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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO | UFPE CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO | CAC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO | PPGDU
Ana Renata Silva Santos
Recife | 2013
O SENTIDO DA PAISAGEM:
A relação entre a ferrovia e a serra das
Russas em Pernambuco
Ana Renata Silva Santos
O SENTIDO DA PAISAGEM: A relação entre a ferrovia e a serra das Russas em Pernambuco
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Urbano da Universidade
Federal de Pernambuco, MDU/UFPE como
pré-requisito para a obtenção do título de
Mestre em Desenvolvimento Urbano.
Orientadora: Prof. PhD. Ana Rita Sá
Carneiro.
Recife | 2013
Catalogação na fonte Bibliotecária Maria Valéria Baltar de Abreu Vasconcelos, CRB4-439
S237s Santos, Ana Renata Silva O sentido da paisagem: a relação entre a ferrovia e a Serra das Russas
em Pernambuco / Ana Renata Silva Santos. – Recife: O Autor, 2013. 156 f.: il. Orientador: Ana Rita Sá Carneiro. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco.
Centro de Artes e Comunicação. Desenvolvimento Urbano, 2013. Inclui referências e apêndices.
1. Planejamento regional. 2. Paisagens. 3. Ferrovias - Serra das Russas (PE) - Trilhos. 4. Ferrovias - Pernambuco - História. I. Carneiro, Ana Rita Sá (Orientador). II.Titulo.
711.4 CDD (22.ed.) UFPE (CAC 2015-223)
A Seu Tadeu e Dona Malu, meus pais,
com afeto e gratidão.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus, que é minha fonte inesgotável de sabedoria e
inspiração. Ele que sempre abre os meus caminhos, ilumina o meu intelecto e me dá
em cada fase da vida o discernimento para entender quais são as coisas que
realmente importam, o que é essencial.
Agradeço aos meus pais, Tadeu e Malu, pelo apoio incondicional sempre. Se hoje
consigo alcançar mais esse degrau na minha vida profissional é porque lá trás, no
início da minha vida escolar, vocês investiram na minha formação, procurando me
proporcionar o melhor. Essa conquista é nossa!
Agradeço a Ana Rita Sá Carneiro pela orientação deste trabalho e por alimentar o
meu entusiasmo e a minha paixão pela paisagem. Agradeço, sobretudo, pela
paciência em esperar o meu tempo de amadurecimento das ideias... Sei que ele foi
longo. Muito obrigada por mais essa parceria. E que venham muitas outras.
Agradeço aos meus queridos colegas da turma M32 porque, sem dúvida, vocês
fizeram com que esses dois anos árduos de mestrado se tornassem muito mais
divertidos. Vou sentir saudade das conversas filosóficas durante os almoços de
segunda-feira no Aquarela após a aula de Introdução à Construção do
Conhecimento; vou sentir saudade das trilhas ‘mduanas’, dos rapels, das
confraternizações; vou sentir saudade dos cafés e discussões com as minhas
queridas colegas e amigas Bárbara, Paula, Helen e Lizia. Vou sentir saudade desse
tempo bom! A todos desejo muito sucesso e muitas conquistas!!!
Agradeço aos meus colegas do Laboratório da Paisagem Joelmir, Mirela, Giseli e
Lucia pela força e encorajamento sempre. A Mirela agradeço particularmente por ter
compartilhado textos importantes de Augustin Berque, que foi a grande referência do
meu trabalho.
Agradeço à FUNDARPE nas pessoas de Célia Campos, Roberto Carneiro e Ulysses
Pernambucano pelo apoio na visita de campo realizada ao trecho ferroviário da serra
das Russas em junho deste ano. Agradeço também à Prefeitura de Gravatá na
pessoa de Patrick Serapião pelo apoio e disponibilidade em ajudar.
À FACEPE, agradeço o apoio financeiro.
Agradeço também de modo particular a todas as pessoas que se dispuseram a
participar das entrevistas: Roberto Carneiro, Neide Fernandes, Rosa Bonfim,
Frederico Almeida, Emília Lopes, Fábio Cavalcanti, Reinaldo de Oliveira, Luis Moriel,
Nuno Souza, André Lopes, Gilberto Luna, Anderson Pacheco, Leandro Leite, Patrick
Serapião, Joabe Gomes, Maria Elizabeth da Silva, Mariza do Nascimento, Severina
Francisca da Silva e Maria das Graças dos Santos. Sem a contribuição de vocês a
realização deste trabalho não teria sido possível.
Agradeço ainda às pessoas que contribuíram de maneira concreta em vários
momentos: a Julia Pereira por ter me emprestado o gravador para as entrevistas e
por ter compartilhado as suas experiências acadêmicas; a Renata Galvão, por ter
me ajudado com os mapas e por ter sempre me apoiado; a Silvia Teles, pela ajuda
com as imagens e pelo incentivo; a Lorena Veloso, por ter compreendido a minha
ausência no trabalho na reta final da dissertação.
Enfim, o meu obrigada a todas as pessoas que não foram aqui nomeadas, mas que
contribuíram de forma direta ou indireta para a realização deste trabalho.
Para conhecer uma paisagem não basta vê-la, é preciso muito mais, é preciso que as duas almas, a do contemplador e a do lugar, cheguem a entender-se, quantas vezes elas nem mesmo se falam! Não é a todos que a natureza conta os seus segredos e inspira o seu amor, mas mesmo com os poucos de quem ela tem prazer em fazer pulsar o coração é preciso que eles se aproximem dela sem pressa de a deixar, com tempo para ouvi-la. Os viajantes nunca estão nessa disposição de espírito em que é possível estabelecer-se o magnetismo da paisagem sobre os sentidos, de fato sobre o coração (Joaquim Nabuco, em artigo publicado no jornal o Paiz, em 30 de novembro de 1887 apud Dantas e Souto Maior, 1993, p. LVIII - LIX).
RESUMO
Baseada na noção de paisagem discutida pelo filósofo e geógrafo Augustin Berque (1994), de que ela não é uma coisa em si, mas a relação entre as coisas, uma relação que se manifesta como paisagem quando ganha um determinado sentido individual ou coletivo, esta pesquisa tem como objetivo investigar em que medida a relação entre a ferrovia e a serra das Russas, no agreste pernambucano, ganha sentido e se manifesta como paisagem para os diversos grupos envolvidos. Entendendo que a apreensão de uma paisagem implica numa certa “forma de ver”, que passa por todos os sentidos e não apenas o da visão, e de “dizer”, que diz respeito à linguagem verbal e compreende o pensamento e as palavras que o expressam, o método utilizado para a pesquisa lançou mão de procedimentos metodológicos como a pesquisa documental e a observação direta para a compreensão do objeto de estudo a partir das relações que ele estabelece com o meio e a sociedade no tempo e no espaço. A partir disso, as entrevistas semiestruturadas e os mapas mentais foram utilizados como técnicas que ajudaram a revelar em que medida essas relações estabelecidas ganham sentido e se revelam como paisagem nas suas dimensões objetivas e subjetivas para os diversos grupos envolvidos. A análise do material coletado revelou que, assim como preconiza Berque (1994), a paisagem, apesar de sua evidência, é uma invenção sempre nova da realidade e pode ser apreendida de modo diverso pelos indivíduos que com ela estabelecem relações distintas no tempo e no espaço. A paisagem é uma entidade extremamente complexa, que requer uma multiplicidade de olhares e abordagens. Sua identificação e gestão devem ser um esforço coletivo, incluindo não apenas o olhar técnico do especialista, mas o olhar de todos os envolvidos. Entender o trecho ferroviário da serra das Russas nessa perspectiva relacional pode abrir caminho para um reconhecimento mais amplo dos seus valores culturais.
Palavras-chave: Paisagem. Patrimônio Ferroviário. Sentido.
ABSTRACT
Based on the notion of landscape discussed by philosopher and geographer
Augustin Berque (1994), that it is not a thing in itself, but the relationship between
things, a relationship that manifests as landscape when it win a certain individual or
collective sense, this research aims to investigate the extent to which the relationship
between the railroad and mountain of Russas, in the wild of Pernambuco, makes
sense and manifests as landscape for the various groups involved. Understanding
that the seizure of a landscape implies a certain "way of seeing" that goes through all
the senses, not just vision, and "tell", with regard to verbal language and understands
the thought and the words express, the method used for the research drew on
methodological procedures such as direct observation and documentary research to
understand the object of study from the relationships he establishes with the
environment and society in time and space. From this, the semi-structured interviews
and mental maps were used as techniques that helped reveal the extent to which
these established relationships gain meaning and reveal how the landscape in their
objective and subjective dimensions for the various groups involved. The analysis
revealed that the material collected, as well as advocates Berque (1994), the
landscape, despite its obviousness, is an invention ever new of reality and can be
understood differently by individuals who establish relationships with her distinct in
time and space. The landscape is extremely complex entity, which requires a
multiplicity of perspectives and approaches. It identification and management should
be a collective effort, including not only the technical view of the expert, but the look
of all involved. Understanding the railway section of Russas in this relational
perspective can make way for a wider recognition of their cultural values.
Key-words: Landscape. Railway Heritage. Sense.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 Estação de Petrolina. 40 Figura 02 Estação Central do Recife. 40 Figura 03 Mapa do Brasil com a indicação da quantidade de bens inscritos
na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário por região. 44
Figura 04 Imagem de satélite indicando a localização das três ferrovias inscritas na lista do patrimônio mundial, UNESCO. Em vermelho a Rhaetian Railway, em azul a Semmering Railway e em amarelo a ferrovias que formam a Mountain Railways of India.
45
Figura 05 Rhaetian Railway, entre a Suíça e a Itália. 46 Figura 06 Mountain Railways of India. 46 Figura 07 Viaduto sobre o Kal, Ferrovia Semmering entre os anos de 1890
e 1900. 46
Figura 08 Ferrovia Semmering pelo fotógrafo Amos Chapple (Nova Zelândia).
46
Figura 09 Mapa com a localização do trecho ferroviário visitado na pesquisa de campo e com a localização dos pontos onde foram realizadas as entrevistas com os moradores.
51
Figura 10 Lançamento da pedra fundamental da Estrada de Ferro Mauá, em Fragoso, Rio de Janeiro. 29 de agosto de 1852. Publicado em 1983.
57
Figura 11 Ferrovias administradas pelo RFN em 1965. 60 Figura 12 Mapa dos trilhos do Sistema Regional Nordeste da RFFSA -
Rede Ferroviária Federal em 1974.
60 Figura 13 Mapa da malha ferroviária em Pernambuco. Na cor lilás a Linha
Tronco Norte, na cor vermelha a Linha Tronco Centro, na cor azul a Linha Tronco Sul, na cor Laranja a Estrada de Ferro de Paulo Afonso e na cor verde a Viação Férrea Leste Brasileiro.
62
Figura 14 Entrada para Estação de Cinco Pontas, Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco. De uma gravura do “Álbum de Pernambuco de F. H. Carls”, 1878. Foto - Alexandre Berzin (A. B.)
63
Figura 15 Mapa com as ferrovias existentes em Pernambuco. Em vermelho a atual Linha Tronco Centro, antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco.
65
Figura 16 Mapa do Estado de Pernambuco destacando os Municípios de Pombos e Gravatá dentro das suas respectivas Regiões de Desenvolvimento.
66
Figura 17 Limites Geopolíticos dos Municípios de Pombos e Gravatá e localização dos distritos.
67
Figura 18 Mapa de localização da serra das Russas. 68 Figura 19 Neblina na serra das Russas. 69 Figura 20 Foto ilustrando o relevo ondulado da região. 70 Figura 21 Foto ilustrando o relevo ondulado da região. 70 Figura 22 Mapa dos tipos de solos predominantes no trecho ferroviário
estudado. 72
Figura 23 Vegetação na encosta sul da serra das Russas vista a partir da encosta norte.
73
Figura 24 Vegetação na encosta norte da serra das Russas vista a partir da encosta sul. Nota-se o relevo menos ondulado e a vegetação menos densa e mais rasteira. Campos de pastagens e cultura de subsistência são constantes na paisagem.
73
Figura 25 Plantações de abacaxis na encosta norte da serra das Russas. 74 Figura 26 Plantações de abacaxis na encosta norte da serra das Russas. 74 Figura 27 Mapa com a utilização do solo no trecho da serra das Russas. 75 Figura 28 Condomínios de luxo que se debruçam sobre a serra. 76 Figura 29 Prática de rapel no viaduto ferroviário nº 03, o viaduto Cascavel. 76 Figura 30 Mapa com a localização do trecho ferroviário da serra das
Russas dentro da antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco.
77
Figura 31 Perfis longitudinais das Linhas Troncos da GWBR. Na linha oeste, antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco, destaque em vermelho para o trecho da serra das Russas, onde o perfil muda bruscamente, indicando a elevação de altitude característica da serra.
78
Figura 32 Estação Ferroviária de Pombos. Data desconhecida. 80 Figura 33 Estação Ferroviária de Russinhas. Data desconhecida. 80 Figura 34 Estação Ferroviária de Cascavel. Data desconhecida. 81 Figura 35 Estação Ferroviária de Gravatá. Data desconhecida. 81 Figura 36 Mapa com a localização das estações existentes no trecho
ferroviário da serra das Russas. 81
Figura 37 Mapa esquemático com a localização dos catorze túneis e seis viadutos no trecho ferroviário da serra das Russas.
82
Figura 38 Vista interna do túnel 8 revestido em pedra. 83 Figura 39 Vista interna do túnel 5 revestido em rocha bruta. 83 Figura 40 Arco de entrada do túnel 1. 83 Figura 41 Vista interna do túnel 1. 83 Figura 42 Arco de entrada do túnel 11, o de maior cumprimento. 83 Figura 43 Arco de entrada do túnel 6 – Detalhe da placa de sinalização
indicando a extensão do túnel. 83
Figura 44 Viaduto em estrutura metálica na serra das Russas, 1943. 84 Figura 45 Viaduto nº 03, da Grota Funda (mais popularmente conhecido
como Cascavel) e sua inserção na paisagem serrana. 85
Figura 46 Viaduto nº 03, detalhe dos pilares e arcos da estrutura em concreto armado.
85
Figura 47 Base e plataforma de embarque da estação de Russinhas. 86 Figura 48 Ruínas da estação de Cascavel. 86 Figura 49 Estação de Gravatá. 86 Figura 50 Esplanada de Gravatá com estrutura para eventos. 86 Figura 51 Estação de Pombos. 87 Figura 52 Esplanada de Pombos ocupada de maneira irregular e com lixo. 87 Figura 53 Edifício do depósito e banheiro ocupado de maneira irregular na
esplanada de Pombos. 87
Figura 54 Casa do chefe da Estação de Pombos em mau estado de conservação.
87
Figura 55 Via férrea com vegetação densa obstruindo a passagem. 88 Figura 56 Deslizamento de pedra sobre a ferrovia. 88 Figura 57 Vista da serra das Russas onde nota-se no canto esquerdo e 89
direito inferior a presença dos viadutos nº 01 e nº 02, respectivamente.
Figura 58 Vista de trecho da BR – 232 na serra das Russas. 90 Figura 59 Vista da serra das Russas onde se notam os desníveis do
relevo com a pista antiga da BR-232 no topo, a nova pista da BR-232 no nível intermediário e a ferrovia no nível inferior.
91
Figura 60 Viaduto rodoviário sobre a serra das Russas na BR-232. 91 Figura 61 Túnel na rodovia BR-232. 91 Figura 62 Publicação do edital de tombamento na edição do dia 17 de
junho de 19685 no Jornal do Comércio de Pernambuco. 93
Figura 63 Texto de inscrição da Estrada de Ferro Recife/Gravatá no Livro de Tombo nº 4 – Monumentos, Sítios e Paisagens naturais.
95
Figura 64 Mapa do projeto “Eco-via BR-232 – Requalificação Territorial” com destaque para zoneamento referente à zona da serra das Russas.
98
Figura 65 Mapa do projeto “Eco-via BR-232 – Requalificação Territorial”. Em verde mais claro no centro o Setor de Proteção da Paisagem 2 – SPP 2.
99
Figura 66 Mapa mental de técnico da FUNDARPE. 105 Figura 67 Chalés sobre a encosta sul da serra das Russas vistos a partir
do viaduto ferroviário Cascavel. 106
Figura 68 Encosta norte da serra das Russas vista a partir do viaduto ferroviário Cascavel.
106
Figura 69 Mapa mental de um engenheiro da RFFSA. 108 Figura 70 Mapa mental de engenheiro que foi residente do trecho
ferroviário da serra das Russas. 108
Figura 71 Mapa mental de empresário do ramo do turismo. 109 Figura 72 Mapa mental de técnico da Prefeitura de Gravatá. 110 Figura 73 Vista da serra das Russas a partir da encosta norte com os
viadutos ferroviários em primeiro plano 111
Figura 74 Mapa mental de arquiteta do IPHAN 114 Figura 75 Mapa mental de arqueólogo da empresa GRAU. 116 Figura 76 Mapa mental de arquiteta da FUNDARPE. 117 Figura 77 Mapa mental de arquiteto da empresa GRAU. 118 Figura 78 Imagem de pessoas colhendo flores no trecho ferroviário da
serra das Russas. 119
Figura 79 Mapa mental de arquiteto do IPHAN. 121 Figura 80 Mapa mental de técnico da Prefeitura Municipal de Pombos. 125 Figura 81 Casas sobre a linha férrea na comunidade Manibu, Gravatá. 126 Figura 82 Mapa mental de moradora de Gravatá. 128
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 01 Comparativo de informações gerais dos municípios de Pombos e Gravatá.
67
Quadro 01 Atributos identificados no trecho ferroviário da serra das Russas pelos entrevistados.
130
LISTA DE SIGLAS
CAC – Centro de Artes e Comunicação
CBTU – Companhia Brasileira de Transportes Urbanos
CONDEPE/FIDEM – Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa de Pernambuco
DER – Departamento de Estradas de Rodagem
FADE – Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UFPE
FIDEM - Fundação de Desenvolvimento Municipal
FUNDARPE – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco
GRAU – Grupo de Arquitetura e Urbanismo
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
PDN – Plano Nacional de Desestatização
RFFSA – Rede Ferroviária Federal S.A.
RFN – Rede Ferroviária do Nordeste
SEPLANDES - Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Social
SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
UFPE – Universidade Federal de Pernambuco
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organitazion
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
1 PAISAGEM E PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: ESTABELECENDO UMA RELAÇÃO
23
1.1 Construindo uma ‘noção’ de paisagem 23
1.2 O Patrimônio Ferroviário: do bem isolado à paisagem 34
2 TRILHANDO UM CAMINHO 49
3 O TRECHO FERROVIÁRIO DA SERRA DAS RUSSAS: HISTÓRIA, CARACTERIZAÇÃO E PROTEÇÃO
56
3.1 A ferrovia no Brasil e em Pernambuco 56
3.2 O trecho ferroviário da serra das Russas: as relações no espaço e no tempo
66
3.3 A Proteção do patrimônio natural e cultural da serra das Russas 92
4 A SERRA E A FERROVIA: UMA RELAÇÃO QUE DÁ SENTIDO À PAISAGEM
103
4.1 As relações e os sentidos atribuídos 103
4.2 Os atributos que dão sentido às relações 129
4.3 Os sentidos das paisagens 132
5 NA SERRA DAS RUSSAS O TREM SE FEZ PAISAGEM... 135
REFERÊNCIAS 137
APÊNDICE A 141
APÊNDICE B 145
14
O SENTIDO DA PAISAGEM |
INTRODUÇÃO
Le paysage n’existe pas en dehors de nous, qui non plus n’existons pas
hors de notre paysage. C’est pourquoi parler du paysage est toujours
quelque peu une autoréférence (BERQUE, 1994, p. 27).1
A paisagem da serra das Russas sempre fez parte da minha vida. Nasci e morei em
Caruaru no agreste pernambucano até os meus dezoito anos de idade, quando
passei no vestibular e fui morar em Recife. O fato dos meus pais terem permanecido
no interior fazia com que frequentemente tivesse que pegar a BR-232 para ir visitá-
los. E para chegar em Caruaru pela BR-232 tinha que necessariamente passar pela
serra das Russas, o que para mim era um prazer, pois considerava a serra o trecho
mais bonito de todo o percurso da viagem.
Lembro-me que sabia que estávamos entrando na serra porque os ouvidos
começavam a se ‘fechar’ devido à altitude. A paisagem que tinha relevo plano até
Vitória de Santo Antão começava a oferecer outras visuais conforme íamos subindo
a serra, permitindo que a vista fosse mais longe, alcançando um horizonte que ia
ficando cada vez mais distante. Então me debruçava sobre a janela e ficava
admirando a paisagem, que ora se ‘escondia’ por trás da vegetação, ora se
descortinava após a passagem por um dos muitos paredões de pedra existentes.
A ferrovia também sempre fez parte da minha vida. Durante todo o meu período
escolar estudei no colégio Diocesano de Caruaru, que ficava situado a duas quadras
da estação ferroviária da cidade. Quando fiquei mais crescida e podia voltar para
casa sozinha, saía do colégio e descia até a estação onde sentada sobre a
escadaria principal, ficava vendo a vida passar jogando conversa fora com as
minhas colegas, enquanto o ônibus urbano não chegava.
A estação ferroviária fazia parte do meu cotidiano e muitas vezes pensava, com
certa nostalgia, como seria bom se o trem ainda funcionasse. Tinha o grande desejo
1 A paisagem não existe fora de nós, que também não existimos fora de nossa paisagem. É porque falar da
paisagem é sempre um pouco uma autorreferência. (BERQUE, 1994, p. 27).
15
O SENTIDO DA PAISAGEM |
de um dia andar de trem. Recordo-me que vi apenas trens de carga circulando por
aquela linha, mas nenhum trem de passageiros, com exceção do trem do forró, que
todo mês de junho chegava à estação trazendo alegria e festa no período junino.
A serra das Russas e a ferrovia são realidades com as quais estabeleci relações
distintas em minha vida. Por muito tempo elas permaneceram desse modo, isoladas
em minha memória e lembranças, sem qualquer relação entre si. Foi apenas em
2008, quando fui convidada pela empresa GRAU2 para participar do Inventário do
Patrimônio Ferroviário em Pernambuco, promovido pela Superintendência do
IPHAN3 em Pernambuco, que essas relações começaram a mudar.
O primeiro levantamento de campo que eu fiz com a equipe para o inventário em
maio de 2008 foi, coincidentemente, na esplanada ferroviária de Caruaru. Foi
surpreendente voltar depois de tantos anos com o olhar ‘treinado’ de arquiteta e
descobrir naquela ocasião que, apesar de ser tão familiar para mim, justamente por
ter feito parte do meu dia-a-dia por tanto tempo, aquele espaço era, na verdade,
‘desconhecido’, ainda incompreendido. Até aquela ocasião eu nunca tinha entrado
no edifício da estação, não sabia como era o seu interior, sua distribuição interna,
nunca tinha visto a riqueza de detalhes da sua bilheteria em ferro fundido e os vários
tipos de piso distribuídos em seus dois pavimentos. Até então também nunca tinha
‘notado’ o edifício do armazém, apesar de ele estar ali, em frente à estação,
estabelecendo uma relação forte e importante com ela e a linha férrea, que se
colocava entre os dois como um elo. Como não tinha percebido essas relações
anteriormente? Naquele momento elas pareciam tão óbvias...
Aproximadamente um ano após esse primeiro levantamento de campo, já na
segunda etapa do Inventário4, foi realizada uma visita técnica ao trecho ferroviário da
serra das Russas, considerado pelo IPHAN como sendo um trecho exemplar sob o
ponto de vista da engenharia ferroviária e também por causa da sua inserção
‘harmoniosa’ na paisagem serrana. De fato, esse trecho já tinha sido reconhecido
2 Grupo de Arquitetura e Urbanismo.
3 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
4 A segunda etapa do Inventário do Patrimônio Ferroviário de Pernambuco, realizada em 2009, consistiu no
levantamento dos trechos ferroviários, obras d’arte, material rodante e equipamentos de manobra e sinalização.
16
O SENTIDO DA PAISAGEM |
como patrimônio cultural pela FUNDARPE5 no ano de 1986, quando foi feito o
tombamento da Estrada de Ferro Recife/Gravatá6, com 76,04km de extensão ao
todo.
Assim como ocorreu na visita à esplanada de Caruaru, foi igualmente surpreendente
ver que, apesar de já conhecida, a serra é muito maior e mais exuberante do que
aquela que via passar velozmente pela janela do carro ou do ônibus. Experimentar a
serra sob um ponto de vista diverso, nesse caso a partir da ferrovia, e, sobretudo,
sob uma velocidade mais reduzida, a velocidade de quem caminha, foi uma
experiência única, marcante, que mudou a minha relação com aquela paisagem.
Adentrar a serra, dessa vez caminhando sobre os trilhos, vendo os detalhes da linha
férrea, tocando na vegetação que se debruçava sobre o leito da ferrovia, passar ao
lado dos paredões de pedra, ver a sua cor, a sua textura, passar por dentro dos
catorze túneis no escuro ou com a luz apenas de uma tocha, ora escutando o
barulho dos morcegos ora escutando o silêncio absoluto e depois, logo à frente,
contemplar uma paisagem arrebatadora que se descortinava sobre alguns dos seis
viadutos existentes, foi uma experiência que mexeu com todos os meus sentidos e
emoções, me colocou em relação direta com a paisagem.
Naquela ocasião fiquei imaginando como seria sensacional percorrer aquele trecho
de serra no vagão de um trem, vendo a paisagem enquadrada pela janela passar
vagarosamente ao som do seu apito. Deve ter sido uma experiência única para
aqueles que tiveram a sorte de ter vivenciado isso. Pensei também na
engenhosidade dos engenheiros que conseguiram ‘costurar’ a serra com a linha
férrea de maneira tão harmoniosa com a topografia existente, de forma que muitas
vezes a ferrovia ‘desaparece’ na paisagem.
Diferentemente da experiência vivida na esplanada de Caruaru, nesse caso eu sabia
exatamente porque não tinha jamais percebido as muitas relações que se
estabelecem na paisagem da serra e que permanecem ocultas para quem passa na
5 Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco.
6 O processo 1322/85 do tombamento da Estrada de Ferro Recife/Gravatá teve duração de dois anos, sendo
iniciado em março de 1984 e concluído em março de 1986, quando foi homologado por meio de Decreto nº 11.238 assinado pelo então Governador de Pernambuco, o senhor Roberto Magalhães Melo.
17
O SENTIDO DA PAISAGEM |
rodovia... É que para conhecê-la é preciso mais que a observação passiva, é preciso
o diálogo, que pressupõe não apenas o intelecto, mas também o coração.
Sem nenhuma dúvida, de todos os trechos percorridos durante o Inventário do
Patrimônio Ferroviário, o trecho da serra das Russas foi o mais surpreendente.
Aquela paisagem se tornou para mim um marco, uma referência, se tornou ‘minha’.
A relação entre a serra e a ferrovia a partir de então se revelou tão forte que hoje
não consigo pensar em uma sem necessariamente relacionar com a outra.
No entanto, apesar da relação entre a serra das Russas e a ferrovia parecer tão
evidente e se manifestar como paisagem para mim, ela pode simplesmente não
existir ou não ser interpretada dessa forma por outras pessoas. Para os técnicos que
participaram do tombamento da Estrada de Ferro Recife/Gravatá, por exemplo, a
relação entre a ferrovia e a serra parece não ter sido percebida e interpretada como
paisagem. Apesar de destacar o trecho da serra das Russas dentro de um trecho
mais amplo que foi objeto de proteção, eles não traçaram nenhum paralelo entre a
serra e a ferrovia, justificando o valor desta como bem cultural apenas pelo conjunto
de obras d’arte ferroviárias existentes, que segundo eles, mereciam ser conservadas
porque integravam “uma ambiência daquelas paragens”, constituindo “um conjunto
de interesse da memória da estrada de ferro de Pernambuco” (FUNDARPE, 1986, p.
04).
Apesar de ter sido identificado como um ‘conjunto’, o trecho ferroviário da serra das
Russas foi entendido pelo tombamento como uma soma de elementos individuais
(as obras d’arte e estações) ligados por uma relação de proximidade, que parece
não ter relação com o meio do qual é parte constituinte. A análise do processo de
tombamento nos indica que a paisagem ainda era uma dimensão incompreendida
pelos técnicos da época. A visão técnica, única considerada no processo, ainda
estava vinculada a valores histórico-documentais e a ideia de monumento isolado, o
que limitou a interpretação e o reconhecimento do bem cultural em toda a sua
complexidade e extensão.
A consequência do entendimento limitado e do reconhecimento restritivo do
tombamento se traduziu no isolamento do bem em relação ao seu meio e no
18
O SENTIDO DA PAISAGEM |
enfraquecimento ou perda das relações materiais e imateriais estabelecidas entre a
ferrovia, a serra e a sociedade. Soma-se a essa problemática a desativação da linha
férrea no início dos anos 2000, a falta de fiscalização e conservação do bem por
parte do poder público, o que contribuiu sobremaneira para o seu abandono e
esquecimento ao longo dos anos.
Mas, qual a explicação que podemos encontrar para o fato de podermos interpretar
ou não como paisagem um determinado meio? Segundo Berque (1994, contra
capa), a explicação pode estar no fato de que a paisagem, não sendo o meio
ambiente que nos circunda, “est une invention toujours nouvelle de la réalité”7 e por
isso, apesar de sua aparente evidência, pode ser apreendida ou não pelos
indivíduos que com ela estabelecem relações distintas no tempo e no espaço. É
justamente por isso que Berque (1994) afirma que é preciso duvidar da paisagem.
Ainda segundo este autor a história e a antropologia comprovam que “a noção de
paisagem não existiu em todas as épocas, muito menos em todas as culturas”
(BERQUE, 1994, p. 15, tradução nossa). Na Grécia antiga e na Idade Média
romana, por exemplo, apesar de existir pinturas com motivos paisagísticos e termos
linguísticos que os nomeassem, não existia uma consciência de paisagem. Foi na
China do sul, no início do século V da era passada, dentro de um contexto sócio
político turbulento com profundas transformações de mentalidade e
comportamentos, que a natureza (de ordem moral) passou a ser entendida como
paisagem (de ordem estética), tomando consciência por meio da poesia e ganhando
expressão por meio da pintura (BERQUE, 1994).
Assumir que a noção de paisagem não existiu nem em todas as épocas nem em
todas as culturas nos força a distinguir dois enfoques para ao seu estudo: o enfoque
das ciências da natureza e o enfoque ecumenal. O estudo da paisagem segundo o
enfoque das ciências da natureza (como a geografia física e a ecologia, por
exemplo) se justifica no nível ontológico do planeta (entidade física) e da biosfera
(entidade ecológica), mas não pode ser aplicado no nível ontológico da ecúmeno8,
7 “é uma invenção sempre nova da realidade”. (BERQUE, 1994, contra capa).
8 O uso do termo ‘a ecúmeno’ está em conformidade com a intenção do autor, Augustin Berque, que recorrendo
à etimologia da palavra grega ‘oikoumenê ge: terra habitada’, prefere o seu emprego no feminino, mesmo se em português a palavra seja masculina.
19
O SENTIDO DA PAISAGEM |
que por se referir à relação que a humanidade estabelece com a extensão terrestre,
diz respeito não só à sua realidade física e ecológica, mas também, simbólica e
fenomenal (BERQUE, 1994).
No enfoque ecumenal, que será o adotado nesta pesquisa, a noção de paisagem é
algo que não diz respeito apenas ao objeto ou apenas ao sujeito, mas se refere a
uma determinada relação humana com o meio, uma relação que ocorre em um
tempo concreto e em um espaço concreto e impregna a realidade com um
determinado sentido (BERQUE, 1994). Por ser fruto de uma relação concreta no
tempo e no espaço, o sentido de uma paisagem deve ser analisado temporalmente,
como o sentido de uma época, e espacialmente, como sentido de um determinado
meio (BERQUE, 1994).
No âmbito desta pesquisa a ‘época’ analisada será o ano de 2013 (tendo sempre
como referência o ano de 1986, marco do tombamento) e o ‘meio’ será o trecho da
serra das Russas cortado pela ferrovia, cujo ponto inicial é a estação de Pombos e o
ponto final é a estação de Gravatá. Esse trecho é, na realidade, um pequeno recorte
de um trecho ainda mais amplo, a Estrada de Ferro Recife/Gravatá, que foi o trecho
efetivamente contemplado pelo tombamento.
A análise do sentido da paisagem, ao contrário do que possa parecer, não deve se
restringir unicamente ao aspecto sensorial, já que todos os seres humanos,
independentemente do tempo e do espaço, são sensíveis ao meio ambiente e
podem senti-lo, mas deve se colocar no âmbito da “interpretação” e é desse ponto
que devemos partir, pois esse caminho pode permitir o estudo da paisagem de
modo objetivo, científico (BERQUE, 1994).
Considerando a possibilidade de interpretações distintas para um mesmo meio e
tendo como prova disso as percepções divergentes dos técnicos na época do
tombamento e as minhas percepções pessoais no ano de 2009 e 2013 quando
visitei o trecho ferroviário, surgiram alguns questionamentos que motivaram as
reflexões desta pesquisa: a relação entre a serra das Russas e a ferrovia poderia ser
interpretada como paisagem pelos técnicos e especialistas de hoje? Essa relação
poderia se revelar como paisagem também para outras pessoas como os gestores
20
O SENTIDO DA PAISAGEM |
locais, os empresários e os moradores? A relação entre a ferrovia e a serra seria
evidente para eles como é para mim? Ou seria tênue ou até mesmo inexistente?
Tendo em vista essas questões, esta pesquisa adotou como objetivo geral
compreender em que medida a relação entre a ferrovia e a serra das Russas, no
agreste pernambucano, ganha sentido e se manifesta como paisagem para as
pessoas presentes nos diversos grupos envolvidos. A identificação dos atributos
materiais e imateriais que estão na base das relações que as pessoas estabelecem
com a ferrovia e a serra foi um ponto também discutido por entendermos que é a
presença desse conjunto de atributos que permite que a paisagem ganhe forma, cor,
cheiro, textura, permeie as memórias, ganhe sentido.
Em vista de alcançar esse objetivo foram adotados alguns passos. O primeiro foi a
definição do referencial teórico-conceitual que embasou o método de apreensão da
paisagem para os diversos grupos envolvidos. Com o referencial teórico e o método
definido, o segundo passo foi conhecer o objeto de estudo, o trecho ferroviário da
serra das Russas, nas suas relações no tempo e no espaço. Para isso, foram
utilizadas como técnicas para a coleta de dados a pesquisa bibliográfica e a
pesquisa de campo. O terceiro passo foi a realização de entrevistas
semiestruturadas e a aplicação dos mapas mentais que nos ajudaram a entender as
relações que as pessoas estabeleciam com o meio estudado e em que medida
essas relações ganhavam o sentido de paisagem.
A análise do material coletado por meio da análise de conteúdo revelou que, assim
como preconiza Berque (1994), a paisagem, por ser uma invenção sempre nova da
realidade, pode ser apreendida de maneira diversa pelos indivíduos que com ela
estabelecem relações distintas no tempo e no espaço. A paisagem é uma entidade
extremamente complexa, que exige uma multiplicidade de olhares e abordagens e
por isso, a sua identificação e interpretação deve ser um esforço coletivo, incluindo
não apenas o olhar técnico do especialista, mas o olhar de todos os envolvidos.
Entender o trecho ferroviário da serra das Russas numa perspectiva relacional
possibilitou o reconhecimento mais amplo dos seus valores culturais.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Por fim, o documento foi estruturado em cinco capítulos. O primeiro capítulo trata da
fundamentação teórica e tem como objetivo construir uma noção de paisagem que
possa servir de referencial teórico-metodológico para a pesquisa compreendendo,
nesse bojo, uma reflexão sobre a problemática da conservação do patrimônio
ferroviário no âmbito da paisagem. O segundo capítulo apresenta o método
construído para a apreensão do sentido da paisagem do trecho ferroviário da serra
das Russas. O terceiro capítulo traz uma caracterização do objeto de estudo
abordando aspectos referentes à sua história, localização, dados físico-ambientais e
legislação de proteção. O quarto capítulo apresenta a análise das entrevistas e
mapas mentais, revelando em que medida a relação entre a serra e a ferrovia se
manifesta como paisagem para as pessoas entrevistadas. Por fim, no capítulo
quinto, à guisa de conclusão, procuramos refletir sobre o elemento trem, que mesmo
ausente na paisagem física da serra, ainda carrega o simbolismo e os sentidos
presentes na paisagem interior de tantas pessoas.
1 | PAISAGEM E PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO:
estabelecendo uma relação
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
1 PAISAGEM E PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: ESTABELECENDO UMA
RELAÇÃO
A theoria não é uma instrumentalização abstrata e confusa, mas a dimensão absoluta mais ampla e genuína do concreto e do prático. (Emanuele Severino apud Kühl, 2008, p. 35).
Este primeiro capítulo tem o objetivo de construir uma noção de paisagem que
possa ser utilizada como referencial teórico-metodológico para esta pesquisa. A
problemática da conservação que envolve os bens da industrialização de um modo
geral e do patrimônio ferroviário de um modo específico, também será discutida à
medida que se pretende entendê-la nessa perspectiva de paisagem. O nosso
desafio será transitar entre esses dois campos do saber, o da paisagem e o do
patrimônio, buscando os pontos onde eles se aproximam e estabelecer uma relação
que possa auxiliar na construção de um método de apreensão do sentido da
paisagem do trecho ferroviário da serra das Russas para os grupos envolvidos.
1.1 Construindo uma ‘noção’ de paisagem
Por causa da sua natureza polissêmica, controversa, transgressora, caótica,
multifacetada e plural, alguns autores (BERQUE, 1994; CAUQUELIN, 2007;
CUECO, 1995; ROGER, 2000) preferem tratar a paisagem não como um conceito
fechado (BERTRAND, 1995), mas como uma “noção vaga” (CUECO, 1995, p. 177),
uma ideia que é construída ou ‘inventada’ a partir das referências culturais que
acumulamos ao longo de nossas vidas (CAUQUELIN, 2007).
De fato, apesar de parecer ‘cotidiana’ e ‘dada’ para nós ocidentais, a paisagem
simplesmente não existe para algumas sociedades que não possuem um termo
linguístico específico para nomeá-la. Grandes civilizações como a Índia e o Islã, por
exemplo, “apreenderam e julgaram o seu meio ambiente em termos irredutíveis à
noção de paisagem” (BERQUE, 1994, p. 1). Este fato comprova que a paisagem não
é um acontecimento absoluto, mas relativo, circunstancial.
Mesmo nas sociedades cujo idioma existe uma palavra específica para dizer
‘paisagem’, esta pode assumir acepções diferentes dentro do seio de uma mesma
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
cultura, variando conforme a percepção de cada indivíduo. Isso acontece porque
"L'image social du paysage est le produit d'une pratique économique et culturelle"1
(BERTRAND, 1995, p. 96), o que faz com que ela seja interpretada de modo
diferenciado pelos diversos grupos sociais que a vivenciam. A paisagem está
enraizada na vida social e por ela é condicionada num processo contínuo e dinâmico
(BERQUE, 1994).
No campo científico, assim como no campo linguístico, a impossibilidade de uma
‘definição clara’ do que seja paisagem persiste. Estudada por diversas disciplinas do
conhecimento como a geografia, a ecologia, a geologia e a arquitetura, dentre
outras, a paisagem é, na prática, apreendida de modo segregado por cada uma
delas, que limitadas ao campo disciplinar do qual fazem parte, conseguem estudá-la
apenas sob um ponto de vista restrito. Essa abordagem compartimentada e
unilateral reduz a complexidade inerente à paisagem, que exige um enfoque
multidisciplinar para a compreensão das suas nuances e dimensões, quer sejam
elas materiais ou imateriais. Na realidade, a maioria das disciplinas estuda a
paisagem sob um ponto de vista material, a exemplo da geografia e da ecologia,
ficando os mecanismos que a movem, que são de ordem imaterial, obscuros ao
conhecimento (BETRAND, 1995).
Essa predileção pelos aspectos materiais da paisagem é uma herança da
modernidade tão presente na nossa cultura ocidental, que privilegia os aspectos
objetivos em detrimento dos subjetivos. De fato, Berque (1994) situa a descoberta
da paisagem na sociedade ocidental, mais precisamente na sociedade europeia,
com o surgimento da perspectiva no Renascimento e o advento da modernidade no
século XVII, que colocou o sujeito e o objeto como entidades apartadas e
independentes, sem uma relação mútua. Essa visão extremamente física do mundo,
que não apresenta nenhuma consideração ao ponto de vista do sujeito é, segundo
Berque (1994), completamente estranha à paisagem. Por isso este autor afirma que
a modernidade é incompatível com a paisagem, pois ela extrai o seu sentido,
esvaziando-a.
1 “A imagem social da paisagem é o produto de uma prática econômica e cultural” (BERTRAND, 1995, p. 96
tradução livre).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Em se tratando do estudo da paisagem, nem o aspecto objetivo nem o subjetivo
podem ser negligenciados, pois ficar apenas no lado objetivo é tirar da paisagem o
espírito que a anima, enquanto ficar apenas no lado subjetivo é tirar da paisagem o
seu corpo, a estrutura que lhe dá forma e feição. É preciso corpo e alma para que a
paisagem exista. De fato, Berque (1994, p. 5) afirma que
Le paysage ne se réduit pas aux données visuelles du monde qui nous entoure. Il est toujours spécifié de quelque menière par La subjectivité de l’observateur; subjectivité qui est davantage qu’um simple point de vue optique. L’étude paysagère est donc autre chose qu’une morphologie de l’environnement. Inversement, le paysage n’est pás que ‘miroir de l’âme’. Il se rapport à des objets concrets, lesquels existent réellement autour de nous. Ce n’est ni um revê ni une hallucionation; car si CE qu’il représente ou évoque peut être imaginaire, il exige toujours un support objectif. L’étude paysagère est donc autre chose qu’une psychologie Du regard. Autrement dit, le paysage ne reside ni seulement dans l’objet, ni seulement dans le sujet, mais dans l’interaction complexe de ces deux termes.
2
Bertrand (1995), assim como Berque (1994), considerando como indissociáveis
essas duas dimensões que compõe a paisagem, levanta alguns postulados para o
seu estudo, postulados estes que são assumidos nesta pesquisa como válidos e
pertinentes. Primeiramente, segundo este autor, a paisagem se situa na fenda entre
natureza e sociedade, e por isso depende de uma dialética entre leis físicas e leis
sociais. Essa dialética consiste em admitir a paisagem como um objeto social, ou
seja, como uma imagem construída a partir do fenômeno da percepção e da
interpretação sócio-psicológica dos indivíduos, e também como uma estrutura
natural concreta e objetiva, que independe do observador. De fato, Cauquelin
(2007, p. 11) também assumindo essa posição, afirma que “os dados do ambiente
físico mantêm um contato estreito com os dados perceptuais formados pela
paisagem”.
2 A paisagem não se restringe aos dados visuais do mundo que nos cerca. Ela é especificada de qualquer
maneira pela subjetividade do observador, subjetividade que é mais do que um simples ponto de vista ótico. O estudo paisagístico é então outra coisa que uma morfologia do meio ambiente. Inversamente, a paisagem não é só o “espelho da alma”. Ela se refere a objetos concretos, que existem realmente ao nosso redor. Não é nem um sonho nem uma alucinação; pois se o que e ela representa ou evoca pode ser imaginário, ela exige sempre um suporte objetivo. O estudo paisagístico é então outra coisa que uma psicologia do olhar. Ou seja, a paisagem não reside nem somente no objeto nem somente no sujeito, mas na interação complexa desses dois termos. (BERQUE, 1994, p. 5 tradução para o português Maria Clara C. Malta).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Essa abordagem, que considera tanto a dimensão objetiva quanto a subjetiva, ajuda
a superar uma visão maniqueísta comumente encontrada no estudo da paisagem,
que procurando defini-la a partir de pontos de vista contraditórios e muitas vezes
antagônicos, coloca-a em um beco sem saída sob o ponto de vista teórico-
conceitual, dificultando a compreensão de todas as suas dimensões.
Desse modo, procurando superar uma visão predominantemente morfológica
advinda das ciências da natureza, que reduz a paisagem ao meio ambiente
geográfico e outra predominantemente idealista, que reduz a paisagem a um
simples fenômeno da percepção, esta pesquisa buscará abordar a paisagem como
uma noção que surge da interação indissociável das dimensões objetivas e
subjetivas, materiais e imateriais, ou seja, entendendo a paisagem como uma
entidade essencialmente relacional.
Or l’histoire nous apprend, d’une part, qu ele paysage n’est pás
l’environnement – lequel existe objectivement toujours et partout -, mais une
entité relationnelle qui n’apparait que dans certaines conditions. D’autre part,
l’exemple de la Chine montre que le paysage est advantage qu’une forme
extérieure offerte à la vue; c’est, encore une fois, une entité relationnelle, qui
engage toute notre sensibilité. (BERQUE, 1994, p. 26-27).3
Para explicar a essência relacional da paisagem Berque (1994; 2010; 2012) usa o
enfoque ecumenal em oposição ao enfoque das ciências da natureza, e partindo da
definição de ‘meio humano’ e ‘ecúmeno’ lança mão de outras noções
complementares como mediância e trajecção. O meio humano, segundo Berque
(2012), é a relação que uma sociedade estabelece com o seu meio ambiente. Nessa
mesma lógica relacional ele define a ecúmeno4 como o conjunto dos meios humanos
e, portanto, igualmente uma relação, porém numa escala mais ampla, da
humanidade com a extensão terrestre (BERQUE, 2012). A ecúmeno apesar de
pressupor o planeta (entidade físico-química) e a biosfera (dimensão da vida) não
pode ser confundida com eles porque a relação ecumenal não é formada apenas por
3 A história nos ensina de uma parte, que a paisagem não é o meio ambiente – o qual existe objetivamente
sempre e em todo lugar – mas uma entidade relacional que só aparece em certas condições. De outra parte, o exemplo da China mostra que a paisagem é mais que uma forma exterior oferecida à visão; é mais uma vez, uma entidade relacional que engaja toda nossa sensibilidade. (BERQUE, 1994, p. 26-27 tradução para o português de Maria Clara C. Malta) 4 O uso do termo ‘a ecúmeno’ está em conformidade com a intenção do autor, Augustin Berque, que recorrendo
à etimologia da palavra grega ‘oikoumenê ge: terra habitada’, prefere o seu emprego no feminino, mesmo se em português a palavra seja masculina.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
relações de ordem ecológica, mas também por relações de ordem técnica e
simbólica (BERQUE, 2010), que são próprias de meios humanos.
(...) os meios humanos, cujo conjunto forma a ecumene, são eco-tecno-simbólicos. O que quer dizer que a ecumene é irredutível à biosfera, assim como o humano é irredutível ao seu corpo animal, que é somente o seu topos. (BERQUE, 2010, p. 19).
A definição de topos vem da filosofia de Aristóteles que no livro IV da Física “definiu
o topos de uma coisa como o recipiente dessa coisa” (BERQUE, 2012, p. 5). Esse
recipiente é entendido como algo móvel que pode ser dissociável do lugar e da coisa
em si, sem uma relação mútua, porque ambos, a coisa e o recipiente, são
compreendidos como meros objetos. A essa lógica aristotélica que cria o espaço
neutro abstraído do sujeito, Berque (2010, 2011, 2012) contrapõe outra lógica, que é
relacional e traz uma concepção de lugar mais próxima ao que Platão define como
Chôra e que Heidegger define como Ort. Tanto no Chôra como no Ort uma coisa ‘é’
quando estabelece uma relação ontológica com o lugar, que por sua vez é
“necessário à existência da coisa, e que ultrapassa a sua definição física” (BERQUE,
2012, p. 6). Para explicar melhor a diferença entre o que seria o Chôra ou Ort de um
objeto e o que seria o topos desse mesmo objeto, Berque (2012) usa como exemplo
um simples lápis.
Há duas maneiras de dizer o que é um lápis. Uma consiste em descrever um objeto desse gênero. É o método científico, o qual posicionará o dito objeto de acordo com coordenadas cartesianas e medirá a sua forma, sua massa e seus constituintes. Nós saberemos, desta forma, o que é fisicamente um lápis. Isso é suficiente? Não, pois isso não diz o essencial, a saber: que o lápis é uma coisa para escrever. Nós passamos aqui a uma definição existencial; com efeito, é somente enquanto coisa para escrever que pode existir um lápis (mesmo quando se pode, secundariamente, desviá-lo deste uso). Ora, esta concepção supõe necessariamente todo um tecido relacional irredutível ao topos do lápis em questão. Inicialmente, esta concepção supõe ao menos dois sistemas simbólicos: diretamente, a escrita e, indiretamente, a palavra que a escrita representa. Em seguida, uma série de sistemas técnicos: exploração florestal para a produção de madeira, minério para o grafite, fábricas de papel (pois os lápis não escrevem no vazio), transporte, etc. Estes sistemas simbólicos e técnicos são combinados por relações sociais de diversas ordens; por exemplo, as trocas comerciais, as quais supõem simultaneamente as técnicas de transporte e os símbolos monetários. Tudo isso não é menos necessário à existência do lápis do que o ar para as bactérias aeróbicas, ou a água para os peixes. O conjunto dessas relações necessárias constitui o lugar existencial ou o meio do lápis: sua chora. Esta, como se vê, excede o seu topos físico. (BERQUE, 2012, p. 6-7).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Entender o significado do que seria o Chôra ou Ort de um objeto nos ajuda a
compreender como é possível, por exemplo, que uma pessoa que não tenha uma
relação física direta com um determinado lugar, como a serra das Russas, por
exemplo, possa se sentir ligado a ele ou lhe atribuir significados pelo simples fato
daquele lugar lembrar um período importante na sua infância ou ter sido por um
período de tempo curto o seu lugar de trabalho. É que este lugar como Chôra é o
conjunto das relações que estabelecemos com o nosso meio (BERQUE, 2010),
relações estas que não são apenas de ordem material, mas também imaterial e por
isso, ultrapassam a barreira física.
É dentro desse paradigma ecumenal, ou seja, relacional, que entendemos a
paisagem como uma realidade relativa que deve ser considerada de modo concreto
dentro do tempo e do espaço, existindo apenas em um meio (Chôra ou Ort), que
nada mais é que o conjunto de relações que o indivíduo estabelece com o ambiente
(BERQUE, 2010). Esse meio participa do ser, que por sua vez participa do meio,
constituindo a essência do mundo sensível no qual estamos submersos (BERQUE,
2010).
É porque cada um de nós possui a identidade de um corpo individual, sempre identificados a um meio comum, que somos plenamente humanos, e que podemos estabelecer relações com as coisas. Em um mundo humano as coisas não são puros objetos; elas combinam, como nós, a identidade do seu em si e a sua identificação aos termos comuns – quer dizer, a esse meio que é nosso – onde podemos apreendê-las. (BERQUE, 2010, p. 18)
A apreensão desse meio onde estamos submersos só é possível quando ele adquire
um determinado sentido para nós, sentido este que é definido por Berque (1994,
2010, 2011, 2012) como sendo a mediância, termo derivado do latim que significa
metade. A mediância é “o momento estrutural da existência humana” (BERQUE,
2010), ou seja, é o momento onde ocorre a junção dinâmica das nossas duas
metades: o nosso corpo animal (topos) e o nosso corpo medial (chôra), que é
comum e partilhado com os outros seres humanos.
A mediância (o sentido), ao contrário do que se possa pensar, não está apenas em
nós seres humanos, mas encontra-se também impregnada nas coisas que estão à
nossa volta, que por sua vez não se limitam ao seu topos, como um simples objeto,
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
mas pela metade são constituídas também pelo chôra, motivo pelo qual podemos
nos sentir ligados a um determinado meio e a outros seres humanos (BERQUE,
2010). É por meio da mediância que apreendemos a paisagem e é na paisagem que
encontramos o sentido da nossa relação com o meio.
(...) na ecumene, a mediania (mediância - grifo nosso) marca tanto o indivíduo como marca o meio comum, em diferentes escalas. A territorialidade humana é uma expressão dessa mediania. Ela é um aspecto do corpo medial, sem o qual não somos humanos, e sem o qual, em particular, nenhum de nós pode ser uma pessoa, já que o momento estrutural de sua existência não poderia se estabelecer”. (Berque, 2010, p. 19).
Sob esta ótica, a mediância é concebida como “o sentido ao mesmo tempo subjetivo
e objetivo (uma significação, uma sensação, uma tendência), da relação de uma
sociedade com a extensão terrestre (relação que é um meio)” (BERQUE, 2012, p.
193). Ela é, pois, uma trajecção, ou seja, é um contínuo ir e vir, “um movimento no
qual o mundo subjetivo e o mundo objetivo não cessam de interagir” (BERQUE,
2012, p. 193), como numa espiral que põe tudo em relação. Essa relação articula
três níveis distintos: o nível do mundo físico, objetivo; o nível das relações
ecológicas que ligam o homem ao meio ambiente; e o nível das relações simbólicas
(BERQUE, 2012).
O termo trajecção é importante porque nos faz entender que a paisagem sendo a
realidade das coisas humanas é irredutível ao puro objeto e à ilusão subjetiva. A
paisagem, assim como todas as realidades existentes na ecúmeno é concreta, pois
é feita de coisas concretas e “não de objetos abstratos representados por um olhar
abstrato” (BERQUE, 2012, p. 210).
Sendo o sentido da paisagem, a mediância é, assim como ela, dinâmica e relativa,
ou seja, pode variar no tempo e no espaço, pode existir ou não nas diversas
culturas, pode inclusive variar dentro do seio de uma mesma cultura, entre os
indivíduos, como já foi dito. A natureza ‘mutável’ da mediância e consequentemente
da paisagem, nos coloca o problema da sua análise e apreensão, pois imersos no
nosso etnocentrismo podemos cair na tentação de achar que em todas as épocas e
em todas as culturas a noção de paisagem sempre existiu, o que é um equívoco.
30
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Visando superar esse problema Berque (1994, 2012) propõe inicialmente quatro
critérios empíricos, que depois se tornaram sete, para a comparação objetiva das
sociedades que possuem uma cultura de paisagem daquelas que não a possuem.
Esses critérios são (em ordem crescente de importância): 1. Uma literatura, que
pode ser oral ou escrita, enaltecendo a beleza dos lugares; 2. Uma toponímia (nome
próprio de um lugar) referenciando a beleza visual do ambiente; 3. Jardins de
embelezamento; 4. Uma arquitetura concebida para a apreciação de uma bela vista;
5. Representações de pinturas de paisagens; 6. Uma ou várias palavras para dizer
‘paisagem’; 7. Uma reflexão explícita sobre “a paisagem”.
Analisando os sete critérios sugeridos por Berque (1994; 2012), constatamos que os
cinco primeiros estão ancorados diretamente em valores estéticos e propriedades
visuais do meio ambiente. As expressões “beleza visual”, “embelezamento”,
“apreciação de uma bela vista”, “representação de pinturas” traduzem essa
abordagem. Por sua vez os critérios seis e sete, que segundo Berque (2012) são os
mais decisivos, possuem um apelo mais intelectual, ou seja, tem a ver com a
construção de um pensamento de paisagem.
Os critérios elencados por Berque nos dão a pista de que a paisagem pode ser
apreendida em basicamente dois níveis distintos: o nível da sua representação
estética, mais superficial e evidente, e o nível do pensamento, mais profundo e
complexo. Essa apreensão da paisagem implica numa certa “forma de ver” e “de
dizer” paisagem (BERQUE, 2012), que passa por todos os sentidos, principalmente
o da visão, e também pela linguagem verbal, que compreende o pensamento e as
palavras que o expressam.
Para Roger (2000; 2012) essa ‘forma de ver’ a natureza como paisagem se dá por
meio de um processo que ele chama de dupla ‘artialização’, que significa algo que é
derivado da arte. Essa artialização pode acontecer de maneira direta, in situ, ou de
maneira indireta, in visu “através da mediação do olhar” (ROGER, 2012, p. 157). A
artialização in situ corresponde ao terceiro critério estabelecido por Berque (2012),
ou seja, à arte milenar dos jardins, enquanto a artialização in visu "on opère sur le
31
O SENTIDO DA PAISAGEM |
regard collectif, on lui fournit des modèles de vision, des schèmes de perception et
de délectation"5 (ROGER, 2000, p. 33).
Para Roger (2012) a apreensão da paisagem é um ato essencialmente estético, que
envolve o gosto e o sentimento e que, ao contrário do que possa parecer, não é um
privilégio apenas dos letrados ou intelectuais, mas diz respeito também aos
‘amadores’, porque mesmo quando acreditamos que o nosso olhar é pobre, ele é
[...] rico e está saturado de uma profusão de modelos latentes, inveterados e, portanto, insuspeitos: pictóricos, literários, cinematográficos, televisivos, publicitários, etc., que trabalham em silêncio para, a cada instante, modelar a nossa experiência, perceptiva ou não. (ROGER, 2012, p. 156).
Esses modelos funcionam, segundo Cauquelin (2007), como uma ‘moldura’ que
orienta o nosso olhar, a nossa percepção. A imagem da moldura é usada aqui como
uma abstração e serve muito bem para ilustrar essa questão. Como elemento
essencial da pintura, a moldura limita e enquadra a cena pintada pelo artista, é por
excelência, um dos principais instrumentos de ordenação paisagística justamente
por lançar mão do artifício do enquadramento. Os limites impostos pelo
enquadramento, segundo esta autora, são indispensáveis à constituição da
paisagem, pois é ele que faz com que o infinito da natureza caiba no finito das
nossas limitações intelectuais, convertendo as diferenças presente na natureza em
unidade, ou seja, em paisagem. O nosso olhar estará sempre impregnado da
herança cultural que carregamos e por isso, jamais estará livre de esquemas
mentais pré-concebidos (CAUQUELIN, 2007).
Na cultura japonesa as mitates, termo que literalmente significa ‘instituir pelo olhar’,
funcionam como esses modelos do quais falaram Roger (2012) e Cauquelin (2007).
Segundo Berque (1994), muito longe de serem imitações ou simples reproduções do
meio ambiente, as mitates japonesas evocam por meio de metáforas o imaginário
coletivo, permitindo, por exemplo, que a paisagem à chinesa seja descolada do seu
lugar real e viaje de maneira alusiva ao outro extremo da Ásia Oriental, ao Japão.
5 “[...] opera-se sob o olhar coletivo, fornecendo modelos de visão, esquemas de percepção e de deleitamento”
(ROGER, 2000, p. 33, tradução livre).
32
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Cela consiste par exemple à évoquer dans um poème tel paravent qui evoque tel jardin qui evoque tel haut lieu paysager qui evoque telle figure historique... etc. (BERQUE, 1994, p. 20).
6
Uma mitate, ao contrário do que se possa supor, não é uma abstração, mas “é a
assimilação de um caso concreto a um paradigma também concreto” (BERQUE,
2010, p. 17). Nas mitates a lógica dominante é a do devir e da identificação, também
chamada por Berque (2010, p. 17) da “lógica da metáfora” ou da identidade do
predicado, que opera tendo como base um mesmo referencial artístico ou literário.
A metáfora, figura de linguagem que lançamos mão cotidianamente para produzir
“sentidos figurados por meio de comparações implícitas” (pt.wikipedia.org, 2012), é
um poderoso instrumento simbólico que recorremos para ‘dizer’ paisagem. Sem as
metáforas
não veríamos nada além daquilo que vemos, limitados à visão próxima e quase justaposta, e não teríamos o sentimento do ilimitado típico da paisagem. E mais, não teríamos referência comum alguma para designar nosso ambiente, ampliar seus limites, passar de um objeto a outro. (CAUQUELIN, 2007, p. 160).
Desse modo, a metáfora faz parte da maneira como nos expressamos por meio da
linguagem e sob essa mesma ótica, a linguagem é um importante recurso que
utilizamos para perceber, admirar ou descrever uma paisagem. ‘Dizer’ uma
paisagem é na verdade, um ato de fundação porque “o nome é definição essencial,
é parte constituinte do objeto que nomeia” (CAUQUELIN, 2007, p. 161). De fato, na
China, civilização paisagística por excelência, a paisagem surgiu primeiramente
"dans les mots et dans la littérature avant de se manifester en peinture"7
Além da linguagem, a representação por meio da pintura é outro meio que podemos
utilizar para perceber uma paisagem. Para alguns autores, dentre eles Cauquelin
(2007) e Roger (2000), o nascimento da paisagem ocidental se deu por volta de
1415, na Holanda, por meio da pintura. A paisagem pintada tem a capacidade de
expressar diferentes valores e elementos de uma cultura, oferecendo “uma ordem à
6 Isto consiste, por exemplo, ao evocar num poema tal paravento, que evoca tal jardim, que evoca tal lugar
paisagístico, que evoca tal figura histórica... etc.. (BERQUE, 1994, p. 20, tradução para o português de Maria Clara C. Malta). 7 “[...] nas palavras e na literatura antes de se manifestar na pintura” (BERQUE, 1994, p. 19, tradução de Maria
Clara C. Malta).
33
O SENTIDO DA PAISAGEM |
percepção do mundo” (CAUQUELIN, 2007, p. 14). A pintura, portanto, é um
poderoso instrumento de representação que pode revelar um conjunto de valores
presentes no universo no qual o indivíduo encontra-se imerso. Quando
representamos uma paisagem por meio de uma pintura ou desenho, temos a
impressão de que ela se torna mais ‘visível’.
Porque a pintura dá a ver não os objetos, mas o elo entre eles, como se tentasse também tecer um vínculo incorruptível entre o que se sabe e o que se vê. (CAUQUELIN, 2007, p. 83).
A paisagem pintada ou desenhada é vista não pelo olho, mas pela razão que nos
impele a construir de maneira simbólica um elo entre os elementos que
representamos em traços e cores. Assim, quanto mais vemos, mais compreendemos
e quanto mais compreendemos, mais podemos ver. E o que vemos? Não as coisas
isoladas em si, “mas o elo entre elas, ou seja, uma paisagem” (CAUQUELIN, 2007,
p. 85).
A visualização de um lugar, qualquer composição feita pelo artista, atribui àquilo que é representado um valor de verdade que o texto ainda não oferece: as palavras podem mentir; a imagem, por seu lado, parece fixar o que existe. (CAUQUELIN, 2007, 93).
É como se só pudéssemos ‘ver’ (compreender) aquilo que já foi visto, contado, dito,
relatado, desenhado, pintado, destacado. Nesse ponto é como se ocorresse uma
operação de retorno onde o relato (a linguagem) se coloca em um plano posterior ao
desenho, apontado por Cauquelin (2007) como o instrumento epistemológico por
excelência, tornando a imagem anterior à fala.
Longa travessia de signos. Idas e vindas entre imagem e fala, entre ideia e imagem. (CAUQUELIN, 2007, p. 98).
Imagem e fala, eis os modos que utilizamos para ‘olhar’ e ‘dizer’ o sentido que uma
paisagem tem para nós. Sentido que, como vimos, é mediância, ou seja, uma
contínua relação entre o nosso corpo animal e o corpo medial ao qual estamos
ligados e no qual nos reconhecemos como seres humanos.
Essa noção de paisagem, como o fruto de uma determinada relação com as coisas,
uma relação que se manifesta como paisagem quando ganha um determinado
34
O SENTIDO DA PAISAGEM |
sentido individual ou coletivo e que pode ser apreendido por meio da imagem e da
fala, será o marco conceitual e metodológico adotado para a compreensão do
sentido que a paisagem do trecho ferroviário da serra das Russas tem para os
grupos envolvidos, sejam eles especialistas internos, externos, gestores,
empresários ou residentes.
No próximo item, fundamentados na teoria da paisagem e tendo como marco
teórico-conceitual a noção de paisagem que foi aqui construída, vamos abordar o
patrimônio ferroviário a partir da mesma lógica relacional, ou seja, considerando não
a individualidade de cada elemento ferroviário, mas as relações que esses
elementos estabelecem entre si, com o meio onde se inserem e com a sociedade,
ou seja, considerando-o no âmbito da paisagem.
1.2 O patrimônio ferroviário: do edifício isolado à paisagem
A partir da década de 1960 o conceito de patrimônio histórico ganhou mais
reconhecimento e expandiu o seu campo de atuação não só do ponto de vista
tipológico, mas também cronológico e geográfico. A Carta de Veneza de 1964 foi o
grande marco desse processo. A partir dela o antigo conceito de ‘patrimônio
histórico’, que antes sempre esteve mais associado ao edifício isolado e àquelas
obras monumentais de valor histórico e artístico mais relevante, teve o seu
entendimento ampliado. A consequência disso foi que muitas obras que antes eram
consideradas ‘menores’, como edificações da arquitetura vernacular, edifícios de
épocas mais recentes, a exemplo da arquitetura industrial e moderna, além de
conjuntos urbanos e paisagens, passaram a ter status de patrimônio cultural.
Os bens vinculados ao processo de industrialização sejam eles edifícios isolados,
sítios industriais ou paisagens industriais, foram inseridos nessa nova perspectiva. A
importância da preservação desse tipo de patrimônio para as futuras gerações é
devido ao seu caráter universal e ao conjunto de valores que condensa, valores
estes que dizem respeito não só à história da ciência e da técnica, mas a toda
revolução sociocultural que o processo de industrialização desencadeou em escala
planetária.
35
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Sendo provenientes de um período extremamente importante para a história da
humanidade, os bens legados pela Revolução Industrial não tinham os seus valores
culturais reconhecidos justamente por não apresentarem características estéticas
marcantes, o que resultou muitas vezes na perda e descaracterização de grande
parte do seu acervo.
A consciência da preservação dos bens industriais ganhou força a partir da década
de 1960 não só por causa da Carta de Veneza, mas principalmente por causa da
demolição de significativos edifícios industriais principalmente da Inglaterra e da
França, o que gerou uma grande comoção popular. Essas demolições, reflexo direto
das aceleradas transformações urbanas ocorridas naquela época, foram
responsáveis pela descaracterização ou destruição não só de edifícios industriais,
mas também das paisagens por eles criadas, que eram marcadamente industriais.
A partir de então, especificidades não apenas de ordem tecnológica, histórica e/ou
documental desses artefatos começaram a ser identificadas e valorizadas, mas
também ganharam destaque questões como a sua inserção no meio urbano, a
caracterização de paisagens industriais e as interações sociais estabelecidas no
interior e no entorno das atividades produtivas (RUFINONI, 2010).
Após quase seis décadas de discussão sobre a preservação do patrimônio
industrial, ainda são poucos os trabalhos e estudos que abordam a questão de uma
maneira mais aprofundada e oferecem procedimentos teórico-metodológicos e
técnico-operacionais mais consistentes para a abordagem do tema (KÜHL, 2008).
Uma das dificuldades encontradas no estudo do patrimônio industrial advém do seu
caráter eminentemente interdisciplinar, que requer um grupo de especialistas de
várias áreas do conhecimento tais como arqueólogos, arquitetos, engenheiros,
historiadores, restauradores e antropólogos, dentre outros.
Outro problema é a demasiada especificidade dos complexos industriais que torna
muito difícil a adaptação ou compartilhamento de outros usos associados. A questão
das grandes dimensões dos sítios industriais também faz parte dessa problemática,
pois muitas vezes eles extrapolam os limites territoriais de um município atingindo
36
O SENTIDO DA PAISAGEM |
zonas urbanas e rurais, como é o caso da ferrovia, colocando um grande problema
de gestão.
O universo que engloba os bens legados pela industrialização é complexo e por
isso, deve ser estudado com apurado rigor técnico e uma análise cuidadosa dos
seus valores culturais, dada não apenas à sua importância histórica e científica, mas
também estética e social. Visando dar mais suporte metodológico na abordagem do
patrimônio industrial o TICCIH8, tomando como base os princípios da Carta de
Veneza de 1964, lançou no ano de 2003 a Carta de Nizhny Tagil, que trouxe
definições e princípios de atuação para a conservação do patrimônio industrial,
reunindo de forma amadurecida muitas ideias debatidas ao longo de décadas de
discussão sobre o tema (KÜHL, 2010).
Segundo o documento citado, o patrimônio industrial “compreende os vestígios da
cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou
científico” (ICOMOS, 2003). Os complexos industriais, os engenhos, os portos, os
meios de comunicação e de transporte (a exemplo das ferrovias), a produção de
energia (gasômetros, moinhos de vento e etc.), além dos “locais onde se
desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como
habitações, locais de culto ou de educação” (ICOMOS, 2003), são exemplos de
tipologias do patrimônio industrial.
A carta de Nizhny Tagil define a arqueologia industrial9 como o método mais
adequado para o estudo dos bens legados da industrialização e chama a atenção
para a importância da identificação, do inventário e da investigação na preservação
do patrimônio industrial. O documento apresenta também diretrizes para a
preservação legal desses bens, bem como para a sua manutenção e conservação,
além de abordar a questão da importância da inclusão dessa pauta na educação em
níveis primário e secundário e também na formação profissional em níveis superior e
técnico.
8 TICCIH - The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage.
9 A Carta de Nizhny Tagil define a ‘arqueologia industrial’ como o método mais adequado para estudar “os
documentos, os artefatos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou por processos industriais” (ICOMOS, 2003). Esse método deve ser multidisciplinar e englobar diversos profissionais especializados em diversos campos do saber.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Segundo o documento de Tagil (2003), por serem vestígios de uma época que
transformou completamente o modo de viver e de ver o mundo, os bens legados da
industrialização se revestem de um valor universal incontestável. Além do valor
universal, esses bens condensam outros tipos de valores que são intrínsecos aos
próprios sítios, edifícios, maquinaria, paisagens, documentação e registros
intangíveis contidos na memória coletiva. Alguns desses valores são: o valor social,
o valor científico e tecnológico, o valor estético, o valor de raridade, o valor de uso, o
valor histórico e o valor paisagístico (ICOMOS, 2003).
Por décadas o reconhecimento desse tipo de patrimônio sempre esteve mais ligado
a valores histórico-documentais ou em qualidades estéticas dos bens identificados,
numa abordagem declaradamente mais material. Os valores intangíveis, que diziam
respeito às atividades que geraram os espaços industriais e que deram vida a outros
valores, sempre foram relegados a segundo plano ou até mesmo esquecidos.
A dimensão material do patrimônio industrial é resultado de um conjunto de
atividades cuja finalidade não era a construção de conjuntos arquitetônicos de valor
estético. Eram as atividades desempenhadas nos edifícios que geravam as relações
sociais, relações que podiam ser apenas de trabalho ou relações afetivas entre os
trabalhadores e seus locais de trabalho. Segundo Menezes (apud RODRIGUES,
2010), os valores estão nas relações humanas e não nos objetos, que têm apenas
propriedades físico-químicas.
Desse modo, uma abordagem excessivamente material do patrimônio industrial é
inadequada, pois reduz os sentidos da herança cultural que se cristalizam nas
relações sociais e simbólicas por ele geradas entre os indivíduos e destes com o
meio onde trabalham ou vivem. São essas relações de ordem material e imaterial
estabelecidas entre os sítios industriais, o meio onde estão implantados e a
sociedade que constituem o que entendemos por ‘paisagens industriais’.
Neil Cossons, autor que desenvolveu importantes pesquisas quanto à questão da
interpretação dos artefatos industriais como artefatos culturais afirmou que as
paisagens industriais contribuem para a configuração da ‘personalidade’ de uma
38
O SENTIDO DA PAISAGEM |
região (RUFINONI, 2010). Segundo ele, para apreender essa ‘personalidade’ é
preciso ir além das características estéticas e formais dos edifícios, para chegar
também às características intangíveis da área. É importante ter presente que os
elementos dessas paisagens não podem ser tratados isoladamente, mas em
conjunto, pois é a escala monumental, a relação dos edifícios com o entorno e o
efeito de conjunto, que conferem representatividade às áreas (RUFINONI, 2010).
A questão do estudo dos artefatos industriais no âmbito da paisagem é muito
pertinente para uma importante tipologia do patrimônio industrial: o patrimônio
ferroviário. A complexidade inerente à ferrovia, que reside tanto na sua estruturação
espacial em rede, que se dava em escala territorial, quanto no seu sistema
operacional, nas suas técnicas construtivas, nos seus arranjos funcionais, na
diversidade de tipologias arquitetônicas e de conjuntos operacionais e na teia de
relações simbólicas que a ferrovia tecia em cada lugar por onde passava, torna sem
sentido o estudo isolado dos seus elementos, que devem ser abordados em
conjunto, numa perspectiva relacional.
No entanto, o que se constata na realidade é que na literatura existente10 o
patrimônio ferroviário não tem sido abordado como paisagem. A grande maioria dos
estudos existentes têm se dedicado mais ao campo da arquitetura ferroviária, cujo
foco de análise está mais concentrado nas técnicas construtivas, nas tipologias
edilícias e na organização espacial das esplanadas, mas não na paisagem.
No ano de 2010 um estudo realizado pela Fundação Cultural de Curitiba procurou
suprir essa lacuna no estudo relacionando ferrovia e paisagem. O trabalho resultou
no livro ‘Pelos Trilhos: Paisagens Ferroviárias de Curitiba’ (2010), cujo objetivo foi a
identificação e registro das paisagens criadas pela estrada de ferro Curitiba-
Paranaguá, mais especificamente de três ramais ferroviários. O trabalho enfatizou a
importância de caminhar sobre os trilhos e destacou que o ‘olhar’ e o ‘caminhar’ são
exercícios fundamentais que permitiram aos pesquisadores “descobrir, entender,
interpretar e criar possibilidades analíticas às paisagens ferroviárias” (CORDOVA,
2010, p. 22).
10
Das pesquisas realizadas sobre ferrovia e paisagem em bancos de dados on-line foram encontrados apenas quatro estudos sobre o tema.
39
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Apesar do resultado interessante, o estudo se restringiu apenas à zona urbana de
Curitiba, focou em elementos materiais da ferrovia e considerou apenas o olhar
técnico no processo de identificação da paisagem. E o que acontece com os outros
bens, principalmente as obras d’arte e os núcleos ferroviários localizados também
em zonas rurais, como é o caso do trecho da serra das Russas?
Nesses casos, assim como nos ambientes urbanos, os elementos ferroviários não
podem ser vistos isoladamente em si, mas em associação com outros elementos
como o uso da terra e a relação da população residente com o lugar, dentre outros,
ou seja, os aspectos intangíveis da paisagem. Esses aspectos intangíveis, muitas
vezes negligenciados nas políticas de proteção do patrimônio, são essenciais para a
manutenção da ‘personalidade’ de uma paisagem, e para serem apreendidos é
necessário incluir o olhar, a percepção das pessoas.
O caráter amplo e complexo do patrimônio ferroviário gera dificuldades de ordem
metodológica para a abordagem da sua conservação. A Carta de Niznhy Tagil
(ICOMOS, 2003) diz que nem tudo pode ser preservado e por isso, é preciso
selecionar os exemplares mais representativos. Mas, diante da natureza sistêmica
do patrimônio ferroviário e da sua complexidade, o que preservar diante deste vasto
acervo? A questão torna-se ainda mais complicada porque o patrimônio ferroviário
ultrapassa fronteiras geopolíticas, corta regiões inteiras, interliga municípios, está
presente em áreas urbanas e áreas rurais, colocando-nos um pertinente problema
de gestão.
Por causa dessa problemática não há no Brasil um consenso sobre critérios de
preservação para o patrimônio ferroviário nos níveis estadual e federal, gerando
interpretações diferenciadas nas diversas instâncias dos diversos estados.
Comparado a organismos internacionais, como a UNESCO, o entendimento
nacional diverge principalmente no que diz respeito ao reconhecimento de sítios
ferroviários, pois, apesar dos avanços, aqui a preservação ainda está muito
vinculada ao reconhecimento de edifícios isolados.
40
O SENTIDO DA PAISAGEM |
No Estado de Pernambuco até o ano de 2001, apenas quatro estações tinham
tombamento efetivo: a estação de Garanhuns, a estação de Petrolina (Figura 01), a
Estação Central (Figura 02) e a estação do Brum, ambas no Recife. Além desses
bens isolados existia também o tombamento de um trecho ferroviário, a Estrada de
Ferro Recife/Gravatá, cujo tombamento data de 1986 e apesar de reconhecer um
trecho inteiro, é muito vago em relação àquilo que se propôs a proteger, pois não
especifica claramente nenhum elemento.
Figura 01: Estação de Petrolina. Figura 02: Estação Central do Recife.
Fonte: Disponível em: <http://www.petrolina.pe.gov.br>. Acesso em: ago.
2013
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário - I Etapa, IPHAN, 2008.
Em 2001, a FUNDARPE publicou um edital para o tombamento de cinquenta e
quatro edificações do patrimônio ferroviário edificado no Estado de Pernambuco
pertencentes à RFFSA. No mesmo ano, foi dado início o trabalho de levantamento
fotográfico das esplanadas e das edificações remanescentes. Na ocasião, foi
constatado que o acervo ferroviário do Estado era muito mais amplo do que o citado
no edital e que muitos edifícios importantes tinham sido excluídos do processo de
tombamento, evidenciando a fragilidade e vulnerabilidade do documento.
Diante desse fato, em outubro de 2006, temendo não deixar nada de fora, foi
publicado um novo edital que tombou de forma ‘temática’ todo o Patrimônio
Ferroviário Edificado no Território do Estado de Pernambuco que pertence ou
pertenceu à Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA. Esse edital incluiu no bojo da
proteção além das edificações, as linhas férreas com os seus leitos, trilhos e
41
O SENTIDO DA PAISAGEM |
dormentes e as obras d’arte, ou seja, literalmente todos os elementos ferroviários, o
que é inviável sob o ponto de vista da gestão. Sob o ponto de vista jurídico o
tombamento temático é também inconsistente, pois não especifica e descreve a
propriedade daquilo que deve ser protegido.
A partir de 2011, tendo em vista a ameaça de destruição de uma importante
esplanada ferroviária localizada na área central da cidade do Recife, a FUNDARPE
definiu algumas diretrizes de preservação para o patrimônio ferroviário no estado. As
diretrizes expressam o amadurecimento do órgão em relação ao patrimônio
ferroviário, pois sugerem que a leitura do seu acervo seja feita tendo como base o
seu caráter de conjunto, que deve ser compreendido a partir dos seus percursos em
rede, tanto em âmbito local como regional. Esses percursos, que nunca deveriam
ser interrompidos tendo em vista a possibilidade de revitalização da Rede, são o fio
condutor que une as edificações ao lugar onde estão inseridas, entendendo a
ferrovia na paisagem. No entanto, por serem recentes, essas diretrizes não foram
aplicadas dentro de uma política efetiva de proteção do patrimônio ferroviário no
Estado.
Em âmbito federal a problemática de reconhecimento dos bens ferroviários persiste.
Desde que a RFFSA foi extinta por meio da lei 11.483 em 200711, o IPHAN tem
adotado medidas contínuas de proteção desse acervo e tem tentado adotar
diretrizes metodológicas, ainda que sem muitos avanços, para a sua conservação.
No ano de 2008, por meio da Portaria nº 208, o IPHAN instituiu a Coordenação
Técnica para o Patrimônio Ferroviário, que teve como objetivo “promover discussões
acerca das questões conceituais e estabelecer procedimentos para lidar com as
atribuições resultantes da Lei nº 11.483/2007 e dos decretos nº 6.018/2007 e nº
6.769/2009” (Disponível em http://portal.iphan.gov.br. Acessado em março de 2013).
A realização de inventários de conhecimento, que se iniciou logo após a
promulgação da lei nº 11.483/2007, foi a primeira medida tomada pela instituição
para poder conhecer de fato a natureza, a abrangência e o estado de conservação
dos bens da Rede Ferroviária destinados à União para a salvaguarda.
11
A lei nº 11.483 de 2007 atribuiu ao IPHAN a salvaguarda dos bens da extinta RFFSA que possuírem valor histórico-cultural.
42
O SENTIDO DA PAISAGEM |
O instrumento do ‘Inventário’, assim como recomenda a Carta de Nizhny Tagil
(ICOMOS, 2003), foi aplicado em todas as regiões do país onde existiu a ferrovia e
desempenhou um papel importante no conhecimento do universo ferroviário
brasileiro. Mesmo se tinha apenas um caráter quantitativo, o trabalho de
inventariança serviu para mensurar a realidade existente, o estado de conservação e
de preservação dos bens materiais e documentais do acervo ferroviário.
Em Pernambuco a superintendência local realizou um inventário de conhecimento
entre os anos de 2008 e 2009, que foi dividido em duas etapas devido à vastidão do
acervo existente. A primeira etapa englobou o levantamento dos conjuntos
ferroviários, dos bens móveis e integrados e do acervo documental (bibliográfico e
arquivístico). A segunda etapa foi destinada ao levantamento das obras d’arte
ferroviárias, do material rodante, dos trechos ferroviários mais significativos e dos
equipamentos de sinalização e manobra. Após a realização do Inventário, o IPHAN
deu continuidade às ações de preservação através da divulgação, identificação,
valoração e conservação dos bens ferroviários, realizando ainda workshops,
palestras e o projeto de restauro de algumas estações12, estrategicamente
selecionadas.
A fase que se seguiu à realização dos inventários e que dura até hoje é de avaliação
qualitativa do acervo levantado, procurando estabelecer escalas de interesse e de
prioridades para a preservação. A aplicação do instrumento do inventário por si só
pré-estabelece um grau de relevância e de interesse do acervo ferroviário pela
instância federal, mesmo que o bem não tenha ainda status de tombamento.
A questão da não utilização do instrumento de tombamento para a preservação do
patrimônio ferroviário é um ponto que merece ser aprofundado. Por ter sido incluído
no Programa Nacional de Desestatização (PND) o patrimônio da Rede Ferroviária
ficou sujeito à lei nº 10.413/200213, que previu a desincorporação dos bens
tombados das empresas privatizáveis e alteração da sua propriedade, que passaria
12
As estações selecionadas para o projeto de restauro foram as estações de Camaragibe, São Lourenço da Mata, Paudalho e Pombos. 13
Determina o tombamento dos bens culturais das empresas incluídas no Programa Nacional de Desestatização.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
“a integrar o acervo histórico e artístico do país” (Disponível em
http://portal.iphan.gov.br. Acessado em março de 2013). Ou seja, a lei alterou a
propriedade do bem, repassando-o para a União, mas não determinou
especificamente qual a instituição que seria responsável por ela. Essa questão
gerou um grande impasse, pois o Decreto Lei nº 25/1937, que organiza a proteção
do patrimônio histórico e artístico nacional, não alterou a propriedade de um bem
tombado, impôs-lhe apenas restrições quanto ao seu exercício. Outro impasse com
relação à questão do tombamento se dá porque a instrução deste exige um apurado
e complexo estudo técnico do bem a ser protegido. A complexidade do processo de
tombamento não é viável para bens de larga escala, como é o caso do patrimônio
ferroviário.
Tendo em vista essas questões, em 2010 o IPHAN publicou a portaria nº 407, que
instituiu a ‘Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário’ e estabeleceu parâmetros de
valoração visando à proteção da ‘memória ferroviária’, tema escolhido como eixo
central para a preservação do Patrimônio Ferroviário em âmbito nacional. Essa
portaria, apesar de trazer informações práticas sobre procedimentos administrativos
para o tratamento dos bens ferroviários dentro da instituição, não contribuiu muito no
tocante à definição de conceitos e critérios de valoração que pudessem auxiliar na
criação de uma metodologia de abordagem e proteção dos bens.
A ‘Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário’, que veio substituir o instrumento de
tombamento, teve como escopo o controle e gestão dos bens de reconhecido valor
artístico, histórico e cultural inscritos na lista. Esses bens, uma vez inscritos,
gozariam de proteção correlata a um bem tombado. A gestão da lista competiria à
uma comissão de especialistas denominada Coordenação Técnica do Patrimônio
Ferroviário.
A primeira lista foi publicada por meio da portaria nº 441, de 13 de dezembro de
2011, e trouxe a seleção de 364 imóveis elencados entre os anos de 2007 e 2010
(Figura 03). Constam na lista bens imóveis de diversas tipologias como terrenos,
estações, armazéns, oficinas, casas residenciais e pátios ferroviários. O que chama
atenção, no entanto, é que a grande maioria são bens isolados e quando inscritos
como parte de um conjunto, a Lista o faz de forma individual, ou seja, considerando
44
O SENTIDO DA PAISAGEM |
a singularidade de cada bem em si e não a relação dele com o conjunto do qual faz
parte. Esse fato demonstra a dificuldade do reconhecimento na prática do caráter de
conjunto desses bens.
Figura 03: Mapa do Brasil com a indicação da quantidade de bens inscritos na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário por região.
Fonte: Mapa elaborado pela autora tendo como base o mapa das regiões brasileiras do IBGE disponível em: < http://www.geoensino.net >. Acesso em: jul. 2013
Outra questão é que de todos os bens elencados apenas dois, uma Grua (ou
guindaste) no Rio de Janeiro e uma ponte do Ceará, fogem, por assim dizer, ao
arquétipo marcadamente imobiliário da Lista. Trechos ferroviários inteiros, com a via
permanente, elementos de manobra, sinalização, obras d’arte e edificações não são
contemplados.
Em âmbito internacional a UNESCO tem caminhado para o reconhecimento de
‘sítios ferroviários’, superando a visão de bem isolado, num claro entendimento das
qualidades de conjunto desse tipo de patrimônio. Atualmente três ferrovias estão
inscritas na lista do patrimônio mundial, são elas: a ‘Rhaetian Railway’, localizada
nos Alpes entre o norte da Itália e a Suíça, a ‘Semmering Railway’, localizada numa
região montanhosa da Áustria, e a ‘Mountain Railways of India’, um sítio que inclui
três ferrovias, a ‘The Darjeeling Himalayan Railway’, a ‘Nilgiri Mountain Railway’ e a
‘Kalka Shimla Railway’, ambas em plena operação na atualidade (Figura 04).
45
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 04: Imagem de satélite indicando a localização das três ferrovias inscritas na lista do patrimônio mundial, UNESCO. Em vermelho a Rhaetian Railway, em azul a Semmering
Railway e em amarelo a ferrovias que formam a Mountain Railways of India.
Fonte: Imagem elaborada pela autora tendo como referência imagem de satélite do Google Maps e informações sobre a localização das ferrovias existentes no site da UNESCO.
Nos três casos chama a atenção o fato das ferrovias estarem inseridas em regiões
montanhosas, de grande beleza natural, onde soluções técnicas arrojadas da
engenharia foram necessárias para a sua execução e inserção harmoniosa nas
diferentes paisagens (Figuras 05 e 06). Nos dossiês de avaliação da UNESCO, as
três ferrovias foram reconhecidas pelo valor técnico do conjunto das obras d’arte
ferroviárias, o valor histórico, socioeconômico e ambiental. Em todos os casos fica
evidente a ação do homem, que por meio da sua intervenção transformou a
paisagem.
A Ferrovia ‘Semmering’ (Figuras 07 e 08) merece destaque por causa dos pontos
em comum com o trecho ferroviário estudado nessa pesquisa. Essa ferrovia,
construída entre os anos de 1848 e 1854, foi nomeada como patrimônio mundial por
causa do número relevante de obras d’arte ferroviárias consideradas como inovação
tecnológicas sob o ponto de visa da engenharia, e também por causa da integração
harmoniosa com a região onde foi construída, de extrema beleza natural. A
UNESCO no dossiê de avaliação argumentou que a implantação da ferrovia na
região desenvolveu o uso residencial e recreativo, criando uma nova forma de
paisagem cultural. Sendo assim, a Ferrovia “Semmering” foi inscrita na categoria de
46
O SENTIDO DA PAISAGEM |
sítios, sendo também considerada como uma “paisagem cultural linear”, conforme a
definição do Guia Operacional de 1995.
Figura 05: Rhaetian Railway, entre a Suíça e a Itália. Figura 06: Mountain Railways of India.
Fonte: Disponível em:<http://www.flickriver.com>. Acesso em: ago. 2013
Fonte: Disponível em: <http://whc.unesco.org>. Acesso em:
ago. 2013.
Figura 07: Viaduto sobre o Kal, Ferrovia Semmering entre os anos de 1890 e 1900.
Figura 08: Ferrovia Semmering pelo fotógrafo Amos Chapple (Nova Zelândia).
Fonte: Disponível em: < http://it.wikipedia.org >. Acesso em: jul. 2013
Fonte: Disponível em: <http://www.ourplaceworldheritage.com>. Acesso
em jul. 2013
Em décadas de discussão sobre a importância da preservação do patrimônio
industrial muitas questões foram amadurecidas e muitas conquistas conceituais e
metodológicas foram alcançadas. Apesar de no início ter sido mais frequente o
reconhecimento de edifícios isolados dos quais prevaleciam valores histórico-
documentais, ou puramente estéticos, nos últimos anos tem-se caminhado cada vez
47
O SENTIDO DA PAISAGEM |
mais para o reconhecimento de conjuntos e paisagens industriais e também para o
reconhecimento de outros valores, como os simbólicos.
Em âmbito nacional a problemática da conservação do patrimônio ferroviário apesar
dos avanços, ainda se instaura na dificuldade do reconhecimento dos seus valores
de conjunto. No Brasil as práticas de preservação ainda estão muito vinculadas ao
edifício isolado, principalmente o da estação, excluindo edifícios que são
‘secundários’ sob o ponto de vista estético, mas extremamente importantes para a
leitura e o entendimento da operação e da essência sistêmica da ferrovia.
Nesse sentido, a preservação de um edifício isolado ou de um grupo de edifícios
desconexos, descontextualizados, não é a maneira mais eficaz de preservação do
patrimônio ferroviário. O reconhecimento de sítios ferroviários, assim como faz a
UNESCO, é muito mais coerente, pois abre caminho para o reconhecimento não
apenas dos elementos ferroviários em si, mas também de outros elementos a eles
associados, como o meio onde estão inseridos e a sua relação com a sociedade, ou
seja, a paisagem da qual são parte constituinte.
No próximo capítulo, assumindo a noção de paisagem como uma relação
impregnada de sentido e com o entendimento de que o patrimônio ferroviário deve
ser estudado a partir das relações que ele estabelece como o meio no qual está
inserido, ou seja, no âmbito da paisagem, vamos expor o caminho trilhado na
construção do método desta pesquisa.
2 |
TRILHANDO UM CAMINHO
49
O SENTIDO DA PAISAGEM |
2 TRILHANDO UM CAMINHO
Compreender em que medida a relação entre a ferrovia e a serra das Russas
adquire sentido e se manifesta como paisagem para as pessoas presentes nos
diversos grupos envolvidos foi a linha que norteou cada etapa da presente pesquisa.
Com esse objetivo em mente adotamos alguns passos que nos ajudaram a trilhar
um caminho metodológico.
O primeiro passo foi a definição do arcabouço teórico-conceitual que serviu de
suporte metodológico-operacional para a pesquisa. Fundamentados na teoria da
paisagem, construímos uma ‘noção’ que influenciou diretamente o nosso olhar sobre
o patrimônio ferroviário, que assim como a paisagem, foi entendido numa
perspectiva relacional.
A noção de paisagem discutida pelo filósofo e geógrafo francês Augustin Berque
(1994, 1997, 2010, 2011, 2012), de que ela não é uma coisa em si, mas uma relação
entre as coisas, uma relação que se manifesta como paisagem quando ganha um
determinado sentido individual e coletivo, foi a chave conceitual e analítica escolhida
para um embasamento mais consistente do método empregado.
Os pensamentos de outros estudiosos da Teoria da Paisagem como Cauquelin
(2007), Roger (2000, 2012), Bertrand (1995) e Cueco (1995) também foram
considerados de forma complementar. Esses autores, apesar de possuírem
posicionamentos muitas vezes distintos sobre o tema da paisagem, possuem
também pontos de tangenciamento e se complementam em determinados aspectos.
Desse modo, todos eles foram utilizados na construção de uma ‘noção’ de paisagem
que pudesse guiar as reflexões desenvolvidas nesta pesquisa.
A problemática da conservação que envolve os bens da industrialização de um
modo geral e do patrimônio ferroviário de um modo específico, também foi discutida
à medida que se pretendeu compreendê-la numa perspectiva de paisagem. Desse
modo o pensamento de autores como Kühl (1998; 2008), Rufinoni (2010) e
Rodrigues (2010), e ainda as informações e diretrizes contidas na Carta de Nizhny
Tagil (ICOMOS, 2003), no Inventário do Patrimônio Ferroviário em Pernambuco
50
O SENTIDO DA PAISAGEM |
(IPHAN, 2008, 2009) e em alguns dossiês de inscrição de ferrovias pela UNESCO
na lista do patrimônio mundial, foram utilizados como suporte para essa reflexão.
O referencial teórico-conceitual escolhido nos permitiu entender que o sentido da
paisagem do trecho ferroviário da serra das Russas nas suas dimensões objetiva e
subjetiva poderia ser apreendido a partir da maneira como as pessoas ‘veem’
(envolvendo todos os sentidos e não apenas o da visão) e a partir do que elas
‘dizem’ sobre a paisagem (envolvendo a linguagem verbal e o raciocínio).
Desse modo, o método utilizado para a pesquisa lançou mão de procedimentos
metodológicos como a pesquisa documental e a observação direta para a
compreensão do objeto de estudo a partir das relações que ele estabelece com o
meio e a sociedade no tempo e no espaço. A partir disso, as entrevistas
semiestruturadas e os mapas mentais foram utilizados como técnicas que ajudaram
a revelar em que medida essas relações estabelecidas ganham sentido e se
revelam como paisagem nas suas dimensões objetivas e subjetivas para os diversos
grupos envolvidos.
A pesquisa documental foi realizada no arquivo do Conselho Estadual de Cultura, no
arquivo da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco
(FUNDARPE), na Biblioteca da Superintendência do IPHAN em Pernambuco
(Biblioteca Almeida Cunha), na Biblioteca da Agência Condepe/Fidem, no arquivo da
SUDENE (Biblioteca Celso Furtado), na Biblioteca do Centro de Artes e Educação
(CAC) da UFPE e em sites especializados e institucionais da internet. Compreendeu
o levantamento da bibliografia (referencial teórico, trabalhos acadêmicos
relacionados ao tema estudado e planos e projetos propostos para a área), da
legislação incidente (tombamento e Plano Diretor Municipal), da cartografia e da
iconografia referentes ao objeto de estudo.
A visita de campo foi realizada no dia 14 de junho de 2013 e contou com a
participação de 2 técnicos da FUNDARPE, 1 técnico da Prefeitura Municipal de
51
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Gravatá e 1 pesquisadora do Laboratório da Paisagem da UFPE (LAP)1. Teve como
objetivo principal conhecer a situação em que se encontrava o trecho ferroviário e
também explorar pontos de vistas novos para a sua apreensão. Diante das
péssimas condições de conservação da linha férrea em diversos pontos, optou-se
por percorrer apenas um pequeno trecho que estava em melhores condições e
concentrar a observação a partir de pontos externos à ferrovia, procurando observar
a sua inserção na paisagem serrana (Figura 09).
Figura 09: Mapa com a localização do trecho ferroviário visitado na pesquisa de campo e com a localização dos pontos onde foram realizadas as entrevistas com os moradores.
Fonte: Elaborado pela autora sobre Planta Diretora de Gravatá (2003).
As entrevistas semiestruturadas, que foram aplicadas em Recife, Pombos e Gravatá
entre janeiro e julho de 2013, tiveram o número total de 21 participantes, dentre eles
técnicos ligados à preservação do patrimônio cultural nas três esferas de poder
(federal, estadual e municipal), especialistas da iniciativa privada, empresários e
residentes. O critério de escolha dos entrevistados foi o contato direto ou indireto
1 Os técnicos da FUNDARPE foram um arqueólogo e um técnico em preservação do patrimônio; o técnico da
Prefeitura Municipal de Gravatá foi um turismólogo; A pesquisadora do Laboratório da Paisagem da UFPE foi uma arquiteta.
52
O SENTIDO DA PAISAGEM |
com o objeto de estudo, pois para nós era imprescindível que houvesse algum tipo
de relação estabelecida entre o indivíduo e o trecho ferroviário da serra das Russas.
Foram entrevistados 4 funcionários do IPHAN, 4 da FUNDARPE, 1 do Conselho
Estadual de Cultura, 2 técnicos da RFFSA (dentre eles o antigo engenheiro
residente do trecho estudado), 2 especialistas da GRAU (empresa que realizou o
Inventário do Patrimônio Ferroviário em Pernambuco), 2 empresários que atuam ou
atuaram na área (um ligado a esportes de aventura e outro que explorava a linha
com o trem do forró), 1 técnico da Prefeitura Municipal de Gravatá e 1 da Prefeitura
de Pombos, ambos da Secretaria de Turismo, e por fim, 2 moradores do entorno da
estação de Pombos e 2 moradores residentes numa comunidade carente localizada
ao longo da linha férrea em Gravatá (Figura 09). É importante frisar que as
entrevistas tiveram caráter qualitativo e não quantitativo, tendo em vista que o nosso
objetivo era apreender as diferentes percepções dos indivíduos em relação ao nosso
objeto de análise. Das 21 entrevistas realizadas foram selecionadas posteriormente
18 para a transcrição e análise por considerar que elas continham mais informações
relevantes ao tema da pesquisa.
Para os diversos grupos envolvidos foram elaborados roteiros distintos, que foram
estruturados basicamente em três temáticas: a primeira dizia respeito à relação das
pessoas com a serra das Russas; a segunda tratava do sentimento e da relação das
pessoas com a ferrovia; e a terceira versava sobre a percepção das pessoas com
relação à paisagem do trecho estudado por meio da elaboração dos mapas mentais.
Apenas no roteiro dos residentes foi acrescida uma quarta temática que procurou
compreender a relação que eles estabeleciam com o lugar onde moravam, fosse ele
o entorno da estação ou ao longo da linha férrea. Os roteiros, que serviram como um
guia para a condução da entrevista, foram usados de maneira flexível de modo a
permitir a inclusão de novas questões e o aprofundamento de outros temas
relevantes colocados pelos próprios entrevistados. Todos os roteiros estão
apresentados nos apêndices deste volume (Apêndice A).
53
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Os mapas mentais, empregados pelo urbanista Kevin Lynch2 (1997) e também por
Cristina Freire3 (1961), foi uma técnica utilizada de forma complementar às
entrevistas e teve como objetivo entender como os entrevistados representavam
aquilo que poderíamos chamar de ‘paisagem interior’. Foi interessante perceber que
em muitos casos os atributos e as relações que não apareceram na paisagem ‘dita’,
se revelaram na paisagem ‘pintada’, comprovando que “a pintura dá a ver não os
objetos, mas o elo entre eles” (CAUQUELIN, 2007, p. 83), ou seja, a paisagem. A
solicitação do desenho dos mapas era feita ao final das entrevistas e em poucos
casos foi rejeitada por alguns entrevistados que preferiram não se expressar por
meio da pintura por alegarem não ‘ter jeito para isso’.
A fase que se seguiu às entrevistas foi a de transcrição e análise do material
coletado por meio do método conhecido como ‘análise de conteúdo’. A análise de
conteúdo é um método que procura codificar de forma sistemática e objetiva as
mensagens produzidas por distintos modos de comunicação (BAUER, 2002). No
nosso caso essa codificação foi feita por meio de uma ‘matriz analítica’, que foi
estruturada em categorias, escolhidas conforme os objetivos da pesquisa
(PEREIRA, 2012). Para os diferentes grupos envolvidos (especialistas nas diferentes
instâncias, empresários e moradores) foi elaborada uma matriz específica.
O preenchimento da matriz se deu da seguinte forma: inicialmente foram
selecionados em cada entrevista alguns trechos considerados relevantes por conter
palavras ou expressões significativas que expressavam os diferentes sentidos
atribuídos pelos entrevistados ao objeto estudado. Esses trechos foram recortados e
transcritos em sua forma literal em uma categoria chamada ‘indicativo do sentido’.
Essas palavras ou expressões mais significativas existentes nos trechos transcritos
foram destacadas e preencheram outras duas categorias: a de ‘atributo físico-
materiais’ e a de ‘atributos imateriais’. Com o preenchimento dessas categorias e
tendo os mapas metais como referência foi preenchida a última categoria analítica, a
2 Os mapas mentais foram utilizados por Kevin Lynch (1969) em estudo realizado em três cidades americanas
(Boston, Jersey City e Los Angeles) que culminou na publicação do livro “A imagem da Cidade”. 3 No livro “Além dos Mapas: os monumentos no imaginário urbano contemporâneo”, Cristina Freire procurou
cruzar as informações contidas nos mapas reais com os mapas traçados pelo imaginário dos moradores de São Paulo e descobriu uma outra cidade, cheia de lembranças e memórias.
54
O SENTIDO DA PAISAGEM |
da ‘relações com a paisagem’, esta fruto da interpretação pessoal da pesquisadora.
As matrizes estão apresentadas nos apêndices deste volume (Apêndice B).
A organização do conteúdo de cada entrevista em uma matriz analítica específica
permitiu a comparação dos diferentes sentidos atribuídos por cada indivíduo e
também identificar as relações e os atributos que estão na base das relações
estabelecidas pelos diversos grupos. A identificação dos atributos é uma questão
extremamente importante, pois os sentidos que revelam a paisagem estão
impregnados nos atributos, sem os atributos não podemos estabelecer relações e
nem atribuir sentidos. Portanto, identificar e preservar os atributos significa preservar
as condições para que os diversos indivíduos no tempo e no espaço possam
continuar a estabelecer relações com um determinado meio e, por sua vez, lhe
atribuir novos sentidos, perpetuando a herança cultural que assim será passada de
geração em geração.
O caminho metodológico trilhado nesta pesquisa é apenas um dos possíveis a
serem trilhados no estudo de um tema tão instigante e desafiador como é o tema da
paisagem. De forma alguma o método aqui apresentado pretende se mostrar
acabado ou conclusivo, mas sendo fruto de uma escolha conceitual procura ser
coerente com o referencial teórico assumido. Entendemos que a serra das Russas
poderia ser estudada a partir de tantas outras relações que consequentemente
descortinaria tantos outros sentidos, mas no âmbito dessa pesquisa o nosso
interesse está focado na compreensão da relação entre a serra e a ferrovia e em
que medida essa relação adquire o sentido de paisagem para as pessoas.
O TRECHO FERROVIÁRIO DA SERRA DAS RUSSAS: história, caracterização e proteção
3 |
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
3 O TRECHO FERROVIÁRIO DA SERRA DAS RUSSAS: HISTÓRIA,
CARACTERIZAÇÃO E PROTEÇÃO
Neste capítulo faremos um retrato do trecho ferroviário da serra das Russas, que é
considerado exemplar tanto pelas suas características físicas, como relevo, clima e
vegetação, como pela ação do homem que ali transformou a terra pelo cultivo, pela
construção de edificações, estradas de rodagem e uma linha férrea com um
conjunto significativo de obras d’arte da engenharia ferroviária.
Em linhas gerais, o capítulo apresenta inicialmente uma contextualização histórica
mais geral sobre a implantação da ferrovia no Brasil e em Pernambuco. Em seguida
procura compreender o objeto de estudo, o trecho ferroviário da serra das Russas, a
partir dos processos históricos que motivaram a sua implantação e também a partir
das relações concretas estabelecidas entre a sociedade, a ferrovia e a serra no
tempo e no espaço. A parte final do capítulo aborda as diferentes legislações de
proteção do patrimônio cultural e natural incidentes na área de estudo e, a partir
delas, procura refletir brevemente sobre a visão segregada existente entre a
proteção do meio ambiente e a proteção do patrimônio cultural, comumente
abordados de modo distinto nas políticas de planejamento territorial no Brasil.
3.1 A ferrovia no Brasil e em Pernambuco
O transporte ferroviário teve origem no início do século XIX na Inglaterra, país berço
da Revolução Industrial, e operou uma verdadeira revolução no transporte de
passageiros e mercadorias, reduzindo distâncias, criando e transformando cidades
ao longo da linha férrea e impulsionando ainda mais a produção industrial.
A primeira ferrovia implantada no Brasil, a Estrada de Ferro de Petrópolis, foi
inaugurada em 30 de abril de 1854 (Figura 10), media 14,5km de extensão e ligava
o Porto de Mauá a Fragoso, no Rio de Janeiro (IPHAN, 2009). A ideia de implantar
uma ferrovia no Brasil surgiu quando o jovem empresário brasileiro Irineu
Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá, realizou uma viagem à Inglaterra em
1840.
57
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 10: Lançamento da pedra fundamental da Estrada de Ferro Mauá, em Fragoso, Rio de Janeiro. 29 de agosto de 1852. Publicado em 1983.
Fonte: Autor desconhecido. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org >. Acesso em: jul. 2013
Nessa viagem, o Visconde de Mauá, com apenas 26 anos de idade, entendeu que o
desenvolvimento do Brasil já não estava mais nas fazendas de café ou açúcar,
movidas pelo comércio de escravos, mas estava na indústria, cujo motor propulsor
era a ferrovia e o trabalho livre e assalariado. Desse modo, quando regressou da
Inglaterra em 1841, o Visconde de Mauá, apoiado na nova legislação brasileira que
instituía as sociedades anônimas como forma de atrair capital estrangeiro, trouxe
consigo firmados os acordos financeiros para a construção da primeira ferrovia em
solo brasileiro, bem como, os nomes dos profissionais ingleses que iriam executá-la.
Para o seu projeto audacioso, Mauá contou com dois grandes acontecimentos. O
primeiro foi a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz, em 1849, que proibiu o tráfico
negreiro, e o segundo a promulgação da Lei nº 641, de 1852, que estabeleceu o
sistema de garantia de juros para as ferrovias. Essa nova lei além de manter todos
os favores das leis anteriores1, ampliou de quarenta para noventa anos os privilégios
para a exploração das estradas de ferro e proibiu a contratação de escravos para a
construção das ferrovias (PINTO, 1949). De fato, a construção das primeiras
1 A Lei nº 101 de 31de agosto de 1835 autorizava o governo a conceder a uma ou mais companhias
interessadas o privilégio exclusivo de 40 anos para a construção de estradas de ferro no Brasil. Além do privilégio a companhia iria gozar de favores como isenção fiscal para importação de maquinaria, cessão gratuita de terras estatais ou privadas. No entanto, todos esses favores concedidos pela lei não foram suficientes para atrair o interesse estrangeiro (PINTO, 1949).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
ferrovias e a implantação do trabalho livre no Brasil tem uma correlação estreita,
pois foi nos canteiros de obras das estradas de ferro que os primeiros trabalhadores
brasileiros livres foram empregados.
A implantação das ferrovias trouxe a presença marcante da cultura inglesa no nosso
país. Desde a abertura dos portos em 1808 os ingleses vinham inundando o Brasil
com os seus produtos industrializados, mas com a ferrovia a contribuição inglesa se
ampliou para diversos campos como a criação de novas indústrias (fósforo e vidro),
de novos serviços (água potável, esgoto e iluminação), de novas expressões
linguísticas (cafussu, que se referia ao pessoal de safra), de novas técnicas
construtivas (uso do ferro nas estações e mercados), de novos costumes (uso de
chá nas refeições), a fundação de igrejas (anglicanas), clubes e até cemitérios
(PINTO, 1949). Segundo Pinto (1949, p. 45) “foi incontestavelmente a imigração
britânica a responsável, em grande parte pelo desaparecimento de muitos costumes
patriarcais e mulçumanos da nossa família”. Mas foi, sobretudo, a indústria dos
transportes, mais precisamente a ferrovia, o maior legado que os ingleses nos
deixaram.
Ao longo da segunda metade do século XIX a ferrovia foi se expandindo lentamente
por todo o território nacional. As negociações pelas concessões das estradas de
ferro, que giravam em torno de interesses pessoais e dependiam de uma política de
favores entre os governantes e os empresários, emperravam ainda mais esse
processo de expansão da malha ferroviária brasileira. O resultado dessa
problemática foi que as ferrovias aprovadas e construídas no Brasil formaram um
conjunto de linhas isoladas que não configuravam uma rede unificada e articulada.
Entre o fim do século XIX e início do século XX, foi dado início a um processo de
transferência gradual das malhas férreas para o controle estatal. As mudanças nas
relações de produção e consumo em escala mundial geradas pelas duas grandes
guerras, somadas às perdas financeiras ocasionadas pelo declínio da produção
agrícola, geraram diminuição dos lucros dos acionistas das estradas férreas, o que
contribuiu para o processo de estatização. Visando dar novo impulso ao transporte
ferroviário no Brasil, o governo procurou recuperar as empresas e ampliar as linhas
férreas por meio da elaboração de vários planos viários.
59
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Desse modo, o período que vai de 1890 a 1940 é caracterizado pela intervenção
constante do Estado “que assumiu o controle da maioria das empresas ferroviárias
do país” (IPHAN, 2008). A partir de 1941 e nas décadas que se seguem, o sistema
ferroviário nacional passa por reestruturações, que não conseguem, no entanto,
evitar a sua estagnação e declínio tanto do ponto de vista econômico quando
infraestrutural.
Na década de 1950, mais precisamente em 1957, o Governo Federal cria por meio
da Lei nº 3.115 a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), uma sociedade de
economia mista vinculada funcionalmente ao Ministério dos Transportes. A criação
da RFFSA teve como objetivo centralizar a administração das estradas de ferro
pertencentes ao governo Federal, somando dezoito empresas ao todo, dentre elas a
Rede Ferroviária do Nordeste – RFN. A RFFSA deveria não apenas administrar,
mas também “explorar, conservar, reequipar, ampliar e melhorar o tráfego das
estradas de ferro da União” (IPHAN, 2008).
A partir dos anos 60, a RFFSA passou por vários processos de descentralização
administrativa (Figura 11). Em 1969, visando reduzir gastos e padronizar os
serviços, a Rede decidiu reagrupar as ferrovias sob seu controle em quatro sistemas
regionais: o sistema nordeste, com sede em Recife (Figura 12); o sistema centro,
com sede no Rio de Janeiro, o sistema centro-sul, com sede em São Paulo; e o
sistema sul, com sede em Porto Alegre (IPHAN, 2008). Em 1976 foram criadas as
superintendências regionais que coordenadas por uma administração geral
localizada no Rio de Janeiro, tinham como objetivo agilizar o sistema.
A década de 1960 representou efetivamente o início de um longo período de
estagnação da indústria ferroviária no Brasil. A erradicação de ramais deficitários e
antieconômicos contribuiu para uma redução drástica do número das linhas, que
passaram a dar prioridade ao transporte de cargas em detrimento do de
passageiros. A priorização da indústria automobilista foi o fator que mais contribuiu
para o desencadeamento deste processo de estagnação, já que diferentemente do
transporte ferroviário, a infraestrutura exigida pelo automóvel demandava menos
investimentos em curto prazo e por isso, tornava-se mais atrativa.
60
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 11: Ferrovias administradas pelo RFN em 1965.
Figura 12: Mapa dos trilhos do Sistema Regional Nordeste da RFFSA - Rede Ferroviária
Federal em 1974.
Fonte: Disponível em: <http://vfco.brazilia.jor.br>. Acesso em: jul.
2013
Fonte: Disponível em: <http://vfco.brazilia.jor.br>. Acesso em: jul. 2013
A década de 1980 foi dramática para o sistema ferroviário brasileiro. Sem recursos
suficientes para investimento na frota, na contratação de corpo técnico e na
infraestrutura, a RFFSA não conseguia gerar meios de cobrir as dívidas contraídas.
Visando aliviar os encargos da empresa, o Governo Federal decidiu criar por meio
do Decreto nº 89.396 de 1984, a CBTU2, empresa que ficou responsável pela
prestação dos serviços de transportes em âmbito metropolitano.
Em 1992, a RFFSA foi incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND) e
paulatinamente foi transferindo o transporte de cargas para o setor privado, que com
base na Lei nº 8.987 de 1995, a chamada Lei de Concessões, dava aos
concessionários o direito de explorar a linha férrea por 30 anos e usar por meio de
arrendamento, pelo mesmo período, os ativos operacionais3 da Rede. O processo
de liquidação da Rede Ferroviária, iniciado no fim da década de 1990, teve como
2 Companhia Brasileira de Transportes Urbanos
3 Infraestrutura, locomotivas, vagões e outros bens vinculados à operação ferroviária (Disponível em
http://portal.iphan.gov.br. Acessado em março de 2013).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
consequência o pagamento dos passivos e a disponibilização dos ativos
operacionais às empresas concessionárias da ferrovia, que deviam ser fiscalizadas
pela Rede.
Com o processo de desestatização e a concessão a empresas privadas, muitas
linhas e estações que não eram necessárias ao transporte de cargas foram
abandonadas. Esse processo ocasionou a degradação do patrimônio construído da
Rede, que sem ter como fiscalizar todo o seu acervo, não conseguiu evitar o
abandono e a perda de muitos exemplares importantes do patrimônio ferroviário.
A RFFSA só foi definitivamente extinta em 2007, quando a Lei Nº 11.483 foi
sancionada e dentre outras questões, tratou das atribuições específicas do IPHAN
quanto à guarda e manutenção dos bens móveis e imóveis de valor artístico,
histórico e cultural. As legislações seguintes que trataram do tema da preservação
do patrimônio ferroviário4 atualizaram o texto da Lei Nº 11.413 e deram novas
atribuições ao IPHAN.
Atualmente grande parte do patrimônio ferroviário do Brasil está abandonado,
descaracterizado ou em ruínas. Vários são os trechos onde trilhos e dormentes já
não existem, onde as cidades cresceram desordenadamente e invadiram o leito da
ferrovia, comprometendo a percepção do conjunto edificado da esplanada, onde
intervenções desrespeitosas acabaram por comprometer valores seculares
presentes nas edificações e de maneira geral em suas paisagens.
O mau estado de conservação de grande parte do acervo ferroviário brasileiro é
consequência direta de sua história, uma história com um início glorioso e cheio de
entusiasmo e com um fim agonizante e esquecido. Ter claro esse percurso histórico
é importante não só para entender o presente de abandono, mas também para
vislumbrar os desafios futuros em recuperar e valorizar o patrimônio ferroviário
brasileiro.
4 Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008, Decreto nº 6.769 de 10 de fevereiro de 2009 e Portaria Nº 407 de
2010;
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
A Ferrovia em Pernambuco
A malha ferroviária de Pernambuco é formada por três grandes Linhas Tronco
principais: a Linha Tronco Sul, a Linha Tronco Norte e a Linha Tronco Centro, cujos
nomes primitivos eram “Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco”, “Estrada de
Ferro Recife/Limoeiro” e “Estrada de Ferro Central de Pernambuco”,
respectivamente. Além das três estradas de ferro citadas, a malha ferroviária de
Pernambuco é composta ainda pela extinta Estrada de Ferro de Paulo Afonso e pela
Viação Férrea Leste Brasileiro, ambas completamente ‘apagadas’ do mapa na
atualidade (Figura 13).
Figura 13: Mapa da malha ferroviária em Pernambuco. Na cor lilás a Linha Tronco Norte, na cor vermelha a Linha Tronco Centro, na cor azul a Linha Tronco Sul, na cor Laranja a Estrada de
Ferro de Paulo Afonso e na cor verde a Viação Férrea Leste Brasileiro.
Fonte: Desenho da autora sobre mapa de Pernambuco fornecido pelo DER.
A Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco foi a primeira ferrovia do nordeste e
a segunda do Brasil. Foi financiada por investidores ingleses da ‘Recife and São
Francisco Railway Company’5, primeira empresa estrangeira a realizar parceria com
o governo brasileiro para a construção de uma ferrovia em solo nacional (Figura 14).
O seu projeto audacioso pretendia cortar os centros mais promissores de produção
da cana-de-açúcar do Estado e alcançar pontos navegáveis do rio São Francisco,
contribuindo para o escoamento da produção açucareira e de outros produtos
agrícolas cultivados na região. Segundo Pinto (1949), essa estrada ao ser projetada
tinha um caráter nacional, pois era um interesse antigo do Império e do Governo da
Província de Pernambuco alcançar o Rio São Francisco. No entanto, apesar das
5 Empresa inglesa fundada em Londres em 1853 (PINTO, 1949).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
pretensões iniciais, os trilhos da Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco nunca
chegaram ao destino desejado e o sonho de alcançar o Rio São Francisco não foi
realizado, mas mesmo assim a estrada tornou-se muito importante para o
desenvolvimento social e econômico de Pernambuco.
Figura 14: Entrada para Estação de Cinco Pontas, Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco. De uma gravura do “Álbum de Pernambuco de F. H. Carls”, 1878. Foto - Alexandre
Berzin (A. B.)
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário – 1º Etapa, IPHAN, 2008.
A segunda estrada de ferro construída em Pernambuco foi a Estrada de Ferro
Recife/Limoeiro, cuja concessão foi adquirida pelo Barão da Soledade em 1874, que
posteriormente a transferiu para a ‘The Great Western Railway Company Limited’,
empresa fundada em Londres em 1872 (PINTO, 1949). A construção da Estrada de
Ferro Recife/Limoeiro marcou o início da atuação desta empresa, que foi sem dúvida
a principal empresa ferroviária a atuar no nordeste do Brasil (IPHAN, 2009).
Reflete, assim, essa companhia a história do nordeste, possuindo também, tal como o nordeste, todas as suas qualidades e todos os seus defeitos. Talvez seja essa estrada, mesmo, um símbolo do homem nordestino – pelas suas fraquezas, pela sua capacidade de resistência, pelo seu desamparo e pela sua eterna luta contra o meio físico. (Pinto, 1949, p. 213)
A “Greitueste”, como era popularmente conhecida, realizou várias obras de
expansão e construção de novas linhas férreas, ampliando ainda mais a malha
ferroviária no Estado. No período de atuação da ‘The Great Western’ os leitos das
ferrovias se configuraram como grandes eixos estruturadores, que induziram o uso e
ocupação do solo e levaram para todo o Estado, principalmente para as cidades do
64
O SENTIDO DA PAISAGEM |
interior, tão carentes de infraestrutura e informação, desenvolvimento econômico,
social e cultural.
A terceira estrada de ferro de Pernambuco e a segunda construída pela empresa
“The Great Western”, foi a Estrada de Ferro Central de Pernambuco, cuja construção
foi resultado de uma permuta entre o governo e os empreiteiros responsáveis pela
construção da Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco, que concordaram em
trocar a construção do trecho Garanhuns a Águas Belas pelo trecho Recife a
Caruaru. Segundo apelo de agricultores pernambucanos apresentado ao governo
imperial, o trecho entre Recife e Caruaru iria atender melhor aos interesses da
lavoura por passar em regiões mais povoadas e produtivas do que o trecho entre
Garanhuns e Águas Belas.
Sendo assim, em Decreto publicado em 26 de outubro de 1978 “o governo declarou
ser de interesse geral a linha em questão, isto é, a linha que tivesse de ligar o Recife
não apenas a Jaboatão, mas a Caruaru, passando pelos povoados de Vitória e
Gravatá e pela vila de Bezerros” (PINTO, 1949, p. 103-104). A ideia de construir
uma ferrovia ligando o Recife ao agreste, entretanto, era mais antiga e datava de
1866, quando o governo provincial sancionou a Lei nº 649 autorizando a contratação
de empresas de carris de ferro para ligar a capital Recife a centros populosos do
agreste pernambucano e promover uma maior integração com as estradas de
rodagem existentes (PINTO, 1949).
Com a meta inicial de chegar a Caruaru, esta ferrovia tinha o escopo mais
abrangente de chegar até Petrolina, onde então se ligaria com a ferrovia que vinha
do Ceará, promovendo a tão sonhada integração com o Vale do São Francisco.
Essa meta, no entanto, não foi alcançada porque os trilhos só conseguiram chegar
até o município de Salgueiro, no sertão.
Os trabalhos de construção da Estrada de Ferro Central de Pernambuco foram
iniciados em 1881 e o primeiro trecho, de Recife a Tapera, foi aberto ao tráfego em
1885. O segundo trecho, que chegava até o município de Vitória margeando a
rodovia principal, media 51 quilômetros e foi inaugurado em 1886. O terceiro trecho
passava por Pombos e ia aumentando de altitude conforme se aproximava da serra
65
O SENTIDO DA PAISAGEM |
das Russas, região de relevo acidentado no município de Gravatá, cuja estação foi
inaugurada em 1894. Após Gravatá, a ferrovia alcançou o município de Bezerros em
1895 e no mesmo ano, a cidade de Caruaru. Com a estação de Caruaru inaugurada,
o trecho inicialmente pensado ligando a capital da província à capital do agreste, foi
concluído.
Apenas no início do século XX o governo retomou os trabalhos de ampliação da
linha, que chegou em 1912 até o município de Arcoverde, considerado a porta de
entrada no sertão pernambucano. Chegada ao sertão, a ferrovia passou a
transportar a rapadura e o aguardente, além do algodão, dos cereais e couro do
agreste. A chegada à Sertânia se deu quase vinte anos depois, em 1933, sendo a
estação do distrito de Albuquerque Né, localizada ainda em Sertânia, inaugurada
apenas em 1941. Depois da crise gerada pela Primeira e Segunda Guerra Mundial,
a ‘The Great Western’, ainda realizou muitas obras de melhorias e expansão até a
década de 1960, chegando ao município de Salgueiro em 1962, na Linha Tronco
Centro, de onde não avançou mais (Figura 15).
Figura 15: Mapa com as ferrovias existentes em Pernambuco. Em vermelho a atual Linha Tronco Centro, antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário em Pernambuco – 1º Etapa, IPHAN, 2008.
Apesar de ainda estar oficialmente ativa para a operação de trens, a Linha Tronco
Centro, nome atual da antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco, está
fechada para o tráfego desde o início do ano 2000, quando passou o último trem do
forró. Em diversos trechos, principalmente no sertão, os trilhos foram furtados e os
edifícios ferroviários estão abandonados, muitos em estado de ruína. Em muitos
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
centros urbanos os leitos da ferrovia foram invadidos e as esplanadas ferroviárias
juntamente com os seus edifícios encontram-se descaracterizados.
A ferrovia transformou e integrou o território Pernambucano. Além da importância
histórica, econômica, social e cultural, a ferrovia em Pernambuco adquire uma
enorme importância no âmbito do urbano e da paisagem, pois funcionando como
grandes eixos estruturadores, as estradas de ferro conquistaram territórios muitas
vezes inexplorados e contribuíam para o surgimento de povoados e cidades,
interiorizando o desenvolvimento. Por onde passou a ferrovia induziu o uso e a
ocupação do solo, criou e transformou as cidades, estimulou o imaginário. A
preservação da ferrovia em Pernambuco significa a preservação de uma parcela
importante da história e da memória coletiva da nossa sociedade.
3.2 O trecho ferroviário da serra das Russas: as relações no espaço e no
tempo
O trecho ferroviário da serra das Russas está localizado no território compreendido
entre os municípios de Pombos e Gravatá, no Estado de Pernambuco. Segundo as
Plantas Diretoras dos referidos municípios, Pombos está localizado na mesorregião
da mata sul, microrregião de Vitória de Santo Antão, enquanto Gravatá está situado
na mesorregião do agreste, microrregião do Vale do Ipojuca (Figura 16).
Figura 16: Mapa do Estado de Pernambuco destacando os Municípios de Pombos e Gravatá dentro das suas respectivas Regiões de Desenvolvimento.
Fonte: Desenho da autora sobre mapa de Pernambuco fornecido pelo DER.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Além do núcleo sede, o município de Pombos tem o distrito de Dois Leões e o de
Nossa Senhora do Carmo, e Gravatá os distritos de Mandacaru e Uruçu-Mirim,
ambos localizados ao sul do distrito sede, além dos povoados de Russinhas, por
onde passa a ferrovia, Avencas e São Severino dos Macacos (Figura 09).
Figura 17: Limites Geopolíticos dos Municípios de Pombos e Gravatá e localização dos distritos.
Fonte: Desenho da autora sobre mapa de Pernambuco fornecido pelo DER.
A tabela abaixo apresenta um comparativo das informações gerais dos dois
municípios citados (Tabela 1).
Tabela 1 – Comparativo de informações gerais dos municípios de Pombos e Gravatá. Fontes: Série Perfil Municipal, CONDEPE/FIDEM, 2006. / http://www.bde.pe.gov.br. Acessado em 16/04/2013.
POMBOS GRAVATÁ
Área Municipal 204,052 km² 505,137 km²
Distância da Capital 59,9 km 87,7 km
Principal via de acesso BR 232 BR 232
Altitude da sede 208 m 447 m
Latitude da sede 08º 08’ 29’’ 08º 12’ 04’’
Longitude da sede 35º 23’ 45’’ 35º 33’ 53’’
População 24.046 habitantes 76.458 habitantes
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
A serra das Russas, lugar que dá nome ao trecho ferroviário, situa-se entre os
municípios de Pombos e Gravatá (Figura 18). A origem do seu nome desperta
curiosidade e suscita explicações diferenciadas. A primeira explicação diz que o
nome ‘russas’, escrito no português arcaico com ‘ss’, tem sua origem na palavra
‘ruças’, que usado como substantivo significa ‘nevoeiro rápido e denso’, típico das
regiões serranas6. De fato, é comum, principalmente no inverno, ver a paisagem da
serra coberta por um véu branco como mostra a figura 19.
Figura 18: Mapa de localização da serra das Russas.
Fonte: Desenho da autora sobre Planta Diretora de Gravatá (2003).
Quando usado como adjetivo, o termo ‘ruças’ tem acepção de ‘pardo, difícil’, muito
apropriado ao local estudado. Contam as histórias do lugar, que quando os viajantes
chegavam ao pé da serra, após uma difícil travessia, eram questionados por aqueles
que iriam enfrentar a subida: “como está a situação lá em cima?”. A resposta era
sempre a mesma: “A situação está ruça”. Foi assim que o nome ‘ruça’, com o passar
do tempo, foi incorporado ao lugar. Outra explicação, menos conhecida, diz que na
região existia um estrangeiro de nacionalidade desconhecida, que criava cavalos de
6 Fonte: http://www.portuguesnarede.com/2010/11/situacao-esta-russa-ou-ruca.html. Acessado em 31 de janeiro
de 2013.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
origem russa. O lugar, então, teria ficado conhecido como ‘serra das russas’ por
causa dos cavalos russos que eram ali criados.
Figura 19: Neblina na serra das Russas.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Mas apesar da fama de ser uma região perigosa sob o ponto de vista rodoviário, a
serra das Russas é mais conhecida por causa da sua beleza excepcional, fruto da
combinação de características naturais singulares. O relevo, um dos elementos mais
marcantes da serra, é caracterizado pelas encostas e elevações da borda mais
oriental do planalto da Borborema, formação rochosa que apresenta altitudes
superiores às da zona da mata, caracterizando paisagens com elevações cobertas
por rochas e tipos de vegetação típicas do semiárido. A topografia ondulada formada
por “uma sucessão de degraus escalonados e separados entre si por superfícies
aplainadas” (FIDEPE/FIAM, 1982, p. 13), é uma característica marcante do maciço
da Borborema (Figuras 20 e 21). A formação em degraus favoreceu o surgimento de
alguns povoamentos no passado, a exemplo de Gravatá, e a construção de
estradas, como a ferrovia e o antigo caminho das boiadas, a atual rodovia BR-232.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 20: Foto ilustrando o relevo ondulado da região.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Figura 21: Foto ilustrando o relevo ondulado da região.
Fonte: Foto tirada por Ulysses Pernambucano, 2013. Acervo FUNDARPE.
Por se localizar na zona de transição entre a zona da mata e o agreste, a serra das
Russas possui condições macroclimáticas predominantemente semiúmidas,
podendo existir também áreas em condições semiáridas amenizadas pela
temperatura do ar (FIDEPE/FIAM, 1982). O que causa essa indefinição climática é a
combinação do relevo ondulado de altitudes elevadas com as massas de ar,
resultando numa temperatura media de 24º. Por causa das áreas semiáridas
também existentes, o regime pluvial é modesto, sendo os meses de março, maio e
junho os de maior incidência de chuvas, “atingindo o índice pluviométrico a marca
dos 465 mm” (FIDEPE/FIAM, 1982). As variações climáticas ao longo do ano dão
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
feições diferentes à paisagem que em determinadas épocas pode estar
completamente ‘verde’, por causa das chuvas, ou ‘marrom’, por causa da falta delas.
A geomorfologia da serra das Russas é formada por vários tipos de solos com
características distintas. Pinto (1949, p. 106-107) baseado nos estudos que o
geólogo John C. Branner realizou ao longo dos terrenos da Estrada de Ferro Central
de Pernambuco, traz a seguinte caracterização do solo do trecho compreendido
entre a estação de Pombos e Gravatá:
Na estação de Francisco Glicério (hoje Pombos), seixos rolados de quartzo aparecem nos cortes; nas proximidades dessa estação, após uma planície rasa, ergue-se a serra das Russas, - montanhas que “são apenas a bordas orientais e setentrionais do alto planalto ondulado do sistema fluvial do Ipojuca superior”. De Russinha em diante (para o oeste), afloram rochas estratificadas, algumas das quais argilosas, assemelhando-se outras a tufos alterados (PINTO, 1949, p. 107).
Os solos predominantes são o solo do tipo ‘podzólico eutrófico vermelho amarelo’,
na sua encosta sul, e os solos litólico e planosol solúdico nas encostas norte e leste
(FIDEPE/FIAM, 1982). Os solos podzólicos são profundos, apresentam drenagem
moderada com boa retenção de água, têm textura argilosa e boa reserva de
nutrientes. Os solos litólicos por sua vez apresentam boa fertilidade, apesar de
serem rochosos e pedregosos, são rasos e pouco desenvolvidos, apresentando
baixa espessura sobre a rocha mater. O solo planosol solúdico é pouco profundo,
apresenta baixa drenagem e está suscetível à erosão. A figura 22 revela os tipos e a
distribuição dos solos existentes no trecho estudado.
Os tipos de solo, juntamente com o relevo e clima, interferem diretamente no tipo de
vegetação existente e também na maneira como a terra é cultivada. No que diz
respeito à vegetação, a serra das Russas é considerada como uma área de tensão
ecológica, porque apresenta contato entre tipos distintos de vegetação
(FIDEPE/FIAM, 1982, p. 15). Segundo o IBGE (Atlas Nacional do Brasil, 1992) esses
dois tipos de vegetação são: a floresta tropical subcaducifólia, presente na zona na
mata, e a caatinga, presente no agreste.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 22: Mapa dos tipos de solos predominantes no trecho ferroviário estudado.
Fonte: Desenho da autora tendo como base o mapa de tipos de solos do Plano Diretor de Gravatá, 2003.
Na encosta leste e sul da serra, onde há maior pressão atmosférica por causa do
relevo mais acidentado e, por conseguinte, há maior precipitação pluviométrica, a
vegetação é típica da zona da mata, “onde as espécies se apresentam caducifólias,
em bosques pouco densos ou em unidades arbóreas isoladas cercadas por
gramíneas que durante a estação chuvosa revestem o solo municipal”
(FIDEPE/FIAM, 1982, p. 15). Espécies como maçaranduba, jucá, abacate do mato,
juquiri, pau santo e visgueiro podem ser encontradas na região (Figura 23).
A encosta norte e oeste da serra, cujo relevo é menos ondulado, é caracterizada
pela presença da caatinga, típica do agreste e sertão do Estado (Figura 24), e “a
presença de gramíneas e algumas espécies isoladas de mata, essências e
frutíferas, entre as quais a mangueira e o oiti coró” (FIDEPE/FIAM, 1982, p. 17).
Espécies como anjico, pereiro, jurema, algaroba e braúna podem ser encontradas
nessa paisagem.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 23: Vegetação na encosta sul da serra das Russas vista a partir da encosta norte.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Figura 24: Vegetação na encosta norte da serra das Russas vista a partir da encosta sul. Nota-se o relevo menos ondulado e a vegetação menos densa e mais rasteira. Campos de pastagens e cultura
de subsistência são constantes na paisagem.
Fonte: Foto tirada por Ulysses Pernambucano, 2013. Acervo FUNDARPE.
A encosta norte da serra, por causa das características geomorfológicas e
climáticas, e por ser também uma região predominantemente de caatinga, com
vegetação arbustiva e baixo índice pluviométrico, o sistema de produção gado-
policultura é dominante. A policultura tem predominância, sendo o abacaxi a
principal fruta cultivada (Figuras 25 e 26). Lavouras temporárias, como as de cana-
de-açúcar, mandioca e tomate também são encontradas. A pecuária de corte e
leiteira, cujos campos de pastagem pontuam a paisagem em diversos trechos da
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
área em estudo, é também uma atividade importante do ponto de vista da geração
de renda para a região. A figura 27 traz um mapa que ilustra a distribuição das
atividades de gado-policultura na região do trecho ferroviário da serra das Russas.
Figura 25: Plantações de abacaxis na encosta norte da serra das Russas.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Figura 26: Plantações de abacaxis na encosta norte da serra das Russas.
Fonte: Foto tirada por Roberto Carneiro, 2013. Acervo FUNDARPE.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 27: Mapa com a utilização do solo no trecho da serra das Russas.
Fonte: Desenho da autora tendo como base o mapa de utilização do solo do Plano Diretor de Gravatá, 2003.
Por apresentar elevadas altitudes, clima ameno e atrativos naturais e construídos, a
serra das Russas é definida como uma área de vocação turística. A cidade de
Gravatá, um dos principais destinos turísticos de Pernambuco, recebe visitantes o
ano inteiro, com períodos de fluxos mais intensos na Semana Santa, nas Festas
Juninas e no mês de julho, durante o Circuito do frio. A maioria dos turistas, que é
proveniente da capital, procura os condomínios fechados existentes na zona urbana
e rural do município de Gravatá (Figura 28). Esse público flutuante nos fins de
semana contribui para o surgimento de uma infraestrutura de serviços ligados às
atividades turísticas tais como hotéis, pousadas, haras, etc. Por causa dos seus
atrativos naturais, a serra é muito utilizada também para a prática de ecoturismo e
esportes de aventura, como o rapel e trilhas ecológicas (Figura 29).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 28: Condomínios de luxo que se debruçam sobre a serra.
Fonte: Foto tirada por Ulysses Pernambucano, 2013. Acervo FUNDARPE.
Figura 29: Prática de rapel no viaduto ferroviário nº 03, o viaduto Cascavel.
Fonte: Disponível em < http://adrianaavila.album.uol.com.br/aventuras-radicais/8538365 >. Acesso em: 07 jul. 2013
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Além das características naturais mencionadas acima, a serra das Russas é
marcada também por duas grandes obras do homem, que se colocam como duas
grandes linhas de força na paisagem, são elas: a ferrovia e a rodovia BR-232. A
história da implantação da ferrovia na serra das Russas tem início quando o governo
da província de Pernambuco decide construir uma estrada de ferro ligando o Recife
à Caruaru, principal cidade do interior do estado. O trecho em questão, localizado
entre os quilômetros 51,54 (Pombos) e o 76,04 (Gravatá) da ferrovia, com
aproximadamente 25 km de extensão ao todo (Figura 30), fazia parte de um trecho
ainda maior, de cem quilômetros de extensão, que deveria ser construído em
substituição ao trecho de Garanhuns à Águas Belas.
Figura 30: Mapa com a localização do trecho ferroviário da serra das Russas dentro da antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco.
Fonte: Desenho da autora sobre mapa de Pernambuco fornecido pelo DER.
Este novo trecho era segundo os comerciantes da época, mais proveitoso porque
oferecia “vantagens consideráveis a lavoura, ao commercio e a todos os interesses
e relações sociais” (BONFIM, 2002, p. 37).
Atravessará terrenos de grande uberdade e bastante povoados, servindo cerca de duzentos engenhos de fabricar assucar. Por esta linha deverá effectuar-se o transporte de todo o algodão que se cultiva além da cidade da Victoria (BONFIM, 2002, p. 37).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
A possibilidade de percursos distintos até Gravatá fez com que o governo provincial
encomendasse em 1878 estudos técnicos a fim de identificar o traçado mais viável
(Bonfim, 2002). Dentre os vários projetos que poderiam ser estudados, a comissão
técnica contratada deu preferência a dois em particular.
O primeiro projeto apresentado tinha como proposta a construção de um único
tronco que tinha a conveniência de passar por importantes centros comerciais da
época como Jaboatão e Vitória de Santo Antão. De acordo com o traçado indicado a
capital estaria distante 85 km de Gravatá, 108 km de Bezerros e 135 km de Caruaru,
sendo o percurso mais curto dos dois projetos apresentados (BONFIM, 2002).
A desvantagem dessa proposta consistia na sua passagem pela região da Serra das
Russas, que tinha pouco contingente populacional e um relevo bastante acidentado
que exigiria grandes esforços técnicos para se vencer os obstáculos impostos pela
natureza. A serra das Russas (Figura 31) era um grande desafio a ser superado por
qualquer estrada que partindo do litoral quisesse chegar ao sertão (Bonfim, 2002).
Figura 31: Perfis longitudinais das Linhas Troncos da GWBR. Na linha oeste, antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco, destaque em vermelho para o trecho da serra das Russas,
onde o perfil muda bruscamente, indicando a elevação de altitude característica da serra.
Fonte: História de uma Estrada-de-ferro do Nordeste. Pinto Estevão, 1949.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Segundo o relatório apresentado pela comissão em 1878, era melhor que o traçado
da linha percorresse o lado norte da serra das Russas, onde os terrenos eram pouco
férteis, mas apropriados à pequena lavoura, do que os do lado sul, região onde os
terrenos eram mais férteis, porém mais montanhosos.
(...) estudos ultimamente feitos pela repartição de obras públicas, nutrem fundadas esperanças de poder traçar-se pelo lado do norte da serra, percorrendo terrenos quase estéreis, por Itaparica e Ladrilho uma estrada regular de bitola estreita tendo 32 e 33 kilometros de extensão, communicando a Villa de Gravatá na margem do Ipojuca com a cidade da Victoria (BONFIM, 2002, p. 29).
O segundo projeto apresentado sugeria a construção de três ramais ligados à
Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco, que passando por Vitória, seguiriam
por Gravatá até alcançar Bezerros (IPHAN, 2009). O primeiro ramal teria como
ponto de partida o Cabo de Santo Agostinho, passaria pelo Engenho Catende e
chegaria a Vitória, com um trajeto que aumentava em 28 quilômetros o percurso se
comparado àquele direto. O segundo ramal faria um entroncamento próximo à
estação de Frexeiras e subiria pelo Vale do Ipojuca até atingir Gravatá e Bezerros,
tendo para isso a desvantagem de ter que transpor as cachoeiras do Urubu e de
Tabocas e percorrer 10 quilômetros a mais que o percurso direto. O terceiro e último
ramal proposto sairia de Palmares e tomaria a direção do Vale do Rio Una até
Bonito, de onde seguiria até Caruaru percorrendo 65 quilômetros a mais que o
trajeto direto, feito por Vitória.
Todos os ramais sugeridos na segunda proposta de projeto tinham a desvantagem
de possuir um percurso mais longo do que o projeto que passava pela serra das
Russas, sendo esse um dos principais motivos da escolha do traçado do primeiro
projeto: a menor extensão. Além da questão da distância o primeiro projeto era mais
viável administrativamente, politicamente e também economicamente por atender
“os interesses ligados à uma importante zona da província” (BONFIM, 2002, p. 31).
No entanto, apesar de possuir o percurso mais curto, o trecho da serra das Russas
se mostrava bastante desafiador com relação às questões técnicas e por isso foi
muito questionado à época da sua construção. Segundo Pinto (1949) existiam dois
traçados possíveis para se transpor o maciço granítico da serra, mas infelizmente
80
O SENTIDO DA PAISAGEM |
por má orientação técnica, estudos precipitados e por economia, o traçado
verdadeiro foi desviado entre os quilômetros 54 e 88 em direção à serra das Russas,
local que possuía um “terreno rochoso, improdutivo e excessivamente acidentado”,
que além de exigir a construção de um grande número de obras d’arte, não possuía
água “tornando necessário o seu transporte nos tanques do trem” (PINTO, 1949, p.
106). Pinto (1949) fala que
O traçado aconselhável teria sido sido dar à estrada, no lugar Maués, a direção S.O., através dos riachos Azul, Mirangaba e Boca da Mata (até o divisor do Itapacurá com o Ipojuca). O percurso acima indicado atravessaria regiões argilosas, todas elas aproveitáveis para o plantio de cana, do café, do tabaco e de outros produtos importantes, com água abundante, inclusive muitas matas e propriedades onde se praticava a policultura (Pinto, 1949, p. 105-106).
A estação de Pombos, antiga Francisco Glicério, inaugurada em 1886, é o marco
inicial do trecho da serra das Russas (Figura 32). A Estação de Russinhas, primeira
depois de Pombos, foi inaugurada um ano depois, em 1887 (Figura 33). A Estação
de Cascavel (Figura 34), localizada após Russinhas, foi inaugurada apenas em 1930
(BONFIM, 2002). A Estação de Gravatá (Figura 35), última do trecho estudado, foi
aberta ao tráfego em 1894, ou seja, oito anos após a de Pombos, mostrando a
dificuldade enfrentada pelos engenheiros para vencer os desafios encontrados na
serra das Russas. A figura 36 traz um mapa com a localização das estações no
trecho ferroviário.
Figura 32: Estação Ferroviária de Pombos. Data desconhecida.
Figura 33: Estação Ferroviária de Russinhas. Data desconhecida.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário – 1º Etapa, IPHAN, 2008.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário – 1º Etapa, IPHAN, 2008.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 34: Estação Ferroviária de Cascavel. Data desconhecida.
Figura 35: Estação Ferroviária de Gravatá. Data desconhecida.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário – 1º Etapa, IPHAN, 2008.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário – 1º Etapa, IPHAN, 2008.
Figura 36: Mapa com a localização das estações existentes no trecho ferroviário da serra das Russas.
Fonte: Desenho elaborado pela autora tendo como base a Planta Diretora de Gravatá, 2013.
O relato de Bonfim (2002, p. 61) mostra os principais obstáculos naturais existentes
a partir do povoado de São João dos Pombos:
Depois de percorrer 13 quilômetros, a linha abandona o vale do Tapacurá (que toma o nome de Itapissirica) a fim de evitar fortes declividades; atravessa as gargantas da Vereda Funda e do Cascavel, e do quilômetro 77 em diante vai cortando os contra-fortes da serra das Russas até transpor a garganta da Cabeça de Boi, no quilômetro 84, onde se dividem as águas do Capibaribe e Ipojuca.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Da Garganta da Cabeça de Boi a linha desce para a cidade de Gravatá e transpõe o rio Ipojuca, cujas margens sobe até a cidade de Bezerros, no quilômetro 111.
A fim de superar as limitações físicas da serra foram realizadas muitas obras para a
adequação do traçado. Dentre essas obras estão as escavações em corte, a
construção de valas para a canalização das águas dos cortes e bueiros, e a
construção de nove viadutos e vinte e um túneis. Por questões de segurança, três
dos nove viadutos construídos inicialmente foram transformados em aterros,
enquanto sete dos vinte e um túneis iniciais foram transformados em cortes a céu
aberto, a exemplo do túnel nº 8 (Pinto, 1949), resultando num total de catorze túneis
e seis viadutos (Figura 37).
Figura 37: Mapa esquemático com a localização dos catorze túneis e seis viadutos no trecho ferroviário da serra das Russas.
Fonte: Desenho elaborado pela autora tendo como base a Planta Diretora de Gravatá, 2013.
O conjunto de túneis é bastante diversificado, tanto na questão das dimensões como
na questão dos acabamentos, que foram revestidos em pedra talhada ou mantidos
em rocha bruta (Figuras 38 e 39). O primeiro túnel, o de número 01, foi concluído em
1887, mede 94,45 metros e está localizado no km 59,19 da linha, entre a cidade de
Pombos e o distrito de Russinhas (Figuras 40 e 41). O túnel mais extenso é o túnel
de nº 11, localizado no km 69,45, medindo 254 metros de comprimento, e o mais
curto é o túnel de nº 06, medindo apenas 48,15 metros (Figuras 42 e 43).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 38: Vista interna do túnel 8 revestido em pedra.
Figura 39: Vista interna do túnel 5 revestido em rocha bruta.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário em
Pernambuco – 2º Etapa, 2009. Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário
em Pernambuco – 2º Etapa, 2009.
Figura 40: Arco de entrada do túnel 1. Figura 41: Vista interna do túnel 1.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário
em Pernambuco – 2º Etapa, 2009. Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário
em Pernambuco – 2º Etapa, 2009.
Figura 42: Arco de entrada do túnel 11, o de maior cumprimento.
Figura 43: Arco de entrada do túnel 6 – Detalhe da placa de sinalização indicando a
extensão do túnel.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário
em Pernambuco – 2º Etapa, 2009. Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário
em Pernambuco – 2º Etapa, 2009.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Os primeiros viadutos construídos na serra das Russas, “cujas estruturas metálicas
tinham sido fabricadas em 1888, época em que os veículos ferroviários eram muito
leves” (PINTO, 1949, p. 190), foram fabricados com ferro pudlado7 (Figura 44). Após
pouco mais de meio século de uso as estruturas metálicas começaram a apresentar
sinal de fadiga devido, sobretudo, ao aumento do peso das locomotivas e ao
aumento do tráfego.
Figura 44: Viaduto em estrutura metálica na serra das Russas, 1943.
Fonte: Acervo RFFSA.
A fim de resolver o problema foram estudadas diversas soluções, dentre as quais o
desvio do traçado da linha, o aterro ou reconstrução dos nove viadutos (Pinto, 1949).
A solução de desviar a linha era inviável economicamente e por isso, foi descartada.
Na década de 1940, na administração de Manuel Leão, a ‘Great Western’ deu início
às obras de substituição dos viadutos optando pelo aterro de três e reconstrução em
concreto armado dos demais, “sendo escolhido o tipo de estrutura projetado pela
firma Christiani & Nielsen, construtora da ponte de Cobé” (Pinto, 1949, p. 200). Dos
seis viadutos restantes o de nº 03, antigo viaduto nº 04, mais conhecido como o
viaduto da Grota Funda ou ‘Cascavel’, localizado no km 66,77 é, sem dúvida, o mais
notável (Figuras 45 e 46). Segundo Pinto (1940, p. 200)
7 “O Ferro pudlado é um produto siderúrgico obtido no estado pastoso com numerosas partículas de escória em
virtude de seu processo particular de fabricação: vazado em moldes e depois "pudlado", quer dizer, agitado ao ar por meio de barras, para a redução do teor de carbono, com consequente formação do aço” (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferro_pudlado. Acessado em 06/07/2013).
85
O SENTIDO DA PAISAGEM |
De todos esses viadutos, o mais importante é o de n.4, onde o vão principal foi vencido por um arco de 45m de vão de 27m de flecha, engastado na rocha. A altura do trilho sobre o fundo da rocha é de 45m. O escoramento desse arco necessitou nada menos de 462m³ de madeira. A obra, que se caracteriza pelo seu aspecto leve, tornou-se realmente notável no gênero”. (Pinto, 1949, p. 200)
Figura 45: Viaduto nº 03, da Grota Funda (mais popularmente conhecido como Cascavel) e sua inserção na paisagem serrana.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Figura 46: Viaduto nº 03, detalhe dos pilares e arcos da estrutura em concreto armado.
Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário em Pernambuco – 2º Etapa, 2009.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Com o fechamento do tráfego de trens na Linha Tronco Centro no final da década de
1990 e início dos anos 2000, o trecho da serra das Russas foi abandonado e as
estações de Cascavel e Russinhas, cujo acesso é bastante restrito por se
localizarem na serra, entraram em processo de arruinamento, sendo demolidas na
década de 1980, restando atualmente apenas os seus alicerces ou ruínas (Figuras
47 e 48).
Figura 47: Base e plataforma de embarque da estação de Russinhas.
Figura 48: Ruínas da estação de Cascavel.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013. Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário
em Pernambuco – 1º Etapa, 2008.
As estações de Pombos e Gravatá ainda encontram-se edificadas e com usos
distintos. A Estação de Gravatá abriga atualmente a casa do artesão e apresenta
bom estado de conservação (Figura 49). A esplanada ferroviária de Gravatá abriga
em determinadas épocas do ano estrutura para apresentação de shows, sendo
convertida em pátio de eventos nessas ocasiões (Figuras 50).
Figura 49: Estação de Gravatá. Figura 50: Esplanada de Gravatá com estrutura para eventos.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013. Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
87
O SENTIDO DA PAISAGEM |
A Estação de Pombos, por sua vez, está em péssimo estado de conservação e
abriga usos diversificados como oficina de carros e oficina de soldagem (Figura 51).
A esplanada, cujo entorno está bastante degradado, serve de estacionamento de
carros e depósito de lixo (Figura 52). O edifício do depósito e banheiro abriga um bar
e a antiga casa do chefe da estação apresenta acréscimos que a descaracteriza
(Figuras 53 e 54).
Figura 51: Estação de Pombos. Figura 52: Esplanada de Pombos ocupada de maneira irregular e com lixo.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013. Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Figura 53: Edifício do depósito e banheiro ocupado de maneira irregular na esplanada de
Pombos.
Figura 54: Casa do chefe da Estação de Pombos em mau estado de conservação.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013. Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
A via férrea do trecho ferroviário da serra das Russas encontra-se íntegra em todo o
seu percurso, ou seja, nenhum trecho encontra-se suprimido, o que é muito
importante dado o elevado número de roubo de trilhos que ocorre nas linhas férreas
88
O SENTIDO DA PAISAGEM |
do Estado e do país. No entanto, apesar de preservada, a linha encontra-se muito
mal conservada, com vegetação densa sobre o leito da via (Figura 55) e, em alguns
trechos, há deslizamento de pedras, obstruindo a passagem (Figura 56).
Figura 55: Via férrea com vegetação densa obstruindo a passagem.
Figura 56: Deslizamento de pedra sobre a ferrovia.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013. Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
No entanto, apesar das modificações sofridas ao longo da sua história, a exemplo
dos cortes de túneis e da substituição dos viadutos, e do atual estado de abandono
e má conservação em que se encontra, o trecho ferroviário da serra das Russas
ainda conserva as suas principais características físicas, ambientais e paisagísticas,
tornando-se inquestionavelmente o trecho mais importante e singular de toda malha
ferroviária do Estado de Pernambuco. A via férrea e as obras d’arte podem ser
identificadas ainda hoje por um observador que olha para a ferrovia ‘de fora’, a partir
da serra. O respeito com que a ferrovia foi inserida na topografia chega a
impressionar, pois num olhar mais desatendo, talvez, ela poderia passar
despercebida (Figura 57).
89
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 57: Vista da serra das Russas onde nota-se no canto esquerdo e direito inferior a presença dos viadutos nº 01 e nº 02, respectivamente.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Por fim, cabe mencionar a segunda grande obra do homem na serra das Russas
que é a rodovia BR-232. A BR-232 é o principal acesso rodoviário ao trecho
estudado e uma das principais rodovias federais existentes no Estado de
Pernambuco, pois corta o território de leste a oeste e passa por vinte e cinco
municípios, desde o litoral até o sertão.
Antes da implantação da ferrovia o acesso à Gravatá era feito pela rodovia, antigo
caminho das boiadas, que era precário e muito perigoso (FIDEPE/FIAM, 1982).
Mesmo com o surgimento de veículos automotivos mais ‘modernos’, a subida da
serra pela estrada comum ainda desencorajava muitos viajantes, motivo pelo qual
era preferível atravessar o maciço rochoso de trem. No fim da década de 1950, a
finalização da pavimentação da BR-232 trouxe a facilidade de tráfego pela estrada
de rodagem e encurtou o caminho entre Recife e Gravatá (Figura 58). Esses fatores,
somados ao gradual abandono do transporte ferroviário, fizeram com que o trem
fosse perdendo espaço na travessia da serra das Russas e o carro fosse o meio de
transporte mais utilizado.
90
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 58: Vista de trecho da BR – 232 na serra das Russas.
Fonte: Série Monografias Municipais Gravatá, FIDEPE/FIAM, 1982, p. 18.
No início da década de 2000 a rodovia começou a ser duplicada sendo a obra
dividida em duas etapas: a primeira contemplou o trecho entre Recife e Caruaru e a
segunda o trecho entre Caruaru e São Caetano. No trecho da serra das Russas as
pistas, que em toda a extensão da rodovia são paralelas, foram separadas, sendo
construído um novo trecho no sentido de quem sobe a serra, ou seja, no sentido de
quem vai de Recife para Gravatá (Figura 59).
O novo trecho é mais curto que o trecho antigo e recebeu duas importantes
intervenções da engenharia para vencer os obstáculos naturais da serra: um viaduto
de cerca de 450 metros de extensão e 50 metros de altura8 e um túnel de 374
metros de extensão (Figura 60 e 61).
8 “Medidas feitas por Saulo Faria Gomes Ferreira e Cacá Gomes Ferreira após salto realizado de paraquedas”
(pt.wikipedia.org).
91
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 59: Vista da serra das Russas onde se notam os desníveis do relevo com a pista antiga da BR-232 no topo, a nova pista da BR-232 no nível intermediário e a ferrovia no nível
inferior.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Figura 60: Viaduto rodoviário sobre a serra das Russas na BR-232.
Figura 61: Túnel na rodovia BR-232.
Fonte: Foto tirada por J. Ivan Ferreira. Disponível em: < http://www.latinoamerica24.com >. Acesso
em: 07 jul. 2013
Fonte: Foto tirada por Roberto Carneiro, 2013. Acervo FUNDARPE.
O trecho ferroviário da serra das Russas é formado pela conjugação de todos os
elementos mencionados neste item, sejam eles elementos naturais, como o relevo, a
vegetação e o clima, ou elementos construídos como a ferrovia, a rodovia, as
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
edificações (de arquitetura vernácula ou não) e o cultivo da terra, representado pelas
plantações e campos de pastagem. O trecho da serra das Russas é formado ainda
pelos homens e mulheres que ao longo da história criaram uma maneira singular de
vivenciar aquele meio, deixando nele marcas concretas. É esse conjunto de
aspectos materiais e imateriais que reunidos formam a memória permanente do
lugar, formam a paisagem.
3.3 A Proteção do patrimônio natural e cultural da serra das Russas
Por causa da riqueza do seu acervo ferroviário e da importância histórica para a
memória ferroviária em Pernambuco, o trecho da serra das Russas foi tombado pela
FUNDARPE em meados da década 1980, juntamente com um trecho mais amplo,
que vai de Recife até Gravatá.
O processo de tombamento da Estrada de Ferro Recife/Gravatá foi iniciado em
março de 1984 e teve duração de dois anos, sendo concluído em março de 1986.
Teve como ponto de partida a solicitação do Secretário de Turismo, Cultura e
Esporte do Governo do Estado de Pernambuco à época, que sensível aos ‘valores
técnicos’ das obras d’arte existentes ao longo dessa linha férrea, concentradas em
maior número no trecho da serra das Russas, sugeriu à FUNDARPE o seu
tombamento.
No mês de dezembro de 1984 o corpo técnico da FUNDARPE elaborou uma
proposta de tombamento, que foi encaminhada em fevereiro de 1985 à Secretaria de
Turismo, Cultura e Esporte do Governo do Estado de Pernambuco. Essa proposta
continha um breve histórico da implantação da ferrovia no Brasil e em Pernambuco,
relatando de modo mais detalhado a implantação da Estrada de Ferro Central de
Pernambuco, da qual o trecho Recife/Gravatá fazia parte. O documento trazia
informações importantes como o nome de John Branner, renomado geólogo que foi
responsável pelos estudos que definiram o ‘grade’ onde seriam implantadas as
obras d’arte ferroviárias, e o nome de Eugênio de Melo, engenheiro que projetou o
trecho.
93
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Em maio de 1985, a proprietária do trecho, a RFFSA, foi notificada do tombamento e
forneceu algumas informações como o comprimento exato do trecho tombado, que
era de 76,04km, e o ponto de partida da linha, que era a estação de Retiro9, no
Recife. No dia 17 de junho do mesmo ano, através da publicação de edital em um
jornal de grande circulação (Figura 62), a FUNDARPE tornou público o deferimento
do processo de tombamento, assegurando, desse modo, até a inscrição definitiva no
Livro de Tombo nº 04 de Monumentos, Sítios e Paisagens Naturais, a proteção
equivalente a um bem tombado, conforme estabelecido pelo Decreto Estadual nº
6239 de 11 de janeiro de 1980.
Figura 62: Publicação do edital de tombamento na edição do dia 17 de junho de 19685 no Jornal do Comércio de Pernambuco.
Fonte: Processo de Tombamento da Estrada de Ferro Recife/Gravatá, FUNDARPE, 1986.
Passado o prazo legal para contestação do tombamento, a FUNDARPE encaminhou
para a Diretoria de Patrimônio Histórico (DPH) o pedido de elaboração de uma
análise final do processo. Em 6 de dezembro de 1985, uma equipe técnica da
FUNDARPE formada por 2 arquitetos e 1 historiador10, elaborou um documento bem
9 A estação de Retiro localizava-se entre as estações de Socorro e Coqueiral. Segundo trecho encontrado em
Bonfim (2002, p. 131) transcrito do livro “Jaboatão dos meus avós”, essa estação “servia, apenas, para avisos telegráficos”. 10
Os técnicos responsáveis pelo exame técnico foram Rosa Virgínia de Sá Bomfim (arquiteta/coordenadora do GTPT/DPH/FUNDARPE), Glauciano Marcos de Lima e Silva (arquiteto/responsável pelo parecer conclusivo e o registro fotográfico) e Gerardo Pereira Ramos (Historiador).
94
O SENTIDO DA PAISAGEM |
mais detalhado que o primeiro, contendo uma pesquisa histórica aprofundada,
registros gráficos e iconográficos e um parecer conclusivo atestando a significância
cultural do trecho e a importância do seu tombamento.
A parte final do documento, o parecer conclusivo, é particularmente relevante para
os fins desta pesquisa, pois é nele que os técnicos depositam as justificavas do
tombamento e é nela, portanto, que poderemos entender quais os valores culturais
identificados. Neste caso, as justificativas históricas, econômicas, tecnológicas e
memoriais são preponderantes, como se pode perceber na transcrição do trecho
abaixo:
Muito embora os viadutos originais tenham sido substituídos, estes, ao lado dos túneis da Russinha, merecem ser objetos da proteção do Estado, porquanto integram toda uma ambiência daquelas paragens e formam pela proximidade com que ocorrem, intercalados pelos pontilhões e viadutos, todo um conjunto à memória da Estrada de Ferro em Pernambuco. Pelo seu significado e importância no desenvolvimento da economia do Estado, contribuindo como corredor de riquezas e meio de comunicação, a Estrada de Ferro Central de Pernambuco é, sem dúvida, um marco significativo dos meios de transporte do século passado aos meados do presente século. Assim, somos favoráveis ao tombamento por parte do Estado, do trecho ferroviário entre Recife e Gravatá, preservando às gerações vindouras mais este legado à memória histórica de Pernambuco. (FUNDARPE, 1985, p. 42, grifos da autora).
As expressões ‘desenvolvimento da economia’, ‘meios de transporte’ e ‘memória
histórica’ expressam valores econômicos, tecnológicos, históricos e memoriais,
respectivamente. Apesar de reconhecer o valor tecnológico do conjunto de túneis e
viadutos, o parecer relega as obras d’arte a mera ‘ambiência’ das paragens, dando-
lhe um valor secundário, adjetivo, considerando-os como uma ‘soma’ de objetos
individualizados, ligados apenas por uma relação de ‘proximidade’.
Encaminhado ao Conselho Estadual de Cultura, órgão responsável pelo
tombamento no Estado de Pernambuco, cujo presidente à época era Gilberto de
Mello Freyre, o exame técnico da FUNDARPE foi analisado pelo conselheiro
Reinaldo de Oliveira. Este conselheiro, convencido da importância não apenas
estadual, mas nacional do bem em questão, dá parecer favorável ao pleito,
encaminhando-o à Governadoria do Estado para ser, enfim, homologado o seu
95
O SENTIDO DA PAISAGEM |
tombamento através do Decreto nº 11.238, assinado em 11 de março de 1986 pelo
governador do Estado de Pernambuco, Roberto Magalhães Melo.
O processo de tombamento foi encaminhado pelo Conselho Estadual de Cultura à
FUNDARPE para arquivamento apenas em maio de 1994, quando comunica que o
bem foi inscrito no Livro de Tombo de nº 4, de Monumentos, Sítios e Paisagens
Naturais, sob o número 02 (Figura 63). É curioso o fato deste bem ter sido inscrito
neste Livro, pois indica que o seu entendimento poderia estar vinculado à ideia de
conjunto, contida nas categorias de Sítios e Paisagens Naturais.
Figura 63: Texto de inscrição da Estrada de Ferro Recife/Gravatá no Livro de Tombo nº 4 – Monumentos, Sítios e Paisagens naturais.
Fonte: Conselho Estadual de Cultura.
No entanto, em entrevista realizada no dia 08 de março de 2013, a arquiteta da
FUNDARPE Rosa Bonfim, que coordenou a equipe que fez o exame técnico do
tombamento, disse que naquela época não era costume a FUNDARPE indicar em
qual livro do tombo um bem deveria ser inscrito, isso era decidido internamente pelo
Conselho Estadual de Cultura. Questionado sobre este assunto em entrevista
realizada no dia 24 de janeiro de 2013, o Conselheiro Reinaldo de Oliveira disse não
se lembrar porque a inscrição do bem foi feita no Livro de Tombo nº 04, repassando
a responsabilidade da indicação para a FUNDARPE.
96
O SENTIDO DA PAISAGEM |
O texto de inscrição da Estrada de Ferro Recife/Gravatá existente no Livro do
Tombo nº 04, como mostra a Figura 55, se resume a fazer uma descrição sintética
do bem, fornecendo informações básicas como a extensão da linha e os pontos
iniciais e finais, sem dar quaisquer justificativas da sua inscrição naquele Livro
especificamente. Rosa Bonfim acredita que a inscrição neste livro tenha sido por
causa do seu entendimento como ‘monumento’, e não como sítio ou paisagem
natural, apesar dela reconhecer a paisagem que se pode apreciar a partir da
ferrovia.
[...] na época houve justamente isso, se alertou para esse trecho e realmente, em questão de obras d’arte, na malha ferroviária de Pernambuco esse trecho é o mais importante, talvez por isso tenha se tombado. (Rosa Bonfim, em entrevista concedida no dia 08 de março de 2013, à autora). Talvez porque nesse tinham os monumentos e realmente o que você percebe porque você está num carro de linha em cima do trilho, você percebe mais a paisagem em redor do que o próprio viaduto, entendeu? Só o túnel que quando você passa é escuro aí é diferente, mas quando abre e descortina aquela paisagem... talvez tenha sido escolhido por isso. (Idem).
A análise do processo de tombamento da Estrada de Ferro Recife/Gravatá nos
indica que a dimensão da paisagem era uma questão ainda fora de ‘pauta’ nas
decisões e análises técnicas do Estado na época do tombamento. De fato, na
década de 1980, as discussões conceituais sobre a preservação do patrimônio
cultural ainda estavam muito vinculadas à ideia de monumento isolado e a
preservação de um entorno como ambiência do bem, que não tinha valor em si.
Quando questionada se hoje caberia na inclusão do tombamento um alargamento
do entendimento englobando a questão da paisagem da serra das Russas, Rosa
Bonfim (em entrevista concedida no dia 08 de março de 2013, à autora) disse que
sim, “porque é realmente uma coisa que chama muito a atenção. A paisagem é
muito bonita, porque Pernambuco é plano e aquela serra é diferencial”.
Diante dos desafios que a preservação de bens culturais nos impõe na atualidade, a
visão restritiva e segregada que reduz o bem cultural a um simples objeto, sem
considerar as relações que ele estabelece com o meio onde está inserido, precisa
ser superada. No caso da serra das Russas, a visão e o entendimento segregados
97
O SENTIDO DA PAISAGEM |
no tocante à conservação não se restringem apenas aos seus bens culturais, mas
também aos seus bens naturais.
No ano de 2002, o Governo do Estado de Pernambuco em parceria com a
Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Social (SEPLANDES) e a Fundação
de Desenvolvimento Municipal (FIDEM) lançaram a proposta preliminar do
macrozoneamento do projeto “Eco-via BR-232 – Requalificação Territorial”. Esse
projeto tinha como objetivo principal
Promover a integração do território do entorno da BR-232, trecho Recife-Caruaru e de suas potencialidades através do zoneamento do uso e ocupação do solo, de sorte a facultar um desenvolvimento econômico espacialmente harmônico bem como uma valorização ambiental condizente com o conceito de Eco-via (FIDEM, 2002, p. 7).
A utilização do termo ‘ambiental’ nas propostas foi fundamental para introduzir o
modelo de ‘desenvolvimento sustentável’ e também para enquadrar o projeto da BR-
232 no conceito de “Eco-via”, conceito mais amplo que o simples conceito de
‘corredor viário’. O conceito de Eco-via visou englobar ainda seis temas centrais: o
social, o econômico, o uso do solo, a infraestrutura, o institucional e o meio
ambiente, que dentre outras ações, visava promover a apreciação dos patrimônios
natural e cultural (FIDEM, 2002). Em relação ao zoneamento, a proposta do projeto
dividia a rodovia em três grandes macrozonas: a mata, a serra e o agreste. Essas
macrozonas, por sua vez, foram subdividas em zonas (urbana, expansão e rural),
em setores, áreas especiais ou corredor de requalificação da paisagem (Figura 56).
Para a macrozona serra, a proposta de zoneamento definiu a área da serra das
Russas como sendo a ‘Área Especial 9’ (Figura 64), “onde a preservação do meio
ambiente e da paisagem é prioridade” (FIDEM, 2002, p. 32). Além dos atributos
naturais da serra, o documento também reconhece outros elementos a serem
valorizados como o comércio de frutas ao longo da BR, os condomínios e
restaurantes e a própria rodovia com o novo viaduto que “possibilitará o descortino
de novas paisagens” (FIDEM, 2002, p. 46). Interessante notar que apesar de
reconhecer a ferrovia como um ‘atrativo’, o documento não a identifica como sendo
um elemento de ‘interesse antrópico’, assim como fez com a rodovia.
98
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 64: Mapa do projeto “Eco-via BR-232 – Requalificação Territorial” com destaque para zoneamento referente à zona da serra das Russas.
Fonte: FIDEM/SEPLANDES, 2002.
Além da Área Especial 9, a proposta do projeto da Eco-via BR-232 propôs a
delimitação um outro setor para a proteção da paisagem: o Setor de Proteção da
Paisagem 2 - SPP 2, que localizado na transição entre a serra e a zona urbana de
Gravatá teria como função manter o contraste entre as áreas rurais e urbanas,
admitindo a instalação de equipamentos de apoio ao turismo (Figura 65).
99
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 65: Mapa do projeto “Eco-via BR-232 – Requalificação Territorial”. Em verde mais claro no centro o Setor de Proteção da Paisagem 2 – SPP 2.
Fonte: FIDEM/SEPLANDES, 2002.
No final do ano de 2002 a FADE, em parceria com a FIDEM, elaborou o Plano
Diretor do Município de Gravatá. A análise da proposta de zoneamento tomou o
projeto da Eco-via BR-232 como referência, adotando todas as suas recomendações
para a proteção da paisagem da serra das Russas. Desse modo, o zoneamento do
Plano Diretor Municipal também definiu a serra das Russas como uma Área
Especial, onde deveriam ser “incentivadas atividades compatíveis com a
100
O SENTIDO DA PAISAGEM |
preservação ambiental” (FADE/FIDEM, 2002, p. 69), além de defini-la como uma
Área de Proteção Permanente – APP, pois sendo área de caráter ambiental
relevante, deve ser protegida por lei federal11.
O Setor de Proteção da Paisagem no projeto Eco-Via BR-232 foi renomeado como
‘Zona de Proteção da Paisagem’ pelo Plano Diretor, tendo a mesma função, criar
uma zona de amortização e transição entre a zona rural e urbana, incentivando a
instalação de equipamentos de lazer e turismo numa zona onde a urbanização é
restrita.
Considerando ainda o tombamento estadual e o projeto da Eco-via BR-232 (2002), o
Plano Diretor Municipal de Gravatá, criou ainda no seu zoneamento a “Faixa de
Proteção da Linha Férrea – FPLF”, que se estende aos dois lados da ferrovia, porém
sem dimensões definidas, e tem como objetivo “incentivar a exploração turística da
paisagem” (FADE/FIDEM, 2002, p.69) no percurso entre Pombos e Gravatá. Ou
seja, além da proteção dos elementos ferroviários em si, a faixa pretende ‘explorar’ a
paisagem a partir da ferrovia.
Tanto o projeto da Eco-via BR-232 quanto o Plano Diretor do Município de Gravatá
procuram contemplar os aspectos ambientais e culturais da serra das Russas. No
entanto, é claro que o entendimento de paisagem aplicado em ambos os
zoneamentos está muito mais voltado ao valor ambiental do que cultural. Um
exemplo disso é o tratamento dado à ferrovia, que apesar de ser contemplada com
uma ‘faixa de preservação’ ela não é entendida como um elemento que faz parte da
paisagem, mas como um elemento que limita a zona de paisagem da serra, como
uma espécie de barreira que diz até onde a paisagem alcança.
A questão da preservação de áreas históricas de valor cultural e áreas naturais
surgiu basicamente na mesma época, na década de 1930. No entanto, apesar das
muitas interfaces existentes entre esses dois aspectos, há muitas divergências de
abordagens. Um exemplo muito claro dessa problemática é o trecho ferroviário da
serra das Russas, cujos elementos culturais da ferrovia e os elementos naturais da
11
Código Florestal Lei nº 4.771/65
101
O SENTIDO DA PAISAGEM |
serra são protegidos por instrumentos distintos nos três níveis governamentais
(federal, estadual e municipal). Esses instrumentos abordam e reconhecem os bens
de modo isolado, dentro das suas especificidades, como se o cultural não fizesse
parte do natural e vice-versa, gerindo-os de modo desintegrado e ineficiente.
O tratamento dos dois aspectos, o natural e o cultural, em um mesmo instrumento
poderia significar uma proteção e gestão muito mais eficaz dos elementos que
compõem a paisagem do trecho ferroviário da serra das Russas. A introdução de
uma abordagem de paisagem poderia significar nesse caso a superação da
dicotomia natural x construído e promover um reconhecimento mais ampliado e uma
conservação mais eficaz dos valores culturais e naturais existentes.
***
No próximo capítulo, embasados na noção de paisagem construída no item 1.1 do
primeiro capítulo e com o entendimento de que o patrimônio ferroviário deve ser
estudado no âmbito da paisagem, vamos analisar o conteúdo das entrevistas
realizadas e refletir a partir delas sobre as diferentes relações que as pessoas
entrevistas estabelecem com a ferrovia e a serra das Russas e como essas relações
adquirem sentidos diversos, revelando (ou não) paisagens diversas. Refletiremos
ainda sobre a importância da preservação dos atributos que dão sentido às relações
que as pessoas estabelecem com o meio, pois são esses atributos, materiais ou
imateriais, que transmitem os diferentes sentidos de paisagem.
A SERRA E A FERROVIA: uma relação que dá sentido à paisagem
4 |
103
O SENTIDO DA PAISAGEM |
4 A SERRA E A FERROVIA: UMA RELAÇÃO QUE DÁ SENTIDO À PAISAGEM
Este capítulo tem o objetivo de analisar as entrevistas realizadas com os
especialistas, empresários, gestores e moradores do trecho ferroviário da serra das
Russas. Essa análise, que foi feita à luz da noção de paisagem construída no
capítulo 1, procurou identificar as relações estabelecidas entre as pessoas, a serra e
a ferrovia no tempo e no espaço, refletindo como os sentidos por elas atribuídos se
revelaram ou não como paisagem. O segundo item deste capítulo, por sua vez,
buscou refletir sobre os atributos identificados nos relatos dos entrevistados. No
nosso ponto de vista, são esses atributos materiais e imateriais que carregam os
sentidos atribuídos e, portanto, devem ser objeto de proteção. O último item, à guisa
de conclusão, traz uma síntese das análises e reflexões abordadas no capítulo.
4.1 As relações e os sentidos atribuídos
Assim como eu, as pessoas entrevistadas para a pesquisa estabeleceram relações
distintas com a serra das Russas e com a ferrovia ao longo das suas vidas. Para
alguns entrevistados a relação com a serra era mais forte, enquanto para outros a
ligação com a ferrovia era maior. Mas também foi observado em alguns casos que a
relação com ambas, a serra e a ferrovia, se dava de modo estreito simultaneamente.
Essas relações distintas fizeram com que houvesse envolvimentos em níveis
distintos com o objeto estudado, resultando em construções e entendimentos
variados do que a paisagem revela para cada indivíduo ou grupo de indivíduos.
Abaixo segue o relato dos múltiplos sentidos das paisagens reveladas.
A Foto-Paisagem-imagem...
A noção de paisagem mais presente no senso comum é a paisagem como meio
ambiente. O caráter objetivo e concreto dessa noção, herança da modernidade tão
presente na nossa cultura ocidental, faz com que a paisagem seja apreendida como
algo que está ao alcance da vista, na maioria das vezes uma ‘vista bonita’ da
natureza. Essa antiga noção, comum tanto aos habitantes do campo quanto da
cidade, traz implícita também a questão da separação entre o sujeito que olha e o
104
O SENTIDO DA PAISAGEM |
objeto (o meio ambiente) que é olhado, admirado, contemplado. Esse meio ambiente
(objeto) é, por sua vez, algo distinto do sujeito, que não estando envolvido com ele,
apenas o observa de longe e lhe faz um julgamento de valor, um valor estético,
ligado à sua ideia pessoal de beleza.
Essa tomada consciente da natureza como uma “imagem bela” foi o denominador
comum da interpretação da paisagem feita por uma parte dos entrevistados. Esse
denominador comum, definido por Berque (1994, p. 8-9) como ‘foto-paisagem’,
permite a apreciação de um meio ambiente sem, entretanto, “implicar uma estética
propriamente paisagística”.
De fato, observou-se que no grupo de indivíduos que tiveram mais contato com a
serra das Russas do que com a ferrovia, o sentido da paisagem revelado foi o
sentido da paisagem como natureza, como morfologia do meio ambiente e os
aspectos naturais se sobressaíram mais nos relatos. Em outro grupo de indivíduos,
dos engenheiros ferroviários, apesar do grande contato com a serra, foi a ferrovia
que se sobressaiu nos relatos e assim o denominador comum da foto-paisagem
foram as obras de engenharia e a técnica ferroviária que transformou aquele
território.
Nesse grupo de entrevistados há uma tomada de consciência intelectual do meio
ambiente e do conjunto das suas características objetivas, concretas, mas esta visão
não significa uma consciência de paisagem, não implica no seu envolvimento
emocional com esse meio e consequentemente, na atribuição de sentidos. As
relações estabelecidas por eles são de ordem ecológica e técnica, mas não
simbólicas.
Para um técnico da FUNDARPE, que conhecia bem a serra das Russas e as
estações de Pombos e Gravatá, mas não conhecia o trecho ferroviário em questão,
a paisagem da serra das Russas
[...] é a natureza enquanto vegetação, a natureza enquanto relevo e enquanto composição desse relevo, que não é uma composição apenas de terra. Ela tem elementos de pedra, de granito natural e outros tipos de pedra, de constituição geológica das pedras, que também é uma
105
O SENTIDO DA PAISAGEM |
característica daquele lugar. (Técnico da FUNDARPE, em entrevista concedida no dia 08 de janeiro de 2013, à autora).
Como pode ser observado, a familiaridade com a serra contribuiu para a exaltação
dos aspectos naturais. Quando questionado sobre os elementos mais importantes
do mapa mental por ele elaborado (Figura 66), o entrevistado destaca o trajeto, a
vegetação e a contemplação da paisagem, que para ele é a contemplação da
natureza a partir da linha férrea.
O que eu considero mais importante nesse desenho? Na verdade é o trajeto. O que eu considero mais importante, veja só, é a partida de uma estação para a outra e o intervalo que é a contemplação da natureza. É esse intervalo. Porque quando você parte daqui, no caso de uma viagem de trem, você de alguma forma, querendo ou não, você vai contemplar a paisagem. [...] nesse trajeto o que eu acho importante é justamente a contemplação da paisagem e de toda a vida que ali compõe. (Idem).
Figura 66: Mapa mental de técnico da FUNDARPE.
A relação entre a serra das Russas e a ferrovia nesse caso não é perceptível, pois
para ele só adquire o sentido de natureza. É interessante perceber como a imagem
de uma natureza bela que merece ser contemplada a partir da ferrovia é a chave da
sua interpretação.
106
O SENTIDO DA PAISAGEM |
A paisagem como natureza e a contemplação da ‘paisagem natural’ são questões
presentes também nos relatos de um empresário que atua na área do viaduto
ferroviário Cascavel com a prática de esportes de aventura, mais especificamente
com as trilhas e o rapel. Para este empresário, que não conhece os outros
elementos ferroviários do trecho, a serra das Russas é uma região bonita por causa
da vista que se tem da paisagem sobre o viaduto Cascavel. Quando perguntado
sobre a sua impressão pessoal da área onde fazia o rapel ele disse:
É uma área legal, assim, pra quem gosta de altura. Quando você chega no meio dela, na parte que você faz o rapel, você vê mesmo a altura, você vê toda a paisagem. De um lado você não vê tanto a paisagem porque tem como se fosse um muro e tem um chalezinho. O pessoal sempre fala dessas casinhas, que tem uma visão bonita. Ai desse lado você vê os chalés e do outro lado da ponte você tem uma visão do campo mesmo, as árvores e tal... é uma visão bem legal. (Empresário que atua com esportes radicais, em entrevista concedida no dia 25 de janeiro de 2013, à autora).
O ‘muro’ sobre o qual estão os chalés é, na verdade, a elevação da encosta sul da
serra, onde está a parte mais montanhosa. O ‘outro lado’ é a encosta norte, mais
plana, a partir de onde se descortina uma visão ampla do planalto da Borborema. A
‘visão bonita’ dos chalezinhos e do ‘campo’, de que fala o empresário, são
justamente as visadas da paisagem ilustradas nas Figuras 67 e 68.
Figura 67: Chalés sobre a encosta sul da serra das Russas vistos a partir do viaduto ferroviário
Cascavel.
Figura 68: Encosta norte da serra das Russas vista a partir do viaduto ferroviário Cascavel.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013 Fonte: Foto tirada pela autora, 2013
Como é possível constatar, a relação deste empresário com a serra é mais forte do
que com a ferrovia, justamente por causa do seu ramo de atividade que está mais
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
ligado aos esportes de aventuras em áreas naturais. Quando questionado sobre a
ferrovia, se ela tinha algum significado para ele, mesmo que fosse um significado
profissional, a resposta foi negativa. E se não há envolvimento, a relação não
adquire sentido.
Por outro lado, quando a relação com a ferrovia era mais estreita, principalmente no
caso dos engenheiros ferroviários entrevistados, a questão técnica se sobressaiu e
os aspectos naturais entraram como coadjuvantes à sombra da estrela principal: a
engenharia ferroviária. A “beleza da paisagem” se traduziu na “beleza das obras
d’arte ferroviárias” que foram inseridas de forma harmoniosa em um meio marcado
por muitos obstáculos naturais.
Para um engenheiro da RFFSA entrevistado, a beleza do trecho da serra das
Russas está em dois pontos: no fato da ferrovia ter sido construída toda à mão, dos
túneis terem sido escavados à mão, numa clara reverência às questões técnicas e
construtivas, e pelas ‘vistas’ que ela proporciona, referindo-se à contemplação da
natureza a partir de pontos específicos da serra, a partir de mirantes. Para ele, que
já percorreu mais de dois mil e quinhentos quilômetros da malha ferroviária do
nordeste entre os estados de Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba,
o trecho da serra das Russas é, sem dúvida,
[...] o mais bonito dessas áreas. Eu tenho certeza que é o mais interessante no nordeste. Em relação às vistas que tem, em relação à quantidade de obras d’arte concentradas, em relação ao tamanho dos túneis... Eu acho que aquele trecho, não vou dizer com toda a certeza, é um dos mais bonitos do Brasil, em minha opinião. Deve ter dois ou três que se equiparem a ele, talvez quatro, mas mais do que isso não tem não. (Engenheiro da RFFSA, em entrevista concedida no dia 04 de fevereiro de 2013, à autora).
Para outro engenheiro que foi residente do trecho por 10 anos, a questão da técnica
era e ainda é algo tão marcante, que outros aspectos como características físicas,
estéticas e turísticas, não são relevantes, não são objeto do seu interesse. Quando
questionado sobre os elementos que ele destacaria como mais importantes do
trecho ferroviário da serra das Russas, ele respondeu:
[...] eu sou engenheiro, totalmente voltado para estrada, tanto é que hoje eu estou no DER. Eu nunca olhei as estradas com um olhar assim, vislumbrante com relação ao turismo. Eu achava até ‘não, rapaz, isso aqui é
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
bonito para o turismo e tudo o mais’, mas nunca vislumbrando algo a mais. Entendeu? Sonhando com algo a mais. Não. Ali eu me detia somente na ferrovia, na técnica. Exatamente. E adorei e até hoje ainda adoro a parte de estrada. (Engenheiro residente do trecho, em entrevista concedida no dia 22 de fevereiro, à autora).
Os mapas mentais dos dois engenheiros ferroviários entrevistados ilustram bem
essa relação estritamente técnica entre eles e o trecho ferroviário. Como é possível
observar nas Figuras 69 e 70 o trecho é representado esquematicamente como o
traçado da linha, com pontos de partida e chegada, de forma muito objetiva.
Nenhum outro elemento está associado, nenhuma cor, nenhuma forma mais
expressiva. Também nesses casos, a relação entre a serra e a ferrovia não foi
interpretada como paisagem.
Figura 69: Mapa mental de engenheiro da RFFSA.
Figura 70: Mapa mental de engenheiro que foi residente do trecho ferroviário da serra das
Russas.
Outro empresário entrevistado, este do ramo turístico que atuou por muitos anos na
região com a exploração do trem do forró entre Recife e Caruaru, conhecia a fundo o
trecho ferroviário estudado e tinha uma relação mais estreita com a ferrovia. Para
ele, a relação mais próxima com a ferrovia não se justificava tanto pela questão
técnica ou construtiva das obras d’arte ferroviárias, mas pelo fato de que esse
conjunto de obras ferroviárias era um importante atrativo turístico do trecho por ele
explorado, que o valorizava sob o ponto de vista comercial, como produto a ser
vendido.
Após o acidente ocorrido em 2 de junho de 2000, a 3km da estação de Pombos,
quando o trem com aproximadamente 1.200 passageiros descarrilou, o empresário
passou a promover o trem do forró no trecho entre Recife e o Cabo. Para ele, no
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
entanto, o trecho de Recife a Caruaru era um trecho bem mais interessante
justamente por passar “na serra de Gravatá”, que na sua opinião era “realmente uma
coisa deslumbrante” (Empresário do ramo turístico, em entrevista concedida no dia
16 de janeiro de 2013, à autora).
Não tem comparação porque o trem de Recife para o Cabo vai numa área urbana. E o trem para Caruaru, o gostoso era exatamente isso, que ele estava eternamente numa zona rural. E de quebra você tinha ainda a passagem na serra das Russas, que como você sabe, são 14 túneis, tem dois viadutos imensos, tem viaduto unindo um túnel a outro. Ou seja, aquelas são imagens belíssimas e que em poucos lugares do Brasil alguém vai ter igual. Não é assim? Então isso aí, realmente, o pessoal ficava maravilhado. (Idem).
Como podemos observar no relato acima, além do conjunto de elementos
ferroviários, o entrevistado destaca também as ‘imagens belíssimas’ existentes na
serra das Russas, numa clara alusão às qualidades estéticas da paisagem do
trecho, esta ainda muito vinculada aos aspectos visuais e ao entendimento da
paisagem como coisa cênica, para ser vista. No seu mapa mental (Figura 71),
entretanto, o que fica mais evidente é a relação com a ferrovia e o trem, cujo som
para ele ainda ecoa no lugar.
Figura 71: Mapa mental de empresário do ramo do turismo.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Natural de Recife, mas morador de Gravatá há 5 anos, um funcionário da Secretaria
de Turismo da Prefeitura de Gravatá entrevistado costuma frequentar bastante o
trecho estudado, seja para a prática de esportes de aventura, como o rapel, seja
para visitas de lazer ou técnicas. Para ele, que é turismólogo, a relação entre a serra
das Russas e a ferrovia é muito evidente como podemos constatar no relato abaixo:
Falar da serra das Russas é falar do trem, falar do romantismo de andar de trem, de esperar o trem na estação, dos túneis. Muita gente fala do túnel cascavel, o rodoviário, mas a gente tem catorze túneis ali, 4 ou 5 pontilhões, se não me engano, e isso é nostálgico. Eu acho que tem uma relação muito grande. (Turismólogo da Prefeitura de Gravatá, em entrevista concedida no dia 2 de julho de 2013, à autora).
O curioso, no entanto, é observar no seu mapa mental (Figura 72) como a imagem
que ele tem do trecho está associada a uma vista ‘distante’, como uma imagem de
um quadro pintado, apesar dele conhecer a linha de perto, ter tido a experiência de
percorrê-la a pé. Essa maneira de ‘ver’ e de ‘representar’ o trecho, ao que parece, foi
condicionada pela sua última visita ao trecho ferroviário, feita com a nossa equipe
para a pesquisa de mestrado. O desenho feito pelo técnico se assemelha muito à
fotografia tirada na ocasião da visita de campo em junho de 2013 (Figura 73). Ou
seja, apesar do seu relato apontar a relação, sua representação ainda está ligada à
questão cênica, da vista “bonita”.
Figura 72: Mapa mental de técnico da Prefeitura de Gravatá.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 73: Vista da serra das Russas a partir da encosta norte com os viadutos ferroviários em primeiro plano.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Como falou Berque (1994, p. 1), “a paisagem não é em nada a aparência necessária
de todo meio ambiente”. A paisagem objetiva, representada pela sua feição externa,
é a herança do Renascimento e da modernidade, que lançando um olhar distante
em relação às coisas deste mundo, abstraem-no do sujeito, enfraquecendo as
relações, esvaziando os sentidos.
Essa divisão entre o ponto de vista do sujeito e o objeto (o meio ambiente) é
“fundamentalmente estranho à paisagem” (BERQUE, 1994, p. 14), pois como vimos
no capítulo 1, nem o aspecto objetivo nem o subjetivo podem ser negligenciados já
que “a paisagem não reside nem somente no objeto, nem somente no sujeito, mas
na interação complexa desses dois termos (BERQUE, 1994, p. 5).
Desse modo, para encontrar o sentido da paisagem é preciso ir além da sua
aparente evidência, é preciso ver além daquilo que está diante dos nossos olhos
porque “a paisagem, para usar a expressão de Bernard Lassus, revela um
incomensurável essencialmente estranho ao mensurável do meio ambiente”
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
(BERQUE, 1994, p.2). Esse incomensurável só é revelado quando o sujeito se
envolve e se deixa engajar... é nesse momento que a relação com o meio ambiente
adquire sentido e o sentido revela a paisagem.
Paisagem, relação e sentido...
Percebemos que quando as pessoas entrevistadas possuíam um envolvimento
maior, uma relação mais estreita com a serra e a ferrovia simultaneamente, o meio
ambiente adquiriu um sentido novo, que foi além da conotação puramente ecológica
ou técnica, revelando todo o simbolismo existente no universo de cada pessoa. A
paisagem descrita por esse grupo de entrevistados foi muito mais do que uma
“imagem bonita” da natureza da serra das Russas ou das obras d’arte ferroviárias. A
paisagem para essas pessoas passou a ter cor, cheiro, sabor.
As diferentes relações dos entrevistados com a serra e a ferrovia, que se deu em
escalas e intensidades diferentes e variou conforme as experiências pessoais de
cada indivíduo, variando também no tempo e no espaço, fez com que outros
sentidos fossem revelados.
Cauquelin (2007), diz que a nossa ideia de paisagem é construída ou inventada a
partir das referências culturais que acumulamos ao longo de nossas vidas. Essa
afirmação pôde ser constatada na fala de uma arquiteta do IPHAN que foi
funcionária da Rede Ferroviária por muitos anos e ressaltou que o seu ‘olhar’ sobre
o trecho ferroviário da serra das Russas mudou ao longo do tempo e foi influenciado,
sobretudo, pelas novas visões de mundo proporcionadas pela sua entrada no
IPHAN.
Segundo tal arquiteta, que teve a oportunidade de vistoriar o trecho várias vezes na
sua época de ferroviária, o seu olhar antes era mais “um olhar da logística, da
necessidade de infraestrutura para que o trem tivesse o seu desenvolvimento
atendido” (arquiteta do IPHAN, em entrevista concedida no dia 8 de janeiro de 2013,
à autora). Após ser transferida para o IPHAN e adquirir novas referências
conceituais e culturais, a arquiteta diz que a última vez que visitou o trecho
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
ferroviário o fez com um ‘olhar diferente’, mais fundamentado nos instrumentos de
preservação.
Então foi em uma caminhada, em um outro ângulo de percepção, fui caminhando pela linha férrea, adentrando os túneis, uma visão diferente, uma paisagem descoberta diferente, elementos diferentes sendo descobertos. Não era nem sendo descobertos, eram elementos sendo vistos por outra ótica. Começa a ver já com esse outro olhar. Antes era mais um olhar de operação, necessidade de operação para que o trem tivesse o seu desempenho. (Idem).
A entrada no IPHAN permitiu que as visões, o envolvimento e as relações entre ela
e o trecho ferroviário mudassem, ganhassem outras dimensões, adquirissem novos
sentidos. Para ela, o trecho ferroviário da serra das Russas é um bem cultural, e por
isso precisa ser entendido em toda a sua complexidade e dimensões, o que significa
considerar todos os seus aspectos, sejam eles naturais ou culturais. Segundo ela o
que mais chama atenção é a integração da ferrovia com a serra, a sua relação
harmoniosa que quase a deixa imperceptível na paisagem.
O que mais chama atenção na linha férrea são as obras de arte, não é? A gente vê, na minha percepção, o quanto ela se integra na paisagem. Eu entendo assim. Talvez pelo meu olhar já viciado, que eu já conheci daquela forma aquela paisagem... então ela, no meu olhar ela não agride, os viadutos... ela não tem uma agressão à natureza, ela é esbelta, ela é transparente, quase, na paisagem. (Idem).
No seu mapa mental (Figura 74) fica claro o entendimento sistêmico da ferrovia,
tanto que para ela é impossível vislumbrar o trecho da serra das Russas
desconectado da linha maior da qual faz parte. Na descrição do seu mapa ela deixa
evidente que o sentido da paisagem do trecho ferroviário da serra das Russas se
revela para ela nas diversas relações existentes naquele meio, relações essas que
são de ordem ecológica, técnica e simbólica (BERQUE, 2010).
Eu não consigo ver a serra das Russas separadamente, eu só consigo ver a linha como um todo. Então eu começaria por aqui porque talvez sempre tenha saído de trem, não é? Eu nunca fui de carro, caí aqui e cheguei. Depois é o verde [...]. as montanhas e a paisagem... talvez a vegetação... e aqui evidente as pontes, os viadutos, o trem... a fumacinha... e as pessoinhas aqui dentro do trem... a paisagem é muito forte pra mim, o trem... porque foi através do trem que eu conheci essa paisagem. Ah! E evidente, as obras de arte... tem toda técnica construtiva, que me chama atenção [...] então acho que as obras de arte e as pessoas... não sei se eu colocaria as cidades! É porque a minha percepção é muito de saída
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
daqui sabe? Eu ia pela linha, meu caminho sempre foi por aqui. Minha referência é de linha, não é de estrada. (Idem)
Figura 74: Mapa mental de arquiteta do IPHAN.
A questão da referência da paisagem a partir da linha férrea e não da rodovia vista
no relato mais acima aparece também nos relatos de outros entrevistados. Para um
técnico da FUNDARPE (em entrevista concedida no dia 8 de janeiro de 2013, à
autora), “[...] numa estrada de ferro a gente tem essa visão da paisagem
pernambucana que a gente tá falando, que na estrada comum de asfalto você não
tem”. Uma arquiteta da FUNDARPE (em entrevista concedida em 8 de março de
2013) acredita que a ferrovia seja um excelente ponto de contemplação da
paisagem, pois quando se está nela não se pode ver tanto a linha em si, os viadutos,
“você em cima do trem você não vê isso, você vê o resto”, ou seja, “só a paisagem”.
Um engenheiro ferroviário (em entrevista concedida no dia 22 de fevereiro de 2013)
diz que as paisagens da rodovia e da ferrovia são completamente diferentes, pois
por passar mais embaixo do que o traçado da rodovia, o traçado da ferrovia
proporciona outros pontos de vistas que o nosso olhar, quando passamos de carro,
não está acostumado.
Aquilo que eu falei, ela é totalmente diferente da ferrovia, são paisagens totalmente diferentes. Porque você tá acostumado a passar no carro por um caminho. O caminho da serra das Russas vai estar mais abaixo... O da ferrovia mais abaixo. Por
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ser mais abaixo as vistas são outras. Por quê? Porque de cima a visão não é igual. Você que já andou, você sabe. São coisas totalmente diferentes. As curvas são outras, você não tem viadutos na rodovia, tanto é que a rodovia, só a nova, foi que botaram um viaduto. Mas na velha não tem, na de cima. Mas na de baixo tem, e é cheio. Então eu não poderia chegar para você e dizer um destaque. Porque é o seguinte, o que a vista cansa de ver, se acostuma. [...]. O que a vista sempre vê, acostumou, tornou-se elemento do lugar. Mesma coisa é a serra, mesma coisa é a rodovia. Você tá tão acostumado a passar por aquela rodovia que a vista cansou, a vista se acostumou a ver sempre aquela paisagem. Quando você muda para a ferrovia é outra, é uma descoberta. Entendeu agora? É totalmente diferente. Olhe, eu passei dez anos ali e eu descobria coisas ainda. Se eu for passar hoje eu ainda vou descobrir coisas, ainda vou descobrir coisas. Por isso que eu estou mostrando isso a você. Mas da rodovia não, de tanto que se passa. Repito, se você for ver uma pedra, um pedaço de pau, qualquer coisa assim, torna-se elemento do lugar. A rodovia tornou-se elemento, a visão, toda aquela paisagem ali tornou-se elemento, deixou de ser novidade. Já a ferrovia não. É isso ai que eu posso dizer. (Idem)
Segundo um arquiteto do IPHAN (em entrevista concedida no dia 16 de janeiro de
2013) essa percepção diferenciada da ferrovia está diretamente relacionada à
“velocidade de locomoção e ao tempo de percepção do lugar da paisagem”.
Fazendo um paralelo entre o trem e o carro, onde as velocidades são
completamente diferentes, este técnico, citando Nelson Brissac Peixoto, chama
atenção para a questão da necessidade do ‘retardamento do olhar’, pois é esse
retardamento que permite a percepção, a apreensão da paisagem.
[...] muitas vezes em uma velocidade x, na rapidez que é a nossa prática contemporânea, a gente passa pelos lugares, mas não percebe. O trem ele permite esse cadenciamento do olhar. (Idem)
O arqueólogo e historiador da empresa GRAU, que participou do Inventário do
Patrimônio Ferroviário, foi o único que no seu mapa mental representou a rodovia
(Figura 75). Para ele, além da linha férrea e das obras d’arte ferroviárias, outros dois
elementos são característicos da paisagem do trecho ferroviário da serra das
Russas: a pedra granítica que forma os paredões na serra e as plantações de
abacaxi, que impregnam com o seu cheiro, o lugar.
Na serra das Russas tradicionalmente tem aquela cultura do abacaxi que todos os viajantes que passam ali no local compram, tanto o abacaxi quanto o morango e algumas outras frutas. Tem a questão muito incisiva do granito, da parte do granito na paisagem ela se destaca bem pelas formações graníticas da paisagem. Tem toda a história da linha férrea que fazia a ligação de Recife a Salgueiro, que corta o Estado, fatiando o Estado ao meio. E aí algumas pontes de relevância, que o pessoal, inclusive, faz
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
rapel e ‘bung jump’, essas aventuras na área. (Arqueólogo da empresa GRAU, em entrevista concedida em 22 de janeiro de 2013, à autora).
A estrada BR 232, nem por isso, só me lembro do túnel que era Cascavel, mas que mudaram o nome do túnel, que eu achei um absurdo porque deveria ter conservado o nome em referência à estrada de ferro. (Idem).
Figura 75: Mapa mental de arqueólogo da empresa GRAU.
A questão da cultura do abacaxi também aparece de forma evidente nos relatos de
uma arquiteta da FUNDARPE. Para ela a venda da fruta em barraquinhas ao longo
da rodovia BR-232 é uma característica marcante do lugar e já virou tradição para os
viajantes pararem em algumas delas e degustar o fruto mais típico da região. No seu
mapa mental (Figura 76) ela destaca, além da serra e da ferrovia, as plantações de
abacaxi, como é possível observar no canto esquerdo inferior da imagem.
Aí eu vou fazer a serra das Russas assim, porque a gente vê serras de serras e a gente vê a paisagem lá embaixo. Aí o viaduto da ferrovia passa aqui embaixo. E ai você fica vendo esses morrinhos todos. Pronto eu lembro isso. O que mais eu posso colocar aqui? Os pés de abacaxi. (Arquiteta da FUNDARPE, em entrevista concedida no dia 20 de fevereiro de 2013, à autora).
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 76: Mapa mental de arquiteta da FUNDARPE.
Para o arquiteto que coordenou o Inventário do Patrimônio Ferroviário de
Pernambuco pela empresa GRAU, o sentido da paisagem da serra das Russas
também está nas relações entre os diferentes elementos que a compõe e para ele
as relações são de ordem técnica, por causa da linha férrea, ecológica, por causa da
serra e dos elementos naturais, e também simbólica, representadas pelas
plantações de abacaxi e as construções vernáculas. O sentimento de nostalgia com
relação ao trem também está presente no seu relato, mas não entra na sua
representação, pois, por não ter tido a oportunidade de presenciá-lo em circulação
na serra, ele não consegue visualizá-lo na sua paisagem (Figura 77).
Eu acho que uma das coisas é a serra, né? Então como é que a gente poderia representar essa serra? Tem a serra, tem o pontilhão... Aquele maiorzão. O cascavel. Tem o próprio túnel... eu não to aqui representando ‘o túnel’, mas os túneis. E aí eu acho que faz parte também as casinhas, as próprias plantações de abacaxi [...] pena que não tem o trem passando, né? Isso eu não vi na paisagem ainda. [...] tem umas vaquinhas também, um cachorrinho... aí eu acho que são todos esse elementos que fazem parte desse local, os bichos... (Arquiteto da empresa GRAU, em entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2013, à autora).
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Figura 77: Mapa mental de arquiteto da empresa GRAU.
No livro “Cinco Proposições para uma teoria da paisagem” Berque (1994, p. 26-27)
afirma que a paisagem é “uma entidade relacional que engaja toda a nossa
sensibilidade” e que “só aparece em determinadas condições”. Mas, quais seriam
essas condições?
Acreditamos que a principal condição para perceber a paisagem é se sentir parte
dela, é envolver os sentidos e também o intelecto. Quando nos engajamos com a
paisagem, ela adquire sentido e se torna parte de nós, da nossa história pessoal
como veremos a seguir.
Paisagem afetiva...
A paisagem não existe fora de nós, que também não existimos fora de nossa paisagem. É porque falar da paisagem é sempre um pouco uma autorreferência (BERQUE, 1994, p. 27).
No conjunto dos especialistas entrevistados, um arquiteto do IPHAN foi aquele onde
a relação entre a serra das Russas e a ferrovia se revelou mais impregnada de
sentidos. Ele contou que a sua relação com a ferrovia se deu primeiro na
imaginação, ouvindo as histórias que o seu pai contava das viagens de trem que
havia feito entre Recife e Gravatá, passando pelos túneis e viadutos da serra das
Russas. Sendo natural de Gravatá e tendo morado próximo à linha férrea, este
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
arquiteto também pôde estabelecer uma relação física mais próxima com a ferrovia e
o trem, que lhe despertava um grande fascínio.
Antes o trem era pra mim um grande mistério, porque eu via os meus pais falarem que viajar de trem era uma coisa muito legal, a linha do trem passava ao lado da minha casa em Gravatá e eu gostava de ver o trem passar. Me fascinava a máquina, mais do que o trilho, mais do que as edificações associadas à ferrovia. Esse era o meu sentimento de criança. E o mistério era tão grande que eu achava que a um certo momento podia ter aquilo mais próximo de mim. Porque o trem sempre passava, sempre passava, sempre passava pela minha casa. Eu achei que inalteravelmente ele podia parar. Aí eu testei em colocar uma agulha na linha do trem, roubei uma agulha de costura de mamãe, para ver se o trem virava. Eu não tinha nenhuma noção do perigo, do desastre que poderia... da catástrofe, não é? Mas talvez fosse somente o desejo de fazer ele parar ali perto e ter esse contato mais próximo. (Arquiteto do IPHAN, em entrevista concedida no dia 16 de janeiro, à autora).
A relação mais direta com a serra das Russas veio anos mais tarde quando na
universidade teve a ocasião de cursar uma disciplina de fotografia, cujo trabalho final
era elaborar um ensaio fotográfico a partir de uma imagem de referência. A imagem
escolhida por ele foi uma fotografia dos arquivos de família onde se via as suas duas
tias-avós juntamente com outros dois amigos colhendo flores no percurso da linha
férrea na serra das Russas (Figura 78).
Figura 78: Imagem de pessoas colhendo flores no trecho ferroviário da serra das Russas.
Fonte: Autor desconhecido. Acervo pessoal de Fábio Cavalcanti.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Essa imagem, que lhe serviu de referência para o ensaio fotográfico e que lhe
despertou o interesse em desenvolver o tema da leitura da paisagem da serra das
Russas no seu Trabalho Final de Graduação no Curso de Arquitetura, se tornou um
marco referencial tão forte, que quando questionado durante a entrevista sobre o
cheiro que a paisagem do trecho ferroviário da serra das Russas lhe remetia ele
respondeu:
Ah, é o cheiro do abacaxi. Cheiro do abacaxi, cheiro de jasmim. [...] Porque jasmim tá associado às minhas tias-avós. É muito presente pra mim esse cheiro. Eu me lembro da coleta de flores, ainda que eu não tenha participado, mas a primeira imagem pra mim, que me motivou a fazer o trabalho é essa. E cheira a jasmim. (Idem)
Cauquelin (2007) fala que a nossa percepção de paisagem gira em torno de um
elemento de referência que orienta essa percepção. Esse elemento, cuja origem
pode nunca ser completamente conhecida, funciona como uma moldura que orienta
o nosso olhar, olhar que estará sempre impregnado da herança cultural que
carregamos e por isso, jamais estará livre de esquemas mentais pré-concebidos.
Para o arquiteto do IPHAN, a imagem das tias-avós serviu como esse elemento de
referência, essa moldura que orientou as suas percepções, as suas interpretações.
As diferentes experiências vividas por este técnico no tempo e no espaço fizeram
com que a serra e a ferrovia tivessem uma relação tão forte para ele, que já não é
mais possível dissociar uma da outra. Foi por meio da ferrovia que ele conheceu a
serra das Russas e foi na serra das Russas que a ferrovia ganhou novos sentidos.
Eu acho que são as duas coisas pra mim. Eu não consigo pensar em ferrovia desassociada da serra das Russas. (Idem). Eu acho que talvez a ferrovia tenha mais significado por ela ter existido na serra das Russas ou as duas coisas ao mesmo tempo, porque foi lá que conheci a ferrovia. (Idem). Esse foi o primeiro significado. Mas da ferrovia minha primeira relação talvez tenha sido muito mais trem e linha férrea. E ferrovia como sistema associado à serra das Russas. Uma coisa feita para a outra. (Idem).
Essa relação imbricada fica muito visível no seu mapa mental (Figura 79).
Comparando metaforicamente a linha férrea à uma linha de costura, ele diz que a
serra das Russas é como se fosse um tecido que foi costurado com bastante
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
esforço. As imagens dos ‘nós’, ‘alinhavos’, ‘perfurações’ e ‘enrugamentos’ presentes
em um tecido costurado sintetizam analogamente os ‘viadutos’, ‘túneis’ e o ‘relevo’
do trecho de serra. Sua imagem não é em 2D, mas em 3D, amassada, enrugada,
ondulada como a serra.
Figura 79: Mapa mental de arquiteto do IPHAN.
Na descrição da paisagem da serra das Russas os aspectos materiais e imateriais
são apresentados simultaneamente por ele, pois para ele não há separação entre o
que se vê e o que se sente, entre aquilo que é tangível e o que é intangível, entre a
dimensão física e a dimensão sensitiva. Tudo está em relação, em “trajecção” como
fala Berque (2012).
A primeira imagem que vem na minha cabeça como informação de referência, como o marco referencial são os catorze túneis e os sete viadutos. Então sempre que eu me reporto à área eu falo que é uma área de trecho de ferrovia que contém catorze túneis escavados na rocha e sete viadutos passando sobre os despenhadeiros. (Idem)
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
O cheiro do abacaxi. O cheiro e a textura dessa paisagem. É muito característico da região da serra das Russas, as plantações de abacaxi. Que as vezes tornaram-se lanche. (Idem) É a sombra, é a altura, é o vento, é o espinho, é o maribondo... (Idem). [...] Bem, mas tudo isso, essa percepção talvez esteja mais relacionada à uma percepção espacial, relacionada à sensação que me remete toda vez que eu passo por perto desse lugar. Então não tem uma vez, ainda que na rodovia, eu passe pelo trecho da serra das Russas, que eu não perceba a mudança na atmosfera, no clima, na ambiência. É muito característico pra mim, é muito presente. [...] Essa ambiência, essa atmosfera, porque é clima, porque é vento, porque é sombra, porque é aridez, porque é altura, porque é tensão... Porque a presença ou a ausência do trem para mim ainda causa uma certa tensão porque aquela paisagem me parece sempre no limite do possível e do acontecimento. É como se o trem estivesse prestes a voltar. É como se a ponte estivesse lhe avisando do risco de cair. É como se o túnel lhe estivesse advertindo sobre a escuridão. (Idem).
Para este arquiteto do IPHAN a paisagem da serra das Russas é antes de tudo uma
paisagem sensorial porque ele estabeleceu com ela uma relação de afeto, uma
aproximação afetiva. Essa aproximação lhe permitiu olhar a paisagem não apenas
por meio do seu intelecto, da sua visão de especialista, mas, sobretudo, por meio
das suas sensações, do seu coração.
Então para mim aquele lugar tem uma relação de afeto. Então é sensação. Que eu tenho certeza que é diferente para cada um que vai com um olhar específico, porque sente de forma diferente. Porque tem uma relação outra. Por exemplo, provavelmente a relação do morador com a serra das Russas não é pior nem é melhor, é somente uma outra relação. (Idem)
De fato, as entrevistas realizadas com os moradores mostraram que as relações
estabelecidas por eles com a serra e a ferrovia são distintas daquelas estabelecidas
pelos especialistas. Diferentemente do habitante comum, o especialista apreende a
paisagem de modo diverso. Com o uso de mecanismos mais racionais eles
conseguem elaborar formulações objetivas e ter uma concepção mais explícita e
clara do que possa ser paisagem. Para o indivíduo que tem contato direto e
cotidiano com a paisagem, no entanto, ela é uma espécie de ‘evidência implícita’, ou
seja, ele não consegue dar ‘explicações elaboradas’ nem fazer ‘formulações
conceituais’ a seu respeito (CAUQUELIN, 2007). A percepção, quando acontece, se
dá de modo inconsciente.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
A paisagem “é uma invenção sempre nova da realidade” (BERQUE, 1994, contra
capa) e por isso, pode ser apreendida ou não pelos indivíduos que com ela
estabelecem relações distintas no tempo e no espaço. A paisagem nem sempre é
evidente, portanto, duvidar é preciso (BERQUE, 1994).
Paisagem?
No texto “Abordagens do conceito de paisagem” Henri Cueco (1995) relata sua
surpresa ao perceber numa conversa informal com o seu vizinho Louis Y, um
agricultor aposentado, que ambos não estão dizendo a mesma coisa quando falam
de paisagem.
Para Cueco (1995) a paisagem que se apresentava diante dos seus olhos era
qualificada em virtude de referências puramente estéticas que o seu vizinho nem
sequer sonhava que existissem. Para Louis Y, a paisagem estava muito mais ligada
à sua relação concreta com aquele território, uma relação que fazia com que as
qualidades associadas à paisagem estivessem mais ligadas à função do que à
beleza. Na cultura daquele simples camponês, a “paisagem bonita ou feia” poderia
ser tranquilamente substituída pelo “campo bom ou mau”.
O que as observações empíricas de Cueco (1995, p. 168) mostram é que as noções
eruditas de cultura que os especialistas e intelectuais normalmente usam para definir
paisagem “não correspondem a nenhuma vivência habitual das pessoas”. As
pessoas, que vivem inseridas na paisagem, normalmente não estão habituadas a
pensar sobre ela, a fazer elaborações intelectuais sobre as suas qualidades,
simplesmente a vivem. Cueco (1995, p. 176) afirma que “a paisagem não existe, é
preciso a inventar”. Mas diante de uma afirmativa tão contundente certamente os
moradores daquele trecho ferroviário se questionariam: é preciso mesmo?
Para os moradores de Pombos, a percepção da relação entre a serra e a ferrovia é
muito tênue ou até inexistente. Para eles essa relação não ganha o sentido de
paisagem. Um exemplo dessa questão podemos encontrar na entrevista realizada
com uma moradora do entorno da estação de Pombos. Para ela a relação com a
ferrovia é forte, pois o seu esposo foi ferroviário e os seus filhos foram criados ali no
124
O SENTIDO DA PAISAGEM |
entorno da estação. Quando questionada sobre o trecho da serra das Russas a
moradora falou que já tinha passado de trem por lá algumas vezes e apesar de dizer
que tinha achado o trecho “muito bonito” (em entrevista concedida no dia 26 de
junho de 2013, à autora), ela não soube dizer quais elementos possuíam essa
beleza. Desse percurso na serra ela diz se lembrar apenas dos túneis e do viaduto
Cascavel, além dos trilhos e dos homens trabalhando na linha. Como se pode
observar, a ferrovia é a grande referência da moradora. Nenhum elemento natural
da serra foi mencionado, nem mesmo a vegetação. Para ela a paisagem do trecho
ferroviário da serra das Russas não se manifesta nem mesmo como paisagem
natural. Simplesmente não existe.
Para outra moradora, residente da antiga casa do agente da estação de Pombos há
35 anos, a relação com ferrovia está mais presente porque foi lá, no entorno da
estação, que ela viveu 40 anos da sua vida, se casou com um ferroviário e criou os
seus dois filhos, hoje em dia também funcionários da ferrovia. Diferentemente da
outra moradora entrevistada, ela conseguiu estabelecer uma relação com a serra
das Russas, uma relação que, contudo, não está associada à ferrovia. Para ela a
serra é antes de tudo um lugar perigoso por causa dos acidentes de automóvel.
Quando questionada se achava a serra bonita a moradora respondeu:
[...] eu acho bonita a paisagem dela. Porque você chega e vai subindo e já toma um ar diferente, não é? Um ar puro. Porque onde a gente respira não é um ar muito puro porque tem a poluição da cidade. Já na serra das Russas você vai subindo e vai sentindo aquele ar puro, aquele vento livre. Eu acho muito bom da serra isso! É muito bom a serra das Russas. (Moradora do entorno da estação de Pombos, em entrevista concedida no dia 26 de junho de 2013, à autora).
É curioso perceber no relato acima que para a moradora a beleza da paisagem da
serra das Russas não está ligada à valores estéticos, mas a valores morais, à
concepção que ela tem de bem estar. Nesse caso o que é ‘belo’ se confunde com o
que é ‘bom’.
Na entrevista realizada com o Secretário de Turismo da Prefeitura de Pombos, que
também é morador da região, ficou evidente a inexistência da relação entre a
ferrovia e a serra das Russas, o que consequentemente limitou a sua percepção da
paisagem do trecho a partir dessa relação. No mapa mental elaborado por ele
125
O SENTIDO DA PAISAGEM |
(Figura 80) a relação com a ferrovia parece se manifestar de maneira mais intensa
porque na sua representação aparecem apenas a linha férrea, a estação, o clube da
cidade e um túnel que fica localizado no município de Pombos. A serra e os demais
elementos ferroviários existentes no trecho não foram contemplados no seu
desenho.
Figura 80: Mapa mental de técnico da Prefeitura Municipal de Pombos.
No entanto, apesar de não ter sido contemplada no desenho, o técnico da prefeitura
relatou na entrevista que a sua relação com serra das Russas é permeada por
lembranças dolorosas, pois foi lá que ele perdeu alguns parentes vitimados em
acidentes automobilísticos. A imagem que ele tem da serra é de um lugar perigoso,
mas também bonito por causa do clima e da vegetação. Sua percepção de
paisagem está associada às características físico-ambientais.
Para os moradores de Gravatá, a relação entre a serra e a ferrovia se mostrou mais
estreita, mas ainda assim não se revelou como paisagem. Para uma moradora da
comunidade Manibu que fica ao longo da linha férrea perto do seu cruzamento com
a BR-232, a relação com a ferrovia teve início na infância quando a linha férrea era
usada como caminho para chegar ao Ladrilho, sítio localizado na zona rural de
Gravatá onde morava a sua irmã.
126
O SENTIDO DA PAISAGEM |
[...] nós íamos para o Ladrilho, que minha irmã morava no Ladrilho, um sítio lá embaixo. E a gente ia a pé pela linha do trem. Passava a pé por dentro dos túneis, túnel 11, túnel 14... Nós andávamos na linha do trem e andávamos com medo, né? Do trem vir e a gente tá ali. Eu era pequena na época, tinha 11 anos de idade. (Moradora de Gravatá, em entrevista concedida no dia 2 de julho de 2013, à autora).
Tendo passado muito tempo fora de Gravatá e retornado há apenas dois anos, a
moradora diz que achou tudo muito diferente porque muitas casas foram construídas
ao longo dos anos, inclusive a dela, que se encontra literalmente sobre a linha férrea
(Figura 81). Apesar de ter muitas lembranças do trem e de demonstrar empolgação
quando relata as suas memórias, quando questionada se gostaria que a ferrovia
voltasse a funcionar a moradora (idem) respondeu que: “gostaria, mas que não
mexesse com a gente. Porque se ela passar aqui não vai ter que tirar a gente? Vai
ter que mexer com os moradores. Gostaria que passasse em outro lugar, mas aqui
não”.
Figura 81: Casas sobre a linha férrea na comunidade Manibu, Gravatá.
Fonte: Foto tirada pela autora, 2013.
Para esta moradora a relação entre a ferrovia e a serra não existe. Quando
perguntamos se ela conseguia imaginar a serra das Russas sem a ferrovia e ela
respondeu: “consigo porque a gente não vê mais o trem. Tanto faz a ferrovia tá ou
não tá, dá no mesmo, porque não tem ferrovia, não tá ativada. Aí nem lembro muito
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
mais”. O trem nesse caso aparece como um elemento crucial para que essa relação
entre a serra e a ferrovia seja estabelecida, pois carregado de simbolismo, o trem
por si só tem o poder de estimular o imaginário, estabelecer vínculos, despertar os
sentidos.
No caso de outra moradora da comunidade Manibu, que mora lá desde que nasceu
há 37 anos, a relação com a ferrovia é mais forte. Por ter sido criada às margens da
linha férrea a moradora ainda tem muito presente na sua memória a imagem do trem
em circulação. Quando questionada se gostaria que o trem voltasse a trafegar ela
respondeu:
Gostaria, porque só era mais bonito quando o trem passava. Passava meio mundo de gente, tudo alegre no final de semana, no meio de semana era o de carga... Pronto, era mais bonito por isso. A linha ficou do mesmo jeito, só que assim, não passa mais trem, não passa mais troler, não limparam mais, deixam arriar as barreiras, entendeu? Aí ficou uma coisa feia e não é mais do jeito que era. (Moradora de Gravatá, em entrevista concedida no dia 2 de julho de 2013, à autora). Era bom demais quando passava o trem. A gente se lembra, assim, eu conto para as meninas que o trem passava. As pessoas perguntam também: ‘passava trem?’, eu digo: ‘passava’. Chega dava aquela emoção dentro da gente. (Idem).
Quando questionada sobre a serra das Russas, a moradora disse que para ela é
mais bonito o viaduto Cascavel. Fora isso “você vai encontrar túnel, matagal... só
isso mesmo. Morcego, marimbondo...” (idem). Foi observado que a relação entre a
serra e a ferrovia para a moradora existe, mas de maneira muito tênue, inconsciente,
como mostra o seu mapa mental (Figura 82). Nele ela representa o trecho ferroviário
da serra das Russas por meio de um pé de manga e da linha férrea, dois elementos
que representam a serra e a ferrovia respectivamente.
128
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Figura 82: Mapa mental de moradora de Gravatá.
É interessante também observar no relato da moradora a relação de conflito
existente entre a comunidade e a BR-232. Segundo ela a duplicação da BR, que
passa ao lado da sua casa, só trouxe insegurança e intranquilidade, tanto por causa
dos acidentes de automóveis quanto por causa da violência urbana. A comparação
entre a ferrovia e a BR torna-se inevitável para ela, que entende a rodovia como algo
negativo, enquanto a ferrovia é recordada com afeto e apreço.
É muito ruim sem o trem, mas a gente já se acostumou um pouquinho. Porque quando o trem passava era bonito demais, entendeu? Porque a gente corria para ver os matos, o trem, a zuada do trem, quando a gente tava na linha a gente corria para dentro do mato e via quando o trem passava. Aí agora ficou mais difícil da gente ver... E é muito diferente dos carros para o trem. [...] Por causa do cheiro quando o trem passava... Ele deixava um cheiro de óleo, de combustível. Aí ficava aquele cheirinho. Mas o carro não, o carro só faz bater. E o trem era muito diferente. Eu tenho saudade. Se o trem voltasse era bom demais... (Idem).
Como pudemos constatar no relato das entrevistas, todos os seres humanos são
sensíveis ao meio ambiente e podem estabelecer com ele algum tipo de relação
(BERQUE, 1994), mesmo que essa relação seja apenas intuitiva. O meio ambiente
nos provoca, nos toca, nos desperta os sentidos e muitas vezes não nos faz pensar,
mas apenas sentir, experimentar. Todas as pessoas entrevistadas, sem exceção,
129
O SENTIDO DA PAISAGEM |
quando questionadas sobre as sensações que a serra das Russas lhes despertava
foram capazes de responder. Umas expressaram essas sensações de forma mais
intensa, com riqueza de detalhes, enquanto outras tiveram até certa dificuldade em
se expressar, mas de todo forma puderam dizer algo.
No entanto, apesar de poder sentir, algumas pessoas não conseguiram interpretar
as relações que estabelecem com o meio como paisagem. Isso acontece porque a
paisagem, diferentemente do meio ambiente, requer de nós um pouco mais, requer
o nossa disposição em sair de nós mesmos e ir ao seu encontro (DANTAS &
SOUTO MAIOR, 1993). Nós é que precisamos tocá-la, não apenas com os nossos
sentidos, mas também com o nosso intelecto e o nosso coração.
A análise das entrevistas nos mostrou que a percepção de um determinado meio
como paisagem está diretamente ligada ao tipo de relações que estabelecemos com
este meio. Quanto maior e mais próxima for a nossa relação de afeto com os
diversos elementos de um meio, maiores são as chances de estabelecer conexões e
atribuir sentidos.
No caso do nosso estudo o foco da percepção da paisagem esteve voltado para
uma relação muito específica, a relação entre a ferrovia e a serra. Como vimos, para
alguns entrevistados essa relação simplesmente não existe, para outros ela existe,
mas não se manifesta como paisagem. No entanto, para alguns entrevistados essa
relação é clara e ganha o sentido de paisagem, uma paisagem impregnada de
memórias e lembranças, cheiros e sons, texturas, cores e afeto.
4.2 Os atributos que dão sentido às relações
No processo de tombamento da Estrada de Ferro Recife/Gravatá o trecho da serra
das Russas é considerado exemplar devido à quantidade de obras d’arte existentes,
consideradas marco da engenharia ferroviária no estado e no país. A análise das
entrevistas nos revelou, contudo, que os atributos identificados no tombamento são
apenas uma pequena parte da variada gama de atributos materiais e imateriais
existentes no trecho estudado. O quadro abaixo (Quadro 01) traz uma síntese dos
atributos identificados nos relatos dos entrevistados.
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
Quadro 01 – Atributos identificados no trecho ferroviário da serra das Russas pelos entrevistados.
Atributos Físico-
ambientais Atributos Histórico-
culturais Atributos Imateriais
Especialistas IPHAN
Hidrografia, vegetação, fauna, flora, relevo, clima,
características topográficas
Moradias, plataformas, linha férrea, viadutos,
túneis, trilhos, estação de Pombos, Estação de Gravatá, estação de
Russinhas, estação de Cascavel, plantações de
abacaxi
Manifestações, cheiro do abacaxi, cheiro do mato, vistas, técnica construtiva ferroviária, trem do forró,
história oral, memória ferroviária, fumaça do
trem, altura
Especialistas FUNDARPE
Mata atlântica, relevo, vegetação, topografia, pedra granítica, fauna, clima, vales, morros
Trilhos, dormentes, cravos, pregos, viadutos,
túneis, linha férrea, plantações de abacaxi
Vistas, som, fumaça,
cheiro do lugar, cheiro do trem, altura,
Especialistas
GRAU
Topografia, vegetação nativa, morros, fauna, formações graníticas
Ferrovia, túneis, pontilhões, linha, trilho, casinhas vernáculas,
plantações de abacaxis, estrada carroçável,
Processos construtivos da linha férrea, cheiro, som
Especialistas
RFFSA
Mato selvagem
Conjunto das obras d’arte, túneis, viaduto
Cascavel, estrada, ferrovia, trem,
Vistas, técnica
construtiva, beleza paisagística
Empresários
Serra
Túneis, viadutos, casas, chalés, trilhas
Vista da paisagem, cheiro
do mato
Moradores de
Pombos
Vegetação, Trem, túneis, ponte
cascavel, trilhos, estação
Trem do forró, cheiro das
plantas, beleza
Moradores de
Gravatá
Açude cascavel, mato, matagal,fauna,
vegetação, caatinga
Túneis, ponte cascavel, linha do trem, trem, ferrovia, estação,
pontilhões
Vistas, cheiro, som do
trem
Síntese dos
atributos identificados nos diversos
grupos
Vegetação, relevo, fauna, flora, clima, geologia do solo
(granito)
Ferrovia (traçado, trilhos, túneis, viadutos,
estações, trem), plantações de abacaxi, arquitetura vernácula,
Técnica construtiva
ferroviária, cheiros (do mato, do abacaxi e do trem), trem (trem do
forró, fumaça do trem, som do apito), visadas
da paisagem
No quadro acima podemos observar que além dos atributos histórico-culturais
relacionados estritamente à ferrovia, existem outros atributos que também
pertencem a essa categoria e que não dizem respeito apenas ao universo
ferroviário. Um conjunto significativo de atributos físico-ambientais e de atributos
131
O SENTIDO DA PAISAGEM |
imateriais também foi identificado, mostrando que o trecho ferroviário da serra das
Russas não se limita apenas ao conjunto das obras d’arte ferroviárias, mas engloba,
sobretudo, toda a realidade que lhe circunscreve, seja ela de ordem material ou
imaterial.
Os atributos físico-ambientais dizem repeito ao relevo característico da serra, com
os vales, elevações e depressões, formando uma topografia ondulada. A vegetação
exuberante, vegetação de caatinga e resquícios de mata atlântica, foi um atributo tão
recorrente nos relatos dos entrevistados que quando questionados sobre a cor que a
serra das Russas lhe remetia a cor ‘verde’ foi quase unânime. A questão da pedra
que forma os conhecidos paredões na serra, o clima frio por causa da altitude, a
fauna representada pelas vacas que pastam nos campos, pelos maribondos e
morcegos existentes no interior dos túneis, também foram atributos mencionadas
pelos entrevistados.
Na categoria de atributos histórico-culturais, além dos elementos ferroviários já
conhecidos como a linha férrea, os trilhos, os dormentes, os viadutos, os túneis e as
estações, foi constatado que as plantações de abacaxi e as casas vernáculas
também são entendidas como elementos característicos que contribuem para formar
a personalidade do lugar. De fato, quando questionados sobre o cheiro que a serra
das Russas lhe inspirava, muitos entrevistados responderam: “cheiro de abacaxi”.
Por fim, os atributos imateriais foram traduzidos pelos cheiros, sons, sensações,
vistas, saberes (técnicas construtivas ferroviárias), pelo trem do forró, pela
lembrança da fumaça do trem, do seu cheiro (cheiro de combustível) e do seu som
(apito). A imagem do trem foi mais recorrente entre os moradores de Pombos e
Gravatá que sentem a sua ausência e anseiam pela sua volta. A ausência do trem
significou e ainda significa a perda das relações simbólicas e afetivas entre a
população e a ferrovia.
No nosso ponto de vista é esse conjunto de atributos físico-ambientais, histórico-
culturais e imateriais que transmite os sentidos identificados nos relatos dos
entrevistados e por isso, devem ser de alguma forma tutelados. Entendemos que a
sua conservação significa a manutenção das condições necessárias para que as
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
pessoas continuem estabelecendo e reestabelecendo relações com aquele meio,
atribuindo-lhe novos sentidos e com isso, garantindo a perpetuação da memória
coletiva.
4.3 Os sentidos das paisagens
A paisagem, como foi visto, não é apenas um dado objetivo, e por isso, não pode ser
confundida com o meio ambiente que nos circunda. Por ser reflexo direto da nossa
visão de mundo, a paisagem é assumida por muitos teóricos como uma noção que
depende das nossas referências culturais para existir, ou seja, ela é uma invenção
cultural. Mas, ao contrário do que possa parecer, a paisagem não é uma ilusão
subjetiva, fruto da nossa imaginação. Ela é, antes de tudo, uma relação concreta
que estabelecemos com um determinado meio, uma relação que é impregnada de
sentidos.
São esses sentidos que permitem que a paisagem se manifeste para nós e ganhe
uma forma concreta, tenha o cheiro de uma fruta ou de uma flor, seja parecida com
uma imagem que permeia as nossas lembranças, tenha uma determinada cor ou
várias cores, desperte as nossas emoções, a nossa memória, desafie o nosso
intelecto, acalente o nosso coração.
Foi partindo da noção e do entendimento da paisagem como uma entidade
essencialmente relacional que procuramos refletir ao longo desse trabalho sobre as
relações estabelecidas entre a ferrovia, a serra das Russas e os diversos grupos
envolvidos, procurando compreender em que medida essas relações ganhavam
sentido e se manifestavam como paisagem para cada indivíduo.
As entrevistas realizadas e analisadas neste capítulo nos mostraram que, de fato,
nem todos os entrevistados puderam interpretar as suas relações com o meio como
paisagem. Para aqueles que tinham estabelecido relações mais estreitas com a
serra, a paisagem ganhou a feição da natureza, confundiu-se com o meio ambiente.
Para os que tinham uma maior proximidade com a ferrovia, a relação se traduziu em
questões puramente técnicas. No entanto, para aqueles que demonstraram uma
relação estreita com ambas, a serra e a ferrovia, a possibilidade de uma
133
O SENTIDO DA PAISAGEM |
interpretação como paisagem foi maior, apesar disso nem sempre ter acontecido,
como foi o caso dos moradores. Contudo, em alguns casos a relação entre a serra e
a ferrovia foi evidente nos confirmando que não há apenas uma paisagem e um
sentido a ser explorado e apreendido, mas paisagens e sentidos múltiplos.
4 |
NA SERRA DAS RUSSAS O TREM SE FEZ PAISAGEM...
5 |
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
5 NA SERRA DAS RUSSAS O TREM SE FEZ PAISAGEM...
Em um texto publicado em 2010, intitulado “Território e pessoa: a identidade
humana”, o filósofo e geógrafo francês Augustin Berque relata a experiência de
voltar depois de muitos anos a uma determinada região do Marrocos onde passou
anos importantes da sua infância. Mesmo tendo vivido grande parte da sua vida na
Ásia, aquelas paisagens nunca o abandonaram, pois deixaram marcas profundas
em sua alma, e mais do que meras lembranças, elas passaram a fazer parte do seu
ser.
Berque (2010) diz que quando retornou à região teve a estranha sensação de sentir
a presença do seu pai em todos os lugares, na topografia, na estrada que ele
construíra, na árvore embaixo da qual se sentava, no lugar onde conversavam, no
anfitrião que o havia hospedado... Enfim, em todas as partes. A sensação era tão
concreta que ele chegou a afirmar que naquelas montanhas do Marrocos o seu pai
tinha se tornado paisagem. Certamente Berque (2010) usa essa expressão como
uma metáfora para ilustrar a relação que ele e o seu pai tinham estabelecido com a
aquele meio, uma relação tão concreta que o fazia (con)fundir o pai com a própria
paisagem.
A metáfora utilizada por Berque, no entanto, muito longe de ser apenas uma
metáfora literária, parece ser “bem constitutiva da realidade dos laços que as
sociedades humanas estabelecem com os seus territórios” (BERQUE, 2010, p. 15).
Ele resume essa metáfora pelo ideograma chinês xian, que quer dizer ‘imortal’. Na
tradição chinesa um imortal é um ermitão que se retira nas montanhas e lá, se
confundindo com ela, torna-se invisível, torna-se a paisagem (BERQUE, 2010).
Seguramente, afirma Berque (2010, p. 16), poderemos “encontrar alguns vestígios
do ermitão; mas não o encontraremos mais, já que, imortal, ele se tornará,
doravante, invisível. Ele fundiu-se com a paisagem”.
Lançando mão do mesmo recurso literário utilizado por Berque (2010) imaginamos
que o trem da serra das Russas seja como o ermitão das montanhas chinesas.
Apesar de ainda encontrarmos os vestígios que atestaram a sua existência, já não o
vemos, ele tornou-se invisível...
136
O SENTIDO DA PAISAGEM |
Teria ele se tornado imortal?
Teria ele se tornado paisagem?
Sim, o trem da serra das Russas se tornou imortal. Ele não faz mais parte da
paisagem concreta da serra, mas se faz presente na paisagem interior de muitas e
muitas pessoas que ainda conseguem sentir o cheiro do seu combustível no ar, que
ainda lembram da textura da sua fumaça, que conseguem sentir a emoção que a
sua lembrança desperta, que sentem a saudade da sua ausência, que esperam
ansiosos pela sua volta.
O trem da serra das Russas se fez paisagem... e dela, ainda hoje, carrega os
sentidos.
137
O SENTIDO DA PAISAGEM |
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O SENTIDO DA PAISAGEM |
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(Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-11052010-171008/>. Acesso em: jan. 2013. __________________. Valorização e musealização da paisagem industrial napolitana: o Parque Urbano de Bagnoli. Revista arq.urb, São Paulo, Universidade São Judas Tadeu, n. 3, p. 72-86, jan./jul. 2010. SCHIER, Raul Alfredo. Trajetórias do conceito de Paisagem na geografia. RA’E GA,
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(Mestrado em Desenvolvimento Urbano) - Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano (PPGDU), Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.
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APÊNDICE A – Roteiros de entrevistas GRUPO ENTREVISTADO: ESPECIALISTAS Tema 1 – Relação com a serra das Russas e a ferrovia
1 – Como foi o seu primeiro contato com a serra das Russas? 2 - Em qual ocasião você esteve lá? Quantas vezes? 3 – Como você descreveria a área para uma pessoa de fora que não a conhece? 4 – Você sabia que na serra das Russas passa uma ferrovia? 5 – Você sabe quais são os elementos ferroviários existentes lá? Se sim, descreva-os. 6 – Você sabia que aquele trecho é tombado? 7 – Você acha que o instrumento de tombamento é suficiente para a preservação daquele trecho ferroviário? 8 – Como você acha que deveriam ser conservados os elementos ferroviários daquele trecho? 9 – A conservação desses elementos teria um reflexo direto na vida dos moradores da região? Como? Tema 2 – Sentimento em relação à ferrovia 1 – Você já andou de trem? Caso não, você gostaria? 2 – Você gostaria de ver a ferrovia funcionando novamente? 3 – A ferrovia lhe traz alguma lembrança, algum sentimento? 4 – Qual o significado da ferrovia para você? Tema 3 - Mapas mentais (Compreensão da Paisagem) 1- Por favor, desenhe de acordo com as suas lembranças os principais elementos presentes na serra das Russas. Depois do desenho feito... 1 - Quais são os elementos você considera mais importantes no seu desenho? 2 – Qual o cheiro, o som, a temperatura desse lugar? 3 - Quais as lembranças que o lugar lhe traz? GRUPO ENTREVISTADO: EMPRESÁRIOS Tema 1 – Conhecimento sobre o negócio, a serra e a ferrovia 1 – Qual o tipo de negócio você empreende(eu) na serra das Russas? 2 – O seu negócio se insere em algum projeto ou programa governamental? Faz parte de alguma rede de oportunidades ou você atua de maneira independente?
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3 – Porque você escolheu aquela área? Quais são os atrativos existentes para um visitante? 4 – Quais são as potencialidades e as fraquezas da área na sua opinião? 5 – Os moradores da região são beneficiados pelo seu negócio? De que maneira? 6 – Você sabia que na Serra das Ruças passa uma ferrovia? Quais elementos ferroviários você conhece? 7 – Você sabia que aquele trecho é tombado? Você acha que isso é um diferencial? 8 – Como você acha que poderiam ser conservados os elementos ferroviários daquele trecho? Tema 2 – Sentimento em relação à ferrovia
1 – Você já andou de trem? Caso não, você gostaria? 2 – Você gostaria de ver a ferrovia funcionando novamente? 3 – A ferrovia lhe traz alguma lembrança, algum sentimento? 4 – Qual o significado da ferrovia para você? Tema 3 - Mapas mentais (Compreensão da Paisagem)
1- Por favor, desenhe de acordo com as suas lembranças os principais elementos presentes na Serra das Ruças. Depois do desenho feito... 1 - Quais são os elementos você considera mais importantes no seu desenho? 2 – Qual o cheiro, o som, a temperatura desse lugar? 3 - Quais as lembranças que o lugar lhe traz? GRUPO ENTREVISTADO: FERROVIÁRIOS
Tema 1 – Relação com a área e a ferrovia 1 – Quando você começou a trabalhar na ferrovia? 2 - Quanto tempo o senhor trabalhou no trecho da Serra das Ruças? 3 – Qual o cargo que o senhor ocupava naquela época? 4 – Como era o dia-a-dia de trabalho? Como era feita a operação do trecho? 5 - Quais eram as dificuldades e os prazeres? 6 – Quantas locomotivas passavam por dia? 7 – Qual era a periodicidade de manutenção da via e das obras d’arte? 8 – Como era feita essa manutenção? Quem fazia? 9 – Havia algum trecho mais perigoso onde ocorriam mais acidentes? 10 – Qual o trecho mais bonito em sua opinião? 11 – Você poderia descrever os elementos ferroviários existentes no trecho? Quais são os mais importantes em sua opinião? Por quê? 12 - Como você acha que deveriam ser conservados os elementos ferroviários daquele trecho? 13 – Como era a relação com os moradores da região? Russinhas e Cascavel? 13 – Você sabia que aquele trecho é tombado pelo Estado?
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14 – Você tem alguma história interessante para contar daquele trecho? 15 - Como você descreveria a área para uma pessoa de fora que não a conhece? Tema 2 – Sentimento em relação à ferrovia 1 – Qual foi o seu sentimento quando a ferrovia foi desativada? 2 – A ferrovia lhe traz alguma lembrança, algum sentimento? 3 – A ferrovia tem algum significado para você? Tema 3 - Mapas mentais (Compreensão da Paisagem)
1- Por favor, desenhe de acordo com as suas lembranças os principais elementos presentes na Serra das Ruças. Depois do desenho feito... 1 - Quais são os elementos você considera mais importantes no seu desenho? 2 – Qual o cheiro, o som, a temperatura desse lugar? 3 - Quais as lembranças que o lugar lhe traz? GRUPO ENTREVISTADO: MORADORES Tema 1 – Relação com o lugar 1- Há quanto tempo você mora aqui? 2 - Você gosta de morar aqui? Por quê? 3 – O que você mais gosta e o que você menos gosta? 6 – Você tem familiares que moram na região? 7 – Quando você chegou a esta área ela era assim ou era diferente? O que foi que mudou? O que ficou do mesmo jeito? 8 – Você deixaria a região para morar em outro lugar? Por quê? 9 – Qual o significado desse lugar para você? O que o torna importante e diferente de outro lugar? 10 – Se uma pessoa de fora viesse visitar essa área, qual lugar você recomendaria que ela visitasse? 11 - Se você tivesse que descrever esse lugar para alguém de muito longe, por telefone, como o faria? Quais elementos (naturais e construídos, festas, comidas, lugares, pessoas...) seriam importantes nesta descrição? 12 - Conhece alguma história sobre este lugar ou algum fato nele ocorrido? Tema 2 - Relação com a serra e a ferrovia 1 – Você já percorreu a serra das Russas? 2 - Em qual ocasião você esteve lá? 3 – Como você descreveria a área para uma pessoa de fora que não a conhece?
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4 – Você sabia que na serra das Russas passa uma ferrovia? 5 – Você sabe quais são os elementos ferroviários existentes lá? Se sim, descreva-os. 6 – Você sabia que essa ferrovia é protegida pelo Estado como patrimônio histórico e cultural? 7 – Você acha que o tombamento contribuiu para a preservação daquele trecho ferroviário? 8 – Como você acha que deveriam ser conservados os elementos ferroviários daquele trecho? 9 – A conservação desses elementos teria um reflexo direto na vida dos moradores da região? Como? Tema 3 – Sentimento em relação à ferrovia 1 – Você gostaria de ver a ferrovia funcionando novamente? 3 – A ferrovia lhe traz alguma lembrança, algum sentimento? 4 – A ferrovia tem algum significado para você? Tema 4 - Mapas mentais (Compreensão da Paisagem)
1- Por favor, desenhe de acordo com as suas lembranças os principais elementos presentes na Serra das Ruças. Depois do desenho feito... 1 - Quais são os elementos você considera mais importantes no seu desenho? 2 – Qual o cheiro, o som, a temperatura desse lugar? 3 - Quais as lembranças que o lugar lhe traz?
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APÊNDICE B Matriz analítica | Especialistas IPHAN Matriz analítica | Especialistas FUNDARPE Matriz analítica | Especialistas GRAU, RFFSA e EMPRESÁRIOS Matriz analítica | GESTORES e MORADORES
Indicativo de sentido Atributos físico-materiais Atributos imateriais Relação com a paisagem Autor Data
"[...] trabalhando bem cultural como sendo o meio ambiente, a paisagem, os bens móveis, os
bens imóveis, os integrados... pensando bem cultural na questão da história, da ambiência.
Então pensando nisso eu identificaria ali o ambiente natural, a questão dos acidentes
geográficos, a hidrografia, a vegetação, a fauna, a flora... e aí isso tudo compondo uma
paisagem, que a gente já tem tanto uma paisagem antrópica como a paisagem já trabalhada, a
paisagem primitiva como a paisagem já trabalhada pelo homem, quando a gente vê as
intervenções das moradias, das plataformas e da própria linha férrea. O que mais chama atenção
na linha férrea são as obras de arte, né? A gente vê, na minha percepção, o quanto ela se integra
na paisagem. Eu entendo assim. Talvez pelo meu olhar já viciado, que eu já conheci daquela
forma aquela paisagem... então ela, no meu olhar ela não agride, os viadutos... ela não tem uma
agressão à natureza, ela é esbelta, ela é transparente, quase, na paisagem."
meio ambiente, ambiente natural,
acidentes geográficos, hidrografia,
vegetação, fauna, flora, paisagem
antrópica, paisagem trabalhada
pelo homem, paisagem primitiva,
moradias, plataformas, linha
férrea, obras d'arte, viadutos
* ecológica e técnica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"Eu acho que eu ressaltaria a questão do clima, um clima árido..." clima * ecológica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"Eu descreveria a questão da vegetação, do clima, para que a pessoa se apropriação de como é
um pouco... não é se apropriar, mas sentir um pouco como é que é esse viver esse lugar, não
somente o olhar, mas sentir mesmo o calor, as percepções dos olfatos, dos cheiros... aí eu
falaria da plantação, que era um espaço geográfico ainda... que não é virgem, mas ele ainda
mantém as suas características topográficas, hidrográficas, que não foi tão alterado assim, por
terraplenagens ou grandes equipamentos. Então eu descreveria ainda uma área nativa, com essas
características climáticas e de beleza natural. Eu acho que eu iria muito por essa questão... eu
não sei se é porque eu trabalho na área de preservação, né? Mas eu ia ressaltar muito essa
questão da natureza, da paisagem, dos bens culturais, das atividades turísticas que existem
na região, dos eventos culturais... eu ia tentar vender a região como uma coisa positiva, uma
visita legal. Eu acho que é um atrativo turístico importante do estado. Naquela região tem várias
coisas imateriais, as manifestações... então eu ia por aí, tentando falar um pouquinho dessas
áreas todas."
plantação, características
topográficas, características
climáticas, natureza, paisagem
sentir, viver, percepções,
olhar, olfatos, cheiros, beleza
natural, coisa positiva, coisas
imateriais, manifestações
ecológica e simbólica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"[...] o exemplar Serra das Ruças tem de tudo, você tem a dificuldade da operação, porque é
numa serra, com os seus acidentes geográficos, tem as obras de arte, você vê a logística de
operação, você as paradas de Russinha e Cascavel, elas ficavam na base da serra não ficavam
lá no alto. Então por que foi feito assim? Não foi por acaso. Tudo tem uma intenção."
acidentes geográficos, obras
d'arte, paradas de Russinhas e
Cascavel
dificuldade de operação,
logística de operação
Técnica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"Se eu fosse instruir um processo desse, o que eu ia ressaltar ali era a engenharia ferroviária. Em
1800 com todas aquelas dificuldades, como ela venceu, como a engenharia ferroviária foi importante
para o desenvolvimento daquele projeto. E depois da técnica, a própria integração dela com a
paisagem. Eu entendo assim."
* engenharia ferroviária,
técnica
Técnica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"Eles não fizeram nada que fosse assim, terraplenar tudo, vamos aplanar para passar a linha, né?
Ele respeitou a natureza, os acidentes geográficos e ali foi se adaptando, adaptando. Uma obra
daquela, um túnel daquele com a tecnologia daquela época... você teve lá comigo né? Você viu
como eles armaram quase um arco botante, então eu ia ressaltar a técnica da engenharia
ferroviária naquela área, ia ressaltar do próprio trem do forró mesmo a questão do imaterial. E
como eu te disse, ele é um exemplar que tem um pouco de tudo, de tudo que a gente entende que
é memória ferroviária. Um pouco da questão da própria documentação que existe daquela serra
dos depoimentos, porque serra das Russas... e tem toda aquela coisa de resgatar a história dos
colonizadores."
acidentes geográficos, túnel trem do forró, memória
ferroviária, história oral
técnica e simbólica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
MATRIZ ANALÍTICA - ESPECIALISTAS IPHAN
"As plantações de abacaxi não estão ali por estar. Aquela agricultura que a gente encontra nesse
território nessa área ela deveria ser escoada pelo trem. Eu não tenho certeza, mas abacaxi é uma
cultura que se expande muito naquela região pelo clima e eles deveriam usar o trem. Por quê?
Porque se você olhar geograficamente onde é que está localizada a parada? É uma área mais
plana, é uma área que tem acesso ou por burro ou por carroça para a plantação escoar. Tinham os
armazéns, os vestígios dos armazéns, onde tinha carga armazenada. Então a primeira coisa que
deveriam ser incorporados eram os usuários, os próprios usuários."
plantação de abacaxi, agricultura,
trem, clima, armazéns
usuários ecológia e técnica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"Ele traz a minha infância porque eu morava numa cidade onde o trem era um dos elementos mais
importantes da cidade. O agente da estação, o gerente do banco, o padre, o médico e o juiz eram as
mais importantes autoridades da cidade. Então me recorda a minha infância. Me lembra a
elegância das pessoas, o vestir, a alegria das pessoas quando o trem chegava, choros e alegrias,
né? Isso na minha infância. Depois eu fui trabalhar lá, então pra mim é o cheiro. Eu gosto do
cheiro da fumaça. Da Maria Fumaça eu gosto do cheiro. Eu gosto de entrar numa estação,
numa oficina e ver a locomotiva sendo consertada. "
estação, oficina, trem, locomotiva memória da infância,
elegância das pessoas,
choros, alegrias, cheiro,
cheiro da fumaça, Maria
Fumaça, saudade
simbólica e técnica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"[...] Se eu olhar pra traz assim foi toda a minha entrega profissional, minha entrega de vida
mesmo, eu me dediquei muito à ferrovia. e assim, por ironia, quando eu vim para o IPHAN, caiu de
novo para preservar a ferrovia e então é a oportunidade que eu tenho de proteger aquilo que eu
contribui um dia para construir. Eu tenho um laço muito forte com a ferrovia."
* simbólica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"eu não consigo ver a serra das ruças separadamente, eu só consigo ver a linha como um todo.
Então eu começaria por aqui porque talvez sempre tenha saído de trem, né? Eu nunca fui de carro,
cai aqui e cheguei. Depois é o verde [...]. as montanhas e a paisagem... talvez a vegetação... e
aqui evidente as pontes, os viadutos, o trem... a fumacinha... e as pessoinhas aqui dentro do
trem... a paisagem é muito forte pra mim, o trem... porque foi através do trem que eu
conheci essa paisagem. AH! E evidente, as obras de arte... tem toda técnica construtiva, que
me chama atenção [...] então acho que as obras de arte e as pessoas... não sei se eu colocaria
das cidades! É porque a minha percepção é muito de saída daqui sabe? Eu ia pela linha....
meu caminho sempre foi por aqui. Minha referência é de linha, não é de estrada."
linha férrea, verde, montanhas,
paisagem, vegetação, pontes,
viadutos, pontes, trem, obras
d'arte
fumacinha, técnica
construtiva, pessoas,
Ecológica, técnica e simbólica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"tem outra coisa que eu queria ressaltar são as pessoas. Porque quando a gente passa de trem
ficam aqueles molequinhos todos atrás da gente correndo. ... eu realçaria isso aqui: a paisagem e
os elementos ferroviário, que seriam os tuneis, as obras de arte..."
paisagem, elementos ferroviários,
tuneis, obras d'arte
pessoas simbólica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"o vento! O calor! As vezes em alguns momentos a vegetação batia na gente. A gente tinha que
andar de manga comprida com muito protetor solar. Então eu lembro do calor, do vento no rosto,
sem ar condicionado, né? As pessoas gritando atrás da gente, dando tchau ... e quando a gente
parava: ‘quando é que o trem vem?’ eles perguntavam sempre, sempre eles perguntaram isso,
mesmo nos tempos áureos eles perguntavam pelo trem de passageiros, né? O de carga ainda
passava o de passageiros não passava mais. E a fumaça... na realidade quando eu andei não era
mais a Maria Fumaça, era diesel, mas eu também gostava porque parecia que era aquele cheiro
que trazia o movimento e ia levar a gente. E quando não tinha mais o cheiro é porque o trem
tava parado".
vegetação, vento fumaça, calor, cheiro simbólica Emília Lopes, IPHAN 08/01/2013
"A primeira imagem que vem na minha cabeça como informação de referência, como o marco
referencial são os catorze túneis e os sete viadutos. Então sempre que eu me reporto à área eu
falo que é uma área de trecho de ferrovia que contém catorze túneis escavados na rocha e sete
viadutos passando sobre os despenhadeiros."
túneis e viadutos * técnica Fábio Cavalcanti, IPHAN 16/01/2013
"O cheiro do abacaxi. O cheiro e a textura dessa paisagem. É muito característico da região da
Serra das Ruças, as plantações de abacaxi."
plantações de abacaxi cheiro de abacaxi simbólica Fábio Cavalcanti, IPHAN 16/01/2013
"É a sombra, é a altura, é o vento, é o espinho, é o maribondo..." sombra, altura, vento, espinho,
maribondo
* ecológica Fábio Cavalcanti, IPHAN 16/01/2013
"Bem, mas tudo isso, essa percepção talvez esteja mais relacionada à uma percepção espacial,
relacionada à sensação que me remete toda vez que eu passo por perto desse lugar. Então não
tem uma vez, ainda que na rodovia, eu passe pelo trecho da Serra das Ruças, que eu não perceba a
mudança na atmosfera, no clima, na ambiência. É muito característico pra mim, é muito
presente."
clima, ambiência atmosfera ecológica e simbólica Fábio Cavalcanti, IPHAN 16/01/2013
"Essa ambiência, essa atmosfera, porque é clima, porque é vento, porque é sombra, porque é
aridez, porque é altura, porque é tensão..."
ambiência, atmosfera, clima,
vento, sombra, altura
aridez, tensão ecológia e simbólica Fábio Cavalcanti, IPHAN 16/01/2013
"Porque a presença ou a ausência do trem para mim ainda causa uma certa tensão porque aquela
paisagem me parece sempre no limite do possível e do acontecimento. É como se o trem estivesse
prestes a voltar. É como se a ponte estivesse lhe avisando do risco de cair. É como se o trilho lhe
estivesse advertindo sobre a escuridão."
trem, ponte, trilho escuridão técnica e simbólica Fábio Cavalcanti, IPHAN 16/01/2013
"Ah, é o cheiro do abacaxi. Cheiro do abacaxi, cheiro de jasmim. Acho que nem tem jasmim." * cheiro de abacaxi, cheiro de
jasmim
simbólico Fábio Cavalcanti, IPHAN 16/01/2013
"Primeiro é uma das áreas mais bonitas do nosso Estado. Eu acho. Em termos de paisagem e
termos de ecologia. Isso deve ser trabalhado cultural, ecologia e paisagem. Toda a parte eco-
cultural, poderia ser um grande projeto eco-cultural voltado para a preservação tanto do meio
ambiente quanto também do patrimônio culturaL"
paisagem, ecologia * ecológica Frederico de Almeida, IPHAN 19/02/2013
"Eu vejo infelizmente um trecho ainda bastante preservado, mas abandonado, com vários
equipamentos tipo trilhos, pontes, viadutos e túneis, que eu acho que são obras de arte da
engenharia bem interessantes e que faz parte da nossa história. E aí você pode trabalhar
perfeitamente com o envolvimento e a integração com o meio ambiente. Porque aquele bem já está
bem integrado com a paisagem daquele trecho."
paisagem, meio ambiente, trilho,
ponte, viaduto, túneis
* técnica e ecológica Frederico de Almeida, IPHAN 19/02/2013
"Pontes, túneis... o que mais? Estações, Pombos aqui e Gravatá é a outra. As outras estações já
não existem."
pontes, túneis, estações de
Pombos e Gravatá
* técnica e ecológica Frederico de Almeida, IPHAN 19/02/2013
"Eu vejo natureza, então o som dos pássaros. Eu não perceberia o som do trem porque ali tá
abandonado"
natureza som dos pássaros ecológica Frederico de Almeida, IPHAN 19/02/2013
"o cheiro seria do verde, da mata" mata cheiro do verde ecológica Frederico de Almeida, IPHAN 19/02/2013
Indicativo de sentido Atributos físico-materiais Atributos imateriais Relação com a paisagem Autor Data
"E com relação à parte natural... é pela relevância da natureza mesmo que ali tem os resquícios
ainda da mata atlântica, pelo relevo, pela visão paisagística daquele lugar, que é muito rico, digo
em termos de paisagem, digo em termos da questão natural, propriamente dita. Pela questão do
relevo e pela questão da vegetação que é um tanto diversificada"
mata atlântica, relevo, vegetação,
paisagem
visão paisagística ecológica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"é a natureza enquanto vegetação, a natureza enquanto relevo e enquanto composição desse
relevo, que não é uma composição apenas de terra. Ela tem elementos de pedra, de granito
natural e outros tipos de pedra, de constituição geológica das pedras, que também é uma
característica daquele lugar."
vegetação, relevo, composição do
relevo (topografia), pedra, granito
natural
* ecológica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
“O trecho de Nazaré da Mata. Naquele trecho da Linha Tronco Norte, que eu não sei precisar agora
mesmo, até porque eu fiquei tão encantado com as paisagens que se desenvolviam na minha frente,
que eu digo, não, nem a gente passeando de carro a gente tem esse potencial natural que
descortina às nossas vistas. Numa estrada de ferro a gente tem essa visão da paisagem
pernambucana que a gente tá falando, que na estrada comum de asfalto você não tem.
potencial natural visão da paisagem ecológica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"E aí a gente chama a atenção para o padrão não só do trilho, enquanto peça do elemento ferro,
mas também do que a gente chama dos dormentes enquanto fixação de apoio desses trilhos.
Que, na verdade, originalmente em madeira, toras de madeira, com fixação com o que a gente
chama também de cravos ou pregos da terra, que era o prego feito à mão, artesanalmente."
trilho, dormente, toras de madeira,
cravos, pregos
* Técnica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"Se você não criar essa forma de apropriação, para as pessoas deixa de ser uma peça, para ser um
objeto qualquer. Porque até então é um trilho, é uma peça do trem, é um dormente, é um peça, é
uma peça de certa forma até de arte, porque foi a arte daquele momento. Então se não tiver
essa conscientização passa a ser um objeto qualquer, comum que faz parte do passado, mas não
tem essas histórias agregadas. É a minha forma de ver."
trilho, dormente * simbólica (elementos ferroviários
como objetos artísticos)
Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"o que me vem à mente... à primeira lembrança, é engraçado, a primeira lembrança é o som e a
fumaça. Eu to olhando porque como eu não tive uma vida.. a minha vida não fez parte dessa
história do trem até porque eu morei sempre na minha infância numa região que não
necessariamente precisava andar de trem... "
* som, fumaça simbólica (memória) Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"Então quando vim conhecer trem... eu conhecia trem, mas através de imagem, quando eu vim
conhecer o trem propriamente dito, já foi adulto e por isso o encantamento que trazia na minha
imagem era o som e a fumaça, porque chamava Maria fumaça."
* som, fumaça simbólica (maria fumaça) Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"Hoje o significado que tem pra mim, hoje é mais de, como dizer... vamos dizer assim, é mais um
significado de romantismo mesmo de eu pensar, como eu não vivi, repetindo, não vivi o trem, é
mais de como era. Porque o tempo de deslocamento era muito grande. Então as pessoas se
acostumavam a fazer 20 ou 30 quilômetros, sei lá, que ele andava por hora, então, favorecia um
pouco a troca, a conversa, o namoro, essas coisas do dia-a-dia, talvez pelo tempo que ali tivesse e
não pelo tempo que se tem hoje. Que a gente tá no trânsito, mas tá todo mundo estressado
querendo chegar e naquele caso, acredito eu, não tinha essa grande preocupação do querer fazer...
acredito eu que as pessoas tinham esse tempo de conversar, de trocar, de olhar olho no olho, de ter
essa troca, de viver o outro enquanto ser humano e não de viver hoje como a gente vive de ver o
outro enquanto objeto que possa produzir alguma coisa pra mim."
* romantismo simbólica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
MATRIZ ANALÍTICA - ESPECIALISTAS FUNDARPE
"[...] eu volto a dizer, do que a gente não vê quando a gente passa na estrada a gente vê dos
trilhos do trem, de alguns pontos que a gente possa contemplar em termos de paisagem. Eu
não sei se é porque eu gosto muito de paisagem... mas enfim..."
* visão paisagística simbólica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"vegetação enquanto vida vegetal, enquanto... Ah! Tem! Tem uma coisa que é importante, não sei
como é que eu vou fazer. Por isso eu vou dizer que você me pegou. Nem tava preparado para isso.
Mas vou tentar fazer alguma coisa aqui. Uma coisa que a gente vê, que é importante, uma cobrinha
por ali. Não é o que é importante? Que o que eu me lembre é! São animais"
vegetação, animais * ecológica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"o que eu considero mais importante nesse desenho? Na verdade é o trajeto. O que eu considero
mais importante, veja só, é a partida de uma estação para a outra e o intervalo que é a
contemplação da natureza. É esse intervalo. Porque quando você parte daqui, no caso de uma
viagem de trem, você de alguma forma, querendo ou não, você vai contemplar a paisagem. Se
você se deslocar hoje você não vai ter tempo para contemplar a paisagem nenhuma. Tá
entendendo? Você vai assim, já com... e nesse trajeto o que eu acho importante é justamente a
contemplação da paisagem e de toda a vida que ali compõe. Porque você vai ter tempo pra isso.
Você vai olhar, conversar, trocar ideia. Até porque você não tem cruzamento de carro, não tem
paralelo a isso outras movimentações. Então você tem tempo para essa questão da contemplação.
Então o mais importante pra mim é de uma estação a outra e a contemplação da paisagem e de
tudo que está entre uma coisa e outra, inclusive o próprio equipamento de ferro, elemento de
ferro, que é o trem e o som que ele emite que eu acho que isso que me chama atenção."
traçado, equipamento de ferro,
trem
contemplação da natureza,
contemplação da paisagem,
som do trem
técnica e simbólica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"Como emoção... e o que até hoje desperta como emoção é o cheiro do lugar através daquela
passagem. No caso do trem, seria o cheiro do produto que faz mover aquele trem e aliado a isso
é o cheiro da vida daquele lugar."
* cheiro do lugar, cheiro do
trem
simbólica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"Então é o cheiro do lugar, o que me chama a atenção é aquele cheiro." * cheiro do lugar simbólica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"Para mim é verde. Literalmente verde. " vegetação * ecológica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"o sentimento da elevação, do verde, que até provocava despressurização em função da altura e
realmente eu senti um pouco isso quando eu passei a me deslocar."elevação, verde, altura * ecológica Roberto Carneiro, FUNDARPE 08/01/2013
"Tem o aspecto que na Serra das Ruças, não sei se hoje ainda tem, mas tinham uns pontos que
eram assim, de mirantes, tinham uns pontos de paradas que tinham frutas, comigas típicas e que
geralmente a gente fazia essas paradas."
mirantes, frutas comidas típicas ecológica e simbólica Neide Fernandes, FUNDARPE 20/02/2013
"Fora isso tem a paisagem que é muito bonita. A partir dali o clima, não é, porque a gente já
entrava numa altitude maior, já ia ficando mais agradável... eu estou ligada às sensações."
paisagem, clima * ecológica Neide Fernandes, FUNDARPE 20/02/2013
"É eu não lembro, eu vou fazer a rodovia porque eu não lembro. Aí eu vou fazer a Serra das Ruças
assim, porque a gente vê serras de serras e a gente vê a paisagem lá embaixo. Aí o viaduto da
ferrovia passa aqui em baixo. E ai você fica vendo esses morrinhos todos. Pronto eu lembro isso. O
que mais eu posso colocar aqui? Os pés de abacaxi."
rodovia, paisagem, viaduto,
morrinhos, pés de abacaxi
* Ecológica e técnica Neide Fernandes, FUNDARPE 20/02/2013
"É uma paisagem realmente muito bonita, aqueles vales, a vegetação não é densa, porque você tá
no alto, né? Realmente é uma coisa muito bonita e turisticamente poderia ser aproveitado. Mas cada
vez fica mais difícil, né? É realmente muito bonita."
vales, vegetação * ecológica Rosa Bonfim, FUNDARPE 08/03/2013
"Só a paisagem. Realmente a paisagem é o que tem de mais bonito. Tem duas questões: porque
ou você vê da terra os viadutos, os pontilhões, mas você em cima do trem você não vê isso, você
vê o resto. Então o destaque eu acho que é isso"
paisagem, viadutos, pontilhões * ecológica e técnica Rosa Bonfim, FUNDARPE 08/03/2013
"eu destacaria a linha, os túneis e aquela paisagem enorme que se descortina dos dois lados.
Você sente uma amplitude ali naquela linha. As elevações, as depressões, chama atenção."
linha, túneis, paisagem, elevações
e depressões
* ecológica e técnica Rosa Bonfim, FUNDARPE 08/03/2013
Indicativo de sentido Atributos físico-materiais Atributos imateriais Relação com a paisagem Autor Data
"O próprio contexto topográfico já é uma paisagem interessante. Paisagem de serra e
vegetação nativa, as reentrâncias dos morros... é realmente um lugar bem pitoresco. E a
inserção da ferrovia nessa paisagem se torna também bastante interessante."
contexto topográfico, vegetação
nativa, reentrâncias dos morros,
ferrovia
* Ecológica e técnica Luis Moriel, GRAU 10/01/2013
"Da ferrovia. E aí a gente conhecendo o acervo patrimonial lá dos tuneis e dos pontilhões,
então seria... inclusive para turismo de... ecoturismo e aventura, seria interessante também."
ferrovia, túneis, pontilhões * Técnica Luis Moriel, GRAU 10/01/2013
"A linha, o trilho, catorze túneis e seis pontilhões" linha, trilho, catorze túneis, seis
pontilhões
* Técnica Luis Moriel, GRAU 10/01/2013
"Bem, os túneis assim, acho que é a própria intervenção para poder viabilizar a ferrovia e aí os
processos construtivos e tudo o mais, é bastante interessante. E você tem trechos de túneis
e também de pedaços que foram meio que abertos, de pedras para poder o trem passar. Os
túneis têm o túnel mais antigo, né? Era o mais antigo? O pavão era o mais antigo. Então já tem
essa questão histórica. E os pontilhões, apesar de terem sido modificados, serem reformados
numa fase mais recente eles ainda se mostram bastante interessante já com a utilização do
concreto e tudo o mais."
túneis, pontilhões Processos construtivos Técnica Luis Moriel, GRAU 10/01/2013
"Todos os elementos. E aí entra também a questão da paisagem e dos elementos pitorescos do
lugar. Aí você casinhas bem rústicas. Você tem as plantações de abacaxi. Então você pode
tentar buscas também outros da cultura do local para poder entrar dentro desse pacote de
interesse."
casinhas rústicas, plantações de
abacaxi
* simbólica Luis Moriel, GRAU 10/01/2013
"Eu acho que uma das coisas é a serra, né? Então como é que a gente poderia representar essa
Serra? Tem a Serra, tem o pontilhão... vou fazer bem esquemático, tá? Aquele maiorzão. O
cascavel. Tem o próprio túnel... eu não to aqui representando ‘o tunel’, mas os túneis. E aí eu
acho que faz parte também as casinhas, as próprias plantações de abacaxi [...] pena que não
tem o trem passando, né? Isso eu não vi na paisagem ainda. [...] tem umas vaquinhas também,
um cachorrinho... aí eu acho que são todos esse elementos que fazem parte desse local, os
bichos..."
pontilhão, túnel, casinhas,
plantações de abacaxi,
vaquinhas, cachorrinho, bichos
* Ecológica, técnica e simbólica Luis Moriel, GRAU 10/01/2013
"Na Serra das Ruças tradicionalmente tem aquela cultura do abacaxi que todos os viajantes
que passam ali no local compram, tanto o abacaxi quanto o morango e algumas outras frutas.
Tem a questão muito incisiva do granito, da parte do granito na paisagem ela se destaca bem
pelas formações graníticas da paisagem . Tem toda a história da linha férrea que fazia a
ligação de Recife a Salgueiro, que corta o Estado, fatiando o Estado ao meio. E aí algumas
pontes de relevância, que o pessoal, inclusive, faz rapel e ‘bung jump’ , essas aventuras na
área."
cultura do abacaxi, formações
graníticas, linha férrea
* Ecológica, técnica e simbólica Nuno Souza, GRAU 22/01/2013
"A linha férrea, os túneis, essa estrada carroçável, gosto muito de pedra, dessa paisagem
de pedra, granítica, e as plantações de abacaxi, é o que me vem à mente. A estrada BR 232,
nem por isso, só me lembro do túnel que era Cascavel, mas que mudaram o nome do túnel, que
eu achei um absurdo porque deveria ter conservado o nome em referência à estrada de ferro."
linha férrea, túneis, estrada
carroçável, plantações de abacaxi,
paisagem de pedra granítica
* Ecológica e técnica Nuno Souza, GRAU 22/01/2013
MATRIZ ANALÍTICA - ESPECIALISTAS GRAU
Indicativo de sentido Atributos físico-materiais Atributos imateriais Relação com a paisagem Autor Data
"Olhe, eu já percorri dois mil e quinhentos quilômetros de trecho da malha ferroviária do
nordeste, viu? Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba... e ele, sem dúvida
nenhuma, é o mais bonito dessas áreas. Eu tenho certeza que é o mais interessante no
nordeste. Em relação às vistas que tem, em relação à quantidade de obras d’arte
concentradas, em relação ao tamanho dos túneis... Eu acho que aquele trecho, não vou dizer
com toda a certeza, é um dos mais bonitos do Brasil, em minha opinião. Deve ter dois ou três
que se equiparem a ele, talvez quatro, mas mais do que isso não tem não."
obras d'arte e tamanho do túneis vistas Técnica André Lopes, RFFSA 04/02/2013
"A Serra das Ruças ela é uma área de grande beleza paisagística, uma região árida do Estado
e ela basicamente é isso. Não sou muito bom de descrever não."
* Beleza paisagística Simbólica André Lopes, RFFSA 04/02/2013
"Por ser um trecho em terra, normalmente para quem é engenheiro de estrada ele vai ver de
tudo. Ele vai ver desde a parte da geometria da estrada, da via, que é parte de curvas
verticais e curvas horizontais, ele vai ver a parte de drenagem, ele vai ver a parte de
infraestrutura, cortes e aterros. Então, basicamente tudo o que você possa imaginar que
exista em estrada ele vai ver aí. E vai ver intensamente."
geometria da estrada, curvas,
drenagem
técnica construtiva Técnica Gilberto Luna, RFFSA 22/02/2013
"É uma escola. Seria uma escola. Tem catorze túneis, tem sete viadutos, então com tudo isso
tem todo tipo de características que existem em estrada, todo tipo de elemento vai aparecer ali."
túneis, viadutos, estrada * Técnica Gilberto Luna, RFFSA 22/02/2013
"Os mais bonitos são realmente os viadutos. [...] Se eu não me engano o viaduto número 3,
que é o viaduto da Grota funda, que é o viaduto mais alto que tem ali."
viadutos, viaduto da Grota Funda * Técnica Gilberto Luna, RFFSA 22/02/2013
"Ah, era uma festa! O trem quando passava era uma festa. Aliás, em todos os lugares que o
trem passava era uma festa. E o trem era o único meio de transporte para eles, quando existia o
trem de passageiros."
trem * Simbólico Gilberto Luna, RFFSA 22/02/2013
"eu sou engenheiro, totalmente voltado para estrada, tanto é que hoje eu to no DER. Eu nunca
olhei as estradas com um olhar assim, vislumbrante com relação ao turismo. Eu achava até
‘não, rapaz, isso aqui é bonito para o turismo e tudo o mais’, mas nunca vislumbrando algo a
mais. Entendeu, sonhando com algo a mais. Não. Ali eu me detia somente na ferrovia, na
técnica. Exatamente. E adorei e até hoje ainda adoro a parte de estrada."
estrada, ferrovia técnica construtiva Técnica Gilberto Luna, RFFSA 22/02/2013
Ali na Serra das Ruças não tenho muito o que dizer pela ferrovia. tem a paisagem, o mato
selvagem, não tem mais muita coisa pra dizer não.
paisagem, mato selvagem,
ferrovia
* Técnica e ecológica Gilberto Luna, RFFSA 22/02/2013
MATRIZ ANALÍTICA - ESPECIALISTAS RFFSA
Indicativo de sentido Atributos físico-materiais Atributos imateriais Relação com a paisagem Autor Data
"Não tem comparação porque o trem de Recife para o Cabo ele vai numa área urbana. E o trem
para Caruaru, o gostoso era exatamente isso, que ele estava eternamente numa zona rural. E de
quebra você tinha ainda a passagem na Serra das Russas, que como você sabe, são 12
túneis... São 14 túneis, tem dois viadutos imensos, tem viaduto unindo um túnel a outro. Ou
seja, aquelas são imagens belíssimas e que em poucos lugares do Brasil alguém vai ter igual.
Não é assim? Então isso aí, realmente, o pessoal ficava maravilhado."
túneis, viadutos * Técnica Anderson Pacheco, Serrambi
Turismo
16/01/2013
"Eu vou dizer uma coisa. Você sabe o que era mais bonito sem sombra de dúvidas? A Serra de
Gravatá. A Serra de gravatá é realmente uma coisa deslumbrante."
serra * ecológica Anderson Pacheco, Serrambi
Turismo
16/01/2013
"A potencialidade é a própria descida, que é uma descida de quase 50 metros, onde o público
geralmente se interessa porque tem um grau de dificuldade um pouco elevado, o que também
deixa a coisa mais atrativa para o público que procura; a facilidade de chegar no local e a
paisagem que, assim, na trilha a gente prioriza também não só o rapel, mas também a trilha."
paisagem e trilha * ecológica Leandro Leite, PE Vertical 41299
"O pessoal fala muito da paisagem que é bonita, a vista, a altura em si impressiona muito, o
pessoal gosta muito."
paisagem vista ecológica Leandro Leite, PE Vertical 41299
"É uma área legal assim pra quem gosta de altura. Quando você chega no meio dela, na parte
que você faz o rapel você vê mesmo a altura, você vê toda a paisagem. De um lado você não
vê tanto a paisagem porque tem como se fosse um muro e tem um chalezinho. O pessoal
sempre fala dessas casinhas, que tem uma visão bonita. Ai desse lado você vê os chalés e do
outro lado da ponte você tem uma visão do campo mesmo, as árvores e tal... é uma visão bem
legal.
paisagem, altura, casinhas,
chalezinhos
vista ecológica Leandro Leite, PE Vertical 41299
MATRIZ ANALÍTICA - EMPRESÁRIOS
Indicativo de sentido Atributos físico-materiais Atributos imateriais Relação com a paisagem Autor Data
"aqui passava o trem do forró, do recife a caruaru. Passava trem de carga, passava passageiro,
ainda subia e ia para serra, a gente andava no trem. Mas de lá pra cá... eu não sei quantos anos
fazem, que acabou."
trem * Simbólica Severina Francisca da Silva 26/06/2013
"lembro que a gente passava nos túneis, passava na ponte cascavel. Porque meu tio morava em
sertânia e quando a gente ia para lá quando eu era mocinha... aí a gente vinha pra cá, pegava o
trem e ia pra lá. Aí passava pela ponte cascavel, pelos túneis..."
túneis, ponte cascavel, trem * Técnica Severina Francisca da Silva 26/06/2013
"achava muito bonito. Porque primeiro, eu nunca tinha visto um trem, nunca tinha visto, e na
primeira vez que vi fui andar nele."
trem * Simbólica Severina Francisca da Silva 26/06/2013
"lembro dos trilhos, os meninos trabalhando..." trilhos, homens trabalhando * Técnica Severina Francisca da Silva 26/06/2013
"eu acho bonita a paisagem dela. Porque você chega e vai subindo e já toma um ar diferente, não
é? Um ar puro. Porque onde a gente respira não é um ar muito puro porque tem a poluição da
cidade. Já na serra das Russas você vai subindo e vai sentindo aquele ar puro, aquele vento livre.
Eu acho muito bom da serra isso! É muito bom a serra das Russas."
paisagem, ar puro * Ecológica Maria das Graças dos Santos 26/06/2013
"Viajar de trem eu achei mais gostoso do que de metrô. O metrô você entra ele vai embora rápido e
o trem tem as curvinhas que ele fazia na serra das Russas, mas não deixava de ser gostoso, muito
bom. Eu andei umas duas vezes de trem. Não andei mais não. Porque daí o trem parou de
funcionar."
trem * Simbólica Maria das Graças dos Santos 26/06/2013
"no túnel. A gente passava no túnel era aquele escuro e depois passava no viaduto. Era muito
gostoso aquele túnel da serra das Russas."
túnel, viaduto * Simbólica Maria das Graças dos Santos 26/06/2013
"ah, gostaria! Gostaria muito porque era muito alegre. O trem do forró passava por aqui. Quando
era festa junina o trem passava por aqui todo enfeitado de bandeirinhas, sanfoneiros, todo mundo
dançando, parava aqui uma meia hora, subia para o clube, todo mundo brincava, a turma dos
velhinhos, o pessoal da terceira idade tinha um vagão, o povo todo alegre, brincando... era uma
coisa linda! E agora parado ninguém ver nada, só o povo destruindo. Aí é uma tristeza que dá!"
trem do forró * Simbólica Maria das Graças dos Santos 26/06/2013
"cor? O verde. Porque o verde é a natureza. A natureza é muito bom. Teve um tempo que a gente
foi para o campo e olhava aquelas serras ali todas secas, sem paisagem nenhuma. Aí via a
tristeza, né? a serra tão bonita com aquela sequidão do verão. Mas agora você vai subindo a serra
das Russas e é aquele verde gostoso, aquele vento frio, aquele cheiro das plantas, das flores.
Você sente o cheiro das flores, porque as flores estão todas florindo. Aí você sente aquele cheiro.
Então eu prefiro o verde, não é? Porque o verde é da natureza. Já vem logo no meu pensamento o
verde.
verde, natureza, paisagem cheiro das plantas e das
flores
Ecológica Maria das Graças dos Santos 26/06/2013
"a questão da beleza, da beleza da serra das russas, a questão do clima, a questão da
arborização, que é muito intensa, a questão de moradia para residir não é de grande importância,
mas o espaço em si para um piquenique, para fazer visita, para tirar algumas fotos, para um lazer,
seria adequado."
arborização beleza da serra ecológica e simbólica Joabe Gomes 26/06/2013
"era muito movimentado na estação, o intuito do pessoal quando via o trem era de se aproximar.
Era um momento de festividade para aquele pessoal que tava ali, ansioso de ver o trem passar,
independente de quem vinha no trem, se era trem de carga, se era o trem do forró. Mas era a
curiosidade do pessoal de ver aquele momento do trem passando. Para mim como criança era uma
alegria, uma curiosidade de ver o trem e de me aproximar para ver o trem."
estação, trem * simbólica Joabe Gomes 26/06/2013
MATRIZ ANALÍTICA - MORADORES POMBOS
"como eu falei no início, se eu fosse retratar ele eu retrataria apenas até o primeiro túnel. Se eu
retratar o que eu não vi não é verdade? Então, eu vou fazer a nossa estação. aqui é a chegada da
estação. agora eu vou fazer uma ponte gaiola que a gente tem. Agora o túnel eu não sei como
fazer. O túnel vai ficar por aqui no final e se ninguém ver é porque tá no escuro. Isso aqui é a linha,
a estação... isso aqui é uma rua subindo no clube municipal."
túnel, ponte, estação * Técnica Joabe Gomes 26/06/2013
Indicativo de sentido Atributos físico-materiais Atributos imateriais Relação com a paisagem Autor Data
"Lá para baixo, para os túneis. Tem a ponte cascavel, tem o açude cascavel, todo canto aí.
Desse canto aí para baixo, querendo ver mato..."
túneis, ponte cascavel, açude
cascavel, mato
* Técnica e ecológica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"Você vai encontrar túnel, matagal... só isso mesmo. Morcego, maribomdo." túnel, matagal, morcego,
maribondo
* Técnica e ecológica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"eu conheço um bocado. Mas a ponte cascavel é a mais bonita. Porque é mais alta" ponte cascavel * Técnica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"Porque assim, tem importância para a gente. Para a gente ter mais cuidado com a linha do trem.
A gente tinha que ter cuidado da linha."
linha do trem * Técnica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"Porque só era mais bonito quando o trem passava. Passava meio mundo de gente, tudo alegre no
final de semana, no meio de semana era o de carga... pronto, era mais bonito por isso. A linha ficou
do mesmo jeito, só que assim, não passa mais trem, não passar mais troler, não limparam mais,
deixam arrear as barreiras, entendeu? Aí ficou um coisa feia e não é mais do jeito que era.
trem * simbólica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"era bom demais quando passava o trem. A gente se lembra assim, eu conto para as meninas que
o trem passava. As pessoas perguntam também: ‘passava trem’, eu digo ‘passava’. Chega dava
aquela emoção dentro da gente."
trem * simbólica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"os pés de manga na beira da linha... eu sou muito ruim para desenhar. Aqui é a linha... a beira
da linha."
pés de manga, linha * ecológico e técnica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"é muito ruim sem o trem, mas a gente já se acostumou um pouquinho. Porque quando o trem
passava era bonito demais, entendeu? Porque a gente corria para ver os matos, o trem, a zuada do
trem, quando a gente tava na linha a gente corria para dentro do mato e via quando o trem passava.
Aí agora ficou mais difícil da gente ver... e é muito diferente dos carros para o trem."
trem zuada do trem simbólica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"por causa do cheiro quando o trem passava... ele deixava um cheiro de óleo, de combustível. Aí
ficava aquele cheirinho. Mas o carro não, o carro só faz bater. E o trem era muito diferente. Eu tenho
saudade. Se o trem voltasse era bom demais..."
trem cheiro simbólica Maria Elizabeth da Silva 02/07/2013
"porque nós íamos para o Ladrilho, que minha irmã morava no Ladrilho, um sítio lá embaixo. E a
gente ia a pé pela linha do trem. Passava a pé por dentro dos túneis, túnel 11, túnel 14... Nós
andávamos na linha do trem e andávamos com medo, né? do trem vir e a gente tá ali. eu era
pequena na época, tinha 11 anos de idade."
linha do trem, túneis, trem * técnica Mariza do Nascimento 02/07/2013
"Daqui até lá indo por dentro não tinha casa nenhuma, só tinha a casa da minha irmã, tinha um
açude embaixo e os pés de manga... só mato, mato, mato, mato, mato. O lugar era assim. "
açude, pés de manga, mato * ecológica Mariza do Nascimento 02/07/2013
"eu acho mais bonito os túneis." túneis * técnica Mariza do Nascimento 02/07/2013
"vem a lembrança de infância, de quando eu era menina, que passeava na ferrovia, tudo isso. A
minha lembrança é essa. Que eu via passando os trens, via o pessoal trabalhando, aí eu tenho essa
lembrança."
ferrovia, trem * técnica Mariza do Nascimento 02/07/2013
"a potencialidade porque é uma linha férrea histórica, ela tem história, e tem um poder diante da
grandeza das construções, dos túneis, das pontes, etc. o ruim é que ela tá bem dizer, esquecida."
linha férrea, construções, túneis,
pontes
* Técnica Patrick Serapião 02/07/2013
MATRIZ ANALÍTICA - MORADORES GRAVATÁ
"Outra coisa é a trilha no meio de caatinga, passando pelos túneis, passando por morcegos ...
então, tudo isso. É belo. É muito bonito."
caatinga, túneis, morcegos * ecológica e técnica Patrick Serapião 02/07/2013
"Falar da serra das russas é falar do trem, falar do romantismo de andar de trem, de esperar o trem
na estação, dos túneis. Muita gente fala do túnel cascavel, o rodoviário, mas a gente tem catorze
túneis ali, 4 ou 5 pontilhões, se não me engano, e isso é nostálgico. Eu acho que tem uma
relação muito grande."
trem, estação, túneis, pontilhões * Técnica e simbólica Patrick Serapião 02/07/2013
"essa é a visão que eu tenho de longe. É uma visão das serras e dos pontilhões quando você ver
de longe. Os túneis, mas eu não sei como desenhar. a própria linha férrea. Mas eu não sei como
desenhar nessa visão."
pontilhões, túneis, linha férrea visão da serra técnica e simbólica Patrick Serapião 02/07/2013