura, também avistamos o retrato de Marquês de Pombal, apesar de não ser de vulto, mostra-nos a aptidão do escultor para a elaboração de retratos. Este também é responsável pela imagem esculpida de D. Maria I, que está na Biblioteca Nacional. 62 José João de Aguiar (1769-1841), escultor neoclássico português, discípulo de Canova, mostra-nos as influências do seu mestre neoclássico, na representação de D. Maria I, encomenda feita quando este tinha apenas 25 anos, a qual se mostra como a deusa Minerva, e no retrato de D. João VI, em que este é retratado à semelhança de um imperador romano. Como vimos anteriormente, Antonio Canova, havia feito exatamente o mesmo ao representar Napoleão Bonaparte como uma figura imperial romana.63

1.2.5. EM OITOCENTOS O século XIX é marcado pela institucionalização do ensino artístico de forma permanente, em 1836, com a criação das Academias de Belas-Artes de Lisboa e do Porto. Será nestas instituições que darão aulas os principais escultores deste período e onde se vão formar os artistas que posteriormente escreverão a história da escultura portuguesa.64 O primeiro docente responsável pela cadeira de escultura foi Francisco de Assis Rodrigues (1801-1877), muito influenciado intelectualmente pelo mestre Machado de Castro. Desta forma, Assis Rodrigues será o responsável pela vertente mais clássica que se manterá pela escultura oitocentista, contudo, esta acabará mais tarde por ter de lidar com os ideais românticos, com uma natureza mais literária do que escultórica. A obra de Francisco de Assis Rodrigues define claramente a escultura romântica portuguesa: formalmente, assente nos princípios clássicos, porém, com uma iconografia de exaltação

61 CASTRO, Machado de - Descripção Analytica da Execução da Real Estátua Equestre do Senhor Rei Fidelissimo D. José I. Edição Comemorativa do Segundo Centenário. Lisboa: Academia Nacional de Belas Artes, 1975, p. 69. 62 FRANÇA, José-Augusto - O Retrato na Arte Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 1981, p. 45. 63 PEREIRA, Fernando António Baptista - Retrato. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 503. 64 PEREIRA, José Fernandes - Escultura Romântica e Naturalista. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 251.

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patriótica, uma das principais temáticas do Romantismo.65 Por outras palavras, a forma mantinha-se igualmente clássica, apenas mudava o seu conteúdo. Maria Luísa de Sousa Holstein (1841-1909), comummente conhecida como a terceira Duquesa de Palmela, discípula do francês Célestin Anatole Calmels (1822-1906), inserida ainda no movimento romântico português, ganha protagonismo no campo da escultura muito devido ao facto de ser uma das primeiras mulheres portuguesas, que se saiba, a dedicar-se a esta área das artes. Um dos seus mais célebres retratos é a Negra (1885) que, tal como foi intitulada, recorre a uma temática bastante desenvolvida por escultores franceses, a representação de negros. Esta prática, porém, não é novidade para Portugal, António Soares dos Reis (1847-1889), seu contemporâneo, também havia feito uma cabeça de negro. O Naturalismo português é, muitas vezes, confundido com o Realismo. Primeiramente, em termos cronológicos, o Naturalismo é posterior ao Realismo e a sua verdadeira definição prende-se mais com questões científicas e de aspetos narrativos profundos de âmbito social. Já o Realismo apenas “fotografa” a realidade que o rodeia, mantendo um certo e prudente afastamento.66 Desta forma, aquilo que até agora denominávamos por Naturalismo, talvez esteja mais próximo do Realismo após a análise ao seu significado. Contudo, trataremos assim por naturalistas as esculturas elaboradas pelos escultores neste período, pois, apesar da sua significação estar relacionada com o realismo levado ao extremo, naturais seriam as suas características na escultura, o mais natural e verosímil possível, sem, no entanto, as tornar inestéticas. O movimento português naturalista é marcado pelo escultor Soares dos Reis. Este escultor portuense, além da grande aptidão em trabalhar a pedra, transporta para os bustos a “psicologia do retratado e a profunda tradução do espírito duma época,” 67 como

65 Ibid. 66 MASSAUD, Moisés - Naturalismo. In Dicionário de Literatura (Dir. Jacinto do Prado Coelho). 3.ª ed. Porto: Figueirinhas, 1984, vol. 3, p. 701. 67 PEREIRA, Fernando António Baptista - Retrato. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 503.

Fig. 21 - José Joaquim Teixeira Lopes, Máscara mortuária de Soares dos Reis, 1889, gesso.

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podemos observar no retrato da Viscondessa de Moser (1883) e no Busto da Inglesa (1887), a penúltima obra de Soares dos Reis. José Joaquim Teixeira Lopes (1837-1918), imortaliza o autor do Desterrado, fazendo a sua Máscara mortuária (1889) [Fig. 21], tirada diretamente em gesso a partir do real. O seu filho, também escultor, António Teixeira Lopes (1866-1942), discípulo de Soares dos Reis, decide enveredar para a escultura através da contemplação do busto Flor Agreste (1881), do seu mestre, mantendo-se sempre fiel ao Naturalismo, como são reflexo os retratos das atrizes Rosa Damasceno, Virgínia Dias da Silva (1917) e também a encomenda de Madame X. Tanto a Mulher, como as Crianças, eram o seu refente de eleição.

Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) é conhecido pelas suas cerâmicas. Entre muitas das suas criações em terracota dá vida à personagem Zé Povinho criada em 1875 no jornal periódico A Lanterna Mágica, uma alegoria ao povo português, que se tornara icónica até aos dias de hoje. Acerca do Zé-Povinho, José-Augusto França descreve o mesmo como: “[…] ignorante, servil, bonacheirão, com sua albarda e seu riso soez. Era a imagem da arraia-miúda portuguesa, síntese de saloio, de ribatejano e de minhoto, assim enjorcada de jaqueta, faixa à cinta e chapeirão, com uma barba de passa-moinho à moda dos princípios do século.”68 À figura do Zé-Povinho, juntou-se “Maria da Paciência” [Fig. 22], a versão feminina do anterior, que retrata a mulher portuguesa doméstica. Com estas alegorias, torna-se o maior caricaturista português do século XIX. Ramalho Ortigão (1836-1915), em 82, falara sobre as capacidades retratísticas de Bordalo Pinheiro: “Ninguém como ele possui a arte do retrato […] Parece que é da íntima,

68 FRANÇA, José-Augusto - A Arte em Portugal no Século XIX. Lisboa: Livraria Bertrand,1966, vol. II, p. 248.

Fig. 22 - Rafael Bordalo Pinheiro, Maria da Paciência, 1900, faiança.

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da profunda expressão moral da pessoa que ele repentinamente se apodera e que reduz ao sinal gráfico.”69

1.2.6. NO SÉCULO XX Posteriormente, já no século XX, a escultura portuguesa prossegue com as mesmas práticas artísticas desenvolvidas no centenário anterior, nomeadamente o naturalismo.70 Contudo, Francisco Franco (1885-1955), assim como o seu grande amigo Diogo de Macedo (1889-1959), tiveram a oportunidade de conhecer a escultura francesa, ficando rendidos ao talento de Rodin. É esta admiração rodiniana que irá criar uma nova geração de escultores, assim como um diferente modo de fazer e sentir a escultura. Esta inovação poderá ser observada nos objetos artísticos de menor dimensão, mais intimistas, como os retratos.71 Com a implantação da República, em 1910, a Câmara Municipal de Lisboa lança, no ano seguinte, um concurso propondo aos artistas que elaborassem o Busto da República Portuguesa, com a finalidade de, posteriormente, se realizarem réplicas do mesmo para serem colocadas em todas as câmaras municipais existentes no país. Francisco dos Santos (1878-1930), juntamento com Tomás da Costa (1861-1932) e Simões de Almeida (sobrinho) (1880-1950), participam neste concurso, acabando, o primeiro, por vencer. O Busto da República (1911), [Fig. 23] de Francisco dos Santos, faz a alegoria da República Portuguesa através duma mulher com características físicas que pouco tinham a ver com as da mulher portuguesa. Apesar de o vencedor ter sido Francisco dos Santos, a escultura da República modelada pelo seu colega nas Belas-Artes, José Simões de Almeida (sobrinho), que havia sido encomendada ao escultor em 1908 pela vereação republicana de Lisboa, representava claramente uma

69 Ibid., p. 247. 70 PEREIRA, José Fernandes - Escultura Contemporânea. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira) - Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 258. 71 Ibid.

Fig. 23 - Francisco dos Santos, Busto da República, 1921 bronze.

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mulher latina, e acaba por ser adotada como imagem de propaganda.72 Os primeiros passos da modernidade podem ser contemplados através do Busto de Polaca (1921), do escultor Francisco Franco, que espelha o aparecimento de um irreverente período artístico que transfigurara a escultura para sempre, o Modernismo. Os retratos de Salvador Barata Feyo (1899-1990) caracterizam-se por uma simplificação das formas. Através do tratamento da superfície, este confere um carácter monumental aos retratos que faz. A busto da pintora Menez (1946), ilustra aquilo que foi dito anteriormente e, no fundo, traduz a sua arte. Martins Correia (1910-1999) aplica a cor nos retratos. Dedica-se à representação de figuras do panorama cultural português, como as poetisas Sophia de Mello Breyner e Natália Correia (afilhada do escultor), mas também transpõe para a escultura a sua vida pessoal através de Maria Elsa Martins Correia, busto em que representa a filha. António Duarte (1912-1998) foi talvez o escultor português com a maior produção de retratos, que se estende por mais de uma centena. Este foi considerado por José Fernandes Pereira “[…] talvez o melhor retratista em escultura de meados do século […]”.73 Entre muitos dos seus retratos, sobressaem o da Poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen (1959), da Pintora Lena Perestrello (1976), da Fernanda Lino António (1959) e da Pintora Estrela Faria (1950). Joaquim Correia (1920-2013) foi um prestigiado retratista português em que afirmava que ao retratar “eu sinto que o retrato é uma maneira de me retratar no próprio retrato.”74 Este escultor defendia que, antes mesmo de o modelo se sentar à sua frente para ser retratado, se deveria fazer um estudo prévio de forma a captar os traços distintivos, não só físicos, mas também da personalidade do retratado, através da observação das expressões faciais. Este dizia que enquanto falava com o modelo, já estava a pensar no retrato.75 O Retrato Minha Avó, a atriz Maria Lalande e Eunice Muñoz, são

72 DUARTE, Eduardo - A Escultura na Primeira República. In A República das Artes (Concepç. e Coord. Rui Vieira Nery). Lisboa: Tugaland, 2010, p. 16. 73 PEREIRA, Fernando António Baptista - Retrato. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 505. 74 CORREIA, Joaquim apud CARVALHO, Maria Fernanda - Reflexão sobre a teoria do retrato na obra de Joaquim Correia. Arte Teoria. N.º 6 (2005), p. 217. 75 Ibid., p. 218.

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o resultado desta observação constante, que fazem dele um dos retratistas com maior produção em Portugal. João Cutileiro (1937) destaca-se pelo trabalho em talhe direto e pela agregação de mármores de diferentes tonalidades num só retrato. Os seus bustos, impressivos, colocando o mimetismo de lado, exaltam as características particulares de cada retratado sem obedecerem à regra das proporções e simetria. Apesar de, em termos formais, se tratarem muitas vezes de cabeças estereotipadas e assexuadas, através dos adereços, cabelos, indumentária ou postura, conseguimos descobrir de quem se trata. Os retratos das poetisas Florbela Espanca e Natália Correia, materializam tudo aquilo que acima referimos.

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CAPÍTULO II PERCURSO ESCULTÓRICO

2.1. FLOR AGRESTE

O nosso percurso escultórico será iniciado pela Flor Agreste [Fig. 24], a única criança deste conjunto. Este busto em mármore de Carrara, datado de 1881, foi elaborado pelo escultor António Soares dos Reis, e encontra-se atualmente no museu com o mesmo nome do seu autor, situado no Porto. Em 1847, na freguesia de São Cristóvão de Mafamude, pertencente a Vila Nova de Gaia, nasceu António Soares dos Reis. Foi na tenda do pai, Manuel Soares dos Reis, conhecido como Manuel Caniço, que deu os primeiros passos em escultura, através dos santos que ia modelando. A ideia de vir a tornar-se artista, não agradou o seu pai, contudo, Diogo José de Macedo, avô do escultor Diogo de Macedo, e o pintor Francisco Resende (1825-1893), conseguiram convencer o progenitor a deixar o filho seguir a sua vocação: a escultura.76 Matriculou-se na Academia de Belas-Artes do Porto, em 1861, tendo como professor da cadeira de Escultura, Manuel da Fonseca Pinto (1802-1882). No ano de 1867, terminou o curso superior com sucesso.77 No mesmo ano, concorreu a um pensionato em Paris, através do busto de um colega, Firmino, e da escultura Mercúrio

76 PEREIRA, José Fernandes - Reis, António Soares dos. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 476. 77 REIS, Soares dos apud VASCONCELOS, Joaquim de - Autobiographia [de Soares dos Reis]. In Aos Amigos de Soares dos Reis. [Porto: s.n., 1905?], p. 5.

Fig. 24 - Soares dos Reis, Flor Agreste, 1881, mármore.

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adormecendo Argos ao som da flauta. A candidatura foi aprovada por unanimidade e partiu nesse mesmo ano para França.78 Em Paris, teve a oportunidade de ter como mestre o escultor François Jouffroy (1806-1882), recebeu lições de estética de Hippolyte Taine (1828-1893) e frequentou as aulas de desenho de Frédéric Adolphe Yvon (1817-1893). Mais tarde, foi-lhe concedida a entrada nas Beaux-Arts, com a escultura Negro.79 Em 1870, devido à Guerra Franco-Prussiana, a sua estada por Paris tornou-se mais curta do que era esperado. Contudo, uma nova cidade acabou por ser visitada pelo escultor no ano seguinte: Roma.80 Em Itália, o escultor pôde não só conhecer Roma, como também Florença, Nápoles, Pompeia e Sorrento. Aqui, Soares dos Reis vislumbrou o legado da escultura italiana, nomeadamente da Antiguidade Clássica. Apesar de, em muitas das biografias mencionarem que em Itália frequentou o atelier de Giulio Monteverde (1837-1917), na sua autobiografia, o escultor esclareceu: “Conquanto me fosse indicado o distincto estatuario Jiulio Monteverde para meu professor, nunca trabalhei sob a direcção d’elle.”81 Instalou-se, ainda neste país, em Santo António dos Portugueses, local que potenciou a proximidade com outro escultor, Simões de Almeida (tio), com o qual construiu uma grande amizade. A permanência em Itália marcou para sempre o percurso escultórico de Soares dos Reis, pois, foi lá que este iniciou a escultura que o tornara imortal: O Desterrado.82 Devido aos problemas surgidos ao longo do pensionato em Roma, o escultor acabou por enviar a sua obra inacabada para Portugal. O retrato foi uma tipologia bastante explorada pelo escultor, nomeadamente nos seus últimos anos de vida. Nos bustos, revela uma vertente mais naturalista, por vezes

78 PEREIRA, José Fernandes - Reis, António Soares dos. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 476. 79 Ibid. 80 MACEDO, Diogo de - [Introdução]. In Soares dos Reis: o seu centenário. Lisboa: Museu Nacional de Arte Contemporânea, 1947, p. 4. 81 REIS, Soares dos apud VASCONCELOS, Joaquim de - Autobiographia [de Soares dos Reis]. In Aos Amigos de Soares dos Reis. [Porto: s.n., 1905?], p. 5. 82 O Desterrado é completamente rejeitado pelos portugueses. Chegaram mesmo a acusar Soares dos Reis de plágio devido à semelhança com as esculturas clássicas. Felizmente, esta escultura terá tido uma maior aceitação noutros países, valendo alguns prémios e uma condecoração ao escultor. PEREIRA, José Fernandes - Reis, António Soares dos. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 477.

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levada ao extremo. Em 1878, executou em gesso o retrato Flor Agreste, que representa uma pequena carvoeira.83 Já anteriormente, havia realizado esculturas dentro desta tipologia, como a Cabeça de Negro, temática vulgar em França, contudo, uma inovação para Portugal. Mais tarde, no ano de 1883, elaborou também o busto da Viscondessa de Moser, caracterizado pelo verismo. Dois anos depois, decidiu homenagear a atriz Emília das Neves, que conheceu numa das apressadas viagens a Lisboa.84 Todavia, o último retrato feminino, e também o que mais controvérsia gerou, foi o Busto da Inglesa, em que este representou Elisa Leech, de forma demasiado verista, ao ponto de desagradar à retratada. Foi um dos fundadores do Centro Artístico Portuense, iniciado em 1880, que muito contribuiu para o desenvolvimento e difusão das artes plásticas no nosso país.85 No dia 16 de fevereiro 1889, suicidou-se em casa por volta das oito da manhã, com dois tiros de revólver. Sobre a sua campa foi colocado um busto elaborado pelo mesmo, A Saudade.86 Sobre o retrato inaugural do nosso percurso, seria uma pequena garota, descendente de uma carvoeira de Gaia, a modelo para “a flor mais mimosa da escultura portuguesa.” 87 Esta menina, de acordo com Diogo de Macedo, seria vizinha do escultor e ocupava o tempo auxiliando a mãe a apanhar cargueja, a fazer os molhos e a transportar os mesmos para os fornos de carvão. Foi ao vê-la passar, gesto diário para a garota, que Soares dos Reis decidiu imortalizar o olhar terno e o sorriso tímido daquela criança, que seria a sua flor agreste.88 É de frisar que esta escultura, contrariamente ao que acontecia com a maioria dos retratos, não foi nenhuma encomenda, trata-se de uma criação livre do escultor e que este possivelmente terá tido a oportunidade trabalhar com modelo vivo.89

83 VIANA, Teresa Pereira - Era uma vez uma escultura. In A Flor Agreste: Era uma vez uma escultura… Exposição itinerante do Museu Nacional Soares dos Reis. 1986-1987. Porto: M.N.S.R., 1985, p. 7. 84 PEREIRA, José Fernandes - Reis, António Soares dos. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 479. 85 CASTRO, Laura - Museu Nacional Soares dos Reis. Vila do Conde: QuidNovi, 2011, p. 31. 86 PEREIRA, José Fernandes - Reis, António Soares dos. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 481. 87 MACEDO, Diogo de - Soares dos Reis: Estudo Documentado. Porto: Edições Lopes da Silva, 1945, p. 94. 88 VIANA, Teresa Pereira - op. cit., p. 6. 89 Ibid.

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A figura apresenta-se numa posição frontal, com a cabeça ligeiramente inclinada para a esquerda, assim como para a frente, numa pose serena. Todavia, o olhar relembra-nos a rebeldia própria de uma criança. Apesar de, agora, sabermos que se trata de uma figura feminina, à primeira vista, não se torna percetível o seu género, dando-nos a liberdade para admitir que se trata de um rapaz. Antes de ser feminino, este retrato apela à infância vivida, tanto por mulheres, como por homens. O pai de Teixeira Lopes, José Joaquim Teixeira Lopes, elaborou também um retrato, denominado de Rosa Silvestre [Fig. 25], muito semelhante à Flor Agreste de Soares dos Reis, até no nome, como podemos observar. Também representa uma criança, que nos parece mais do sexo masculino do que feminino, todavia, com o nome apercebemo-nos de que se trata também de uma menina. Esta escultura não está datada, no entanto, visto que o seu filho António Teixeira Lopes, decidiu que queria ser escultor, após vislumbrar a Flor Agreste, talvez esta deliberação do seu descendente o tenha marcado tanto, que este tenha resolvido retratar a sua “flor agreste.” A Flor Agreste de Soares dos Reis assenta sobre uma base circular, também em pedra. O tratamento de superfície, tanto dos cabelos desgrenhados, bem como da camisa, um pouco amarrotada, contrastam com a pele suavizada que o mestre Soares dos Reis optou por elaborar. Existe um certo confronto entre a idealização clássica do rosto e o realismo conseguido através dos cabelos e da indumentária. A técnica utilizada, cujo talhe foi feito através de um processo de transladação de medidas, permitiu uma adaptação mais aproximada ao modelo em gesso, datado de 1878. Passemos a explicar: “No processo da talha por pontos as esculturas são copiadas de um gesso em dimensões reais e talhadas na pedra por um sistema de pontos, com ajuda

Fig. 25 - José Joaquim Teixeira Lopes, Rosa Silvestre, s/ data, mármore.

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de uma máquina de pontear. Portanto o escultor modela em barro, a sua peça é passada a gesso pelos formadores e os canteiros copiam o modelo para a pedra.”90 Por se tratar de um processo mecânico, não é necessário que seja realizado pelo escultor, pois não exige grande habilidade artística. Esta solução aglomera todas as vantagens do talhe indireto, no entanto, mesmo que a cópia seja o mais fidedigna possível, perde vitalidade relativamente ao modelo realizado anteriormente.91 Obviamente que seria quase impossível reproduzir todo o modelado de superfície presente no modelo em barro, uma massa plástica, num material bastante personalizado como a pedra. É preciso uma adaptação da linguagem à “especificidade física dos materiais, conhecer e respeitar as suas limitações e tirar partido das suas potencialidades.”92 No entanto, este método garantiria maior verosimilhança com o modelo em gesso. Para definir as etapas por que passavam as suas esculturas, Soares dos Reis costumava utilizar uma expressão que aprendera com Taine: “O barro é a Vida, o gêsso a Morte e o mármore a Ressurreição.”93 Participou na primeira Exposição-Bazar de Belas Artes, organizada por Soares dos Reis, um dos Fundadores do Centro Artístico Portuense, no Palácio de Cristal em 1881. A Flor Agreste foi adquirida, nesse mesmo ano, por Maria Francisca Archer, esposa do colecionador Nuno de Carvalho, pelo valor de 250$000 réis e foi exposta novamente, por vontade do próprio, na 2.ª Exposição aberta em 1882, organizada pelo mesmo Centro Artístico. Em 1932, a Câmara Municipal do Porto, acabaria por comprá-la a Tomás Archer de Carvalho, herdeiro do falecido casal, no Leilão Silva Porto, e entraria mais tarde, em 1939, no Museu Nacional Soares dos Reis através da incorporação das coleções pertencentes ao Museu Municipal.94 A Flor Agreste também foi considerada uma das esculturas portuguesas mais replicada e com os mais variados materiais, desde bronze, gesso, barro, a marfinite,

90 PERIENES, Luísa - Trabalho de redução em volume completo. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2001, p. 14. 91 HOVENKAMP, Joanne Bouman - A escultura em pedra: o século XX em Portugal. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2013, p. 94. 92 SILVA, João Castro - O corpo humano no ensino da escultura em Portugal: mimese e representação. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2009, p. 163. 93 JÚNIOR, Diogo José de Macedo (Mem Burgalho) - Soares dos Reis (recordações). Gaia: Associação Cultural Amigos de Gaia, 1989, p. 28. 94 VIANA, Teresa Pereira - op. cit., pp. 6-7.

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agradando desta forma as diferentes camadas de consumidores. Todas as reproduções encontradas datam de 1878, o que nos permite concluir que foram executadas através do modelo em gesso.95 António Teixeira Lopes, no seu livro autobiográfico Ao correr da pena: Memórias de uma vida…, refere que, após a visita à Exposição-Bazar de 1881 e ao vislumbrar a Flor Agreste: “Foi a revelação. Esse busto despertou em mim o desejo mais vivo de estudar, de vir a ser um escultor capaz de arrancar ao bloco de mármore uma figura palpitante como aquela.”96

95 Ibid., p. 7. 96 LOPES, António Teixeira - Ao correr da pena: Memórias de uma vida. Gaia: C. M. G., 1968, p. 6.

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2.2. VISCONDESSA DE MOSER

O segundo retrato selecionado, representa a Viscondessa de Moser [Fig. 26], modelado pelo mesmo autor de Flor Agreste, e é referente ao ano de 1883. Esta escultura fundida a bronze, encontra-se no Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. Existe também o gesso da mesma, no Museu de Arte Contemporânea do Chiado, em Lisboa. Este busto é, sobretudo, caracterizado pelo naturalismo e vivacidade através do tratamento de superfície muito diversificado. A viscondessa é representada numa posição frontal, mantendo, no entanto, uma pose natural. Os cabelos, presos por uma touca de flores, na qual as suas extremidades se cruzam sobre o pescoço, caindo gentilmente sobre o mesmo e os ombros, cobertos por um tecido folheado, demonstram um tratamento, quase impressionista, das diferentes superfícies, resultante da experiência e do conhecimento da matéria por parte do escultor. São notórias algumas semelhanças entre este retrato e o de A Marquesa de la Valette [Fig. 27] de Jean-Baptiste Carpeaux,97 concebida anteriormente, em 1861, nomeadamente no penteado.

O facto de se tratar de uma escultura em bronze também permite com que a superfície seja mais rica em termos de impressões e do modelado de superfície, visto que as marcas do teque e das mãos do escultor, se mantêm. Existem dois métodos de fundição artística: a técnica da cera perdida e o método das areias. Todavia, o primeiro é o mais adequado para os retratos, devido à quantidade de pormenores do modelado de superfície que este inclui.98

97 MONTEIRO, Manuel - Soares dos Reis: o contraste da sua vida e da sua obra. In Soares dos Reis: in memoriam. Organizado pela Escola de Belas Artes do Porto. Porto: Lit. Nacional, 1947, p. 38. 98 MANSO, Ricardo - Tecnologia e história da fundição artística. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2011, p. 42.

Fig. 26 - Soares dos Reis, Viscondessa de Moser, 1883, bronze.

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Neste método, é necessário a execução do modelo em cera, que posteriormente será revestido com um material refratário resistente, de modo a aguentar as contrações da cera, e, sobretudo, a temperatura e a pressão exercida pelo material em fusão. Porém, também terá de ser frágil para possibilitar a extração da escultura fundida contida no seu interior.99 Tudo se inicia a partir de um modelo em barro. A modelação é o ponto de partida para a elaboração de um retrato em bronze. Este material, pelas suas características, acaba por ser, na maioria das vezes, eleito para eternizar um retrato: “O bronze para escultura tem especificações próprias, pretende-se com ele a reprodução dos mais ínfimos recortes e minúcias, as impressões digitais do escultor. As particularidades do escultor que transparecem no barro passam para o molde em gesso, deste à cera e daqui ao bronze. Todo o carácter dos gestos impressos e os momentos de hesitação distinguem-se no bronze. O bronze é a permanência da relação do escultor com o corpo que representou. E se neste longo processo de reprodução de uma forma se assumem sempre perdas em relação ao original, essas perdas nunca serão tão grandes que na essência o trabalho não se mantenha igual à sua matriz.”100 No entanto, no meio de tantos apelos visuais, o escultor soube conceder pausas, criar silêncios, sobretudo nas zonas referentes à pele da viscondessa, de modo a equilibrar a escultura e, mais do que isso, torná-la verosímil. Apesar das áreas referentes ao rosto e peito, que nos mostram a pele, serem as mais niveladas, pois, na realidade, também assim o são, o escultor não se esqueceu de demarcar as olheiras, a papada abaixo do queixo, sinais da efemeridade humana e, até mesmo, uma verruga, símbolo particular da viscondessa. Os olhos, muitas vezes descritos como a alma do retratado, mostram uma grande simetria e têm profundidade suficiente para criar claros/escuros que os tornam ainda mais

99 Ibid., p. 63. 100 SILVA, João Castro - O corpo humano no ensino da escultura em Portugal: mimese e representação. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2009, pp. 208-209.

Fig. 27 - Jean-Baptiste Carpeaux, A Marquesa de la Valette, 1861, gesso.

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vivos. Todavia, o olhar em si, parece-nos distante e perdido. Não nos encara, dá a sensação que ficou numa das suas memórias, que neste momento recorda. O plinto é parte integrante da escultura. O peito apresenta um corte desvanecido em forma de V, cujo vértice inferior ganha a configuração paralelepipédica e se prolonga. De toda a obra retratística de Soares dos Reis, este retrato terá sido um dos que menos destaque teve, no entanto, Diogo de Macedo, não se esquecera do mesmo: “em tôda a sua prodigiosa galeria de retratos é talvez o mais fiel de transmissão, o mais impecável de verdade plástica, o mais vivo. […] atinge um naturalismo tal, que assombra.”101

101 MACEDO, Diogo de - Soares dos Reis: a sua vida dolorosa. Lisboa: Edição da revista «Ocidente», 1943, p. 85.

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2.3. NEGRA A duquesa de Palmela integra o percurso com o busto em bronze patinado, Negra [Fig. 28], datado de 1885. Trata-se de uma representação reduzida em bronze102 podendo, desta forma, existir mais exemplares idênticos. Neste caso, foram feitas cerca de dez réplicas,103 sendo que, podemos encontrar uma delas na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia, e outra no Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, em Cascais.104 Maria Luísa Domingues Eugénia Ana Filomena Josefa Antónia Francisca Xavier Sales e Borja de Assis e Paula de Sousa e Holstein Beck, terceira duquesa de Palmela, como é comummente apelidada, nasceu na capital de Portugal no dia 4 de agosto de 1841.

105 Neta do 1.º Duque de Palmela, D. Pedro Sousa e Holstein (1781-1850), e desta forma, herdeira única do amplo património da Casa Palmela, tornou-se na mulher mais abastada do reino. Para além de algumas atribuições de corte, que desempenhou por obrigação, também foi benemérita, fundando as Cozinhas Económicas e o Hospital Infantil do Rego;106 e dedicou-se à escultura. O facto de ser mulher, embora com poder, numa sociedade de homens burgueses, fez com que fosse alvo de inúmeros preconceitos, entre os quais, o de não ser a autora das

102 Casa-Museu Teixeira Lopes/Galerias Diogo de Macedo. Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia: Vila Nova de Gaia: Rocha/Artes Gráficas, 1978, p. 89. 103 Informação obtida através da ficha de inventário disponibilizada pelo Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães. 104 FALCÃO, Isabel - Coleção de Escultura. In Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães: Roteiro (Coord. António Carvalho). Cascais: Câmara Municipal de Cascais, 2008, p. 106. 105 SALDANHA, Sandra Costa - Entregue ‘seriamente ás artes’ Maria Luísa de Sousa Holstein, 3ª duquesa de Palmela. In Mulheres escultoras em Portugal (Coord. Sandra Leandro, Raquel Henriques da Silva). Lisboa: Caleidoscópio, 2016, p. 55. 106 CARVALHO, D. Maria Amália Vaz de - Duqueza de Palmella: in memoriam. Separata do «Jornal Comércio» do Rio de Janeiro. Lisboa: Typographia Castro Irmão, 1910, p. 17.

Fig. 28 - Duquesa de Palmela, Negra, 1885, bronze.

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suas próprias esculturas. 107 O mesmo aconteceu com João José de Aguiar e Soares dos Reis, cuja autoria dos seus trabalhos fora muitas vezes posta em causa. No campo da escultura, teve a oportunidade de conhecer homens com uma mentalidade diferente dos restantes, começando pelo seu mestre, Anatole Calmels, e António Teixeira Lopes, com quem partilhou uma boa amizade. O rosto da duquesa foi fonte de inspiração para ambos, elaborando assim, cada um, o busto da aristocrata [Fig. 29]. Enquanto escultora, a sua obra foi escassa, contudo, explorou várias soluções escultóricas, desde medalhões, bustos, a objetos artísticos de maior escala. Em todos eles, está presente a influência do mestre, devido ao aspeto clássico dos mesmos, apesar de se inserirem no romantismo português. Entre as suas obras, destacam-se: Negra, busto que analisaremos seguidamente; Diógenes, escultura de vulto que representa um homem a segurar uma lâmpada; e Fiat Lux, uma figura de efebo. Também teve um forte contributo na cerâmica portuguesa, abrindo a Fábrica do Ratinho, em 1872, na tentativa de renascer a extinta Fábrica do Rato.108 Acabou por falecer na romântica vila de Sintra, na quinta de São Sebastião, a 2 de setembro de 1909, com 68 anos de idade,109 vítima de uma angina de peito.110 Este retrato, muitas vezes intitulado de Mulata, Preta Nova, Pretinha, Criada Preta e Maria José, representa uma das criadas da duquesa de Palmela, com o nome de Maria José dos Santos, conhecida também por «Jéjé», filha dos cozinheiros dos pais de Maria Luísa.111

107 ORTIGÃO, Maria João - Palmela, Duquesa de. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 436. 108 ORTIGÃO, Maria João - op. cit., p. 436. 109 SALDANHA, Sandra Costa - op. cit., p. 55. 110 ORTIGÃO, Maria João - op. cit., p. 436. 111 SALDANHA, Sandra Costa - op. cit., p. 69.

Fig. 29 - Teixeira Lopes, Duquesa de Palmela, 1915, gesso patinado.

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A temática de representar negros, havia sido muito popular em França no século XVIII, com a alteração da perspetiva relativamente ao retrato proclamada pela Antiguidade Clássica. Em Portugal, Soares dos Reis havia sido o pioneiro neste tipo de retratos, em que posteriormente, a 3.ª Duquesa de Palmela, deu continuidade. Em termos formais, esta escultura é clássica, obviamente respeitando as particularidades do referente. Foi esculpida, originalmente, em mármore e exibida em 1886, no Salon de Paris,112 desta forma, o retrato que agora analisamos é uma reprodução reduzida em bronze do retrato em mármore. Esta matéria havia sido suficientemente explorada pela escultora, como é possível vislumbrarmos em algumas das obras enumeradas anteriormente, por isso, realizar um retrato em mármore não seria uma tarefa que a mesma não conseguisse desempenhar. Nos séculos anteriores, a ideia de o género feminino trabalhar a pedra, material rígido, sempre gerou muita controvérsia. Já Michelangelo Buonarroti (1475-1564) admitia que as mulheres escultoras se dedicassem à “via de porre” (de pôr ou acrescentar), método utilizado em matérias maleáveis, como o barro, contudo, a “via de levare” (de subtrair, tirar), indubitavelmente ligada à pedra e à madeira, era destinada aos homens. Todavia, este juízo de valor gerado apenas tomando em consideração o aspeto físico frágil da mulher que nos acompanhou ao longo dos séculos, seria mais uma das barreiras que a Duquesa de Palmela também ajudara a quebrar em Portugal.113 A negra representada aparece-nos com o peito descoberto, tendo apenas como adorno um colar de pérolas e duas argolas, atributos que lhe dão alguma sofisticação e, de certa forma, enaltecem um dos valores aqui defendidos pela escultora: a igualdade. A retratada exibe um sorriso confiante, sendo possível observarmos os dentes, que contagia as outras áreas do rosto, como se vislumbra no olhar rasgado e semicerrado com a subida das comissuras dos lábios.

112 ALVES, Joana - 3.ª Duquesa de Palmela: uma escultora portuguesa do século XIX. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2012. Tese de Mestrado em Escultura, p. 144. 113 LEANDRO, Sandra - Dimensão Escultórica: volumetrias quase invisíveis entre o século XVII e o início do século XX. In Mulheres escultoras em Portugal. Lisboa: Caleidoscópio, 2016, p. 17.

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Jean-Antoine Houdon (1741-1828) tem um retrato, também de uma negra [Fig. 30], datado de 1781, onde encontramos exatamente a mesma expressão da escultura da Duquesa de Palmela. Não sabemos se esta terá sequer conhecido este objeto artístico de Houdon, contudo, é provável que o tenha visto numa das suas permanências em Paris. A Negra apresenta um corte oval e assenta sobre uma base circular também no mesmo material. Como já foi referido anteriormente, existe, pelo menos, mais um exemplar deste retrato no Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, situado em Cascais.

Fig. 30 - Jean-Antoine Houdon, Busto de Negra, 1781, bronze.

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2.4. MISTRESS ELISA LEECH

A penúltima escultura e, desta forma, a última representação feminina anterior à morte de Soares dos Reis, obviamente que teria de ser incluída nesta seleção. O retrato de Mistress Elisa Leech [Fig. 31], mais conhecido por Busto da Inglesa, foi esculpido em mármore, no ano de 1887 e, encontra-se no Museu de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa. Existe também uma réplica em bronze desta escultura, no Museu Soares dos Reis e uma representação reduzida, no mesmo material, no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Este retrato insere-se no naturalismo, porém, o exagero com que o autor tratou as características próprias da retratada, mais psicológicas do que físicas, abrem a possibilidade de podermos considerá-la uma idealização. Elisa Leech é exibida numa posição frontal, completamente hirta, transparecendo um certo desconforto. Ao contrário do que geralmente acontece quando se é retratado, a inglesa olha para baixo, evita o observador, fechando-se sobre si própria, reforçando a ideia de incómodo descrita anteriormente. Os cabelos são divididos ao meio por uma linha reta que atravessa verticalmente a cabeça. E, atrás, vemos um apanhado, dando a sensação de ter sido feito a partir de uma trança previamente executada e depois enrolada em espiral. Mais uma vez, contrariamente ao que encontrámos em Flor Agreste e na Viscondessa de Moser, também do mesmo autor, nos quais os cabelos nos parecem ter vida própria, estes aparecem quase sem volume e, mesmo as pequenas ondas que aparentam querer formar-se junto à linha do cabelo, acabam por desvanecer. O tratamento da superfície é bastante delicado, sem grandes variações. O rosto está devidamente depurado; nos cabelos, conseguimos aperceber-nos dos seus fios, gentilmente assinalados, e a capa que envolve a inglesa, fechada sobre o peito com a ajuda

Fig. 31 - Soares dos Reis Mistress Elisa Leech, 1887, mármore.

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de uma gargantilha em forma de meia-lua, representa a área com maiores variações formais através dos drapeados que o escultor soube tornar quase reais. O busto apresenta um corte circular, disfarçado pela capa que cai naturalmente sobre o corpo. A matéria escolhida para a realização desta escultura acentua as ideias de frieza e rigidez presentes na obra. O busto foi elaborado em Lisboa, no atelier dum colega que lhe concedera algum espaço para a concretização desta encomenda. O escultor havia-se ausentado do norte do país, na tentativa de se distrair da doença e, com a esperança de encontrar novas encomendas, já que, no local onde habitava, eram escassas. No entanto, apesar de todas as adversidades, fez amizade com umas senhoras com posses e distinção, prometendo fazer, a uma delas, um retrato. Mistress Elisa Leech, agradada com a ideia de ser retratada, paga antecipadamente o busto e começa a posar para o escultor. Com o passar do tempo, as suas visitas ao atelier começaram a rarear, dando a desculpa de que teria outros afazeres, até que, certo dia, nunca mais voltou, impedindo assim o escultor de terminar o busto.114 Esta atitude de rejeição por parte da retratada, que nunca reclamou o busto, devido ao facto de achar que não existiam semelhanças entre o mesmo e ela, colocando assim em causa as capacidades retratísticas do escultor, terá sido um dos fatores que contribuíram para o suicídio de Soares dos Reis.115 Todavia, nem todos os seus contemporâneos concordaram com a inglesa, achando, pelo contrário, que este a havia favorecido. António Arroio (1856-1934), num dos seus livros dedicado ao escultor, afirma que, por este ver na retratada o símbolo da sua nação, caracterizado pela autoridade, acentuou os traços fisionómicos de acordo com essas singularidades,

114 MACEDO, Diogo de - Soares dos Reis: a sua vida dolorosa. Lisboa: Edição da revista «Ocidente», 1943, p. 109. 115 SANTOS, Paula M. Leite - Escultura. In Museu Nacional de Soares dos Reis. Roteiro da Colecção. Lisboa: IPM, 2001, p. 103.

Fig. 32 - Fotografia de Elisa Leech, s/ data.

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aumentando o tamanho do pescoço, descaindo um pouco os ombros e diminuindo o volume do peito, conferindo-lhe, desta forma, mais elegância.116 Também Diogo de Macedo nos escreve acerca da intenção do escultor perante este retrato: “o Artista excedeu-se a si próprio, e criou a beleza aumentada do tipo duma imagem. Idealizou a realidade, purificando-a dos pecados vulgares. Deificou-a. Esta obra explica em parte o seu suicídio: - a vida era mais feia do que ele a via e queria.”117

116 ARROYO, Antonio - Soares dos Reis e Teixeira Lopes: paginas de critica d’arte. Porto: Typografia a vapor de José da Silva Mendonça, 1899, p. 108. 117 MACEDO, Diogo de - Soares dos Reis: a sua vida dolorosa. Lisboa: Edição da revista «Ocidente», 1943, p. 80.

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2.5. MADAME X

António Teixeira Lopes, discípulo de Soares dos Reis, elaborou inúmeros retratos, entre os quais, Madame X [Fig. 33]. Este busto em gesso patinado de 1892, habita a Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia. Este escultor nasceu em Vila Nova de Gaia, a 12 de outubro de 1866 e faleceu em São Mamede de Riba Tua, no dia 21 de junho de 1942.118 Era filho do escultor, José Joaquim Teixeira Lopes119 (1837-1918), este que, após uma frequência malsucedida do descendente no colégio gaiense que frequentava, acabou por ser o seu primeiro professor, introduzindo-lhe os estudos primários.120

Com apenas sete anos, e após dramático episódio, o pai passou a levá-lo para a oficina, na Fábrica de Cerâmica das Devesas, local onde Teixeira Lopes aprendeu as técnicas escultóricas relacionadas com o barro que mais tarde se revelaram fundamentais para o seu percurso enquanto escultor.121 Foi na visita à primeira exposição-bazar no Palácio de Cristal, organizada pelo Centro Artístico Portuense, ao qual pertencia o mestre, Soares dos Reis, que Teixeira

118 Ibid., p. 358. 119 José Joaquim Teixeira Lopes tinha formação em santeiro, frequentou o ensino artístico e teve a oportunidade de, em Paris, ser aluno de François Jouffroy. No entanto, acaba por se dedicar à cerâmica modelando tipos populares nortenhos de pequena escala, área onde o seu filho acaba por colaborar. PEREIRA, José Fernandes - Lopes, António Teixeira. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 358. 120 Ibid., p. 359. 121 RIBEIRO, Marta Barbosa - António Teixeira Lopes: a construção do artista e a interpretação da obra. Coimbra: [s.n.], FLUC, 2016, p. 11-12.

Fig. 33 - Teixeira Lopes, Madame X, 1892, gesso patinado.

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Lopes se converteu em absoluto para a área da escultura ao observar a Flor Agreste, como já havíamos descrito anteriormente.122 Em 1882, matriculou-se na Academia do Porto. Dois anos depois, acabou o seu percurso académico no Porto com uma média de 17 valores. Perdeu o concurso para o pensionato em Paris para Tomás Costa (1861-1932).123 Todavia, a viagem para França viria a concretizar-se em 1885, com a ajuda financeira dos pais, do seu padrinho, António de Almeida Costa, sócio maioritário da Fábrica das Devesas onde trabalhara, e de alguns amigos da família.124 Na sua primeira visita ao Salon, rendeu-se ao talento de Rodin, Antonin Mercier (1845-1916), Falguière (1831-1900) e Barrias (1841-1905). Preparou-se para a entrada nas Beaux-Artes de Paris, na Escola de Artes Decorativas, contudo, a componente demasiado decorativa das aulas, acabou por levar Teixeira Lopes a desistir da mesma e a preparar-se sozinho para a candidatura às Beaux-Artes, mesmo sabendo das provas exigentes que o esperavam. Conquistou o primeiro lugar nas provas de admissão, e entrou assim para o curso de Escultura.125 O Salon tornou-se o local predileto das esculturas de Teixeira Lopes, proporcionando-lhe algumas menções honrosas e medalhas de ouro, como foi o caso do gesso de A Viúva, exposto em 1890. Apresentou, em 1892, dois bustos femininos, Condessa de Valenças e Madame Michon. No ano seguinte, recebeu novamente A Viúva, agora já passada a mármore, que lhe trouxe, anos depois, mais distinções provindas de Berlim. A Dor, A História e um retrato de criança, Raquel, também contribuíram para a obtenção de um grand prix e para a condecoração de Cavaleiro da Legião de Honra. 126 Em 1889, ainda em França, executou a escultura Caim. Com o suicídio de Soares dos Reis, em 1889, Teixeira Lopes acabou por ocupar o lugar do seu mestre no ensino portuense, em 1901.127

122 LOPES, António Teixeira - op. cit., p. 6. 123 PEREIRA, José Fernandes - Lopes, António Teixeira. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 359. 124 RIBEIRO, Marta Barbosa - op. cit., p. 14. 125 PEREIRA, José Fernandes - Lopes, António Teixeira In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 359. 126 Ibid., p. 360. 127 FRANÇA, José-Augusto - A Arte em Portugal no Século XIX. Lisboa: Livraria Bertrand,1966, vol. II, p. 207.

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Explorou várias tipologias. No campo da escultura pública, destaca-se o Monumento a Eça de Queiroz (1903), elaborado para um pequeno jardim no largo lisboeta. No domínio da escultura funerária, A História foi executada para homenagear Oliveira Martins (1845-1894). A Dor, pertencente à mesma tipologia, evocava a sua amiga, Duquesa de Palmela. Caridade, foi a figura elaborada para o jazigo de José Caetano Carvalho.128 Analisando o retrato que integra o percurso, trata-se do busto da Madame Cardoso,129 como Teixeira Lopes refere na sua autobiografia, todavia, o nome seria alterado para Madame X, certamente para manter o anonimato, após a recusa, que esclareceremos posteriormente. A jovem retratada apresenta-se com a cabeça ligeiramente inclinada para a direita, direcionando o olhar na mesma direção. É possível vislumbrarmos a elegância da curvatura do pescoço e do peito através de um longo decote que termina um pouco abaixo dos ombros, também despidos. O busto é seccionado um pouco depois dos seios, que estão cobertos por um tecido tão fino, que quase vemos o que este nos esconde. Os drapeados, que aparecem nas mangas, e os folhos que estão presos por uma pregadeira, suavizam o corte. O retrato apoia-se numa base cilíndrica, ainda pertencente à escultura. A superfície do busto é tratada com grande delicadeza e suavidade. As áreas referentes à pele humana, como o peito e a face, foram niveladas de forma a proporcionarem um retrato mais fidedigno. O cabelo, preso atrás, deixa escapar algumas madeixas, tanto da franja como na nuca. No vestuário, as pregas, e até mesmo a pregadeira, trabalhada em forma de meia-lua, não foram modeladas com menor detalhe. Já no retrato de Mistress Elisa Leech, anteriormente analisado, encontramos uma pregadeira com a mesma forma e, para além de estar presente no retrato esculpido, também se encontra numa fotografia da retratada, o que nos indica que este seria um acessório utilizado pela senhora inglesa. Quanto ao retrato de Teixeira Lopes, poderá ter-se inspirado no busto de Soares dos Reis, visto que é anterior, e, desta forma, optou por utilizar o mesmo símbolo na pregadeira da Madame X. A lua é, muitas vezes, interpretada

128 PEREIRA, José Fernandes - Lopes, António Teixeira. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, pp. 362-364. 129 LOPES, António Teixeira - op. cit., p. 102.

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como um símbolo feminino, ligado à fertilidade, no entanto, também significa tudo aquilo que é instável, influenciável e transitório,130 não só por ser apenas o reflexo do sol, somente visível na escuridão da noite, como também pelas alterações morfológicas sucessivas que vai sofrendo. Curiosamente, nos retratos ambas estão em quarto minguante e, talvez por coincidência, os dois bustos acabaram por ser rejeitados pelas retratadas. Devido à sociedade da época, o retrato foi recusado pelo casal que o havia encomendado por considerarem o decote inapropriado. Foi ainda pedido ao escultor que remodelasse essa área e que retocasse alguns traços, contudo, este recusou-se.131 Em França, no século XVIII, já haviam sido realizados retratos femininos com o mesmo tipo de decote, como podemos observar na escultura Madame de Pompadour [Fig. 34], de Jean-Baptiste Pigalle, elaborada em 1751. O retratista francês, Jean-Jacques Caffieri, em Madame Du Barry [Fig. 35], busto datado de cerca de 1770, capta exatamente a mesma expressão presente no retrato da Madame X e, apesar de muitas desigualdades em relação ao penteado e às vestes, a atitude é a mesma.

130 CHEVALIER, Jean ; GHEERBRANT, Alain - Lua. In Dicionário dos Símbolos. Lisboa: Editorial Teorema, 1994, p. 420. 131 LOPES, António Teixeira - op. cit., p. 135.

Fig. 35 - Jean-Jacques Caffieri, Madame Du Barry, c.1770, mármore. Fig. 34 - Jean-Baptiste Pigalle, Madame Pompadour, 1748-51, mármore.

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O mármore desta escultura foi exposto no Salon de 1893. Na autobiografia, Ao correr da Pena: Memórias de uma vida…, o escultor conta que teve de apressar-se na tarefa da passagem do gesso para o mármore, sacrificando algumas das suas noites, pois o tempo era escasso. Segundo o mesmo: “Um escultor nunca deve apressar-se; o que se faz mal de noite, de manhã aparece.”132 Também nos informa de que este mármore permaneceu guardado no seu atelier durante vários anos, apesar de existirem pessoas interessadas em adquiri-lo, como a Duquesa de Palmela. Para ele, este retrato “marcava um ponto bem característico”133 na sua obra, explicando assim o facto de não o ter vendido a ninguém. No entanto, acabaria por ceder ao pedido de um amigo, António José da Silva, por ser seu vizinho e poder ver o retrato as vezes que quisesse pois, era como se ainda estivesse no atelier.134 No atelier de Teixeira Lopes, os modelos tinham a liberdade para se movimentarem e conversarem com ele, pois, segundo o escultor, a imobilidade tirava-lhes toda a naturalidade. Só através da observação das ações do retratado é que o escultor consegue fazer-lhe um retrato verdadeiro, o da sua alma.135

132 Ibid., p. 134. 133 Ibid., p. 135. 134 Ibid., p. 135. 135 Ibid., p. 590.

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2.6. MARIA VISCONTI Rafael Bordalo Pinheiro, para além das suas caricaturas, muitas delas alegóricas, também se dedicou ao retrato mimético. Para eternizar a figura da amante, Maria Visconti (1857-1899), Bordalo Pinheiro modela o retrato da mesma [Fig. 36], após a desgostosa morte da atriz em 1899. Este busto pertence ao espólio do Museu Bordalo Pinheiro, em Lisboa. Sobre o artista, Rafael Augusto Bordalo Prostes Pinheiro nasceu em Lisboa, a 21 de março de 1846, filho do também artista Manuel Maria Bordalo Pinheiro (1815-1880) e irmão do pintor, Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929). Em 1860, com apenas 14 anos, teve as suas primeiras experiências na área da representação no Teatro Garrett. Nesse ano, matriculou-se também no curso de Arte Dramática pertencente ao Conservatório.136 Cinco anos depois, iniciou o seu percurso como estudante na Academia de Belas-Artes, no curso de Desenho de Arquitetura Civil.137 Frequentou ainda, posteriormente, o curso de Desenho modelo vivo em 1869. No ano seguinte, em 1866, casou com Elvira Ferreira de Almeida, matrimónio do qual nasceram dois filhos, Manuel Gustavo e Helena. Em 1868 inscreveu-se como membro da Sociedade Promotora de Belas Arte em Portugal, participando nos seus salões até 1874, onde teve a oportunidade de expor algum do seu trabalho artístico primeiramente ao lado do pai, Manuel Maria, e em seguida do irmão, Columbano.138

136 COTRIM, João Paulo - Cronologia. In Bordalo n’A Berlinda [Em linha]. [Consult. 30 agosto 2017] Disponível em WWW:<URL:http://purl.pt/273/1/jp-cotrim-cronos.html> 137 FRANÇA, José Augusto - Rafael Bordalo Pinheiro: o português tal e qual. Lisboa: Livraria Bertrand, 1980, p. 613. 138 COTRIM, João Paulo - op. cit.

Fig. 36 - Rafael Bordalo Pinheiro, Maria Visconti, 1899, terracota pintada a frio.

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No ano de 1875, para além de publicar pela primeira vez o emblemático Zé Povinho, partiu para o Brasil, no mês de agosto, a convite de Manuel Carneiro Rodrigues Júnior, proprietário de um dos mais importantes periódicos brasileiros, O Mosquito, para substituir o seu redator artístico, Ângelo Agostini (1843-1910).139 Em 1879, devido a desacatos com Ângelo Agostini e ao facto de ter sido alvo de atentado à integridade física, Bordalo Pinheiro regressou a Portugal e lançou o seu periódico de maior sucesso: O António Maria (1879-85).140 O Calcanhar de Aquiles, A Berlinda, Pontos nos ii, A Paródia e Álbum das Glórias fazem parte das publicações de Bordalo Pinheiro. Também realizou ilustrações para algumas revistas estrangeiras como por exemplo The Illustrated London News, El Mundo Cómico e Illustración Espanola y Americana.141 Em 1884 foi fundada a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, alicerçada nos “[…] princípios do movimento inglês Arts and Crafts: uma unidade de produção moderna fundamentada nas tradições do trabalho artesanal.”142 A Jarra Beethoven, foi uma das criações desta fábrica, que Bordalo Pinheiro levou consigo até ao Brasil, de modo a promover o seu trabalho. Para além das caricaturas e ilustrações conhecidas por todos nós, também se dedicou ao retrato escultórico, no qual capta todos os traços e detalhes dos retratados sem os exagerar. O retrato do seu pai; o de Guilherme de Azevedo e o de Maria Visconti, que analisaremos seguidamente, confirmam as capacidades retratísticas do artista. Seria a 23 de janeiro de 1905 a data da sua morte, com apenas 58 anos. Morreu em Lisboa e foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, na mesma cidade.

139 SILVEIRA, Maria de Aires - Os Percursos artísticos de dois irmãos: Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro. In Oitocentos: intercâmbios culturais entre Brasil e Portugal - Tomo 3. (Org. Arthur Vale, Camila Dazzi e Isabel Portela) Rio de Janeiro: EDUR-UFRRJ; DezenoveVinte, 2013, p. 322. 140 Ibid., p. 326. 141 COTRIM, João Paulo - op. cit. 142 SILVA, Raquel Henriques da - A fábrica de Rafael Bordalo Pinheiro nas Caldas da Rainha. L+arte. N.º 57, Fev. (2009), p. 24.

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Relativamente ao retrato, a representação que Bordalo Pinheiro faz de Maria Visconti é referente à fase terminal da vida da atriz, que morre precocemente, com apenas 47 anos, vítima de um tumor na língua. Maria Visconti é perpetuada com a cabeça ligeiramente erguida e com apenas uma mão visível junto ao peito, numa posição quase teatral ou podendo até mesmo ser interpretada como um gesto de culpa ou pesar. O rosto destaca-se na escultura devido à superfície estar mais nivelada e aos tons com que o escultor o pinta. A maior parte do retrato cobre-se de cinzentos, excetuando o rosto e a mão que são representados com tons mais rosados e pêssego, animando-o. Os olhos, cobertos por um azul celeste, mostram-se concentrados em estabelecer contato visual com o observador. A forma como o artista pinta os mesmos, acrescentando branco em algumas zonas, confere mais realismo à escultura, tornando-os mais vivos e luminosos. É também aqui, a única área onde são visíveis as marcas da idade, através do modelado de superfície presente junto aos cantos dos olhos e nas pálpebras. O cabelo aparece tapado quase na sua totalidade por um lenço que lhe envolve a cabeça, e o pescoço é circundado por ligaduras devido ao tratamento que havia feito relacionado com a doença.143 Apesar do seu estado debilitado, o escultor não a representa frágil, muito pelo contrário, apresenta-se numa pose altiva, com um rosto sereno e colorido, sem denotar qualquer sinal da doença. Bordalo Pinheiro não se esquecera de colocar características peculiares da retratada, como é o caso das suas orelhas. Apenas uma delas se encontra visível, todavia podemos observar que, para além do lóbulo ser bastante

143 BRAGA, Pedro Bebiano (Coord.) - Rafael Bordalo Pinheiro: Retratos em Barro. Catálogo da Exposição parente no Museu Bordalo Pinheiro de 15 de julho a 21 de novembro de 2011. Lisboa: C.M.L., D.M.C, Museu Bordalo Pinheiro, 2011, p. 22.

Fig. 37 - Alfred Fillon, Fotografia de Maria Visconti.

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carnudo, este estaria cortado ao meio, provavelmente devido ao peso dos brincos com que a atriz gostaria de se embelezar.144 O corte do busto relembra-nos os hermas utilizados na Grécia antiga, cujos ombros são abolidos da escultura, dando clara evidência apenas ao rosto. No lado direito o escultor inscreveu a data da morte de Maria: “19 de fevereiro de 1899.” Muitas vezes, é confundida com a data de elaboração da escultura, no entanto, esta foi realizada após a morte da atriz em abril desse mesmo ano. Numa carta do seu amigo Ramalho Ortigão escrita para o filho Manuel Gustavo, a propósito de Rafael Bordalo Pinheiro, este descreve o talento do artista para o retrato: “Por um dom especialíssimo, inteiramente pessoal, bastava-lhe fitar por espaço de alguns segundos uma fisionomia humana para que, instantaneamente desenhada pelo olhar, ela lhe ficasse para sempre registada num escaninho do cérebro, por efeito da mais pronta receptividade e da mais prodigiosa retentiva visual que jamais conheci. Assim, mentalmente concebido, o retrato era na sua memória uma espécie de aquisição fetal, um embrião indestrutível, um ser, que, à primeira evocação da sua vontade, ele dava à luz, pelo bico de um lápis ou de uma pena, para cima de um papel.”145 Desta forma, compreende-se a incorporação de tantos detalhes no retrato que nem sempre são visíveis nas fotografias, impercetíveis para muitos, mas essenciais para o artista e para a caracterização da essência do representado. O material escolhido para a realização deste retrato foi o barro vermelho sendo, desta forma, utilizado o processo de modelação. Este método é a base para a maioria dos retratos encontrados no nosso percurso e, provavelmente, a mais antiga técnica escultórica. Muito semelhante ao desenho, por nos dar oportunidade de materializarmos um pensamento, a modelação permite ao escultor uma quase eterna procura pela forma desejada pois, é sempre permitido recuar ou avançar de acordo com as nossas convicções, sem que isso seja um ato irreparável. Esta versatilidade só é possível devido à plasticidade dos materiais que são utilizados neste processo.146 Esta técnica: “[…] pela natureza assertiva dos materiais que emprega conduz a uma expressão de grande liberdade, encontrando no autor o carácter que a matéria não possui. O barro retém as marcas distintivas de quem o trabalhou, as impressões digitais do escultor. Modelar é um procedimento táctil e sensual, reproduz no barro o olhar que

144 Informação obtida na visita ao Museu Bordalo Pinheiro. 145 ORTIGÃO, Ramalho - Os retratos de Rafael Bordalo Pinheiro. In Bordalo n’A Berlinda [Em linha]. [Consult. 30 agosto 2017] Disponível em WWW:<URL: http://purl.pt/273/1/ramalho-ortigao.html > 146 SILVA, João Castro - O corpo humano no ensino da escultura em Portugal: mimese e representação. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2009, pp. 133-134.

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percorreu as formas de quem posa. É um misto de pensamento consciente, racional e pura abstração mental, alheamento.”147 Ainda são visíveis algumas marcas próprias da modelação, contudo, devido ao facto de a cozedura não ter corrido da melhor forma, o retrato ficou com várias fissuras que, numa fase posterior, terão sido tapadas com gesso e disfarçadas com a pintura a frio, atenuando também as marcas deixadas pelo escultor. Geralmente, para a execução de um retrato em barro, é necessária a construção de uma estrutura interna de modo a perpetuar a sua verticalidade. Mas também é possível elaborarmos o mesmo em maciço ou a partir da técnica dos rolinhos. Esta última metodologia torna-se a menos trabalhosa, pois evita o processo de ocagem e permite que se possa levar o retrato a cozer imediatamente após a secagem, contudo, é preciso um grande domínio da técnica para que a escultura vá crescendo de forma estruturada, através de um contorno cilíndrico que se vai sobrepondo. No caso do retrato de Maria Visconti, devido à sua composição, parece muito pouco provável que este último processo técnico tenha sido utilizado. No entanto, umas das duas primeiras metodologias para a modelação de um retrato (através do recurso a uma estrutura interna ou em maciço), anteriormente enumeradas, terá sido utilizada por Rafael Bordalo Pinheiro nesta peça. Este retrato permaneceu sempre escondido em segredo na Fábrica de Cerâmica das Caldas da Rainha, ficando o amigo Justino Guedes responsável por preservar a sua existência após a morte de Bordalo Pinheiro, pois, não nos podemos esquecer que este era casado enquanto mantinha uma relação amorosa proibida com Maria Visconti. Cruz Magalhães (1864-1928), fundador do Museu Bordalo Pinheiro afirmou que Justino Guedes sempre se recusou a deixá-lo figurar no museu, para evitar constrangimentos para com a viúva do artista. Desta forma, o busto foi ficando na sua posse e, posteriormente, após a morte Justino Guedes, os seus filhos de acabaram por ficar com o retrato. Em 1944, esta escultura foi vendida por Laura Clarimundo Emílio, provavelmente filha de Justino Guedes, ao Museu.148 José-Augusto França, no livro, Rafael Bordalo Pinheiro: o português tal e qual, também menciona o retrato de Maria Visconti, relembrando a chegada da atriz italiana a

147 Ibid., p. 136. 148 MADEIRA, Susana Cristina Gomes - A Colecção de Cerâmica do Museu Bordalo Pinheiro. Proveniências, uma História Sentimental. Lisboa: [s.n.], FCSH - Universidade Nova de Lisboa, 2016. Relatório de Estágio de Mestrado em Museologia, p. 32.

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Portugal, em 1881, e a sua rápida passagem pelo palco do teatro da Trindade.149 Rafael Bordalo Pinheiro no seu periódico, O António Maria, n.º 126, referente a 27 de outubro de 1881, ilustra esse acontecimento, adiantando que Maria Visconti, viria de Itália em substituição da actriz Josepha, na reprise de Piperlin. Sobre a italiana, Rafael reforça a beleza da mesma: “A dama Visconti é um bonito presente que Francisco Palha recebeu da Itália […].”150

149 FRANÇA, José Augusto - Rafael Bordalo Pinheiro: o português tal e qual. Lisboa: Livraria Bertrand, 1980, p. 524. 150 Rafael Bordalo Pinheiro - O António Maria. n.º 126. 27 de outubro de 1881.Hemeroteca Municipal de Lisboa [Em linha]. [Consult. 20 agosto 2017]. Disponível em WWW:<URL:http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/OAntonioMaria/1881/1881_item1/P301.html>

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2.7. INVOCAÇÃO

Francisco dos Santos, escultor conhecido pelo Monumento ao Marquês de Pombal, também se dedicou ao retrato, deixando-nos esta obra esculpida em mármore, datada de 1916 [Fig. 38]. Invocação, seria o nome escolhido para esta escultura, pertencente ao Museu de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa. No dia 22 de outubro de 1878, nasceu em Paiões, no concelho de Sintra, Francisco dos Santos. Com 9 anos, ingressou na Casa Pia de Lisboa, após ter ficado órfão. Foi nesta instituição que teve o primeiro contacto com as artes, neste caso o desenho.151 Em 1893, matriculou-se no Curso Geral de Desenho na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Seguidamente, em outubro de 1897, entrou para o Curso Especial de Escultura, tendo como docente o escultor José Simões de Almeida (tio).152 Ganhou o concurso para o pensionato em Paris financiado pelo Estado, em 1903, tendo como adversários Costa Mota e Simões de Almeida (sobrinho). No ano de 1906, adquiriu uma bolsa para Roma, através do Legado Valbom, local onde acabou por permanecer durante três anos.153 Em 1911, venceu o concurso do busto oficial da República, e passados três anos, acabou por ganhar também o concurso para o Monumento ao Marquês de Pombal, no entanto, com a morte inesperada de Francisco dos Santos em 1930, foram os escultores

151 MEGA, Rita - Francisco dos Santos: Para além no Monumento ao Marquês de Pombal. Arte Teoria. N.º 8 (2006), p. 110. 152 GUEDES, Pedro - Francisco dos Santos na Escola de Belas Artes de Lisboa. In Francisco dos Santos: Escultor Estatuário. 1878-1930. [S.l.: s.n., 193-], pp. 19-20. 153 MEGA, Rita - Santos, Francisco dos. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 547.

Fig. 38 - Francisco dos Santos, Invocação, 1916, mármore.

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Simões de Almeida (sobrinho) e Leopoldo de Almeida que colaboraram na elaboração do monumento e o terminaram.154 Francisco dos Santos, neste retrato, representa uma mulher que emerge de um bloco de mármore. Avistamos um rosto plenamente esculpido sobre o bloco de mármore, apesar de não parecer, também trabalhado na totalidade, de modo a dar o aspeto de inacabado à escultura. Desta forma, podemos afirmar que se trata de uma união bastante equilibrada entre a Antiguidade e a Modernidade, pelo contraste do tratamento de superfície, sendo que, o rosto, personifica o mundo antigo pela perfeição e verismo e o tratamento do bloco com a aparência de inacabado, a modernidade rodiniana. Os olhos, direcionados para o céu, parecem-nos cegar de tanta luz que recebem. O globo ocular contém apenas a sugestão da pupila e da íris muito suavizada, quase inexistente. Este olhar para cima faz-nos recordar Laocoonte que, apelando aos céus, encara o firmamento. O pathos na escultura, resulta da simbiose perfeita entre dois termos completamente opostos, a beleza e a dor. Esta denominação grega é geralmente personificada num corpo em tensão com a cabeça inclinada para trás.155 O contraste entre o tratamento do rosto, amaciado, suavizado e delicado com a rudez e irregularidade da pedra demonstram a influência do seu pensionato em Paris, sobretudo das esculturas de Auguste Rodin, que apresentavam as mesmas características, desde o ponteado da superfície ao detalhe extremo conseguido rosto.

É quase impossível olharmos para este retrato e não nos surguir em mente a imagem da Virgem Maria, como Mater Dolorosa. A candura acentuada pela cor do mármore e o manto que a envolve, tapando-lhe a carne (ou o corpo?), deixando visível o espelho da alma, os olhos, que se encaminham para cima, refletindo toda a luminosidade do céu. O próprio título “invocação” semeia esta associação com o divino, a religião. O facto da figura olhar para cima, evoca-nos a ideia de prece, como se estivesse a rezar por alguém, a pedir a intercessão de Deus.

154 MEGA, Rita - Francisco dos Santos: Para além no Monumento ao Marquês de Pombal. Arte Teoria. N.º 8 (2006), p. 132. 155 CLARK, Kenneth - The nude: a study of ideal art. London: Penguin Books, 1956, pp. 215-216.

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Após a implantação da República a 5 de outubro de 1910, o governo republicano iniciara um processo de laicização de Portugal, implementando uma série de leis persecutórias, começando por encerrar os conventos de todas as ordens religiosas, chegando ao ponto de invadir violentamente algumas casas religiosas. A perseguição religiosa já se havia tornado evidente nos últimos anos de monarquia, com algumas leis que foram saindo, todavia, intensificou-se com a tomada de posse dos republicanos.156 Só em 1917 os ânimos viriam a acalmar com a ascensão de Sidónio Pais para a presidência da República, desta forma, o retrato de Francisco dos Santos fora executado durante esta grande instabilidade política e religiosa. Pelo título e pela atitude impressa na retratada, cuja mulher olha para cima, rejeitando a terra que pisa, talvez possamos deduzir que seria um apelo à pacificação. Francisco dos Santos apresenta este retrato na Exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes de 1916, juntamente com a Estátua de Nuno Álvares e, curiosamente, nesse ano é nomeado presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes, cargo que desempenha também em 1917, 1919,1920 e 1921.157

156 RAMOS, A. Jesus - Igreja e a I República - A reacção católica em Portugal às leis persecutórias de 1910-1911 [em linha]. In Didaskalia. fasc. 1 e 2, vol. 13. Lisboa: [s.n.], 1983, p. 298. [2 set. 2017]. Disponível em WWW:<URL: http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15059/1/V0130102-251-302.pdf> 157 MEGA, Rita - Francisco dos Santos: Para além no Monumento ao Marquês de Pombal. Arte Teoria. N.º 8 (2006), p. 114.

Fig. 39 - Simões de Almeida (sobrinho), Santa Teresinha - estudo, 1940, gesso.

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2.8. VIRGÍNIA DIAS DA SILVA

Este retrato em gesso patinado da atriz Virgínia Dias da Silva (1850-1922) [Fig. 40], foi executado pelo escultor António Teixeira Lopes em 1917 e situa-se na Casa-Museu com o nome do autor, em Vila Nova de Gaia. Apesar das conquistas feitas no mundo da representação conhecidas por todos, a vida privada de Virgínia Dias da Silva permanece desconhecida para o espectador. Sabemos que a atriz era amiga do escultor e que frequentava a sua casa, tendo inclusivamente aí participado em algumas encenações.

Virgínia terá posado para o artista. Desta forma, visto que o retrato data o ano de 1917, cinco anos antes da sua morte, a atriz teria aproximadamente 67 anos. Nesta fase da sua vida, para além de estar doente, ela passava por graves dificuldades económicas, chegando mesmo a serem organizados espetáculos em seu apoio. É o segundo retrato que encontramos na seleção, cujas mãos são visíveis. Observamos que nem dos pequenos detalhes o escultor se esqueceu. É caracterizado pelo diversificado modelado de superfície, para além de serem claras as marcas do teque, muitas delas são dedadas do escultor (mais presentes na parte de trás) ao tentar compactar o máximo possível o barro que ia acrescentando. Os detalhes, tratados com algum barroquismo, visíveis nas rendas reproduzidas junto ao peito, são uma prática recorrente do escultor presente em alguns dos seus retratos, por vezes até com colares e crucifixos. O rosto é caracterizado com rugas e outros sinais próprios da idade da retratada. A boca tenta esboçar um leve sorriso, que é contrariado, assim que encaramos os olhos, somos como que invadidos por uma tristeza profunda. O facto de deixar vazia a cavidade ocular, dão-lhe ainda mais profundidade, e a linha acima das pálpebras, cria ainda mais sombra, reforçando a ideia descrita anteriormente. As comissuras dos lábios são

Fig. 40 - Teixeira Lopes, Virgínia Dias da Silva, 1917, gesso patinado.

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acompanhadas por rugas que desenham os movimentos feitos pela atriz ao longo da vida e em palco. A localização do zigomático é claramente visível devido à pele que foi descaindo com a idade. Apenas uma mão está modelada na totalidade enquanto a outra se afunda no conforto da roupa e do xaile que a envolve. O cabelo está apanhado.

Fig. 41 - Fotografia de Virgínia Dias da Silva com o amigo António Teixeira Lopes.

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2.9. BUSTO DE POLACA

O Busto de Polaca [Fig. 42], de Francisco Franco, é uma das esculturas que marca o início do movimento modernista em Portugal.158 Este retrato em bronze, datado de 1921, encontra-se no Museu de Arte Contemporânea do Chiado, em Lisboa. A 9 de outubro de 1885, nasceu no Funchal, Francisco Franco de Sousa. Na Escola Industrial, recebeu as primeiras lições de Desenho, dadas pelo seu pai, mestre do ensino técnico.159 Aos 15 anos, partiu para Lisboa, acompanhado pelo irmão, o pintor Henrique Franco (1883-1961), com o objetivo de frequentarem a Academia de Belas-Artes. Recebeu as primeiras lições de escultura, através de Alberto Nunes e Simões de Almeida (tio).160

A sua candidatura para o pensionato em Paris, quando ainda estava a meio do curso de Escultura, acabou por ser bem-sucedida, partindo para França em 1909, juntamente com dois alunos de pintura, Guilherme Santa-Rita (1889-1918) e Simão Dórdio Gomes (1890-1976).161 Em Paris, frequentou a Escola Nacional de Belas Artes, como aluno voluntário, recebendo lições de Antonin Mercier. A estada na capital francesa, permitiu-lhe conhecer os protagonistas da escultura europeia, como Rodin (1840-1917) e Bourdelle (1861-1929), contudo, seria mais breve do que imaginara, pois, a sua bolsa foi suspensa, devido a conflitos políticos com João Chagas, novo Ministro de Portugal em Paris.162

158 FRANÇA, José-Augusto - A Arte em Portugal no século XX. Lisboa: Bertrand,1974, p.182. 159 MACEDO, Diogo de - Francisco Franco. Lisboa: Artis, 1956, p. 10. 160 NUNES, Paulo Simões - Franco, Francisco. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 309. 161 MACEDO, Diogo de - Francisco Franco. Lisboa: Artis, 1956. p. 10. 162 Ibid.

Fig. 42 - Francisco Franco, Busto de Polaca, 1921, bronze.

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Recebeu a encomenda para a estátua de Gonçalves Zarco, através da Junta-Geral do Distrito, em 1918. Apenas dez anos depois, a escultura foi concluída.163 Foi através deste monumento que Francisco Franco começou a trabalhar para Estado português.164 No ano seguinte, foi-lhe oferecida outra pensão para Paris. Nesta segunda viagem parisiense, conviveu com o escultor Diogo de Macedo, que se tornou um dos seus melhores amigos. Foi neste ambiente, que Francisco Franco cria o Busto de Polaca e o de Manuel Jardim, ambos em 1921.165 Em 1923, elaborou o Semeador, escultura que homenageou em vida o seu amigo Vieira de Castro. Posteriormente, recebeu outra bolsa financiada pelo Estado, desta vez para Itália, e partiu na companhia de Dórdio Gomes. 166 Sofreu um atropelamento junto ao seu atelier, poucos anos antes de falecer, e esse momento marcou a sua vida de forma irremediável. Morreu com apenas 69 anos de idade, a 15 de fevereiro de 1955 em Lisboa, deixando a encomenda para a estátua monumental ao Cristo-rei, feita pelo Patriarcado, apenas esboçada.167 Uma das obras inaugurais do modernismo na escultura portuguesa,168este retrato pertence à segunda estada de Francisco Franco em Paris. Deparamo-nos com uma cabeça de pescoço alongado, nariz protuberante e de cabelos desarrumados, que olha para a frente. Podemos ver algumas discrepâncias volumétricas, tanto nos olhos como na testa, pois o escultor não se focou na simetria, mas sim na captação da essência da pessoa retratada. Toda a superfície da escultura é rica em formas, porém, estas não eram feitas propositadamente, eram simplesmente as marcas da modelação que o escultor optou por deixar impressas. Obviamente que cada parte do retrato foi delimitada com um modelado de superfície diferente, todavia, não encontramos nenhuma área completamente depurada. Apesar de estático, este retrato está repleto de movimento nas linhas, nos traços, nos volumes, nas superfícies. Parece-nos ter sido feito num ato de espontaneidade do

163 NUNES, Paulo Simões - Franco, Francisco. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 311. 164 FRANÇA, José-Augusto - A Arte em Portugal no Século XX. Lisboa: Bertrand, 1974, p. 182. 165 NUNES, Paulo Simões - Franco, Francisco. In - Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 310. 166 Ibid., p. 311. 167 Ibid., p. 316. 168 NUNES, Paulo Simões - Francisco Franco e a “idade do ouro” da escultura portuguesa. Arte Teoria. N.º 11 (2008), p. 200.

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escultor, onde este se moveria sobre a escultura freneticamente, adicionando e subtraindo barro, à medida em que se movimentava, sem grandes deliberações. Esta escultura em bronze, apresenta um corte pelo pescoço assimétrico, deixando mais volume do lado esquerdo. E assenta sobre uma base paralelepipédica em mármore. O retrato esteve presente na exposição dos “5 independentes,” em Lisboa. O seu irmão Henrique Franco, o aguarelista Alfredo Miguéis (1883-1943) e alguns colegas com quem esteve em Paris, Diogo de Macedo e Dordio Gomes (1890-1976), também expuseram a seu lado.169 Também foi exibido na “Société Nacionale” e no “Salon d’Automne,” em Paris, juntamente com outras esculturas que havia elaborado no seu segundo estágio em França.170 O retrato da Escultora Maria Irene Vilar [Fig. 43], modelado por Barata Feyo, em 1957, apresenta algumas semelhanças com o Busto de Polaca. Não só no tratamento de superfície que mostra alguma expressividade plástica, sendo quase um retrato para se tocar e não para visualizarmos, mas também no pescoço, bastante alongado. Amedeo Modigliani (1884-1920), artista italiano que se viria a tornar famoso pelo seu percurso no campo da pintura, também desenvolveu algum trabalho escultórico entre 1909 e 1914, época em que contactou com Brancusi.171 As suas esculturas foram fortemente influenciadas pelo artista romeno, não somente a nível formal, mas também técnico, pois, segundo Modiglini, a única maneira de se salvar a escultura era retornar à

169 MACEDO, Diogo de - Subsídios para uma análise à obra de Francisco Franco. In Separata de Belas Artes. Nº 6 (1953). Lisboa: Academia Nacional de Belas Artes, p. 4. 170 Ibid., pp. 6-7. 171 KRYSTOF, Doris - Modigliani. Köln: Taschen, 2012, pp. 25-26

Fig. 43 - Barata Feyo, Escultora Maria Irene Vilar, 1957, bronze.

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prática do talhe direto.172 O artista também revelou um grande fascínio pela escultura africana.173 Modi, como era carinhosamente tratado por amigos, inclusivamente por Diogo de Macedo, tinha um estúdio num beco estreito sem saída, na Cité Falguière, local também habitado pelo escultor português em Paris. Na publicação 14 Cité Falguière, Diogo de Macedo descreve-nos um pouco o processo escultórico de Modigliani: “[…] passava desde manhãzinha até ao meio-dia, sentado no chão, uma pedra esguia entre os joelhos, malha que malha, pica que pica, desbastando, cinzelando esguias máscaras de esgalgado pescoço, o talhe lembrando o bárbaro dos manipansos […].174

Ao observarmos a escultura de Modigliani [Fig. 44], uma das principais características dos retratos do artista italiano são, precisamente, os pescoços alongados

172 WITTKOWER, Rudolf - op. cit., p. 273. 173 KRYSTOF, Doris - op. cit., pp. 25-26 174 MACEDO, Diogo de - 14 Cité Falguière. 2.ª ed. Lisboa: Jornal do Foro, 1960, p. 50.

Fig. 44 - Amedeo Modigliani, Cabeça de Mulher, 1912, calcário Fig. 45 - Amedeo Modigliani, Retrato de uma Mulher Polaca (detalhe), 1919, óleo sobre tela.

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que os seus referentes ostentavam. É difícil encontrar grandes semelhanças com o Busto de Polaca de Francisco Franco, visto que se trata de outra matéria, esculpida em vez de modelada, e toda a figura foi alongada, inclusivamente o pescoço, todavia, o mesmo princípio compositivo está presente. De facto, o prolongamento desta parte do corpo é recorrente em Modigliani. Ao encararmos o Retrato de uma Mulher Polaca [Fig. 45], para além do pescoço alongado, revelam-se outras afinidades entre esta pintura e a escultura de Francisco Franco. As convexidades dos olhos, tanto numa como noutra, estão intactas, sem terem o apontamento da íris ou da pupila; o formato de rosto, apesar de na pintura estar um pouco mais alongado é semelhante e, a expressividade da modelação de Francisco Franco pode ser igualada, contudo, com menos intensidade devido à diferença dos meios, a algumas pinceladas de Modigliani, também elas expressivas. O referente para ambos também foi uma mulher polaca, como nos informam os seus títulos. Apesar de não conhecermos a identidade da polaca do busto de Francisco Franco, as hipóteses para encontrarmos a representada no retrato de Modigliani são mais fáceis pois sabemos que algumas pessoas de nacionalidade polaca estariam entre o seu círculo de amigos. Suspeita-se que, pelas semelhanças, Hanka Zborowska, esposa de Leopold Zborowska, marchand de Modigliani, tivesse sido o referente feminino para este retrato.175 É sabido que, muitas vezes, Mogliani representou Lunia Czechowska, também nascida na Polónia, nos seus retratos. Em suma, a mulher polaca como referente para o retrato, era recorrente em Modigliani. É provável que Francisco Franco tenha conhecido a obra, tanto escultórica como de pintura, de Modigliani pois, Diogo de Macedo, escultor português que habitou no mesmo bairro do artista italiano, era amigo comum de ambos. Não sabemos se Francisco Franco se terá inspirado na obra de Modigliani para a criação artística, no entanto, não nos podemos esquecer de que o alongamento do pescoço nos retratos femininos é, por vezes, recorrente e muito antigo, como é visível, por exemplo, no célebre Busto da Rainha Nefertiti, referido anteriormente.

175 Museu de Arte de Filadélfia - Retrato de uma Mulher Polaca [Em linha]. [Consult. 30 agosto 2017] Disponível em WWW:<URL: https://www.philamuseum.org/collections/permanent/59575.html>

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2.10. BUSTO DE SENHORA O Busto de Senhora [Fig. 46] é um retrato fundido a bronze da autoria do escultor José Simões de Almeida (sobrinho), datado de 1931. Atualmente, encontra-se Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha. José Simões de Almeida nasceu em Figueiró dos Vinhos, a 17 de junho de 1880 e faleceu no dia 2 de março de 1950, tendo sido sepultado no Cemitério do Alto de São João.176 Com 13 anos, ingressou no curso de Desenho da Escola de Belas-Artes de Lisboa, sendo aluno do seu próprio tio, Simões de Almeida (tio), e colega do escultor Francisco dos Santos. Em 1897, com 17 anos de idade, frequentou o curso de Escultura-Estatuária. Durante dois anos, de 1905 a 1907, e foi pensionista do Estado em Paris. 177 Em 1908, elaborou um busto da República, sendo este utilizado, posteriormente, como imagem de propaganda da República portuguesa. Desenvolveu a área da medalhística, tendo ao longo da sua carreia, elaborado inúmeras medalhas, moedas e medalhões. Em 1911, tornou-se o responsável pelo modelo da nova moeda republicana, o escudo.178 Participou, juntamente com Leopoldo de Almeida, na elaboração do Monumento ao Marquês de Pombal, da autoria do falecido Francisco dos Santos, através da execução dos relevos. Já anteriormente havia trabalhado com o escultor que projetou o monumento

176 MEGA, Rita - Almeida (sobrinho), Simões de. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 42. 177 Ibid., pp. 38-39. 178 Ibid., p. 39.

Fig. 46 - Simões de Almeida (sobrinho), Busto de Senhora, 1931, bronze.

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situado no largo Marquês de Pombal, no Monumento a Gago Coutinho e Sacadura Cabral, para o Brasil (Pernambuco).179 No ano de 1915, concorreu para professor de Escultura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, tendo como adversário Costa Mota. Simões de Almeida (sobrinho) acabou por ser o sucessor do cargo ocupado pelo tio.180 A tipologia do retrato talvez tenha sido uma das mais exploradas no âmbito da escultura. Executou bustos, tanto de homens como mulheres, crianças e idosos. Entre eles, encontramos: Relembrando (1920), Cabeça de Negra (1933) e Santa Teresinha (1940). No Busto de Senhora, encontramos uma pose atípica para se elaborar um retrato de alguém. Esta mulher apresenta-se com os dois ombros despidos, um deles serve de apoio à cabeça que se debruça sobre o mesmo. O peito e o pescoço estão completamente nus, assim como é visível noutro retrato deste autor, Busto de Senhora [Fig. 47], anterior a este, datado de 1929. Todavia, a mulher representada aparenta ter um pouco mais de idade. O escultor revela capacidade de representação ao nível da estrutura óssea e muscular. Conseguimos observar a clavícula e o esternocleidomastóideo, mas tratados de uma forma subtil, naturalista. Terá seguido os ensinamentos do tio e mestre José Simões de Almeida. Contam que este, assim que os seus alunos terminavam o modelo em barro, aconselhava-os a cortarem as cabeças das figuras para lhes dar uma ligeira inclinação, de modo a tornar a figura e a pose, o mais natural possível.181 A posição apela à sensualidade, um pouco de pin up, com um ar inocente e, ao mesmo tempo, sensual e atrevido através da exposição corporal. Na realidade, este Busto

179 PAMPLONA, Fernando de - Simões de Almeida, Sobrinho (José). In PAMPLONA, Fernando de - Dicionário de pintores e escultores portugueses ou que trabalharam em Portugal. 4.ª ed. Barcelos: Livraria Civilização Editora, 2000, vol. 5, p. 214. 180 MEGA, Rita - Almeida (sobrinho), Simões de. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 40. 181 DUARTE, Eduardo - Almeida (tio), Simões de. In Dicionário de Escultura Portuguesa. (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 48.

Fig. 47 - Simões de Almeida (sobrinho), Busto de Senhora, 1929, bronze.

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de Senhora não mostra nada que não se possa ver, mas induz que pensemos que resto do corpo possa estar despido. O rosto e os ombros são as áreas mais expostas, ficando assim sempre em luz. Apesar de esta também se encontrar a olhar para cima, este “olhar para cima” é totalmente diferente daquele que encontrámos anteriormente na Invocação de Francisco dos Santos. O retrato da Cleo de Merode [Fig. 48] elaborado pelo escultor Mariano Benlliure (1862-1947) em 1910, assemelha-se a este retrato, não só na pose, como nas soluções formais utilizadas na base. O ar inocente e despercebido, como olhar para baixo, revela que a sensualidade é o sentimento dominante.

Fig. 48 - Mariano Benlliure, Cleo de Merode, 1910, mármore de Carrara.

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2.11. FLORBELA ESPANCA

A poetisa Florbela Espanca (1894-1930) fora uma fonte de inspiração para muitos artistas e, Diogo de Macedo não foi exceção. Este retrato [Fig. 49], elaborado um ano após a morte de Florbela, em 1931, viria a ser o modelo daquele que seria o Monumento a Florbela Espanca, passado agora a pedra. Iremos analisar o modelo em gesso, que se encontra nas Galerias Diogo de Macedo, em Vila Nova de Gaia. Diogo Cândido de Macedo, nasceu por volta das oito horas da noite, no dia a 22 de novembro de 1889, na freguesia de Mafamude, Vila Nova de Gaia, e faleceu no dia 19 de fevereiro de 1959, na sua casa em Lisboa.

Assim que terminou a instrução primária, obteve os primeiros contactos com a técnica do desenho e da modelação, ao frequentar a oficina do escultor Fernandes Caldas (1866-1923). A família, ao aperceber-se da sua aptidão para o meio artístico, decidiu inscrever Diogo de Macedo na Escola Industrial Infante D. Henrique, no Porto.182 Matriculou-se na Academia Portuense de Belas-Artes, em 1902, com apenas 13 anos. Contudo, devido à tenra idade, perdeu o ano. Em 1905, reinscreveu-se, tendo como mestre Teixeira Lopes. Terminou o curso em 1911 e, no ano seguinte, partiu para Paris, matriculando-se na École des Beaux Arts, onde foi aluno de Jean Antoine Injalbert (1845-1933), Paul-Wayland Bartlett (1865-1925) e de Antoine Bourdelle. 183

182 OLIVEIRA, Maria Gabriela Gomes de - Diogo de Macedo: subsídios para uma biografia crítica. Vila Nova de Gaia: Biblioteca Pública Municipal, 1974, p. 21. 183 MEGA, Rita – Macedo, de Diogo. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 365.

Fig. 49 - Diogo de Macedo, Florbela Espanca, 1931, gesso.

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Numa das estadas em Paris, conheceu o escultor Francisco Franco, tornando-se não só seu amigo, como também grande admirador da sua obra: “A admiração que votava à escultura de Francisco Franco, seu camarada de Paris, seu parceiro escultor na Exposição dos 5 Independentes, levara-o a relegar-se para um segundo plano, que não merecia, que não era justo, e na realidade o apoucava. A todo o momento ouvíamos: - O Franco isto, o Franco aquilo… O outro levantava arrogantemente a vela do seu barco, sem contestação uma linda e grande vela, e ele alegremente lhe soprava, como sopram os ventos fagueiros. […] Era de coração aberto e dadivoso e, por amor da Arte, preferia os outros a si.”184 Diogo de Macedo tem uma vasta produção de retratos, entre os quais, vários da sua esposa Ana Sotto Mayor e o da atriz Beatriz Costa. Todavia, o retrato que marcará a sua carreira enquanto escultor é o busto de Florbela Espanca (1931), esculpido em mármore, para ser colocado ao ar livre na cidade de Évora em junho de 1949.185 No que diz respeito aos monumentos públicos, as esculturas que melhor definem Diogo de Macedo neste ambiente são: Tejo e Tágides (1940), elaboradas para a Fonte Monumental em Lisboa, comummente conhecida por Fonte Luminosa.186 A par da escultura, Diogo de Macedo, dedicava-se também à escrita, chegando a publicar as biografias de alguns artistas portugueses, como Columbano Bordalo Pinheiro (1952), Francisco Franco (1956) e Machado de Castro (1958). Colaborou de forma assídua na revista Ocidente, onde escrevia as «Crónicas de Arte.» 187 Em 1938, foi eleito vogal na Academia Nacional de Belas-Artes188e seis anos mais tarde, tornou-se diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea. Numas notas autobiográficas de Diogo de Macedo, publicadas por Manuel Mendes, este definiu a sua vida em três momentos: “Dividindo a minha vida em três períodos, direi que a de estudos de escultura a comecei em 1904 até 1919, quando casei pela primeira vez, depois tive a fase de actividade como escultor até 1941, quando enviuvei, e a terceira, abandonando a escultura e dedicando-me a outras missões de Arte em 1943, e casando-me novamente em 1945, tem vindo por aí fora, sem um dia de descanso, trabalhando dia e noite, nunca perdendo

184 MENDES, Manuel - Diogo de Macedo. Lisboa: Artis, 1959, pp. 7-8. 185 MEGA, Rita - Macedo, Diogo de. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 368. 186 Ibid. 187 MACEDO, Diogo de apud MENDES, Manuel - Diogo de Macedo. Lisboa: Artis, 1959, p. 13. 188 MEGA, Rita - Macedo, Diogo de. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 368.

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sonhos nem esperanças, amando sempre a Arte pelo espírito e nunca aceitando qualquer prémio, medalha, condecoração ou pagamento material.”189 Relativamente ao retrato de Florbela Espanca, em termos compositivos, este difere de todos os outros anteriormente analisados, a poetisa encontra-se debruçada, apoiando a cabeça sobre as mãos, uma em cima da outra. Não conseguimos saber ao certo se este retrato é anterior a uma fotografia encontrada de Florbela numa posição muito idêntica [Fig. 50], contudo, as semelhanças entre a escultura e a imagem levam-nos a crer que Diogo de Macedo possa ter utilizado a fotografia como fonte para a composição. A retratada direciona o olhar para baixo, atitude muitas vezes entendida como olhar para dentro, ato introspetivo. Se, por um lado, nos parece triste, por outro, transmite-nos serenidade, também muito conseguida devido à cor do gesso. Os cabelos, divididos num risco ao meio, são presos para trás, sobre a nuca, deixando algumas mechas descaírem sobre as costas. A área do peito e ombros apresenta-se despida. Relativamente ao tratamento de superfície, o escultor faz apenas leves variações entre as diferentes áreas, como nos cabelos, sobrancelhas e na rocha onde as mãos de se encontram em repouso. Esta disposição remete-nos para o Pensador, de Auguste Rodin.

189 MACEDO, Diogo de apud MENDES, Manuel - Diogo de Macedo. Lisboa: Artis, 1959, p. 14.

Fig. 50 - Fotografia de Florbela Espanca.

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Num dos seus poemas, intitulado por Eu, Florbela faz o retrato de si própria: Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada … a dolorida … Sombra de névoa ténue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!… Sou aquela que passa e ninguém vê… Sou a que chamam triste sem o ser… Sou a que chora sem saber porquê… Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver, E que nunca na vida me encontrou!190

Analisando o poema que a autorretrata encontramos muitas semelhanças com representação que Diogo de Macedo faz da poetisa. Quando a mesma afirma que é: “sombra de névoa ténue e esvaecida,” automaticamente fazemos a associação com a sombra que cobre os olhos de Florbela. Uma das partes mais importantes do rosto, senão a mais relevante, está escura e encoberta, permanece misteriosa. Seguidamente declara: “Sou aquela que passa e ninguém vê…,” a pose em que o escultor a retrata não é muito comum para um monumento público em homenagem a alguém. A figura não aparece em destaque, nem numa pose altiva como deveria estar. Esta parece-nos perdida nos seus pensamentos, perdida talvez também no tempo e no espaço, sem se fazer notar pela sua presença. 190 ESPANCA, Florbela - Sonetos. 4.ª ed. Lisboa: Editora Ulisseia, 2002, pp. 38-39.

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Os escultores António Duarte, Raul Xavier, Irene Vilar (1930-2008) e João Cutileiro também representaram Florbela Espanca após a sua morte. O primeiro apresenta a retratada [Fig. 51] a olhar para cima, já sem olhos. Para além de nos transportar para a tragédia grega de Édipo, também nos deixa ver o seu interior, como se os olhos se tratassem das janelas da sua alma, agora finalmente abertas. Este retrato, elaborado em 1934, acabou mais tarde por ser destruído, restando apenas as fotografias do mesmo. Raul Xavier tem um busto da poetisa em Vila Viçosa e o seu bronze [Fig. 52] no Museu Amadeo de Souza Cardoso. Já a escultora Irene Vilar, fez uma máscara da poetisa para Matosinhos. Em 1994, João Cutileiro também retratou a mesma mulher [Fig. 53] com os acessórios que a caracterizam e, em termos formais, muito semelhante à Natália Correia que viria a esculpir cinco anos depois.

Fig. 52 - Raul Xavier, Poetisa Florbela Espanca, 1955, Bronze patinado. Fig. 51 - António Duarte, Retrato de Florbela Espanca, 1934. Fig. 53 - João Cutileiro, Florbela, 1994, mármore policromado.

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2.12. BEATRIZ COSTA

Diogo de Macedo, homenageou a atriz Beatriz Costa (1907-1996) com um retrato em gesso patinado [Fig. 54], datado de 1931. Encontra-se, assim como o anterior, nas Galerias Diogo de Macedo, Vila Nova de Gaia. O percurso profissional de Beatriz Costa sempre esteve ligado aos palcos, inicialmente como corista e depois como atriz de revista, tornando-se um ícone da cultura popular portuguesa que, na década de trinta, época de sucesso da atriz, foi eternizada pelo escultor. Ao contrário de grande parte dos retratos anteriormente estudados que eram monocromáticos, assumindo a cor própria do material e respeitando as características próprias da matéria, esta escultura aparece pintada. A tradição de pintar a escultura já é secular, contudo, parece-nos contraditório que um escultor da modernidade, onde prezam a verdade do material, queira “camuflá-lo.” Este conceito modernista de “verdade do material” está relacionado com a vontade do escultor em querer mostrar a autenticidade da matéria, sem fingimentos ao contrário do que acontecia nas práticas executadas na Antiguidade Clássica em que, como foi referido anteriormente, as esculturas eram policromadas. 191

O maior traço distintivo da atriz era, sem dúvida, o seu penteado. Tinha o cabelo preto, bastante liso e cortava-o pela nuca. A sua franja, também cortada a direito, ficava ligeiramente acima das sobrancelhas. É de salientar que o facto de a escultura estar pintada evidencia ainda mais o penteado, sendo impossível não reconhecerem a retratada.

191 TEIXEIRA, José - Escultura Pública em Portugal: Monumentos, Heróis e Mitos (séc XX). Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2008, p. 317.

Fig. 54 - Diogo de Macedo, Beatriz Costa, 1931, gesso patinado.

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A face, emoldurada pelos negros do cabelo, ilumina o retrato através dos tons claros que a preenchem. As sobrancelhas, extremamente finas e arqueadas, retratam a moda dos anos 30 em Portugal. A boca, ligeiramente aberta, dá-nos a sensação de que a artista se estaria a preparar para falar, quem sabe, a representar. O facto de o escultor alongar ligeiramente o pescoço, torna Beatriz Costa mais elegante, com o rosto mais magro do que ela tinha na realidade.

Fig. 55 - Fotografia de Beatriz Costa, 1934.

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2.13. RETRATO DA MINHA AVÓ

O Retrato da Minha Avó [Fig. 56], de Joaquim Correia, fundido a bronze no ano de 1938, localiza-se no Museu Joaquim Correia, na Marinha Grande. O escultor Joaquim Correia nasceu a 26 de julho de 1920 na Marinha Grande, numa família de mestres do vidro. Descobriu a sua vocação para a escultura ao executar os retratos: O meu irmão Guilherme e Retrato da Minha Avó. Contudo, esta tipologia esteve sempre presente no seu percurso, sendo, aliás, na qual o escultor mais se destacou.192 Falhou por duas vezes a entrada na Escola de Belas-Artes de Lisboa, em 1938-1939. No entanto, apesar da pouca sorte, teve a oportunidade e aprender escultura com o mestre Francisco Franco e, posteriormente, com os mestres Barata Feyo e António Duarte.193

Só em 1940-1941 foi admitido para frequentar a Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Todavia, pediu transferência para a Escola de Lisboa, em 1941. Durante o percurso académico na capital portuguesa, teve como professores Simões de Almeida (sobrinho) e Leopoldo de Almeida. Em 1948, concluiu o curso superior de Escultura, com uma média de 18 valores.194 Foi convidado para desempenhar o cargo de assistente no curso de escultura, na escola que o formou, em 1958. Em 1964, concorreu para o lugar de professor, acabando

192 PEREIRA, José Fernandes - Correia, Joaquim. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 157. 193 CUNHA, Manuel Barão da (Coord.) - Joaquim Correia e Lázaro Lozano. Catálogo da exposição organização pela Câmara Municipal de Oeiras de 22 de abril a 21 de junho de 1997. Oeiras: Livraria-Galeria Municipal Verney, 1997, p. 6. 194 PEREIRA, José Fernandes - Correia, Joaquim. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 158.

Fig. 56 - Joaquim Correia, Retrato da Minha Avó, 1938, bronze.

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por ser o primeiro classificado. Seguidamente, foi nomeado para o cargo de diretor da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, entre 1968 e 1974.195 A primeira encomenda que recebeu foi um retrato, o do médico Joaquim Gamboa, em 1942.196 E, a predileção pelo rosto humano, viria a ser notória, ao longo da sua carreira. Ainda na escola superior, fez o retrato da colega, Alice Isabel, no ano de 1942. Mais tarde, entre muitos retratos realizados, destacam-se: o Retrato da atriz Maria Lalande (1945); Madalena Santos Cardim (1956) e o da atriz Eunice Muñoz (1994).197 O retrato também foi explorado a nível da medalhística, fazendo medalhas de várias figuras icónicas da sociedade portuguesa, como Alexandre Herculano, Ramalho Ortigão, Fernando Pessoa, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco e Aquilino Ribeiro. Relativamente às esculturas de maior escala, destacam-se Orfeu, prova de conclusão de curso; Gil Vicente, em granito rosa, para a Biblioteca Nacional; Francisco Rodrigues Lobo (1973) e Afonso Lopes Vieira (1978), ambas em bronze e situadas em Leiria.198 No que diz respeito ao retrato da sua avó, este é caracterizado pelo verismo extremo. Encontramos uma idosa, neste caso sabemos que se trata da avó do escultor, com as marcas da idade espelhadas no rosto. Contrariamente ao que temos observado nas análises anteriores, o cabelo, área onde o escultor geralmente imprime mais detalhe, agora é um local mais nivelado. O autor foca a atenção do observador no rosto, onde a superfície é sinuosa e está repleta de modelado. Os olhos estão cavados, dão-nos a sensação de já não existirem. As bochechas deslizam sobre a face, chegando quase à linha da boca, fortemente demarcada e onde as comissuras parecem tentar contrariar a força da gravidade. Na testa, são desenhadas rugas, acentuando assim a passagem do tempo sobre a pele velha e cansada. No fundo, o escultor representa o futuro de todos nós. Podemos considerar que se trata quase de uma natureza-morta, esta ideia de finitude inerente a qualquer retrato,

195 CUNHA, Manuel Barão da ; GOVERNO, Rui (Coord.) - Joaquim Correia, Alice Vieira, Ana Duarte de Almeida. Catálogo da exposição organizada pela Câmara Municipal de Oeiras de 9 de outubro a 28 de novembro de 2004. Oeiras: Livraria-Galeria Municipal Verney, 2004, p. 4. 196 CUNHA Manuel Barão da (Coord.) - Joaquim Correia e Lázaro Lozano. Catálogo da exposição organização pela Câmara Municipal de Oeiras de 22 de abril a 21 de junho de 1997. Oeiras: Livraria-Galeria Municipal Verney, 1997, p. 6. 197 PEREIRA, José Fernandes - Correia, Joaquim. In Dicionário de Escultura Portuguesa. (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 158. 198 Ibid., pp. 159-160.

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contudo, aqui, mais explícito, devido à forma crua com que o artista modelou o barro. No entanto, segundo a nossa leitura e relembrando que esta escultura foi produzida quando Joaquim Correia tinha apenas 18 anos, a ideia de retratar a proximidade com a morte não teria sido a causa para retratar a sua avó. Assim como no Império Romano alguns imperadores gostavam de ser representados com as marcas da idade, pois era sinal de sabedoria e experiência,199 neste caso, o escultor revela a cada sinal, o carinho, o conhecimento, a ternura, a paciência e o amor que, só com a idade, o ser humano consegue demonstrar, como uma verdadeira avó. O retrato assenta numa base quadrangular em pedra. O ponto de ligação entre a base e a escultura é tão estreito, que nos dá a sensação de que a escultura plana sobre o ar. Relativamente à execução, Joaquim Correia explica-nos o seu método de trabalho: “no primeiro dia, dum modo geral, meto o barro na estrutura, meto os volumes. Mas, durante esse período, e à medida que o vou fazendo, num gesto um pouco automático, estou a pensar muito no que estou a ver!”200 Para o escultor, aquilo que estava a ver não se restringia apenas à forma física do retratado mas também à sua dimensão humana e psíquica, invisível aos nossos olhos mas que se expressa em olhares, palavras ou movimentos que o escultor deve conseguir captar e incluir no retrato, se achar que os mesmos definem a pessoa representada. Para Joaquim Correia o retrato tinha de ser vivo, de captar a atenção do observador a partir daquilo que fazia transparecer, caso não o fizesse, o retrato seria morto, aliás, deixaria de ser retrato. Para este, a cópia, para além de morte, era a paragem e a negação do próprio retrato.201 Sobre a matéria eleita para a realização deste retrato, o escultor numa entrevista explica-nos a preferência pelo bronze como material definitivo: “É aquele que melhor regista, com todo o rigor, o meu trabalho de escultor. É aquele que nunca se nega a

199 JANSON, H. W. - op. cit., p. 195. 200 CORREIA, Joaquim apud CARVALHO, Maria Fernanda - Reflexão sobre a teoria do retrato na obra de Joaquim Correia. Arte Teoria. N.º 6 (2005), p. 220. 201 Ibid., pp. 220-221.

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recolher, com a maior fidelidade, a mais pequena expressão que eu queira introduzir na forma.[…] o metal é o mais generoso dos materiais de que o escultor se serve.” 202 A representação de idosas foi um tema recorrente na tipologia do retrato em Portugal. António Teixeira Lopes [Fig. 57], Simões de Almeida (sobrinho) e Diogo de Macedo, foram alguns dos escultores que retrataram a terceira idade feminina, caracterizada pela flacidez e rugosidade da pele, bem como a possibilidade de vislumbrarmos a estrutura interna do rosto.

202 CORREIA, Joaquim apud A Escultura de Joaquim Correia. Lisboa: Verbo, 1982, p. [IX].

Fig. 57 - Teixeira Lopes, Tia Joana, s/ data, bronze.

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2.14. CABEÇA Esta cabeça de mulher [Fig. 58] foi esculpida, em 1938, pelo escultor Raul Xavier. Encontra-se no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado. Relativamente à biografia do autor, Raul Xavier nasceu em Macau, no dia 23 de março de 1894 e faleceu em 1964. É filho e neto de chinesas casadas com portugueses. Cedo abandonou a sua terra natal e veio para Portugal.203 Palyart Pinto Ferreira (1880-1946), era o nome do professor que lhe deu a instrução primária e que cedo se apercebera da vocação de Raul Xavier para as artes. Desta forma, conhecendo as dificuldades financeiras da numerosa família do seu aluno, concedeu-lhe uma pensão para estudar na Escola de Belas-Artes de Lisboa.204 Matriculou-se inicialmente no Curso Geral de Desenho, porém, três anos depois inscreveu-se em Escultura, tendo como mestre Costa Mota (tio), que, na altura, estaria temporariamente a ocupar esse cargo, enquanto Simões de Almeida (sobrinho) se encontrava doente. Contudo, mesmo após a saída de Costa Mota do ensino, ambos mantiveram contacto, sendo Raul Xavier, uma visita frequente no seu atelier.205 O atelier de Costa Mota foi o local onde o escultor se familiarizou com a técnica do talhe direto, processo muito presente e constante na sua carreira artística. A primeira escultura que elaborou de acordo com esta técnica foi o retrato do seu pai, que o fez alcançar a terceira medalha na exposição da Sociedade Nacional de Belas-Artes.206

203 CÉSAR, Oldemiro - Artistas portugueses: Raúl Xavier - escultor. Lisboa: [s.n.], 1943, p. 19. 204 NUNES, Paulo Simões - Xavier, Raul. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 617. 205 CÉSAR, Oldemiro - op. cit., p. 20. 206 NUNES, Paulo Simões - Xavier, Raul. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 617.

Fig. 58 - Raul Xavier, Cabeça, 1938, calcário.

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Teve a oportunidade de conhecer a escultura italiana através de um estágio oferecido pelo Estado português para estudar escultura religiosa em Itália, desta forma, interrompeu os estudos, que não voltaria a terminar. Lecionou ao longo de alguns anos como “mestre de canteiro artístico” na Escola de Arte Aplicada António Arroio e foi professor de desenho na Casa Pia de Lisboa.207 Ilustrou alguns livros escolares de Palyart Pinto Ferreira e publicações científicas como a Revista Médica do Hospital de Santa Maria de Lisboa. Foi desenhador de fenómenos patológicos na Faculdade de Medicina para o Arquivo de Anatomia e Antropometria. Decorou palacetes e jardins208 e, sobretudo, produziu muita escultura, todavia, devido à instabilidade financeira deste meio, foi trabalhando noutros projetos para subsistir. No domínio da escultura pública executou a figura Prudência (1932) para o Palácio de S. Bento e os dois Leões (1942) que se encontram junto à escadaria do mesmo edifício. Executou a Ciência e a Arte, para o Pavilhão Carlos Lopes, antigo Pavilhão dos Desportos, situado no Parque Eduardo VII.209 Participou também na Exposição do Mundo Português210 com um alto relevo na Sala de Aljubarrota.211 Explorou a tipologia do retrato. É importante referir que o seu primeiro trabalho de escultura foi curiosamente um busto de João de Deus para a Casa Pia. 212 Elaborou o busto de Rafael Bordalo Pinheiro, para o monumento erigido em sua homenagem, situado nos Jardins dos Campo Grande. O busto do pintor Carlos Reis que se encontra em Torres Novas; o retrato da poetisa Florbela Espanca, situado em Vila Viçosa e o do Marquês Sá da Bandeira, são uma pequena amostra da sua produção retratística. Também esculpiu inúmeros retratos em talhe direto como são exemplo a Cabeça, que falaremos posteriormente, e a Cabeça de criança, explorada em diferentes modelos e materiais.213

207 Ibid., p. 618. 208 CÉSAR, Oldemiro - op. cit., p. 21. 209 NUNES, Paulo Simões - Xavier, Raul. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 619. 210 A Exposição do Mundo Português foi o mais importante acontecimento político-cultural do Estado Novo. Elaborada em 1940, com o intuito de comemorar o duplo centenário da independência (1140) e da restauração (1640). Contou com a colaboração de vinte escultores, doze arquitetos e mais de quarente pintores. BRITO, J. M. Brandão ; ROSAS, Fernando (Dir.) - Dicionário de História do Estado Novo. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996, vol. I, p. 326. 211 AREIAS, Mário - Raúl Xavier. Lisboa: [s.n.], 1955, p. 27. 212 Ibid., p. 26. 213 NUNES, Paulo Simões - Xavier, Raul. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 621.

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No campo da medalhística, destacam-se as medalhas de Camilo Castelo Branco, do Dr. José Leite Vasconcelos (1858-1941) e da Rainha D. Luísa de Gusmão; e também as medalhas fundidas com efígies de Soares dos Reis, Venceslau de Morais (1854-1929), Aquilino Ribeiro, entre outros.214 Também aprofundou os conhecimentos técnicos através dos trabalhos restauro elaborados no Palácio Nacional de Queluz, no Convento de Mafra, no Palácio da Ajuda e de Sintra.215 Analisando o retrato de Raul Xavier enquadrado no percurso escultórico, este exibe a cabeça de uma mulher, cortada pelo pescoço, cuja anatomia nos relembra ligeiramente as origens do escultor, nomeadamente nos olhos amendoados e pelo formato mais plano da face. A maioria do globo ocular encontra-se ocultado pelas pálpebras, indiciando que esta, em vez de encarar o observador, olha para baixo. Esta atitude está, muitas vezes, relacionada com o ato de introspeção. O aspeto é algo primitivo pelos traços repetitivos que envolvem todo o retrato. Estas marcas pertencem à ferramenta que o escultor terá utilizado para dar forma ao bloco. Não se tratam de uma solução estética, que o artista tenha procurado fazer após ter o retrato finalizado, mas fazem parte do processo metodológico utilizado para a execução da mesma, o talhe direto, que Raul Xavier optou por deixar visíveis. O talhe direto baseia-se no trabalho do escultor diretamente sobre o bloco de pedra ou madeira. Nesta prática é rejeitado qualquer método de reprodução intermediária.216 Assim como na modelação, esta prática estabelece uma ligação imediata entre o pensar e o fazer,217 no entanto, aqui, não são permitidas hesitações. O facto de a escultura ser em calcário, pedra bastante macia, permite que seja mais fácil de trabalhar neste processo.218 Contudo, independentemente da matéria, a sua preferência pelo talhe direto manifestou-se precocemente:

214 Ibid. 215 Ibid. 216 SILVA, Fernando Roussado - Técnica da Escultura em Pedra: Algumas reflexões sobre o talhe directo. Lisboa: [s.n.] FBAUL, 2010, p. 43. 217 Ibid. 218 HOVENKAMP, Joanne Bouman - A escultura em pedra: o século XX em Portugal. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2013, pp. 55-56.

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“Naquela frequência constante do atelier de Costa Mota repara com particular atenção o aluno no canteiro ponteador a desbastar no mármore a obra que o escultor haveria depois de retocar. Começava a despontar-lhe o interêsse pelo talhe directo, em que hoje é exímio, e a que tantos outros se furtam por comodidade de manejar apenas os teques no barro ou no gêsso, bem mais leves que os cinzéis, as macêtas e as goivas, consoante a ferramenta tem de atacar a pedra rija ou a madeira mais macia. É mais fácil, de resto, deixar ao canteiro a tarefa rudo limitando o esforço de criação ao barro a cada momento dócil a correcções. O jovem escultor é que não pensava assim. Queria experimentar suas forças começando, ao contrário dos outros, pelo mais difícil.”219 Oldemiro César ainda nos descreve as etapas do seu processo de trabalho: “Seria assim sempre o seu método de trabalho. A elaboração mental, em primeiro lugar, o estudo da composição e do pormenor, depois o ataque directo, espontâneo, forte e vigoroso, quer seja no domável barro, quer no rijo granito ou no mármore nobre mas ingrato.”220 A sua composição é estática, contrastando a com a multiplicidade de marcas deixadas na superfície. Os olhos e o lábio inferior são áreas onde os sulcos foram disfarçados. Assenta numa base paralelepipédica em pedra. Assemelha-se ao Busto de Polaca de Francisco Franco, não só pela postura frontal e pelos cabelos apanhados, mas também pelo formato de rosto e pelas irregularidades que encontramos em ambas as testas. Quinze anos antes, o escultor Gaston Lachaise (1882-1935) [Fig. 59] havia modelado Cabeça de Mulher (Cabeça Egípcia). Comparando este retrato com a Cabeça de Raul Xavier, apesar do tratamento de superfície ser completamente oposto, encontramos algumas semelhanças, desde o formato do rosto, os olhos amendoados com traços orientais, a curvatura das sobrancelhas e até mesmo a parte do cabelo entrançada que cobre o lado esquerdo do rosto.

219 CÉSAR, Oldemiro - op. cit., p. 20. 220 Ibid., pp. 20-21.

Fig. 59 - Gaston Lachaise, Cabeça de Mulher (Cabeça Egípcia), 1923, bronze.

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2.15. RETRATO DE SENHORA

Leopoldo de Almeida, na sua vasta obra escultórica, também se dedicou ao retrato. O Retrato de Senhora [Fig. 60], executado em gesso no ano de 1945, encontra-se no Museu José Malhoa. No que diz respeito à biografia do escultor, Leopoldo Neves de Almeida nasceu no dia 18 de outubro de 1898 em Lisboa, às vinte horas.221 Morreu a 28 de abril de 1975, com 76 anos.222 Com apenas 15 anos, em 1913, matriculou-se na Escola de Belas-Artes Lisboa, no Curso Geral de Desenho.223 Três anos depois, entrou no Curso Especial de Escultura, no qual foi aluno do mestre Simões de Almeida (sobrinho) nas aulas de modelação.224

A partir de 1926, recebeu uma bolsa do Estado, tendo a oportunidade de conhecer tanto Paris como Roma. 225 No entanto, a segunda cidade, pelas suas características clássicas, viria a causar mais impacto na arte de Leopoldo de Almeida, como é notório na escultura Melancolia Ancestral, mais conhecida como Fauno ou Sátiro.226 Em 1930, colaborou na elaboração do Monumento ao Marquês de Pombal após o falecimento do escultor responsável pelo projeto, Francisco dos Santos, com as estátuas Plutão e Neptuno, que integravam o grupo escultórico da base do monumento.227

221 FLORENTINO, Maria Rachel - Cronologia. In O Atelier de Leopoldo de Almeida (Coord. Ana Cristina Leite). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1998, p. 15. 222 Ibid., p. 25. 223 MEGA, Rita - Vida e obra do escultor Leopoldo de Almeida. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2012, p. 13. 224 Ibid., pp. 15-16. 225 NUNES, Paulo Simões - Almeida, Leopoldo de. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 31. 226 MEGA, Rita - Vida e obra do escultor Leopoldo de Almeida. Lisboa: [s.n.], FBAUL, 2012, p. 31. 227 FLORENTINO, Maria Rachel - op. cit., p. 17.

Fig. 60 - Leopoldo de Almeida, Retrato de Senhora, 1945 gesso.

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Venceu Francisco Franco no concurso para professor de Desenho de Figura do Antigo e do Modelo Vivo, na Escola de Belas-Artes de Lisboa, em 1934. E mais tarde, em 1957, foi nomeado para subdiretor e mestre de Escultura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa.228 Também explorou a tipologia do retrato, como é visível nos bustos, Eva e Retrato de Senhora, ambos no Museu José Malhoa; e nos de Sílvia Ferreira, Guilhermina Suggia e Bitinha Vieira Machado [Fig. 61], que apesar de pertenceram à coleção do Museu de Lisboa, se encontram em depósito no Museu Leopoldo de Almeida, nas Caldas da Rainha. Foi o escultor responsável pelos monumentos alusivos às comemorações centenárias de 1140, da Fundação e de 1640, referente à Restauração da Nacionalidade, em parceria com o arquiteto Cottinelli Telmo (1897-1948). No primeiro, elaborou a uma colossal estátua feminina, Soberania, para o Pavilhão dos Portugueses no Mundo, e, no segundo, o Padrão dos Descobrimentos, um grupo escultórico, tendo o Infante D. Henrique como protagonista.229 Em 1965 erigiu o Monumento a Calouste Gulbenkian no décimo aniversário da sua morte, onde ilustra uma viagem de Gulbenkian ao Egito, sentado em frente do deus egípcio Hórus.230 De acordo com o retrato eleito para a seleção, deparamo-nos com uma mulher de braços cruzados, que olha pacificamente para a frente. Os olhos, misteriosos por não transparecerem qualquer tipo de emoção, são tipicamente clássicos, isto é, com o formato grego, cujo globo ocular permanece intacto. O escultor apenas delimita a área refente à íris através de um leve sulco circular esbatido que, só estando perto é que se faz notar. A

228 NUNES, Paulo Simões - Almeida, Leopoldo de. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 32. 229 Ibid., p. 33. 230 Ibid., p. 35.

Fig. 61 - Leopoldo de Almeida, Bitinha Vieira Machado, 1948, gesso.

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boca tenta esboçar um leve sorriso. O penteado ilustra a moda dos anos quarenta, com o risco ao lado e repleto de ondulações, fazendo quase parecer uma diva da época, contudo, a sua indumentária demonstra o oposto. Uma gola alta cobre-a desde o pescoço, impossibilitando-nos de ver uma das partes mais atraentes do corpo feminino, o colo do peito. Relativamente ao tratamento de superfície, os cabelos foram desenhados ao pormenor, sendo quase possível ver onde começa e termina cada um dos seus fios. O rosto mantém-se imaculadamente nivelado e é na camisola que avistamos mais variações. São visíveis marcas dos teques dentados e de uma espátula que, por vezes, cria ausências na superfície. A gola e os punhos são as áreas mais detalhadas da camisola. As costuras e as dobras, nomeadamente junto aos ombros, também são visíveis. A escultura, quase de meio corpo, emerge de uma superfície retangular, também em gesso, onde após a mesma surgem as mãos, modeladas ao pormenor, pousadas sobre os braços da retratada.

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2.16. MARIA LALANDE

Em 1945, Joaquim Correia retrata a atriz Maria Lalande (1913- 1968) [Fig. 62], por quem tinha uma grande admiração. Este busto, em gesso patinado a bronze, encontra-se no museu dedicado ao escultor, na Marinha Grande. A Fundação Calouste Gulbenkian também é detentora de uma réplica em bronze do mesmo retrato. Este retrato, fruto de um convite feito pelo escultor para retratar a atriz, é realizado ainda enquanto Joaquim Correia frequenta a Escola de Belas Artes e é através do mesmo que ganha o prémio Soares dos Reis.231A casa de Maria Lalande seria o local onde esta posaria para o artista a representar.

Sobre a mesma, o escultor adianta: “Eu conhecia-a, fui muitas vezes ao teatro, conhecia do camarim, estive dúzias…, centenas de vezes com ela a conversar no camarim, a vê-la entrar em cena a vê-la sair de cena, a vê-la entrar no camarim furiosa, porque lhe tinha corrido mal a interpretação no palco ou, a entrar satisfeitíssima porque, naquele dia, lhe tinha corrido muito bem!”232 Desta forma, concluímos que, para além de terem gostos comuns, neste caso, o teatro, encontravam-se com frequência. Maria Lalande era alguém que o escultor conhecia relativamente bem. Ao observarmos este retrato, existem dois aspetos que nos saltam à vista: o cabelo e o pescoço. O cabelo destaca-se devido ao seu carácter monumental e o pescoço, por ser exageradamente alto. No entanto, após uma análise mais detalhada, estas características tornam-se secundárias quando encaramos o rosto de Maria Lalande. A palavra que melhor descreve este retrato é: sentimento. O olhar transmite-nos tristeza e melancolia, ao mesmo tempo que nele conseguimos sentir ternura, afetos, como se estivesse a reprimir algum

231 MEGA, Rita - Conversas com escultores…: Joaquim Correia. Arte Teoria. N.º11 (2008), p. 252. 232 CORREIA, Joaquim apud CARVALHO, Maria Fernanda - op. cit., p. 225.

Fig. 62 - Joaquim Correia, Maria Lalande, 1945, gesso patinado a bronze.

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sentimento. A atriz parece-nos estar perdida nos seus pensamentos, recordando momentos passados com consciência de que estes nunca mais voltarão. As rugas que o escultor assinalou, nomeadamente sobre a testa, acentuam a ideia de melancolia presente na escultura. Nas sessões Encontros de Escultura, promovidas pela Câmara Municipal de Oeiras em 2000, o escultor Joaquim Correia descreve-nos a dificuldade que sentiu ao retratar atrizes: “[…] quando a responsabilidade é a de fazer um retrato de uma pessoa que tem a cabeça de uma actriz que é capaz de a movimentar com todos os sentimentos mais requintados… procurar segurar essa capacidade que a actriz tem e que não se transmite senão por um circuito. É esse circuito entre o espectador e o actor que me preocupou […] Foi um sentimento semelhante ao que tive quando fiz o retrato da actriz Maria Lalande.”233 Este retrato é seccionado um pouco abaixo dos ombros, com um corte horizontal. No pescoço alongado, conseguimos ver o apontamento do músculo esternocleidomastóideo e mais abaixo, o escultor anotou o posicionamento das clavículas, acentuando a sua elegância. A pátina dada a este retrato imita o bronze. Muitas vezes os escultores utilizavam esta técnica devido à falta de meios financeiros para suportar os custos da fundição ou da passagem dos mesmos para pedra ou madeira, considerados materiais definitivos.234 Segundo Pedro Anjos Teixeira: “Os escultores têm de recorrer às patines, porque o material que trabalham é de transição; o mais vulgar, o gesso que, ao abrigo de ateliers e de alguns museus, é quase eterno, tem um branco feio, recebe mal a luz e é opaco. […] Uma patine não é difícil de fazer e o aspecto da obra é muito mais agradável.”235

233 CORREIA, Joaquim apud 13.º Encontro de Escultura - 22 de Maio de 2000 com escultor Joaquim Correia e actriz Eunice Muñoz. In CUNHA, Manuel Barão - Encontros de Escultura. Oeiras: Livraria-Galeria Municipal Verney, vol. II, pp. 11-12. 234 TEIXEIRA, Pedro Anjos - Tecnologias da Escultura. 2.ª ed. Sintra: Câmara Municipal de Sintra, 2006, p. 101. 235 Ibid.

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2.17. MENEZ

Salvador Barata Feyo é representado no percurso com o retrato fundido a bronze da pintora Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca (1926-1995) [Fig. 63], mais conhecida pelo nome artístico de Menez, datado de 1946 e pertencente ao espólio do Museu Barata Feyo, nas Caldas da Rainha. Salvador Barata Feyo nasceu em Angola, na cidade de Moçâmedes, no dia 5 de dezembro de 1899 e faleceu no dia 31 de janeiro de 1990.236 Com apenas dois anos, veio para Portugal, e aqui iniciou o percurso académico. Apesar de muita oposição paterna, Barata Feyo entrou na Academia de Belas-Artes e frequentou o curso de Escultura,237 tendo como mestre, Simões de Almeida (sobrinho).

A sua primeira criação após a conclusão do de Escultura, denominada Primeiro Cânone, marcou inevitavelmente o percurso artístico de Salvador Barata Feyo, surgindo quase como um grito de revolta contra o cânone das proporções do corpo humano.238 Em 1933, através de uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, viajou para Itália, vendo em primeira mão os objetos artísticos dos grandes nomes da escultura europeia. Entre 1945 e 1946, deu vida a alguns escritores portugueses através da escultura, como Almeida Garrett, Antero de Quental e Alexandre Herculano.239

236 Ibid., p. 295. 237 LOPES, José Maria da Silva - Feyo, Salvador Barata. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 290. 238 PAES, Sellés - Barata Feyo. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1966, p. 7. 239 LOPES, José Maria da Silva - op. cit., p. 292.

Fig. 63 - Barata Feyo, Menez, 1946, bronze.

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Iniciou-se como professor na Escola de Belas-Artes do Porto em 1948, profissão que manteve até 1972.240 Posteriormente, tornou-se diretor interino do Museu Nacional Soares dos Reis, entre 1950 e 1960. Relativamente à escultura pública, elaborou a Estátua Equestre a D. João VI, 241 Estátua de Vímara Peres e Estátua de Bartolomeu Dias.242 Os retratos de Salvador Barata Feyo, mais do que a apreensão dos traços fisionómicos característicos do retratado, pretendiam captar a essência humana de cada um. Menez, Irene Vilar ou Madeline Randz, são algumas das suas esculturas pertencentes a esta tipologia.243 No retrato da pintora Menez destaca-se, sobretudo, a monumentalidade com que o escultor trata as formas, como se fosse de uma construção arquitetónica.244 O cabelo, maior área de volume, expressa claramente esta ideia. O escultor não se preocupou em modelar as mechas de cabelo ou os seus caracóis, simplesmente colocou o volume que este ocupava e, posteriormente, nivelou o suficiente a superfície de modo a torná-la maior, com um carácter monumental. Se não soubéssemos que esta escultura tem o tamanho natural, diríamos que se tratara de algo colossal e imponente. Relativamente ao rosto, o escultor colocou apenas o essencial, adicionando apenas o barro necessário para criar o volume certo, sem provocar grandes variações. Curiosamente, vemos o cuidado do escultor ao desenhar a íris nos olhos. A peça assenta numa base quadrangular em pedra. Numa homenagem feita por Lagoa Henriques (1923-2009) ao amigo e mestre Salvador Barata Feyo, o discípulo recorda o que uma vez este afirmara sobre a sua obra escultórica: “Trabalhei alguma coisa, mas confesso que acima de tudo meditei muito… confesso que em todas as peças que executei fiz por discernir proporções, por dar densidade aos volumes, grandeza ao conjunto, resistência ao conteúdo e força a uma ideia que sempre inundei de mim próprio.”245 Deste modo, para Barata Feyo, a escultura era

240 Ibid., p. 294. 241 Mestre Barata Feyo: exposição retrospectiva. Caldas da Rainha: Câmara Municipal, 1991, p. [37]. 242 Ibid., pp. [42-43]. 243 LOPES, José Maria da Silva - op. cit., p. 294. 244 TEIXEIRA, José - Antropomorfismo e abstracção do rosto na Escultura no Séc. XX. In As artes visuais e as outras artes. Lisboa: Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2008, pp. 138-139. 245 FEYO, Barata apud HENRIQUES, Lagoa - Homenagem ao mestre do discípulo e amigo. In Mestre Barata Feyo: exposição retrospectiva. Caldas da Rainha: Câmara Municipal, 1991, pp. 21-22.

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importante, como consciencialização do que ela representava, e pelo impacto que possuía, tanto para o artista como para o observador.

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2.18. PINTORA ESTRELA FARIA

Em 1950, a pintora Estrela Faria, havia sido modelo para mais um dos inúmeros retratos de António Duarte. Esta escultura, em granito sueco, foi esculpida no seu atelier em Belém.246 Atualmente, encontra-se exposta no Atelier-Museu António Duarte, nas Caldas da Rainha. A 31 de janeiro de 1912, nasceu, nas Caldas da Rainha, António Duarte da Silva Santos. Lisboa foi o local da sua morte, no dia 2 de março 1998.247 A sua vocação para as artes revelou-se em tenra idade, assim que começou a modelar na oficina do ceramista Francisco Elias.248 Em 1929, matriculou-se na Escola de Belas-Artes de Lisboa, no curso de Escultura, sendo aluno de Simões de Almeida (sobrinho). E mais tarde, com 45 anos, foi docente da cadeira de Escultura, na mesma instituição. 249

Foi o escultor português do século XX com o maior número de retratos, estima-se que ultrapasse uma centena.250 Para além de figuras públicas como Sophia de Mello Breyner, retratou colegas no meio artístico como Naum Gabo, Lena Perestrelo e, também familiares, como a sua esposa Regina. Relativamente à escultura pública, elaborou o Monumento a Camilo Castelo Branco (lioz), Santo António (bronze), praça de Alvalade, Cavalos Marinhos (lioz) praça do Império, Coluna, Opressão, Prélio,251 Gil Vicente, entre outras.

246 António Duarte: Retratos (Comissão Executiva Prof. Pintor J. Conceição Ferreira ; Prof. Pintor José Cândido ; Prof. Escultor Hélder Batista ; Prof. Pintor Rogério Ribeiro ; Prof. Escultor António Trindade). Catálogo da Exposição na Escola Superior de Belas-Artes. Lisboa: Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, Março/Abril, 1983, p. [23] 247 NUNES, Paulo Simões - Duarte, António. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 208. 248 Ibid., p. 208. 249 Ibid., p. 214. 250 Ibid. 251 Atelier-Museu Municipal António Duarte. 2.ª ed. Caldas da Rainha: Câmara Municipal, 1997, pp. 47-58.

Fig. 64 - António Duarte, Pintora Estrela Faria, 1950, granito sueco.

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Este retrato é o primeiro da seleção em que o sujeito retratado se encontra de olhos fechados. Quase parece um contrassenso o facto de uma pintora ser retratada desta forma, sem a visão, um dos sentidos essenciais para a criação. Este fator, aliado à matéria escolhida para a elaboração desta escultura, remetem-nos inconscientemente para a ideia de morte. Estrela Faria encontra-se com a cabeça ligeiramente inclinada para trás, aparenta estar em repouso, num momento mais intimista, apenas consigo mesma, onde parece sentir a brisa tocar-lhe o rosto. A forma como os volumes se dispõem, com uma base estreita e oblíqua, por um lado, dão-nos a sensação de fragilidade, mas, por outro, mostram-nos o equilíbrio necessário para se suster de pé. António Duarte esclarece-nos acerca das vantagens do trabalho em pedras mais duras, como é exemplo o granito sueco: “[…] trabalhos executados em pedras vulcânicas, de excecional dureza, favorecendo uma das soluções de escultura, simplificação formal, em que a arte do antigo Egipto é inultrapassável, economia de pormenores que de análise em análise se processa durante a longa feitura da obra. Simplificação não é retorno, em nosso entender é procura de racionalidade de linguagem plástica.” 252 Sobre a sua metodologia de trabalho, o escultor acrescenta: “Grande respeito e natural aptidão para trabalhar a pedra sempre nos orientou consciente e deliberadamente, a excluir o uso de máquinas acessórias para esculpir, sempre desejámos que a escultura em pedra não fosse “violentada” na sua resistência, que o uso da máquina descaracteriza, utilizada e serrada como madeira, […].”253 Desta forma, todo o processo de transladação era executado manualmente, sem o recurso a máquinas de desbaste.

252 DUARTE, António apud António Duarte: Retratos (Comissão Executiva Prof. Pintor J. Conceição Ferreira ; Prof. Pintor José Cândido ; Prof. Escultor Hélder Batista ; Prof. Pintor Rogério Ribeiro ; Prof. Escultor António Trindade). Catálogo da Exposição na Escola Superior de Belas-Artes. Lisboa: Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, Março/Abril, 1983, p. [15]. 253 Ibid.

Fig. 65 - Fotografia de António Duarte, Joaquim Correia, Estrela Faria e João Fragoso, na casa da Avenida Infante Santo, Lisboa. Finais dos anos 50 e inícios dos anos 60.

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O granito sueco é uma matéria muito utilizada para a realização de túmulos. Como foi referido anteriormente, o conceito de morte parece-nos muito presente. Todavia, nos anos 50, a pintora estava viva e só viria a falecer 26 anos depois. Visto que António Duarte e Estrela Faria conviviam um com o outro, talvez o escultor aqui tratasse de uma transfiguração da pintora e não necessariamente duma morte. Apesar de a superfície ser escura, encontramos pontos de luz, próprios da matéria, remetendo como que para uma noite estrelada... Este retrato esteve presente em duas exposições. A primeira foi em 1955, em Barcelona na III Bienal Hispanoamericana de Arte, Barcelona e, seguidamente na exposição “Retratos,” organizada pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, em 1983.254

254 Ibid., p. [23].

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2.19. GUILHERMINA SUGGIA O retrato em gesso que imortaliza a violoncelista Guilhermina Suggia (1885-1950) [Fig. 66], foi modelado por Leopoldo de Almeida, em 1952. Atualmente encontra-se em depósito no Museu Leopoldo de Almeida, nas Caldas da Rainha, mas pertence ao espólio do Museu de Lisboa. Fruto de uma encomenda feita pela Câmara Municipal do Porto, esta escultura fora mandada erigir para ficar nos jardins do Conservatório de Música.255 Todavia, iremos concentrar-nos apenas no seu gesso. Guilhermina Suggia foi uma violoncelista prestigiada não só a nível nacional, bem como internacional. Pertencia a uma família ligada à área da música através do seu pai, Augusto Jorge de Medim Suggia (1851-1932), que havia sido violoncelista e professor de música. Desde muito cedo, com apenas cinco anos, Guilhermina começou a ter aulas de violoncelo, dadas pelo pai. Posteriormente, um violoncelista catalão seria o seu mestre, Pablo Casals, (1876-1973) e,

mais tarde, seu esposo do qual se divorciou. Tocou nos principais palcos de muitas cidades europeias. Teve a oportunidade de estudar em Leipzig, concluindo na mesma cidade os estudos musicais.256 Também viveu em Paris e em Inglaterra, no entanto, seria o Porto a sua última residência. Faleceu, vítima de cancro, com 65 anos, e bastante só após o falecimento dos pais, ambos no ano de 1932, e do segundo marido, o Dr. José Casimiro Carteado Mena (1876-1949), um ano antes da sua morte.257

255 POMBO, Fátima - Guilhermina Suggia ou o violoncelo luxuriante. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, D.L., 1993, p. 232. 256 Suggia: o violoncelo (Coord. Maria da Luz Paula Marques ; Luís Cabral). Catálogo da Exposição patente na Casa-Museu Guerra Junqueiro. Porto: Câmara Municipal do Porto, 2006, pp. 13-14. 257 Ibid., p. 17.

Fig. 66 - Leopoldo de Almeida, Guilhermina Suggia, 1952, gesso.

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Quando se tratava de fazer um retrato, Leopoldo de Almeida, sempre que era possível, solicitava a presença do retratado com o intuito de retirar do natural um traço particular, pois, segundo o mesmo: “A exactidão fotográfica não interessa à escultura.”258 O escultor representa uma mulher de meia-idade, cujas marcas do tempo já se encontram percetíveis, nomeadamente junto aos olhos. Esta parece-nos estar a olhar para alguém, porém de uma posição privilegiada e mais alta, quase como se estivesse a encarar o seu público de forma grata e nostálgica ao mesmo tempo. A boca tenta esboçar um leve sorriso apesar de, à primeira vista, dar a sensação de estar triste. Os olhos são gregos em termos formais, não nos podemos esquecer que Leopoldo de Almeida era um clássico. As mãos, parte secundária que geralmente fica apenas esboçada, são cuidadosamente modeladas, conferindo grande realismo à escultura. Leopoldo não se esqueceu de colocar as principais características da retratada. Neste caso, o seu nariz, saliente e sinuoso, seria o traço distintivo mais particular de Guilhermina, completamente inconfundível. Quando os retratados têm características

258 ALMEIDA, Leopoldo de apud LEITE, Ana Cristina - O Atelier de Leopoldo de Almeida. In O Atelier de Leopoldo de Almeida (Coord. Ana Cristina Leite). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1998, p. 10.

Fig. 68 - Fotografia de Guilhermina Suggia. Fig. 67 - Leopoldo de Almeida, Guilhermina Suggia (esboceto), 1952, bronze.

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muito próprias, torna-se mais fácil tornar o retrato credível sem ser necessário que todos os detalhes estejam realmente iguais. O tratamento de superfície é bastante regular. As diferentes áreas do rosto apresentam o mesmo tipo de tratamento, mais nivelado, como são exemplo o rosto, o xaile que a envolve, à exceção do cabelo, onde o escultor lhe acrescenta algum modelado de superfície, desenhando com o teque os fios de cabelo e as suas respetivas direções. A base do retrato é muito semelhante à do busto de Virgínia Dias da Silva, em que Teixeira Lopes constrói a escultura sobre uma base retangular no mesmo material. Guilhermina Suggia não foi uma fonte de inspiração apenas para Leopoldo de Almeida. A escultora Irene Vilar, por volta de 1989, elaborou em gesso a Máscara de Guilhermina Suggia [Fig. 69], optando por soluções formais semelhantes às utilizadas na modelação da máscara de Florbela Espanca. Também o pintor Augustus Edwin John (1878-1961) imortaliza a violoncelista com Madame Suggia, obra que pertente à Tate Gallery, comprovando o reconhecimento da artista a nível internacional.

Fig. 69 - Irene Vilar, Máscara de Guilhermina Suggia, c.1989, gesso.

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2.20. D. MARIA LUÍSA PACHECO LUIZ GOMES

Francisco Franco seria o autor do retrato em bronze de D. Maria Luísa Pacheco Luiz Gomes [Fig. 70], situado no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Apesar de não estar datado, sabemos que Maria Luísa Pacheco Luiz Gomes ofereceu o seu retrato, em 1954, ao Museu José Malhoa.259 Deste modo, utilizaremos esta data para referenciar cronologicamente a presente peça. O retrato de Maria Luísa Pacho Luiz Gomes, descrito também por Senhora de António Luiz Gomes, indica que esta fosse, muito provavelmente, esposa de António Luiz Gomes (1898 - 1981), assistente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Diretor-Geral da Fazenda durante o Estado Novo.260

Relativamente ao retrato, em termos formais, apercebemo-nos que se trata do mesmo escultor do Busto de Polaca, no entanto, desta vez encontra-se mais contido. Talvez seja pelo facto de, no primeiro, se tratar de uma polaca anónima, sem nome, provavelmente uma criação livre e espontânea do artista e, aqui, se tratar de uma pessoa ilustre. Diogo de Macedo, no livro dedicado ao amigo e colega Francisco Franco, explica-nos que este busto terá sido realizado nos intervalos dos compromissos com o Estado, nos

259 MatrizNet - Ficha de Inventário: D. Maria Luísa Pacheco Luiz Gomes [Em linha]. [Consult. 30 julho 2017] Disponível em WWW:<URL: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=42030&EntSep=2#gotoPosition> 260 Docentes da Primeira Faculdade de Letras da Universidade do Porto: António Luís Gomes (filho) [Em linha]. [Consult. 30 julho 2017] Disponível em Disponível em WWW:<URL: https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=docentes%20e%20estudantes%20da%20primeira%20flup%20-%20ant%c3%b3nio%20lu%c3%ads%20gomes>

Fig. 70 - Francisco Franco, D. Maria Luísa Pacheco Luiz Gomes, s/ data, bronze.

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anos em que teria mais trabalho: “esculpira por deleitoso gosto de afetos ou admirações”261 alguns retratos, entre os quais o da “Senhora de António Luís Gomes.”262 Esta mulher apresenta um ar austero, imponente, algo semelhante à imperatriz romana Lívia [Fig. 71], porém, numa versão modernista e com traços distintivos próprios, em vez de idealizações. Até mesmo o próprio penteado nos parece uma das criações de Lívia, contudo, sem os caracóis. Assim como no Busto de Polaca, vemos um pescoço alongado, mas, mais natural. O tratamento de superfície difere na totalidade. Enquanto o anterior parecia quase um retrato impressionista, neste, apesar de também ser expressivo pela forma como o escultor trata os volumes e os delimita, em termos de superfície, existe o cuidado de colocar a superfície mais equilibrada e suave. A escultura é suportada por uma base quadrangular em mármore e o seu corte, irregular, torna-a mais dinâmica.

261 MACEDO, Diogo de Macedo - Francisco Franco. Lisboa: Artis, 1956, p. 13. 262 Ibid.

Fig. 71 - Imperatriz Lívia, 31 a. C. basalto egípcio.

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2.21. RETRATO DE LURDES

Retrato de Lurdes [Fig. 72] seria o título escolhido por Jorge Vieira para dar a este retrato feminino em terracota, datado de 1956. No Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, a peça apresenta-se legendada com o título de Cabeça de Rapariga, todavia, este não era o seu verdadeiro nome. Esta informação pode ser confirmada com um modelo em gesso policromado exatamente igual, com o nome de Retrato de Lurdes [Fig. 73], existente no Museu Jorge Vieira em Beja. Lurdes seria uma aluna do escultor, quando este havia sido docente na Escola António Arroio. A própria data da elaboração do retrato, coincide com o ano letivo em que o artista deu aulas nessa escola.

De acordo com a biografia do escultor, Jorge Ricardo da Conceição Vieira nasceu em Lisboa, a 16 de novembro de 1922 e acaba por falecer em 1998, na cidade de Évora. Entre 1944 e 1953, frequentou a Escola de Belas-Artes de Lisboa, por incentivo do pai. Inicialmente, inscreveu-se no curso de Arquitetura, todavia, numa fase posterior escolheu a Escultura, onde se acabaria por formar. Teve como professores Simões de Almeida (sobrinho) e Leopoldo de Almeida. Pôde trabalhar nos ateliers de Francisco Franco, António Duarte e António da Rocha, sendo que, neste último, aprendeu a manobrar a terracota e a aplicar-lhe engobes, técnicas que posteriormente seriam fundamentais para a sua criação artística.263 Iniciou a carreira de docente nas Caldas da Rainha (1952-1953), depois em Lisboa, na Escola António Arroio (1956-1957). Posteriormente, em 1972, foi contratado como assistente na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, no entanto, acabou por

263 SILVA, Raquel Henriques da Silva - Biografia. In Museu Jorge Vieira: Casa das Artes. Beja: Câmara Municipal de Beja, 1998, p. 34.

Fig. 72 - Jorge Vieira, Retrato de Lurdes, 1956, terracota.

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desistir do cargo que lhe foi outorgado. Em 1976, regressou como assistente na Escola de Belas-Artes do Porto, tendo sido cinco anos depois transferido novamente para a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, local onde mais tarde foi nomeado professor.264 No âmbito da escultura, concorreu em 1953 ao Concurso Internacional de Escultura, desenvolvido pelo Institute of Contemporary Arts, em Londres, com um projeto para O Prisioneiro Político Desconhecido, sendo um dos premiados, o único português, tendo a oportunidade de ser exposto na Tate Gallery, Londres.265 Mais tarde, em 1994, foi erigido numa das rotundas de Beja o Monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido. Em 1954, frequentou a Slade School, em Londres, tendo a oportunidade de trabalhar com Henry Moore (1898-1986), Reginald Butler (1913-1981) e F. E. McWilliam (1909-1992). O primeiro, marcou para sempre o percurso artístico de Jorge Vieira. No que diz respeito à escultura pública, foi o responsável pelo Homem-Sol, situado no Parque das Nações, ampliando a sua visibilidade pois esteve exposto durante a Expo ‘98. Também elaborou Joaninhas, composição escultórica que se encontra no largo em frente à Câmara Municipal de Lisboa.266 Contudo, as suas inovações em terracota, utilizando como referente as figuras humana e animal, foram as que marcaram de facto o seu percurso enquanto escultor.267 As esculturas passam de uma representação mimética para a apresentação de figuras híbridas e surrealistas. Também é possível assistirmos, ao longo da sua obra, a um processo de metamorfose, como, por exemplo, à transformação de troncos em cabeças e de chifres que dão lugar a braços.268 Relativamente ao retrato exposto no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, observamos uma cabeça humana em que apenas o título e o cabelo nos indicam de que se trata de um rosto feminino. A retratada olha para a frente, sem

264 PEREIRA, José Fernandes - Vieira, Jorge. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 608. 265 SILVA, Raquel Henriques da Silva - Biografia. In Museu Jorge Vieira: Casa das Artes. Beja: Câmara Municipal de Beja, 1998, p. 35. 266 PEREIRA, José Fernandes - Vieira, Jorge. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 610-611. 267 OLIVEIRA, Luísa Soares de - Jorge Vieira: o escultor solar. Lisboa: Caminho, 2007, p. 14. 268 Ibid., pp. 18-19.

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transparecer qualquer tipo emoção. Simplesmente encara o observador. O escultor tentou simplificar os cabelos, as orelhas e as restantes áreas que não ocupassem a face. Os olhos, nariz e boca estão bem demarcados, enquanto as sobrancelhas foram desenhadas pelo a pelo. Parte do figurativo para a abstração ou síntese formal. Se este for visto de algumas perspetivas, sobretudo na retaguarda, poderíamos pensar de que se trataria de alguma forma abstrata. O tratamento de superfície é uniforme, a escultura encontra-se bastante nivelada. A delimitação das diferentes partes do rosto é executada de forma subtil, com linhas sinuosas que, em termos compositivos, se enquadram corretamente sobre a escultura. Pelo brilho que transparece, terá sido polida, processo que, no barro se faz antes da cozedura, ao longo do período de secagem. O polimento do barro não deve ser feito com lixas, pois estas tornariam a superfície ainda menos lustrosa do que seria inicialmente. Geralmente usa-se uma colher de sopa ou de chá, dependo do tamanho da área a polir, e, através de movimentos circulares, vai-se polindo a superfície da escultura. Fazendo um contraponto entre as duas esculturas, o facto de a segunda ser policromada com tons aproximados aos reais, torna-a mais natural e introduz alguns traços particulares, como o caso da unificação das sobrancelhas. Contudo, a tonalidade acaba por nos distrair da característica essencial da escultura: a forma. Deste modo, o retrato monocromático permite-nos fazer uma abordagem mais correta e limpa dos volumes.

Fig. 73 - Jorge Vieira, Retrato de Lurdes, 1956, gesso patinado.

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2.22. FERNANDA LINO ANTÓNIO

Nove anos depois, António Duarte viria a retratar Fernanda Vale [Fig. 74], em mármore de Estremoz, no seu atelier em Belém. Esta escultura, assim como a da pintora Estrela Faria, encontra-se no Atelier-Museu António Duarte. Relativamente ao título do retrato, o escultor optou por adicionar ao nome próprio da retratada, que era Fernanda, o nome do seu esposo, o pintor Lino António (1898-1974).269 Fernanda Vale era de facto o nome da cantora de ópera com quem o pintor se voltaria a casar novamente, após o fim do matrimónio com Maria Helena de Noronha Tudela, mãe dos seus filhos.

Esta escultura centra-se nos princípios básicos do retrato escultórico, sem se deixar levar pelos detalhes. Vemos representada uma mulher com traços firmes e o pescoço alongado, semelhante às esculturas de Francisco Franco, que lhe confere grande elegância. Defende-se que o autor utilizava esta característica peculiar quando se tratavam de pessoas de quem este tinha grande estima e mereciam, desta forma, serem representadas numa pose altiva. Em perfil, assemelha-se a uma rainha egípcia, como Nefertiti, contudo, o volume do turbante da monarca, que se prolonga verticalmente, neste caso descai, concentrando-se sobre o pescoço, transmitindo-nos a ideia de que o seu cabelo liso descansa livremente. Se a escultura for observada na retaguarda, apenas avistamos uma coluna quadrangular, com as arestas arredondadas, sem qualquer sinal de que se trata de um retrato. Apesar de, à primeira vista, colocarmos a hipótese de ter sido esculpido através de talhe direto, por existirem partes muito adoçadas ao bloco, nomeadamente a parte de trás do cabelo, este retrato foi executado através do método clássico da elaboração de retratos em pedra: primeiro o modelo em gesso, tirado a partir do modelo em barro e

269 Informação cedida pelo Centro das Artes das Caldas da Rainha.

Fig. 74 - António Duarte, Fernanda Lino António, 1959, mármore.

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posteriormente as suas medidas foram transladadas para o bloco de pedra.270 O tratamento de superfície é igual em todas as áreas da escultura, sendo o mármore amaciado.

270 António Duarte: Retratos (Comissão Executiva Prof. Pintor J. Conceição Ferreira ; Prof. Pintor José Cândido ; Prof. Escultor Hélder Batista ; Prof. Pintor Rogério Ribeiro ; Prof. Escultor António Trindade) - op. cit., p. [25].

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2.23. MARIA ELSA MARTINS CORREIA

Martins Correia retrata a filha, Maria Elsa Martins Correia [Fig. 75], em bronze policromado. Este busto encontra-se no Museu Municipal Martins Correia, na Golegã. Apesar de não estar datado, será de final dos anos 60 e início dos 70,271 altura em que a sua filha estaria na casa dos 20 anos de idade. Segundo a mesma, este retrato foi modelado sem Maria Elsa posar para o escultor pois, a memória visual do seu pai era excelente, permitindo-lhe fazer representações sem ter de recorrer ao modelo. De facto, tratando-se da filha, alguém muito próximo e com quem convivia diariamente, a memória do escultor era avivada todos os dias, facilitando o processo de representação. Joaquim Martins Correia nasceu na Golegã, a 7 de fevereiro de 1910 e, passados 89 anos, no dia 30 de julho de 1999, acabou por falecer.272

Ficou órfão quando ainda era criança, sendo, desta forma, aluno na Casa Pia de Lisboa, em 1922. Foi nesta instituição que realizou o curso industrial, contudo, devido à notória aptidão para as artes, foi-lhe concedida, pelo Conselho Escolar, uma bolsa de estudo para ingressar na Escola de Belas-Artes de Lisboa, em 1928, com o intuito de seguir Arquitetura, área que, mais tarde, acabou por ser substituída pela Escultura.273 Ainda em aluno, começou a lecionar na Casa Pia de Lisboa, auxiliando os professores de desenho. Entre 1936 a 1938 frequentou a Escola Rafael Bordalo Pinheiro, nas Caldas da Rainha, como docente do Ensino Técnico Profissional. Posteriormente, foi professor nas escolas Marquês de Pombal, Machado de Castro, Afonso Domingues e António Arroio. Em 1946, foi convidado para lecionar como professor na Casa Pia, local

271 Informação concedida pela filha do escultor, Dra. Elsa Martins Correia, a quem muito agradecemos. 272 NUNES, Paulo Simões - Correia, Martins. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 164. 273 Ibid., p. 161.

Fig. 75 - Martins Correia, Maria Elsa Martins Correia, s/ data, bronze policromado.

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onde permaneceu até ingressar na Escola de Belas Artes de Lisboa, como professor assistente, até 1971.274 Elaborou inúmeros retratos, onde criou uma simbiose equilibrada entre a escultura e a pintura, ao introduzir a cor nos retratos. Natália Correia (poetisa e afilhada do artista); Ana Hatherly, Sophia de Mello Breyner e, até mesmo, o retrato da filha, Maria Elsa Martins Correia, fazem parte da vasta obra retratística de Martins Correia. A sua carreia escultórica também foi marcada por alguns monumentos públicos, como: Garcia da Horta (1958), em bronze, situado em Coimbra; Camões (1958), bronze executado para Goa e D. Pedro V, localizado na Faculdade de Letras, em Lisboa.275 Relativamente ao retrato da sua filha, Martins Correia reproduz uma figura de meio corpo na qual se destacam as cores vibrantes com que o escultor pintou a superfície, desde verdes, vermelhos a amarelos torrados, sempre com o preto e branco para equilibrarem a paleta de cores. O facto de pintar as esculturas, foi fortemente influenciado pelo túmulo de Cristóvão Colombo (1451-1506), elaborado por Arturo Mélida y Alinari (1849-1902), onde este acaba por colorir o bronze com diferentes tonalidades.276 Para além da cor, temos o modelado de superfície na camisola e nos cabelos. O relevo que encontramos na camisola, assemelha-se, à primeira vista, a escamas, mas poderá ser apenas a simplificação de uma camisola de lã com o seu ziguezagueado constante. A modelação encontrada no cabelo, indica-nos a direção do mesmo apenas com linhas verticais que acompanham a moldura do rosto da retratada. Todos os retratos que analisámos até agora são de vulto. A Invocação de Francisco dos Santos, situa-se entre o alto-relevo e a escultura de vulto, contudo é maciça. Já o retrato de Martins Correia, para além de oco, a parte de trás é inexistente. Em termos compositivos, do lado esquerdo, aparece a sugestão do ombro, quando, no lado oposto, existe um corte vertical, ligeiramente oblíquo, que acompanha o limite da camisola da retratada. Não existe plinto, a base é parte integrante da escultura. Esta ideia

274 LOURENÇO, Elsa (Coord.) - Catálogo: Museu Municipal Martins Correia. Golegã: Câmara Municipal da Golegã, 2003, p. 5. 275 NUNES, Paulo Simões - Correia, Martins. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, pp. 162-163. 276 DUARTE, Eduardo - Martins Correia e a escultura grega. In CARVALHO, Gabriela - Martins Correia, Laureatus: O Mestre da forma e cor. Lisboa: Althum.com, 2011, p. 47.

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de enquadrar a base na escultura, ou melhor, torná-la parte dela, é bastante moderna. O escultor Constantin Brancusi, que abordámos anteriormente, fazia a base para as suas esculturas, acabando por se tornarem parte integrante do objeto escultórico, ou seja, há uma apropriação do plinto por parte do artista. 277 O mesmo fez Martins Correia nesta escultura ao prolongar o casaco ou espécie de gabardina que envolve o ombro da filha e se estende até ao chão. Para além de toda a modernidade presente nos retratos de Martins Correia, existe uma grande influência da arte da Antiguidade Clássica, materializada no uso da policromia, já analisada anteriormente, bem como no lettering que utilizava nas suas esculturas, a maioria das vezes pintado a vermelho, como era habitual nas capitulares lapidares quadradas de Roma. 278 Para além do tipo de letra, a própria inscrição com o nome do retratado era uma prática bastante usual na escultura clássica grega e romana, como pudemos ver anteriormente. Este não seria o único retrato que Martins Correia fizera da filha. Quando esta tinha cerca de quatro anos, no início dos anos 50, o escultor havia esculpido o seu busto [Fig. 76], desta vez em mármore e colorido com tinta plástica.279

277 TEIXEIRA, José - Cinco sinais de modernidade na obra de Martins Correia. In Mar e Cor: escultura, desenho, pintura. Obra publicada por ocasião da exposição da celebração do centenário do escultor Martins Correia patente no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa (Portugal), de 15 de abril a 30 de maio de 2011 (Coord. José Aurélio, José Teixeira, Gabriela Carvalho, Elsa Lourenço). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2011, p. [21]. 278 DUARTE, Eduardo - Martins Correia e a escultura grega. In Martins Correia, Laureatus: O Mestre da forma e cor (Coord. Gabriela Carvalho). Lisboa: Althum.com, 2011, p. 48. 279 Informação transmitida pela filha do escultor, Dra. Elsa Martins Correia, a quem muito agradecemos.

Fig. 76 - Martins Correia, Maria Elsa Martins Correia, 1952, mármore pintado.

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2.24. SOPHIA DE MELLO BREYNER Em 1984, Martins Correia recriava a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) [Fig. 77]. Visualmente, é um dos típicos retratos do escultor: máscara sobre uma base em madeira, inscrita com o nome da retratada. É a prova de que não precisamos do todo para o retrato ser completo. Este fragmento da face inclui a poetisa, a mulher, e sobretudo, o ser humano que Sophia de Mello Breyner foi. As cores predominantes deste retrato são o branco e o vermelho. A pintura do rosto de branco é recorrente em muitos retratos de Martins Correia. Julga-se que esta tendência terá sido influenciada pela sua estada em Moçambique (1971), ao visualizar as pinturas tribais dos rostos das mulheres.280 No entanto, podemos também observar que, em retratos anteriores, o branco já seria a cor de eleição para tingir as faces. Tanto os olhos como os lábios apresentam-se com a cor do sangue, do fogo, dos cravos, símbolo da Liberdade em Portugal. Não nos podemos esquecer que Sophia, para além de poetisa, fora igualmente deputada e uma lutadora pela Liberdade. O olhar da poetisa transmite força e vida. Os olhos, profundos e penetrantes, parecem focados em algo. As pálpebras descaem sobre os mesmos, no entanto, não é retratada com a idade que tinha na ocasião. Este retrato é uma reprodução do bronze que havia sido fundido na década de 50,

280 TEIXEIRA, José - Cinco sinais de modernidade na obra de Martins Correia. In Mar e Cor: escultura, desenho, pintura. Obra publicada por ocasião da exposição da celebração do centenário do escultor Martins Correia patente no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa (Portugal), de 15 de abril a 30 de maio de 2011 (Coord. José Aurélio, José Teixeira, Gabriela Carvalho, Elsa Lourenço). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2011, p. [19].

Fig. 77 - Martins Correia, Sophia de Mello Breyner, 1986, bronze policromado.

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pertencente à coleção da família de Sophia de Mello Breyner. Nesta altura a retratada estaria da casa dos 30 anos de idade. Existem, pelo menos, quatro múltiplos deste retrato de Sophia de Mello Breyner. O primeiro [Fig. 78] terá sido o que pertence à coleção da família da retratada. O segundo, é um relevo em mármore [Fig. 79], datado de 1956, pertencente ao espólio da Fundação Calouste Gulbenkian. Esta reprodução será talvez, em termos compositivos, a que mais se assemelha ao retrato que se encontra em análise, pelo corte que é feito no pescoço, quebrando qualquer enquadramento com o resto do corpo e a ideia de máscara implícita no alto-relevo. O terceiro diz respeito ao retrato escolhido para o percurso e o quarto, mais recente, exatamente igual ao primeiro, também em bronze, que, desde 2011, ocupa o Jardim Botânico do Porto, local que em tempos fez parte da Quinta do Campo Alegre, a residência dos avós da poetisa. Apesar de a face ser igual nos quatro retratos, o segundo e o terceiro pela diferença de materiais, pelo enquadramento, pelas bases, inscrições e, sobretudo, pela utilização da cor, afastam-se do ponto de partida, tornando-se, cada um, numa escultura autêntica e original.

Fig. 78 - Martins Correia, Sophia de Mello Breyner, s/ data, bronze. Fig. 79 - Martins Correia, Retrato de Sophia de Mello Breyner, 1956, mármore.

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2.25. NATÁLIA CORREIA

João Cutileiro, assim como Martins Correia, representa a poetisa e ex-deputada Natália Correia, no ano de 1999 [Fig. 80]. Esta peça, esculpida em mármores de vários tons, foi encomendada pela Assembleia da República e inaugurada um ano depois, em novembro de 2000.281 João Pires Cutileiro nasceu no ano de 1937, na capital de Portugal. Desde criança, teve a escultura muito presente na sua vida. Frequentou o atelier de António Pedro numa época em que os fundadores do Surrealismo português também lá marcavam presença. Posteriormente, assistiu à modelação e à pintura de cerâmicas através da passagem pelo atelier de Jorge Barradas (1894-1971) em 1948. Todavia, foi a partir do ano seguinte que João Cutileiro aprendeu a esculpir o mármore ao frequentar o atelier do escultor António Duarte.282 Conheceu a técnica da ampliação dos modelos, bem como, a sua passagem a gesso e também trabalhou como assistente de canteiro, ganhando conhecimentos acerca da passagem dos gessos a pedra.

Ingressou no curso de Escultura da Escola Superior de Belas-Artes em 1953, contudo, a sua estada tornou-se mais curta que o esperado devido ao excessivo academismo que esta oferecia. Desta forma, partiu para Londres, em 1955,283 entrando na Slade School of Art, local onde acabou por tirar o curso. Na passagem por esta escola,

281 Peça do Mês: Busto de Natália Correia. In Museu da Assembleia da República, n.º 15, março 2013 [Em linha]. [Consult. 19 junho 2017] Disponível em WWW:<URL:http://museu.parlamento.pt/MatrizWebAR/DetalhesObra?id=2181&tipo=OBJ> 282 SANTOS, Filipe Duarte - António Duarte. In António Duarte (Coord. Luísa Capucho Arruda, Miguel Arruda, Filipe Duarte Santos). Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2013, p. 28. 283 NUNES, Paulo Simões - Cutileiro, João. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 173.

Fig. 80 - João Cutileiro, Natália Correia, 1999, mármore policromado.

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teve como professor Reginald Butler, com quem estagiou como assistente. Conheceu também Henry Moore, convidado da escola. Em 1966, começou a utilizar ferramentas elétricas na escultura, mantendo-se fiel ao material que se havia rendido no atelier de António Duarte, o mármore. Obviamente que, em Londres, havia escolhido outras matérias menos dispendiosas como o cimento e o plástico.284 A estátua de D. Sebastião, esculpida em mármore no ano de 1973, situada na Praça de Gil Eanes, em Lagos, cidade onde o mesmo habitava, corrompeu os cânones da escultura comemorativa definidos pelo Estado Novo, como é exemplo Gonçalves Zarco, de Francisco Franco.285 Também foi o autor de muitas figuras bífidas, destacando-se A vestal de Diana,

(1981), em mármore e com 2,5 metros de altura.286 Retratou temáticas da mitologia erótica, como a Leda e o Cisne (1992, 40 cm), motivo que o acompanhou desde que era estudante em Londres287 E representou muitos heróis nacionais como: Luís de Camões (1980), Cascais; Inês de Castro (1993), Coimbra e D. Afonso Henriques (1993), situado em Versalhes.288 Perto do século XXI, foi o autor da Homenagem ao 25 de Abril (1997) para o Parque Eduardo VII e Passeio das Tágides, para o Parque das Nações (1998, Expo’98).289 O último retrato desta proposta de percurso, encerra com a escritora e deputada Natália Correia, que para além das atividades referidas anteriormente, também foi uma ativista social que lutou pelos Direitos Humanos, nomeadamente o das Mulheres.290 Situado no Museu da Assembleia da República, o retrato de Natália Correia é marcado

284 NUNES, Paulo Simões - Cutileiro, João. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 174. 285 PORTELA, Artur - Francisco Franco e o «zarquismo». Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1997, p. 34. 286 NUNES, Paulo Simões - Cutileiro, João. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 175. 287 MEGA, Rita - Conversas com escultores…: João Cutileiro. Arte Teoria. N.º 11 (2008), p. 283. 288 NUNES, Paulo Simões - Cutileiro, João. In Dicionário de Escultura Portuguesa (Dir. José Fernandes Pereira). Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 176. 289 Ibid., p. 178. 290 Peça do Mês: Busto de Natália Correia. In Museu da Assembleia da República, n.º 15, março 2013 [Em linha]. [Consult. 19 junho 2017] Disponível em WWW:<URL:http://museu.parlamento.pt/MatrizWebAR/DetalhesObra?id=2181&tipo=OBJ>

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pela cor. São utilizados quatro tipos diferentes de mármore: um para o cabelo, outro para o rosto e pescoço, outro para os olhos e, por fim, um para a sua camisa branca. A poetisa é representada como uma eterna jovem, assumindo uma pose segura e encarando o observador. Os olhos escuros, circundados a preto, relembram-nos as esculturas que Martins Correia fazia da afilhada, pois, esta exibia-se sempre com os olhos contornados a lápis preto. Os cabelos, geralmente apanhados, assemelham-se agora a um turbante negro que envolve toda a cabeça, porém, as incisões feitas sobre o mármore informam-nos acerca da direção do cabelo. A camisa, com sulcos sobre os ombros e nas costelas, parecem ser os vincos que a mesma faz ao adaptar-se ao corpo, numa tentativa de tornar mais realista e acentuar as curvas de Natália Correia.

Há que reforçar que os retratos em talhe direto acabam por ter, na maioria das vezes, um aspeto mais rude, visto que são trabalhados diretamente sobre o bloco, sem um estudo prévio. Neste caso, para além ser talhe direto, o escultor utilizou mármores diferentes para cada uma das partes. Construiu as partes em separado para, numa fase posterior, uni-las e criar um todo. Contrariamente ao que se observa nos retratos em pedra, não existe um modelo em gesso. Segundo o escultor, este pode até fazer um pequeno desenho na escultura que tem em mente, contudo, o esboço nunca vai para o atelier: “[…] quando vou contactar a pedra, é a máquina, a pedra e eu que vão resolver.”291 Martins Correia também retratou Natália Correia [Fig. 81]. Como sempre nos habituou, o escultor retrata a poetisa através de uma agregação de representações da mesma. A primeira, e objeto

291 CUTILEIRO, João apud WOHL, Hellmut - Introdução à escultura de João Cutileiro. In João Cutileiro: exposição antológica. (Colab. Hellmut Wohl ; Nazaré Tojal). Lisboa: Centro de Arte Moderna - Fundação Calouste Gulbenkian, 1990, p. 10.

Fig. 81 - Martins Correia, Homenagem a Natália Correia “a-natália-e-a-juventude-ao-sabor-dum-novo-ritmo”, , s/ data, bronze policromado.

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central, trata-se de uma figura de meio corpo que retrata a escritora com um ar bastante jovem. Encimando a cabeça, o escultor adicionou uma máscara da mesma, inscrita com o nome “Natália”, que olha em frente, numa pose altiva, colocando de lado o ar inocente que esta transparece na figura que a suporta.

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CONCLUSÃO

Numa primeira fase, o retrato começou por ser intimista, eternizava alguém ou que já havia falecido ou que, por algum motivo, se encontrava longe. As representações não eram realistas, muito pelo contrário, eram cabeças estereotipadas, apenas com as características gerais comuns a todos os seres humanos, com o objetivo trazer alguém que gostamos à nossa memória. Também desempenhava funções rituais, dando-nos a liberdade para concluirmos que o retrato era um dispositivo que, por um lado, avivava a nossa memória e, de acordo com algumas civilizações, fazia a ligação entre dois mundos. Todavia, não existia ainda a vontade de querermos exibir os mesmos perante alguém, ficavam apenas para nós. Na Antiguidade Clássica, nomeadamente na arte grega, a incessante procura pela perfeição e harmonia das formas levou à idealização exacerbada das cabeças humanas e, de certo modo, a outra estereotipação. Na arte grega helenística tentaram individualizar o retrato com a utilização de penteados diferentes e de barba, no fundo, através das características físicas de cada um, apesar de continuarem a ser bastante idealizados. A grande diferença dá-se com o retrato romano, o qual passa a desempenhar funções políticas e ditam a moda da época, nomeadamente com as representações dos penteados da imperatriz Lívia. O que de facto importa neste período é a mudança que se dá acerca da ideia de retrato que tínhamos até então: torna-se público. O desejo de quererem mostrar os retratos dos seus antepassados e o facto de os mesmos interferirem diretamente no seu futuro, mostra a importância que estes tinham para esta civilização. Não existe outro período da história da escultura em que esta tipologia tenha sido igualmente valorizada e proliferada. Muito provavelmente, o escultor que, de facto, conseguiu dar ao retrato vida humana foi Bernini, não só através da mestria com que esculpia o mármore, mas, sobretudo, pelas expressões mundanas que ocupavam os rostos dos retratados. Existe também uma preocupação com as características psicológicas do retratado. Aqui, é atingido o expoente máximo do realismo, chegando muitas vezes a cair na teatralidade que o Barroco exigia. Enquanto, anteriormente, o retratado era uma figura de destaque, com distanciamento perante o observador, agora, tenta-se estabelecer uma ligação entre o retrato e o observador.

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Posteriormente, a grande mudança dá-se no Modernismo com algum desinteresse pelo retratado, dando cada vez mais ênfase apenas à forma, através da simplificação e construção, acabando mesmo, quase sempre, por se cingir apenas à estrutura da cabeça humana. Em Portugal, estas diferenças entre épocas não são muito evidentes, possibilitando-nos, desta forma, a divisão dos finais do séc. XIX e o séc. XX de maneira muito generalizada entre dois escultores: António Soares dos Reis e Francisco Franco. Soares dos Reis simboliza para a escultura portuguesa o expoente máximo de naturalismo alguma vez atingido em território luso. Já Francisco Franco traz consigo de Paris, o movimento Modernista, quebrando os preceitos escultóricos classicizantes anteriormente estabelecidos e introduzindo maior ritmo e dinâmica à escultura.

Fazendo uma síntese do percurso escultórico, com Flor Agreste, Soares dos Reis imortaliza a tradição da representação da mimese na Antiguidade Clássica. No entanto, com Viscondessa de Moser, para além de evocar a tradição clássica, a variedade do modelado de superfície impresso no material, tornam a escultura bastante realista e quase uma obra impressionista. O busto Negra, da Duquesa de Palmela, demonstra a influência da escultura francesa em Portugal, não só em termos formais, mas também temáticos. Mistress Elisa Leech, penúltima escultura de Soares dos Reis, exalta as características psicológicas da retratada caindo na idealização. Teixeira Lopes deu continuidade ao caminho iniciado pelo anterior e, da mesma forma que o busto da Inglesa havia sido rejeitado pela retratada, Madame X, tem o mesmo fado, contudo, esta segunda por estar demasiado despida. Já Rafael Bordalo Pinheiro encerra o século XIX, ao eternizar a figura da sua amante, Maria Visconti, através de um retrato realista, muito diferente das caricaturas a que o artista nos habituou. O século XX é iniciado com Invocação de Francisco dos Santos. Este retrato com influência claramente rodiniana, marca o início de uma nova era que não fora por todos partilhada pois, no ano seguinte, Teixeira Lopes, retrata a amiga Virgínia Dias da Silva, com o maior número detalhes possíveis e, sobretudo, com alma.

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O Busto de Polaca de Francisco Franco personifica o modernismo português e terá uma grande influência nos restantes retratos produzidos posteriormente. Simões de Almeida (sobrinho) mantém-se fiel aos ensinamentos naturalistas do tio criando, no Busto de Senhora, um símbolo da sensualidade feminina. Diogo de Macedo, colega e amigo de Francisco Franco, pertenceu também à primeira geração de modernistas portugueses, cujas influências de Rodin são notórias no busto de Florbela Espanca, não só pela disposição, mas pelas marcas do processo de moldagem deixadas no retrato. Beatriz Costa também foi fonte de inspiração para este escultor e, no mesmo ano, fez um retrato da atriz. Esta escultura parece-nos um contrassenso pelo facto de o escultor modernista incorporar a cor, técnica secular que vai contra os conceitos defendidos pelo Modernismo. Mais tarde, Joaquim Correia, mostraria precocemente o talento para a escultura com o retrato da sua avó, fortemente marcado pelo verismo. O modelado de superfície, quase impressionista, espelhava a sua modernidade. Raul Xavier destaca-se neste percurso por homenagear da melhor forma o talhe direto com Cabeça, em que o escultor assume as marcas resultantes desta técnica escultórica. Posteriormente, Leopoldo de Almeida mantém-se fiel à representação clássica, resistindo às novas tendências, de que é exemplo Retrato de Senhora. Podemos afirmar que, os únicos elementos modernos neste retrato são: a pose da retratada, de braços cruzados e, sobretudo, a camisola de gola alta. Nesse mesmo ano, Joaquim Correia retrata a atriz Maria Lalande. Para além da monumentalidade presente no volume do cabelo, sentimos a melancolia e o pesar do passado que este retrato evoca. Se em Maria Lalande havíamos encontrado monumentalidade, o retrato Menez de Salvador Barata Feyo personifica este conceito através de um grande volume que ocupa a parte do cabelo. António Duarte retrata a colega e também artista Estrela Faria de uma forma bastante simplista e subtil em termos formais, um pouco ao modo de Brancusi, contudo, a matéria escolhida, o granito sueco, fortalece a sua presença. A violoncelista Guilhermina Suggia, modelada por Leopoldo de Almeida, para além de, a nível formal, exaltar todos os valores clássicos, evoca uma tristeza profunda,

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sentimento que habita esta escultura. Por outro lado, Francisco Franco faz um busto da esposa do Sr. Luiz Gomes, parecendo a versão moderna da imperatriz romana Lívia. O Retrato de Lurdes de Jorge Vieira mostra-nos uma simbiose bastante equilibrada entre o figurativo e a abstração. António Duarte, faz-nos viajar no tempo até à arte egípcia com o retrato de Fernanda Lino António. Martins Correia, apesar de moderno, será eternamente grego. No retrato da sua filha Maria Elsa Martins Correia podemos vislumbrar inúmeras tradições ancestrais do retrato grego, bem como a inovação da incorporação da base como parte integrante da escultura, solução que havia sido muito explorada por Brancusi. Também no retrato de Sophia de Mello Breyner, corroboramos as características descritas anteriormente. Por último, João Cutileiro, faz um retrato impressivo da poetisa Natália Correia, através de mármores com diferentes tonalidades. Apesar de todas as divergências formais entre os escultores referidas anteriormente, existem duas coisas que os unem: para além vocação para a escultura, o gosto pelo retrato. Se repararmos, a maioria dos retratos são elaborados por iniciativa própria do escultor, revelando assim a preferência por esta tipologia escultórica. A elaboração do inventário ajudou-nos a perceber, não só da vasta produção de retrato feminino em Portugal, mas também dos diferentes materiais e técnicas utilizadas, como também a grande qualidade escultórica desta tipologia em Portugal. Relativamente ao retrato em si, a sua característica essencial é estar vivo, independentemente de qualquer forma, matéria, período artístico ou escultor. O retrato não precisa de ser uma cópia exata do retratado, tem somente de ter a sua essência. Facto é que muitos escultores acabaram por afirmar que não queriam que o modelo posasse para eles pois, perde-se aquilo que nos caracteriza, ficando apenas o nosso exterior. O retratista tem um papel muito importante nesta tipologia escultórica: a perceção. Geralmente, o artista tende a ter a sensibilidade mais desenvolvida, assim como a capacidade de observação dos pormenores que nenhuma ocular consegue captar só alguém também humano. Desta forma, parte do escultor fica no retratado. Sobretudo a sua perceção relativamente à outra pessoa. Um retrato de alguém é a ideia que temos do outro mas também um pouco da ideia que temos de nós próprios. Podemos assim afirmar

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que todos os retratos são um autorretrato do escultor, pois retratam o aqui e o agora do mesmo, o seu conhecimento e a sua sensibilidade. A escultura dá vida a um corpo sendo, deste modo, a forma de arte que mais se assemelha ao real, ao humano. O objetivo do retrato, para além de dar vida a um corpo, também personifica a essência de alguém, um conceito abstrato. A mestria do retratista não está em tentar representar um corpo igual ao de alguém que já existe ou que existiu, está em colocar no mesmo um conceito abstrato que não se explica, apenas se sente e que, para além disso, é muito pessoal. O verdadeiro segredo para o retrato ganhar vida, encontra-se na parte em que já os antigos consideravam como sendo a mais difícil pelas responsabilidades que esta acarretava: os olhos. A boca pode ficar ligeiramente mais grossa, o nariz um pouco mais encurvado do que o natural, o formato do rosto mais largo, no entanto, se os olhos forem animados pelo dom do retrato, este, automaticamente, será considerado um retrato… A beleza do retrato passa por olharmos para a escultura e sentirmos a pessoa, a presença de alguém. Se a sentirmos, estamos de facto diante de um retrato, de outro modo, não passam de meras cópias da realidade que não respeitam o verdadeiro sentido do ato de retratar.

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