O Social E O Político No Pensamento de Gramsci

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La teoría de Gramsci

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  • O SOCIALO SOCIALE O POLE O POLTICO NO TICO NO

    PENSAMENTO DE PENSAMENTO DE

    GRAMSCIGRAMSCI

    Ivete Simionatto

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    O SOCIAL E O POLTICO NO PENSAMENTO DE GRAMSCI

    Ivete Simionatto Professora Titular do Departamento

    de Servio Social da UFSC

    1 - A PERSPECTIVA DE TOTALIDADE

    O pensamento gramsciano tem sido abordado

    das mais variadas maneiras, seja nos meios

    acadmicos, seja nos meios polticos. Se, por um lado,

    Gramsci analisado como um pensador reformista

    (tema to em voga nos dias atuais), e, por outro, como

    elaborador de uma teoria revolucionria de ocupao

    de trincheiras no interior do aparelho do Estado,

    importante sinalizar que, na presente abordagem,

  • 3

    Gramsci ser tomado como pensador marxista cuja

    obra perpassada por uma viso crtica e histrica dos

    processos sociais. Isto porque Gramsci no toma o

    marxismo como doutrina abstrata, mas como mtodo

    de anlise concreta do real em suas diferentes

    determinaes. Debrua-se sobre a realidade enquanto

    totalidade, desvenda suas contradies e reconhece que

    ela constituda por mediaes, processos e estruturas.

    Essa realidade analisada pelo pensador a partir de

    uma multiplicidade de significados, evidenciando que o

    conjunto das relaes constitutivas do ser social

    envolve antagonismos e contradies, apreendidos a

    partir de um ponto de vista crtico que leva em conta a

    historicidade do social, sendo este, segundo Gramsci,

    o nico caminho fecundo na pesquisa cientfica. Se o

    pensamento dialtico funda-se na perspectiva da

    totalidade e da historicidade, no outra a perspectiva

    do autor em questo.

  • 4

    Demarcar o ponto de vista da totalidade na

    anlise do real significa contrapor-se razo cnica

    ou misria da razo, que afirmam-se cada vez mais

    como perspectivas particularistas e manipulatrias

    consonantes s manifestaes multifacetadas,

    caractersticas da realidade contempornea. A insero

    dos indivduos no espao social, na atualidade, vem

    ocorrendo de forma crescente atravs de aes

    multidimensionais, descontnuas e fragmentrias. A vida

    social, enquanto totalidade, , no dizer de Jameson

    (1996), mais irreconcilivel com a lgica que preside o

    mundo atual. Nesse rastro ocorre a proliferao de

    teorias do fragmentrio, da heterogeneidade, do

    aleatrio, reforando a alienao e reificao do

    presente e provocando um estilhaamento dos nossos

    modos de representao.

    A reflexo gramsciana sobre o social e o poltico

    , portanto, atravessada pelo princpio da totalidade,

    evidenciando que essas duas esferas no so tratadas

  • 5

    desvinculadas do fator econmico, ou seja, da relao

    entre infra-estrutura e superestrutura. Desde j

    importante lembrar que, embora no haja em Gramsci

    uma densa tematizao das determinaes econmicas

    do capital, ele no entende a poltica como simples

    reflexo da economia, mas como esfera mediadora entre

    a produo material e a reproduo da vida humana.

    No , assim, o predomnio das questes polticas,

    econmicas ou culturais que explica a realidade social,

    mas antes o princpio da totalidade, que leva em conta

    as especificidades e determinaes desses momentos

    parciais e seus encadeamentos recprocos.

    Embora a obra gramsciana no contemple uma

    exaustiva discusso sobre as determinaes

    econmicas, nela encontramos outros elementos, ao

    lado da esfera infra-estrutural, que nos ajudam a

    compreender a realidade presente. A centralidade dessa

    obra marcada pelo estudo dos fenmenos

    superestruturais, da esfera da poltica e da cultura e

  • 6

    suas expresses no mbito da ordem capitalista.

    Gramsci colabora, assim, para a crtica ontolgica de

    outras esferas do ser social que no a estritamente

    econmica. A reflexo do autor explora novos campos

    de pesquisa, que avanam al di l da anlise marxiana,

    mas, ao mesmo tempo, nesse processo de

    conservao/renovao, explicita claramente que os

    pressupostos tericos do marxismo devem permanecer

    como fios condutores de uma proposta de carter

    revolucionrio. A produo gramsciana apresenta-se,

    dessa forma, como uma pesquisa em movimento,

    orientada por alguns temas fundamentais que se

    desdobram em direes diversas.

    Enquanto crtica da poltica, a reflexo terica do

    pensador italiano trabalha o real a partir de categorias

    que se elevam do abstrato ao concreto, da aparncia

    essncia, do singular ao universal, e vice-versa. Sua

    reflexo categorial vai apreendendo a processualidade e

    a historicidade do social, o jogo das relaes que

  • 7

    permite desvendar a realidade e suas contradies

    constitutivas.

    Do jovem Gramsci ao Gramsci da maturidade

    encontramos fortemente impregnada em seu

    pensamento a preocupao constante com a

    construo de um novo projeto civilizatrio, de uma

    nova civilt capaz de vencer os desafios da

    modernidade e construir uma democracia de baixo

    para cima, uma democracia econmica, poltica e

    social. Em sua breve trajetria de vida, deixa, como

    legado, um pensamento crtico comprometido com a

    realidade essencialmente marcada por processos de

    excluso social, por antagonismos e diferenas sociais,

    regidos por regras tradicionais conservadoras, pelo

    institudo, pelas leis injustas, quase sempre utilizadas

    em funo da manuteno de privilgios.

    As transformaes no cenrio social, econmico

    e poltico da Itlia entre os sculos XIX e XX

    demarcam bem o campo de anlise cujo centro o

  • 8

    modelo de sociedade desigual que emerge aps a

    unificao italiana, marcada pela poltica de

    modernizao conservadora assumida pelo Estado. A

    insero do pas na era do capitalismo e sua

    participao no circuito da economia europia indicam,

    tambm, a unificao das elites econmicas, a fim de

    assimilar as novas exigncias do mercado internacional,

    o que no ocorre sem privilgios e concesses do

    Estado. Os reflexos da nova poltica econmica

    atingiram tambm o plano social e poltico. A ideologia

    do favor comandava as relaes entre o Estado e a

    classe burguesa, pois o poder daquele preocupou-se

    apenas com o desenvolvimento, mesmo doentio do

    capital industrial: protees, prmios, favores de todo o

    tipo e de toda medida (...). O poder do Estado

    defendeu de maneira selvagem o capital financeiro

    (Gramsci 1954:77).

    O projeto de sociedade resultante dessa nova

    ordem econmica ampliava as relaes de explorao e

  • 9

    subordinao das classes em presena. O capitalismo

    nascente emergia marcado, sem dvida, por um forte

    processo de excluso. As camadas de classe

    subalternizadas passam a ser excludas de qualquer

    forma de cidadania. A acumulao interna do capital

    fortalecia-se e engendrava relaes sociais capitalistas,

    dinamizando a economia sob a gide do capital

    industrial, criando um grande quadro ilusrio de

    ascenso social. Posto em marcha por vias sinuosas, o

    crescimento econmico aprofundou as contradies j

    existentes, desencadeou novos conflitos sociais, e

    marginalizou a participao popular.

    Na tessitura da obra gramsciana encontramos o

    compromisso com a interpretao dos processos

    sociais, o desvendamento das desigualdades da

    sociedade capitalista, o carter das lutas de classe,

    tanto sob a tica da burguesia quanto das massas

    trabalhadoras, marcando as possibilidades histricas de

    cada uma no processo de construo da hegemonia.

  • 10

    nesse jogo contraditrio entre as classes que Gramsci

    tematiza as relaes sociais, tomando-as enquanto

    processos totais e evidenciando os antagonismos que

    engendram.

    A construo do pensamento gramsciano ocorre

    sobretudo na militncia poltica, ao lado das massas

    camponesas do Mezzogiorno e das massas operrias

    da grande Turim, que destacavam-se como germes da

    revoluo socialista. Sua anlise da realidade

    construda, portanto, a partir de problemas reais, que

    lhe permitem a elaborao de um novo modo de

    pensar, imbricado com o movimento da histria, da

    sociedade e dos desafios que sua poca suscitou.

    Athos Lisa (1973: 77), companheiro de priso,

    relembra, em suas Memrias, que Gramsci no se

    colocava jamais problemas abstratos separados e

    isolados da vida dos homens, o que indica sua

    capacidade de estabelecer a necessria relao dialtica

    entre teoria e prtica.

  • 11

    Ao examinar as transformaes ocorridas no

    ps-Primeira Guerra Mundial na organizao social e

    econmica do capitalismo, Gramsci passa a interrogar-

    se sobre como deveriam ser entendidas tais mudanas,

    e sobre os novos problemas que elas sinalizavam,

    principalmente no tocante ao movimento operrio. no

    contexto dessas preocupaes que aprofunda suas

    reflexes a respeito das relaes Estado/sociedade e

    classes sociais, e passa a pensar em uma nova

    estratgia revolucionria para o Ocidente, a ser

    construda a partir do quadro scio-histrico do seu

    tempo. Esse perodo pe em cena a emergncia de

    novas relaes sociais, perpassadas por uma crescente

    socializao da poltica e, consequentemente, permite

    visualizar a ampliao do fenmeno estatal. Gramsci

    percebe que na sociedade capitalista madura o Estado

    se ampliou e os problemas relativos ao poder

    complexificaram-se, fazendo emergir uma nova esfera

    que a sociedade civil, tornando mais complexas as

  • 12

    formas de estruturao das classes sociais e sua relao

    com a poltica. nesse contexto que indica as

    possibilidades de construo de uma nova

    sociabilidade, de transformao das condies de vida

    das classes subalternas, passando, necessariamente,

    pela construo de uma nova hegemonia, cujo

    processo de estruturao no ocorre somente a partir

    do campo econmico. Exatamente porque Gramsci

    tem a clara compreenso de que a estrutura da

    sociedade fortemente determinada por idias e

    valores, a luta pela hegemonia tambm encerra em si um

    debate sobre a cultura.

    A compreenso da historicidade do social, no

    pensamento gramsciano, no est desvinculada da

    economia, do desvendamento das relaes de

    produo, mas o pensador italiano tambm

    compreende que a luta pela emancipao poltica do

    proletariado no se esgota no terreno econmico, pois,

    dadas as condies de subalternidade intelectual s

  • 13

    quais sempre estiveram submetidas as classes

    trabalhadoras, torna-se necessrio o encaminhamento

    de um novo projeto cultural que propicie o

    desenvolvimento de uma vivncia democrtica

    independente do domnio ideolgico da classe

    burguesa.

    A esfera da cultura, enquanto espao de

    desenvolvimento da conscincia crtica do ser social,

    que o torna capaz de intervir na realidade, tambm

    recuperada por Gramsci, e est no epicentro do projeto

    socialista. Ao resgat-la, o faz tambm como reao

    aos dogmas da sociedade burguesa e ao avano do

    poder do Estado, que, sob o manto da democracia,

    coloca de forma abstrata a questo dos direitos

    polticos, civis e sociais do cidado. O social e o

    poltico tomados, portanto, do ponto de vista da

    totalidade, congregam uma dialeticidade com outros

    conceitos como hegemonia, cultura, economia, histria,

    ideologia, senso comum, Estado, sociedade civil,

  • 14

    classes sociais, cidadania, democracia, revoluo,

    dentre outros, essenciais para pensarmos as novas

    determinaes da realidade contempornea.

  • 15

    2 - CULTURA, POLTICA E HEGEMONIA

    Discutir as determinaes sociais e polticas do

    real no plano da totalidade significa, tambm, trazer em

    cena o debate sobre a cultura, no compreendida aqui

    como esfera autnoma na organizao dos processos

    sociais, mas como lgica interna que parametra as

    manifestaes do capitalismo neste estgio globalizado.

    Nada mais concreto, para Gramsci, do que

    discutir a cultura poltica em um pas como a Itlia,

    eivado pela ideologia secular da Igreja e da mentalidade

    catlico-jesutica que criou (e ainda cria) uma postura

    de passividade, subservincia e conformismo. Nada

    mais procedente do que discutir a cultura poltica hoje,

    na medida em que o estgio do capitalismo que

    vivemos encerra em si uma lgica cultural que vem

    provocando transformaes significativas no plano da

    superestrutura. As manifestaes culturais dessa

    nova/velha ideologia reatualizam no presente tendncias

  • 16

    polticas e scio-culturais fortalecedoras de aes

    corporativas, individuais e despolitizantes.

    A discusso da cultura como esfera constitutiva

    do ser social recuperada por Gramsci em seu sentido

    coletivo e no individual, ou seja, ele no trabalha essa

    temtica do ponto de vista idealista, deslocada do

    campo marxista, mas busca reproblematiz-la na

    interface com a economia e a poltica. Vale ressaltar

    que Gramsci no um culturalista, mas preocupa-se

    com o desenvolvimento daquilo que chamamos de

    cultura poltica, necessria crtica da ordem das

    coisas. Para ele, crtica significa cultura e cultura no

    significa a simples aquisio de conhecimentos, mas

    sim tomar partido, posicionar-se frente a histria,

    buscar a liberdade. A cultura est relacionada, pois,

    com a transformao da realidade, uma vez que atravs

    da conquista de uma conscincia superior (...) cada

    qual consegue compreender seu valor histrico, sua

  • 17

    prpria funo na vida, seus prprios direitos e

    deveres (Gramsci, 1975: 24).

    Em Gramsci encontramos elementos que,

    justamente, nos possibilitam problematizar a esfera

    cultural na ordem presente, uma vez que em sua obra

    transparece uma idia de cultura forjadora da liberdade,

    capaz de propiciar a ultrapassagem da heterogeneidade

    e da imediaticidade da vida cotidiana, das lutas

    econmico-corporativas que atravessam o ser social

    para lutas mais duradouras e universais, voltadas

    construo de uma nova hegemonia.

    A passagem do momento corporativo ao

    momento tico-poltico, da estrutura superestrutura,

    essa tarefa ontolgico-dialtica de construir um novo

    bloco histrico, expressa-se em Gramsci atravs do

    conceito amplo de poltica, denominado por ele de

    catarse. Pode-se empregar o termo catarse -

    escreve ele - para indicar a passagem do momento

    meramente econmico (ou egostico-passional) para o

  • 18

    momento tico-poltico, ou seja, a elaborao superior

    da estrutura em superestrutura na conscincia dos

    homens. Isso significa, tambm, a passagem do

    objetivo ao subjetivo. A estrutura, a fora exterior que

    esmaga o homem, que o assimila a si, que o torna

    passivo, transforma-se em meio de liberdade, em

    instrumento para criar uma nova forma tico-poltica,

    em origem de novas iniciativas (Gramsci, 1977: 1244).

    A catarse significa, assim, o momento em que a esfera

    egostico-passional, a esfera dos interesses

    corporativos e particulares, eleva-se ao tico-poltico,

    ao nvel da conscincia universal. Constitui o momento

    da passagem de classe em si a classe para si, em

    que as classes conseguem elaborar um projeto para

    toda a sociedade atravs de uma ao coletiva, cujo

    objetivo criar um novo bloco histrico. A idia de

    catarse nada mais do que a sntese do projeto

    gramsciano.

  • 19

    Essa tarefa de transformao da fora econmica

    em direo tico-poltica que se expressa no momento

    catrtico mediada pela vontade coletiva e poltica,

    pela vontade como conscincia operosa da

    necessidade histrica, como protagonista de um real e

    efetivo drama histrico (Gramsci, 1977: 1559). Para

    chegar-se a esse momento, preciso vencer o

    corporativismo, a viso particularista e restrita que, sob

    a tica poltica, desconhece os valores prprios da

    hegemonia e de sua perspectiva de totalidade. Somente

    elevando-se ao plano tico-poltico as classes sociais

    conseguiro imprimir prpria ao caracteres

    socialmente universais e qualitativamente integrais. Isso

    significa, tambm, a elevao da vida cultural-poltica

    daqueles estratos sociais que, antes de obt-la, viviam

    passivamente e, portanto, no haviam superado o limiar

    da conscincia histrica. Sair da passividade, para

    Gramsci, deixar de aceitar a subordinao que a

    ordem capitalista impe a amplos estratos da

  • 20

    populao, deixar de ser massa de manobra dos

    interesses das classes dominantes. ser, acima de

    tudo, intransigente, pois a intransigncia a nica

    prova que uma determinada coletividade existe como

    organismo social vivo, que possui um fim, uma vontade

    nica, uma maturidade de pensamento. Porque a

    intransigncia requer que cada parte singular seja

    coerente com o todo, que cada momento da vida social

    seja pensado e examinado em relao coletividade

    (Gramsci, 1975: 136).

    nesse rastro que Gramsci busca evidenciar as

    possibilidades que tem o ser social de passar do reino

    da necessidade ao reino da liberdade, ou seja, a

    compreenso de que este ser resultado da

    articulao de determinismo e liberdade, de causalidade

    e dever-ser (Coutinho, 1989: 54). Mas um dever-ser

    que concreo, que se apresenta como forma de

    interpretao realista e historicista da realidade,

    histria em ao e filosofia em ao (Gramsci, 1977:

  • 21

    1578). A vida social, no pensamento gramsciano ,

    portanto, produto da ao dos homens onde

    conscincia e vontade aparecem como fatores

    decisivos na transformao do real, sem deixar de levar

    em conta, contudo, as condies histricas objetivas

    que existem independentemente da conscincia e da

    vontade humanas.

    Passar do momento econmico-corporativo ao

    tico-poltico significa, tambm, levar em conta o

    processo de correlao de foras sociais, que implica

    na passagem da estrutura para as superestruturas mais

    complexas; a fase na qual as ideologias germinadas

    anteriormente se tornam partido, colocando-se em

    confronto e entrando em luta, at que somente uma

    delas ou uma combinao de ideologias tende a

    prevalecer e a difundir-se sobre toda a rea social,

    determinando, alm da unidade econmica e poltica, a

    unidade intelectual e moral, mediante um plano no

    corporativo, mas universal, criando, assim, a

  • 22

    hegemonia de um grupo social fundamental sobre os

    grupos subordinados (Gramsci, 1977: 1583-584). A

    correta anlise das relaes de fora indica que os

    fenmenos parciais da vida poltica e social, ao serem

    remetidos totalidade, podem sugerir estratgias e

    tticas, tanto para manter a ordem vigente como para

    fortalecer a construo de uma contra-hegemonia.

    Mas, para tal, Gramsci insiste na necessidade de

    que as classes sociais abandonem o seu modo de

    pensar corporativo, produto das relaes sociais e do

    modo de ser prprio da sociedade burguesa, que

    obstaculiza a formao de um projeto coletivo. A

    construo da hegemonia exige, assim, compromissos

    de classe, superao de interesses particularistas e

    individuais, abertura de espaos para congregar as

    vrias fraes de classe. A partir da superao desse

    modo de ser e de pensar, a vontade coletiva avana e

    vai delineando uma nova conscincia, que se manifesta

    e se concretiza na prtica poltica. Constituir-se como

  • 23

    classe hegemnica significa, assim, tornar-se

    protagonista das reivindicaes de outros estratos

    sociais (...) de modo a unir em torno de si esses

    estratos, realizando com eles uma aliana (Gruppi,

    1978: 59) na luta por interesses comuns.

    A noo de hegemonia enquanto totalidade

    significa a unificao da estrutura em superestrutura, da

    atividade de produo e de cultura, do particular

    econmico e do universal poltico. No se trata de uma

    universalidade ideolgica, mas antes concreta, pois os

    interesses particulares passam a articular-se com os

    interesses universais. O grupo social universaliza-se

    porque absorve, num projeto totalizador, a vontade dos

    grupos subalternos, num trabalho incessante para

    elevar intelectualmente estratos populares cada vez mais

    amplos, isto , para dar personalidade ao amorfo

    elemento de massa, o que significa trabalhar e suscitar

    intelectualmente elites intelectuais de um tipo novo, que

    surjam diretamente das massas e permaneam em

  • 24

    contato com elas (Gramsci, 1977: 1591). Hegemonia

    , assim, por um lado, vontade coletiva, e, por outro,

    autogoverno; e esse ltimo se alcana atravs de um

    trabalho de baixo que incorpora o singular ao

    coletivo e que, nesse processo, no mantm os grupos

    subalternos no plano inferior, mas os eleva, torna-os

    mais capazes de dominar as situaes, confere-lhes

    uma maior universalidade, o que significa, para

    Gramsci, a realizao de uma reforma intelectual e

    moral.

    Quando Gramsci fala da hegemonia como

    direo intelectual e moral afirma que essa direo

    tambm se exerce no campo das idias e da cultura,

    manifestando a capacidade de conquistar o consenso e

    de formar uma base social, pois hegemonia algo que

    opera no apenas sobre a estrutura econmica e sobre

    a organizao poltica da sociedade, mas tambm sobre

    o modo de pensar, sobre as orientaes ideolgicas e

    sobre os modos de conhecer (Gruppi, 1978:5).

  • 25

    Vencer as foras sociais que se colocam no

    cenrio da histria implica, portanto, uma compreenso

    de que, nesse processo, no se pode levar em conta

    somente a situao objetiva, mas ainda os elementos

    subjetivos norteadores de uma conscincia de classe

    crtica e uma independncia em relao s outras

    classes. Cultura e poltica aparecem aqui como

    questes inseparveis, pois cultura , para Gramsci, um

    dos instrumentos da prxis poltica, sendo esta,

    justamente, a via que pode propiciar s massas uma

    conscincia criadora de histria, de instituies,

    fundadora de novos Estados.

    Mas a reforma intelectual e moral tambm

    contm os processos de socializao da economia e da

    poltica. Pode haver reforma cultural, evoluo civil

    das camadas mais baixas da sociedade sem uma

    precedente reforma econmica? - pergunta Gramsci

    (1977: 1561). Se a reforma intelectual e moral no

    est desvinculada de uma reforma econmica, parece

  • 26

    claro que Gramsci defende a idia de que o avano da

    democratizao poltica , ao mesmo tempo, condio

    e resultado de um processo de transformao tambm

    nas esferas econmica e social. O projeto poltico-

    social voltado para o fortalecimento da ordem

    econmica confere ao Estado, no entanto, um forte

    potencial de cooptao e supremacia, provocando, no

    campo ideolgico, a conseqente despolitizao das

    classes subalternas. Essa prtica, marcadamente

    conservadora, antidemocrtica e excludente, leva a

    burguesia a fazer e refazer suas alianas, a romper os

    elos que unem as classes e seus dirigentes, tornando-as

    cmplices da dominao burguesa e cerceando as

    possibilidades de formao de organizaes

    revolucionrias.

    O Estado, por outro lado, repousa sobre uma

    base cultural protegido por uma malha slida contra as

    revolues, contra as irrupes violentas, e sua ao,

    que a mesma do grupo social dominante, vasta e

  • 27

    capilarizada. Sua hegemonia conforma massas humanas

    de cidados, porque esto ligadas ao modo de vida

    burgus e a ele consentem e aderem. Nesse sentido, a

    hegemonia no significa apenas a subordinao de uma

    classe em relao outra, mas a capacidade das classes

    na construo de uma viso de mundo, ou seja, de

    efetivamente elaborar uma reforma intelectual e moral.

    A preocupao de Gramsci , pois, com a

    transformao dessa viso de mundo, com a elevao

    das condies de vida das classes subalternizadas e

    com a sua incluso no cenrio histrico, excludas que

    sempre foram dos processos his trico-sociais.

    exemplar, aqui, a anlise do Risorgimento

    italiano, que toma a hegemonia enquanto categoria

    analtica no seu movimento dialtico, indicando, a partir

    deste, o conceito de transformismo, que significa uma

    experincia privada de hegemonia, de elementos

    capazes de possibilitar o encaminhamento de

    transformaes e reformas profundas, excluindo da

  • 28

    vida democrtica amplos setores populares. Agrega-se

    ao transformismo a noo de revoluo passiva, uma

    revoluo onde os principais sujeitos histricos so

    excludos do processo e cooptados pela hegemonia de

    classes totalmente alheias aos seus interesses.

    Os processos de revoluo pelo alto ou

    revoluo passiva tambm tiveram lugar na histria

    brasileira, da Independncia ao Colgio Eleitoral,

    passando pela Repblica Velha, Revoluo de 30 e

    Golpe de 64. Nesses contextos, as decises sempre

    foram levadas a efeito de forma elitista e com a

    excluso das massas populares, atravs do consenso

    passivo, indicando a prevalncia dos mtodos de

    supremacia em detrimento das formas de hegemonia.

    Na conjuntura presente essas contradies reaparecem

    sob nova roupagem, na medida em que tambm se

    alteram as relaes de fora postas na dinmica da vida

    social. Essa tendncia pode ser relacionada diretamente

    aos processos macropolticos que marcam tanto as

  • 29

    classes capitalistas quanto as trabalhadoras, mais

    precisamente a partir da conjuntura dos anos 80,

    expressa pelas crises do Welfare State e do padro

    fordista-keynesiano e pelo colapso do socialismo real.

    Nesse processo no esto em jogo apenas os novos

    padres e as novas formas de domnio no campo

    econmico, necessrios reestruturao do capital,

    mas tambm a necessidade de socializao de novos

    valores e novas regras de comportamento, para atender

    tanto a esfera da produo como a da reproduo

    social (Motta, 1995).

    As relaes Estado/sociedade, nesse cenrio,

    elidem a formao de uma cultura que substitui a

    relao estatal pela livre regulao do mercado. Nessa

    tica, a classe burguesa busca eliminar os

    antagonismos entre projetos de classe distintos, no

    intuito de construir um consenso ativo em nome de

    uma falsa viso universal da realidade social. Procede-

    se, assim, uma verdadeira reforma intelectual e moral,

  • 30

    sob a direo da burguesia, que, em nome da crise

    geral do capital em nvel internacional, consegue

    socializar uma cultura da crise transformada em base

    material do consenso e, portanto, da hegemonia.

    Nesse sentido, o velho transformismo, expresso

    das foras coercitivas, vai sendo gradativamente

    mesclado ao consenso ativo, caminho para a

    conservao do poder e para a manuteno das

    relaes sociais vigentes. Isso porque, de um lado,

    ocorrem atitudes, tomadas pelo alto, para fortalecer

    projetos de interesse dos grupos dominantes, onde o

    Executivo completa por cima suas aes, sob o

    pretexto da existncia de certos constrangimentos

    legais que impedem a agilizao da administrao

    financeira do pas; de outro, o Estado age a partir do

    consentimento ativo das classes que formam a base de

    constituio da hegemonia, que abrem mo de seus

    projetos em nome de um projeto universal abstrato.

  • 31

    Esse discurso genrico tem um efeito imediato

    no campo prtico-operativo, na medida em que as

    aes desenvolvidas para a recuperao econmica so

    de natureza transclassista, ou seja, beneficia a todos

    sem distino. No entanto, do ponto de vista poltico,

    essa estratgia tambm cria a subalternidade das demais

    camadas de classe, obstaculizando a possibilidade das

    mesmas elaborarem uma viso de mundo de corte

    anticapitalista e articular alianas e estratgias em defesa

    de seus interesses. A abstrata idia de uma crise de

    carter universal tende a prevalecer e a difundir-se por

    toda a sociedade, determinando, alm da unidade

    econmica e poltica, a unidade intelectual e moral,

    mediante um plano (...) universal, criando, assim, a

    hegemonia de um grupo social fundamental sobre os

    grupos subordinados (Gramsci, 1977:1583-584). Tal

    situao tambm geradora de uma cultura de

    passividade e de conformismo, atingindo diretamente o

    cotidiano das classes subalternas, reforando o

  • 32

    corporativismo e as aes particularistas, em

    detrimento de projetos de natureza coletiva. Ocorre,

    dessa forma, uma desqualificao das prticas dessas

    classes, tanto do ponto de vista social e poltico quanto

    do econmico.

    Assim, a luta pela hegemonia no se trava apenas

    no plano das instncias econmica e poltica (relaes

    materiais de produo e poder estatal), mas tambm na

    esfera da cultura. A elevao cultural das massas

    assume importncia decisiva nesse processo, a fim de

    que possam libertar-se da presso ideolgica das

    velhas classes dirigentes e elevar-se condio destas

    ltimas. A batalha cultural apresenta-se como fator

    imprescindvel ao processo de construo da

    hegemonia, conquista do consenso e da direo

    poltico-ideolgica por parte das classes subalternas.

    Exercit-la consiste, tambm, na capacidade dos

    intelectuais e do partido poltico participarem da

    formao de uma nova concepo de mundo, de

  • 33

    elaborarem uma proposta transformadora de sociedade

    a partir de baixo, fazendo com que toda uma classe

    participe de um projeto radical que envolva toda a vida

    do povo e coloque cada um, brutalmente, diante da

    prpria responsabilidade inderrogvel (Gramsci, 1977:

    816). No havendo um avano nesse processo, nem

    uma compreenso dessas mediaes, que se colocam

    como fundamentais na apreenso do real, as classes em

    presena tendem a formar alianas com os setores

    tradicionais dominantes da sociedade.

    Mesmo considerando que a histria das classes

    subalternas fragmentada, desagregada, episdica,

    atravessada facilmente pelas ideologias conservadoras,

    Gramsci compreende que a partir da prxis poltica

    que se pode passar dessa fragmentao unicidade, do

    modo de pensar desagregado a uma forma de pensar

    crtica e coerente. So expresses de conformismo e

    resistncia, de determinismo e voluntarismo, de senso

    comum e de bom senso que se inscrevem na prtica

  • 34

    cotidiana e que podem ser resgatados no apenas

    como simulacro, como aes desencarnadas da

    histria, mas como possibilidades concretas na

    construo de uma nova racionalidade.

    A forma de pensar desagregada, fragmentria e

    particularista no se configura apenas no modo de ser

    das classes sociais das primeiras dcadas deste sculo.

    Tais caractersticas tambm marcam a cultura do final

    do sculo, e inscrevem-se no processo mesmo do

    movimento do capital, portador de novas contradies

    no interior das classes sociais. A imediaticidade da vida

    social, o efmero, o descontnuo, as aes individuais e

    corporativas ressurgem sob novas aparncias. Est

    claro que a luta de classes continua no cenrio, mas

    elas surgem entrelaadas pelo jogo das transformaes,

    assumindo novos e mltiplos papis, diretamente

    ligados a sua ao no contexto da vida poltica e

    cultural, ou seja, a ao das classes sociais vai

    passando por mediaes cada vez mais complexas (...),

  • 35

    as lutas deixam de ser imediatas e diretas e os conflitos

    se deslocam do campo das contradies ntidas e

    explcitas para o campo das manobras hbeis e sutis

    (Konder, 1992: 134).

    Nesse campo contraditrio, a luta de classes no

    desaparece e as alianas continuam cada vez mais

    necessrias, mesmo manifestando-se de forma mais

    problemtica, dadas as diferentes iniciativas polticas

    que ora perpassam os movimentos sociais, s vezes

    coincidentes, outras excludentes, bem como os novos

    padres de sociabilidade, que no ocorrem, como

    indica Gramsci, somente no plano econmico-objetivo,

    mas tambm no ideolgico-subjetivo. esse o patamar

    que vem cimentando a ideologia dos grupos

    dominantes, pois conseguem abranger, num projeto

    totalizador, a sua vontade como sendo a mesma dos

    grupos subalternos. A hegemonia reconstruda,

    assim, atravs da imagem abstrata de universalidade

    repassada pelo Estado, que esfacela ainda mais o ponto

  • 36

    de vista dos segmentos subalternizados,

    despolitizando-os, fragmentando as suas formas de

    expresso, no sentido de que suas lutas particulares

    no se articulem em vontades universais. O que era

    coletivo dissolve-se no singular e as massas

    permanecem no plano inferior, tornando-se incapazes

    de dominar as situaes que as oprimem, de romper

    com a licenciosidade que as tornam passivamente

    agarradas pragmaticidade e imediaticidade

    cotidianas.

    A crise do capitalismo contemporneo, crise

    orgnica no dizer de Gramsci, resulta, portanto, de

    dificuldades no somente no terreno econmico, mas

    tambm no ideolgico, esfera onde se produzem e se

    mantm as resistncias aos impulsos de unificao da

    conscincia humana. Romper essa unidade ideolgica,

    criticar a concepo de mundo imposta do exterior,

    requer a elaborao de uma nova forma de pensar,

    crtica e coerente, viabilizadora de prticas sociais no

  • 37

    no abstrato, mas no concreto: sobre a base do real e da

    experincia efetiva (Gramsci, 1977: 2268). Da situao

    de subalternidade pode-se sair quando se assume a

    conscincia do significado do prprio operar, da

    efetiva posio de classe, da efetiva natureza das

    hierarquias sociais, quando se elabora uma nova

    concepo de economia, de poltica, de Estado e de

    sociedade, capaz de provocar a desarticulao da

    ideologia dominante. Nesse sentido, a hegemonia

    tambm coloca-se num novo campo de lutas, de

    alianas, de construo/desconstruo de saberes e

    experincias, pois, antes de mais nada, toda relao de

    hegemonia necessariamente uma relao pedaggica

    (Gramsci, 1977: 1331-332), na medida em que encerra

    em si possibilidades de emancipao coletivas, no s

    para determinados indivduos, mas para toda a

    sociedade.

  • 38

    3 - ESTADO E HEGEMONIA

    O estudo sobre a complexidade das relaes

    Estado/sociedade prprias do capitalismo

    desenvolvido, preocupao constante no pensamento

    gramsciano, tambm se apresenta hoje como eixo

    fundamental para pensar as transformaes do

    capitalismo contemporneo, as novas formas de

    expresso do Estado, da sociedade civil e,

    consequentemente, os processos de construo da

    hegemonia neste cenrio histrico. , precisamente, a

    partir da crescente socializao da poltica verificada

    nas sociedades contemporneas que Gramsci elabora

    sua teoria ampliada do Estado, indicando que o

    poder estatal, nesse novo contexto, no se expressa

    apenas atravs de seus aparelhos repressivos e

    coercitivos, mas, tambm, atravs de uma nova esfera

    do ser social que a sociedade civil. O que confere

    originalidade ao seu pensamento , justamente, o novo

  • 39

    nexo que estabelece entre economia e poltica, entre

    sociedade civil e sociedade poltica, esferas

    constitutivas do conceito de Estado ampliado.

    A sociedade civil, no pensamento gramsciano,

    apresenta-se como o conjunto dos organismos

    chamados privados e que corresponde funo de

    hegemonia que o grupo dominante exerce sobre toda a

    sociedade (Gramsci, 1977: 1518). A denominao

    privados no aparece em contraposio ao que

    pblico, nem nega o carter de classe desses

    organismos e suas diferentes formas de expresso, na

    medida em que a sociedade civil no um espao

    homogneo, mas permeado por contradies.

    A rigor, a sociedade civil um conceito

    tomado indistintamente como expresso exclusiva dos

    interesses das classes subalternas. Ora, na sociedade

    civil esto organizados tanto os interesses da classe

    burguesa, que exerce sua hegemonia atravs de seus

    aparelhos privados, reprodutores de sua ideologia,

  • 40

    representados hoje quer pelos meios de comunicao

    quer pelo domnio dos aparatos do Estado e dos meios

    de produo; quanto os interesses das camadas de

    classes subalternas, que buscam organizar-se para

    propor alternativas que se contraponham s parcelas

    minoritrias detentoras do poder, afirmando a

    prioridade do pblico sobre o privado, do universal

    sobre o particular, da vontade coletiva sobre as

    vontades particulares.

    Podem-se apontar duas questes bsicas que

    marcam a diferenciao entre a esfera da sociedade civil

    e a esfera da sociedade poltica. A primeira a

    diferena na funo que exercem na organizao da

    vida social, na articulao e reproduo das relaes de

    poder (Coutinho, 1979: 77); enquanto na sociedade

    poltica o exerccio do poder ocorre sempre atravs de

    uma ditadura, ou seja, de uma dominao mediante

    coero, na sociedade civil esse exerccio do poder

    ocorre atravs da direo poltica e do consenso. A

  • 41

    partir dessa compreenso, essas esferas podem tornar-

    se terreno para o encaminhamento de uma ao

    transformadora ou de uma ao conservadora. A

    segunda diferena refere-se materialidade (social e

    institucional) prpria a cada uma. Os portadores

    materiais da sociedade poltica so os aparelhos

    repressivos do Estado, cujo controle realizado pelas

    burocracias executiva e policial-militar; j na sociedade

    civil os portadores materiais, denominados por

    Gramsci de aparelhos privados de hegemonia,

    possuem uma certa autonomia em relao sociedade

    poltica. justamente essa independncia material que

    marca o fundamento ontolgico da sociedade civil, e

    que, ao mesmo tempo, a distingue como uma esfera

    com estrutura e legalidade prprias, mediadora entre a

    estrutura econmica e o Estado-coero. A ontologia

    materialista do ser social, que funda a teoria social de

    Marx, reaparece em Gramsci, por exemplo, na

    afirmao de que no h hegemonia, ou direo

  • 42

    poltica e ideolgica, sem o conjunto das organizaes

    materiais que compem a sociedade civil enquanto

    esfera do ser social (Coutinho, 1989: 78). Em outros

    termos, a sociedade civil compreende o conjunto de

    relaes sociais que engloba o devir concreto da vida

    cotidiana, da vida em sociedade, o emaranhado das

    instituies e ideologias nas quais as relaes se

    cultivam e se organizam, no de maneira homognea,

    mas como expresso de projetos e prticas sociais

    diferenciados, cenrio de luta das classes sociais e

    espao de disputa na construo da hegemonia atravs

    de suas diferentes instituies.

    Nesse sentido, longe das interpretaes

    idealistas, a sociedade civil no existe descolada das

    condies objetivas, plano em que ocorre a produo e

    a reproduo da vida material e, consequentemente, a

    reproduo das relaes sociais. A esfera da sociedade

    civil, dessa forma, pode ser abordada a partir das

    diferenciaes de classe e de interesses que se

  • 43

    modificam pelo impacto das novas dinmicas

    econmicas, polticas e scio-culturais.

    So cada vez mais expressivas as fraes da

    sociedade civil articuladas em torno de uma oligarquia

    financeira globalizada, que buscam garantir seus

    interesses ampliando os canais e as instituies capazes

    de aglutinar seus projetos, o que lhes confere uma

    hegemonia poltico-econmica assegurada pela

    performance do atual estgio de desenvolvimento do

    capitalismo. Tais canais encontram-se ancorados,

    principalmente, na nova organizao do Estado,

    destitudo de seu carter pblico e cada vez mais

    submetido aos interesses daquelas classes. As regras

    do chamado ajuste econmico, expresso das

    polticas neoliberais, vm promovendo a morte

    pblica do Estado, desqualificando-o enquanto esfera

    de representao dos interesses das camadas de

    classes subalternizadas. Nesse sentido, o Estado vem

    atuando, com uma fria jamais vista, com

  • 44

    procedimentos voltados a um verdadeiro desmonte da

    esfera pblica, efetuando a privatizao dos mais

    elementares bens pblicos (como sade e educao),

    sob o propalado discurso da necessidade de reduzir o

    dficit pblico.

    A idia de dficit pblico freqentemente

    vinculada pelos governos relao direta com a

    produo de bens sociais de carter pblico e no

    presena dos fundos pblicos na reproduo do

    prprio capital. James OConnor (1973: 78) indica que

    a crise fiscal do Estado est diretamente relacionada

    disputa entre os fundos destinados reproduo do

    capital e os destinados ao financiamento de servios

    sociais pblicos. no interior desse discurso que se

    fortalece a dicotomia entre pblico e privado,

    caracterizando-se por pblico tudo o que ineficiente,

    aberto ao desperdcio e corrupo, e por privado a

    esfera da eficincia e da qualidade. Oculta-se, tambm,

    de forma cuidadosa, o fato de que a precria situao

  • 45

    das contas pblicas no tem origem apenas no excesso

    de investimentos em aes de natureza pblica, mas

    tambm na incapacidade dos governos em ampliar suas

    fontes via reformas no sistema tributrio, controlar as

    taxas de evaso e sonegao, que ocorrem em larga

    escala.

    No dizer de Atlio Born (1995: 78), esse

    discurso satanizador do pblico passa a fortalecer a

    idia da crise estrutural do Estado, criando-se uma

    cultura anti-Estado que cimenta a necessidade de

    privatizar bens e servios de natureza pblica,

    apropriados pelas empresas privadas como fonte de

    novos lucros. com essa lgica que se fortalecem as

    relaes Estado-sociedade-mercado e criam-se

    padres, no mbito da subjetividade e do

    consentimento, da necessidade de sacrifcio de todos

    os segmentos de classe para salvar a nao.

    Enquanto nos perodos populistas as classes

    hegemnicas faziam concesses aos setores populares,

  • 46

    nos anos 90 h uma inverso desse processo, na

    medida em que o Estado, em nome das elites

    econmicas, impe sacrifcios s classes populares, as

    quais consentem em favor da hegemonia burguesa.

    Refora-se, assim, uma cultura poltica da crise, cuja

    pretensa verdade repassada sociedade e

    incorporada, principalmente pelas camadas de classe

    subalternas (mas no s), como nica, numa

    assimilao de concepo de mundo matriz de uma

    unidade ideolgica que congrega toda a sociedade.

    Reafirma-se, assim, a hegemonia burguesa, na medida

    em que uma determinada viso de mundo converte-se

    em senso comum, tornando-se o cimento de um novo

    bloco histrico.

    Na medida em que esses pressupostos se

    universalizam, transformando-se em senso comum,

    transfere-se para as classes dominantes uma

    poderosssima ferramenta de controle poltico e

    social (Born, 1995: 95), convertendo-se o

  • 47

    capitalismo na organizao econmica final da histria.

    A classe dominante consegue, assim, legitimar a sua

    ideologia, porque, em primeiro lugar, detm a posse do

    Estado e dos principais instrumentos hegemnicos

    (organizao escolar, mdia), lugar constituinte dos

    valores sociais e garantia de sua reproduo (Vianna,

    191: 155), e, em segundo, possui o poder econmico,

    que representa uma grande fora no seio da sociedade

    civil, pois, alm de controlar a produo e a

    distribuio dos bens econmicos, organiza e distribui

    as idias. Assim, as superestruturas ganham

    materialidade, isto , a classe dominante reatualiza a sua

    estrutura ideolgica a fim de defender e manter um

    certo tipo de consenso dos aparelhos de hegemonia em

    relao aos seus projetos, legitimados por via

    democrtica. A transformao da objetividade burguesa

    em subjetividade e sua naturalizao na sociedade

    expressam-se atravs de um movimento molecular

    que, conforme indica Badaloni (1991: 109), envolve

  • 48

    indivduos e grupos, modificando-os insensivelmente,

    no curso do tempo, de modo tal que o quadro de

    conjunto se modifica sem a aparente participao dos

    atores sociais.

    Nessa fase de expanso do capitalismo, o poder

    poltico passa a ser pensado sob a tica do poder

    econmico. Estabelece-se um vnculo orgnico dos

    agentes polticos com o capital, gerando para o poder

    uma base material de sustentao. Isso significa trazer

    para dentro do Estado a lgica do capital, deslocando

    servios essenciais como sade e educao para o

    mbito do mercado. Estado e capitalismo tendem,

    assim, a fundir-se mais intimamente. Funcionrios do

    Estado e das empresas tendem a formar um corpo

    relativamente homogneo e intercambivel (Dias, 1996:

    35).

    No Brasil, a Reforma do Estado que vem

    ocorrendo farta de exemplos. Na proposta de

    Reforma em andamento, esse processo denominado

  • 49

    de contrato de gesto, que afeta diretamente a esfera

    social, quando o Estado repassa para a sociedade

    (mercado) o desenvolvimento de servios, que tero os

    subsdios pblicos reduzidos, devendo buscar no

    mercado sua subsistncia. O produto final dessa

    reforma resulta na descentralizao e flexibilizao de

    diversos servios pblicos, atravs da criao das

    chamadas organizaes sociais, o que, na prtica,

    significa a privatizao de hospitais, escolas tcnicas,

    postos de sade, universidades, transformados em

    fundaes de direito privado que recebero do governo

    subvenes praticamente simblicas. Esse processo de

    privatizao do pblico posto pelas burocracias ligadas

    aos aparelhos executivos e repressivos do Estado est

    intrinsecamente relacionado rearticulao de novas

    ideologias na esfera da sociedade civil, onde os

    projetos das elites econmicas sobrepem-se aos das

    classes subalternas. Sob o manto dessa nova ideologia,

    ganha fora, tambm, a indstria cultural destinada a

  • 50

    criar atitudes e comportamentos que valorizam os

    interesses corporativos de classe, em detrimento dos

    institutos de carter coletivo.

    As formas coletivas de organizao e

    representao vm, desse modo, sendo erodidas

    atravs de um progressivo processo de esvaziamento e

    fragmentao de suas protoformas de luta e de seus

    referenciais polticos de classe. Tanto a crise do

    Welfare State quanto o esgotamento do padro

    fordista-keynesiano, bem como a queda do socialismo

    real, conforme indicamos anteriormente, tm atingido

    diretamente os diferentes institutos representativos das

    classes trabalhadoras. Despolitiza-se o trabalhador,

    principalmente atravs do alardeamento da ideologia

    do medo, pelo fechamento de inmeros postos de

    trabalho e pela desmontagem das formas jurdicas de

    resoluo dos conflitos trabalhistas, fazendo com que

    no mais se respeitem garantias e direitos conquistados.

    Essa fragmentao vai, sorrateiramente, destruindo as

  • 51

    possibilidades de construo de uma vontade

    coletiva, de um momento tico-poltico, trilhando o

    caminho de volta para o que Gramsci denominou de

    momento econmico-corporativo. Essa nova

    hegemonia fragmenta os sujeitos coletivos, quer do

    ponto de vista material, reflexo da reestruturao

    produtiva do capital, quer do ponto de vista poltico-

    cultural, atravs de valores particulares e individuais que

    desorganizam as classes em relao a si mesmas e as

    articulam organicamente em relao ao iderio do

    capital. O pertencimento de classe cede lugar ao

    individualismo e ao desencantamento utpico.

    As estratgias de desmonte das organizaes

    coletivas so enfeixadas no discurso enganoso sobre a

    sociedade civil, remetendo-se a esta a responsabilidade

    no encaminhamento de projetos para dar conta dos

    complicadores das novas expresses da questo

    social. Mas aqui a sociedade civil tomada ao avesso

    do sentido gramsciano, na medida em que deslocada

  • 52

    da esfera estatal e atravessada pela racionalidade do

    mercado, sendo, em ltima instncia, a expresso dos

    interesses de instituies privadas que controlam o

    Estado e negam a existncia de projetos de classe

    diferenciados. Tomada em sentido transclassista,

    convocada, em nome da cidadania, a realizar parcerias

    de toda ordem, sendo exemplares os projetos de

    refilantropizao das formas de assistncia (como o

    Comunidade Solidria), em face das seqelas da

    questo social. Ocorre, assim, um progressivo

    esvaziamento da sociedade civil, cujas formas de

    protesto irrompem, muitas vezes, atravs da violncia,

    do racismo, da xenofobia e de fundamentalismos de

    diversos tipos, que anunciam a busca da felicidade, da

    liberdade e do sucesso financeiro. Esse discurso turva

    a conscincia e interfere na vida concreta das classes e,

    portanto, na criao de uma viso de homem e de

    sociedade crtica e coerente. A construo da

    hegemonia move-se nesse plano da subjetividade

  • 53

    abstrata com fortes apelos a valores como famlia,

    solidariedade, fraternidade, to caros s idias da New

    Age, para a qual no importa se as convices so

    verdadeiras ou no, desde que elas faam sentido para

    voc (Schick Jr. e Vaughn, apud Sagan, 1996: 244). A

    crtica de Gramsci s promessas fceis do liberalismo

    do sculo XVIII, que adentram os sculos XIX e XX,

    reatualizam o figurino, mas seguem privilegiando a

    hegemonia do capital financeiro, sendo a esfera

    econmica a dimenso mais alta da modernidade e o

    mercado o novo prncipe do cenrio nacional e

    internacional. Mas essa modernidade ilusria

    totalmente despida de uma dimenso tico-poltica, na

    medida em que refora o sistema de excluso, as

    injustias sociais e a deteriorao das condies de vida

    de imensos estratos populacionais.

    Se tal hegemonia ideolgica , por um lado, o

    sustentculo do novo estgio do capital globalizado,

    por outro constitui-se no espao de florescimento de

  • 54

    novas formas de expresso do coletivo. As

    instituies da sociedade civil representativas do

    protesto dos de baixo tambm tendem a crescer no

    interior da crise mesma do capitalismo. A cultura

    pblica e democrtica, gestada com o intenso processo

    de socializao da poltica, precisa ser reafirmada, de

    forma que os organismos de base no sejam

    esfumados por esse processo de fragmentao,

    desmobilizao e passividade, esvaziador da

    democracia e da cidadania. O dilema est no esforo

    para que essas lutas cotidianas no se restrinjam a

    reformas pontuais, desencarnadas de um projeto

    totalizador, acabando por perder-se no vazio. As lutas

    das minorias, do acesso a terra, moradia, sade,

    educao, emprego, hipertrofiam-se em um turbilho de

    demandas fragmentadas, facilmente despolitizadas e

    burocratizadas pelo prprio Estado, situando-se

    naquilo que Gramsci denomina de pequena poltica,

    que engloba questes parciais e cotidianas e que

  • 55

    precisa, necessariamente, vincular-se grande

    poltica para criar novas relaes. As expresses

    fragmentadas mas muitas vezes consistentes dos

    multiformes movimentos da sociedade civil, embora

    tragam como marca a luta contra a violncia do ps-

    moderno, tambm encerram em si a impotncia de

    congregar os diferentes interesses particulares em

    interesses universais. O esmaecimento dos processos

    de luta de dimenso global alvo privilegiado das elites,

    cuja intencionalidade primeira reduzi-los a questes

    meramente particulares, desligadas da totalidade social.

    A relao dialtica entre social e poltico, poltico e

    econmico, Estado e sociedade, pblico e privado,

    dependem, em grande medida, da reafirmao desses

    organismos, de sua capacidade de fazer poltica,

    enraizando prticas sociais que possibilitem estabelecer

    novas contratualidades na dinmica societria. A

    primazia do pblico sobre o privado e o fortalecimento

    de uma cultura pblica aparecem, neste momento de

  • 56

    crise, como referncias fundamentais, medida em que

    se reatualizam elementos diversos da tradio autoritria

    e excludente, que significam, antes de mais nada, o

    atraso da modernidade. A reatualizao desses valores

    foi brilhantemente expressa por Togliatti (1954: 25), ao

    escrever que, nos tempos de luta por justia e

    democracia todos os direitos so afirmados, mas o

    exerccio de qualquer direito pode ser negado, e

    negado, de fato, a quem no se encontra em

    determinadas condies materiais e sociais, e qualquer

    direito destrudo, de propsito, quando o curso dos

    acontecimentos tal que ponha em risco a segurana

    de determinado grupo dominante.

    Nesse contexto contraditrio, a parcela da

    sociedade civil representada pelos novos institutos

    democrticos, tambm surgidos com o intenso

    processo de socializao da poltica, que se expressam

    atravs dos partidos, dos sindicatos, das associaes

    profissionais, de movimentos sociais de ordem diversa,

  • 57

    de comisses de fbrica, de ONGs, de organizaes

    culturais etc, passa a desempenhar um papel

    fundamental nas relaes Estado/sociedade,

    principalmente na defesa de interesses universais,

    diminuindo os poderes coercitivos do Estado e

    definindo a prioridade do pblico sobre o privado.

    Constituindo-se enquanto mecanismos de

    representao de interesses, tais organismos tm aberto

    canais, originando uma nova trama nas relaes entre

    governantes e governados e ampliado as formas de

    acesso e participao nos processos decisrios. A

    democracia representativa vai, dessa forma, ampliando-

    se, abrindo espaos para a democracia direta, atravs

    desses novos atores polticos, que fazem emergir, a

    partir de baixo, novas formas de vivncia em

    sociedade. essa ampliao da esfera pblica que

    indica, segundo Gramsci (1977: 662), que o elemento

    Estado-coero vai exaurindo-se pouco a pouco e se

    afirmam elementos cada vez mais numerosos de

  • 58

    sociedade regulada (ou Estado tico ou sociedade

    civil). Em outros termos, as funes de domnio e

    coero vo sendo substitudas pelas de hegemonia e

    consenso e a sociedade poltica vai sendo reabsorvida

    pela sociedade civil.

    Mesmo considerando as caractersticas

    heterogneas e multifacetadas da sociedade civil, no

    sendo tomada aqui de forma generalizada, nem mesmo

    como o centro de todas as virtudes, possvel, a partir

    dela e de sua interface com o Estado, buscar o

    alargamento da participao nos processos decisrios e

    o bloqueamento das estratgias de destruio dos

    direitos sociais e dos institutos de representao

    coletiva. Destaca-se, tambm, a importncia do

    partido poltico enquanto articulador de interesses

    universais, cuja crise atual tem tornado cada vez mais

    tnues os seus vnculos com o conjunto da vida social.

    no pensamento de Gramsci que encontramos a

    importncia do partido junto sua classe na elaborao

  • 59

    de uma concepo de mundo, no esclarecimento das

    relaes antagnicas e das contradies que perpassam

    a sociedade, bem como das formas possveis para sua

    superao. Gramsci no deixa, jamais, de pensar o

    partido como instituio tico-poltica que, enquanto

    intelectual coletivo, no dizer de Togliatti, ou partido

    de massa, conforme expressa Ingrao (e mesmo

    Gramsci), possui a tarefa permanente de organizar

    politicamente a classe e ajud-la na luta pela construo

    da hegemonia.

    Na realidade contempornea desempenha papel

    fundamental no s o partido enquanto esfera de

    representao poltica, mas, igualmente, as formas de

    democracia direta (reconhecidos por Gramsci e

    tambm por Lnin) que tm se fortalecido enquanto

    espaos pblicos para alm da institucionalidade

    estatal. O fortalecimento dessas novas instncias de

    participao no significa, contudo, apenas uma

    transferncia de responsabilidade aos setores

  • 60

    mobilizados, reforando novos particularismos, mas

    um operar efetivo na formulao e implementao de

    propostas democrticas para alm dos marcos do

    capitalismo. O alargamento da democracia direta

    refora a ao do partido, atravs de uma nova

    dinmica democrtica, recuperando sua legitimidade na

    formao de alianas e na aglutinao de interesses de

    classe em torno de um projeto radicalmente voltado

    socializao do poder econmico e do poder poltico.

    o conjunto plural de foras progressistas (portadoras

    de projetos de classe e no de um pluralismo pastiche e

    folclrico) que ser capaz de fazer retornar o pndulo

    da histria para o campo da justia, da igualdade e da

    democracia, expresso da vontade coletiva, e fortalecer

    uma conscincia tico-poltica necessria criao de

    um novo bloco histrico.

  • 61

    4 - GUISA DE CONCLUSO

    Diante das tempestades poltico-sociais e das

    transformaes societrias deste final de sculo, em

    que medida possvel pensar os problemas

    contemporneos da vida social e poltica a partir do

    legado de Gramsci? Em que sentido seu pensamento

    capaz de ajudar-nos a desvelar as novas questes

    postas pela ordem presente?

    Se o tempo presente no o mesmo de Gramsci,

    nos parece que as questes cruciais do passado

    instauram-se na atualidade de forma cada vez mais

    avassaladora. As desigualdades sociais no foram

    resolvidas, antes acirraram-se e polarizaram-se em

    questes decisivas como o acesso a terra, salrio,

    emprego, habitao, condies de trabalho, sade,

    educao, cidadania, democracia, dentre outras. Mais

    do que nunca, no momento presente se pe a nu o

    descompasso entre as condies mnimas de

  • 62

    sobrevivncia das classes subalternizadas em relao s

    camadas que hoje detm grande parte da riqueza em

    termos globais.

    O autor dos Quaderni espalhou por todos os

    continentes a idia de revoluo contra a ordem das

    coisas. Desenvolveu uma reflexo radical sobre o

    capitalismo, o poder poltico, a opresso. Se Gramsci

    desenvolveu, em relao a Marx e Lnin, um processo

    de conservao/superao, por perceber que a ordem

    capitalista havia-se complexificado sensivelmente, o

    mesmo processo devemos realizar hoje, uma vez que

    novas determinaes colocam-se no desenvolvimento

    capitalista contemporneo. Gramsci captou o

    movimento histrico-social num dado tempo, e hoje ele

    modifica-se, rearticula-se em outros patamares. O que

    importa, no entanto, resgatar o seu mtodo de anlise,

    que, embora em funo de um novo real, apresenta-se

    como atualssimo e fundamental na compreenso do

    carter contraditrio da modernidade e na necessidade

  • 63

    de formulao de um projeto emancipatrio.

    Precisamos ler Gramsci no apenas situando-o no seu

    tempo, mas tambm hoje, na histria que vivenciamos,

    retomando o seu discurso criador no no vazio

    nebuloso de sonhos e desejos, mas a partir da

    concretude real e histrica. O que vivemos neste final

    de sculo no deve, a nenhum preo, furtar-nos a

    esperana no devir, mesmo que parea estarmos

    remando contra a corrente. A superao da ordem

    atual, a construo de uma nova civilt que consiga

    vencer os desafios da modernidade necessitam de

    vontade, ao e iniciativa polticas, capazes de

    impulsionar a criao de uma nova racionalidade que

    englobe a socializao da economia, da cultura e do

    poder poltico.

    Gramsci nos deixa, assim, profundas lies, no

    sentido de estarmos abertos ao novo que irrompe na

    histria. A afirmao, contida nos Quaderni, de que

    preciso voltar brutalmente a ateno para o presente tal

  • 64

    como , se se quer transform-lo, leva-nos a pensar

    que, embora o tempo presente difira muito do tempo

    de Gramsci, no se pode deixar de admitir que a obra

    gramsciana chama a ateno, na contemporaneidade,

    justamente para o presente tal como agora.

  • 65

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BADALONI, N. Gramsci: a filosofia da prxis como previso. In: HOBSBAWN, E. (Org.). Histria do marxismo, vol. X, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. BORN, A. A sociedade civil aps o dilvio neoliberal In: SADER E. (Org.).Ps-neoliberalismo: as polticas sociais e o Estado democrtico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995. CHAUI, M. Conformismo e resistncia: aspectos da cultura popular no Brasil. So Paulo, Brasiliense, 1986. COUTINHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento poltico. Rio de Janeiro, Campus, 1989. ---------------------.Democracia e socialismo. So Paulo, Cortez, 1992. ---------------------.Marxismo e poltica. So Paulo, Cortez, 1994. DIAS, E. Hegemonia: racionalidade que se faz histria. In: DIAS, E. et all. O outro Gramsci. So Paulo, Xam VM Editora, 1996.

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    GRAMSCI, A. LOrdine Nuovo: 1919-1920. Turim, Einaudi, 1954. -----------------. Scritti Giovanili. Turim, Einaudi, 1975. ------------------. Quaderni del carcere: edio crtica de Valentino Gerratana. Turin, Einaudi, 1977. 4v. GRUPPI, L. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro, Graal, 1978. JAMESON, F. Ps- modernismo: a lgica cultural do capitalismo tardio. So Paulo, tica, 1996. KONDER, L. O futuro da filosofia da prxis. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. LISA, A. Memorie: Dallergastolo di Santo Stefano alla casa penale di Turi di Bari. Milo, Feltrinelli, 1973. MELLO, A. F. de. Mundializao e poltica em Gramsci. So Paulo, Cortez, 1996. MOTTA, A. E. Cultura da crise e seguridade social. So Paulo, Cortez, 1995. NOGUEIRA, M. A. Democracia poltica, governabilidade e representao. In: VIGEVANI, T.

  • 67

    ET ALL. Liberalismo e socialismo. So Paulo, UNESP, 1995. NETTO, J. P. Transformaes societrias e servio social no Brasil - notas para uma anlise prospectiva da profisso no Brasil. In: Servio Social e Sociedade, n.50. So Paulo, Cortez, 1996. OCONNOR, J. USA: A crise do Estado capitalista. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. SCHICK JR, T. e VAUGHN, L. How to think about weird things: critical thinking for a New Age, 1995. Apud: SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demnios. So Paulo, Cia. das Letras, 1996. TELLES, V. Sociedade civil e a construo de espaos pblicos. In: DAGNINO, E. Anos 90: poltica e sociedade no Brasil. So Paulo, Brasiliense, 1994. VIANNA, L. W. De um plano Collor a outro. Rio de Janeiro, Revam, 1991. TOGLIATTI, P, Storia come pensiero e come azione. In: Rinascita, 11-12, Roma, Riuniti, 1954.

    O Social e o Poltico no Pensamento de Gramsci1 - A PERSPECTIVA DE TOTALIDADE2 - CULTURA, POLTICA E HEGEMONIA3 - ESTADO E HEGEMONIA4 - GUISA DE CONCLUSOREFERNCIAS BIBLIOGRFICAS