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O S.Nicolau dos Estudantes

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Festas Nicolinas em Guimarães, publicação de 21 de setembro de 1957 da autoria de A.L. de Carvalho

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A. L. DE CARVALHO

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"...., TRADIÇÓES ESCOLÁSTICAS DE GUIMARÃES ......

2. A EDIÇÃO

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Page 4: O S.Nicolau dos Estudantes

PALAVRAS PRELIMINARES

-E R A ç O E S acadêmicas se sucederam no ciclo das tradiçõesescolásticas de Guimarães.

Nenhum cronista logrou contar-nos à margem das efeméddesvimaranenses, os fundamentos históricos da festa académica - o S. NI­colau dos Estudantes.

Contudo. pela Sua anceanidade e originalidade, bem merecia

que os moços acadêmicos de hoje soubessem como foi nas gerações

pretéritas a sua festa escolástica.

Velhos paladinos reuniram, é certo, alguns materiais, confian­do-os à guarda da Sociedade MartIns Sarmento. Outros elementos

andavam dispersos pelos jornais da terra.Quem se devotaria ao trabalho de coordenar esses materiais e

juntar-lhe tantos outros que o Arquivo Municipal de Guimarãespo.,ivelmente facultaria a quem manuseasse os seus códices P

Com estas perspectivas colaborantes, dei-me à tarefa, com• •SImpatIa.

Não logrei - por meu mal- a ventura de frequentar os cursos

onde se alcança, a-par do saber, a qualidade ilustre de Estudante.A minha «cátedra» da ensinança - saiba-o quem haja de julgar

o meu estofo literário - não foi além do a b c.

Destarte, não frui o mel doirado das diversões Nlcollnas.Seu mero observador, do facto advirá a vantagem de tornar mais

objectivo e sereno este trabalbo de coordenação histórica.

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Em 1943 dei à publicidade a 1.a ediçiio do S. Nlcolau dosEstudantes.

Como, porém, em assuntos bistóricos, não há. obras definitivas,

razão é porque esta nova edição se apresenta mais correcta e aumentada_Nela tomará lu~ar, quanto possivel, a reprodução dos Bandos

Escolásticos. Eles, por si, dão-nos aspectos reveladores da funçãoNlcollna. Mais ainda: Mostram-nos o lirismo poético como uma

das características maís impressionantes da festa escolástica.Tornando-se fundamentalmente necessário pôr em destaque o

foro tradicional das Nlcollnas, importa esboçar a fisionomia dos

tempos idos e reajustá-Ia à sua época.

Sem esse enquadramento ló~ico, de retrospecção, as Nlcollnaspodem correr o risco de não serem compreendidas. Direi mais: Podem.em certos números do seu programa, serem até mesmo repreensíveis.

Aquilatar, pelo espectáculo do presente, a importância das NI­colinas, é cair em erro.

O que hoje se observa, é uma vaAa, uma esbatida reminiscência

do passado.Para que melhor vejamos qu.nto a função estudantil constituia

em nossa terra um acontecimento de vulto, será b.stante ler-se, repro­

duzido dum periódico portuense de 1854, este comentário que acom­

panha a notícia da festa académica de Guimarães:

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' ... É uma festa de sumo Interesse local e pela qualtodos os anos esperam com ansiedade os estudantes, seuspais e famílias, e na qual multas vezes as donzelas de Guima­rães escolhem o jovem que há·de decidir do seu destino.>

Esta noticia publícada há. mais de um século no periódico por­tUfnse. Braz Tizana ('), de passo que nos mostra a importância das

Hlcollnas, igualmente nos patenteia que os seus com participantes já.haviam atingido a idade adolescente.

Com efeito, ver-se-á. pelos fundamentos históricos das Hlcollnas,quem eram no passado os «escolares.. que mais se evidenciavam nestafunção. tão ciosamente adstrita ao foro escolástico.

Então não se estranhará. que Minerva, a deusa protectora dos

Estudos, andasse de braço dado com M ercúrÍo, o deus da Eloquênciae Cupido, o deus do Amor.

•Não há. documentos que nos precisem a data inicial das Hlco·

IInas. Aproximar-nas-emas porém da verdade, prendendo as suasraizes à era de Seiscentos.

(1) O dircctor do Braz Tizana foi José de Sousa Bandeira, nascido em Lisboa,em li8? Varias escritores - Sampaio Bruno, Pinho Leal, A. J. Vieira - t dizem.Do vi­maranense. Este equívoco deriva do fado deste famoso jornalista ter vivido largos anosentre nós, onde fundou em 1822 o nosso primeiro jornal- O Azemel. Casado comD. Ana do Couto, da Casa da Carreira, de Guimarães, aparentado e n3 convivência coma melhor sociedade vimarancnse, o seu depoimento relativo às Nicolillas - impõe-se.

Sousa Bandeira foi, no dizer de Alberto Pimentel, cO criador da imprensa mo­derna do Porto:t.

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Para que se possa bem aquilatar o ambiente escolástico onde sedesenrolavam as Nlcollnas, ocuparei a~ primeiras páginas desta mo­nografia em descrever quai~ foram. remotamente. os institutos da

• • •enSlnança no melO VlmaTsnense.

Por eles se podem colher impre~sões justificativas quanto à

importância remota do meio escolá;tico. criador do ambiente propi­ciatório à função Nlcollna.

E hoje? ..

São outros os tempos. Uma nova mentalidade. um bem diversoconjunto de circunstâncias. arrastam a juventude para fora dos trilhos

da tradição.Apesar disso - da corruptela dissolvente -, a juventude escolar

de Guimarães quer bem à sua festa IÊ para colaborar com a juventude ~studantilque este livro surge.A própria nostalgia de que se reveste a lembrança do passado.

tem neste livro o perfume alacre e forte da mocidade bem vivida.

Eu o escrevi. não só por prazer intelectual, mas com o objfctivode criar estimulo~ novos à manutenção e depuração das Nlcollnas.

Vive em mim a convicção de que bem sirvo Guimarães _. aminha terra -. propugnando por que se projecte. para além da nossa

geração. uma tradição académica tão bizarra e original, como não há

semelhante em nenhum centro e~colar do Pais.

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A ESCOLA DA COLEGlAD,\ NO SÉCULO XIII - ENSINO DAGRAM.ÁTICA LATINA, CANTOCHÃO E TEOLOGIA M.ORAL­

SEUS ltlESTRES E ALUNOS

O alfobre primário. aquele onde brotou como flor de maravilha acrisálida dos primeiros estudos em Guimarães, foi a Colegiada.

Os fundamentos históricos desta cátedra filiam-se em uma deliberaçãodos Concilias de Latrão de 1179 e 1215. Cada Colegiada consignaria um<beneficio> destinado ao sustento de um cónego com a dignidade e exercí­cio de Mestre-Escola.

É natural que na Colegiada de Santa Maria de Guimarães - a maisantiga e a mais rica de todas as instituições canonicais do reino - já tivessehavido qualquer ensino, anterior ao século XliI.

Vejo cítados três Magisteres no Vimaranis Monumenta Histórica:

(1042) Racemim. (1104) Bernardus. (1151) Alberitus.(Ob. cito pâgs. 425, 70, 85.)

Gaspar Estaço, cónego da Colegiada de Guimarães, no século XVII,autor de Várias Antiguidades de Portugal, diz a este respeito:

<Tão antigo é nesta Vila o estudo da lingua latina, que precede emtempo as escolas de Coimbra e Lisboa, ordenadas por el-rei D. Dinis. >

p.e Torquato de Azevedo, em Memórias Ressuscitadas da AntigaGuimarães (Ms. do século XVII), referindo-se a esta cátedra capitular,escreve:

<Esta escola se ordenou em tempo de el-rei D. Sancho lI.>

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Aludindo à criação da escola, quer este autor atribuir à iniciativa docabido da Colegiada o modo de pagamento ao mestre.

Porquanto, deliberam:

- •... Se pedisse a S. Santidade a primeira prebenda que vagasse e,enquanto não vagasse, se retirasse de todos os mais uma porção para o leitorda dita gramática, do que resultou haver a conezia Magistral.>

Este monógrafo vimaranense foi capelão da igreja Colegiada. Emboranão cite os documentos coevos para garantia da sua afirmação, a verdade éque pôde manusear os manuscritos da instituição que serviu.

Um pergaminho da Colegiada que se atribui a 1229, dá conta dostermos de uma carla do Legado Apostólico João, bispo Sabinense, cujostermos imperativos parecem indicar que, com efeito, já anteriormente aoséculo Xlll se exercia o ensino, e que este se havia, por qualquer motivo,interrompido:

.Severamente ordenamos que na vossa igreja haja um mestre que dirijaa cadeira de Gramdtica, e ao mesmo atribuimos, enquanto a dirigir, umaprebenda completa . . . . . . . . . •>

o Vimaranis Monumenta Histórica - que é um repositório de docu­mentos referentes à história vimaranense - insere na integra o teor daordenação.

Por a mesma se vê que o ensino desta cátedra capitular ministrava asdisciplinas de gramática latina e cantochão.

o douto Pro!. catedrático Dl. Joaquim de Carvalho em um estudoreferente às escolas das catedrais e colegiadas, assim se refere à escola daColegiada de Guimarães:

.Aparentada intimamente com as escolas catedrais, eXistiu desde osprincípios do século XIII uma escola capitular, na Colegiada de Guimarães,fundada pelo legado pontificío João de Abbeville, bispo Sabinense, que o reiD. Dinis, em 1291, por assim dizer confirmou.

·No estaMo (1229?) do legado pontificio consigna-se à colegiada aobrigação de manter um mestre de Gramática.

•Districte precipimus quodin vestra ecciesia semper sit unus magisterqui studium regat in gramatica et eidem magistro quandin regerit unamprebendam integram asignamus. (Cf. Vimaranis Monumenta Histórica, lI, 201).

(Hist. dt Portugat, Ilustrada, Vol. 11, pág. 600.)

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o mesmo insigne Prol., em seu estudo incerto na Revista de Gui­marães (1945), considera, quanto à provisão régia de 1129, que se tratariada <consolidação e robustecimento> da cátedra vimaranense.

Da própria investidura de um dos seus doutos mestres, D. PaioGalvão ('), se vê que a escola da Colegiada bem podia já existir noséculo XII:

< ••• Pedro Amarelo, D. Prior, sabendo da vinda do Mestre D. Paiolhe foi dar as boas vindas e oferecer da parte dos seus cónegos a Dignidadede Mestre-Escola daquela igreja, que vogou pelo falecimento do mestre escolarD. Vasco Vivar.>

•Este encontro deu-se no convento da Costa, então dos Cónegos

Regrantes de 5.'° Agostinho, para onde D. Paio Galvão se dirigiu, vindo doexercicio da Universidade de Paris.

Do resultado da conferência dá conta este relato:

.Não póde o Mestre D. Paio contradizer ao que se lhe pedia, e assim,de licença do seu prelado, houve de aceitar a Dignidade de Mestre-Escola.

<E começou a ler no claustro da igreja matriz de Guimarães teologiamoral, não só aos cónegos daquela colegiada, mas a todos os mais (sacerdotes)da Vila, que para este fim !e instituiu a Dignidade de Mestre-Escola nasigrejas catedrais e colegiadas.·

(Crónica dos Cónegos Regranles de S." Agostinho.)

•A cátedra do ensino na Colegiada marcava a sua decadência nos

primórdios do século XV.

Em 1439, por ocorrências comprovativas das irregularidades no seuexercicio, a Câmara Eclesiástica dando cumprimento a uma Carta Apostólica,determinava:

< • •• Por o dito Senhor Padre Santo era a mim mandado que euunisse e anexasse ao dito Mestre-Escola da dita igreja de Guimarães uma

(1) Paio Oa/vão, que Guimarães evoca na toponímia da cidade, foi Mestre­·Escola da Colegiada, em 1190, conforme se l~ na Hist. dos Cdn. Reg. do Patriarca S.'"Agostinho, do P.C: D. Nicolau de S.u Maria, pág. 254, 1.1 P.

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das canezias cam sua prebenda quem em ela par qualquer guisa vagasse, parmarte au par cessãa, au all/ra qualquer mada e respandam e façamrespander cam as rendas e frutas dela aa dita jaãa de Rezende, Mestre­-Escala, e aas seus SI/cessares que a dita aficia em a dita igreja depais deletiverem . .. :.

(Arq. MUI!., L.o 1.0 dos Padroados, fls. 55-56.)

Anos sucederam-se.Toma conta da cátedra Lourenço Afonso de Andrade. De tal ma­

neira irregular se desempenhava do ensino da gramática latina e canto; su­cediam-se tão frequentemente os seus impedimentos, que levou o corpocapitular, complascentemente, a lavrar o seguinte termo:

<Saibam quantas este instrumenta de cantrata e canvençãa entre partesvirem, que na ana da Nascimenta de N. S. J. C. de 1488 anas, aas 17 diasda mês de Abril, na vila de Guimarães, dentra na cara da muita hanrada edevata igreja de Santa Maria da dita Vila, senda hy (ai) reunidas em cabidapar sam de campa taugida as Senhares Dignidades cónegas da dita igreja

•scillicet (a sabe!) a Bac/wrel Fernãa Alvares, Chantre, Afansa de Freitas,Tesaureira, Laurença Afansa de Andrade, Pratanatária e Mestre-Escala dadita igreja, e Fernãa Carneira, Luís Vaz, Martim Laurença, Luis Anes, AfansaAues, Pera Afansa, Pera Gançalves, e a mar parte das autras cónegas dadita igreja que ai sãa fazenda cabida, laga par eles fai dita: que era verdadeque ele dita Pratanatária e Mestre-Escala era abrigada, pela criaçãa da ditaseu Mestre-Escalada, de ensinar as Maças da Cara da dita igreja, de gramáticae canta; e sentinda ele par serviça de Deus e da dita igreja, e pera eia me­lhar ser servida, a eles tadas prazia e queriam que a dita Mestre-Escala, pelaabrigaçãa que a si era, aqueles ditas Dignidades e cónegas, cama cabida, a

. desabrigavam em sua vida, e mais nam, par esta guisa scil/icet, que ele dê emcada um ana mil e duzentas reis a quatra Moças da Cara que sirvam a ditaigreja cantinuadamente scil/icet dais dias cada samana e (nas) festas prin­cipais tadas quatra juntas, as quaes Maças da Cara paera (porá) a Chantreas mais idóneas que ele achar pera dizerem as respansetes, segunda as tempasque carrerem pela ana, e assim as versas, e darem as antifanas, as quaesmil e duzentas a dita Pratanatária pagará às terças da ana, au na caba daana, coma a Chantre quiser.. .....••

IArq. Mun., Códice 584, fi. 57 V.)

Por esta escritura o referido mestre ficou dispensado, enquanto vivo,<e mais nam., de exercer ou fazer exercer o ensino da gramática latina ecantochão.

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Os .responsetes', os .versos" as .antifonas" as -orações de fina­dos>, era a preocupação única do corpo capitular.

Quanto à instituição escolar, era o menos.Em 1538, ocupava a cadeira prelaticia D. Henrique, Infante de

Portugal.

Inteirado da maneira irregular como se observava o ensino na Cole­giada, deixou consignada esta ordem imperativa, quanto às duas disciplinas:

' ... O Mestre-Escola mandara ensinar a ler e cantar os Moços doCaro todos os dias da somana, duas horas, sendo uma polia minhãa, outra àtarde, dentlo da claustra, por mestre idono pera isso, sob pena de dezcruzados.>

(Arq. MI/Il., Maço 148.)

Em 1643, D. João Lobo de Faro, que vivia junto da Corte, vem devisita à Colegiada, onde era D. Prior.

Reparando na insuficiência do ensino, deixou consignada esta ordem:

.0 rev. Chantre tem obrigação de prover quatro moços convenientes aoserviço do coro, pelo que mandamos satisfaça a esta slla obrigação, provendosempre moços suficientes, para os quaes o rev. Mestre-Escola dará pessoaidónea que os ensine de gramática e cantochão, como lile está mandado.'

(Arq. Mil"., Maço 149, doc. 22.)

Em 1651, o cônego Bento da Costa fazendo em cabido reparosquanto ao modo como se exercia o ensino, formulou a seguinte objecção:

•Que era necessário que o Chantre tivesse Cltidado de mandar ensinaro latim e canto do coro, porque estavam nisso muito falhos. E que o sub­-Chantre os ensinasse, assim lias versículos como em tudo mais.

Entendido, pelo visto, em música sacra, acentuou:

.E qlle se façam pallsas • • • • • • • • >

(Arq. MUllo, Códicc 431, fI. 13.)

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CLAUSTRO DA COLEGIADA

(CÉLULA .MATER. DA ESCOLA CAPITULAR)

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A

INVESTIMENTO DUM MESTRE TEÓLOGO - MESTRESRELAPSOS AO ENSINO - FRUSTRADAS TENTATIVAS

DE REMtDlO

Teologia-moral, versada sobre a Sagrada Escritura (Sacra página)denominava as suas lições - ,casos •.

Versavam estas lições sobre casos de consciência, que o mesmo édizer, lições de casuistica.

Exigiam, pois, um sacerdote ,letrado, entendido em teologia•.Em 1566 foi provido na cadeira de Leitor da Sagrada Teologia o

cónego Gonçalo Velho.

Assim se descreve a sua posse:

' •.. Provemos e confirmamos ao dito Bacharel Gonçalo Velho nadita conezia com sua prebenda, por imposição do Barrete que sobre suacabeça pusemos, e o investimos em sua posse e de todos os seus frutos, rendas,proventos, direitos, subvenções e distribuições quotidianas; e lerá as ditasLições da Sagrada Escritura, encarregando-lhe também o serviço da igreja,o qual Gonçalo Velho jurou aos Santos Evangelhos o juramento solito eacostumado. . . . . . . . .• .

,Dada em a dita Vila de Guimarães, em cabido, aos 22 dias do ditomés de junho do dito ano de 1566.•

Este auto de posse foi lavrado peJo Notário Apostólico e assinadopor testemunhas.

É evidente que esta <imposição do Barrete. não tinha, como nosactos do doutoramento dos Lentes da Universidade, grande ritual e soleni­dade. Mesmo assim observava-se um cerimonial.

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Só o que não tinha ·cerimonial. eram as admoestações feitas a estesmestres, quando eram remissos no cumprimento da sua obrigação.

Decorridos trinta e cinco anos, o Arcebispo, D. Fr. Agostinho de Jesus,visitador, fez registar esta admoestação ao cónego Gonçalo Velho:

• . •. Tendo obrigação de ler casos nesta Colegiada... cumpra coma dita obrigação, sob pena de lilO estranharmos como nos parecer. E nósproveremos que não faltem ouvintes a quem possa ler••

(Arq. Mun., Maço 6/2/7, Doc. 2.)

Em 1619 foi provido nesta cadeira o cónego Bacharel Bento da Costa.Havia, porém, um opositor à sua nomeação.Este facto deu margem a uma cena, em plena igreja.Das 3 para as 4 horas da tarde subia ao púlpito o mestre de Teo­

logia -moral para dar a .lição de ponto •.

Comentário ao sucesso:

• . .. E não acabou a lição, té que nós lhe demos sinal que sedescesse • • • • • • • • • • • • •

o escândalo foi retumbante!

Porquanto:

.Ao acto assistiram as Religiões e a Nobresa e povo da Vila .•(Arq. Mun., Maço 273, D.'" 125 126.)

As ,Religiões. eram os frades de S. Francisco e S. Domingos.Por uma .visitação. de 1624 vê-se que a cadeira de Teologia- moral

estava afecta a um cónego, que não cumpria com o seu exercicio.

Assim o diz este registo:

.0 Ilustríssimo e Reverendissimo Senhor Arcebispo de Braga, visí­tando pessoalmellte esta ígreja (Colegiada) achando por informação verda­deira que o L.d, [oão do Vale de Azevedo cÓllego Magistral dela havía allosque não cumpria com esta obrígação, defraudando a dita ígreja e cíerezíada honra e proveito de que tal lição resulta, manda, com penas ao ditocÓllego Magistral. .• , que em certo termo cumprisse com a obrigação do seubeneficio.•

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o mestre relapso, depois de uma querela com o Cabido, que demo­rou alguns anos, desistiu do lugar em 1628.

(Arq. Mun., L.o 2.0 dos Padroados, fI. 78.)

Em 1639 foi leitor desta cadeira o cónego Dr. Miguel de Valadares.Como era tão negligente como o seu antecessor, foi transferida a leitura da< Sagrada Teologia. para os frades dominicanos, por prévio ajuste.

(Arq. Municipal, Maço 6/2(7, D.to 139.)

Chegados, porém, a 1747, a situação da cátedra está posta neste do­loroso quadro, que as Visitações de D. José de Bragança, feitas à Colegiadade Guimarães, assim descrevem:

•c •.• E também nos mesmos eeles iásticos muito estranhável a ociosi-

dade em que muitos vivem . .. , e havendo nesta Colegiada uma cadeira de mo­ral, se nos faz presente que raríssimas vezes aparecia algum para assistir àlição dela, {icando deste modo frustrado o fim para que foi instituida, ematenção do que, mandamos a todos que frequentem a dita lição: e, dos queassistirem, fará lembrança o rev. Padre Leitor, para que possa passar certi­dão da sua frequ~ncia ... e, sem ela, não serão providos a Ordens os preten­dentes delas • . . . . . . . . . .'

(Arq. Mun., Códice 1.549, 11. 46.)

Subsistiu, portanto, na Colegiada, depois da decadência da escolacapitular, o ensino da teologia-moral (1).

*

Para que se possa colher uma impressão exacta do panorama do en­sino público em Guimarães, no século XVI, importa fixar esta efeméridehistórica:

Em 1562 o Notário Apostólico João Alves, sub-Chantre da Colegiada,dá a este respeito informes esclarecedores, em processo:

< Provará que D. Lourenço de Andrade foi Mestre-Escola ... e postoque nunca ensinou de gramática, teve, enquanto viveu, muitos mestres dele

(1) Pedro Hespano e Paio Galvão _ dois notáveis vultos que destacadamenteascellciOllaram 113 hierarquia da Igreja e prestigio das letras - passam por haverexercido o ensino na escola c3nónica de Guimarães.

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(ensino), os quaes mestres tinham escola pública e ensinavam quantos que­riam aprender a ler e a cantar, assim aos cónegos como aos careiros . . .•

Destarte se conclue:

a) Que, a par da escola capitular, no século XVI, havia mestres de la­tim e cantochão, em ensino livre, e era a estes mestres que D. Lourençode Andrade recorria para o suprir na obrigação da sua cátedra capitular.

b) Igualmente se utilizavam da escola da Colegiada, não só os moçosdo coro, mas os próprios cónegos, pois que os havia falhos no conhecimentode latim, nomeadamente os que não eram ,cónegos de missa>.

Vê-se pelo processo de 1562, que foram notificados 'os moços docoro da mesma Colegiada, Gaspar, filho da sombreireira, Domingos, filho de[oão Gonçalves, de Pousada, Bartolomeu, filho de António Pires ... , e Antó­nio, filho de Leonor, viuva, para que na forma do dito mandado vão às horas,tempo e lugar nele mandado, aprender a cantar cantochão de cinco regras, comele também sub-Chantre, e gramática com o mestre Gaspar Dias, a quem tam­bém notificou o dito mandado. >

(J. Lopes de Faria, L." Mss. Colegiada, Vais. }.. c 2. 0 .)

Eram os ,Meninos do Coro> alunos obrigados da escola capitular.Assim o vemos do Estatuto da Colegiada, datado de 1662:

,Cap. 29 - O Mestre-Escola é obrigado a ensinar à sua custa os mo­ços do coro que forem necessários para serviço dele, e das missas e oficios di­vinos, gramática e canto, os quaes o Chantre buscará e apresentará ao Mes­tre-Escola para os haver de ensinar: e sendo caso que o Mestre-Escola falteem esta obrigação, o Cabido os mandará ensinar à custa das rendas do ditoMestre-Escola: o qual tem nesta igreja duas prebendas, e com cujas obriga­ções cumprirá, conforme as pautas.>

(Bib. Mun. do Porto, Ms. 11.0 314.)

Por todos estes fundamentos está demonstrada a característica escolarque acompanhava os ,Meninos do Coro> ao serviço da Colegiada de NossaSenhora da Oliveira.

Na função Nicolina os vamos encontrar, dando-nos nela testemunhoda sua caracteristica estudantil.

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UMA TENTATIVA EM 1512 PARA A FUNDAÇXO DE UM COLt610- ESCOLAS CONVENTUAIS - O FACTOR DETERMINANTEQUE CRIOU OS ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS DA COSTA

FR. JOÃO DE CHAVES, Padre-Mestre dos frades da Ordem deS. Domingos em Guimarães, saiu um dia a portaria do seu conventoe encaminhou-se com destino à casa da Câmara.Estava reunido o Senado Municipal.

Assim falou, na era de Quinhentos, o rev. Padre-Mestre aos homensda governança:

< Senhores: Pelo experimento que tenho desta terra dantre Doiro-e­-Minha, considerando quanta igllort1llcia !lá nela e quão alollgados ançamosdo católico viver e do culto DivillO, e como somos outros do que foram osantigos que nela habitaram, que eram mais ardentes no amor de Deus einstruidos nas causas da Fé, que se demostra pelos muitos ediflcios de Casasde Religião e multidão de igrejas que nela há em muito maior número equantidade que em nenhuma parte do Reino; meditando que a causa pri(lcipaldesta calamidade é a ignort1ncia das ci~ncias e virtudes que por ela seadquirem, diz-me a razão que haveis vós de representar a el-rei, propondo-lhealgulls remédios pera se reduzir a verdadeiro viver esta gente e, semelhante­mente, as pessoas da Religião e eclesiásticas, cujo dissoluto viver . .. é em talmaneira, que parece causa miraculosa como se susteem, vivendo em tal cegueira.• • • • • • • • • • • • ••

Remédio para semelhante descalabro moral e intelectual - tão grandeque abrangia <as pessoas da Religião e eclesiásticas. - encontrava-o fr. Joãode Chaves na debelação <da ignort1ncia das ci~ncias e virtudes.,

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Eis porque trazia à Câmara o seu parecer, posto nestas palavras deconselho:

,Fazer colégios e escolas onde se lessem e aprendessem as ci~ncias emodos de servir e conhecer e acatar a Deus Nosso Senhor.•

A calamidade, resultante da ignorância pública, era catastrófica.Alastrava por toda a parte. Enfrentando o problema na provincia de Entre­-Douro-e-Minho, nenhuma terra estava em melhores condições para nela setentar a criação de um Colégio, como a vetusta Vila de Guimarães, 'por serhua das mais nobres do Reino.•

Como estimulante à sua iniciativa, lembrava Fr. João de Chaves duasfiguras locais: D. Diogo Lopes de Lima, Alcaide-mor do Castelo, e Barto­lomeu Afonso, Ouvidor do Duque, donatário da terra, pessoas que, no seudizer, 'tinham boo respeito da honra dela. (I).

•A representação foi dirigida ao rei em 25 de Fevereiro de 1512,

moldada nos termos expressos pelo referido Padre-Mestre do convento deS. Domingos. Nela se indicava estar a Câmara disposta a suportar oencargo de um tributo especial, lançado sobre a carne ou vinho:

, .. , por dous ou tr~s anos ou mais tempo se Vossa Alteza assim oachar por bem.•

Mais se prometia, no caso de ser preciso, construir um edificio paraesse Colégio, oferecendo para a construção do mesmo ,madeiras e outrascousas. ~

Não obstante o oportuno e sério empreendimento de Fr. João deChaves, nada resultou de prático.

Mas como podia merecer a atenção de D. Manuel 1.0 um problemade ensino, se o rei andava todo preocupado com a política de expansaoAtlântica?

É que se estava a pequena distância no tempo do descobrimento doBrasil, por Pedro Álvares Cabral. Então era para as Terras de Santa Cruzque convergia uma forte corrente emigratória, a qual arrastava consigo, porambição de glória e de fortuna, os valores activos da já parca populaçãoportuguesa.

Mal se dava pela existência de escolas seculares.

(1) Alf. Pímenta. Guimarães. Reproduz na integra este doc. inc. na Torredo Tombo.

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A Histária Seráfica dos Frades Menores da Provincia de Portugalalude a umas escolas públicas no seu convento, .sem estipêndio ou premio,senão só proveito dos discipulos •.

Outro tanto informavam os Dominicanos, na exaltação apologeticada sua Ordem.

Bem precário, porem, seria este ensino ministrado gratuitamente aalunos seculares, embora os cronistas monásticos falem dele, com desvane­cimento.

Teriam, pois, os filhos da terra, de procurar o ensino longe deGuimarães.

*

Decorrido um quarto de século, reinando em Portugal D. João m,surgiu para Guimarães uma aura venturosa nos dominios do ensino público.

Factores de ordem intima sucedidos na vida do rei teriam determi­nado que fosse escolhido o Convento da Costa, em Guimarães, para nelese criar um colegio, com Gráus correspondentes ao ensino superior, sendoo mesmo confiado a um escol de Professores.

Assim o devemos deduzir desta referência incerta na Crónica dosCónegos Regrantes de 5.10 Agostinho:

< Sendo el-rei D. João /lI ainda príncipe, houve um filho natural comhua moça da ctlmara da Rainha D. Leonor... a quem pós o nomeD. Duarte. e o mandou criar com todo o segredo no Mosteiro da Costa, juntoa Guimarães. >

(L.o IX, capo XXXV, pág. 285.)

.Com todo o segredo> mandou o rei criar e educar no Colégio daCosta, em Guimarães, um filho que houve de uma donzela ao serviçoda rainha.

Foi, como se vê, uma razão de natureza intima, do foro particular dorei, a determinante da escolha do convento da Costa para nele se criar umalfobre de estudos que aproveitasse a príncipes e não deslustrasse o rei ea seu irmão.

Neste recanto ela Provincia, em ameno lugar, a criação e educaçãoelos príncipes ficava a bom recato.

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MOSTEIRO E CONVENTO DA COSTA ONDE SE INSTALOU, NO SECULO XVI, A UNIVERSIDADE

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UNIVERSIDADE DA COSTA NO SÉCULO XVI - O ALVARÃ RÉGIOQUE A CRIOU - VISITA DUM CÉLEBRE PROF. ESTRANGEIRO ­

UMA COMUNICAÇÃO QUE FALA DA IMPORTÂNCIADO ENSINO ALI MINISTRADO

N A série das Ordens Religiosas em Portugal, distinguiu-se no ensinoa Ordem de S. Jerónimo. Um dos seus conventos ficava nossubúrbios de Guimarães, no lugar da Costa.

D. João 111 confiou ao instituto monástico, que tinha como ReitorFr. Diogo de Murça, a educação de seu filho, o príncípe D. Duarte.

Por sua vez D. Luis, irmão do rei, igualmente entregara ao colégioda Costa seu filho D. António, que proviera dos seus amores com umalormosa judia, que ficou assinalada na história com esta rubrica galante:- - a Pelicana >.

Foi depois que estes dois moços escolares, de estirpe real, vierampara o colégio dos frades Jeronimistas, que este se elevou com disciplinasuniversitárias e um corpo docente seleccionado. .

Quem nos esclarece quanto ao valor do instituto escolar da Costa, éum insigne Mestre estrangeiro, de nome Nicolau Clenardo.

Havendo este douto humanista conhecido na Universidade de Lu­vaina a Fr. Diogo de Murça, uma vez convidado a vir exercer o ensinoem Portugal, propôs-se lazer uma visita ao seu amigo.

Era perto da noite quando Nicolau Clenardo passou junto dos murosdo burgo Alonsino, a caminho do convento da Costa.

Como da sua própria narrativa se vê, Nicolau Clenardo vinha mon­tado em -burro velho>, escarranchado sobre albardão, com alforges.

Seu criado, -de origem holandesa>, montava um rocim, seguindo achouto brando o seu amo.

Para além das -Hortas do Prior> eram as poldras do -rio de Fato>.Por entre campos cultivados e hortegos torci colava a azinllaga do ca­

minho que conduzía ao convento.

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Como fosse aguardada a visita do insigne latinista estrangeiro, a por­taria se lhe abriu cord~almenle.

Descavalgado, mais morto que vivo, tão mocnle c longa foi a jornada,pouco depois lhe era servida uma ceia reconfortante.

A seu lado sentou-se Fr. Diogo de Murça, fazendo-lhe .as honrasda casa ...

Não diz a correspondência que relata csta visita, quantos dias se de­morou no convento da Costa o douto ProL Nicolau Clenardo. Ainda assim,o tempo que ali se demorou foi bastante para tomar conhecimento do modocomo no instituto da Costa se ministrava o ensino.

Descrevendo como as disciplinas estavam distribuidas no Colégio,assim o relata Clenardo:

' ... Tem ele no mosteiro três lentes, todos portugueses. Conheceis jáa Bordalo: este ensina ética, logo depois do almoço. e a fisica antes do meiodia; outro ensina dialética; o terceiro, sob ClIjas bandeiras milita um filha deel-rei, de quatorze anos de idade, a retórica.

•Assisti ás lições de todos eles, e quiseram-me parecer bastanteqesempoeirados no assunto. >

(Cardeal Gonçalves Cerejeira. O Renascimento em Porlugal, VaI. 11.)

Para complemento deste parecer, quanto ao mérito do ensino, voiva­mos nossa atenção a uma parte dum relato feito por D. Diogo de Murçaa D. João 111:

' ... Quanto ao colégio, Nosso SenflOr seja louvado, vai bem ávante,e Jazesse mais fmito do que eu nunca cuidei que se podesse fazer . .. >

Depois de dar comunição que havia no Colégio, estudando teologia,quatorze frades, e oito, no curso das Artes, .todos de boas habilidades>, con­tinuava o relatório por este teor:

.Há mais neste curso dezoito leigos, que neste colégio aprenderam agramática, dela tão latinos e abiles, como nom se acflllr!o em qualquerparte . .. , que nom é pouco pera este monte deserto. >

Dando conta dos escoiares leigos, estranhos à vida monástica, diziaFr. Diogo de Murça:

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Page 24: O S.Nicolau dos Estudantes

e o lente dela e<Leigos haverá nesta escola de cincoenta ate sessenta,natural desta Vila. (') . . . . • . . • • ••

Finalmente pondo em Deus suas esperanças, quanto ao futuro do co­légio, assim terminava sua carta-relatório:

<Espero em Nosso Senhor que daqui a poucos anos, haja aqui tão boaslentes de frades e leigos, que nom seja necessário traze-los de fora, do queNosso Senhor Deus dará a Vossa Alteza galardão eterno e neste mundomuita glória a seu real nome. . . . . . . . .•

•o Alvara régio que criou o instituto da Costa é do teor seguinte:

.. Eu cl-rei faço saber a quantos este Alvará virem, que por folgar de fazergraça e mcrct! ao colégio que ordenei na Ordem do Bcmaventurado S. Jerônimo,que está no Mosteiro de Santa Marinha da Costa da dita Ordem, e assim aos lentese aos colegiais do dito colégio, hei por bem e me praz dar minha autoridade,poder e faculdade para que no dito colégio se d~111 gráos de Bachareis, Licencia­dos e Mestres de Arfes, os quaes grâos se darão por minha autoridade, que paraisso dou .

...E quero, e me praz, que os que no dito colegio forem graduados nos ditosgráos, tenham e gozem de todas as liberdades, privilégios, proeminências, isen 4

ções que têm, e de que gozam e devem gozar os graduados dos ditos gráos quese graduarem na Universidade da cidade de Coimbra.

cE, por este, dou poder ao Reitor do dito colégio que, como Cancelário,seja presente aos exames e d~ as Jicenças aos examinandos que foram aprovadospelos examinadores, para receberem os ditos gráos, e lhes passe deles suas Cartasem forma, nas quais façam menção de como ele dá os ditos gráos por minha au­toridade, que pera isso lhe dou.

«Este Alvarâ mando que valha como Carta, sem embargo da 9rdenação,no L. 0 11 de minhas Ordenações. no Tomo 11, que diz que as cousas cujo efeitohouver de mais de um ano, passam por Carta.

"Isto durará sómente enquanto Eu o houver assim por bem, c não mandaro contrário.

..Cumprir-se-ã, posto que nâo seja passado pela Chancelaria, sem embar­gos da dita Ordenação.

-Jorge Roiz o rez em Lisboa, a 6 dias de Junho de 1541.

Cal Rey•.

(1) A carta-relatório de Fr. Diogo de Murça a D. João m, é reproduzida, na inte­gra, no livro do Prol. Mário Brandão - Coimbra e D. Antãnio Rti dt Portugal, pág. 162.

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AZULEJO HISTORIADO NA VARANDA DE S. jERÓNIMO DO CONVENTO DA

COSTA CELEBRANDO A ENTRADA DOS INFANTES D. DUARTE E D. ANTÓNIO

NA UNIVERSIDADE ALI INSTlTUIDA POR D. JOÃO 111.

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AZULEJOS HISTORIADOS - UMA NortclA CRONOLÓGICAGRAVADA EM GR,\NITO - MONÓGRAFOS E ItlsrORIA·DORES QUE SE REFEREM À UNIVERSIDADE DA cosrA

NADA mais eloquente para identificar um facto histórico que o do­cumento. Narrativa imersa na nebulose dos séculos, se a não ilu­mina documento insuspeito, fica de remissa.

A História não enjeita o facto não documentado; mas não lhe dáforos de incontroverso.

Documentos coevos vividos com o sucesso, são aqueles que mais seimpõem à análise critica.

O Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, (vol. n.O 6,pág.21O) no estudo ali incerto do Pro!. Dr. Joaquim de Carvalho, -Memó­rias dos Estudos em que se criaram os Monges de S. /erónimo - indica ainstituição que guarda o Alvará Régio respeitante à Universidade da Costa.

Três documentos iconográficos memoram o sucesso.Na varanda alpendrada de fr. Jerónimo, no antigo convento Jeràni­

mista, existem dois panneaux de azulejo que respeitam à história do memo­rável instituto Universitário.

Ladeiam uma porta voltada ao Nascente.O quadro que fica à O., mostra-nos como figura dominante D. Jaime,

4.° Duque de Bragança e 2.° de Guimarães. Como senhor donatário daVila, vê-se ali fazendo entrega a fr. António Monis, da Bula do PapaClemente VII, que transferiu o Mosteiro da Costa. então dos Cónegos de5.'° Agostinho, para os frades Jerónimistas (').

(1) A Bula tem a data de 1527. Foi alcançada a instâncias de ei-rei D. João m,e O qual havia recomendado este negócio a D. Martinho de Portugal, seu sobrinho, entãoembaixador em Roma~.

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Page 27: O S.Nicolau dos Estudantes

Nos dois extremos deste quadro mostram-se alguns págens de farda,segurando cavalos gualdrapados, que serviram para o transporte do senhorDuque e seus criados.

Em plano afastado, ao centro. ergue-se um templo com o seu campa­nário, onde se vê um sino e mais um relógio de sol.

Este templo, nada tem de comum com a arquitetura do actualMosteiro. Como a fundação do primitivo convento se atribue à rainhaD. Mafalda, talvez que o autor do desenho visasse a traça primitiva.

*

o panneaux do lado E. mostra-nos ao centro uma sala de aula comum frade Professor em seu exercicio.

Em carteiras de estudo isoladas, sentam-se o Infante D. Duarte, filhode el-rei D. João m, e D. António, filho de D. Luis, irmão do soberano.

Na primeira carteira poisam, a par de um livro aberto, a mitra e obáculo da ascendência prelaticia de D. Duarte, aos 22 anos de idade.

Na segunda carteira, além do livro de estudo, vê-se uma coroa real,sinal da efémera realeza do infelicitado D. António Prior do Crato.

Monges em estudo, na crasta, marginam este quadro.As principais personagens estão identificadas pelo seu nome.O mestre que está ministrando ensino aos dois alunos de régia es­

tirpe, é Fr. Jorge de Belém.

A varanda de Fr. Jerónimo sob alpendre apainelado, que tem a domi­ná-la ao centro um bem trabalhado chafariz de pedra, mereceu ser exalçadacomo lugar de meditação e estudo na Crónica dos Cónegos Regrantes deS." Agostinho.

Foi iniciativa benemerente do P" Fr. Diogo de Santa Maria, noano de 1714.

Descendo agora à cerca do convento, deparamos com uma lápide degranito encrustada na parede exterior da capela-mor do Mosteiro.

Esta lápide, que mede 1,13XO,65, atribue-se ao ano de 1678.

Nela foi gravada a seguinte inscrição:

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Page 28: O S.Nicolau dos Estudantes

TENTATIVA FRUSTRADA PARA O R~SSURGIMENTO

DA EXTINTA UNIVERSIDADE DA COSTA

M AIS de um século decorrido sobre a extinção da pequena Universi­dade que funcionou alguns anos no < Real Convento de S. Jerô­nimo " o panorama do ensino em Guimarães ficou limitado a

uma ou outra célula de Padre-Mestre, frequentada por alguns alunos desti­nados à carreira eclesi<\stica - que foi, no passado, a mais sedutora profis­são dos pais para os seus filhos, nomeadamente os primogénitos.

Escreveu um alto espirito, do século XVIII, refugiado em Paris, parase furtar à sanha do Tribunal da Sauta Inquisição:

< Em Portugal todo o que não nasceu nobre ou não é eclesiástico.deseja vir a ser membro destes dois corpos respeit<\veis, adonde a conve­niência, a honra, a distinção, e o proveito têm ali o seu assento. O lavra­dor, O ·obreiro, O oficial, trabalham dia e noite para fazerem um clérigo, umabade e um Cavaleiro do Hábito de Cristo. . . . . . •

(Antonio Ribeiro Sanchcs. -Carias sobre a EducaçlJ.o da Mocidade~)

Atravessado o periodo calamitoso da Guerra da Independência(1640-1668), eis que entrou em elaboração uma tentativa de renascimentodesse memorável instituto de ensino. Uma saudade, mista de orgulho, tra­zendo à lembrança dos velhos o < Real Colégio da Costa., fizera despertarnos governantes locais o desejo de criar em sua substituição um estabele­cimento similar.

Correspondia essa aspiração a uma necessidade local.Para esse efeito reuniu, em magno senado, a Câmara Municipal com

a Nobreza e Povo.Do facto nos dá noticia um termo registado no livro das Vereaçôes,

que é do teor seguinte:

< Aos 30 dias do mês de Abril de 1678 em esta Vila de Guimarães

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na casa da Camera dela, adonde estavam juntos Manuel de Valadares Vieira,vereador mais velho, Juiz pela Ordenação, Gonçalo Lopes de Carvalho eCamões, e José de Sousa Carvalho, vereadores, e João Rebelo de Andrade,procurador do concelho, ai parante eles oficiais da Camera, compareceramNobreza e Mesteres (I), e Procurador do Povo, abaixo assinados, e por elesfoi proposto:

< Que nesta Vila havia muitos sujeitos que se perdiam por não terempo sibilidades pera irem estudar fora da terra, e era utilidade do Reino ohaver nele muitos homens de letras, com que Sua Alteza ficava mais bemservido: e que já nesta Vila houveram cadeira no Real Convento deS. Jerónimo, nas quais também aprenderam os primeiros príncipes desteReino e que, suposto estas (cadeiras) estarem destituidas, e visto o grandeproveito e utilidade que se seguia de elas se tornarem a conservar, ou nomesmo convento ou em outro que pareça mais conveniente, eles se ofere­ciam, em nome do Povo, a pagar as custas que fizerem em cada ano. aosLente, e coisas necessárias a este fim, para que haja escolas de Gramática,filosofia e Teologia: e que o cu to será metido no cabeção da cisa ....por ser uma comum utilidade de todo os moradores deste povo ... e eracrédito de uma Vila tão notável, e a primeira Corte de te Reino, e base doprimeiro Rei e Senhor D. Afonso Henriques. >

(Arq. Mun., Cúdicc 1707, fI. 213.)

É este termo autenticado por 30 assinaturas, alO'umas delas em +cruz.

Como se vê desta representação, a Câmara começando por destacar< que havia muitos sujeitos que se perdiam por não terem possibilidades parairem estudar fora da terra>, recordava a antiga Univer idade da Costa ondehaviam aprendido < prínâpes deste Reino>.

Quanto às despesas inerentes a este ensino superior, inclusivé o pa a­mento aos < Lentes>, a Cámara as tomaria sobre i.

E de notar a ufania com que a representação alude aos pergaminhoshistóricos da nossa terra - < primeira Corte deste Reino e base do primeiroRei e Senhor D. Afonso Henriques>.

Com cfeito, empre que se oferecia ocasião para ostentar esses nobrestitulos de mera história lo ai, não deixava a Càmara de os patentear, - talcomo ainda hoje o fazemos, tomando por bandeira e escudo a lembrançadas glórias passadas.

(l) Dois mcstrcs dos oHcios, anualmente eleitos, tinham assento na Vcreação.

34

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*

Ainda nessa emergência resultou sem efeito a tentativa da Câmara deGuimarães para o ressurgimento de um instituto superior semelhante ao quefuncionou, durante alguns anos, no ~ Real Convento de S. ]erónimo '.

Como efeméride histórica do Convento da Costa se assinala terem alipermanecido < mais de quatrocentos anos, os Cónegos Regrantes de SantoAgostillho', (L.o IX pág. 285); e perto de três séculos, os Monl;es da Ordemde S. [eróllimo.

Certas memórias manuscritas relativas a esta casa monástica publica­da na Revista de Guimarães (n.· XXVIII), põem em destaque a manutençãodo ensino da Filosofia no Convento da Costa, no século XVIII, acrescentan­do-se que, ao mesmo, eram admitidos alunos laicos.

Os actos finais realizavam-se < com todo o lustre e assistência domelhor de Guimarães" que o mesmo é dizer, com a maior solenidade.

Chegados, finalmente, ao século XIX. encerrado o ciclo da existênciados conventos, em 1834, o grande edificio e a sua frondosa e extcmsa cercaj13ssaram Ü propriedade privada.

*Apesar das vicissitudes que cairam sobre este monumento monacal

- o último dos quais foi um incêndio, que lhe destruiu uma série de pnllllcallxde azulejo classificados de interesse nacional-, subsistem ali elementos quememoram a vida, há séculos extinta, da 'pequena Universidade da Costa'.

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IGREJA DE N. s..... DA OLIVEIRA (COLEGIADA)

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ONDE SE CONTINUA A NARRATIVA HISTÓRICADO ENSINO EM GUIMARÃES

A PAGADOS os luseiros memoráveis das primeiras células do ensinopúblico em Guimarães - escola capitular da Colegiada e Univer­sidade da Costa -, ficou entregue o magistério do ensino aos

Padres Mestres, cujo tipo singular nos oferece este registo de licença pas­sada pela Vereação de 1742:

< Foi concedida licença ao P. e Leandro de Castro, morador na RlIa deGatos, para continllar a ensinar gramática latina, que já ensinava há vinteanos, o que era utilidade pública, pois os esllldantes pobres não podiam ir aBraga e serem vigiados pelos pais. . . . . • • . >

(Arq. Mun., L.0 IV do, Registos, fI. 149.)

Como este professor, outros havia na terra em regime de 'ensino livre,sendo as lições pagas pelos respectivos alunos. Só mais tarde, no séculoXIX, com a criação do <imposto literário>, é que alguns professores foramoficialmente nomeados para o ensino primário e secundário.

O vencimento anual dos primeiros, era de duzentos mil reis, e o dossegundos, noventa mil reis.

Assim o vemos da legislação de 1822.

Nestas pequenas células do ensino é que germinaria a ide ia dosescolares se meterem de garra com os <meninos do coro> da Colegiada,os quais vinham de longe mantendo, por tradicional costumeira, e na qua­lidade de discipulos da escola capitular, uma diversão profana em dia deS. Nicolau.

•Na história dos estabelecimentos de ensino de Guimarães, deve men­

cionar-se um instituto escolar fundado por iniciativa da Sociedade Martins

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Sarmento, em 1884, vulgarmente conhecido por Colégio das Hortas. Nelese ministravam as scguintes disciplinas: Portugués, francés" descnho, gco­metria, latim, literatura, geografia, história, além da instrução primária.

•Em 1890 foi instituido no edificio monástico do lugar da Costa um

estabelecimento de ensino denominado - Colégio de S. Dilmaso.Foram seus Fundadores e nele exerceram o ensino os Rev.o' P.' Do­

mingos Dias de Faria, P.' Firmino Bravo, P.' António Herculano Mendes deCarvalho.

A matricula do ano escolar 1897 -98. atingiu o número de 182 alunos.Este colégio publicava periodicamente uma pequena revista. sob o

titulo - Crensa e Letras.

•Por Carla Régia de 8 de Janeiro de 1891 foi criado em Guimarães

um estabelecimento de ensino, anexo 11 Colegiada, designado Seminário deNossa Senhora da Oliveira.

Nesse diploma se lia:

Art.' 3.· - < Haverá para cada ano lectivo duas matriculas diferentes .'a dos aLunos que se destinam à carreira eclesiástica e a dos que se destinamàs carreiras c/vis •.

Decorridosc/onal.

'.CII1CO anos, este Seminário foi convertido em Liceu Na-

(V. ReI'ista de Guimarães, VaI. IX, p:ig. 101.)

Os cónegos da Insigne e Real Colegiada desobrigados da reza doCoro na sua igreja, constituiram o corpo docente do Liceu Nacional de Gui­maraes.

Assim se criou o alfobrc mais animador das Nicolinas, cujo renasci­mento se registou no ano dc 1895.

Registamos os nomes dos cónegos professores que, complascente­mente, assistiram ao novo advento das festas escolásticas:

Dr. António Júlio de Miranda, Dr. Manuel Moreira Júnior, Dr. PedroGonçalves Sanches, Dr. António Gomes Cardoso, P.' José Maria Gomes,P.' Alberto da Silva Vasconcelos, P.' Manuel da Silva Bacelar.

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o Rev.do Or. Manuel de Albuquerque. D. Prior da Colegiada. nâoexerccu o ensino liceal.

Esle escul de eclesiáslicos, Cóneç;us pela reslauração da Colegiadade Nussa Senhora da Oliveira, pelo scu saber e austeridade no exerciciodo seu munus, elevaram a alto grau o prestígio do Liceu de Guimarães.

*

Nenhuma colaboração cra prestada às Nicotinas pelos estudantes in­tcrnos çlos colégios - estabelecimentos de ensino que mais se desenvolve­IíIm com a criação do Liceu.

As diversões escolásticas da velha tradição eram-lhe frulo proibido.A propósito, conta-se:Pouco depois da criação do Seminário-Liceu. surgiu o Colégio de

S. 'colau, no lugar do Beringel.Um ano, em pleno fastigio das Nicotinas, os mais azougados alunos

deste .olégio deliberaram pôr termo à abstinência que lhes era imposta­de nãose emiscuirem na função escolástica.

E,ta atitude de rebeldia disciplinar, transpirou. Saiu dos conclavessecretos.

Jos de Pina, Prol., que sempre andou de braço dado com os Estu­dantes, ha'Cndo conhecimento deste propósito, aproximou-se dos chefesdesla < carbcnária. académica.

O qu lhes disse, adivinha-se. Caso é que a conspiração abortou.Sem triunfos I m represálias, à boa paz, abortou.

O extin Colêgio de S. Nicolau. depois da pretensa rebel ião dos seusalunos internos, elebrava o dia do patrono com música, luminárias, foguetes,e rancho melhor o.

Continuam por sso os académicos Iiceais, no período da função Ni­colina, a bordejar os tabelecimentos de ensino onde hajam, em regimeinterno, Estudantes.

Tonitroando bomb s e caixas, assim convocam os companheiros àassociação dos folguedos icotinos.

Só as Nicotinas, por l, com o seu programa à anliga, correspondemàs aspirações gosativas dos a'adémicos.

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\

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s.

o CULTO DE S. NICOLAU PELA JUVENTUDE ESCOLAR­MEMÓRIAS AGIOLÓGICI\S DO Si\NTO PATRONO

NICOLAU, Bispo, foi na Idade-Média um Santo popular.Por graça de um dos seus milagres tornou-se, desde o ensino

primário ao superior, o Patrono dos escolares.Na iconografia da sua imagem está o atributo do milagre que o

elevou a Taumaturgo.Três meninos, depois de esquartejados por um estalajadeiro mausão,

foram ressuscitados pelo Santo.A tradição deste sucesso divino. mostra-nos S. Nicolau nimbado de

graça celestial.Depois de entronizado nos altares. as Universidades prestaram-lhe

cu! to.Litúrgicamente festejado no seu dia em todo o orbe católico, igual­

mente o foi em todos os centros escolares, à maneira da juventude.Tão alto subiu a glória deste Santo que, para o solenizar, não bastou

a fé dos seus devotos.A Literatura, o Teatro. a Arte, igualmente o preitearam.S. Nicolau, nome tutelar da juventude escolástica, esta o associou à

alegria, ao riso, à graça das suas diversões académicas.No vasto panorama da história deste Santo, ele surge-nos algumas

vezes transfigurado.A simbolização do Santo proteclor e amigo das crianças, pretende-se

em alguns paises que seja o mito do Pai-Natal.Em vez de vestes prelaticias, como no-lo representa o agiológio

cristão, surge uma figura veneranda, revestida de garnacha vermelha, gorrade astracã, toda a!jofrada de neve. Em vez de empunhar o báculo dagerarquia da Igreja Católica, traz às costas uma alcofa, portadora debrinquedos.

Destarte, esta figura, montada a cavalo ou a pé, percorre os bairrospobres da Holanda, Bélgica e França, na festa da Natividade.

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Neste {Iltimo país, em certa aldeia .picarda>, observava-se na vés­pera da festa da Natividade o costume de adjudicar a quem mais desse, otítulo de .principe da rapasiada>. Esta eleição dava motivo a alegres diver­sões e jogos de carácter infantil e popular.

• *

Um dos aspectos de devoção a S. Nicolau afirmava-se em alguns paí­ses por actos de assistência aos estudantes pobres.

Na Universidade inglesa de Oxford-segundo informação obsequiosado Prof. universitário Dr. Joaquim de Carvalho - observava-se em honrade S. Nicolau este costume:

.A cidade palfaria uma quantia de cincoenta e dous xelins, que seriamdistribuidos duas vezes por ano entre estudantes pobres, e serviriam tambémpara dar na festa de S. Nicolau, padroeiro dos estudantes, uma refeição depão, cerveja, sopa, carne ou peixe, a cem estudantes. >

Prosseguindo o douto Pro!., oferece-nos este recorte:

• O estudante da Idade Média, provàvelmente, pouco ou nada se diver­tia. O único descanso que o sistema universitário concedia, estava nas fre­quentes interrupções dos trabalhos regulares, durante um dia inteiro ou partedele, para honrar as maiores festas da fgreja ou padroeiros duma nação, ouprovíucia, ou faculdade particular.

Para a faculdade das Artes (letras), os dias solenes eram os das fes­tas de Santa Escolástica e S. Nicolau. >

(As Univ. da Europa na Idade Média, VaI. m. pago 422 )

Na Universidade de Coimbra os patronos dos estudantes - Santa Es­colástica e S. Nicolau - eram festejados devotamente com vésperas, missa,sermão e préstito.

Neste {Iltimo acto de culto externo - o préstito - tomavam parte osacadémicos, o corpo docente, os colégios, com grande pompa de vestes e• • •I11slg11las.

Os estatutos deste estabelecimento de ensino, dos séculos XV e XVI,registam este culto escolástico.

Além desta veneração universitária prestada aos patronos da Academia,é natural que houvesse alguma diversão profana.

Não há, porém, noticias descritivas que nos mostrem a natureza des-

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,

sas diversões - embora sejam inúmeras as folias dos académicos conimbri­censes.

O mesmo culto se celebrava na Universidade de Salamanca.

*

Na vizinha cidade de Braga, onde os estudos sempre tiveram notávelrelevo desde os primórdios da Nação, S. Nicolau era celebrado não só noseu altar da Sé, mas também por maneira ruidosa nas ruas.

A este propósito ilucida-nos uma efeméride municipal, que diz assim:

<Acordaram (os Vereadores) por verem a grande devassidade e poucacortezia que há nesta cidade, e pouco temor do Senhor Deus e da Justiça, ematirarem com laranjas, assim aos estudantes de vésperas e dia de S. Nicolau,como a outras pessoas desta cidade e termo, e estrangeiros, de maneira que aspessoas não ousam de andar pelas ruas, nem negociar o que lhe cumpre, eisto fazem assim pelo dito dia de S. Nicolau, como por muitos dias antes doentrudo, o que é grande prejuiso tão mau estilo e costume, porque muitasvezes se levantam arruídos e ódios e malquerenças; e querendo a do (a isto)remediar . . . . . . . . . . . o,qualquer pessoa que atirar com laranjas' fIOS ditos tempos . .. , pague por cadavez da cadeia•.. quatro mil reis.>

(Boletim do Arq. Mun. de Braga, VoI. I, fase. I, pago 247.)

*Também na cidade do Porto, na freguesia de S. Nicolau, usavam os

rapazinhos das escolas celebrar com magusto o dia do Orago (1).As castanhas eram oferecidas, duas partes pela Irmandade, e outra

parte pelo abade da referida freguesia.Na véspera do magusto os rapazinhos percorriam o bairro ribeirinho

munidos de campainhas, lançando este pregão pedincheiro:

Quem dá lenfza ou um pauP' rá fogueira de S. Nicolau!Quem dá lenha Oll chamiça (2)Ou a fralda da camisa!

Em Guimarães, igualmente o dia de S. Nicolau era festejado. No anode 1890, por iniciativa da escola de música, que funcionava na Sociedade

(1) Almanaque de Lembranças. AliO 1858, pago 361.

(2) Chamiça - Ramos secos para acender o 1l1me. Carqlleja.

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Martins Sarmento, a festa subiu de importância. Do programa constavauma distribuição de brinquedos e merendas. Na igreja da Colegiada, noaltar de S. Nicolau foi celebrada missa acompanhada no coro pelos alu­nos da referida escola de música (1).

Com os meus nove anos de idade, ajudei a um coral devoto, quecomeçava deste modo:

S. Nicolau protector,Protegei estas crianças;Escutai com terno amor,O eco destas esp'ranças.

IMAGE 'I DE S. NICOLAlI

Que e venera na Igrtja da Oliveira

(1) V. Revista de Guimarães, da S. M. S., Ano 1891.

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UM ESTATUTO DO SÉCULO XVII DA IRIIIANDADE DES. NICOLAU DOS ESTUDANTES

,S oficios e as classes, no passado, buscando um:! forma associativa,

fundaram irmandades e confrarias sob o signo da Igreja Católica.Nestas células corporativas, o culto e assistência eram o

seu objectivo.Um santo do calendário da Igreja era elcitO como seu patrono.Seguindo esta regra de associação, também os escolares de Guima­

rães fundaram no século XVII uma corporação religiosa.José Caldas, erudito escritor, aludindo à cxistência desta irmandade,

assim se lhe refere:

< Foi Guimarães centro duma vasta aristocracia regionalista. " e tam­bém terra culta, de galhardia, como no-lo indica a Irmandade do:> Moços deS. Nicolau, constituida exciusivamCllte de escolares.>

(Inc. Rcv. Arte e Natureza.)

Em um maltratado lote dc livros desta corporaçao encontrei um,datado de 1738, com o titulo - Livro dos Termo!.

Manuseando-o. deparei nele actos da administração que atingem,sem ordem cronológica, até 1863.

Na colheita de nomes dos Irmãos. deparei muitos que plenamenteconfirmam o diz.er de José Caldas - quanto à caracteristica de haver sidoGuimarães um < centro de vasta aristocracia,. Estão nesse caso os Roche­las, os Alcoforados, os Machados de Miranda, os Távoras e Lemos, osAmaraes e Freitas, os Guimarães, os Soto Maior, os Alvins e Nápoles, osMachados Lobo, além de outros da cepa 1l10rganática.

Uma outra aristocracia ali refulge - a das Letras e Ciências. Destacoos Navarros de Andrade, os Oliveiras Cardoso, os Pereira Caldas, os Afonsode Carvalho ...

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finalmente, para claro testemunho de que foi a Irmandade de S. Ni­colau um alfobre de egrégios e clérigos, - antes e depois do seu periodoescolástico, - rebusquei nomes que me deram, no aspecto freirático, estalista: fr. Tinoco da Piedade, fr. Júlio de S.'a Emerenciana, fr. Manuel dosPrazeres, fr. António de S. Tomaz, fr. Francisco do Rosário, fr. João deJesus Maria José, fr. Bernardo de S. Joaquim, fr. João Baptista de Sant'Ana,fr. Pedro de S.'a Tereza, fr. José de S.'a Rosa de Lima, fr. francisco daEncarnação, e ... neste apanhado me fico.

Nesta. procissão> dos confrades de S. Nicolau, tomam parte muitosclérigos, sem faltarem alguns dignitários da Colegiada Insigne.

Não andavam os fins pios e devotos da Irmandade aliados com afesta profana dos Estudantes.

*

Quanto a função escolástica era ruidosa e alegre, a festa religiosa aopatrono não passava de uma solenidade modesta, restrita à igreja. Nelatomariam parte os Irmãos, cada um fazendo uso do seu hábito ou insignia.

Estudante sem capa e batina, vestiria casaca (I). Sobre ela lançariauma fita de seda branca, de onde pendia a medalha do Santo.

São datados de 1691 os estatutos da Irmandade de S. Nicolau.•

Não se tome, porém, esta data, como a primeira manifestação de umculto organizado. Decénios antes, já os escolares de Guimarães dava.msinais de vida cultural em prol de S. Nicolau.

Apreciemos este termo de cunho notarial, registado nos livros daColegiada:

• Em nome de Deus, Amem. Saibam quantos ... como no ano doNascimento de Nosso Senhor /esu Cristo de 1662, aos 20 dias do més de Maio,foi dito a eles Rev. do. Senhores do Cabido, que de muitos anos a esta partetinham tensão e devoção de fazerem uma capela da invocação do GloriosoS. Nicolau Bispo, pera nela levantarem Confraria e Irmandade à honra elouvor de Deus e aumento do culto divino; e porque nesla igreja de NossaSenhora da Oliveira era lugar mais conveniente pera edificação da ditacapela, lhe pediam ós ditos Rev. do. Senhores do Cabido lhe fizessem mercé dositio pera ela.• • • • • • • • • • • • • •

• E considerado por eles em Cabido, convieram em lhes dar licença

(1) Tragc acadêmico: capa) batina, calção, sapato de fivela, garra.

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junto da porta travessa da dita igreja, da parte direita dela, encostada à san­eristia, junto à capela de S. to Estevão, no quintal que é do sancristão, na jormaque contratado tinham com o mestre que tomara a obra da dita capela, e lhelargavam o dito sitio, de hoje pera todo sempre.•

Este documento cstá assinado pelos seguinte confrades :

< Rev.do André Gomes Caveira, Rev.do Padre' !oão da Silva Salgado,Francisco Mesquita da Cunha, !oão Cardoso Soares, Domingos de Freitas, oL.do Marcos de Figueiredo, L.do Francisco Barbosa, P.< Tomaz da Silva, An­tónio Ribeiro e !oão Pereira do Lago.•

(Arq. Mun., Códice 587, fls. 178 a 180.)

*

o Estatuto de 1691 não representa, pois, a data precursora do cultoNicolino em Guimarães.

Aprecicmos alguns dos capitulas do Estatuto] na parte que interessaa este trabalho:

do.:W 11Ot=ullbrd. ̀91-_.......

Id'"

Capo 1_ < Ordenamos que a festa de S. Nicolau se faça no seu dia, equerendo-a transferir o possam fazer até ao mês de Maio, e não mais adiante.Assistirá na festa o Juiz mais os Oficiais, com suas medalhas penduradasao pescoço por uma fita branca, e o que não assistir, estando na terra, oJuiz o condenará em uma libra de cera fina.•

Não há memória da festa religiosa do Santo ser mudada. O dia con­.sagrado pela Igreja a este santo, é, como se vê do Flos Sanctomm. a 5 d.eDezembro.

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A faculdade estabelecida em se poder transferir a festa de S. Nicolau• até ao mês de Maio >, funda-se numa efeméride relativa à vida do Santo.

Capo VIll - • Todo o Sacerdote, Beneficiado, Letrado e Estudanteque assistir em esta Vila e quizer entrar nesta santa Irmandade, dará deesmola quatrocentos e oitenta rcis, e não se admitirão senão os acimareferidos. >

A frase. os acima referidos >. subcntende-se:Que só podiam ser admitidos. irmãos >, os estudantes que frequen-,

tassem, ou houvessem frequentado as escolas de Guimarães, mesmo na qua­lidade de Sacerdote. Beneficiado. Letrado.

Prossegue o Estatuto, em forma explicita:

• E se algum Estudante, depois de ser Irmão, casar e exercitar oficiomecânico, a Mesa ... o riscará sem causa mais alguma ser necessária.>

Aclara ainda O Estatuto:• O que no principio do Capo dissemos, se entendera nos Clérigos,

Bcneficiados, Letrados e Estudantes que vivem na Vila; porque os que•vivem fora, e Estudantes que não estudam nela, a Mesa determinara o por

quanto hão-de entrar.>

• Advirtimos mais que, todo o Estudante que entrar em alguns dosestudos desta Vila, e dentro de um ano se não fizer Irmão, dará depois aesmola que a Mesa albilrar> (1).

No mesmo Estatuto se esclarece a parte relativa à perda da quali­dade de Irmão, quando este exerça oficio mecânico:

• Aquele que depois de inscrito Irmão passar porventura a exercer pro­fissão ou oficio mecánico, será contado como Irmão para efeitos dos sufrá­gios por sua morte; não poderá porém incorporar-se à Irmandade 'em actoalgum público ou particular, e mel/os ail/da servir algum cargo dela. >

Os homens dos mesteres oficinais eram então designados por • me­cânicos. > Contudo, a sua mecânica, consistia no trabalho de mão. O termoque, hoje, têcnicamente se valorisou, era então de efeito pejurativo.

(1) Há outros dizeres lia pâgina do Estatuto, cujo sentido se nflO alcança, porterem sido riscados.

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De todo o trabalho manual, só a lavoura estava distinguida.Platónieaillente distinguida. Na realidade, a lavoura, era servidão.Quando, pois, o antigo estudante tomasse uma profissão oficina!,

passaria a ser confrade, apenas, para alcançar os sufrágios.

Juntou-se ao Estatuto este aclaramento, para aplicação do Capo VlII:

§ Único - • A Mesa é juiz competente para decidir se a profissão ouoficio a que se alude ..., é ou não mecânico ..., restando-lhe entretantGao Irmão recurso para o Definitório. >

Perdia, eomo vimos, a qualidade de confrade no activo todo o Estu­dante que se casasse.

Esta circunstância, por si, deixa ver a natureza das diversões realiza­das por ocasião da festa ao Patrono.

Com efeito, só homens, em condições de solteiro, lhes era licito quese divertissem pela forma como se praticava na função escolástica deS. Nicolau.

O homem casado ganhava qualidade, prestigio social; mas perdia odireito de folgar ... como um rapaz.

E o Estatuto prossegue.

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,

t' , ,. ""

CAPELA PRIVATIVA DE S. NICOLAU. DOS ESTUDANTESERECTA NA IGREJA DE NOSSA SENHORA DA OLIVEIRA

(Ver pág. 48.)

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I•

. omodo çOinqUJ. seham de,.. ' ~ . e:.'l' os oRiciad dame..:;a no

t rnar clascúmedi~sCnld.iséBuzas GIl14houue.r íttilíc19-

11\ J'"J:.l~'.l a lrm.lrzdadc .,.....-

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REPRESENTAÇÕES E DANÇ,\S DE CARAcTER PROFANO- IRMÃOS AUXILIARES NOS DESE1'tlPENHOS CÉNICOS

. Estatuto da Irmandade de S. Nicolau, do século XVII, dedicou algunsdos seus Capo à maneira como obtinha meios de receita para oculto do Santo, sua festividade, e fins pios da instituição.

Um dos meios estabelecidos provinha da representação de Comédiase Danças.

A cargo dos irmãos estava a sua organização, quando não o seu de-sempenho. .

Assim se expressa o Estatuto:

Capo XIV - 'Querendo alguém que se l!le façam Comédias ou Danças, efalando nisso a algum Oficial da Mesa, esse o fará a saber aos mais, paraque juntos determinem o por quanto se podem fazer; e ajustando-se no preço,terá cuidado, todos ou a maior parte da Mesa, rogar quem !louver de entrar,e procurar o que for necessário para isso; e repartirão entre si o trabalhodos ensaios, ou aos dias, ou às semanas, conforme IIle parecer.>

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fecha o Capo com esta recomendação fervorosa:

• Nesta parte pedimos aos sen//ores Oficiais, pelo amor de S. Nicolau,que se não eSCllsem cada um com o seu préstimo, e que se hajam nisto comamor de verdadeiros Irmãos. >

Reforçando a recomendação, acrescenta o Estatuto:

Capo XV- .Como o aumento desta Santa Irmandade consiste nas esmo­las que se dão pelas Comédias e Danças, determinamos que nenhum Irmãoentre nelas sem ser a pedido dela. E entrando sem licença. o riscará; edissimulando essa Mesa, o fará qualquer depois; e riscado ele, o não poderãoaceitar outra vez em nenhum tempo. >

Todo o confrade, pois, que não colaborasse lealmente nestes traba­lhos, seria riscado.

Também seria lançado fora da Irmandade todo aquele que, .dissimu­lando>, enganando a Mesa, fosse colaborar com grupos que igualmente re­presentavam Comédias e Danças.

A concorrência, como era natural, prejudicava a instituição. Demaisque, na nossa terra, havia • habilidosos> que se encarregavam de taisdiversões.

Parece, todavia, que nem sempre os confrades se propunham ser per­sonagens nos espectáculos dramáticos e coreográficos encomendados àIrmandade. •

De onde proveIO a necessidade em cnar esta cláusula no Estatuto:

Capo XVI - •Considerando nós o grande trabalho na assisUncia aosensaios das Comédias e Danças, e que por esta causa, e de não haver quemchame aos que faltam, se deixariam de aceitar as esmolas que se dão porelas, no que fica a Irmandade muito prejudicada, ordennmos se aceitem semesmola, dez Irmãos que não sejam Estudantes, com obrigação de assistiremou darem pessoa idónea para fazerem o que lhe mandarem nos ensaios ou noque for útil à Irmandade. . . . . . . . . . >

A .assistência aos ensaios das Comédias e Danças> a que eram obri­gados estes dez Irmãos não escolares, outra coisa parece não significar­que serem os referidos dez Irmãos os intérpretes das exibições cénicas ecoreográficas.

Vejamos agora alguns efeitos deste expediente.

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No livro Inventário Geral da Colegiada, relalivo a 1654, lê-se estapassagem:

.A Capela de S. Nicolau fizeram-na os Estudallles desta Vila e outrosdevotos de dinheiro q. ganharam em comedias e danças q. por devoção do S. t.e augm. t • da Capela aceitavam o dr.· (dinheiro) q. li/e davam.-

(Arq. MlltI., Códicc 83, fI. 83 V.)

Chegados ao ano 1713, vê-se que foi admitido como Irmão, sempagamento de propina, um careiro da Colegiada, de nome Bernardo dos San­tos, acrescentando-se neste registo: que este novo confrade foi admitidosem joia .pera entrar em um Baile que tomou a Irmandade.-

Importa explicar:

Este .Baile-. (dicionarizou Cardeal Saraiva, Obras, VaI. 9.°) - erauma espécie de combate. Coisa parecida com uma dança de armas.

Em 1730 aparece registada nos livros da Irmandade de N. Senhorada Oliveira uma verba de despesa com a sua festividade, do teor seguinte:

•Folia preta dos estudantes e dança preta ... 50$000.-

Mais tarde, em 1781, a mesma Irmandade registou esta despesa:

os Estudantes Académicos das óperas que se·Comnheiro (1) • • • • • • •

fizeram no gali­. 36$800.-

A <folia preta., e .dança preta-, desempenhadas por Estudantes, ouseus apaniguados, seriam reminiscências da raça negra, quando esta infes­tou o reino, após a descoberta da india (2).

•A admissão de Irmãos, sem pagamento de jóia, terminou em 1738,

como se vê desta deliberação registada em acta:

(t) Galinheiro. Era um barraco existente 110S terrenos da Co.sa do Priorado,que servi:!, à época, de casa de cspcctilculos.

(2) Vi na Beira Alta, conc. de Tabuaço, aldeia de Cabaços, uma dança, que erauma espécie de combate. O personagem central, de manto e coroa, tinha como os de­mais comparsas, a cara c as mãos acarvoadas.

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<E parecendo ser inconveniente os muitos Irmãos leigos que se temaceito fOf<! do estilo que dantes se usava, no tempo que izavia Comédias e Fes­tas, conforme o Compromisso, fI. 7 Capo 16.·, determinamos que, visto iá nãohaver o dito ministério, se escusavam aceitar os ditos irmãos.>

(Arq. Ml1n., Mss. da Irmandade, 1738, n. 15.)

Em 1738 terminou a prática da Irmandade de S. Nico/au explorar,como empresiiria, as representações cénicas e coreográficas.

Nos -cautos" <mistérios" cllloralidadcs,., acompanhados algumasvezes de música, coros e danças, com desempenho nos templos, nos adros,nos páteos, encontramos os fundamentos justificativos das representaçõescénicas e coreográficas da Irmandade de S. Nico/au dos Estudantes~

56 •

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o TEATRO ELEMENTO DE CULTURA - COMOSE OBSERVAVA- NO ENSINO O SEU EXERCíCIO

A S representações cénicas e coreográficas de que se encarregava aIrmandade de S. Nicolau, eram, apenas, um meio de angariar receita.

A instituição não tinha a preocupação de fazer escola das artes deTalma e Terpsicore.

Quanto ao Teatro prôpriamente dito, promanando de um fundo tradi­cional, não brigava com a instituição do ensino.

É que, o teatro de declamação e seus elementos a-fins, constituiaminstrumento de cultura intelectual e artistica.

Pelo que pedagogistas e historiadores concluiram:

- ,A vida dos escolares nas Universidades dos séculos XV e XVI,favorecia o desenvolvimento da literatura dramática.>

Era como que uma forma prática do estudo de Humanidades.Não havia festa académica que não compreendesse no seu programa

uma representação de carácter litúrgico ou profano.O estatuto da Universidade de Sa/amanca relativo a 1538, inseria

instruções respeitantes a este assunto:

,Cada colégio, cada ano, se representará uma comédia de Plauta ouTeréncio, ou trágico-comédia; a primeira, no primeiro domingo das Oitavasde Corpus Christi, e as outras em os domiugos seguintes.

,E o regente que mel/lOr fizer e representar as ditas comédias outragédias, se lhe darão seis ducados da arca do estudo; e serão juizespara dar este prémio, o Reitor e o Mestre-Escola. >

O mesmo se observava na Universidade de Coimbra.

,Durante a vida escolástica que decorre de 1539 a 1542, assistia

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Camões na Universidade de Coimbra às representações dramáticas que,segundo os costumes das principais Universidades europeias, eram como queobrigatórias nos seus estatutos, e que os Estudantes compunham e ensaiavamnas férias ou nas festas do Patrono S. Nicolau.>

(Tcófilo Braga. Gil Vicente e as origens do Teatro Nacional.)

Um dos temas postos em teatro, era o Milagre de S. Nicolall - aressurreição dos três escolares infantes mortos por um cstalajadeiro.

Certo personagem de auto seiscentista, exclama, aludindo a outrem:

• Til fazes já melhores argumentos que moços de estudo por dia deS. Nicolall. >

Alusão é esta ao ensino universitário e às diversões escolásticas deCoimbra, nas eras passadas, em dia do seu padroeiro, S. Nicolau. Aindapor outra referência do Callcioneiro, se vê como as danças tinham lugar na[unção.

Afonso Valente, troveiro, diz a Garcia de Rezende:

De traz de S. Nicolau• • • • • • • • •

vos vi eu nllma alta dança,com essa pança, mui atento.• • • • • • • • ••

(T. 8., ob. ciL pago 40.)

Destas breves referências se dedus:

Haver sido S. Nicolau, patrono dos Estudantes, não só um dostemas postos em cena, como constituir o dia da sua festa ocasião propiciapara exibições escolares.

*Em Guimarães, - pelo que nos ilucidam os registos feitos cm livros

de Visitações Eclesiásticas, - na própria igreja Colegiada se representavamdanças e outras exibições teatrais.

Em 1729, o D. Prior alude a esse procedimento, por este modoexprobatório:

•Tendo nós próximamente noticia de que nesta nossa Colegiada setoleravam até agora. " máscaras e bailes dentro da mesma igreja, na vés-

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pera do dia em que se faz a procissão do Corpo de Deus, nós lIaS vemosobrigados a impedir tão indecente e prejudicial abuso.>

(Arq. MU/I. de Glftlllarães, Maço 252.)

Com efeito, a festa do Corpo dc Deus era, em tal epoca, uma paradade danças e entremezes, muito do gostÇl popular. Na véspera da procissão,alguns grupos deambulariam pelo adro, claustro e naves da igreja, nemsempre sendo seleccionado o género das suas representações.

Não faltam, por isso mesmo, ecos de censuras nos livros das Visi­tações Eclesiásticas. Desferiam algumas destas censuras ameaças de exco­munhão contra os comparsas.

Tão inveterado estava o gosto, na Academia de Coimbra, de fazerrepresentações de comédias e danças, que um momento caiu contra esteuso e abuso um raio fulminador.

Comédias e Danças, só teriam lugar fora da cidade de Coimbra.<duas léguas no redor dela, desde Outubro a Maio de cada ano>.

A razão determinante que levou a Igreja, no século XVIII, a proibirrepresentações de carácter profano no âmbito sacro, proviera da circuns­tância de se não limitarem as representações a Autos, Mistérios, Morali­dades, correspondentes à vida dos santos e à apologética da fé cristã.

A Irmandade de S. Nicolau, dos Estudantes, no capitulo referente ateatro, tinha analogia com as <Irmandades dos Peregrinos> e <Conferênciasda Paixão>, às quais aludem Teófilo Braga (Hist. do T. Nacional), e CarolinaMichaelis de Vasconcelos (Notas ao T. Vicentino).

*P.' António José Ferreira Caldas (Guimarães, VoI. 1.0 pág. 152) escre­

veu do teatro Vimaranense.Alberto Vieira Braga (Curiosidades - Teatro Vililaranense) mais desen­

volvidamente tratou o assunto.Seguindo estes monógrafos vimaranenses, verifica-se que os estudan­

tes de Guimarães, desde sempre, jamais deixaram de levar à cena exibições. .cemcas.

No âmbito das Nico/inas por vezes entrava a comemoração históricado 1.' de Dezembro de 1640. sendo o programa ampliado com um sarau degala. Neste espectáculo de iniciativa e execussão académica, entravam nú­meros de danças, recitativos, discursos.

Não há propriamente teatro Nico/ino.Exceptuando o Auto da Saudade, representado no ano de 1920, da

autoria do escritor vimaranense P.' Gaspar Roriz, não há teatro de pura teseescolástica.

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A seu tempo veremos noticias de espeet,\culos N/colinas.

A tradição do Teatro, nomeadamente em Coimbra, afirma-secitas de Despedida. Mantendo o objectivo cultural que promana darepresentar, sllrgiu o Teatro Académico, de selecta escola clássica.

Acentua-se, por maneira notável. o seu êxito.

•nas re-arte de

Entre nós a tese N/colina seria aliciante para desenvolver em teatro.

Constituiria um grande número de programa!

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A ALIANÇA DOS PRECURSORES DA FESTA ESCOLÁS­TICA COM OS .MENINOS DO CORO- DA COLEGIADA

JOSÉ DE SOUSA BANDEIRA, jornalista portuense, (I) noticiando em1854 a festa escolástica de Guimarães, antecede-a com esta notahistórica:

-Um cónego da Real e Insigne Colegiada ... deixou em seu testa­mento um legado nos dizimos da freguesia de S." Estêvão de Urgeses,para divertimento anual dos meninos do coro da mesma Colegiada, consis­tindo este legado em maçãs, nozes, castan/zas, vin/IO, e pallla . .. legado quecom a titulo de renda se tem constantemente pagado pelo respectio rendeiroaté à extinção dos dizimos (1834), mas que continua à custa dos Estudautes,que !lá muito tempo se ac/zam ligados e associados aos meninos do coropara esta fuução. >

(Braz Tizaaa, 11. 0 288.)

Esta efeméride histórica é mais tarde reproduzida num jornHI deGuimarães, por modo UI1l pouco diverso:

'I; Um antigo cónego legara em seu testamento aos rapazes careirosuma renda, constante ele certa medida de castanhas e maçãs, imposta numaquinta de S.'o Estêvão de Urgeses. Os coreiros indo ali lodos os anos nodia de S. Nicolau receber a renda, vinham depois a cavalo e em hábitoscorais oferecer da mesma às pessoas mais gradas da terra.>

(O Vimaral/cl/se, 18-12-1896.)

Há a anotar estes reparos:

(1) Ver Nota a pago 7.

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a) Para que pudesse ser verba testamentária de UIl1 dignitário daColegiada a favor dos ·meninos do coro·. tornava-se necessário que osfrutos proviessem de uma quinta, propriedade do aludido dignitário, e nãodas rendas dos dizimas; que, como ê óbvio, não pertenciam individual­mente a um cónego, pois eram receita geral da Colegiada.

b) Se. na verdade, a origem da entrega dos frutos aos .meninos docoro>, em dia de S. Nicolau, proviesse da benemerência de um legado, erade admitir a existência de um testamento notarial, onde constasse, simul­tãneamente, o nome do cónego e da quinta, sua pertença.

Não há sobre este assunto documentos. Mas nem por isso a costu­meira deixou de fixar-se no tempo.

*Valia o costume?Sem dúvida. Já o \I1slgne Sá de Miranda nos disse cm seu tempo:

Não valem leis sem costume,Vale o costume sem leis.

Prosseguindo a efeméride incerta no jornal portuense de 1854, assimnos conta como se fazia o Icvantamento dos frutos da <renda. :

<No dia seguinte (6 de Dezembro) vão os meninos do coro à freguesiade S.'· Eslévão de Urgeses receber a dita renda: dous vão a cavalo, para­mentados de vestes cardinalicias. e um feito bispo. São acompanhados degrande número de estudantes . . . . . . . . . . . . • >

(Braz Ti~afla, n. a 288.)

Deve destacar-se este pormenor:

Alguns rendeiros, aos quais incumbia fazer a entrega das medidas,não procediam ao seu pagamento, sem estarem presentes os <careiros> daColegiada.

Em 1818 - segundo o dizer do Bando correspondente a esse ano - ofigurante mor dos <careiros. foi receber a renda, em coche.

Exigiam os Estudantes o seu pagamento, por esta maneira percntória:

< •• , Mal que à Renda (1), em coche, tremebUlzda,Cflegar Sua Excelência, rubicunda . ..•

(1) c.Rendat - Nome popular dado fi quinta, na freguesia de S.tOEstêvão, 'onde~ fOiO dos careiros era pago.

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Esta personagem crubicunda:" era um dos cIlleninos do coro:., aoserviço da igreja Colegiada. Substituiria no acto a batina vermell1a eroquete branco do seu trajo vulgar, por vestes à semelhança das usadaspelos purpurados da Igreja (I).

Deste abusivo proceder por parte dos .coreiros. e mais dos Estudantes,que andavam de gorra com eles na festa de S. Nicolau, proviera a proibiçãoregistada no livro das Visitações da Colegiada, com data de 1575:

,Mandamas ao S. Cilristãa desta See e a qualquer pessaa 'q. tiverjurisdiçãa na S. Christia com pena de Ex. a (excomunhão) per si nem inter­posta pessoa empreste algúa copa de asperzes pera os estudantes ou outraqualquer pessoa andar a cavallo dia de S. Nicol(1u Bispo em comp. a dosEscolares cauzaado turbações na Vil/a e mt."' indecencias a q. convém poreste meio atalhar.• (")

(Arq. Mun. Cóc!icc 1522, !I. 61.)

A recomendação, porém, não vingou êxito.Em 1708 registou o D. Prior João de Sousa, esta censura:

·É cousa muito indecente que no dia da festa de S. Nicolau que nestaVila se celebra pelos Estudantes, andem os mesmos a cavalo com sobrepelize murça, fazeado gravissima ofensa à autoridade do 'lábito carlOnical,. esendo esta acção muito repugnante à veneração que se deve às vestimentassacerdotais, pois se convertem em usos sumamente profanos as que foramardenadas para o culto divino, e detestando tão irreverente abuso, proibimosa todos os nossos súbditos, sob pena de excomunhão maior, ,ipso facto incur­renda., que emprestem murças, sobrepelizes, nem consintam por algum modoque se sirvam das suas para o dito efeito.•

(Boi. do Arq. Municipal.)

Quanto à identificação dos ,meninos do coro. com os Estudantes, jáisso ficou demonstrado, da página 9 à 18, onde se faz a história da EscolaCapitular, que funcionou na Colegiada, desde o século XII até ao século XVI.

(1) ~Bispo de COlllcdia~. As alusões mais antigas a estes Bispos de Comédia,foram encontradas no Sinodo de Constantinopla de 867. O costume estel1dia~sc aosprincipais paiscs ela Europa . .. "

(Revista ElnoIÔ.!lic~, VaI. 3.°, p6g. 87.)

(2) O cmprcslimo de paramentos sacros para comédias e jogos, jâ vinha sendocxprovado, do século XV, pelos Senhores Arcebispos.

(Rrq. ~.lun., Maço 148 Dt.o 7.)

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frequentando os .meninos do coro· a escola onde se ensinava gra­málica lalina e cantoclião, por esse facto estavam compreendidos no <foroescolástico· .

Esta união visava, tão sómente, as diversões Nico/inas.Veremos através desta obra mais alusões à aliança dos Estudantes

com os .meninos do coro-oExtinta a escola capitular da Colegiada, depois que a • renda· dos

frutos deixou de ser paga, extinguiram-se completamente as relações entreestudantes e careiros.

As mesmas tradições escolásticas olvidaram os cil/cO sócios, para­mentados de batina vermelha c foquete branco.

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A RENDA PAGA ANUALMENTE AOS CaREIROS DA COLEGIADA- CaREIROS E ESCOLARES ALIADOS DAS NICOLINAS

NAS largas rendas que provinham à Colegiada de N. S." da Oliveirafiguravam aquelas que eram relativas às igrejas do seu Padroado.Estas rendas seriam pagas em frutos, à maneira de foros. Vulgar­

mente lhe chamavam - os frutos da dizimaria.Para facilidade desta cobrança, a Colegiada arrendava os dizimas.

Os intermediários, na administração do tributo, denominavam-se .rendeiros •.Era a estes .rendeiros. que os lavradores-caseiros entregavam os frutos ouo equivalente do seu valor. O mesmo se observaria com o rendimento do•pé-daltar., se acaso este rendimento não fosse excluido do contrato.

No livro do Cabido - Assentos dos Arrendamentos das Igrejas, Ca­pelas e Ermidas -, registam-se os aludidos arrendamentos da dizimaria.

Os lançamentos que interessam ao nosso caso. dizem respeito à igrejaparoquial de S.'· Estêvão de Urgeses.

Nem todos os lançamentos se referem especificadamente à rendaque naquela freguesia iam levantar os .moços careiros> da Colegiada, emdia de S. Nicolau.

Reproduzirei aqui apenas os registos que dizem respeito à citadarenda.

*O primeiro lançamento indica-nos como arrendatário João Francisco,

da Caldeiroa, tecelão.

E acrescenta esta cláusula da obrigação contratual:

' .. , satisfará aos estudantes do Senhor S. Nicolau, pelo seu dia, aporção que é obrigado com toda a boa satisfação, como é uso e costumee foi sempre.•

65•

Page 59: O S.Nicolau dos Estudantes

foi .sempre', como se vê, .uso e costume., anterior à data dolançamento, pagar aos Estudantes que festejavam S. Nicolau, seu Patrono,uma .porção> dos frutos da dizimaria de S.'o Estêvão de Urgeses.

Segue-se outro lançamento, no ano de 1717, referente ao mesmorendeiro :

'. .• e outro sim ele readeiro satisfará aos estudantes do SeahorS. Nicolau pelo seu dia a porçao que é obrigado com toda a boa satisfação,como é uso e costume.>

A insistência com quc se repete - .como é uso e costume. - deixa­-nos ver que a renda paga aos escolares era costumeira.

Chegados a 1743, o registo determina: que o rendeiro deve pagar.aos estudantes todos os encargos novos e velhos •.

Um dos .encargos novos- consistia em abastecer de azeite a lâmpadada Senhora.

Em 1744, diz assim o registo:

•Há uma costumeira de dar aos Careiros em dia de S. Nicolau os fru­los segaiates: 200 maçãs, '/2 rasa de tremaços cortidos, meia de nozes, 2 al­queires de castaahas assadas, e duas dúzias de paUlO, de grandes molhos.'

(Arq. Mun., Códice 390, [I. 19.)

Em 1797 fez-se o seguinte lançamento de despesa:

• Despendeu-se com o que se paga aos Meninos do Coro na função deS. Nicolau que lá vão, trts mil e duzeatos reis. . . . . . . . 3.200.•

Neste ano, o pagamento do rendeiro foi feito em moeda e não emfru tos.

Simultâneamente se precisa: que os .Meninos do Coro. iam lá, aUrgeses, levantar a renda.

(Arq. Mun., Códice 405, n. 19.)

Em 1799 diz o termo do contrato:

• Arreadou-se a dizimaria da igreja de Urgeses e Candoso por tempode trts anos, que principiam no S. João de 1800 e acabam em 1803. com to­dos os seus encargos, aovos e velhos . . . . . . . . . . . . . . •

(Arq. Mun., Códicc 3S0, O." 285.)

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Page 60: O S.Nicolau dos Estudantes

Surge em 1800 como rendeiro José Mendes Peneda. Especificadaa renda, acrescenta:

< ••• e também com o encargo da posse aos estudantes em dia deS. Nicolau.>

Em 1808 é rendeiro João José d'Além. A cláusula relativa aos Estu­dantes, resava assim:

< •• , com mais obrigação de em dia de S. Nicolau de cada um ano(dar) aos estudantes que forem à dita freguesia na forma do seu costume,dois alqueires de castanhas assadas, meio alqueire de nozes. meio alqueire detremoços, duzentas maçãs, dois almudes de vinho e duas dúzias de palhade argola.>

Quanto à palha da renda, seriam os molhos regulados por um padrãode medida, em forma de argola, aferido na Câmara.

Em 1810 o rendeiro passou a ser Manuel António, do lugar da Lage.Volta a especificar-se: que a renda seria paga < ••• aos estudantes em

dia de S. Nicolau. >

Em 1812 é rendeiro Bento Faria, de Polvoreira. Não se faz no registomenção especificada dos frutos. Apenas se diz:

< ••• com obrigação de dar aos Estudantes o que for costume.>

Em 1819-1822 o contrato fecha com esta cláusula:

< •• , livre de todos os encargos que (se) hão de fazer por conta delerendeiro.>

(Arq. MUll., Códice 390, D." 423.)

Um dos < encargos> era a obrigação do rendeiro satisfazer aos Co­relrOS e Estudantes, em dia de S. Nicolau, os produtos da antiga posse.

Em 1823 é rendeiro Manuel Lopes, do Cavalinho. Assim arremata oseu contrato:

< ••• e mais com a obrigação de dar aos careiros ou estudantes quef?rem à dita freguesia de S. to Estêvão de Urgeses por dia de S. Nicolau, naforma do costume, duzentas maçãs, meia raza de tremoços cortidos, meiaraza de nozes, dous alqueires de castanhas assadas, dous almudes de vinho,

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Page 61: O S.Nicolau dos Estudantes

e duas dúzias de grandes molhos de palha painça, assim como pagará aoscareiros ou estudantes que forem à dita freguesia o que já fica declarado IIOS

dias de S. Nicolau, 6 de Dezembro deste ano e do próximo futuro ano, semfalta alguma.>

Tem este lançamento a expressa e visada recomendação: de que opagamento se faça aos careiros ou estudantes.

Depreende-se daqui: que os <Coreiros> havendo sido os precursoresdesta costumeira, a eles ou aos •Estudantes > seriam entregues os frutosreferidos no contrato do rendeiro.

Em 1831 foi o arrendamento feito a Manuel José Lopes, do Sabacho.Também no seu contrato se alude: que a entrega dos frutos seria

feita aos careiros ou estudantes.

Em 1833 o contrato alude apenas aos .Coreiros>:

dar aos COretros em dia de S. Nicolau as.Há uma costumeira depilanças (géneros) seguintes. • • • • • • • • >

(Arq. MUIl., Códice 390, fI. 3.)

Esta circunstância, porém, nada significaria. Invariâvelmente se men­cionavam, como se vê, Qra os .Careiros>, ora os .Estudantes>, quando nãoconjuntamente.

Era todavia manifesta a má vontade do Cabido em manter o usotradicional.

Até que, em virtude da supressão dos Dizimos, o pagamento darenda cessou.

E um pleito judicial eclodiu.

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Page 62: O S.Nicolau dos Estudantes

JULGAMENTO DA CAUSA NO TRIBUNAL DA COMARCA- COREIROS E ESTUDANTES PARTES NO PROCESSO

S dizimos - 10.· parte dos rendimentos das terras - constituiam umimposto da Igreja.

Foram suprimidos por Decreto de 30 de Junho de 1832. Emsua substituição foi criada uma nova tributação, chamada - Côngrua.

Em face disso, o Cabido da Colegiada deliberou, depois de 1833,não entregar mais os produtos agricolas aos Coreiros e Estudantes, osquais, por maneira festiva, iam anualmente, em obediência a uma possetradicional, levantar à quinta de Urgeses, vulgarmente conhecida pela <Quintada Renda>.

Esta atitude não satisfez aos escolares, pelo que deliberaram interporrecurso para o Tribunal.

A <Acção de Libelo> foi apresentada em 14 de Novembro de 1835perante o Juiz de Direito do Julgado de Guimarães, correndo pelo cartóriodo Escrivão José Maria da Silva Maia.

Para que o processo vingasse seu direito, os Estudantes alcançaramque os Coreiros - vulgarmente designados <Meninos do Coro> -, assinassemcom eles o requerimento da Acção.

Foram estes os Autores da causa:

CaREIROS: Manuel José Coelho, José da Silva, Alexandre José (1).ESTUDANTES: José Salgado da Cruz, António Rodrigues Cândido,

António Joaquim d'Almeida Gouveia, Jerónimo José da Costa, António deAraújo Guimarães, Aires Murta de Oliveira, João Francisco Guimarães,Manuel Germano Correia, Domingos J.' Silva, Manuel Augusto Mendes,

(1) Eram. regra geral, quatro os c Meninos do Coro •. Citam-se aqui, tr~s. Umdeles resistiu ao ardil que, segundo é tradição, foi usado com eles para lhe apanhar aassinatura.

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Page 63: O S.Nicolau dos Estudantes

João Baptista, Domingos J.e Martins da Costa, José Gonçalves Correia,Manuel José da Silva Peixoto, João José Lopes de Carvalho, António Pintodas Neves, José Joaquim de Oliveira, Joaquim José da Silva, José JoaquimFernandes, Custódio José da Costa Guimarães.

A causa do libelo requeria ao Cabido o pagamento, em 6 de Dezem­bro de cada ano, da seguinte .renda- :

Duas razas de castanhas.Dois almudes de vinho.Dois centos de maçãs.Meia raza de nozes.Meia raza de tremoças.Vinte e quatro molhos de palha painça.

Alegavam os Autores: que a .renda- lhes havia sido paga até ao anode 1833.

Por sua vez os Réus contestaram a acção, dizendo textualmente:

- <De facto os Careiros estavam no costume de receber pela Dizima­ria e São foaneira da freguesia de S.'o Estêvão de Urgeses a pensão incul­cada: mas só eles e não aos Estudantes, a quem jamais foi paga.-

Como semelhante alegação não correspondia inteiramente à verdade,foi acrescentado:

- <Que se os Estudantes a receberam, era dos Careiros, que com elesa repartiam, pois o rendeiro .1 não pagava sem os Careiros chegarem; e quea repartição entre os Careiros e Estudantes não passava de acto de favor ebrincadeira.•

Alegaram mais os do Cabido:

- <Que os Careiros não juntaram procuração; e os Estudantes, alémde partes elegitimas, eram incapazes, por serem menores, e alguns órfãos, esem autorização paterna ou de tutor.-

- •Que a inculcada pensão não se baseava em título algum de quehaja noticia, e, portanto, não havia posse valedoura.-

- < Que, quando mesmo a houvesse (a posse), tinha caducado pelaextinção da Dizimaria e São foaneira, acabaI/do por isso os encargos queafectavam aquela renda.'

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Page 64: O S.Nicolau dos Estudantes

Finalmente:

- •Que os Reus nada receberam da Dizimaria e São joaneira no anode 1834: e, portanto, com a extinção daqucla renda, cessou a obrigação dopagamento da pensão. >

Deve, porém, fazer-se menção a uma fórmula regular do processo,que era de uso nestas causas: - a intervenção do Juiz de Paz.

Esta diligência conciliatória, não resultou êxito, como se vê doseguinte veredicto:

••Procurando o dito juiz de Paz e Orfãos conciliar estas partes, e

empregando todos os modos posslveis que a prud~ncia e a equidade lhesugeriram para os levar à concórdia, não póJe totalmente conciliá"-los.>

Pelo que o processo teria que ser julgado em audiência de Júri.

•o rol das testemunhas, a favor da parte dos Estudantes, avultava pelo

número e qualidade. Uma das que se distinguia pelo entusiasmo votado aotriunfo da causa, era o fidalgo do Toural, António de Nápoles Vaz Vieirade Melo e Alvim. Outras .dignissimas testemunhas. - como dizia o pro­cesso em distinguido trato -, faziam parte das melhores famílias deGuimarães.

Uma das mais eloquentes provas da simpatia que acompanhava acausa dos Estudantes, demonstrou-se neste facto:

O advogado que representava o Cabido abandonou a causa do seuconstituinte.

Este facto, só por si, mostra-nos o ambiente de simpatia que acari­nhou a causa dos Estudantes. Não só o prestígio dos moços escolares eragrande, derivado em parte à categoria de suas familias, mas porque a suacausa se tornou - causa do povo.

A função Nicolina vivia radicada em saudade no coração de algumasgerações de escolares.

De resto, não faltando Doutores de Leis na terra, todos apadri­nhavam a causa dos Estudantes.

Sempre o meio vimaranense teve causidicos de destacante valor.

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Page 65: O S.Nicolau dos Estudantes

Em tal número e qualidade foram os nossos Doutores de Leis, que setomou Guimarães na Provincia - um centro recomendado de consulta.

No periodo decorrente da causa - 1835 - 1838 - deram-se sucessosde ataque pessoal a certos elementos do corpo capitular.

Compreende-se: muitos dos escolares havendo atingido a idade dabarba, acamaradados com os simpatisantes do seu pleito judicial, não lhessofria o ânimo aguardar, espectantes, o resultado da causa em julgamento.

Dai os conflitos.

Vejamos como decorreu o litigio no Tribunal da Comarca.

. .

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. SENTENÇA DO TRIBUNAL CONTRA O CABIDO - REGOSIJO DOS

ESTUDANTES - RECURSO DO CABIDO PARA A RELAÇÃO

EIS os termos da sentença:

•Nada do que alegou, provou o R.mo Réu, como lhe cumpría, antesdesamparando o juízo, tàcitamente renunciou à sua defesa e reconheceuo bom direito dos Autores.

• • • • • • • • • • • • • •

•Acresce a toda a justiça do processado, a simpatia e geral incli­nação, maiormente de todo o homem literato, por uma usança que, sendoum pouco em realidade, é todavia muito em seus efeitos, pois que é umincentivo à mocidade preguiçosa para as letras, e uma emulação para aestudiosa; é um brinco inocente que apura o génio e desenvolve os espí­ritos acanhados; é, finalmente, uma usança consagrada pela sua respei­tável antiguidade.

• Em vista, pois, da deliberação do júri, e tudo ponderado, julgo pro­cedente a acção intentada, sejam restituidos os Autores à sua pacifica posse,e condeno o Reverendissimo Réu ao pagamento da pedida pensão, assim dopretérito, como de futuro, na multa da Lei, e custas do processo.

• Guimarães, 10 de Março de 1837.(a) Agostinho Vicente Ferreira de Castro•.

*Como se vê da sentença, o Magistrado fez um alto panegírico à fun­

ção tradicional das Nicotinas. A jurisprudência e o Direito, não contam.Foram letra morta na sentença.

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Page 67: O S.Nicolau dos Estudantes

Não admira. Sendo a instituição do Júri uma coisa nova nos anaisjudiciais, o direito popular julgou em obediência às suas simpatias.

O povo, repito, amando - sobretudo pelo scu carácter festivo - astradições escolásticas, acompanhava com simpatia as diversões Nicolinas.Há mesmo exuberantes provas deste bem querer, a ponto de tantas vezesser preciso conter os ardores delirantes de certos foliões metediços.

Por sua vez, o Magistrado que julgou a causa, era filho de Guima­rães. foi comparticipante nas funções Nicolinas, como escolar. Influen­ciado, pois, por gratas e saudosas recordações dos tempos académicos, .julgou - pelo coração!

Após conhecimento público da sentença homologada, os sinos das•

torres bimbalharam de festa; estralejaram foguetes e morteiros. A noite,muitas casas iluminaram, pondo os clássicos lampeões às janelas.

Mas o sol rútilo da vitória, breve mergulharia em penumbra!O Cabido, que era um poder de estado na sociedade vimaranense,

não se dando por vencido, interpos recurso para a Relação do Poria.

*

Dizia o seu requerimento de recurso, entre outras alegações,:

- ,Que o procurador... por ameaças que os supracitados (Estudantes)lhe têm feito, ou por respeitos, não tem querido contirlUar na agência dacausa . .. , e o mesmo acontece com o advogado. E porque não é justo que osuplicante vá indefeso, e por este motivo deixe de subir ao Tribunal suplicara apelação ... , requerem a suspenção da pena.-

Era advogado na causa do Cabido o D.' António Leite de Castro, eprocurador Luis Gonçalves.

Estes profissionais foram compelidos pelo Tribunal a continuarem nopatrocínio da causa.

O processo de recurso deu entrada na Relação do Porto, em 28 deAbril de 1837.

Após vários incidentes, a que não foi estranha a chicana, o ProcuradorRégio nomeou Curador aos menores (os Coreiros).

E a causa prosseguíu.Em 21 de Novembro de 1838 foi pela Relação proferido despacho,

dando provimento ao recurso.

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Page 68: O S.Nicolau dos Estudantes

Ao encontro do .inimigo> foram os escolares, de braço dado com os.Coreiros., como se vê do teor duma procuração, que resa assim;

.Saibam os que este público instrumento bastante virem, que no anodo Nascimento de Nosso Senhor !esus Cristo de 1838, aos 23 dias do mês deNovembro do dito ano, nesta Vila de Guimarães, e no lugar das Lamelas, nomeu estritório, apareceram presentes Pedro da Silva, da Rua dos Trigais,António !osé Pereira da Silva, da Rua Nova do Muro, !oão de Freitas, daRua do Sabugal, e Forlunalo António, da Rua de Traz do Mosteiro, todosdesta Vila e Careiros da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da mesma;e António Joaquim d'Almeida, da Rua do Sabugal, Luís Beltrão das Sízas,da Rua de S. ta Cruz, Rodolto Martins da Costa, da Porta da Vila, e JoãoBernardino Coelho, da Praça da Oliveira, Estudantes desta mesma Vila,

•reconhecídos de mim e testemunhas abaixo; e disseram faziam por estemeio seus bastantes Procuradores aos bachareis Manuel António de LimaPeixoto, Bento António de Oliveira Cardoso, Francisco Leite Pereira, Antó­nio Leite de Castro, José António Vahia, !osé Alves da Costa e Silva, !oséda Costa Vieira.>

Nada menos de sete bachareis, todos trabalhando no foro vlma­ranense!

*

Ao cabo de tempo, vivido em ansiedade e turbação, a Relação doPorto pronunciou o seu veredictum.

Deste recurso de apelação, saiu vencedor o Cabido,

Assinaram o acórdão de sentença os Conselheiros:

a) Ferraza) Machadoa) Barataa) Vieira da Mota, •

E àquela- estuante alegria dos Estudantes sentida aquando da sen­tença homologada pelo Tribunal Judicial de Guimarães, sucedeu-se a tristesa,a desesperação!

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Page 69: O S.Nicolau dos Estudantes

Deste conturbado estado d'alma, dá testemunho esta efeméride:

<Foi espancado o cónego António José Pires Pinheiro, por causa dademanda com os Estudantes . .. > !

(foão Lopes de Faria. El. VaI. 2.' n. 144. Mss. S. M. S.)

Outros incidentes se registaram, como se conclui deste remate poético:

E quando contra nós se deu sentençaSobre a renda em questão, coisa imprevista,Vós jostes à Oliveira, sem detença,Para bater no Cónego Baptista!

(faDo de Meira. 1903.)

O azougado escolar a quem a tradição atribui o cometimento de1838, chamava-se António Joaquim d'Almeida Gouveia, conhecido pelaalcunha de - O Roto.

Ainda pude conhecer esta figura destacante das Nicolinas - umsimpático e honrado velhinho, que desempenhou as funções de <cartorário>na Ordem de S. Domingos.

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Page 70: O S.Nicolau dos Estudantes

É FUNDADA UMA ASSOCIAÇÃO ESCOLÁSTICA - O QUE NOS DIZO SEU ESTATUTO

VENCEU o Cabido o pleito judicial. É certo.Contudo, não ficava bem aos Estudantes a posição de vencidos.

Porquanto, a Mocidade é, de seu natural, briosa.O mesmo se observa com certos velhos, quando presos ao passado

por recordações saudosas.Eis porque estudantes novos, no activo, e estudantes velhos, < apo­

sentados>, reagiram contra o desaire. .Porque maneira?Se haviam perdido a < renda> de Urgescs - a raiz mais remota das

tradições Nicolinas - que iriam fazer os Estudantes como demonstração dasua virilidade?

Fundaram a Associação Escolástica.Criando a esta instituição uma base de natureza legal, deram-lhe um

Estatuto.Embora sendo este Estatuto produto do século XIX, não deixariam

de o fazer com as saudades do passado.A tradição escolástica, com todas as suas caracteristicas de velha

usança, seriam coodificadas e respeitadas.Nada teriam que ver as ideias novas, as novas tendências, com o

programa das Nicolinas.Só esta divisa teria acatamento:

TUDO PELA TRADIÇÃO, NADA CONTRA A TRADiÇÃO!

Quem não estivesse de acordo com este principio estático, escusavade entrar para a instituição escolástica.

Destarte o Estatuto, parecendo embora arcáico, foi votado, sem dis­crepância.

O seu inspirador foi - a dei antiga'. O < uso e costume >.

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Page 71: O S.Nicolau dos Estudantes

Registamos o Estatuto da Associação Escolástica;

TITULO I

Ar!. 1.0 _ A Associação Escolástica Vimaranense é a reunião detodos os Estudantes desta Vila e de todas as pessoas que gozam do foroescolástico.

Ar!. 2.· - São estudantes;§ 1.° - Os que frequentam qualquer aula pública de latim, filosofia,

retórica, ou qualquer outra ciência.§ 2.· - Os que frequentam as mesmas faculdades com Mestres par­

ticulares, fazendo certa a sua frequência por atestado do mesmo Mestre.

Ar!. 3.° - Gozam do foro escolástico;§ 1.' - Todos os 'eclesiásticos desta Vila.§ 2.° - Todos os individuas nela residentes, que tendo frequentado

as aulas da Universidade, não estão compreendidos nas excepções do ar!. 4.°.§ 3.° - Todos aqueles que, suposto actualmente não frequentam,

contudo igualmente não estão no caso das exclusões do ar!. 4.°.

Ar!. 4.° - Perde o foro escolástico;§ 1.0 - O que contrai matrimónio.§ 2.· - Os que assentarem praça nos corpos da 1.' linha.§ 3.° - Os que abraçarem a profissão do comércio.§ 4.° - Os que servirem qualquer profissão mecânica.§ 5.° - Os que servirem qualquer cargo público, civil ou militar.§ 6." - Os que deixarem os estudos, sem que tenham seis meses de

frequência.

Art. 5.° -- O fim desta Associação é promover a continuação, aumentoe luzimento dos festejos do dia 6 de Dezembro, e pugnar por todos os forose regalias que os Estudantes desta Vila disfrutam, desde tempo imemoriaI.

Ar!. 6.° - A Associação promove o alcance dos fins a que se pro­põem por meio da Assembleia Geral, Comissão Directora, e Júri Escolástico.

TiTULO II

Ar!. 7.° - À Assembleia Geral pertence formar todos os regulamen­tos, e adaptar todas as medidas legislativas que forem necessárias para seconseguir os fins da Associação.

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Page 72: O S.Nicolau dos Estudantes

Ar!. 8.0- A Assembleia reune-se em sessão ordinária no segundo

domingo de Novembro de cada um ano; e extraordinàriamente quando aComissão Directora o julgue urgente.

Art. 9." - A sessão ordinária durará três dias e se prorrogará pelotempo que a Assembleia julgar preciso, em vista da cópia dos trabalhos.

Art. 10.° - Não se poderá abrir a sessão sem que estejam presentesvinte sócios.

Ar!. 11.0- Reunida a Assembleia, se elegerá imediatamente a Mesa,

que será composta de Presidente, dois Secretários. Os imediatos em votosexercerão as funções de vice-Presidente e vice-Secretários.

Ar!. 12.0- A estas sessões preparatórias presidirá o Presidente da

Comissão Directora, e servirá de Secretário, o mesmo da Comissão Directora.

Ar!. 13.0- A Mesa durará por tanto tempo, quanto durar a sessão.

Ar!. 14.0- Ao Presidente da Assembleia compete regular os traba­

lhos e manter a ordem.

Ar!. 15.0- Ao Secretário mais votado pertence a redacção da acta,

e, ao outro, fazer a correspondência.

Ar!. 16.0- Tem a iniciativa cada um dos membros da Assembleia,

e, com especialidade, a Comissão Directora.

Ar!. 17.0- Todas as decisões serão vencidas à pluridade de votos.

Ar!. 18.0- As determinações vencidas, serão imediatamente comu­

nicadas por escrito à Comissão Directora para as põr em execussão.

Ar!. 19.0- Têm voto nas deliberações da Assemblcia:

§ 1. 0- Os Estudantes que tiverem três anos de frequência.

§ 2. 0- Os que gozam do foro escolástico, tendo toda a mesma

frequência ou 16 anos de idade.

Ar!. 20.0- A Assembleia poderá convidar par.a assistir às suas deli­

berações. com voto consultivo. aquelas pessoas que, suposto já perderam oforo escolástico, contudo, pela sua instrução e afeição às nossas regalias,disso se tornam dignas.

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Page 73: O S.Nicolau dos Estudantes

TITULO III

Ar!. 21.° - À Comissão Directora pertence põr em execussão todasas determinações da Assembleia Cera!.

Ar!. 22.° - A Comissão Directora é composta de cinco membros,de entre os quais elege Presidente, Tesoureiro e Secretário.

Ar!. 23.0_ A sua eleição é feita pela Assembleia Geral em sessão

ordinária, e as suas funções duram por um ano,

Ar!. 24.0- A falta dos membros da Comissão será suprida pelos

imediatos em votos.

Ar!. 25.0- Compete em particular à Comissão Directora;

§ 1.0 - Convocar a Assembleia Geral ordinária no prazo marcado, eextraordinàriamente quando assim o exigir o interesse da Associação.

§ 2." _ Arranjar a casa c móveis precisos para este fim; marcar ahora em que há-de ter lugar a abertura da sessão; e noticiá-la aos sócios.

§ 3.° - Preparar os Regulamentos que julgar necessários e úteis eapresentá-los à Assembleia para serem discutidos

§ 4.° - Registar todas as determinações da Assembleia, e conservarem seu poder todos os papéis pertencentes à Associação.

§ 5.° - Continuar a promover o festejo do dia 6 de Dezembro.§ 6.0

- fazer o programa do festejo, e noticiá-lo com antecipação.§ 7." - Nomear as pessoas que devem desempenhar os diferentes

cargos da função.§ 8.0

-- Procurar por todos os meios que estiverem ao seu alcancemanter a boa ordem e superintender na policia da função do dia 6.

§ 9.° _ Obter as licenças precisas para o festejo.§ 10.0

_ Repartir a <renda de S.lo Estêvão-, sendo coadjuvada paraeste fim pelos Estudantes mais veteranos que ali comparecerem.

§ 11.0- Dispor das sobras da renda a bem dos presos.

§ 12.° - Promover húa subscrição para fazer face às despesas dofestejo; e se por este meio não houver os fundos precisos, lançar húaderrama pelos Estudantes, tendo precedido a aprovação da assembleia; ecuidar da execução da mesma, adoptando aquele arbitrio que para esse fimjulgar conducente.

§ 13.0 -Intentar a exclusão daqueles individuos que dolosamentepretenderem tomar parte neste festejo, só privativo dos membros daAssociação.

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Page 74: O S.Nicolau dos Estudantes

§ 14.0 _ fazer aplicar em flagrante contra os estranhos que, ou­sados, se intrometerem na função, a pena que de uso antigo se achacominada.

§ 15.' - Apresentar na Assembleia Geral ordinária a conta da receitae despesa do ano pretérito.

§ 16.0 - Pugnar peja conservação dos foros e regalias escolásticas,intentando como Autora e defendendo como Ré todos os pleitos que sobreeste assunto se suscitarem.

TiTULO IV

Ar!. 26.0- Ao Júri Escolástico compete decidir, segundo o disposto

neste Estatuto, se tem lugar ou não a exclusão de algum individuo tomarparte na função do dia 6.

•Ar!. 27.0

- E composto de oito vogais, nomeados pela AssembleiaGeral, na sessão ordinária, de entre os membros da Associação que tiverem25 anos de idade.

Ar!. 28.0- Neste Júri tudo será decidido à pluridade de votos, e, no

caso de empate, o Presidente decidirá.

Ar!. 29.0- Das suas decisões não haverá recurso.

Ar!. 30.0- As suas funções duram por um ano.

Ar!. 31.0- O Secretário da Comissão Directora fará as vezes de

Promotor.

TiTULO V

Ar!. 32.0- Este Estatuto não poderá ser reformado senão passados

dois anos depois da sua aprovação.

Ar!. 33.0_ Qualquer moção sobre a reforma não será admitida à

diEcussão, menos que não seja aprovada pelos dous terços da assembleia.

Ar!. 34.0- A discussão não terá lugar se não estiverem presentes o

duplo dos sócios necessários para a abertura de qualquer sessão.

Ar!. 35.0- A votação sobre esta matéria só se admitirá decorridos

três dias depois da apresentação da moção.

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Page 75: O S.Nicolau dos Estudantes

Art. 36.0- A votação será nominal, e a aprovação dependerá da

, 'malOna.

*<Aos 23 dias do mês de Novembro de 1837, às 4 horas e meia da

tarde, na sala das Lamelas, estando reunidos os membros da AssociaçãoEscolástica abaixo assinados, depois de discutida a lei regulamentar quedeve reger e governar esta Associação, foi por todos prometido mantê-la,ta! qual se acha, E em testemunho do que, assinaram.

E eu que esta subscrevi como Secretário, António José RodriguesCándido.

(a) Fran.'o Xavier de Sousa - Domingos de Carvalho e S.'Gui." - P.' Francisco José Vieira- Manuel dos Prazeres S.' - JerónimoJosé Costa -Manuel José da S.' Px.'o Lages -'Manoel Joaq.m Peixoto­José Peixoto da Costa - Joze Leite de Olivr.' Araujo - Rodrigo José Miz."­da Costa - Françisco José da Silva - Antonio Fon." - Fran.'O Per.' Lino­João Bernardino Coelho - João M.' Lopes de Carv.o- Ant.° Jose PeixotoSalgado_Joaq.m J.' da S.' G."-Manoel Antonio Vaz-Jose R.o p.'o_Antonio Joaquim Rebello - Sebastião da S.' - Antonio de Araujo Guim."- Antonio Joaq.m V.' e Castro - Thomáz Pinto d'Almeida Carvalhaes_Manoel de Matos - Antonio Joaquim Vr.' da Costa - Joaq.m Ferr.' de Ma­cedo e Cunha de Carv.o Guedes Freitas Figueiredo - João Bernardino V."e Castro - Jose Pinto do Amaral e Freitas - Francisco Pinto do Amaral eFreitas - Manuel Jose de Faria - Aires Murta de Oliv," Vas.'o - JoaquimJose de Sousa Marinho - Jose Joaquim d'Oliveira - Gaspar Antonio daSilva Guim." -João de Mello - Antonio Joaquim d'Almeida Gouveia.>

82

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o

BREVE ANÁLISE AO ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃOESCOLÁSTICA DE 1837

Estatuto de 1691 referia-se unicamente ao culto de S. Nicolau. Eraum compromisso irmandadeiro.

O Estatuto da Associação Escolástica apenas visava a função Nicolina,de carácter puramente profano.

Uma simples leitura dos seus capitulos, artigos e parágrafos, logonos põe em evidência o objectivo da Associação.

Criada no rumor de uma questão que havia transitado do TribunalJudicial de Guimarães para o Tribunal da Relação do Porto, não podiadeixar de significar - um baluarte contra todos quantos se revelassemadversários dos tradicionais .foros. da festa Nicolina.

Atentemos na letra do art.' 25.', § 16.°, da referida Associação Esco­lástica:

.Pugnar pela conservação dos foros e regalias escolásticas, intentandocomo Autor e defendendo como Ré, todos os pleitos que sobre este assul/to sesuscitarem.-

Por .foro-, entendia-se: o pagamento pelo Cabido da renda deUrgeses.

No mesmo § 16.°, como se vê, alude-se claramente à causa em litigiona Relação do Porto, cuja sentença foi homologada em 1838.

Tudo, pois, nos deixa concluir:

a) A Associação Escolástica nasceu para a luta que se travou noforo judicial entre o Cabido da Colegiada e os Estudantes.

b) fundou-se para defender e animar em todas as emergências asvelhas prerrogativas da função Nicolina.

83

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Quanto ao culto do Patrono, isso estava afecto à Irmandade.Quase todos os Estudantes - os que haviam sido e os que ainda o

eram - estavam inscritos no rol da Irmandade.Da redacção do Estatuto de 1837 se vê: que a ele se transferiu tudo

quanto do • foro escolástico. constava no compromisso irmandadeirode Hi91.

Foi em observáncia a isso que ficou subsistindo este principio daantiga lei:

Todos quantos pertencentes ao grémio escolástico contraissem matri­mónio, assentassem praça, seguissem as profissões do comércio, laborassemnos oficios, servissem cargos públicos, seriam riscados.

Igualmente a função Nicolina continuaria horto fecltado aos leigos ­a todos quantos não tivessem andado nas lides escolares.

Aqueles ousados que a tanto se atrevessem, ficariam sabendo pelaletra do Estatuto qual a punição que os aguardava.

Para tanto, estabelecia o Estatuto da Associação Escolástica no seuart.' 25.°, § 13.°:

.Intentar a exclusão daqueles individuas que dolosamente pretendamtomar parte neste festejo, só privativo dos membros da Associação.•

Mais ainda se acrescentou, como aviso:

< Fazer aplicar em flagrante contra os estranhos qlle, alisados, seintrometam na função, a pena que de liSO antigo se ac/za cominada.'

A pena que os Estudantes, em obediência ao .uso antigo •• sempreaplicaram aos intrusos, era - além de outro correctivo que as circunstânciasdo momento provocassem - o mergulho do delinquente no Clwfarizdo TOllral.

Esta punição é cópia do que se praticava em Coimbra, sempre queum .veterano·, na obediência a uma antipática praxe académica, apa­nhava um <caloiro:>:

Aludindo o Palito Métrico a este e outros tratos aplicados aoscnovatos:>, diz:

• . .. o mais barato que se lhes fazia, era pôr-1I1es lima albarda 011

meter-lhes palha na boca. dar-llzes lima dúzia de açoites e levá-los comcabresto ao chafariz.•

(Ob. cit., pág. 170, Pro Ant.° Duarte Ferrão.)

84•

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A esta regra punitiva que se observava em Guimarães, aludemquase todos 05 Bandos Escoldsticos.

•De toda a letra do Estatuto de 1837 se infere:

S. Nicolau, para os escolares do século XIX, passou a ser - umsímbolo.

Um Bando Escvldstico frisa por maneira libérrima, com rigor de ver­dade, esse antagonismo:

<E tu, Nicolau, perdoa, que afinal,És um pretexto só ao nosso festival.Nós amamos-te muito, ó querido Santo, é certo;Mas julgares só tua a festa, é desconcerto.Não quadra a oração c'o a nossa mocidade;.Os moços querem rir, querem hilaridade,E preferem no mundo (ó desconcerto seu 1)Uma santa ainda viva, a um Santo que morreu 1

(João de Meira, Bando de 1903.)

A <santa ainda vIva. a que alude este Bando Escolástico de há 53anos - é a Mulher!

Nos tempos idos, o fervor santaneiro afirmava-se nos centros acadé­micos por maneira destacante.

Em Coimbra, por exemplo, o culto de S. Nicolau era acompanhadode outro semelhante a S." Escolástica.

No calendário das celebrações universitárias, as práticas devotas,com préstitos, sermões e missas, tomavam o primeiro lugar.

O Estatuto da Associação Escolástica aprovado em 1837, apenas fes­tejava S. Nicolau à maneira daqueles outros santos Taumaturgos do calen­dário popular, onde se expande, exuberantemente, a alegria de viver.

Em Guimarães, no tempo que decorre, a devoção a S. Nicolau chegoua tamanha debilidade, que a capela do Santo - sem nenhum respeito pelasua veneração passada _ está transformada em loja de arrumos.

Contudo, no friso do arco da capela está este documento epigráfico:

ESTA CAPELLA MANDARÃO FAZER OS ESTUDANTESDESTA VILLA NO ANNO DO SENHOR DE 1663

85

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'. 'I '..

U.'I\ ESTUDANTE .vETERANO.(Des. de Gil, Est. 2.' ano)

,

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A

ACTUAÇÃO DE REVERENDOS PADRES NAS EXIBIÇOES NICOtiNAS

Associação Escolástica fixou as bases de uma orgânica Nicolina. Aprincipal condição dizia respeito; a quantos tinham direito a cola­

borar nas festas.Neste privilégio entravam, além dos escolares da Vila de Guimarães;

< Todos os individuas nela residentes que houvessem frequentado asaulas da Universidade.>

No rol dos componentes que promanavam das classes liberais e daaristocracia do burgo, tomava relevo a classe sacerdotal.

Com efeito os padres tinham, no corpo da Irmandade, posiçãodestacada.

O Estatuto de 1691 arrematava com 22 assinaturas. Pertenciam àclasse sacerdotal, 10.

Consultando um Livro dos Termos, datado do século XVIlI, contam­-se, a pág. 30 V; - 28 confrades Ieigos c 25 sacerdotes.

Tanto a presença do padre se destacava na Irmandade de S. Nicolauque, chegado o momento da elaboração do Estatuto de 1837, nele ficouestabelecido (art.' 3.', § L') - gozariam do foro escolástico -todos oseclesiásticos desta Vila.<

Qual seria a actuação do confrade eclesiástico na função Nicolina?A circunspecção devida ao voto sacerdotal, podia embaraçar a cola­

boração de alguns padres nas diversões Nicolinas - diversões de autênticocarácter profano.

Havia, porém, um grande e apreciável número de tonsurados, o qualnão punha dúvidas em se promiscuir na função.

87

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É que, as sociedades pretéritas, quanto aos ditames da disciplinaeclesiástica, foram menos exigentes que as regras observadas em nossosdias. Arranjada certa caracterização conveniente, o padre conquistava umaalforria apreciável para entrar nas diversões Nicolinas de garra com osescolares.

Assim, amparados à tradição e ao incógnito, padres e leigos acama­radavam.

Nos folguedos histriónicos e galanteios cavalheirescos que consti­tuiam a base das Nicolinas, o nexo unitivo do Sacerdote e do Leigo, con­fundiam-nos.

Pelo mcnos havia, quanto aos Sacerdotes, uma benévola aquiescênciano ambiente das Nicolinas.

Como resguardo aos respeitos sociais se convencionou - o uso damáscara. .

Perante o seu uso, quedavam-se os preconceitos. A tolerância surgia.Pode dizer-se que, a máscara, dava afoitesa àquele que a usava.Outro eu. outra natureza se formava, à margem desse disfarce.Os próprios velhos se metamorfoseavam em novos.A encorajá-los, estavam as saudades da mocidade perdida.Razão porque, mais das vezes, eram os velhos os incitadores dos novos.

*

Chegados a 1870, ferem-se dissidios.Havendo na terra. por tal época, mais que uma célula de ensino ­

núcleos escolares de .Padres Mestres. -, certos atritos surgiram.E um rumor de tempestade, entre os escolares do activo e os .vete­

ranos., se levantou na terra.De onde resultou, vir à rua. mais de um Bando Escolástico.Recorto no • Pregão. dissidente dc 1870 esta passagem de remoque

aos Sacerdotes;

I

.Além viu-se a classe rareando,Reforçada, afinal, por contrabando . ..Aqui, rostos enérgicos d'estudo,Bem mostram que não são anjos d'entrudo . ..E eles, que fazer? Tirar as vendas;Amostrar nessas caras reverendasO lugar que lhes cabe nestes dias,Que não 'stão a carácter as foliasDe quem renunciou a estes fOfiJs.

88

II

I

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Acima disto são sempre os decoros,O escarneo de vestes de profetas,Trocar santa missão pelas caretas.Melhor fora que, em vez deste sudário,Pegasse cada qual no seu rosário,E escondendo essas frases d'arrieiro,Fosse, em coro, rezar ao Padroeiro.•

• • • • • • • • •

Manifesta censura à intromissão dos padres nas folias escolásticas.Esta censura, porém, perdia o seu mérito. por vir dos [mimos aziumados deuma contenda.

A dissidência de t870 voltando as suas criticas contra os Reverendos,mostra à evidência, como tinham nas Nicolinas papel saliente os Sacerdotesda Igreja.

Depois desse choque, a presença dos figurantes tonsurados nas exibi­ções Nicolinas, continuou.

*

Em 1900, alude o Preglio a esses sócios de cabeç"o e batina:

.Padres Caldas, Abreu, Sargento e o Grande .Mico. ('),Esplritos gentis do Nicolau de outrora,Riam como ri, no més de Maio a Aurora /.

A este friso, quantos mais se podem juntar!

P.' António José Barbosa Pinto Veiga. vem citado, em 1866, norol dos con[rades de S. Nicolau. Conheci, muito de perto, este venerandoSacerdote. Foi capelão da Santa Casa da Misericórdia.

Quando o cortejo do .pinheiro·, em noite cerrada, de frio aspérrimo,dava entrada na cidade, ele vinha inalteràve1mente ao muro do quintal dasua casa para o ver passar.

Envolto no seu chale-manta, a sua pupila luminosa fixava-se nocortejo, acompanhando o estridor dos bombos com manifesto encantamentode alma, trautiando em surdina o hino escolástico.

(1) ·Graude Mico~ - Chamava-se este brincalhão das Nicotinas! P" J/ Leitede Faria Sampaio. Proveio-lhe a alcunha acadêmica, possivelmente, de haver desem­penhado papel inerente à espécie dos simios.

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Para este velho Sacerdote o cortejo, envolto em saudade, vinha dopassado!

*

p.e Casimira Machado de Faria Oliveira - cuja silhueta marcava nacidade pelo tipismo da sua 'capa de portas e chapéu alto - foi outro apaixo­nado das Nicolinas. De igual modo o seu nome figurou em 1860, nocaderno dos confrades da Irmandade.

Lá em baixo, no lugar da Madroa, o seu vulto surgia ao clarão dosarchotes, por detrás duma vidraça da sua casa, sempre que os Estudantesvinham da 'posse> do mato, secularmente mantida pelos oleiros da Cruzda Pedra.

Tanto nele foi estuante o seu amor às Nicolinas, que o comunicoupelo seu exemplo aos seus dois filhos - Acácia e Álvaro.

*Circunvagando o pensamento na órbita de meio século, vemos em

convivia ameno as figuras de outros Sacerdotes, os quais em noite de'posses> Nicolinas reuniam, acamaradados a condiscipulos leigos, ora emcasa do Padre António Monteiro, ora na residência do arqueólogo AlbanoBelino.

Nesta irmandade amiga de antigos escolares - onde refulgiam pelasua garridice de espírito faceta o Padre Gaspar Roriz e Jerónimo Sampaio-,eram convivas certos os padres Lima, Faria, Assis, Ribeiro e Correia, todospresos por elos fraternos aos bons tempos da sua juventude, no alvor daqual a função escolástica avultava em episódios, recordações, saudades.Para acréscimo desta comunhão entre ,devotos> Nicolinos, eram servidosvinhos e licores, destarte alegrando os corações e fazendo-se mutuamente<saudes:t.

Estas reuniões - era da praxe - terminavam por se entoar em coralentusiástico, o hino de S. Nicolau.

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ESTUDANTES TOfl/SURADOS DO SÉCULO XVI- BOÉMIA DOS ESCOLARES DO SÉCULO XVII

HENRIQUE DE GAMA BARROS na sua monumental obra - Históriada Administração Pública em Portugal. escreve:

<Particularidade digna de nota é que nas dignidades. ,;omo noutrosbenefícios eclesiásticos, eram por vezes providos indivíduos que não eramsacerdotes. Deste facto resultavam inconvenientes, e por isso se procuravaremediá-los, obrigando os providos a receberem Ordens.•

No Livro dos Assentos do Cabido (Colegiada) relativo a 1544, lê-seeste Despacho:

<Deliberou (o Cabido) dar licença dous anos ao cónego GonçaloDias de Carvalho, para desde o dia de S. João em diante, ir todos os dias àCosta aprender, vindo servir a igreja nos dias em que na Costa se não ler.'

Dizia o peticionante <que estava principiado de latino. e era seupropósito • ir estudar cànones· para Coimbra. Entretanto iria à Universi­dade da Costa apurar-se em latim.

(Arq. Mun., Códice 100, n. 16.)

Era tão acentuada a crise de sacerdotes pouco seguros na lingualatina que, em 1620, um dignitário da Colegiada fez registar esta <lembrança. :

<... Qualquer clérigo, diácono ou sub-diácono e o que houver decapitular ou fazer outro qualquer oficio eclesiástico, que gramático nom for,primeiro que comece seus oficios, ao menos aos domingos e feslas, e diasque mais gentes recorram à igreja, chegue-se a um cónego ou beneficiadoque entenda latim, e, perante ele, leia e proveja apartadamente todo esso(isso) que houver de dizer e fazer, em guisa (em forma) que quando des-

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pois chegar a fazcr os ditos actos ou oficios IIOIIl erre em a/gúa cousa, c omelhor é ser apartadamente corregido por um, que ser corregido e doesladocm presença de muitos, como convém que seja qualquer que vergonha nomhá, com perigo de julgar-se por idiota.•

(Arq. Mun., L,o de Lembranças de 1lluitas cousasnotáveis ... da muito devota Igreja Colegiada.)

Onde mais proliferava o desconhecimento do latim seria na Cole­giada, pela circunstância de muitos dos seus membros serem -cónegosbeneficiados. e não -cónegos de missa •.

Sabido que a admissão de muitos membros da Colegiada provinhada transmissão do cargo, por herança, é evidente que uma boa parte dosmesmos não vinha investida de Ordens Sacras.

Este simples registo, respigado dedum sistema observado nestas instituições

um rol extenso,• •canol1lcas :

dar-nos-á ideia

-o Dr. Manuel Pinto de Araújo ••• tomou posse aos 4 de Abril de1723. Ordenou-se em Abril de 1729 de Ordens Sacras. Renunciou em seusobrinho.•

Quer dizer: Só decorridos 6 anos depois de haver sido admitidocomo cónego beneficiado, é que o Dr. Manuel Pinto de Araújo tomou<ordens sacras.. Por sua morte, renunciou o canonicato em seu sobrinho,um .leigo>,

Esta nota é extraida de um calhamaço manuscrito do século XVIII, daautoria do cónego José de Carvalho Araújo, sob o titulo: - <Elementos paraum catálogo de Chantres, Tesoureiros. Mestre-Escolas, Arciprestes, Arcedia­gos, Magistrais, Cónegos Prebendados e meio Prebendados da Colegiadade Guimarães•.

Não faltam alusões aos cónegos sem <ordens sacras. os quais eramcontinuamente instigados pelos Visitadores a que se provessem do ensinonecessário para poderem celebrar missa e praticar os mais serviços divinos.

Bastará registar aqui esta nota do prelado visitador D. Rodrigo deSousa Teles, datada de 1721:

<Ordenamos e mandamos aos cónegos que não estão ordenados insacris . .. que logo dentro de seis meses se promovam de Ordens Sacras.•

(Arq. Mun., Boletim n.' 3, VaI. VIL)

92'

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Um objectivo tenho em vista ao fazer esta dissertação históricaextraida dos anais vimaranenses: dar a prova de que frequentavam osbancos escolares, em tempos extintos, muitos estudantes adultos. A suapresença nas escolas regidas por velhos Padres-Mestres familiarizados como latim, devia tornar-se manifesta.

Este seria o panorama escolar de épocas passadas.Os folguedos tão peculiares aos discipulos de Minerva, inspirar-se­

-Iam nos moldes daqueles verificados nos centros universitários.Aliados a estes Estudantes adultos, juntavam-se, por direito estatu­

tário, os antigos escolares.

*Os costumes dos Estudantes boémios nas idades extintas. oferecem-

o o

-nos este tipo exótico e estrambilhado:

•Brigão, espadachim, arruaceiro, ousado, e de /loite, em sortidas peri­gosas, bate-se vale/lteme/lte /la sombra das vielas, em dltelos sa/lgrelttos.>

(Hipólito Raposo, Coimbra Doutora.)

Não se julgue que este tipo estudantil era limitado aos centrosuniversitários. Sendo o lastro do académico Coimbrã proveniente das terrasda provincia, muitos desses elementos, uma vez regressados ao seu meio deorigem, eram portadores das tendências corrosivas, observadas e aprendidasdurante o estágio nos estudos superiores.

Como prova de que também no limitado centro escolástico de Gui­marães proliferaram os costumes de uma boémia académica desconcertada,cito aqui em breve extracto, um exemplo do século XVII.

Vejamos os termos de uma queixa dirigida ao rei pela Colegiada deGuimarães:

.Senhor: Dizem as Dignidades e Cónegos e Cabido da Insigne eReal Colegiada da Oliveira, da Vila de Guimarães, Capelães de Sua Mages­tade, que movidos da honra e serviço de Deus e do zelo da administraçãoda Justiça, por falta da qual e da frouxidão com que os ministros dela,postos por V. M. na dita Vila, procedem, de que resulta à dita Vila e a

. todos os moradores dela grande dano, perturbação e pouca segurança desuas pessoas e casas, sem os ditos ministros tratarcm mais que de como­didades próprias, chegando a tal extremo que, nem a continua admoestaçãoque os pregadores lhes fazem dos púlpitos é bastante para a emenda ... >

Como justificação dcsta queixa formulada ao rci, contra o Corregedore Juiz de Fora, seguia-se o libelo:

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,Provarão que é público andarem todos os estudantes e mancebosdesta Vila carregados de pistolas, sendo mais o uso delas, que das espadas,trazendo-as à vista de todos, públicamente, de dia e de noite, nos quaisentram os filhos do Corregedor desta comarca. . • . . . >

(J. Lopes de Faria, Efemerides, Vol. L', Bib. S. M. S., Mss.)

Estará a parte carregada. Não seriam ,todos os estudantes,. Emtodo o caso, subsiste o motivo da queixa, que assenta nisto:

Estudantes de Guimarães, no século XVII, aliados a outros mancebos,pandegavam em nocturnas orgias, perturbando o sossego público.

Estes Estudantes, brigantes, seriam no seu tempo o mais activo ele­mento para a função Nicolina.

A eles se associavam todos aqueles que, embora fora das lides doestudo, fruiam, à face do Estatuto, os privilégios do <foro escolástico •.

,

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o PINHEIRO ANUNCIADOR DAS NICOLlNA~ - SUA ENTRADAFESTIVA NA CIDADE

TODA a festa popular, anunciada à mancira antiga, começa por erguerum mastro, arvorando no seu tope uma bandeira.A bandeira das Nicolinas era um retábulo, onde se via pintada a

figura de Minerva.Destarte o Santo dava a alternativa a Minerva - deusa da Ciência e

das Letras.Largos anos este retábulo foi içado no alto mastro anunciador da

função escolástica. Um dia - desapareceu!Nem por isso deixa de ser erguida em alto mastro uma bandeira,

como prelúdio das Nicolinas, no dia 29 de Novembro, sempre que a funçãotem lugar.

Este acto constitui o primeiro número da festa tradicional dosEstudantes.

Na formação do cortejo distingue-se a boiada. São os bois condu­zidos à mão de lavradores e lavradeiras, fazendo menção de vir puxandoos carros onde se estende o .pinheiro>.

O seu objectivo está neste verso, que extraio de um Bando:

•O pinheiro maior, o mastro mais gigante,Que ao longe e ao largo canta a festa do Estudante!.

Era no rossio do Toural, no vasto terreiro fora da muralha do burgoantigo, que o .pinheiro. se erguia, empenachado com a respectiva rama nacorucha.

O número de juntas de bois que em cambão puxam aos carros ondevem o .pinheiro>, dá a medida do esforço da Comissão dos Estudantes emsolicitar a boiada aos lavradores-caseiros. Estes, satisfazendo os desejos

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dos moços escolares, jamais faltam com a sua ajuda. Alguns ·botam ca­pricho. em enfeitar os jugos, pondo à aguilhada moças de andaima nova.

Precede este cortejo ·um bando ruidoso de Estudantes, tocandobombas e caixas, todos envergando camisolas e carapuças à lavresca.

O •pinheiro> é enfeitado com fostões, bandeiras, galhardetes, pen­dendo dos fostões a iluminação dos balõezinhos.

O rapazio traquina, colaborando. empunha archotes. Algumas vezesmonta o dorso do pinheiro, màis fazendo chiar os carros que o conduzem- caracteristica chiadeira só permitida pelas posturas municipais à festados Estudantes.

Acompanham o cortejo nocturno da entrada do .pinlleiro. alguns car­ros com alegorias ao ensino e a qualquer sucesso da actualidade.

Fecha o cortejo lima banda de música.Uma efeméride relativa ao ano de 1854, diz assim:

.No dia 29 de Novembro cflegou ao Toural . .. o mastro para a ban­deira, pintado de branco e vermelho (cores escolásticas) (I), tel/do I/a suachegada urna girándola de foguetes, e acompal/flado da mústca do Batalhãode Caçadores 7. >

(Jornal do Porto, Braz Tizana, 0. 0 288.)

*

O pOVo vimaranense acompanhando de interesse os vários númerosdo programa das Nicolinas, aguarda nas ruas e janelas a passagem destecortejo alegre e ruidoso, suportando o frio aspérrimo de Novembro, acom­panhado por vezes de aguaceiros.

Uma das preocupações de quem assiste a este cortejo nocturno, é acontagem das juntas de bois que o formam em extensa fila. Há memóriade nele haverem tomado parte, para cima de cem juntas de bois I

Este facto, por si, denota a riqueza da pecuária, que de longe seafirma na Provincia, quanto a gado bovino.

Dos pinhais mais próximos da cidade, vem, por oferta, o altaneiromastro.

Pelas ruas por onde passa o cortejo, nota-se que certos moradoresexteriorizam o seu aplauso, a sua simpatia às Nicolinas, pondo à janela,entre grisetas ou lâmpadas eléctricas, alegorias chistosas.

Destacou-se pela sua perseverança nesta manifestação, um mestre

(1) Cdres escolásticas? ... A fita com medalha pendente, distintivo da Irman­dade de S. Nicolau, é branca. A bandeira da Academia VimarallenseJ é verde e branca.

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caldeireiro, com oficina na Rua de S.'o António._ Nos tempos antigos emque esta artéria se designava pelo topónimo Rua de Mata Diabos, já entãoali se mostrava à varanda de madeira da modesta casa, qualquer exibiçãopitoresca, motivo de comentários e risos do povinho que, frente ao prédio,se postava (I). ,

Depois que nos fins do século XVIIl começou de ser urbanizado orossio do Toural, outros locais foram escolhidos para neles se fazer aerecção do .pinheiro-, anunciador das Nicolinas.

Finalmente. é no Campo da Feira - que a nomenclatura modernaelevou a Praça da República do Brasil- o local onde o .pinheiro. se ergue.

Após o que. é servido aos condutores dos bois um beberete, acom­panhado de um cordeal - .adeuzinho, até ao ano, se Deus quiser ,.

(1) O primeiro mestre caldeireiro com oficina na loja térrea da Rua de 'MataDiabos , de nome Stikini, era de origem Napolitana. Fora soldado legionário nas cam­panhas da Guerra Peninsular.

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A ENTRADA DO PINHEIRO ANUNCIADOR DAS NICOLlNAS(Oes. do ProL do Liceu ***)

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A TRADIÇÃO E ORIGEM DAS .ROUBALHEIRAS.- REFORMA QUE SE IMPÕE

NülTE cerrada.Na miragem do burgo antigo, passa de largo a ronda do sr. Alcaide.

Modernamente, a Polícia, fecha os olhos.Grupos de Estudantes disfarçados, conspiram na sombra.Há planos de assaltos. Alguns planos, preconcebidos, chegam a ser

cometimentos de audácia. Requerem o escalamento.'Sem isso não se cometeriam certas proesas das -roubalheiras>.-Roubalheiras> ! ...Nome desqualificante é este, que anda Iígado às diversões de uma

noite Nicolina.Consistem estas diversões em fazer mudar de sitio todas as coisas

ao alcance da mão e que, pela sua natureza, dão na vista, uma vez expostasem estendal público.

Neste propósito de brincar e rir, espalham-se os grupos dos escolarespela cidade, num recato de pé-leve e mão ligeira, conduzindo toda a tralha,sem distinção, para junto do <pinheiro·.

Tratando-se de um número de festa, com programa inalterável, múl!i­-secular, não é de estranhar que haja da parte dos habitantes da cidadecertas precauções defensivas, prevenindo-se contra os cometimentos dajuventude escolar, nessa noite de ... diabo à solta I

Uma das atracções especiais dos Estudantes, por obediência àtradição, é posta nos vasos das janelas. Sendo estes vasos motivo de zelosfemininos, não admira que eles sejam as principais vitimas das <rouba­lheiras>.

Anda a costumeira celebrada nos versos do Bando Escolástico de 1817.

Será sem lei, escolástica folia,As ruas correndo, a juventude solta,Quanto lhe agrade levará d'envolta.

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No panorama do burgo antigo, foi mais acentuado o gosto dos vasosàs janelas. Quem se dê à curiosidade em reparar nas frontarias de certascasas construidas em taipa, de arquitectura tipica, - nomeadamente aquelasonde há trabalhos de entalhador e tomeiro-, nelas deparará com'dispositivos,à maneira de poiais, destinados à jactância mimosa dos vasos floridos.

Mercê desta caracteristica, surgiu a costumeira escolástica, em noiteNicotina, de furtar esses vasos janeleiros, os quais vão fazer companhia aoespólio .furtado.: - carroças, bancos, tabuletas, canastras, escadas, enfim,todo um bricabraque de coisas, as quais, uma vez mudadas do seu lucrar

b

para junto do .pinheiro. da festa Nicotina, ali ficam ... a chamar peloseu dono.

Entretanto, o povinho acorre ao .pinheiro>, atraido de curiosidade,comentando, rindo.

Nem sempre, porém, a operação desta convencional .roubalheira>estudantil corre sem incidentes, de entre os quais se destacam protestos­alguns justificados pelo maleficio que sofrem certos objeetos levados parajunto do estendal assoalhado à volta do .pinheiro>.

*

Vem a propósito dizer-se alguma coisa quanto à origem remotadeste uso, que passa em julgado complascente, com o ti pico nome de ­- roubalheiras>.

Na série de diversões Sanjoaneiras observadas nas povoações rurais,faz parte a brincadeira, praticada durante a noite, escondendo nas minas,nas poças, nos atalhos, nas mêdas, no alto das árvores, toda a espécie dealfaias agricolas, inclusive escadas e cancelas, que os estúrdios em rusgapossam haver à mão.

Esta anacrónica costumeira da noitada de S. João, tem caido emdesuso. Se ainda se observa, é lá para os lugarejos mais afastados dasaldeias.

Também os nossos académicos actuais, sem audácia para uma proesaem grande :escala, limitam as -roubalheiras. a uma amostra daquilo quefoi, outrora.

Há quem desfira suas criticas contra este número das Nicotinas.De minha parte, querendo conceder o maior acatamento às tradições

Nicolinas, pondo o maior empenho em propugnar pelo prestigio e dignidadcda festa dos Estudantes, sou levado a reconhecer: que nem tudo corre pelomelhor na execussão das -roubalheiras •.

Pelo que, seria de limitar, condicionar, quais as .tomadias> a fazernessa noite das Nicotillas.

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E penso:

Seriam os vasos janeleiros - pelo sentido que neles põem as donase donzelas - aqueles para onde deviam ir as folgadas atenções dos moçosescolares. Destarte as • roubalheiras., encaminhar-se-iam para a sua

reabilitação.O malelicio das .roubalheiras. transformar-se-ia em puro acto de

brincadeira.Restringia-se o âmbito deste número das Nicotillas?Mas alargava-se, em seu louvor, o aplauso público.Talvez que, deste modo, se criasse ao malquistado número das

.roubalheiras>, um gracioso mito - o do Amor.Com este mito, p;oviria um símbolo, de compleição estética - o

vaso lIorido.Pensem nisto os Estudantes.Será a bem das Nicotillas.

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COMO SERIA O ROSSIO DO TOURAL(Séc. XVII)

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o

NOVENAS DA -CONCEIÇÃO- NA CAPELA DO SUBÚRBIO- O CALDO D'UNTO NA TASQUlNHA

erudito abade de Tagilde em seu livro Guimarães e Santa Maria,dá-nos cópia de uma escritura relativa a 1513, pela quá! os padres

careiros ao serviço da Colegiada - denominados Padres Capinh,ls - toma­ram o encargo de celebrar um acto religioso na capela de Nassa Senharaúa Canceiçãa, erecta na freguesia de Azurei, subúrbio da cidade. .

O códice n.o 584, pág. 254, do Arquiva Municipal, dá-nos os Títulassabre a Ermida da Canceiçãa de Fara (1). Por eles se vê que esta ermidaandava ligada à jurisdição da Colegiada. Este facto, por si. levaria a as­sistir, como coadjuvantes de umas novenas que ali se celebravam, os ,Me­ninos do Coro> da referida Colegiada. Identificados estes com os esco­lares, davam os mesmos escolares a sua prese,nça ao acto das Novenas.

É mesmo possivel que coadjuvassem no coral os moços escolares,alternando com o sacerdote.

O que chegou até nós, pela constância ininterrupta duma prática defundo tradicional, foi o costume de os Estudantes irem à Nassa Senhara daCanceiçãa de Fara, assistir às Novenas.

Manhãzinha cedo, ao dialbar da aurora, um bando de Estudantes,cnroupados com camisolas e carapuças à lavresca, saem à rua, tonitroandotambores e caixas. Aqui e ali, junto às casas onde moram colegas acadé­micos, a música da Zé-Preirada irrompe, forte, até que se lhe juntem osdorminhocos, menos lestos em sairem debaixo da manta.

E lá segue a ronda escolástica, a caminho das Novenas.Nove dias se sucedem, como contas em rosário, para esta ,devoção>

matinal.

(1) Chama-se N. S. da Conceição de Fora, por estar esta captla fora de porias,no subürbio.

Foi elevada à categoria de monumento de interesse público.

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Já o sininho palreiro pendente do arco da torre convoca a gente dolugar a assistir à novena.

Entrementes, a ronda académica, para contrapor resistência ao frioaspérrimo das manhãs de Dezembro, entra na tasquinha próxima à capelaresolutamente emborcando uma tigela de caldo d'unto, fumegante, migad~com pão de milho.

Como complemento substancial, entra em actividade o cangirão dovinho verde.

. Assim o vi e experimentei, há meio século atrás, de súcia com osEstudantes.

O olhar rútilo do Sol, espreitando por detrás da cortina de névoamatutina, irisa de luz suave a neve sobre os campos.

*

E a ronda dos Estudantes, sempre rija no manejo das baquetas,volta à cidade.

Por vezes estes alargam o seu itinerário, indo até ao Mercado. Con­fiantes nos imprescritiveis direitos da sua juventude, tomam furtivamentehortaliças, com elas enfeitando os seus instrumentos de percussão.

Ao surgirem ali os Estudantes, as regateiras pondo-se de atalaia, vãolançando este brado:

- Aí v~m os díabos! •..

Na verdade, são tantas as diabruras que eles fazem - benza-osDeus! - que até parecem haver frequentado um lendário curso instalado nossubterrâneos da Universidade de Salamanca, cuja cátedra tinha por mestreo próprio Satanaz (I).

*

Uma Irmandade erecta na capela da Conceição, segundo registos de1738, tinha por confrades alguns cónegos e estudantes.

Reproduze este registo:

(1) <lAo p,e Suarez, mestre vindo de Salamanca para Coimbra, no século XVI,puseram a elo~iosa alcunha de Doutor Exlmio. Dizia-se que a ciência do grande teó-,logo não era humana, mas devida ao espírito diabólico, com quem tinha paeto~.

(Te6fllo Braga, Hisl. di! Uno de Coimbra.)

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< ••• 0 R.do Cónego António Guedes A/coforado, do Campo da Feira, oR.do Cónego António de Sousa Mesquita, Rua de S.' ° Maria, o R.do CónegoAntónio Gomes Rióeiro, Praça de S. Tiago, António Cardoso de Menezes, naQuinta do Gaiteiro, António José Monteiro, estudante, depois frade Francis­cano. Custódio Vieira Sampaio, estudante, da Ca/deiroa, não deu esmo/a,porquanto é deligente em tocar o rega/ejo.>

Há na pequena capela-mor um órgão, de limitadas proporções. Nãoé certamente a este instrumento de teclado, gaitas e foles, que se faz

referência.<Regalejo>, (ou realejo), é instrumento tocado com manivela.Seja como for, caso é que os escolares antigos legaram às gerações

de académicos que lhes sucederam a prática devota de irem, manhãzinhaccdo, assistir às novenas da Conceição.

Esta Cdpclinha, tão linda e aconchegada, forrada de azulejos histo­riados, de tecto apainelado, com sua galilé de quatro águas, fica a doisquilómetros da cidade.

*

o caldo adubado com unto de porco, que ali é servido aos Estu­dantes, tem como composição culinária a cebola e o ovo cosido.

Pelas calorias que empresta, o caldo d'unto está indicado comosuadouro - terapêutica usada na gente do campo para curtir constipações.

Os nossos Estudantes, tomando o caldo d'unto nas manhãs frigidasde Dezembro. à hora da novena da Conccição, visam este objectivo maisprevidente: melhor que curar constipações, é evitá-las.

O caldo d'unto, tcm essa eficácia, scgundo a sapiência caseira dosnossos Estudantes.

*

Nos fins do século XVI tiveram os escolares de Guimarães outracorporação irmandadeira, com altar numa capela do culto a Nossa Senhorada Consolação, hoje igreja dos Santos Passos. A esta corporação alude aObra, Santuário Mariano, dizendo:

. : Tem a Senhora da Conso/açiio uma noóre irmandade; a que derampnncfplo os Estudantes da mesma Vila de Guimarães, no alIO de 1594..... >

(L.' 1. 0, T. LIV, pago 195.)

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CAPELA DA CONCEIÇÃO

INTERIOR DA CAPELA

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AS -POSSES· E O -MAGUSTO. SÃO NÚMEROSTRADICIONAIS DAS NICOLINAS

UEM estabelece e dá uma .posse-, não o faz à sobre-posse.É por simpatia. de livre vontade, que as ·posses- são criadas.

Esta maneira original de alguns moradores da cidade colaborarem nasNicclinas, tem raizes antigas. Uma vez estabelecida a .posse-, lá vão osEstudantes à porta dos seus instituidores, bradando em sonoro pregão:

- A posse!. .• Venha a posse! . ..

Sucede, por vezes, recuarem os dadores. Mesmo assim, por forçade hábito, a ronda escolástica segue o velho trilho, clamando:

- A posse!... Vm.7a a posse! ...

Para levantar as .posses-, forma-se um cortejo nocturno. Ao fumodos archotes, ao toque dos bombas e filarmónica, lá seguem os Estudantesde rua em rua, acompanhados de muito povo. Distinguem-se na onda po­pular os rapazes, formando coro com os Estudantes:

- A posse! . .. Venha a posse! ...

Esta oferta voluntária, toma assim uns ares de compromisso.Chegante a ronda académica à porta dos instituidores da costumeira,

a filarmónica que acompanha este alegre cortejo irrompe com o hinoescolástico.

E o rumor das vozes sobe no espaço, clamando e reclamando comose fosse um direito legitimamente contraido:

- A posse!... Venha a posse! ..•

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Estas 'posse.s. Nicolinas são de vária espécie:

a) H<i. •posses. que descem das casas à rua, pendentes de umcordão, cercadas de lumes, à maneira de lampadário;

b) Há 'posses. que são entregues aos Estudantes no interior dascasas ou à porta da rua;

c) Há 'posses. em vitualhas, de boca molhada, que logo os Estu­dantes as petiscam, na acto de as receber;

d) Há, finalmente, ,posses. que são exibidas às varandas dosdadores, como espectáculo público.

De todas as ,posses., a que se reputa ser a primeira, pela ordem darecolha, é aquela que oferecem os oleiros de Cruz da Pedra.

Um jornal da terra, publicou em Dezembro de 1852 esta noticia:

,Na noite do dia 4 para 5, foram (os Estudantes) à Rua da Cruz daPedra, como é costume, exigir a posse, um forcado de mato, a cada um dosoleiros da mesma rua, que todos dão, e mandam para o Toural, por um

•operário. E da etiqueta que à porta de cada oleiro se toque uma peça demúsica, porque, sem isto, não se dá o mato (1).•

Mais acrescenta a noticia:

,Este mato serve para fazer um magusto no meio do Toural, ondese distribui aos circunstantes castanhas e vinho.•

(.. Religião e Pátria~1 0.0 8.)

Estava no uso dos oleiros, proferir um deles, uma fala.Outros instituidores de ,posses. têm copiado a costumeira da dis­

cursata - estilo macarrónico.Há 94 anos o Toural era um rossio de horizontes abertos. Neste

campo se realizavam os mercados e se efectuavam diversões de grandevulto: cavalhadas, jogos de canas, corridas de touros.

Era neste espaçoso terreiro que se erguia o mastro anunciador dasNicolinas, e que se fazia o Magnsto - número consagrado da mesma funçãoescolástica.

(1) Assisti a uma "POSSC~I na Praça de S. Tiago, onde o próprio dador, postadoà janela, exigiu o hino. Quando não _ clamava - c;oão vai a posse !•.

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As castanhas e o vinho, como se viu do capitulo relativo à -rendade Urgeses., fazia parte da mesma.

Extinta a celebrada renda, os Estudantes, mantendo o Magusto comonúmero do seu programa, jamais deixaram de o realizar.

Limitam, apenas, a distribuição das castanhas e do vinho aos lavra­dores e lavradeiras que conduzem o gado no cortejo do -pinheiro.,associando-se-lhes.

*Outra -posse. que anda registada nos periódicos de há cem anos,

foi a da videira, da casa de S. Dâmaso (I). Esta videira, trepava pela fron­taria de uma casa de dois andares, em rcss3lto. Na sua loja tinha oficinaum albardeiro.

Vejo de uma noticia incerta no semanário -Religião e Pátria., doano de 1862: que as uvas eram oferecidas em açafate (2).

Ainda na minha juventude assisti ao acto desta -posse.. Então, osEstudantes teriam de trepar à videira, colhendo nela os cachos de uvas,ali mantidos até Dezembro de cada ano, para efeito da -posse •.

Uma vez sêca a videira, extinguiu-se esta - posse. de tão pito­resco efeito.

*Quando o cortejo dos Estudantes vinha das bandas da Cruz da

Pedra, trazendo à sua frente os condutores do mato, fazia paragem na Ruade Camões. Na casa do armador Manuel José da Silva Eugénio, exibiam­-se figuras em cena parada. Algumas vezes estas cenas tinham actualidade.Em 1905, aquando do célebre feito de Chaimite pelas tropas do heróicoCapitão Mouzinho de Albuquerque, foi ali patenteada em figuras de tama­nho natural a prisão do régu10 Gungunhana.

Este e outros especláculos entusiasmavam o povinho, que, ao des­cerrar-se a cena, irrompia em aplausos.

*

Igualmente no espectácu!o das - posses. tinha representação ogrotesco.

(1) Lê-se no 1.0 Vol. , Obras, d:: Cardeal Saraiva: «Ainda hoje conhecemos empovoações Ilotâvcis da Pruvincia do Millho, parreiras plantadas às portas das casas, su­bindo ao alto, indo guarnecer as janelas c fazendo assim n50 desagradável perspcctiva~.

(2) A mesma noticia vem acrescida com estoutra: «Este ano (1852) !louve novaposse na mesma rua em casa do sr. Anlóllio José Pereira Martins».

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Conta-se este feito:

Certo folgasão, morador na Rua de Traz do Muro, gerou a bisarraideia de exibir o trazeiro à varanda da sua casa, pondo de cada lado umcastiçal com vela acesa.

As crónicas da época, identificaram-no: - João António Teixeira,sapateiro.

O Códice n.o 645, fI. 17, da Santa Casa, fez em 1811 o registo destacriatura, que ficou na lista dos doentes conhecida pela alcunha de JoãoCucúsio.

Esta <posse-, nem por ser estravagante, deixava de ser requerida aaltas vozes, por quantos acompanhavam os Estudantes na sua rondanocturna:

- A posse!... Venha a posse! ...

Anos havia, de muitas <posses-o Andam algumas citadas nos BandosEscolásticos.

ltO

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o

REMEMORANDO ANTIGAS ·POSSES- DE DOCES FREIRÁl'ICOS- MAIS A .POSSE- DE rtlESTRE VENÂNCIO

convento das claristas retinha em suave clausura, muitas vergônteasda cepa fidalga. Por entre lirios de puresa, não seria de estranhar

que vicejassem noviças tentadas para o mundo.No convento tinham IlIgar festas de abadessado, outeiros poéticos,

chás de palratório - coisas que, para serem deliciosas, eram amimadascom doces, manipulados pelas mesmas freiras e respectivas servas.

E havia tratos de toilette como em festa mundana.Para que este preâmbulo não seja tomado à conta de mal dizer,

reproduzo aqui um depoimento, que nos mostra como estavam presas àselegâncias femininas tantas das recolhidas do convento c1arista, nomeada­mente as religiosas mais novas:

- ... usavam espartilhos, apertando-os de tal modo, que ficavamescandalosas, deixando ver os contornos do seio; traziam na frente oshábitos curtos, com o fim de se lhes verem o pé e o sapato; usavam óleose polvilhos na cara.-

(Abade de Tagilde, Rev. de Guimarães, VoI. X.)

Esta referência pertence a uma devassa promovida pela autoridadeeclesiâstica, em 1759.

Com estes atributos mundanais, é evidente que não seriam as c1a­ristas indiferentes à função Nicolina, na qual a juventude tinha o primeirolugar.

A comprovar a simpatia das freiras estâ a -posse- por elas oferecidaaos Estudantes.

O Bando Escolástico de 1868 alude à -posse- das c1aristas, nestavaga referência:

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Vão às freiras pedir, encartuchados,Os doces de antiga costumeira.

Cartuchos com variados e deliciosos doces, que ainda hoje go­zam fama.

É natural que, no largo fronteiro ao convento, os Estudantes fizessemexibir algumas das suas danças, e. ao 10'lgO do mesmo largo, passassemos seus cortejos e cavalhadas, certos que, por detrás das grades, os viam asnoviças, tantas delas suas aparentadas.

Em época correspondente havia no Largo da Oliveira, frente à Cole­giada, a estalagem da .Joaninha. - personagem feminina que anda recor­dada pelos seus pasteis e morcelas, em romances de Camilo.

A esta hospedaria iam os Estudantes levantar uma <posse.. Pelodizer do Bando Escolástico de 1868, já então ela não era mais que umasaudosa recordação:

<Pois tudo tem seu fim; a lei mesquinha,Nem os pasteis poupou da joaninha I.

A <lei mesquinha., seria possivelmente uma alusão critica ao Decretoque extinguiu as Ordens freiráticas. No convento das monjas c1aristas apren­deu a .Joaninha. a receita dos seus pasteis.

*

A escola do ensino de gramática, cujos alunos alcançaram maisno:n2ada na festa escolástica, foi aquela que estabeleceu cntre nós, no sé­culo XIX, Francisco Pedro da Rocha Viana, vulgarmente conhecido por­<Mestre Venâncio •.

A rotunda obesidade deste Prof. mereceu a Camilo Castelo Branco. emseu romance <O Eusébio Macário., esta caricatura:

<Um mestre de latim, de bucho insondável, comensal obrigado em todosos grandes jantares de Guimarães.•

Esta nota gastronómica de <comensal obrigado em todos os grandesjantares de Guimarães., não quer significar que <Mestre Venâncio· fosse umvulgar papa jantares. O seu carácter, o seu saber, elevavam-no na estima detodos, nomeadamente daqueles que o escolhiam para professor dos seus filhos.

Outra faceta impunha este conviva: era a bonomia do seu espirito.

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Mestre austero, à maneHa do seu tempo, nem por isso carregava osobrecenho ao ver os seus alunos entregues ruidosamente às diversões

Nicolilzas.Prova-o esta noticia, que respigo dum semanário da terra, referente a

um cortejo da festa realizada em 1862:

_ .•. Seguiram à Praça da Oliveira, a casa do digno professor de latim,que também todos os anos distribue aos seus discipulos doce e licor.•

(Religião e Pálrial 1. 11 Série, 0.° 8.)

_Mestre Venâncio., servindo aos seus alunos doces e licores, minis­trava-lhes uma das suas melhores <lições. - que era o traço de simpatiaestabelecido entre si e os seus alunos, na hora jubilosa da festa escolástica.

Este mimo oferecido por .Mestre Venâncio. aos seus alunos, estáregistado na aludida noticia de 1862, como -posse •.

Quando esta aula deixou de existir, com ela esmoreceram as Nico­linas: prova de que os alunos deste latinista seriam os mais azou­gados nas diversões escolásticas.

•Os vimaranenses da minha geração devem lembrar-se da viúva

Cilasca, em Traz do Muro. Também ali iam os Estudantes tomar uma·posse., de aguardente e figos.

Este -mala-bicho. já vinha do tempo do marido, o Cilasco, como meinformou uma sua neta.

Quando o cortejo académico demorava em ir tomar a -posse., a boacriatura que a dava, preparava o -mata-bicho., metia a chave debaixo daporta e ia deitar-se.

Os Estudantes, abordando à casa da Cilasca, tomavam a chave,abriam a porta, e serviam-se do -mata-bicho.. Feito o que, prosseguiamna sua rota, trauteando o hino escolástico.

*O Bando Escolástico de 1896, faz referência a outra -posse. oferecida

em casa do Escrivão de Direito, Penafort Lisboa:

Nabiça, couve-penca e flor, e os nabos doces,Que o Penafort dá, por ser das posses.

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*As -posses. ac!uais, perderam muito do esplendor antigo.Queiram, porém, os Estudantes fomentar a criação de novas -posses. ,

e, dada a simpatia que de longe acompanha a sua função académica, nãolhes será dificil alcançar êxito.

Demais que, estas -posses., quando não se cumprem, não metem avara da Justiça.

A POSSE DAS UVAS NA -CASA DA VIDE.6ECOU A VIDB. -SECOU- A posse:

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VERDADEIRA ORIGEM HISTÓRICADO «PREGÃO. NICOLlNO

SOBRE a origem deste número da função Nicolina - também chamadoBando Escolástico - pretendeu-se atribuir-lhe o objectivo de prévio

anúncio da festa.

Dizia o B.lIldo de 1866 pela voz do seu pregoeiro:

.Eu Vell!1O anunciar a festa ingente . .. >

Na realidade não é assim. Quando o Bando, em cortejo solene, éapregoado ao povo, já vários números das Nicolinas decorreram.

Esta circunstância, por si, bastaria para demonstrar: que outra é afunção do Bando Escolástico.

Atentemos em fastos académicos de natureza histórica:

Na douta e tradicionalista Universidade de Salamanca - segundo o~cu Estatuto de 1538 - em determinadas festas reguladas pelo calendárioda Igreja, saiam a público os escolares de vários Colégios recitando,perante grandes auditórios, discursos que, em certa maneira, correspondiama .lições. práticas.

Este exercicio escolástico verificava-se normalmente nas solenidadessegu intes :

Páscoa da Natividade, Páscoa da Ressurreição, Pentecostes.

Outros dias solenes seriam escolhidos para a prática destas .lições.,embora o aludido Estatuto quinhentista não mencione senão as três soleni­dades da Igreja.

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Transcrevo textualmente uma passagem da informação que soliciteià Universidade de Salamanca:

' ... Saldiam (saiam) estudiantes de cada ano de los tales colegiosa orar y hanr declamaciones publicamente.•

Estas .orações· declamadas, eram algumas vezes pautadas ou revistaspelos Lentes.

Então, discursar, declamar, impunha-se como disciplina de retórica.A Eloquência era requerida para todas as tribunas: sacra, parla­

mentar, forense, popular.O mesmo exercicio se observava no Coll!gio das Arles, em Coimbra.Oiçamos o que nos diz o insigne Lente da Universidade, Dr. Joaquim

de Carvalho:

.Na aula de retórica, além das lições e exercicios escritos, hoviadeclamações em dias determinados. Declamavam-se orações de Vieira, assrmcomo de Cicero e de Bussuet, traduzidas em vulgar, e composições da próprialavra do estudante, depois de corrigidas pelo Profess?r. A algumas decla­mações assistia todo o colégio.•

(<<Apontamentos para a Hist. Contempordnea*, Vol. 1.0.)

Este exercicio, no Colégio das Artes, limitava-se às aulas.O mesmo exercicio, em Saiamanca, verificava-se na praça pública.Daqui brotou o modelo vivo realizado pelos escolares de Guimarães

na sua tradicional festa ao Patrono S. Nicolau.

•Para que se faça uma ideia da notável frequência dos portugueses

na Universidade salamantina, basta citar esta passagem da História dePortugal, por Rebelo da Silva, referente à Re\'olução de 1640:

•Os escolares portugueses que frequentavam em Salamanca os estudossuperiores, eram mais de quatrocentos.•

(Ob. cit., T. 4.'.)

Neste número havia, por certo, alguns escolares vimaranenses.Muitos ali se iam doutorar (1).

(1) V. Hist. de la Universidade de Solam anca. Vidal y Diaz.His/ória da Universidade de Coimbra, VaI. I.', pág. 367 e 388.

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Não é, pois, de estranhar que, da Universidade galega se copiasse otipo original dos pregões escolásticos, na festa de S. Nicolau em Guimarães.

•A própria contextura do Bando Escolástico não é prelúdio de um

programa de festa.Manuseando os antigos Bandos, nenhum deles nos oferece a ideia de

um anunciar de festa.Sumariando os assuntos constitutivos dos ,Pregões. Nicotinos, são

estes os temas mais visados: .

Epigramas satiricos aos costumes; alusões picaras aos sucessosescolares; amavios românticos às damas; coriscadas virulentas aos intrusos;panegíricos camoneanos aos deuses gentilicos; brejeirices picantes às criadase costureiras; facécias criticas aos governantes municipais; ditirambosgraciosos ao Patrono; pançadas risonhas ao burguês; hossanas campanudasà politica do momento - tudo em decassilabos, em louvor das Musas emais das tradições escolásticas.

Tal é a matéria prima, a substância poética dos Bandos Escolásticos./

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BANDO ESCOLÁSTICO DE 1955, RECITADO PELOACADÉMICO DO 5.0 ANO, J. SAMPAIO, JUNTO DAAUTORIDADE, COMO É PRAXE, EM PRIMAZIA.

11 varanda dos Paços do Concelho esl6 o Sr. Presidenloda C6mllra, Dr. J. M. de Cl13lro Ferreira.

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o

ORGANIZAÇÃO DO B.l\NDO ESCOLÁSTICO À MODA ANTIGA_ MINERVA E MERCÚRIO SEUS PRINCIPAIS FIGURANTES

cortejo do Pregão tem como arautos - os bombas.Seguidamente, entre um terno de cavaleiros, ergue-se a ban­

deira da Academia.É a vez do carro, onde, entre colegas, vai o Estudante que lança

o Pregiio.Apresenta-se o pregoeiro com o traje académico, de capa e batina,

mascarilha no rosto.foi outrora diversa a figura do pregoeiro.Por noticias colhidas, o B,mdo Escolástico de 1814 saiu com duas

figuras mitológicas: Mercúrio e Minerva. A primeira destas personagens,fazendo a apresentação da segunda, assim falou: .

•Queridos filhos meus, que a doce vidaGastais em me adorar no templo honroso,Hoje férias vos dou à dura lide,Para entregar.vos ao recreio, ao góso.Mercúrio em sons jocundos anunciaO festejo, o prazer do excelso dia.>

Acabada esta breve fala de Mercúrio (deus da Eloquência), Minerva(deusa da Ciência), começava a recitar o Pregão.

Neste ano de 1844 - como foi registado em manuscrito coevo _ afigura de Minerva foi interpretada pelo escolar <aposentado> António

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Joaquim de Almeida Gouveia, e a figura de Mercúrio coube ao EstudanteLuis Pereira do Lago (1).

Uma noticia relativa às Nicolinas de 1854, dá-nos esta ordem docortejo:

.No dia 5 de Dezembro, depois do meio dia, saiu o Bando da casado teatro de S. Francisco (2) levando as seguintes figuras: Fama, Apolo, eas duas Musas, Euterpe e Calíope . .. >

.0 pregoeiro (ia) de capa curta... à portuguesa antiga, fechando opréstito duas figuras - Portugal e Guimarães, cada uma com Slla bandeira.

•Em lugar do tambor-mor (3) ia um cometa, vestido à beduina, mon­tado em um cavalo, logo adiante do pregoeiro, tocando quando era necessáriofazer calar os tambores, para se recitar o Bando.•

(Jorna! do Porto, Bra. Ti.ana. n.· 286.)'

Como se vê desta composição do cortejo, o figurado variava. Destavez, Fama e Apolo, seguiam no préstito montados em cavalos com gual­drapas, sendo estes .governados. pelas Musas.

Diz outra noticia:

.No domingo saiu o Bando... com todo o asseio e boa ordem,fazendo o clarim calar os tambores, quando o pregoeiro recitava o BandoEscolástico . . , O pregoeiro ia rica e elegantemente vestido, e o carrinho queo conduzia. vistosamente ornado, podendo dizer-se bem de todas as maiscaretas, tanto de pé como a cavalo.•

(Religião e Pátria - 1852.)

Assim se porl.e concluir:

Não havia uma ordem única na constituição deste cortejo. O figuradoque o compunha, tinha a sua origem de inspiração no Olimpo - a moradados deuses mitológicos - destacando-se de entre todos os deuses e seus

(1) Em 1899 desempenhou o papel de Minerva um estudante de nome JoaquimCosta, da freguesia de Brito. Tanto pegam de raiz as alcunhas usadas nos meios es~o­

lâsticos que, desta feita, Joaquim Costa passou à posteridade com a alcunha aradémicade - «o Minerva~.

(2) Neste modesto barracão denominado «teatro», representaram os escolares,algumas vezes.

(8) Tambor-mor - Copiado da antiga milícia armada. Quando em marcha,seguia na frente com um grupo de tambores, lançando ao ar a sua maça, em proesasde acrobacia.

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satélites, aqueles que se ligavam, por qualquer maneira, ao âmbito dos

Estudos.

Os Bandos Escolásticos, popularmente denominados Pregões, obe­deciam às regras já estabelecidas pelos antigos mestres da arte de bem

declamar.A capacidade discursiva do Pregão devia revelar-se nos gestos, nas

atitudes, no tom de voz do seu intérprete.O verso alexandrino em que esta peça literária é vasada, já de si

ajuda a tirar da sua recitação efeitos campanudos, inchados, altiloquentes.Vem de longe o .estilo· do Pregão.Certa jocosa regra de oratória recomendava aos estudantes da Uni­

versidade, no século XVI, estas pitorescas instruções:

1.0 - .Os dedos pegando na luneta pelo meio, assim a modo depitada, e alçando o braço em ar de quem incensa (1).

2.° - Arquear as sobrancelhas, segundo o pedir o caso.

3.° - A boca composta, mas atirando para risonho.

4.° - Pedindo a matéria que se grite, dar com o braço para cimn epara baixo, com a desinquietação de sacristão novo quando toca a campainha.•

(António Duarte Ferrão. Palito Métrico)

Nesta facécia alegre, puxando à caricatura, está o molde oratóriodaquele que, em Guimarães, ·recita o Pregão.

(1) A luneta, com punho de tartaruga, foi muito usada por peraltas e sécias.Igualmente a caixa de rapé foi consagrada pela moda.

121

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o PREGÃO

ESCOLÁSTICO

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D 5 de 1895)( e.

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A ENTREGA DAS <MAÇÃZINHAS> ÀS DAlIIAS- SEU SIGNIFICADO POÉTICO

DE todos os números das Nicolinas aquele que mais vale pelos seusefeitos espectaculares, pela sua graça e gentilesa, é a oferta das

.maçãzinhas> às Damas (').O prosaismo da época actual não se apercebe da elegância, do

feminil encanto deste <torneio>.Essencialmente consagrado ao Eterno Feminino, não admira que,

para ver passar este cortejo as janelas se guarneçam de senhoras, ou maisdestacadamente, de meninas, pois são estas, em nossos dias, as que mantêma tradição, colaborando com a sua presença e a permuta das suas lem­branças, na linda festa de cunho medieval.

Na verdade, para bem se colher uma idela do encantamento poéticodestc número das Nicolinas, torna-se preciso reconstituir o panorama ro­mântico dos tempos idos. Nessa visão do passado, a mulher é entrevistapor dctrás de janelas com rótulas - <rançoso e melancólico uso das rótulasde pau que os antigos portugueses, no dizer de um monógrafo portuensedo século XVIII, se figuravam recatar a honestidade de suas famílias>.

Não eram janeleiras as mulheres dos séculos pretéritos. Ao facto serefere um poeta espanhol, dizendo:

Toda a donzela, de casanão sai. ate que se coza.

Quando lograva pôr na rua o seu pé, ia sempre acompanhada.O seu próprio guarda-roupa, excessivamente discreto, ajudava a

ocultá-la.

bém(1) Estas ",maçãzinhas., COIDO em açucarado dinlinuitivo as denominam, tam·

sâo conhecidas por c maçãs dos estudantes,.

123

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A mantilha, a mantilheta, o bioco, a cõca, eram peças dominantesdo traje feminino.

Nos meados do século XVIII, os bisonhos veladores dos rostos femi.ninas, eram deste modo alvejados por Garrett:

Bioco negroDe onde mal se vislumbraRaro lampejo de celeste face:Diz! quem o rasgasse!

Só em tardes de procissão, com as ruas juncadas de ervas cheirosase as varandas guarnecidas de damascos, as cativas donzelas se mostravam.Aliada a esta concepção de liberdade, desenrolava-se o cortejo das 'maçã­zinhas., como réstea de sol esbatendo a .sombra.

Anda o caso recordado nos versos do Bando Escolástico de 1828:

A mais guardada e tímida donzela,Se concede este dia de janela.

;;:

Já vimos quais foram as ongens e os primeiros personagens naentrega das maçãs às damas.

A prática deste acto era da iniciativa dos ,Meninos do Coro. daextinta Colegiada. Visavam um objectivo maneirinho. Davam maçãs, parareceber qualquer outra coisa.

Por isso as maçãs eram oferecidas, prosaicamente, em açafate.O Pregão de 1870, alude ao acto por este teor:

Ao col/ler, das cestínhas p'rá regaço,Rubicundas maçãs com trémulo braço,Raiava em vossas faces um sorriso,Que nos faz lembrar o Paraizo.

O acto dos ,Meninos do Coro. observava-se, sem aparato público,no dia de S. Nico1au.

Aqueles ,mocinhos> que o praticavam, tinham em vista, repito,receber mercê.

Transferido o costume para os Estudantes, estes revestiram-no, pormaneira romântica, de uma grinalda de festa.

O acto passou a embelezar-se dos engalhes de galanteriaProcurando os antigos escolares na vida social vimaranense um acto

124

«

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de inspiração, encontraram-no naqueles esplêndidos torneios que tinhamlugar no rossio do Toural - espectáculos elegantes aos quais concorriamos mais adextrados e garbosos cavaleiros do Entre-Douro e Minho.

É certo que na oferta das .maçãzinhas> às damas - o número mais

UM ASPECTO COLHIDO NO CORTEJO DAS MAÇÃZINHAS DE 1955

galhardo e gentil das festas Nico/inas-não se observa luta, não há desafios,não se ferem, sequer, competências.

Por isso, ao termo da <batalha>, pode dizer-se: todos triunfam!A alegria, as gratas emoções que se experimentam neste recontro,

são prémio abonde.A divisa da juventude escolar na oferta das .maçãzinhas>, é esta:

- Ser amável ao belo sexo!

*

Há pontos de contacto entre este número das Nico/inas e os antigostorneios de Cavalaria,

Vejamos:

125

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a) A formação do cortejo esco­lástico para a oferta das •maçãzinhas >, éconstituido por uma cavalgada de faus­toso aparato. O mesmo se verificava nosantigos torneios da Cavalaria medieval.

b) Os cavalos ajaesados com tali­ses e gualdrapas e os Estudantes ves­tindo à fantasia, têm semelhança com os.mantenedores> dos aludidos recontros,considerados à velha lei da Nobreza,­.flor da cortezia, da honra e do valor>.

c) A lança empunhada pelos lida­dores deste número Nicolino, ofertandonela a maçã, tem por igual certa analogiacom o acto final dos antigos torneios,quando os cavaleiros iam ofertar na sualança à dama do seu pensamento o troféualcançado na liça.

Os escolares que no cortejo das.maçãzinhas> tomam parte, usam enfei­tar a sua lança com fitas multicores.

Igualmente a guarnecem com umaespécie de .mascote>.

Tanto esta .mascote> como asfitas, com legendas e bordados, são ofertafeminina.

Aqui se reproduz uma lança, tendono seu remate um simbolisado coraçãoofertando a maçã.

126

POR ENTRE FITAS MULTICORES,SONHOS ... COR DE ROSA

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PASSAM AO LONGE CORTEJOS DAS MAÇÃS- ECOS E NOTtCIAS QUE OS RELATAM

M UDARAM os tempos. Só os personagens da cena Nicolina haviamde variar.

Nos tempos pretéritos quem mais realçava na função eram aquele~

que já haviam passado pelo estudo.Motivo porque se distinguiam com as designações de - .veteranos-,

.aposentados., ou simplesmente .velhos •.Este vocábulo - .velho· queria significar, apenas, .antigo •.A velhice destes comparticipantes das Nicolinas, não contava nos

anos. Excluidos os casados - pois ser solteiro era condição do .foro es­colástico. _, podia dizer-se que nestes .velhos. brilhava uma centelhapermanente de lÍlcida, de esclarecida mocidade.

A falange dos antigos escolares, presa às emoções da saudade, cor­respondia plenamente ao fulgor dos vários nÍlmeros do programa Nicolino.

O próprio cortejo destinado à entrega das maçãs às damas - aqueleonde o coração parecia reanimar-se pelos encantamentos amorosos dajuventude -, nesse mesmo os .velhos. não deixavam de tomar parte activa,condicionada em competição com a gente moça.

Para afoitesa de ânimo se amparariam, os adiantados em anos,neste conceito colhido no Cancioneiro de Rezende:

Namorar não é pecado,Onde amor se não demande.

Tudo, pois. seria levado à conta de amor saudosista. Mero devaneioromântico.

Alguns quadros da entrega das maçãs às dama~, nos tempos idos:

127

Page 121: O S.Nicolau dos Estudantes

Assim arrematava a noticia de 1862;

No ano de 1862, o mesmo periódico, fazendo-se eco da funçãoNicolina, assim se exprime;

••

cavalgadas que

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<Espumantes corceis, assoberbando,Iremos todos, de prazer arfando,Rubros pomos colher, maçãs mimosas,Para vir oferecer às mais formosas. >

AI udem alguns Bandos Escolásticos ao garbo daseram de uso constituir o cortejo das emaçãzinhas•.

Respigo esta referência do Bando, publicado em 18

.Este ano percorreram (a cidade) mais de trinta estudantes, todossoberbamente montados, com a música na frente, distribuindo à porfiapelas gentis da terra, a pequena mas valiosa oferta.>

Pelo que se vê, além das maçãs também eram oferecidos às damas.ou como diz a noticia, às < belas meninas >, - «assucarados bolos >.

Decorridos dois anos, um semanário do Porto insere esta noticia domesmo número das Nicolinas:

<Reviveu este ano o já quasi obliterado uso de, na vinda de S."Esttvão (Urgeses), serem pelos estudantes oferecidas às damas as maçãs ...

<Nos anos passados, um ou outro mais afecto à antiga usança - etalvez preso pelo coração ao delicado sexo feminino - saiu a fazer lembrareste antigo costume. >

<Ontem, a distribuição da 'renda pelas damas começou tarde. Erameio dia quando os cavaleiros se espalhavam pelas ruas, chegando às belasmeninas, que ornavam as janelas, as cbradas maçãs e assucarados bolos quecravados, tinham nas pontas agudas das suas lanças douradas.> '

(1852 - Religião e Pátria.)

• No dia 6, pelo meio dia, entrou pela Cruz de Pedra, rua das Malia­nas, Taural, Misericórdia, rua Sapateira, Oliveira, rua de S.'a Maria, e reco­li/eu-se em S.'a Clara, um carro em que vinhn CupidO e as tr~s Graças.Cupido dava maçãs na ponta de uma seta. >

<Este carro era acompan/lOdo da música de Caçadores 7 e de muitosestudantes, todos bem vestidos, que iam distribuindo maçãs.>

(Braz Tizalla, N.• 288.)

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Mais de trinta cavaleiros conslituiam este cortejo. Como nas .justas.dos elegantes torneios, realizavam os Nicolinás, em cavalgata, ã oferfa dasmaçãs às damas - o grande número da sua festa escolástica.

Imagina-se a galharda formação de mais de trinta cavaleiros, em upase corcovas, assoberbando, dominando os seus corcéis - cavaleiros em trajesvariegados, e corcéis gualdrapados e arreados a primor.

Nas épocas passadas a arte de equitação fazia parte das .prendas.da juventude. D. Duarte, príncipe português, escrevera um tratado de equi­tação: Livro da ensinança de bem cavalgar toda a sela.

Ainda tinha discipulos entre nós, no século XIX, a arte de equitação.O cavalo, dava qualidade sumptuária aos que ordinàriamente o usa­

vam, por desporto, nomeadamente àqueles que viviam, ou se queriam darares de viver, .à lei da nobresa •.

Ainda os da minha geração puderam conhecer o uso de carro ecavalos nas seguintes casas de Guimarães: Mínotes, Costeado, Marquês deLindoso, Conde de Margaride, Barão de Pombeiro, Visconde de Nespereira,Conde do Arco, Visconde de Sendelo, Simães, Vila Pouca, Aldão, MartinsSarmento, Barão de Paçô, Dinis Santiago.

Luis Martins de Queiroz (Minotes) que foi cônsul na Inglaterra,distinguiu-se no seu apreço à arte hipica, exibindo montadas de raça, emalta escola.

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Page 123: O S.Nicolau dos Estudantes

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(oes, do Esl. Gil Azevedo - 1943)

'C Nicolin3.s 10 de 1942

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NOVAS OFERENDAS NO CORTEJO DAS MAÇÃS- MADRIGAIS ÀS DAMAS

As maçãs pequeninas e càradas, eram oferta predilecla e de muitosimbolismo.

Outros mimos, porém, a acompanhavam.Há 76 anos escrevia um bi-semanário da terra:

• No dia 6, verificada a posse em S.ro Estevão (I), entraram as hostesescolásticas na cidade, cavalgando famosos ginetes, distribuindo pelas damasas rubicundas maçãs ... , castanhas, de mestura com amendoas, uvas de ali­cante e outras especiarias.,

(Religião e Pátria, n.• 1.., 7-12-1881)

Estas. castanhas" e <uvas de alicante', eram especiarias da famosaindústria doceira, com origem nos extintos conventos de monjas deGuimarães (2).

Além destas açucaradas ofertas, ainda a·< hoste escolástica... caval­gando famosos ginetes', distribuia madrigais às damas.

Este chegou até nós, impresso, colhido num espólio antigo:

Aceitai a maçãzinlza,Tão mimosa e coradinha,Como ordena a tradição.Esta oferta é prenda minha,Maçã pura, não daninha,Lembrança do coração.

(1) Havendo sido extinta a .. renda~ em 1832, o seu levantamento em 1881, foimero simulacro.

(I) Em 1853 ainda havia: 5 freiras claristas, 6 dominicanas, 15 capuchlOhas.(Braz Tiuna. n.- 292.)

131

Page 125: O S.Nicolau dos Estudantes

o antigo escolar José António Afonso Barbosa, ainda há pouco ten­tou recitar-me um outro madrigal NicolirlO, preso de saudade à lembrança deo haver oferecido, nos seus tempos escolásticos, como figurante no cortejode 1899. Simplesmente a memória, tropeçando, se lhe recusou a fazer-me aexacta construção da sua ode amorosa, dos felizes tempos da juventude.

Eram da praxe os madrigais. Já o Pregão de 1828 cantava o seu usoe eficácia:

Suspiros, sorrisos, ditos galantes,São para na lide entrar armas bastantes.

Por vezes, a veia satírica brotava, como se vê deste jeito de versejar:

Venho arranjar um namoro.Dar-lhe um ramo de violetas;Pois /lá damas tão bondosasQue até namoram... caretas I (')

*

Quiseram os escolares de 1902 criar estímulos, dar mais vida aoCortejo das Maçãs, abrindo concurso para dois prémios, a distribuir aos quemelhor se apresentassem.

Uma local inserta num jornal da terra, disse a propósito:

.A entrega das maçãs às gentilissimas Senhoras de Guimarães realizou­-se, aparecendo alguns estudantes ricamente vestidos em carros luxuosamentepostos, sendo conferidos os prémios das Senhoras aos estudantes {oaquimde Menezes e Gualter Martins, constando o primeiro de um bandolim, e osegundo de um alfinete de ouro.

(Independente - Dez. 1902)

Joaquim de Menezes e Gualter Martins - que há muito partiram destavida -, foram dois conterrâneos que se distinguiram nas Nicolinas, ampa­rados não só pela sua mocidade como pelos seus recursos de família.

Já então, há 55 anos, rareavam os .famosos ginetes., a que aludea notícia de 1881. De onde havia de resultar que, os comparticipantes dos

(l) Esta quadra, acompanhada de olltras, rcspiguci-a de um impresso antigo,sem data, que se guarda no espólio dos Pregões, no arquivo da S. M. Sarmento.

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Cortejos das Maçâs, os substituissem por carros enfeitados à fantasia - comoesses que é de uso verem-se em • Batalhas de Flores,.

Denunciando a falta dos· ginetes" o antigo estudante Jaime Sampaiovenceu em 1926 a dificuldade, substituindo-o, como se mostra pela gravura,por uma prosaica vassoura.

Outro antigo estudante - que é hoje Juiz .Conselheiro daRelação do Porto - andou às trancas e às mancas, atraz dum burro,que não se deixou montar ... se não com fiador edóneo.

- -~---. ~-- -. ~

Neste torneio festivo travado ao geito medieval,uma reciprocidade por vezes se estabelece, permu­tando-se ofertas.

A lança de onde mãos femininas colhem o pomoparadisíaco, é a mesma que se torna portadora de ummimo - qualquer coisa que só não é insignificância,por vir de onde vem.

Tantas dessas oferendas constituem .mascotes"que os estudantes trazem por algum tempo nas suascapas, como ostentosos troféus.

• Por algum tempo" disse eu, sem olvidar oque do mesmo bisarro torneio disseram os antigosNicolinos, embalados na lembrança saudosa dos felizesdias da juventude.

Assim o rememora o Pregâo escolástico de 1851:

·E por entre mil falas extremosasMil requebros d' amor, vereis. formosas,Ofertar-vos o pomo lindo e lisoQual o que Eva tentou 1/0 Paraiso.,

As .falas extremosas" os .requebrosd'amor-, verificavam-se, com efeito, na fun­ção Nicolina dos tempos idos em que, a pardos moços escolares, tomavam parte os antigos camaradas _ alegres e expan­sivos solteirões que, embora fora do ensino, gozavam o privilégio do foro.escolástico" jamais renunciando ao gosto romântico dos amavi os ao belosexo, como o fazia notar o Pregão de 1866:

Garridos anciões que, em tal festeio,Não querem de brincar perder o ensejo.

133

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Quanto ao simbolismo da maçãzinha, ele se anunciava no Pregão de1896 por esta maneira tão explicita:

.Eva enganou a Adão com a maçã traidora;Mas às nossas maçãs, ó virgem sedutora,Não são pomos de engano ou pom?s de discórdia;Vossa boca rosada aromatisa-a e morde-a,Libando na doçura amarga essa saudadeDe um desejo d'amar que tem a mocidade ICada um de nós é Adão, e a maçã afiança,A árvore é o balcão, e a serpente a lança,Conquistando um sorriso, um meigo olhar bendito,Que nem o próprio Deus acusa de maldito.>

(De. Brauliu Caldas.)

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ENTREGA DAS MAÇÃZINHAS NAS FESTAS .NICOLlNAS. DE 1955

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A

o USO DA MÁSCARA NAS FESTAS «NICOLlNAS»- A .sUA PROIBIÇAo EM 1821 e 1822

máscara não era, nos tempos idos, simples atributo da quadra car­navalesca.

A máscara afivelava-se no rosto, umas vezes para diversão, outrasvezes - quantas! - para cometimentos de assalto e crime.

Ainda hoje o disfarce do rosto entra nas diversões que acompanhamcertos trabalhos agrícolas.

Do largo uso da máscara, fala o insigne historiador Henrique deGama Barros, por esta maneira:

• Pór máscara na cara, mudar de vestes, fazer momices, vem de tem­pos imemoriais ... Andava a máscara tanto em voga, que até mesmo se usavapó-Ia coma disfarce, fora das diversões.•

(Hi5t. da Adm. Ptib. em Portl/gal, VaI. 1. 0 )

Quanto ao uso que da máscara e de -outros disfarces de guarda-roupase fazia no centro universitário de Coimbra, informa um cronistacontemporâneo:

•Em cerlos dias do ano, especialmente pelos Reis Magos, organiza­vam-se festas noclllrnas - as .soiças. - em que os estudantes apareciamcom fatos do avesso ou cobertos de farrapos, mascarados, e livres por antigapraxe, de toda a intervenção das autoridades.'

(Hipólito Raposo, Coimbra DOI/tora.)

•Em Guimarães, o uso da máscara na função Nicolina, era também

da praxe. . 'Somente esta praxe havia de ser interrompida em 1821 por ordem do

Juiz de Fora, Bento Ferreira Cabral, em virtude de sucessos politicos.

135

Page 129: O S.Nicolau dos Estudantes

No ano imediato, igualmente a áutoridade proibiu o uso da máscaraaos escolares, com o mesmo fundamento.

Deu-se, porém, forte reacção por parte dos Estudantes, como dosucesso nos dá noticia um jornal da época:

< No dia 28 de Novembro de 1822 o Intendente Geral da Polícia proi­biu as máscaras do inocente folguedo escolástico. '. Depois de uma represen_tação dirigida a Sua Magestade, em Portaria de 2 de Dezembro, concedeuD. João 6.· aos Estudantes licença para se mascararem nos dias 5 e 6 deDezembro.

< Em consequéacia disto, levantaram os Estudantes a sua bandeira nomeio do Toural, havendo fogo do ar e repiques de sinos em todas as torresda Vila, iluminando-se parte da mesma Vila, havendo uma encamizada (')fogo e versos, acompanhados por grande multidão de povo, que dava eatu:siásticos vivas às Córtes e a EI-Rei.>

(Religião e Pdtria. 22·12.1880.)

•Por efeito poético, o sucesso politico que implantou o regime Cons­

titucional de 1822, era alribuido à intercessão de S. Nicolau, como se ve noBando Escolástico desse ano:.

Tu nos despistes dos grilhões os pulsos;Tu destes ao coração, nobres impulsos.Dos Sábios, protector, Sábios armastes:Com eles, a Vitória coroastes.Leis nascidas no Céu, mandaste à Terra;O Mundo, agora, um paralso encerra.Oh Portugal J• • ' Oh Reino venturoso JComo te ergues ufano e glorioso J

Este Bando Escolástico, de exaltação à Liberdade, foi escrito peloD! João Evangelista de Morais Sarmento, portuense, discipulo de Esculápioe amigo das Musas, que viveu entre nós largos anos.

Em 1825 foram novamente proibidas as máscaras nas festas Nicolinas.

(1) Diversão popular, com máscara, exibida, por antigo costume, no rossIodo Toural.

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Como, porém, o Estudante Agostinho Vicente de Castro e Freitas,que recitava o Pregão, não acatasse a ordem da autoridade, foi o mesmolevado para a cadeia.

No registo da prisão quanto a este preso, está aposta a seguinte nota:

.Fui com homenagem para sua casa, que lhe concedeu o D.' Corregedordesta comarca, em atenção às suas qualidades, de que se fez termô em 18 deDezembro de 1825.>

(Cadeia da Correição. L. 0 dos Assentos dos Presos. fi. 12 v.)

137

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,ACADEMICOS, MEMBROS DA COMISSÃO DAS FESTAS NICOLlNAS DE 1956,OFERTANDO MAÇÃS As DAMAS NO ANTIGO SOLAR DO FIDALGO DO 'roURAl.

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UM -TRIBUNAL> ESCOLÁSTICO DE 1838- DUAS SENTENÇAS HOMOLOGADAS

Estabelecida a Associação Escolástica, em 1838, destinada a promover amanutenção das festas Nicolinas, chegaram até nós alguns elementos

pelo teor dos quais se vê a maneira como, à face do Estatuto desta Asso­ciação, se apurava o .foro escolástico> dos seus comparticipantes.

Este apuramento era proclamado em sentença de Júri, à maneirade um tribunal de classe, onde tinham lugar a acusação e a defesa, com re­curso para a assembleia da classe, nos termos e condições estatuídas.

Vejamos uma acta referente a um dos julgamentos efectuados:

.Aos dez dias do mês de Novembro de 1838, na sala das Lamelas,aOl/de reul/iram todos os memóros do Júri Escolástico Vimaranense, para seproceder a averiguação, conforme a Lei, art. 2.· § 1.·, sobre a acusação feitapelo promotor, para se mostrar se sim ou I/ão era estudante Rodrigo Martinsda Costa (I), o que o lúri, em virtude da Lei, determinou o seguinte:

- .Rodrigo Martins da Costa, absolvido à pluridade de votos>.

Esta ·sentença. é autenticada por estas assinaturas:

·Joaquim José da S. a Guim."; Gaspar AI/tol/io da S. a Guim.";AI/tonio de Atol/seca; loaq. m Mor. a Pinto; Dom.·' FiareI/tino da S. a PedI'. a.;

José do Espirito S. to Ribeiro; leronimo losé da Costa.·E para constar, a Comissão mal/dou fazer a presente acta, para cons-

(1) Este nome indica um membro da Casa de A/dão. Como se vê nos registasda Irmandade, era ,coofrade" o~ que. dçmonstra o seu cioro escolástico_..

139

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Page 133: O S.Nicolau dos Estudantes

tar a todas as Comissões e júris - que ele Rodrigo Martins da Costa, é con­siderado como estudante desta vila.

•Guim. eI, li de Novembro de 1838.•Eu Antonio [oaq. m de Almeida Gouveia, secretário ... , esta escrevI

. .e assIne/o

(a) Domingos de Carv.· e Silva, Presidente.Fran." Per.' LinoAntonio [oaq. m de Almeida Gouveia.•

o -acusado. fez-se acompanhar de um certificado abonatório da suaqualidade de Estudante, passado pelo seu Professor: ---

.Certifico em como o Estudante Rodligo Mar/ins da Costa frequentouperante mim a Aula de Latim, matriculando-se no dia 3 de Novembro de 1836,e, segunda vez. em 28 do meslllO (mês) em 1837, em ambas as épocas comassiduidade; portando-se (e, segundo me consta, continua) de modo decente,e conforme ao caracteristico e nobre decoro Escolástico.

Guim. eI, 16 de Novembro de 1838.(a) O P.' Francisco José Vieira•.

Testemunho é este da aliança reinante entre alunos e mestres, noâmbito das Nicolinas.

•No referido mês reuniu novamente este .Tribunal Escolástico-, ao qual

foi presente o seguinte Libelo de Acusação:

.Cumprindo com o disposto na Lei regulamentar, art.' 25.' § 13.', esatisfazendO (ao) Ministério, acuso o reu [osé Manuel da Costa peranteo [uri Escolástico, na conformidade do art." 26.', por se achar exercendo ummodo de vida totalmente oposto ao decoro e nobresa escolástica, pois que, pú­blica e escandalosamente, se acha servindo no Botequim de seu pai (1). Portanto,se deve considerar, como desde já o considero, exc/uso, conforme o ordena aLei regulamentar no art.' 4.' § 4.'.

(1) Este botequim, instalado numa casa do Toural, ficou célebre na história daterra. Porque o seu p~oprietário, JOSé Joaquim da Costa, havia desempenhado o papelde .. vivandeiro. num regimento de milícias no periodo da Guerra Peniosular, de$se factolhe proveio o título que, com mais ou meDOS corrupção, se fixou em Vago-mestre.

140

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·E, muito mais ainda, porque ele, se algúa vez cursou a aula de gra­mática latina. foi só com o péssimo fim de iludir a Lei, e usurpar foros edireitos pertencentes aos verdadeiros escolásticos.

,Tanto assim que, depois de diminuta, ou an/ts, nenhúa frequéncia,desamparou a aula, e continuou no seu modo de vida.

•E tanto ele, reu, conheau ter iludido a mesma Lei. que, sendo inti­mado da acusação deste libelo, pa", que ele se defendesse, por si ou algumdefensor, ele desamparou totalmente (a causa) e bem ainda (não) quiz aceitaro duplicado.

,Portanto, peço e insto que o reu seja excluido, porque, do contrário,protesto perante a reunião escolástica.

Guimarãcs, 16 de Novembro de 1838.(a) Antonio Joaquim de Almeida Gouveia (Promotor). (I) •

•As cópias do processo chegadas até nós não nos i1ucidam qual foi a

sentença que recaiu sobre o reu José Manuel da Costa, filho de Botequineiroda terra, e ao serviço na loja de seu pai, - ,modo ae vida tota:mente opostoao decoro e llObresa escolástica>, no dizer do libelo da acusação.

Com efeito. segundo a hierarquia da época e conforme o estabelecidono Estatuto regulador da Associação Escolástica, o estudante José Manuelda Costa havia perdido o direito de tomar parte na função Nicolina.

Botequinciro, servir fregueses em botequim, era oficio servil, se não vil.Havia, por esse facto profissional, perdido as características inerentes

ao <foro escolástíco>.Era do Estatuto!

(1) São inúmeras as provas do entusiâstico fervor Nicolino deste filho de Gui·marãcs, que cu ainda conheci em sua provecta idade, desempenhando a função de Car­torario na Ordem de S. Domingos.

141

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OFERTA DAS MAÇÃZINHAS ÀS DAMASNAS .NICOLlNAS. DE 1955.

Page 136: O S.Nicolau dos Estudantes

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MAIS JULGAMENTOS DO ·TRIBUN,\L. ESCOLÁSTICO- MESTRES E DIscípULOS ACAMARADADOS

,

A audiência de Júri presidiu Manuel José da Silva Peixoto Lages, tendocomo secretário Gaspar António da Silva Guimarães.No acto do julgamento foram apreciados dois certificados de matricula.Vejamos o seu teor:

-Jose foaquim Antunes, Presbitero secular:Atesto que o'senhor Gaspar Pinto Saldanha foi matriculado nesta aula,

no ano de 1836, e por todo o tempo que frequentou se portou magni{icamente,tanto Civil como Moral, o que passo por verdade.

Guimarães, 19 de Novembro de 1838.o (a) fase Joaquim Antunes>

Segue o reconhecimento notarial:

_Reconheço a letra da Attest. am e Signal retro do Proffessor men­cionado.

Em test.· (I) de verdadeO Es. am Nicolao Teix." de Abreu>

Diz o segundo documento:

-Certifico em como o Estudante Gaspar Pinto Saldanha se matriculoue frequentou a Aula de Latim, nesta casa do Bom R!tiro, principiando aos18 de Novembro de 1837, e continuando com assiduidade; e q.' me consta setem portado sempre de modo q.' não deslustra o nobre caracter Escolástico.

-Casa do Bom Retiro, 19 de Novembro de 1838.(a) O P.' Francisco fase Vieira>

(1) o documento insere o respectivo sinal tabelionario.

143

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Protegido por estes dois certificados dos mestres de latim, o Estu­dante obteve o seguinte veredicto:

• Gaspar SaldanilO, a maioria de votos, absolvido.-

Não alcançou o antigo aluno da escola de latim a unanimidade devotos do Júri.

Como não chegaram até nós outros elementos processoais, quanto àsrazões determinantes deste julgamento, fica-nos vedado entrar na suaapreciação.

•Ainda assim, mostra-se à evidência: tanto os Estudantes como os

seus Mestres, tomavam a sério o •Tribunal Escolástico,.Estas cenas de audiência não se passavam à porta fechada.Aqui se reproduzem os termos dum requerimento, pelo qual se dedus:

que as audiências de julgamento eram realizadas em assembleia escolar.

•Caros Colegas, /lustres RepresentQntes da Sociedade Escolástica:

• Francisco António da Silva, sendo ontem um dos espectadores desteAugusto e Magestoso Tribunal, nele observou, d'umas e outras partes, aspalavras mais enérgicas e veementes, discursos os mais soberbos e empola-dos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Sentiu desde então reviver em si todo o fogo abrasador da festividade do6.0 dia de Dezembro, fogo este que se achava em si um pouco amortiçadopela inaudita e funesta interpolação dos tempos; motivo porque traz o pre­sente memorial perante vós, oferecido a vossas mãos, com matéria fácil dedecidirdes, que são os seguintes quesitos ou objectos:

- Se pode ir ou não ao S. Nicolau, livre de insulto, isto se, tersido Escr. am, (escrivão) é arresto, argueiro e obstaculo que IlIe obste e emba­rasse a não ser considerado na Sociedade Escolástica. . . . • . .

- Ergo, se depois de desprovido do oficio, tornou ou não ao grémioescolástico, explicando-se melllor, adversativam.": se quizer ordenar-se, oudirigir-se a outro fim igual, (está) dependente da lavagem (I) de ir de novoao estudo . ..

Enfim, se pode ou não ir ao S. Nicolau, independente da lavagem, ese está ou não degredado da Sociedade Escolástica. . . . . . . .

E. R. M."-

(1) Esta "lavagem. refere-se ao mergulho no Chafariz do Toucal, puniçãoaplicada aos intrusos} estranhoo ao ciora escvlástico-.

144

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Este curioso requerimento do Escrivão, antigo escolar, não é o pró­prio original. É uma cópia. Como tal, não lhe faltam erros.

Não tem data, nem assinatura.À margem, foram expressos os seguintes termos de despacho;

<A Comissão. atendendo ao Reqm. to supra, deliberou q.' o Sup."tomasse parte nos festejos do dia 6 de Dezembro.(aa) Carvalho e S. a, G. ", p.ra Uno, Coelho, Almeida.'

(Mss. na BibJ. da S. M. S.)

*Em 1844, segundo os termos de uma Acta, foram aprovados para

conslItuirem o Júri deste .Tribunal, académico os seguintes·antigos escolares:R.da Francisco José Vieira, Manuel dos Prazeres e Silva, Antúnio RodriguesCândido, Jerónimo de S. Carlos, Manuel Salgado, Antero José Branco eSilva, José Joaquim Peixoto da Costa.

Estes nomes vêem-se nos registos dos confrades da Irmandade deS. Nicolau, relativos ao século XIX.

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o CHAFARIZ DA TRADIÇÃO NICOLlNA - Que se erguia no Rueio do Toural (Sée. XVI-XIX)

NELE MERGULHAVAM OS INTRUSOS (!J À MANEIRA COMO USAVAM OSESTUDANTES DE COIMBRA (!J CASTIGANDO OS FUTRICAS METEDIÇOS.

BSTA ACTUALMENTE NO JARDIM DO CARMO.

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CORTEJOS NICOLINOS DE HÁ MAIS DE 100 ANOS- PARADAS DE GOSTO CLÁSSICO

CONSTITUIAM verdadeiras paradas escolásticas os cortejos Nicolino$de antigamente.

fazendo então parte do ensino a literatura grega e latina, nela seinspiravam, para dar ao figurado e carros alegóricos dos referidos cortejosum acentuado cunho didáctico.

A civilização helénica contribuia para o aparato destes préstitoscivicos com um apreciável contingente de elementos representativos domundo Mitológico.

Colaborando com estas lições vivas de grande teatro, aqui e ali seviam legendas camoneanas de sentido épico, tudo realçado por um guarda­-roupa de bom efeito cénico, algumas vezes confeccionado por costureirosdo teatro portuense.

Para que o objectivo escolástico ressaltasse mais ainda, desenrolava­-se numa teoria espectacular a simbologia dos estudos académicos, realçadoscom os atributos correspondentes.

Em 1852 fizeram parte da função dois cortejos cujos argumentos, comose vê dum jornal da época, assim foram esplanados:

DIA 5

I - -Irá na frente a figura da fama montada num bem ajaesadocavalo, vestida de cor celeste, com uma trombeta na mão direita, em acçãoa querer tocar.

II - -Atrás desta figura. dois cavaleiros ricamente ajaesados. Nocavaleiro da D. irá montado Hércules, vestido de cor carne, coberto com apele de Nemeu, levando às costas vários despojos do seu valor. . . . . Nocavaleiro da E. irá Heitor, vestido em grande uniforme de príncipe troiano,

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levando na mão E. uma lança ... e 'às costas vários despojos das batalhasalcançadas contra os gregos, e vestido de Patroclo. amigo de Achiles.

III - -Duas figuras montadas em bons cavalos, vestidas de azul ebranco, levando nas mãos duas bandeiras escolásticas, com as seguinteslegendas; .

•-O gente forte d' altos pensamentos,Que também dele Mo medo os elementos /,

-Cesse tudo quanto a antiga musa canta,Que outro valor mais alto se levanta /,

IV - -O tambor-mor ricamente vestido e acompanhado de oito tam­bores e dois zabumbas, vestidos de calças brancas, nizas, bonés da mesmacor e faixas encarnadas.

V - <O Corpo dos Estudantes, vestidos ad libitum, mas limpos easseados, com tambores pequenos, ou quaisquer outros apropriadosao Bando.

VI - <A Comissão Directora vestida de Archontes gregos e comvaras das diferentes cores das Ciências.

VII - -O pregoeiro, a cavalo, ..estido de Mercúrio.

VlJl _ <Um carro majestoso em que irá Minerva ... e recitaráalguma poesia.

<Este carro será tirado pelas ciências, que são a filosofia, a Jurispru­dência, a Matemática, a Medicina e a Teologia: e pelas Belas-Artes, quesão a Gramática, a Retórica, a Lógica, a História, a Geometria, a Aritméticae a Poesia, vestidos de branco. . . . . . . . '

DIA 6

- Além das exibições que os Estudantes particularmente arranjarem,haverá;

I - <Um carro aparatoso em que irá Apolo e as nove Musas. Apolorecitará alguma poesia alusiva à função, e as Musas cantarão um hino emlouvor do deus.

<Depois, descendo do carro, executarão um baile.

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Tasso.0 carro será tirado por quatro máscaras, imitando Homero, Vergilio,e Camões.

11 - .Oito gondoleiros de Veneza conduzirão em uma gôndola umaDama e Cavaleiro, que vêm de visita. Enquanto a gôndola navega, osgondoleiros falarão a fraseologia própria e, a intervalos, cantarão uma cançãoadequada à sua profissão.

• Desembarcada a Dama e o Cavaleiro para fazerem as suas visitas, osgondoleiros executarão um baile.

III - •Determinou-se haver mais duas danças: uma composta de12 Sátiros, completamente vestidos, e outra de Argelinos.

IV - .Tanto o carro como a gôndola e as danças, serao acompa­nhados de bandas de música.>

(O Braz Tizana, 3-1-1953.)

Não há que acrescentar nada a este descritivo dos dois cortejosNicolinos, realizados há mais de 100 anos. Impunham-se pelo aparato, pelofigurado, pelas danças.

Razão havia para que as festas Nicolinas tivessem concorrênciade forasteiros.

Em 1856, dizia um jornal com publicidade na cidade do Porto, recor­dando as Nicolinas de épocas passadas:

• Outrora, na véspera daqueles dias 5 e 6, se achava esta cidadeapinhada não só de povo do concel/ro, como dos circunvisinhos; e razãotinham, porque os filhos de Minerva, de talento menos acanhado, faziamabrilhantar essa função•

•Exibições, atacando os vícios e as acções anti-sociais, eram postasem prática com maestría; e, correndo as ruas da cidade, entretinham o povoaté alta noite, que os seguía, retirando-se depoís satísfeito a suas casas.• • • • • • • • • • • • • >•

*

(O Periódica das Pobres, N.' 287)

Desenrola-se em 1857 outro vistoso cortejo de significado histórico,assim descrito em um jornal da terra:

·0 Corpo escolástico representava a entrada de Vasco da Gama, emLisboa, na sua volta da descoberta da india. O préstito do nosso heroi era

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Page 143: O S.Nicolau dos Estudantes

composto dos seus homens d' armas, todos vestidos no trajo da época, 1500, ede quatro melindanos, representando estes o bom acolhimento que Vasco daGama teve, em Melinde, e a amizade começada entre o Rei daquele pais,e o Rei de Portugal.

• • • • • • • • • • • • • ••(Tesoura de Guimarães, 0.° 120)

o mesmo cortejo noticiado por um periódico portuense:

<o •• No dia do Santo, saiu da casa da Renda, em S. t. Estevão, (1)e percorreu as ruas da cidade, Vasco da Gama na volta da India, acompa­.nhado de vários fidalgos portugueses, de indios e pretos, levando na frentea figura de Portugal, indo todos a cavalo, acompanhados de música, e distri­buiam maçãs às damas que se achavam nas janelas, como fruto que trou­xeram da India .•. >

(O Braz Tizana, n.· 281.)

(I) Casa da Renda. Nome que proveio a uma quinta de S.to Estevão, por ser aíque se entregava a crenda. aos Estudantes l em dia de S. Nicolau.

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REPRESSÃO AOS INTRUSOS QUE METESSEM -BICO- NASNICOLINAS

NA cidade universitária de Coimbra foram peculiares os choques entreos académicos e a gente do povo conimbricense.

Por chasco, usam os Estudantes chamar aos do povo - <futricas •.A imitação do que. se passava outrora, em Coimbra, também em

Guimarães, sempre que os estranhos se intrometiam nas diversões Nicolinas,as ocorrências tomavam feição tumultuosa.

Porquanto, acentuavam os Nicolinos:

Entre nós e os futricas, há diferença:Uma distância pasmosa! Imensa!

Por vezes intervinha a força armada, para obstar que pequenos con-flitos se transformassem em tumultos sanguinolentos.

Em 1842 dá-se um incidente, cuja noticia fecha por este modo:

< ••• Mas quando a força (soldados do 14 de Infantaria) levava presosos Estudantes, ao passar no Largo de s/a Clara, Opovo, em grande massa,começou a soltar morras à tropa deixando esta os Estudantes em liberdade.'

(Mss. Bib. S. M. Sarmento)

Em 1856, um jornal do Porto (Java a seguinte noticia em correspon­dência de Guimarães:

< Fez-se este ano a função de S. Nicolau, sem maior novidade, bemque ia pegando desordem por causa de umas pancadas que Estudantes deramnum fulano Matos. .. O Administrador do Concelho ... pós logo patrulhasfora, que andavam escoltando cada turno de Danças. E o sossego nãopengou• .. '

(O Periódico dos Pobres, n. a 292.)

-

• 151

Page 145: O S.Nicolau dos Estudantes

••

Muitos outros incidentes se verificaram na longa jornada dos tempos.Como prova disso, está a sistemática alusão feita nos Bandos Esco­

lásticos, avisando os intrusos dos riscos que corriam em intrometer-se nasfestas Nicolinas.

A classe mais atingida de motejos e ameaças, era a dos caixeiros.Etn 1870 os caixeiros sairam à rua com um Pregão, feito nos moldesdaqueles que os escolares apresentavam na sua festa (').

Anteriormente, porém, já eram visados por este modo no Pregãode 1817:

<O sórdido taful, audaz caixeiro,Que na função se meter prazenteiro,Há-de limpar-nos com a lingua as botasE levar as costas meias rotas.>

Estes remoques, continuando invariàvelmente pelos tempos fora,haviam de levar os caixeiros a um desforço: não contribuir para a subs­crição pública que recolhia donativos destinados à festa escolar.

A esta atitude de hostilidade responderam os Estudantes, chisto­samente, como se vê do Bando de 1902:

< ••• Negas a Nicolau dinheiro para a festa?Acaba o teu rancor; perdoa aquela troça;Não te zangues connosco,. a culpa não é nossa.É Nicolau quem manda o Bando, lá do céu.Quem manda é Nicolau I Foi ele quem escreveu.Por isso, dá cá a mão, abraça os Estudantes,E fiquemos, este ano, amigos ... como dantes!

Mera convenção, de efeito Iirico, pois de novo foram alvo de cha­laças os caixeiros, tanto pode a força de um hábito.

*Outras classes andavam citadas, por cometimentos da sua intromissão

disfarçada nas festas Nicolinas de antigamente.

(1) Este Pregão, sob o titulo Bando Comercial, faz parte da calecção que seguarda na Bib. da S. M. Sarmento.

Estas paródias caixeirais exibiam-se de preferên~ia pelo Carnaval.

152

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Clamava o Pregào de 1843:

•Casqui/1lOs, alto lá, vào eSClltando;Respeite-se aman!lã, o nosso mando:• • • • • • • • • •

Qualquer outro que seja delinquente,Mergul!lado 110 tanque t, de repente 1.

o .casquilho., como é sabido, era o janota aperautado, que vestiapelos figurinos estrangeiros.

Também os homens dos oficios, nomeadamente o sapateiro, mereceudestaque exprobatório no Pregão de 1854:

.Sectário do cerol (') que eutre na festa,Ai dele 1 Não !lá quem à pena o arranque,Int'rino bacal!lau, ir para o tanque!

Um dos atributos de disfarce que encorajava os intrusos das Nico­linas, era - como já foi dito e redito - a máscara. O peralvilho, enamo­rado, querendo comunicar-se com a dama dos seus pensamentos, por vezesutilizava a máscara, indo oferecer a maçãzinha à maneira dos escolares,aproveitando o feliz ensejo de lhe dirigir amavios querençosos.

Contra este ollsio erguiam-se, em tom de protesto e ajuste de contas,os Estudantes.

Exemplo é este, que se lê no Bando de 1859:

Ai, dele! .. . se tiver o atrevimentoEm dar execussão ao louco intento

•De, em traje demudado e de careta,As damas propalar rançosa treta!

Ciumeira foi esta que se manifestou nas festas Nicolinas deantigamente.

O namoro, instituição nacional, aguardava a celebração desta festaescolástica para, à sombra da mesma, praticar seus derriços.

Dai, surgirem intrusos, metediços, contra os quais embatiam, sem sedarem tréguas. todos quantos fruiam a ventura de gozar os privilégios

(1) Cerol - A cera que o sapateiro dá à linha, destinada a coser as solas.

153

Page 147: O S.Nicolau dos Estudantes

concedidos pelo .foro escolástico>, sendo o maior de todos aquele preceitoconvencional de, por galanteria, prestar culto às damas.

Poético culto de que só os encardidos de neurastenia desdenhavam.Diga-se, porém, em abono da verdade:

Nem sempre era o intruso, o .futrica>, quem provocava desordens.Algumas vezes feriam-se rivalidades entre os alunos das escolas de

latim, como se vê desta noticia inserta no jornal da terra O Vimaranense,relativa a 1868:

• Oxalli que a deusa concórdia visite os irritados discípulos dosr. Vemlncio. >

A aula deste mestre era uma das maiS frequentadas.

Nesse ano de 1868, dizia o Pregão, visando certo grupo escolardissidente:

Vós vereis, homens magros e pançudos,Fazendo mil gaifonas, como Entrudos.

Esta alusão a personagens .Entrudos>, tinha aqui intenção pejorativa.

Fosse como fosse, caso é que a sociedade vimaranense, emboraembiocada, fradesca, beata, tinha com o advento das Nicolinas o seuarraial de expansão.

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o RENA.SCI1I1ENTO DAS < NICOLlNAS > EM 1895- NOTÁVEL CORTEJO DAS < 1I1AÇAzINHAS >

•N A longa jornada dos anos, vários colapsos sofreram as Nico/inas.Em 1887, um bi-semanário da terra dando conta desta morte

aparente, escreveu:

<S. Nicolau ainda existe no seu altar; mas aqueles festejos ruidososque remoçavam os velhos e enlouqueciam os novos, desapareceram, foram-sei>

( Comércio de Guimarães, Dezembro.)

Nesta singela notícia está o melhor elogio da função escolástica.Sete anos decorridos, fez-se o renascimento do S. Nicolau dos

Estudantes. E para não se dizer que só as folias profanas animavam osobreiros deste renascimento, começaram por eleger a Mesa da Irmandadede S. Nicolau, erecta na igreja da Oliveira.

Era constituida pelos seguintes confrades, todos representantes davelha geração:

< p,e António Augusto Monteiro, P.e António Mendes Leite, p,e Do­mingos Ribeiro Dias, p,e António Barbosa Pinto Veiga, José Mendes Salgado,António Joaquim d'Almeida Gouveia, Francisco José Barbosa.

Simultâneamente foi nomeada a Comissão dos < velhos> e < novos>Estudantes, que tomaria sobre si o encargo de realizar as Nico/inas:

Alberto Cardoso Martins de Menezes (Margaride), Fernando Afonsode Bourbon (Lindoso), Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio, Gaspar de SousaMascarenhas, José Luis de Pina.

Vogais: < Adelino Leite de Faria, Aurélio Correia Machado, AntónioLeite de Castro, Augusto Alves Pereira, Domingos Ribeiro, Francisco Martins

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Ferreira, Francisco Neves Pereira, José de Almeida Júnior, José Sarmento,Luis Ribeiro Martins da Costa (Aldão), Manuel Bernardino Gonçalves daCunha, Rodrigo António de Sousa Barbosa, Serafim Fernandes de Lima.>

Votados à tarefa das Nicolinas, logo se traçaram as linhas mestrasdo seu programa:

Novembro - 29 :> - 30:

Dezembro 4:> 5:> 6 :

Entrada do Pinheiro.Novenas de Azurei.Magusto e Posses.Pregão Escolástico.Danças e Exibições.

*Nesse ano de 1895 decorreram os vários números das Nicolinas

por este modo:

.Não há dúvida / Temos de dar os mais sinceros e cordeais parabensà mocidade académica de Guimarães, pelo modo brilhantissimo como realizou.fazendo-os renascer, os tradicionais festejos do S. Nicolau. Parecia que nosbriosos rapazes ressurgiram e se encarnaram as passadas gerações escolares,e que estavamos ainda nos bons tempos da idade de oiro daquelas festas.>

E o cronista fecha por esta maneira a sua noticia, quanto ao Cortejodas Maçãs:

• A mais de um velho ouvimos dizer que nunca se havia feito umacavalgata assim, tão numerosa, tão viva, tão alegre, tão elegante e ricamentevestida />

(Religião e Pdtria, 11.' 11-12-1895.)

*Outro periódico da terra, afinando pelo mesmo diapasão, diz-nos:

.Iá há muitos anos que Guimarães não presenceava essa ruidosa festados Estudantes, que em tempos idos entusiasmava, e como que alucinava oscorações. ainda os mais frios, das Damas vimaranenses, deslumbrando acidade inteira. A efervescéncia e o delirio que, outrora, a festa académica doS. Nicolau aqui causava, estão ainda indelevelmente gravados com caracteresbem vivos na memória de todos nós . . • . • • •>

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Page 150: O S.Nicolau dos Estudantes

Aludindo o cronista ao Bando Escolástico, informa, quanto ao fôlego emodo como o recitou o antigo escolar. Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio:

<O Snr. Sampaio, apezar de ter recitado o Pregão mais de quarentavezes, desempenhou magistralmente o seu papel até final, sempre com omesmo calor e entusiasmo, sempre com muit,r graça e com toda a correcção. >

•Finalmente, descreve o Cortejo das Maçãs:

<No dia imediato, pela uma IlOra da tarde, principiou a distribuiçãodas maçãs às Damas, que nas suas varandas as disputavam à porfia, e cujas<toileltes> vistosas imprimiam um <cachet> alegre e encantador a esta festajuvenil. Antes da distribuição das maçãs, o Bando Académico, vindo deS.'o Estêvão, andou em cortejo pelo centro da cidade, ostentando as sua<luxuosas vestes. O seu aspecto era realmente deslumbrante!

cEra formado por quarenta ca'valeiros e cinco carros.'"(Vimaranense, 10-12-1895.)

As Danças que neste ano do renascimento das Nicolinas se realizaram,tiveram como seus intérpretes os seguintes escolares, <velhos> e <novos> :

<Francisco Pinto de Queiroz, Duarte Roriz, António Guimarães,Francisco Neves Pereira, José Neves Pereira, Luis Augusto de Freitas, AbelRebelo, Francisco Martins Ferreira. > (')

As Danças, além de se exibirem nos largos da cidade, TeatroO. Afonso Henriques, e na Assembleia Vimaranense, foram recebidas nasseguintes casas particulares: Conde de Margaride, Barão de Pombeiro,Or. Francisco Martins Sarmento, Or. António Coelho da Mata Prego,Or. Alfredo de Matos Chaves, Albano Belino.

Fecho o relato das Nicolinas de 1895 com este depoimento, que tema autoridade de um veterano:

<Porque não havemos de dizer, nos nossos anos já maduros e com

(1) A todos estes nomes - com excepção do ultimo - se pode apor uma cruz,sinal do trespasse.

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Page 151: O S.Nicolau dos Estudantes

obrigação de sérios, que sentimos ainda, perante aquele folião aparato, unsestremecimentos fortes de sal1dade, e uns como que veementes impulsos dosanos verdes, fazendo renascer em nós a alegre, descuidosa e viva mocidade?

(ReligiDo e Palria - 1895.)

o grande animador deste renascimento, foi Jerónimo Ribeiro daCosta Sampaio.

O Pregão que ele recitara com notável êxito, representou outrorenascimento: o do poeta vizelense, Dr. Bráulio Lauro Pereira Caldas.

Rememorando Jerónimo Sampaio este belo empreendimento da suamocidade, sempre que a propósito viesse, nos recitava passagens emotivas,como esta. do Bando Escolástico de 1895:

•O grande Nicolau, da Lycia filho amante,Das Virgens protector, amigo do Estudante!- Tu és maior no Céu, que o grande Taumaturgo.Na terra, muito mais, aqui em no'so burgo.Por isso, ó muito amado, em nós ten3 um sacrário:Havemos de fazer-te, em breve, um Centwário • .•

FOLGADO FIM DE ACTO DAS DANÇAS DE 19:;-1

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DANÇAS - ESPECrÁCULOS - EXIBIÇÕES PÚBLICAS

S em que houvessem danças ti picas, de invenção estudantil, ainda assimandam citadas duas danças do gosto escolástico, que se deno­

minam; - .Dança Preta. e .Dança Militar •.

Deste último número coreográfico, dizia encomiàsticamente o Pregãode 1844:

' ... Dança Militar, que o amor desperta,A todos deixará de boca aberta I

A dança .dos pretos., igualmente anda lembrada nos livros da Irman­dade de S:Nicalall das Estudantes. O uso desta dança, à maneira de .batalha.,demandava dos tempos em que a Nação, depois da era dos Descobrimentose Conquistas, foi enxameada de gente negra, pelo que espalharam por todaa parte as suas danças típicas.

As danças Nicolinas começavam por se apresentar em cena pública.Depois, percorriam algumas casas dos maiorais da terra. finalmente, vinhamexibir-se no palco do Teatro, constituindo parte de um espectãculo, comentrada gratuita.

Três noticias, insertas no periódico portuense - O Braz Tizana:

1855 - ' ... À noite, cstarrdo o Teatro todo iluminado. os camarotese plateia cheios, ai se dirigiram todos os Estudantes com a3 suas exibi­ções e danças. Corrido o pano, ap"receu Minerva em um trono, e todosos Estudantes. mascarados, principiaram a cantar o hino escol:istico. Segui­ram-se as danças, e depois vár;as contradanças, bem como lindos e preciososquadros vivos, que os Estudantes perfeitamente dcsempcuharam. >

1857 _ •... Houveram mais três danças, o que tudo se reuniu à noiteno Teatro, onde apareceram Vasco da Gama, de joelhos, aos pés da deusaMinerva ... , seguindo-se o hino escolástico, cantado pelos Estudantes ... '

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Page 153: O S.Nicolau dos Estudantes

,

Fecha a noticia com o titulo das peças representadas, e das poesiasrecitadas, - recilativos muito na voga, em que se evidenciavam poetas epoetastros.

Assinalando-se em 1901 a decadência das festas Nicotinas, sairama público os antigos estudantes com umas Danças, que ficaram memoráveis,sob o titulo - OS VELHOS.

Foi como que, enf gracejo, uma admoestação paternal aos -novos•.Razão porque das cinco partes em que se dividiam as Danças de 1901

a primeira clamava, com música de metais e vozes:

Nós somos dez,Apenas dez,Os mandamentos da antiga Lei.E vimos em bicos de pés,Ver o que fazem, os novos e a grei.

Depois, olhando-se os pares, clamavam, vibrantes e iracundos:

Estes pichotes do diabo,Andam-se a rir cá dos velhotes!Estes pichotes, são o diabo!São o diabo!

O guarda-roupa deste grupo dançante (') era luxuoso. Foi como queuma exposição de alfaias ricas, saidas dos arcazes das casas nobres .

•Mereceram destaque outras Danças, nomeadamente aquelas que

apresentava o infatigável entusiasta das Nicotinas, P! Gaspar da Costa Roriz.Ainda há pouco tempo um Limiano muito culto, honra das Letras e

da Magistratura, - o Dr. Anlónio Ferreira, Conselheiro do Supremo Tribu­nal Militar-, desfiando recordações dos seus tempos académicos passadosno Liceu de Guimarães, me dizia, saudoso, ter sido personagem de uma

(1) Dos seus figurantes, regisio os nomes: Álvaro Casimira, Carlos Abreu,Francisco Queiroz, Gaspar .~ascarel1has. Oomingos Agra, António Pâdua, José Roriz,Januârio de Sousa, José Lopes (o Lopisio), Rocha Lima.

Destes vimaranenscs, só sobrevive o ultimo.

160

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Dança Chinesa da autoria do .Padre Comissário., em casa de quem foicomensal com Manuel Gonçalves Cerejeira, - aquele que por suas qualida­des morais e talento havia de atingir a proeminência eclesiástica de Car­deal Patriarca.

Chegou um dia que, fatigado o Padre Gaspar Roriz, entendeu deverrepousar da tarefa.

Nem por confessar a minha insuficiência poética, falha de engenhocoreográfico e mais partes, escapei de ser o autor das Danças, nas festasNicolinas de 1906.

Inspirado numa Lei da época, relativa à cobrança das chamadas.pequenas dividas., dai proviera a exibição dançante, - OS .PEQUENOS.NO DECRETO DAS ,PEQUENAS•..• DIVIDAS.

Um dos números musicados, arrematava assim:

Seja um Rei,Ou mesmo um Papa,A História é Lei,Ninguém Ih'escapa;Só o estudanteA Lei adora,Pois está livreDuma penhora!

E tão à letra os académicos se desempenharam desta Dança, que noseu autor fizeram a prova real do cantado estribilho:

Só o estudante a Lei adora,Pois está livre duma penhora!

As Danças Nicolinas de 1906 foram não só exibidas em público,como em casas particulares.

Nos palácios do Conde de Margaride e Vila Pouca, - onde houveprofusão de vinhos e doces - a presença dos académicos levou aos respec­tivos salões, como era de uso, muitas famílias.

161

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PERSONAGENS NO CORTEJO DAS MAÇÃS DE 1919

De pé: Alberto Sarmento e Castro (7.0 ano) (1)José Carmona Gonçalves (5. 0 » )

Sentados: José Sarmento e Castro (3. 0 .)

Fernando Lage jordão (3. 0 ..).

(I) Médico - radiologista, na cidade do Porto, a quem devo a gentileza dafotografia.

162

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GERAÇÚES NICOLINAS -PAIS E FILHOSABRAÇADOS NA FUNÇÃO

PUDE consultar um apodrecido Códice da Irmandade de S. Nicolauonde se registam actas que alcançam desde os principios do século

XVIII aos fins do século XIX. Os dizeres das actas são estranhos à funçãoescolástica; referem-se à vida religiosa e pia da Irmandade.

Como, porém, as actas estão assinadas pelos • irmãos> - que, pelo"isto, assistiam às reuniões da •Mesa> - por essas assinaturas se ficasabendo quem, nessas épocas passadas, tomaria parte nos folguedosNicolinos.

Nem todos, e evidente, se sentiriam dispostos a enfileirar ao ladodos fulgasões. Por temperamento, por caducidade, por respeitos sociais,alguns se retrairiam, contentando-se em ver e aplaudir os outros. Mas, oque é certo, sem sombra de dúvida, e que nem sempre a idade, a posiçãosocial, os melindres da critica, impediam os • veteranos> de vestirem odominó, porem a mascarilha, e saltarem para o meio da gente moça;

Destes folgasões falou o Pregão de 1866:

Garridos anciões que, em tal festejo,Não querem de brincar perder o ensejo.

É que o sortilégio das Nicolinas - destacadamente nos escolaresvimaranenses - não se extinguia. Como herança se transmitia às gerações.

Esta psicose dos naturais anda comprovada em muitas familias, sendoedificante dar aqui, deste facto, alguns exemplos.

*

Seja o primeiro exemplo, aquele que nos oferece a familia do Snr.Presidente da Câmara, Dr. José Maria de Castro Ferreira.

163

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Socorrendo-me do citado Códice irmandadeiro, dele resplgo nomesda sua ascendência e afins:

1788 - Joaquim José Ferreira da Paz,1790 - Vicente José da Paz,1837 _ Domingos Mendes da Paz,1862 - José Ferreira Mendes da Paz.

Seguindo na esteira da sucessão, topamos em nossa época a projec­ção da continuidade Nicotina desta familia, representada deste modo:

Francisco Martins Ferreira (Ten. Coronel),José Maria de Castro Ferreira (Médico),José Manuel da Veiga Castro Ferreira (Estudante).

Nada se pode aqui dizer, quanto à maneira como se comportaramnas remotas festas Nicotinas, os < Ferreiras da Paz., de onde promanou ageração actua1.

Ainda assim, do 4.<> • Ferrcira da Paz. se sabe esta efeméride:

Foi ele qne pagou do seu bolso particular a despesa feita com asDanças da função escolástica de 1895. (I)

Este gcsto foi testemunho da sua alegria por ver ressurgir em 1895uma função obliterada pelos • novos. - rcssurgimento em que entrava amocidade de seu filho, o Estudante Francisco Martins Ferreira.

Envolto nestas relembranças, quando o giro do tempo havia chegadoao ano de 1951, era de ver-se este belo quadro: - pai e filho, envoltos nasalegrias dum festim memorável, zabumbando, tocando bomba, ao termo dumrepasto, que reuniu perto de trezentos convivas.

É de salientar aqui este facto de ordem histórica:

o avô paterno do D.' José Maria dc Castro ferreira, nem por serprofissional ouriveseiro estava inibido de entrar na função NicolinG. A arte

(1) Ainda conheci este venerando ancião de forte arcaboiço, com loja de ourivesna Rua da Tulha, estabelecimento que passou para a Rua da Rainha, popularmentedesignada c Rua dos Orires ~.

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de ourives, era então reputada de • nobresa,. (') A circunstância de estesmestres laborarem cruzes, cálix, e outras peças destinadas aos serviçosdivinos, dava-lhes qualidade, distinção.

Quando, pois, um escolar do século XVIJI enveredasse para aprofissão de ourives, não perdia por esse facto o seu doro escolástico,.

Ferreira da Paz, confrade Nicolino em 1852, como se vê do Códiceirmandadeiro, estava no pleno goso da sua prerrogativa escolástica.

Seu filho e seu neto, bem podem dizer, ufanamente, que entraramna função de S. Nicolau dos Estudantes, seguindo na esteira dos scus mais •remotos progenitores.

Lindo atributo de familia, que não quebrou a sua linha hereditária.

(1) V. ,-Os Mesteres de Guimarães», Vol. 1.°, pág. 93.

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Page 159: O S.Nicolau dos Estudantes

Este estimado vlmeranense. passandopelos estudos licellls, alcançou direitoao 'foro escol6stico~. Sempre qUI! os• Velhos. aparecem! ribalta Nh:oJlnil.ele surge, radIante de Juventude. em·

bora llVÓ de netos.O Cuslmiro ê, como se utá vendopela amostra, boa culmin. Ou nao

seja, merclldor de panos.

(Nas Danças dL 1939)

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JERÓNIMO SAMPAIO - SUA ASCENDtNCIAE DESCENDtNCIA "NICOLINA"

No calendário Nicoli/lo a data de 1895 é memorável. Nesse ano - comojá foi dito - renasceram das próprias cinzas as tradições da velha

função escolástica.

Este <milagre. de renascimento teve como seu obreiro máximo­Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio.

JERONIMO SAMPAIO, NA FRATERNA COMPANHIA DE SEUFILHO E SEU NETO, NO CORTEJO DAS MAÇÃS DE 1945.

EMERGEM, TRIUNFANTES, DO BOMBa "NICOLlNO"

167

Page 161: O S.Nicolau dos Estudantes

• •

•Rebuscando a progénie dos seus ·maiores. no livro encardido da

Irmandade de S. Nicolau dos Estudantes, lá topamos estes nomes:

1837 _ António Ribeiro da Costa Sampaio,1839 - João Ribeiro da Costa Sampaio,1857 - Domingos Ribeiro da Costa Sampaio.

Alimentados à mesma raiz Nico/ina, nova geração brotou:

Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio,Jaime Ribeiro da Costa Sampaio,Jaime Manuel Ribeiro da Costa Sampaio.

, Neste ciclo se' projectam como continuadores do fulcro inicial - pai,filho, neto.

Na .dinastia. dos Ribeiros da Costa Sampaio avultam como recita­dores do Bando Escolástico, quatro dos seus membros. (')

'. Havia de ser, porém, em nossa geração, o .veterano. Jerónimo,aquele que deixaria de si maior renome como eximio recitador do Pregão.

É que nele tudo se conjugava para esse êxito: figura, voz, gesto,graça !latural.

Além deste destaque oratório, o que mais assinalou este vimaranenseno âmbito das Nico/inas, foi o seu excepcional empenho pela conservaçãodas tradições escolásticas da nossa terra. Havendo sido em 1895 o seuprecursor, em si conservou sempre a paixão por tudo quanto servisse parao engrandecimento da função escolástica, ora sendo seu comparticipante,ora anImando e guiando os novos, para que estes não a olvidassem, aca­tando, quanto possível, o fõro tradicional.

Até ao remate da sua existência, - que ultrapassou os doiscarros - e), deu provas de um inegualável fervor pelas festas Nico/inas.

O maior testemunho desse grande amor - que nele foi uma obsecantepaixão -, observou-se em 1945 aquando a celebração do quinquagésimoaniversário do renascimento das Nica/inas.

Basta atentar na fotogravura que acompanha este capítulo. Nela seexibe em carro triunfal, destinado ao Cortejo das Maçãs, Jerónimo Sampaio,juntamente com seu filho e seu neto.

(1) Domingos Ribeiro da Costa Sampaio, recitou o Bando Escolásticono ano de 1862.

(O Braz Tizana, n.· 285).(2) Provincianismo que, aluctindo:aos anos, encontra semelhança na medida de

um carro de cereal, ou sejam, 40 razas.

168•

Page 162: O S.Nicolau dos Estudantes

Este notável exemplo de apego às tradições Nicolinas, foi em nossotempo um caso de excepção.

•E que, toda a vida de jerónimo Sampaio - à parte um periodo raiado

de sombras -, toda ela decorreu à maneira descuidada de um estudanteem férias.

Afora, porém, esse quadrante de tristura e melancolia, jàmais este filhoda terra deixou de manter, em alto grau, um manancial de humorismo. deesvoaçante chiste.

Espirito sempre moço, tudo nele havia de sacrificar ao gosto de viver- viver à sua maneira, folgada e risonha.

Nas ceduções dum convivio académico seleccionado, ocorrido nosmeios escolares de Guimarães e Braga, càbulamente comprometeu o êxitodo seu curso, - ele que possuia suficientes predicados de inteligênciapara brilhar.

Este tipismo marcante da sua vida, a - par das suas qualidades decarácter, tomavam-no popular, benquisto, apreciado.

Possuidor de naturais predicados cénicos, foi jerónimo Sampaio umdos grandes animadores das representações teatrais, que constituiam outroraum dos números das festas Nicolinas.

Escolhendo para si os papéis de galã, desmentiu amplamente nacena o amadorismo dos furiosos do palco.

Foi, sem favor, um autêntico artista dramático - pela máscara,pela dicção, pelo talento interpretativo.

Várias gerações académicas tiveram em jerónimo Sampaio, pelo seucompanheirismo e ajuda, um servidor e um amigo.

Ele foi, na continuidade dos seus progenitores, um notável exemploNicolino - tão exuberante de provas, que nele se encarnou a própria tradi­ção escolástica.

No pólen doirado da sua vivacidade, da sua alegria, do seu riso,fecundará, em perene graça juvenil, a linda festa vimaranense dos nossosescolares liceais.

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UMA CARICATURA DE I~gó, ONDE SE Vt: JERÔNIMOSAMPAIO RECITANDO O .PREGÃO. Ii DAS VARAN­DAS LANÇAM-LHE FLORES Ii O POVO, RODEANDOO CARRO, ATENTAMENTE O OUVE, RINDO À SUAGRAÇA Ii O .PREGÃO. FOI ESCRITO PELO

DR. BRÀULIO CALDAS.

(Ou. do Prol. J. Pina

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«SILVAS RIBEIROS« - «LEITES DE CASTRO«­«MARTINS DA COSTA« - «ARAUJOS ABREUS

- - FELGUEIRAS >

A familia dos -Silvas Ribeiros. anda ligada às Nicofinas, desde os sé­culos XVllI, se não anteriormente.Rebuscando elementos comprovativos no Códice da Irmandade,

dele se extraem estas achegas quanto à referida familia:1788 - Jerónimo da Silva Ribeiro (Padre),1799 - João Anlónio da Silva Ribeiro,1839 - José Nepol11uceno da Silva Ribeiro (Bacharel),1845 - Joaquim Nepomucepo da Silva Ribeiro,1857 - JOão Fernandes da Silva Ribeiro.

José Nepomuceno Ribeiro, foi o autor dos Bandos Escolásticos de1845 e 1848.

Seu irmão Joaquim, recitou-os.

Uma patente prova do apêgo dos -Silvas Ribeiros- às tradições Nico­finas. está neste facto;

Quando os Nicolinos da nossa geração ignoravam o paradeiro do per­gaminho de 1599, relativo ao Estatuto da Irmandade de S. Nicolau, os des­cendentes dos velhos -Silvas Ribeiros>, com morada na casa das Lages (I)expontâneamente fizeram entrega à Sociedade Martins Sarmento do apreciadodocumento.

É evidente que se este manuscrito do século XVIl estava na possedos -Silvas Ribeiros., foi porque um deles desempenhou funções directivasna Irmandade. Com efeito, Jerónimo da Silva Ribeiro teve na Irmandadeo cargo de 1.0 Secretário, ao qual competia a guarda do Estatuto.

(1) .Lages~J era a nomenclatura da rua) por ser calçada de lages.

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Projeetou-se na função Nicolilla dos nossos tempos uma vergônteadesta familia: João Artur Baptista Sampaio.

*LEITES DE CASTRO - Têm nas tradições Nicolinas um antepassado

que muito se evidenciou na questão judicial sustentada pelos Estudantes,em 1830, aquando a impugnação da Colegiada em manter o pagamento da<renda· dos frutos aos escolares.

Foi o Dr. António Leite de Castro, Advogado na comarca, quem pri­meiro se colocou na defesa da causa dos escolares, por maneira entusiás~

tica. Recusando-se a aceitar o encargo que a parte contrária lhe ofereciacomo ctiente, aparece ao lado dos seus colegas no foro vimaranense, norecurso da Relação do Porto, interposto pelo Cabido.

Na Irmandade de S. Nicolau, o nome deste confrade aparece, em1837, na qualidade de Juiz. ,

Em 1895, um descendente directo dos <Leites de Castro. toma parteao lado daqueles antigos escolares que fizeram surgir do limbo a festaNicolina.

Assim continuou á tradição Nicolina no seio da família:

António Leite de Castro.

Domingos Leite de Castro,António José Leite de Castro (Major),José Manuel Leite de Castro.

*

MARTINS DA COSTA - A familia <Aldão. tem estes remotos fila­mentos na Irmandade de S. Nicolau:

1805 - Rodrigo Martins da Costa,1862 - José Ribeiro Martins da Costa,1870 - Francisco Ribeiro Martins da Costa.

Das gerações pretéritas continuaram a tradição Nicolina:

Luis Ribeiro Martins da Costa (Dr.),João Martins da Costa,Francisco Martins da Costa (Pro!.).

172

"-------~-_.-

Page 166: O S.Nicolau dos Estudantes

*

ARAÚJOS ABREUS- Tomo ao acaso mais este ramo da cepa vima­ranense onde vicejam confrades da Irmandade de S. Nicolau:

1830 _ Manuel Bernardino de Araújo Abreu,1830- Anlónio Inácio de Araújo Abreu,1854 - Domingos Maio de Araújo Abreu,1856 - José Maria de Araújo Abreu,1863 _ Carlos de Castro Araújo Abreu.

Este escolar recitou em 1864 o Pregão. Na sucessão Nicolina toma­ram parte:

Manuel Bernardino de Araújo Abreu (Dr.),José Bernardino de Araújo Abreu.

Finalmente:

Raul de Araújo Abreu Roque Figueiredo.

*

FELGUEIRAS (') - Três figuras de Vllllaranenses que avultam nastradições Nicolinas:

Nicolau Máximo Felgueiras (Médico),Francisco Pedro Felgueiras (D.'),José Baptista Felgueiras (D.').

Como estes nomes andam ligados aos Bandos Escolásticos de 1866e 1867, na devida altura serão focados os seus méritos.

Havendo os três irmãos frequentado entre nós os estudos, desde aescola primária aos cursos de latim, não podiam deixar de ser, como foram,uns apaixonados colaboradores das Nicolinas.°segundo nome desta trindade, fundou no seu solar armoriado umestabelecimento de ensino, o qual singelamente ficou na história de Guima­rães com o titulo _ Colligio das Hortas.

(1) A genealogia dos ~ Felgueiras. tem 113 sua origem essa notavel figura deliberal, o Conselheiro João Baptista Fclguciras , que exerceu altos cargos na Magistra­tura c no Parlamento, entre eles o de Secretário das Cortes Constituintes de 1820.

173

Page 167: O S.Nicolau dos Estudantes

*

Na geração actua! registam-se estes dois nomes, nos quais recaiu aherança Nicolina:

Antãnio Baptista felgueiras (O.'),José Maria felgueiras (P.').

174

Page 168: O S.Nicolau dos Estudantes

ONDE SE FALA DOS .AMARAIS E FREITAS.- .MATOS CHAVES· - .VAZ VIEIRAS·­

• CASIMIRaS·

A linha de sucessão dos. Amarais e freitas., vem do seculo XVIIIate aos nossos dias.

Desdobremos, sem preocupações genealógicas, - apenas pela ordemcomo surgem no referido Códice irmandeiro, os membros desta familia, cujosolar armoriado se vê na antiga Rua de Trás-as-Oleiros:

1788-José Pinto de Carvalho de Sousa da Silva do Amaral e freitas.1843 -Jose Pinto de Sousa do Amaral c freitas,1857 -Gaspar de Freitas do Amaral Pinto,1863 - Gaspar Pinto de Carvalho do Amaml e freitas.

Este último • Amaral e freitas., confrade da Irmandade de S. Nico­lau dos Estudantes, deu-nos mais três da sua geração, afecta às Nicolinas:

JoãO Maria Peixoto de Carvalho do Amaral e Freitas,Duarte do Amaral Pinto de frei tas (Coronel), .António Maria do Amaral e frei tas (Advogado).

O João Amaral, como singelamente era tratado, foi estudante noColégio das Hortos, fundado e dirigido pelo Do' Pellro felgueiras. Recitouo Balldo Escolástico das Nicolillas de 1882.

Se irmão, António Amaral, igualmente se desempenhava mais tardedesse papel, com assinalado êxito, não só pela dição primorosa dos versos,como pela figura e simpatia que o exornava.

Estas qualidades viriam a evidenciar-se na Tribuna do fôro, comodistinto advogado que foi.

finalmente: das vergônteas Duarte e Antônio, provieram seus respec­tivos filhos.

175

Page 169: O S.Nicolau dos Estudantes

,

Do primeiro grupo:

Duarte do Amaral Pinto de Freitas (Eng.'O),Gaspar do Amaral Pinto de Freitas (Capitão).

Do segundo grupo:

Francisco Bourbon do Amaral,António Bourbon do Amaral,Gonçalo Bourbon do Amaral.

Nas efemérides Nicolinas de 1857 há uma noticia relativa a umespectáculo, onde se diz:

- Após o hino escolástico cantado pelos estudantes, seguiram-se tréspoesias recitadas pelo sr. Amaral, Ajudante de Caçadores 7, que tiveram ashonras de bis. >

(O Braz Tizana. 11 •• 281)

•MATOS CHAVES - No rol irmandeiro destacam-se estes dois

confrades:1862 - António Peixoto de Matos Chaves,1863 _ Augusto de Matos Chaves (Médico).

Esta herança Nicolina, projecla-se em nossos dias:

José Teles de Matos Chaves (D.'),Francisco de Matos Chaves (Prof.),Fernando de Matos Chaves (D.').

Este último - Matos Chaves> transmite o facho Nicolino a seu filho:

Fernando do Quadro Flores Matos Chaves (Eng.'O).

Na lista das casas onde os estudantes levantavam a -posse" desta­cava-se, no Carmo, a casa do Médico Augusto de Matos Chaves.

Assim perdurava na familia a tradição da festa escolástica.

176

Page 170: O S.Nicolau dos Estudantes

*

VAZ VIEIRAS - No ramo dos • Vaz Vieiras. colho estes dois ante­passados. confrades que foram da Irmandade de S. NicoIau, e nela desem­penharam cargos de Mesa:

1843 - António Augusto da Costa Vaz Vieira.1854 - Domingos da Costa Vaz Vieira.

A estes Nicolinos se sucederam em nossa geração:

José da Costa Santos Vaz Vieira,Eugénio da Costa Vaz Vieira.

Em vergôntea nova:

Domingos José dos Santos Vaz Vieira (01'.).

Não se interrompeu a sucessão Nicolina, antes se projectou para alémde uma centúria.

*

CASIMIROS - Já se fez referência a este ramo famílial das Nicolinas.Seja, porém, COm ele que se encerre o quadro demonstrativo das

fundas raízes Nicolinas na grei vimaranense:

1862 - Casimira Machado de Faria Oliveira (P.').

Que se projecta em seus filhos:

Acácia Casimira de OliveiraÁlvaro Casimiro de Oliveira

Do antigo escolar Álvaro Casimiro, há muitas e saudosas lembrançasnos vimaranenses da minha geração.

Seu ridente espírito e bom-humor, faziam deste simpático conterrâneoum excelente companheiro. Destacou-se em todos os papéis dos programasNicolinos: recitando Pregões, representando nas récitas académicas, semprefixe nas serenatas e ceias. Um boémio!

Em 1920 escreveu o Padre Gaspar Roriz o Auto da Saudade, que foirepresentado por quatro dos antigos estudantes: Álvaro Casimira, Carlos

177

Page 171: O S.Nicolau dos Estudantes

Abreu, Jerónimo Sampaio e José Roriz. Erá com olhos húmidos de saudadeque o Álvaro suspiradamente dizia:

Ai que saudade eu tenho! Ai tempos que já lá vão!Aperta-se-me a alma, estallI o coração,Ao ver morta, perdida, a alegre mocidade,Transformada a alegria em prantos de saudade! ...

*Claramente se patenteia no panorama desenrolado dos tempos idos

até à nossa geração, que as Nicolinas são uma herança. Passaram e volta­ram a passar suas gratas lemhranças, - dos avós aos pais, dos pais aosfilhos, dos filhos aos netos.

Se não fosse a seiva da herança, já há muito quê a função se teria,difinitivamente, soterrado.

ALVARO CASIMIRaNAS • NICOLlNAS, DE 1895

178

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SERENATAS QUE PASSAM NA NOITE - CEIAS OR6fACAS- COMEMORAÇÕES ANIVERSÁRIAS

E--

STAVAM as serenatas nas tradições Nicolinas.Em 1886 foi escrita música e letra para uma serenata. João Ma­

chado (Pindela), de lira votada às diversões da antiga festa escolástica,deixou-nos uma balada que assim começava:

- . .Somos {ilhas da fada mimosa,Deste Minha formoso, sem par,Somos jovens, sentimos no peito,Santo amár da citncia vibrar.

E um coral subia na noite, cantando:

A sombra é luz,A noite é dia;

•E sol das trevasNossa alegria!

Outros grupos, aqui e ali se exibiam, com acompanhamentos de gUI­

tarras, bandolins, violões.Na hora do ressurgir das Nicolinas, em 1895, uma serenata fizera as

delicias das damas, as quais, no dizer das noticias do tempo, se manifesta­ram por maneira acolhedora, vindo às varandas saudar os • troveiros, Nico­linos. Destarte imitariam as serenatas -dos académicos conimbricenses, asquais balsaminavam de poesia o Choupal, S.'o António dos Olivais, Penedoda Saudade, as escadas da Sé Velha, sumindo-se ao dealbar da madrugadanas ruelas do Bairro Alto, onde os académicos tinham suas < repúblicas,.

Estavam as serenatas nos costumes dos centros académicos.Mesmo fora do âmbito das Nicolinas, eram vulgares as serenatas

entre nós.

179

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Para o seu emotivo encanto ser mais completo, nem sequer lhesfaltava o cenário vetusto do casario, de passo que as artérias percorridaspor estas rondas nostálgicas, tinham, a preceito, uma iluminação de piri­lampos (1 ).

Deixo aqui alguns nomes de velhos estudantes, para os quais os tre­nos líricos de Bernardim Ribeiro e Soares de Passos não foram estranhos,espargindo-lhes na alma quimeras de felicidade.

Destes me lembro, por algumas vezes haver andado na sua com-panhia: .

- José Roriz, Francisco Queiroz, Bernardo Azenha, Fernando Lindoso,Jesualdo Andrade, Delfim Guimarães, sem olvidar José Lemos, da Vila deS." Tirso, cuja voz se sobrelevava a todas com gorgeantes harmonias, emdiatanas sonoridades.

*Apagaram-se em nossos dias as toadas plangentes e amorosas das

serenatas. '..Já não há - nem a policia as consente - essas saudosas baladas

às estrelas.A guitarra - que parecia andar oculta na capa do estudante boémio ­

foi acompanhada dos violões e bandolins para junto das liras e alaúdes dosremotos trovadores medievais.

Os tempos são outros.Mecânicamente, prosaicamente, é outra a nossa época I

*

Com as serenatas, vinham as orgiacas ceias, sempre tão saborosas.Nestes repastos noctívagos, tomavam parte .velhos- e .novos-, em francacamaradagem, - com excepção daqueles escolares distinguidos com o di­ploma de ursos.

Estes,. no dizer dum cronista coimbrã, • nunca se associam a come­sainas, passeatas, e motins nocturnos -.

A ceia, frugal e bem bebida, era nas festas Nicolinas um númeroextra, mas sempre certo.

Há tasquinhas que mereceram ser citadas nos antigos Bandos Escolás­ticos: o • Amoado-, o .Roupeiro-, o • Dionísio " a .Joaninha,. Em nos-

(1) A primeira iluminação publica da Vil~l inaugurada em 1844, foi de azeite.Vinte anos depois surgiu a iluminação a petróleo. Os poucos candeeiros dis­

penos Ra Vila, lucilantes, mal lhe quebravam a escuridão.

180

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50S dias passaram à celebridade as tasquinhas do •Térrinha>, .Pescocinha>,c Cabreira:' 1 c Quita ~, c Bravo ~, c Zé-Maria •.

A parte mais apreciada destes repastos não era tanto a petisqueira (1),como o convivio entre camaradas. A parte hilariante, alimentada com ditose facécias, salpicadas de licensiosidades amorosas, era o melhor acepipedestas reuniões nocturnas. '

As seduções gostativas destes festins, - onde mais se bebe, que secome, - tinham a sua hora alta na fase das Njcolinas.

No acre-e-doce das recordações académicas mais vividas, essas horaspandegadas subsistem. Por tantos modos avultam nas lembranças académicas,que não há um só cronista do meio escolar conimbricense que lhes deixe deconsagrar em saudade, prosa e verso. Ao ponto de se haver escrito, em 1879:• Coimbra, é a amplificadora do célebre quadro Os Borrachos >.

•Por vezes tange o sino grande, convocando quantos passaram pelos

estudos de Guimarães e deram seu concurso às Nicolinas.A maior de todas essas reuniões em banquete fraterno, realizou-se

em 1951.Eis, em súmula, o que nos diz um jornal da terra:

• A festa de confraternização dos estudantes • velhos> do Liceu deGuimarães, que reuniu no amplo e confortável restaurante Jordão quase 300antigos alunos do nosso primeiro estabelecimento de ensino, pessoas detodas as idades e de todas as posições, foi sem dúvida uma notável afirma­ção de solidariedade, que permitiu a todos o recordar saudosamente os jáafastados e alegres tempos de sua mocidade.

• Estiveram presentes professores ilustres, como o Cónego Alberto daSilva Vasconcelos, José Luis de Pina, dr. Aventino Leite de Faria, dr. FilintoElisio Vieira da Costa, nicolinos dos das primeiras horas, como JerónimoSampaio, Tenente Coronel Francisco Martins Ferreira e p.e José Gonçalves.Entre a assistência que ocupava nove extensas mesas viam-se: professoresuniversitários, magistrados, médicos, oficiais do exército, sacerdotes, indus­triais, comerciantes, funcionários públicos, engenheiros, publicistas, etc.

• Durante o repasto predominou sempre uma comunicativa alegria,

(1) Os petiscos favoritos, eram: arrozadas com penosas, rojões de porco, pa­pas de sarrabulho, sardinhas assadas, bolinhos de bacalhau, caldo verde com tOTil.

181

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, < Contaram-se 'episódios curiosos, houve ditos espirituosos e todosderam largas à alegria que experimentavam.

< Havia entre' a assistência muitas pessoas que, tendo feito parte dosmesmos cursos do Liceu, se não viam há muitas dezenas de anos. Ao en­contrarem-se agora, graças à feliz iniciativa da reunião dos < velhos>, estrei­taram-se os braços em fortes amplexos de amizade e, falando de temposidos, com verdadeira emoção foram recordados os condiscipulos, os Mes­tres, todos quantos a morte já levou ...

< Na altura própria fizeram-se brindes. António Faria Martins falouem nome da Comissão promotora do almoço.

< Depois o Rev. Cónego Alberto da Silva Vasconcelos ergueu-se parafalar. E foi demoradamente aplaudido e escutado com respeitoso silêncio.

< Entretanto fez-se a leitura de telegramas recebidos de muitos anti­gos alunos que não puderam comparecer, entre os quais se destacava o queo Embaixador de Portugal no Brasil, dr. António Faria. endereçou ao seuamigo e condiscípulo dr. José Pinto Rodrigues.

< Surgiram então alguns' < pregoeiros> dos Bandos Escolásticos,desde 1895 até 1950, que recitaram algumas passagens dos mesmos.

< Por último falaram, com grande calor. os drs. Balbino de Carvalho,Gomes de Almeida, Artur Anselmo e Albano Eurico Fernandes Basto.

••

< E todos se dirigiram, então, ao som ruídoso de Zés P'reiras, atéjunto da artéria a que foi dado o nome _ Travessa da Senhora Aninhas,Madrinha dos Estudantes, cuja placa foi descerrada, numa cerimónia singelamas bem significativa. Proferiu breves palavras António Faria Martins eagradeceu, em nome da Familia homenageada, José Felix da Silva eSousa. A concluir a saudosa evocação da vida escolar no Liceu de Guima­rães, fez-se a visita ao mesmo, cujos mestres aetuais foram saudados, agra­decendo, em nome de todos e do próprio Reitor, ausente por doença, oProf. dr. Joaquim de Oliveira Torres.

< Efectuou-se ainda breve visita ao Internato Municipal, onde teveseu termo a memorável festa de confraternização, que a todos deixou asmais gratas recordações. >

(Noticias de Guimarães, o.• 1083)

,,"

182

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A

,

BOMBOS - CAIXAS - TAMBORES ... E O MAISQUE A SEU PROPÓSITO SE CONTA

música, como não podia deixar de ser, toma parte em todosos números da lunção Nicolina. Nenhuma composição, porém,

sobreleva aquela onde dominam os instrumentos de percussão: bombos,caixas, tambores.

Ainda a lunção vem longe, e já os académicos se metem a ensaios,nos intervalos das aulas.

Há quem, de nervos doentes, dê ao diabo este despertar. Reputando-setais instrumentos demasiado ásperos aos ouvidos, relegam-nos, e aos exe­cutantes, para lora dos centros urbanos.

Na verdade, os campos e as serras, são os seus mais adequadosmeios - aqueles onde porventura encontram a sua caixa de ressonânciaapropriada.

Falando do uso rural destes instrumentos de pancadaria, dizum escritor do século XIX:

-Os tocadores destes instrumentos levam em brio, qual entre eles há-defazer ouvir mais o seu tambor ou zabumba, de maneira que causa um horro­rOso estampido, que ressoa pelas montanhas visinhas.>

(Ant.o J.' Leite Sampaio. Mem. da Ribeira de Vize/a).

Com eleito, os campos e as serras, ajustam-se melhor ao eleitoretumbante, atroador, desta música tão dilecta aos escolares.

Não obstante os bombos lerirem os tímpanos sensíveis, gosam osseus executantes o privilégio policial de os poderem tocar, sem restrições.

E que prazer sentem os moços escolares no manejo das baquetas,procurando seus eleitos rítmicos!

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É de ver o garbo, o aprumo, a alegria como se desempenham destamúsica infrene, variando de .peças>, no mais bem combinado compasso.

Não oferece novidade-o uso e abuso desta .filarmónica> pelos nossosestudantes. O centro universitário de Coimbra, logrou mesmo a importânciade ver esta bizarra música tamborileira el1l destaque nos antigos livros dememórias:

.Eu, Estrondo, Algazarra, Barulheira,Com grau de bacharel na Bela Orgia,Mestre da ftlarmónica Zé - Preira,Lente efectivo da cabulogia.

•• • • • • • • • • • • • •

•(A. Duarte Ferrâo. Palito Métrico. Coimbra.)

Pode afirmar-se: Os bombos são parte componente de todas asfestas escolásticas de marca tradicional.

Quase todos os remates dos Bandos Escolásticos fecham por umaordem do Pregoeiro aos moços escolares, que seguem na vanguarda doscortejos Nicolinos, com ou sem máscara, tocando bombos, rufando caixas etambores.

Colho do Bando Escolástico de 1831 este brado estimulante:

-Mãos que só mereceis colher flores,Rufai com alegria nos tambores,P'ra que dé eco em todo o mundo,Este, o mais fausto dia, o mais jucundo I

E o bando aiacre da juventude lá segue, de olhar claro, cabeça erguida,espinha direita, maçanetando, rufando com donaire e arte nos seus instru­mentos de percussão, tão favoritos e calhados à sua festa.

Por sua vez, os .velhos>, aqueles outros estudantes que demandarama vida, tomando nela os rumos mais variados, esses para os quais a funçãodeixou neles como que uma recordação latente, emotiva, ao ouvirem o atroarestridoloso dos bombos, das caixas e dos tambores, nem sempre resistemà tentação de não regressarem ao manejo das maçanetas e baquetas,quando mais não seja, para ginasticar o braço e matar saudades J

Na hora afectiva, cordeal, em que os -velhos> se juntam aos-novos>, é prato obrigado voltarem-se para os bombos, tocando-os comvontade tão acesa, que as peles esticam e estoiram ao ímpeto doataque.

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Page 178: O S.Nicolau dos Estudantes

•Passam as Nicolinas, apagam-se os ecos atroadores dos infernais ins­

trumentos, mas fica pela vida fora dos nossos estudantes uma como quememória auditiva, ressoante, a lembrar os tempos felizes em que foramtamborileiros na .filarmónica Zé - Freira,.

Há um símbolo antígo criado pelos académicos da Universidade deCoimbra, em que entra _ a maca, a colher, a tesoura (I).

Mais consentâneo com os temJlos modernos e as alegrias saudáveisda juventude, será a composição de U11l outro símbolo académico em que,sem prejuízo da guitarra, t011le nele parte - o bomba.

*

Prendeu-se-me gratamente ao espírito este diálogo intimo:- Filho: escolhe. Bomba ou caixa?-Bomba!E o neófito, primeiranista do Liceu, assim entrou nas funções Nicoli­

nas, com um instrumento quase do seu tamanho.Por sua vez a Mãe, colaborante, trabalhou à agulha as duas peças

indu'nentais do tipo lavresco : a camisola e mais a carapuça.Esta cena doméstica, é comum nos lares vimaranenses com filhos nos

estudos.

(1) A maca para .. desmocar novatos~1 a tesoura para lhes cortar a gafurin3,e a culher, que outrora serviu para a sopa dos estudantes pobres, viria a fazer de pal­matória. felizmente, para dignidade do foro académico, desapareceram das Tundasnocturnas de Coimbra, os estudantes brigões e espadachins.

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Page 179: O S.Nicolau dos Estudantes

•Há em freguesias rurais quem fabrique e conserte estes instrumentos

de percussão.Os estudantes tomam-nos de aluguer. Caso lhes rebentem as peles,

têm de as pagar. O aluguer, regra geral, é pago adiantadamente, se nãotem fiador edóneo.

Na casa dos Amarais (Largo da Misericórdia), havia um destes ins­trumentos, propriedade privativa dos seus descendentes, com andança nosestudos. No seu bojo pintalgaram o brasão da família.

•186

Page 180: O S.Nicolau dos Estudantes

UM < HINO> QUE SE OUVE E SE RECORDA GRATAMI!.NTE

N o hinário vimaranense figura o l/ino de S. Nicolall dos Estudantes.É possivel que ele não promane das raizes remotas das

Nicolinas. Só nos meados do século XIX vejo nos jornais, onde se noticiaa festa, referências ao hino, cantado pelos Estudantes.

Quando, pois, não se possa remontar mais longe, podemos fixar aquia data de 1852 à partitura e à letra desse hino escolástico.

Nessa data estava em Guimarães um batalhão de Caçadores 7 erespectiva banda.

Seria a composição do hino obra do regente dessa banda de música?A letra é atribuida a Sousa Benevides.C.omo toda a estrofe exaltante, o verso abre por uma nota viva:

Ó nobre pátria d' Afonso,Ó berço da monarquia,EXlIlta formosa tura,lá raioll tell fausto dia I

Só a li, ó Guimarães,Foi votado este dia,Como mimoso presenteDe paz, ventura, alegria I

Nobre filho de MinervaQuem te pode hoje igualar;És livre I Hoje, só tu,Podes, Nicolall, saudar!

Mas sem vós, formosas damas,•

Que valem festas, folias!Vinde. pois, com terno olhar,Verter tudo em alegria.

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Page 181: O S.Nicolau dos Estudantes

Folgar, rapazes IFolgar, folgar IQue só para o anoTorna a voltar I

Não sei o que se pensaria desta letra, há 105 anos. Hoje que a nãocantam, talvez com isso se queira significar o desagrado da letra.

Em 1945, por ocasião da festa Nicolina que celebrou o 50.0 ani­versário do seu renascimento, o antigo escolar Torquato Mendes Simões_fraterno companheiro das Musas - compôs estes versos, que a malta cantou:

Nobre falange do Estudo,O' briosa juventude,Que a Ciência em ti seja tudo,Na santa p.1Z da Virtude I

Rapazes, folgar IFolgar, folgar IQue só para o ano,Tereis que voltar I

Uma coisa é certa, relativamente ao hino escolástico: é o encanta­mento que leva 11 alma dos rapazes.

Que digo!Tanto esse hino se fundiu no ouvido dos nossos estudantes, que

nenhum deixa de se sentir atraido aos eflúvios das suas notas musicais.Pode dizer-se, sem figura de retórica: o hino de S. Nicolau dos

Estudantes, é como que a Marselhesa dos moços escolares.Dois estados d'alma produz este hino escolar de bem modelada

orquestração: aos. novos> comunica· alvoradas de alegria, e aos. velhos>ministra-lhes em viático de conforto. relembranças saudosas dos temposfelizes da mocidade!

Ainda mesmo que os • velhos> escolares sintam humedecerem-se-Iheos olhos de melancolia, a verdade é que lhes é grato ouvirem esse bisarrohino escolástico da sua simpatia.

A consagração deste hino, de resto. está feita. não apenas pelosestudantes, mas pelo povo.

A • rua> o acompanha, - trauteando-o, assobiando-o, cantando-o.Esta é a melhor consagração que godia ter o hino do S. Nicolau dos

Estudantes.

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Page 182: O S.Nicolau dos Estudantes

A auditiva popular registou-o. Ou não fossem as Nicolinas umafesta que leva atraz de si a alma vimaranense.

À frente de todos, como arautos, vão os escolares.Esta é a força singular, o poder magnético da Música. Posta a música

ao serviço de uma ideia, o seu influxo sensorial sacode os nervos, _ parao bem ou para o mal.

O hino, em referência, é salutar!Quando se faça em nossa terra o registo do hinário vimaranense, o

hino de S. Nicolau tem ali posição destacante, mais que pela sua arte, pelosomatório de recordações que aviva.

Assim o querem as pretéritas gerações dos estudantes.

'>

>

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Page 183: O S.Nicolau dos Estudantes

• ••

A SENHORA

MADRINHA DOS

ANINHAS

ESTUDANTES

Page 184: O S.Nicolau dos Estudantes

UMA FIGURA DE MULHERQUE VALE PARA OS ESTUDANTES UM POEMA

C RIARAM os nossos estudantes um simbolo vivo a quem outorgaramo lindo titulo de - < Madrinha dos Estudantes,.

O seu nome, em trato famBial, é - a • Sr.' Aninhas,.Trata-se, como é evidente, de uma boa mulher. Talvez mesmo lhe

devamos chamar - uma santa mulher.Vem de longe esta consagração de sentido maternal. Gerações de

estudantes passadas pelo Liceu de Guimarães se habituaram, em convívio,a tratar a • Sr.' Aninhas, pelo carinhoso cognome de • Madrinha dosEstudantes, .

Para bom governo da sua vida, exercia a mercância: troca de farinhase estanque de tabacos.

Uma tendinha.Era na sua lojeca de limitado espaço e escassas transacções, que a

,Sr. a Aninhas, acolhia os estudantes, alternando-se estes por ali nos inter­valos das respectivas aulas.

A modesta boceta da Rua de Santa Maria, visínha do Liceu, tinhauma só porta. Porta esganada, atranquilhada com um banco, onde tomavamlugar, a-par da ,Sr.' Aninhas" os seus • meninos,.

Tal era o trato, amimado, açucarado, que a • Sr.' Aninhas. dava aosestudantes, sem distinção de idade.

Este convivia fraterno entre os componentes da Academia e a donada·locanda, vinha do tempo em que seu marido desempenhava as funçõesde continuo no Liceu.

Que digo! O • Sê-Zé André, foi no Seminârio-Liceu, criado em 1895,o único empregado ao serviço da secretaria, ao serviço dos mestres, ao.serviço da portaria.

Dai os fundamentos que ligam os estudantes à • Sr.' Anínhas',E estes filamentos de amizade, provindo de longe, afirmaram"se na

viuvês da < Sr.' Aninhas., até ao termo da sua velhice.

191

Page 185: O S.Nicolau dos Estudantes

Esta amizade - pendor da boa criatura pelos estudantes -, transcen­dia o vulgar. De onde se gerou em seu coração uma confiança ilimitadapelos seus • meninos '.

Vejam isto! Quando a • Sr.' Aninhas, tinha de dar as suas voltas àvida, - pois que não linha rapazinho no estanque, nem mocinha na lidedoméstica - eram os estudantes quem servia os fregueses, nomeadamentena venda do tabaco.

E tudo isto se praticava em confiança.Em troca desta coadjuvante ajuda ao negócio, alguns dos seus

• meninos ' apelavam da • Madrinha dos Estudantes, pequenos emprésti­mos, - sem onsena, sem penhor, sem conta corrente, sem rol.

Igual à olimpica generosidade da • Sr.' Aninhas, era a sua paciência.Naquela <tertúlia, da Rua de Santa Maria, pejada de estudantes até àporta, flamejava o pa!ratório, por vezes mesmo a zaragata.

Em contra-partida, para devaneio lirico, dedilhavam-se violas eguitarras, ensaindo as < aves canoras, seus trilas trovadorescoõ.

Na ronda extensa de quantos passaram pelos estudos de Guimarãese foram acarinhados pela < Sr.' Aninhas" a todos conferiu, sem discrepân­cia, • honoris causa" carta de Doutor.

Ainda meu filho andava sujeito às forcas ClIudinas dos exames, e jáela, a < Sr.' Aninhas., sempre que eu passava à sua porta, se me dirigia,sorridente, nestes termos repassados de ternura:

- E o •menino, ?.. O Sentlor Doutor? ..

Não era, não, por amavi o de adulação que a < Sr.' Aninhas. assimse interessava pela felicidade dos estudantes. No seu canhenho de memórias- ai, se ela as escrevesse! - seriam inumeras as provas de afecto internecidoque, de sua parte, sempre dispensou aos seus • meninos·. E estes, tantosdestes, chegados ao termo da viagem escolástica, não olvidando a • Madri­nha dos Estudantes., escreviam-lhe, mandavam-lhe saudades e abraços,não deixando de a visitar sempre que passavam por Guimarães.

Na ordem sentimental destas relações entre a • Sr.' Aninhas, e osmoços escolares, destacam-se algumas notas intimas, dignas de relevo.

*

Quando a Academia celebrava solenes efemérides Nicotinas, reunin­do-se em garrida festa, a • Sr.' Aninhas. era trazida ao seio dos rapazes.E no repasto, então, erguiam-se os copos em saudações e estrepitosos vivasà· < Madrinha dos Estudantes >.

Nesses momentos ditosos para os moços escolares, a < Sr.' Aninhas.,

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Page 186: O S.Nicolau dos Estudantes

toda vestida no seu traje antigo, de longa sala escura, rodada, vinha atéeles aquiesccnte, espargindo sorrisos.

Deixando o seu estanque, lenço puchado à testa, lá vinha ela, - parafazer a vontade aos seus • meninos >.

Assim, toda sécia, tomava o melhor lugar à mesa. Depois, comaprasimento da malta, não deixavam de a entronizar no grupo fotográfico.

Té que um dia, - nebuloso e merencório dia I- a 'Madrinha dosEstudantes> dava a alma ao Creador.

Sobre o seu caixão, como um sudário, ia uma capa negra de estudante.E a bandeira da Academia, deitava crepes.Para que ficasse às novas gerações académicas uma lembrança da

santa velhinha, entendeu a Academia Vimaranense solicitar à Cámara quelhe consagrasse o seu nome em uma artéria humilde da cidade - homenagemesta que uma lápide em granito, nestes dizeres singelos a rememora:

TRAVESSADA

SNRA ANINHASMADRINHA

DOSESTUDANTES

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Page 187: O S.Nicolau dos Estudantes

NOTA PRÉVIA

Esta obra sô verdadeiramernte se cpmpIeia com a publicação dos

Bandos EscoldsUcos.

Naquela época em que não se faziam em Guimarães trabalhos de

impressão, os Bandos EscoldsUcos eram manuscritos.

Em 1905 publicou a Revista de Guimarães (VaI. XXII), em artigoassinado por Joâo de Meira, uma série desses Bandos manuscritos.

Com estes elementos e aqueles que nos faculta o arquivo da Socie­dade Martins Sarmento, é possível fazer·se uma interessante colectànea dosreferidos Bandos.

Para tornar mais acessível o texto dessas publicações Nicotinas,

forna-se indispensável fazer acompanhar os Bandos de notas i1ucidativas.Igualmente convirá juntar ao nome dos seus Autores, algumas

notas biográficas.

Para que a reprodução dos Bandos caiba dentro de um 2.0 VoJ.,

forçoso é sujeitar essas produções liricls a algumas restrições .

•• •

E, vamos à tarefa, - enquanto !Já vida C saú.de!

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íNDICE

IPÁG.

PALAVRAS PRELIMINARES • 5

A Escola da Colegiada no século XIII- Ensino de Gramática Latina, Canto-chão e Teologia Moral - Seus mestres e alunos 9

Investimento dum mestre teólogo - Mestres relapsos ao ensino - Frustradastentativas de remédio 15

Uma tentativa em 1512 para a fundação de um Colégio - Escolas conventuais- O factor determinante que criou os estudos universitários da Costa 19

Universidade da Costa no século XVI - O alvará régio que a criou - Visitadum célebre Prof. estrangeiro - Uma comunicaçào que fala da importânciado ensino ali ministrado . 23

Azulejos historiados - Uma notícia cronológica gravada em granito - Monógra-fos e historiadores que se referem à Universidade da Costa 27

Tentativa frustrada para o ressurgimento da extinta Universidade da Costa 33

Onde se continua a narrativa hist6rica do ensino em Guimarães 37

I I

o culto de S. Nicolau pela juventude escolar - Memórias agiológicas do SantoPatrono 43

Um estatuto do século XVII da Irmandade de S. Nicolalt dos estudantes . 47

Representações e danças de carácter profano - Irmãos auxiliares nos desem-penhos cénicos 53

O Teatro elemento de cultura - Como se observava no ensino o seu exercfcio. 57

A aliança dos precursores da festa escolástica com os «(meninos do coro» daColegiada . ' 61

A renda paga anualmente aos careiros da Colegiada - Careiros e escolaresaliados das Nicotinas 65

da comarca - Careiros e estudantes partesJulgamento da causa no Tribunalno processo. ... • •

195

• • • • • • 69

Page 189: O S.Nicolau dos Estudantes

PAG.

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fSl

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103

107

• •

na tasQuinha

A tradição e origem das «roubalheiras» - Reforma Que se impõe

Novenas da «Conceição» na capela do subúrbio - O caldo d'unto

As «posses» e o «magusto» números tradicionais das Nicolinas

Sentença do Tritunal contra o C6birio - Regosijo dos estudante5 - Recursodo Cabido para a Relação . ....

E' fundada uma Associação Escolástica - O que nos diz o seu estatuto

Breve anãlise ao estatuto da Associação Escolástica de 1837 . .

Actuação dos Reverendos Padres nas exibições Nicolinas. . . .

Estudantes tonsurados do século XVI - Boémia dos escolares do século XVII

O pinheiro f.lOunciador das Nicolinas - Sua entrada festivo. na cidade.

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. ..,«posse» de Mes-Rememorando antigas «posses» de doces freiráticos - Mais a

tre Venâncio.. . ....

Verdadeira origem histórica do «Pregão Nicolino» .

Organização do «Bando Escolástico» à maneira antiga - l\:\inerva e Mercúrioseus principais figurantes ,

A entrega das «maçãzinhas» es Damas - Seu significado poético. .

Pnssam ao longe cortejos das maçãs - Écos e noticias Que os relatam .

Novas oferendas no cortejo das maçãs - Madrigais às Dam~s . .

O uso da máscara nas festas Nicolinas - Sua proibição em 1821 e 1822

Um «tribunal» escolástico de 1838 - Duas sentenças homologadas. . .

.l\'\ais julgamentos do «Tribunal» escolástico - Mestres e discípulos acamarada-dos . .. '" . .

Cortejos Nicolinos de há mais de 100 anos - Paradas de gosto clássico .

Repressão aos intntsos Que metessem «bico» nas Nicotinas .

O renascimento das Nicolinas em 1895 - Notável cortejo das «m,açãzinhos»

Danças - Espectáculos - E~ibições públicas. ..

Gerações Nicotinas - Pais e filhos abraçados na função

Jerónimo Sampaio - Sua ascendência e descendência «Nicolina» .

Silvas Ribeiros - Leites de Castro - Martins da Costa - Araújos Abreus - Fel-guelras . ... . '"

Onde se fala dos Amarais e Freitas - Matos Chaves - Vaz Vieiras - Casimiras.

Serenatas que passam n.9. noite - Ceias orgíacas - Comemorações aniversárias.

Bambos - Caixus - Tambores•.. e o mais que a seu propósito se conta

Um «hino» Que se ouve e se recorda gratamente . ..

Uma figura de mulher que vale para os estudantes um poema.

NOTA PRÉVIA . . . , . . . , .

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(VoI. LXI, n. o 5 - 195.5)

-GUIMARAES EM CEUTA

Na Revista «OCIDENTE», mereceu o nosso estudo anterior a seguinteapreciação:

tA. L. de Canalha narra lealmente todas as circunstâncias que envolveramo pleito. criticando com vigor quantos negaram uma verdade que durou mais de tr~s

séculos e foi, ri face dos testemunhos e documentos transcritos, um aut~ntico facto histórico•.

(Vol. LLIX-N.O 44)

•• •

Na Revista «BROTÉRIA», o erudito r,e Domingos .l\'\aurício honrou o nosso

tmbalho com a apreciaç.ão Que segue:

«Na conquista e defesa de Ceuta intervieram os Terços de Guimarães e de Bor­

celas (entre 1415 e 1419). Neste ano, durante um ataque dos mouros, o Terço de Barceloscedeu ao impeto do inimigo. O de Guimarães, sem abandonar a própria posição, acudiu ao

reboJiço destemidamente, logrando conter o inimigo e manter a posição. Sem isso talvez

o praça sucumbisse. Segundo certa tradição, D. João I, para premiar os valentes e cas­tigar os medrosos, teria passado provisão para que os vereadores de Barcelos, nove

vetes no ano, fossem, em dias de festas solenes, varrer o Açougue e a Praça Maior do

burgo vimal'anense. Sendo os vereadores tirados dn nobreza, que gozava seus privilé­

gios, é de supor que o tributo da vassoura nunca fosse desempenhado por eles. Emdata e condições ignoradas, a servidão parece ter sido transferida, primeiro, para os

momdores de Santa Eugénia do Rio Cavo i depois, para os moradores de Cunha e

Ruilhe, intervindo nesta transferência de obrigações o conde D. Afonso, bastardo de

D. João I. Em 1608, este privilégio de Guimarães foi contestado. Os tribunais ordiná­

rios e a Relação do Porto confirnHIram a legitimidade do direito vimaranense. Em 1731,

os povos de Cunha e Ruilhe representaram a D. João V que os libertasse do infamante

tributo. Em virtude da não existência de original ou cópia da provisão de D. Joilo I, omonarca Magnífico, em 1743 extinguiu a servidão. A realidade histórica, em que esta se

dizia fundamentada, sofreu últimamente contestação. Este volume reune uma soma notá­

vel de materiais para demonstrar o seu fundamento, não por despique bairrista, em que

o tema não elevaria a obra acima de um moderno Hissope, mas para honesta desafronta

de quem atribuísse a servidão a inver:cionice ou lenda dos vimarnnenses. Nestes termos,

é uma apreciável contribuição para o esclarecimento histórico de um episódio local, que

ninguém pode levar a mal, sobretudo quando a ele se procede com o comedimento e

isenção de que dá evidentes provas o Autor. - D. M.»

Page 191: O S.Nicolau dos Estudantes

OBRAS DO AUTOR:

«DE MEU FILHO ».

• CONFISSÃO AURICULAR •.

• ROTEIRO DE GUIMARÃES ».

• CASTELO DE GUIMARAES •.• POETAS VIMARANENSES» .• PENHA».

• ALJUBARROTA E SANTA MARIA DE CUIMARÃES».

«AUTO DAS FLORES" (Teatro Infantil. Músico de A. Leça).1- «OS MESTERES DE GUIMARÃES» (Ollrives, Cuteleiros e Ferreiros).

1I-«OS MESTERES DE GUIMARÃES» (O linho na lavoura-Labor doméstico

- Mercância - Etnografia).1II - «OS MESTERES DE GUIMARÃES» (Curtidores, Surradores e Sapateiros).

IV -« OS MESTERES DE GUIMARÃES» (Oleiros, Penteeiros, Armeiros, Som-o

breireiros, Correeiros, Carpinteiros. Ensambladores e Violeiros).•V -« OS MESTERES DE GUlMARAES» (Cereiros, Pintores, Entalhadores, Si-

neiros, Caldeireiros, Organeiros, Relojoeiros, Serigueiros, Pnpeleiros,

Alfaiates e Barbeiros.

VI -. OS MESTERES DE GUIMARÃES. (Mercadores e Mesteirais).VII -« OS MESTERES DE GUIMARÃES» (Moleiros, Pedreiros, Pasteleiros, fer­

radores, Ourives na Galiza, Tintureiros e TosBdores).«GUIMARÃES DE TEMPOS IDOS ».

• ANTIGAMENTE».1- • SANTA CASA».

II - «SANTA CASA •.

«GUIMARÃES EM CEUTA •.

«S. NICOLAU DOS ESTUDANTES. (L' e 2.' edição).

Page 192: O S.Nicolau dos Estudantes

ACABOU DE SE IMPRIMIR AOS 21 DE SETEMBRO DEIM' NAS ESCOLAS GRÁFICAS DAS .OFICINAS DE

S. JOSÉ, DE GUIMARÃES,.