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O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

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SIMEÃO, Elmira; MIRANDA, Antonio. O texto viritual e os sistemas de informação (nova leitura das propostas de Ítalo Calvino). Brasília: Thesaurus Editora, 2005. 76 p. ISBN 85-7062-480-8 ÍTALO CALVINO escreveu cinco das propostas para a literatura no século 21 e as apresentou em conferência nos U.S.A. mas faleceu antes de completar o ciclo, mas foi possível extrair de seus escritos o que seria a proposta dele... Para o genial ensaísta e contista italiano, um bom texto literário deve ater-se à Leveza, à Rapidez, à Exatidão, à Visibilidada, à Multiplicidade e à Consistência. Daí extrapolamos para o ambiente da web, para os textos virtuais... e já estamos atualizando outra vez, dentro do conceito AV3 (da animaverbivocovisualidade) que vamos apresentar a partir de abril a UNB em videoconferência com a Universidad Complutense de Madrid, com a colaboração da Profa. Dra. Aurora Cuevas Cerveró.

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O TEXTO VIRTUAL NOS

SISTEMAS DE INFORMAÇÃO e as propostas de Ítalo Calvino

Elmira Simeão e Antonio Miranda

Thesaurus

2004

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ÍTALO CALVÍNO

Poema de António Miranda* Para Elmira Simeão

I Um cavaleiro sem rosto vaga por cenários e tempos fracionários; uma cidade invisível emerge das brumas do impossível: libertos da arcana maldição do indizível. São exércitos errantes, bibliotecas ilegíveis, são cidadelas herméticas, espectrais, são animais, são muralhas indevassáveis, em idades

Extraído da obra RETRATOS & POESIA REUNIDA (Brasília: Thesaurus Editora/ FAC-DF, 2004).

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indefinidas, códigos indecifráveis mas, ainda assim, inteligíveis. II Calvino faz exercícios de memória em lugares que já não são lugares — são denominações registros ecos. Desvenda sentidos, vislumbra, presume, em estado de catálogo — devaneios, provendo combinações múltiplas absurdas fantasmais — fluindo como fantasias verbais. Palavras tais como esgrouviado na superfície do papel fluído passível de toda inscrição. Nomeando o mundo, inventando palavras e mundos, escrevinhando compulsivamente, desinteressado dos comos e porquês: palavras para inscrever todas as coisas. Palavras no mundo, horizontais, dando forma ao próprio mundo para que assim o mundo exista. E confessa: difícil é contar

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na primeira pessoa, confessar-se sem deturpar os significados, sem falsear, tergiversar, viver os próprios sonhos e ilusões. III Uma felicidade inquieta, uma alegria externa aos próprios sentimentos, querendo sempre estar em outro lugar e momento, pelas vertigens do pensamento, indiferente à natureza porque confessadamente citadino. Oh! Calvino, expectador viciado dos cinemas da adolescência, das marchas e bravatas fascistas, revoltado, como Fellini, indagando e maldizendo e blasfemando contra as instituições totalitárias, desconfiando de todas as certezas abjudicando toda burocracia. Filme da infância imaginária visto a partir do meio, seguido da metade do segundo, completado pela fração do terceiro, cenas de várias sequências,

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diferentes cenários incompletos num quebra-cabeça ou colagem ou caleidoscópio fantástico! Filmes que evocam filmes, personagens migrando de enredo para enredo, cenas alternadas, entrecortadas de memórias de outros filmes já esquecidos numa mitologia antropofágica e voraz, numa galeria de personagens desprovidos de sentidos.

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Sumário Prefácio ........................................................ 11 A leitura do texto e a açâo comunicativa 17 1 - Levem..................................................... 21 2 - Rapidez.................................................... 31

3 - Exatidão.................................................. 43 4 -Visibilidade............................................ . 53 5 -Multiplicidade........................................ 61 6 - Consistência.......................................... . 69 Bibliografia consultada.............................. . 73

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Prefácio

Todo texto é virtual. Seja ele impresso ou digital. O

texto dá-se sempre por um processo de objetivação, de exteriorização, no ato de torná-lo público e acessível. Exige, portanto, uma definida e definitiva materialidade, um corpus existencial para sua individualização em forma de objeto ("objetivo"), para que se torne autônomo, em certo sentido independente de seu(s)produtor(es). Desde a sua origem, conforme as tecnologias disponíveis, o texto da mensagem materializa-se: desde as cavernas de Altamira ou do Ingá, nas inscrições mesopotâmicas, nos papiros egípcios, no papel à disposição na gráfica de Gutenberg, no celuloide das microfichas e na gravação em chips de computador há sempre um registro sobre um suporte determinado. Mesmo na web o registro tem a sua materialidade e o seu endereço embora pareça "virtual" no sentido equivocado do termo, ou seja, de seu estado ilusório de não territorialidade. O que se mostra na tela é a sua imagem descorporificada que, pelo ato de baixar e imprimir, pode assumir outras formas possíveis de materialização.

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ELMIRA SlMEÂO E ANTÓNIO MIRANDA Há quem veja na oralidade também uma forma de "publicação" a partir de uma base material (corporal) determinada embora que momentânea. Imaginemos o trabalho maiêutico de Sócrates com seus discípulos. Platão seria o responsável por buscar uma base mais sólida e duradoura para as mensagens do mestre através da escritura dos Diálogos. Na prática, há uma multiplicidade de suportes à disposição dos autores; na atualidade, é lícito admitir que cada suporte tem seus limites e possibilidades e que eles influem sobre os alcances da própria mensagem. Apesar de sua corporalidade, o texto é independente do suporte, presta-se a diferentes leituras e interpretações (hermenêutica). É virtual. A rigor, todo o processo de leitura também aponta na direção da virtualização porquanto, em seu sentido etimológico e filosófico, vem do latim virtualis - virtus, invocando o sentido de potencialidade e não de ato. Uma outra forma de realidade dentro da realidade pois o livro tradicional — coisificado nos limites de sua materialidade —estabelece um enlace para a interação com o imaginário e o virtual. O livro virtual (propriamente dito) usa recursos de hipermídia para estabelecer as inter-relações possíveis entre suas partes internas e/ou externas. Os limites entre o texto tradicional e o "virtual" (virtualizado) são mais de aparência, de suportes e arquiteturas do que de virtualidade propriamente dita, a menos que se queira entender o virtual —como equivocadamente há quem pretenda — no sentido tecnológico estrito. No ciberespaço acontecem simultaneamente a virtualidade do texto com a virtualidade do meio. Em verdade — e Calvino parece

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sugerir — a viagem de Dante com Virgílio ao Inferno, em seu sentido simbólico e imagético, exerce um impulso à fantasia, à imaginação e à virtualidade mais exacerbada sem valer-se mais do que do poder da palavra numa "arquitetura" literária inventiva e magnífica. Ou seja, a poesia também pode constituir-se numa forma de tecnologia nessa aventura de virtualizar. A virtualidade do texto reside em sua potencialização. Um texto pressupõe um código de escritura mesmo no caso da mídia e de qualquer recurso de grafísmo, seja ele icônico, gramatical e/ou acústico. Em seu estado material, antes da leitura e possessão pelo usuário (leitor ou espectador) ele é dependente de um suporte material dado à decifração ou decodificação. O registro objetivo do conhecimento (ou o que entendamos por isso) faz parte de um processo de comunicação que se consagra na recepção do conteúdo, que transcende na assimilação e interpretação e que pode ou não dar lugar a novos registros, num círculo virtuoso. Lévy, em seu já célebre texto "O que é virtual" (1997) concorda: "Desde suas origens mesopotâmicas, o texto é um objeto virtual, abstraio, independente de um suporte específico". Apoio-me muito nas análises de Lévy embora eu tenha, quanto ao tema do texto, uma viés de bibliotecário, de cientista da informação, para quem o documento em que o texto aparece tem uma corporificação quase mítica, com origem, autoria, nível, tamanho, preço, público e está sujeitos às leis do consumo e do obsoletismo... Derivado dessa visão profissional do texto, entendido como registro ou documento em seu sentido

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objetivo e institucional, ele se transforma numa "massa documental" administrável, colecionável, um instrumental no processo de transferência da informação. Em tal situação o documento entra no sistema de informação como objeto disponível e acessível pelo tratamento biblioteconômico que facilite a sua incorporação como produto e que possa convertê-lo em serviço. Aqui não é o lugar para entendermos todas as acepções teóricas e técnicas que compreendem a organização da massa documental para chegar ao público, seja fisicamente nas bibliotecas (pela disponibilidade documentária) seja pela recuperação através de meios eletrônicos e digitais (a acessibilidade documentária) que estão na lógica dos sistemas e redes de informação que assistem hoje os pesquisadores e o público em geral. A origem do presente texto está justamente no curso de "Informação, Desenvolvimento e Sociedade" que venho ministrando, há muitos anos, no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, na Universidade de Brasília. Entre os textos que às vezes recomendo aos mestrandos e doutorandos é justamente o livro de Ítalo Calvino sobre as "Seis propostas para o próximo milénio", onde o grande escritor releva as características da literatura que devem permanecer, na construção de textos, na era da pós-modernidade. É possível ver nas recomendações de Calvino uma extrapolação, verificar que não se restringem à literatura de ficção, mas também, a toda e qualquer literatura - a científica e tecnológica - e até, forçando um pouco a barra,

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como embasamento para entender massas documentárias mais amplas como sejam as bibliotecas virtuais e os acervos de bancos de dados. E até para entender questões mais amplas como os programas de qualidade total e a inteligência competitiva, como Rogério Vianna (1992) interpretou, assim como outros autores. Isso devido justamente à virtualidade do texto... A dra. Elmira Simeão foi justamente uma pesquisadora que penetrou no texto calviniano em sua tese de doutorado e compôs um capítulo específico sobre as "propostas", com o seu olhar de jornalista e de cientista da informação. A sua tese estuda o fenómeno das revistas eletrônicas (2005) na web, mais especificamente no Portal da CAPES, consolidando os conceitos de "comunicação intensiva" e de "comunicação extensiva", assim como os fenómenos intemetianos da interatividade, da hipertextualidade e da hipermidiação. Tudo isto tem a ver com o texto virtual. Nada é verdadeiramente novo embora a tecnologia de que se reveste nos informe de sua modernidade. Em verdade, como conceito é possível traçar as origens virtuais do texto em épocas tão remotas como a Suméria e a Grécia. Na leitura mais primitiva já havia a possibilidade da hipertextualização, assim como podem ser considerados seus indícios a presença de notas de rodapé e bibliografias na época gutenberguiana... Os interessados no aprofundamento da questão da comunicação extensiva e temas correlates devem recorrer à tese de Elmira Simeão (2003) - uma edição impressa em forma de livro está sendo providenciada —, enquanto aqui pretendemos ampliar apenas o capítulo

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citado sobre Calvino, ao qual me dediquei como coautor. Aquelas observações que surgiram das análises em aula e de minhas elucubrações sobre o texto tentei inserir no referido capítulo. Desenvolvemos, a quatro mãos, numa , parceria de textos que tem resultado muito profícua e prolixa,. O presente ensaio sobre o tema necessariamente expande-se ou relaciona-se com outros textos que já publicamos (com as devidas orientações de leituras - eu quase caí no neologismo da "lincagem" - perdoem-me os puristas da língua! - para sugerir os inter-relacionamentos de textos próprios da comunicação extensiva em que hoje vivemos...). Não pretendemos esgotar o tema. Apenas queremos despertar o interesse, oferecendo os elementos mínimos mas instigantes para uma aproximação da questão da virtualidade do texto e de sua inserção nos sistemas de informação. António Miranda

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Elmira Simeão e Antonio Miranda

O TEXTO VIRTUAL NOS

SISTEMAS DE INFORMAÇÃO e as propostas de Ítalo Calvino

(foto em http://www.emory.edu/EDUCATION/mfp/cal.html)

2004

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A LEITURA E A AÇÃO COMUNICATIVA

Literatura, comunicação e tecnologia na visão de

Calvino.

Desde suas origens mesopotâmicas, o texto é um objeto

virtual, abstrato, independente de um suporte específico (P.Levy).

Para compreender aspectos relevantes na relação da tecnologia com o

texto, matéria prima para qualquer formato de publicação e peça

fundamental dos profissionais ligados à Ciência da Informação,

recorre-se ao trabalho do escritor Ítalo Calvino e suas Seis propostas

para o próximo milênio, ciclo de palestras proferidas a convite da

Universidade de Harvard em 1985 e publicada no Brasil em 1990.

Calvino define quais valores literários são essenciais para a literatura e

por extensão, para a informação neste período de transição e

adaptações que muitos consideram da pós-modernidade.

A análise foi construída a partir de leituras críticas do

trabalho de Calvino destacando os pontos mais importantes para o

objetivo da presente obra: avaliar o comportamento e contextos da

informação diante da tecnologia e seu aparato técnico. Decompõe-se o

livro “Seis propostas para o próximo milênio”, numa tentativa de

buscar características genéricas que a comunicação, através da

informação em processo continuo de disseminação, deverá manter

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nesse novo século marcado pela inserção rotineira de instrumentos de

comunicação com impacto global.

O início do novo século carrega todo um conjunto de práticas

e tradições que tendem a dinamizar-se. Ao aproximar-se do fim do

milênio, o escritor Ítalo Calvino propõe-se, em 1985, a defender

valores especialmente necessários à literatura neste momento de

transição, quando a experiência histórica e os avanços da ciência

afetam a maneira de pensar do homem, alterando sensivelmente o

saber científico e suas diversas formas de manifestação. Esse esforço

resultou numa obra inacabada que marca também os últimos dias de

vida do escritor. Preocupado com o destino da literatura, Calvino se

dispõe a reordená-la através de Seis propostas para o próximo milênio

(CALVINO, 2000).1

O autor, numa demonstração de sua incontestável

competência, faz considerações sobre as qualidades essenciais do

texto literário. Através dos argumentos e idéias de Calvino, pode-se

analisar perspectivas muito mais amplas em um estudo que passa

pelos meios de comunicação da informação, via “internetização” dos

processos de disseminação e recuperação. A literatura talvez seja a

técnica mais precisa para trabalhar e entender a força da palavra,

instrumento prioritário da expressão humana, veículo de divulgação

da ciência e da arte. No instante em que um autor qualquer se propõe a

1 Todas as referências do livro foram retiradas da obra de Calvino, mantendo a

interpretação do autor sobre o trabalho de escritores, poetas, cientistas e sua

visão pessoal de personagens e contextos.

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usar esta forma de expressão, torna-se um artista-experimentador.

Através da construção de textos em seus respectivos contextos,

autores e leitores, de alguma maneira, contribuem para as

modificações que irão se processar nos conteúdos formando assim

comunidades interpretantes.

O fenômeno da internetização e, conseqüentemente, por força

do emprego das novas tecnologias da informação, da

hipertextualização, permite uma coleção de informações

multidimensionais disposta em rede para a navegação rápida e

intuitiva (Levy, O que é virtual, p.44). Levy continua “Ora, a

hipertextualização objetiva, operacionaliza e eleva a potênxcia do

coletivo essa identificação cruzada do leitor e do autor” (p.45),

levando àquela responsabilidade que ele acredita ser “ ruptura das

funções da leitura e da escrita” (p.45).

.

O fenômeno da comunicação eletrônica e seus múltiplos

recursos ainda não são totalmente conhecidos, mas é para esse

processo que mergulhamos e para o qual estamos destinados no século

XXI, quando importantes transformações científicas darão um suporte

às novas aspirações de autores cada vez mais ansiosos. Encontrar

similitudes entre a poetry desenvolvida por CALVINO com o tema

proposto neste trabalho, é acreditar no autor e suas propostas:

“minha confiança no futuro da literatura consiste em saber

que há coisas que só a literatura, com seus meios específicos,

nos pode dar" (CALVINO, 2000, p. 11).

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Admitindo um certo exercício de “futurologia” do autor, são

essas as seis características:

Leveza

Rapidez

Exatidão

Visibilidade

Multiplicidade

Consistência

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1 – Leveza

CALVINO começa sua tese argumentando a favor da Leveza,

fazendo oposição àquilo que tem peso. É através de um esforço

pessoal, com base na experiência de escritor, que se volta para várias

estratégias possíveis para aliviar o peso da literatura, um trabalho que

pode estender-se não só à literatura como também às obras de arte e

outras formas de representação do conhecimento. Quando afirma que

sente muitas vezes o mundo transformado em pedra, CALVINO

demonstra inquietação com o texto imaturo e algumas formas de

representação descuidadas, uma incômoda relação com o que lhe

parece estático e enfadonho, burocrático-normativo. Quando

compreende que a ausência de movimento traz peso e produz certa

cristalização, cria o primeiro paradoxo, pois toda forma de

representação é estática e única e toda interpretação empobrece o mito

e o sufoca.

Conseguir leveza é, portanto, “prender” idéias e significados

ao peso de uma representação, ou melhor, apreender, como uma

atitude necessária para registrar e descrever um fato, objeto ou ato,

equilibrando-se entre o imaginário (leve) e o peso da representação.

Admitir a possibilidade de peso-leveza, numa correta postura de

equilíbrio e bom senso, é procurar ser cortês e nobre. São grandes as

possibilidades da cortesia, como exemplo o autor exalta a

interatividade: é uma das formas elegantes capazes de difundir

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informações, aproximando o autor de leitor, no processo de troca, uma

entrega e um retorno. Esse rigor na representação, no atual momento

de compulsão tecnológica, aponta que as interfaces amigáveis de

comunicação tentam uma nova maneira de “cortejar” leitores, numa

estratégia de tratamento do instrumental tecnológico e do

conhecimento a ser disponibilizado. O peso de uma máquina de

processamento de informações (hard) pode ser compensado se a

leveza de uma relação homem-computador puder ter fluxo constante

de informação.

O peso da vida, segundo Kundera (apud CALVINO, 2000,

p.19) se revela nos conflitos, nas formas de opressão (pública e

privada). Na vida, tudo que escolhemos pela leveza acaba, portanto, se

tornando com o tempo um peso insustentável. Para CALVINO,

somente a vivacidade e a mobilidade da Inteligência escapam dessa

maldição. Estar vivo, pulsante, é uma exigência da leveza. Estar vivo

significa funcionar integralmente, com sentidos apurados, de acordo

com a expectativa de um sistema com o qual se está integrado, tendo

objetivos a serem alcançados.

A mobilidade da Inteligência talvez seja o aspecto mais

favorável ao crescimento da tecnologia. Segundo CALVINO, essa

inexorável necessidade de mudança não é uma fuga, traduz-se como o

ver coisas de uma forma diferente para, então, superar-se. Sistemas

que funcionam com essa lógica resgatam uma mobilidade de

“múltiplas escolhas”, onde os resultados devem deter-se na satisfação

de quem testa o sistema e de quem procura informações para a solução

de um problema imediato e específico.

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No caso da literatura ou mesmo em outros campos, o trabalho

com um texto tem infinitas possibilidades. Estilos e formas que podem

mudar a imagem do mundo e tirar-lhe o peso. Na era da informática a

densidade (hard) das máquinas se curva ao comando do software: “A

segunda revolução industrial se apresenta como bits de um fluxo de

informações que corre pelos circuitos sob a forma de impulsos

eletrônicos” (CALVINO, 2000, p. 20). Bits, portanto, invisíveis aos

olhos, são imagéticos, detentores da força da leveza, pois se traduzem

como peças de comando da representação. Infinitamente minúsculos

tornam-se poderosos e um imperativo à liberdade, tal qual o átomo

para a matéria. Essas substâncias que envolvem projetos e objetos

pulverizam, segundo CALVINO, o peso da vida, refrescando a

realidade mais dura: “O conhecimento do mundo é a dissolução de

sua compacidade: para Ovídio também existe entre todas as coisas

uma paridade essencial, contra todas as hierarquias de poder e de

valor” (p. 21).

Na apreensão de significados, a necessária busca do

equilíbrio entre peso e leveza. Representar, portanto, se traduz em

equilibrar a significação, um processo de criação e sensibilidade que

só poderá satisfazer se for produto de uma afinidade com o mundo e

sua ética. É possível a leveza de todas as coisas e há também sua

representação precisa, tal qual se espera.

Ao analisar sonetos de Cavalcanti sobre as imagens da beleza

e a visão do inferno de Dante, CALVINO comenta: “Bianca neve

scender senza venti” (alva neve que baixa sem ter vento) “Come di

neve in alde sanza vento” (Como a neve nos Alpes sem ter vento),

frases de construção semelhante, mas com total oposição tendo em

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vista seus respectivos contextos. Apesar da dicotomia, observa-se uma

leveza nas duas construções que evocam significados diferentes,

sentidos quase opostos, com profunda sensibilidade e imagens

assimiláveis. O peso de cada palavra em uma respectiva frase

transforma-se em leves representações. A construção frasal é sempre

pesada (hard), mas a imagem que cria para o leitor é leve (soft),

embora formato e conteúdo sejam independentes2.

Considerando os estilos de cada poeta, observam-se técnicas

que transformam o texto em formas leves, quase irresistíveis. Para

explicar melhor o método da leveza, CALVINO distingue o estilo de

Dante do estilo de Cavalcanti, pelo qual parece ter maior afinidade.

No primeiro a técnica é “extrair da língua todas as possibilidades

sonoras e emocionais. Capturar no verso o mundo em toda variedade

de níveis, formas e atributos” (p. 28). Ou seja, uma representação

sistemática, objetivada e coerente: “transmitir a idéia de um mundo

organizado num sistema, numa ordem, numa hierarquia, em que tudo

encontra o seu lugar” (p. 28).

Para o poeta Cavalcanti, descrito como “poeta da leveza”, a

técnica é oposta “dissolve a concreção da experiência tangível em

versos de ritmo escondido, de sílabas bem marcadas, como se o

pensamento se destacasse da obscuridade por meio de rápidas

descargas elétricas” (p. 28). São técnicas distintas que, atingindo o

mesmo objetivo, se assemelham: uma tende a fazer da linguagem um

elemento sem peso e a outra tende a comunicar peso à linguagem. As

duas sinalizam formas de representação coerentes em suas propostas e

2 Sobre a relação entre conteúdo e formato , ler MIRANDA e

SIMEÃO, 2002....

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atingem a leveza que, segundo CALVINO, é associada à precisão e à

determinação, nunca ao que é vago ou aleatório. Nos dois casos têm-

se objetivos claros, não importando a forma, caminho e percursos, e

sim a mira “é preciso ser leve como um pássaro, e não como uma

pluma” (VALÉRY apud CALVINO, 2000, p. 28).

Na técnica de Cavalcanti, CALVINO conceitua leveza

destacando três características: despojamento da linguagem, variação

de um raciocínio ou de um processo psicológico, uso de uma imagem

figurativa e emblemática. “Há invenções literárias que se impõem à

memória mais pela sugestão verbal que pelas palavras” (CALVINO,

2000, p. 30). Não é necessário, portanto, muitas peças representativas

para que uma informação se transforme em leveza, mas sim o uso de

peças precisas, consistentes, capazes de, sozinhas, leve e

organizadamente, darem um sentido à representação atingindo

objetivos, provocando o “conhecer”, mesmo que figurativo ou

metafórico.

Em Cyrano de Bergerac, CALVINO também vê leveza e

descreve a técnica do fazer literatura com “atomismo”, celebrando a

unidade de todas as coisas (animadas ou não), observando a

fragilidade dos processos que as fizeram nascer. Cyrano consegue

“subtrair-se à força da gravidade” e numa inequívoca demonstração

de criatividade impõe às palavras a capacidade de inventar sistemas e

fazê-los funcionar, num excitante exercício de criatividade. Na

literatura, por exemplo, há representações que evocam leveza, assim

como a brisa do mar ou um sorriso de criança, mas a lua é sempre a

eleita para uma investigação de tal característica. Certo da imensidão

de “dados” que obteria numa investida como essa, CALVINO dá o

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mérito a outros escritores. É prudente quando vê na natureza e não no

homem a capacidade de provocar representações precisas, pois é mais

inspiradora e motivadora. “Desde que surgiu nos versos dos poetas, a

lua teve sempre o poder de comunicar uma sensação de leveza, de

suspensão, de silencioso e calmo encantamento... coube a Leopardi o

milagre de aliviar a linguagem de todo o seu peso até fazê-la

semelhante à luz da lua” (p. 37).

CALVINO vê na literatura uma contínua busca pela leveza

através do conhecimento, assim como na ciência, busca-se formas

precisas de representação (p. 39). A necessidade de leveza revela-se

como uma forma de superação, uma busca que modifique a realidade,

ainda que lentamente. Vôos a outros mundos são situações comuns à

literatura de todas as épocas, como na figura das bruxas que surgiram

no momento em que as mulheres viviam um período de privações e

limitações. A imagem acaba superando o peso de uma situação real,

usando artimanhas da própria realidade, para tentar mudá-la. Na

chegada do século XXI os escritores encontram na leveza um caminho

seguro, coerente, de possibilidades justas: “iremos ao encontro do

próximo milênio sem esperar encontrar nele nada além daquilo que

seremos capazes de levar-lhe” (p. 41), uma responsabilidade limitada

à própria condição humana.

Nós temos a experiência sensível do peso das coisas, mas o

contrário parece não ser verdade: a experiência sensível da leveza,

como experiência de certo despojamento em relação ao mundo, como

ação cotidiana ou como alegoria de valor emblemático, isso não

parece nos mover ou entusiasmar”. (Castro, p. 171).

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Quando montamos uma biblioteca convencional ou virtual,

isto é, quando montamos um acervo, com um estoque considarável de

conteúdos, essa aludidade sensação de peso, ou de leveza se impõe a

nossa consciência. O acervo leve é sempre aquele voltado para o

essencial, para a satisfação das necessidades legítimas, segundo um

plano determinado, impondo-se desbastamentos e descates

constanytes para ajustar a oferta às demandas contingentes.

O acúmulo de dados obsoletos, informações impertinentes, e

de conhecimentos irrevelantes, para os objetivos do sistema, por mais

que potencialmente mantenham sua validade per se como registros,

recorrentes em outras circunstâncias, torna o sistema entulhado,

consequentemente pesado para sua operacionalidade, ocupando

espaço, tomando tempo, Torna-se esteticamente injustificável porque

o excesso é inconveniente até para a compreensão do sistema pois o

usuário reage sempre ao estímulo de maneira (pragmática) necessária

e justa.

Continuando no mesmo raciocínio, uma base de dados é tanto

mais leve quando consegue manter-se nos limites de sua especialidade

programada.

O Dr ..............chamava a isso de crescimento zero, isto é, a

faculdade de desenvolver-se em qualidade, sem crescer em

quantidade, incorporando novos elementos segundo as necessidades

emergentes, e excluindo todo o peso morto de itens para descarte. Não

se trata, no entanto, de ver o mercado passado como um guia cego no

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futuro, ao contrário, mas de exercitar a capacidade de prever e

fomentar desmandos no curso da ação planejada e monitorada.

2. – Rapidez

O início desta conferência é uma investigação sobre o tempo,

primeira idéia que surge quando se fala em rapidez. Agilidade no

desempenho de tarefas, a prisão dos prazos e horários pré-

determinados, atitudes de preferência controláveis. Para CALVINO, o

relógio, instrumento medidor do pulso do tempo universal, assemelha-

se à morte. Nesta perspectiva, a necessidade de mensurar é quase uma

sentença, uma premeditada condenação ao desaparecimento. Faz-se

necessário, portanto, reavaliar esses conceitos para que “rapidez”

assuma um outro significado.

Sob o estigma da “era da velocidade”, os veículos de

comunicação tendem a encontrar, tecnicamente, formas mais ágeis de

expressarem conteúdos, com informações mais concisas e orientadas

para públicos específicos. Essa é a técnica da aceleração, motivada

com o advento da internetização. A inserção de informações no

“media” digital provoca uma maneira de comunicar diferenciada,

mais global e dificilmente monitorada.

Rapidez, na visão de CALVINO, é uma sucessão de

acontecimentos que escapam à norma (p. 46), uma das técnicas da

literatura que constrói encadeamentos para dar a uma narrativa ritmo

contínuo, dinâmico, mas observável. Estabelecer continuidade entre

palavras ou signos assegura à narrativa o dom da “eternidade”, ou

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seja, da plenitude, o que lhe liberta do relógio e da morte. Tanto

palavras quanto imagens, pessoas ou objetos podem, com a devida

posição, ser portadores dessa habilidade. O autor, ao comentar a

história de Carlos Magno, descreve: “objeto mágico é um signo

reconhecível que torna explícita a correlação entre personagens ou

entre acontecimentos” (p. 46). Em muitos casos a continuidade pode

estar em um objeto, em um símbolo, em pessoas, basta que se torne

parte de uma descrição.

A continuidade é uma correlação de idéias, interesses que

implicitamente (e em detalhes) podem desencadear um novo

conteúdo. Há sensação nos detalhes porque estes se revelam velhos

conhecidos. Têm os poderes dos portadores da nova informação e

quando misturados a outros personagens dão vida à cena. “Não quero

de forma alguma dizer com isso que rapidez seja um valor em si: o

tempo narrativo pode também ser retardador ou cíclico, ou imóvel”

(p. 49).

A versatilidade no tempo da narrativa provém de um tipo de

técnica que trata o processo de comunicação como algo contínuo,

atrelado a idéias e significados construídos a cada momento. Essa

comunicação pode ser “retardada” ou “ágil” em um tempo que pode

ser dilatado ou contraído. A sucessão de fatos, atos ou palavras devem

“se responder uns aos outros” (p. 49), no entanto, devem estar

contritos, concisos para evitar a poluição trazida por outros códigos

que não se harmonizam com a narrativa expressa. Na ciência, por

exemplo, há o cuidado em conservar coerência à técnica e um senso

comum à narrativa e a experimentações. Ao relatar o conto do rei,

com poucas linhas, CALVINO descreve uma história completa e

Page 32: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

concisa onde tudo que foi dito tem uma função necessária. A

economia de expressão é que garante rapidez à narrativa, que só é

conhecida por aqueles que realmente a compreendem e sentem seu

ritmo, decifram o essencial.

Os defeitos de um narrador inepto, enumerados por

Boccacio, são principalmente ofensas ao ritmo; mas são

também os defeitos de estilo, por não se exprimirem

apropriadamente, segundo os personagens e a ação, ou seja,

considerando bem, até mesmo a propriedade estilística exige

rapidez de adaptação, uma agilidade na expressão e no

pensamento. (p. 53).

Estamos soterrados no mundo da velocidade, que orienta as

pessoas para a pressa contínua nas ações e nas ágeis máquinas de

pensar, capazes de acrescentar às tarefas mais comuns uma velocidade

inalcançável pela habilidade humana, mas muito mais apropriada às

exigências do tempo. Tal qual o viajante de De Quincey ficamos “à

mercê da inexorável precisão da máquina”, sujeitos a um “bug” que

poderá chegar ou não. “O tema que aqui nos interessa não é a

velocidade física, mas a relação entre velocidade física e velocidade

mental” (p. 54). Tal qual a velocidade física, a mental também dá uma

sensação de liberdade, uma vivacidade que não conhece fronteiras e

limites. Como será então possível avaliar um desempenho

satisfatório?

A rapidez e a concisão do estilo agradam porque apresentam

à alma uma turba de idéias simultâneas e a fazem ondular

numa tal abundância de pensamento, imagens ou sensações

espirituais, que ela ou não consegue abraçá-las todas de uma

Page 33: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

vez nem inteiramente a cada uma, ou não tem tempo de

permanecer ociosa e desprovida de sensações. (p. 55).

A arte de construir com rapidez ou provocar rapidez é fruto

de um conhecimento, de uma competência incontestável, da mente

que reúne informações relevantes (institucionalizadas ou não) para

estimular um uso apropriado, promovendo o crescimento do saber. É

um discurso que se impõe para ser absorvido, degustado, discurso

como raciocínio (Galileu), que sugere deduções e eleva o indivíduo.

Nas qualidades descritas por Galileu para uma ordem discursiva,

CALVINO destaca “o estilo como método de pensamento e como

gosto literário – a rapidez, a agilidade do raciocínio, a economia de

argumentos” (p. 56).

A combinatória do alfabeto, segundo Lucrécio, funciona

como a estrutura atômica para a matéria. Vislumbrando o poder da

comunicação, Galileu também entendia o alfabeto como instrumento

de comunicação entre as pessoas distantes no tempo e no espaço, tal

qual atualmente visualizamos na Internet. Na rede virtual se

concretizam as visões de Galileu e Lucrécio, sendo necessário também

estar “alfabetizado”, conhecer combinações de fonemas, a construção

de frases e seu significado dentro de um contexto virtual.

Numa época em que outros media triunfam, dotados de uma

velocidade espantosa e de um raio de ação extremamente

extenso, arriscando reduzir toda comunicação a uma crosta

uniforme e homogênea, a função da literatura é a

Page 34: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

comunicação entre o que é diverso pelo fato de ser diverso.

(p. 57).

A exaltação a literatura, diferenciando-a de outras formas de

comunicação, não considera a possibilidade de que todos os meios

alcancem um status literário. O cientista escritor precisa fazer a

relação entre o conhecimento a ser comunicado e as proprieades da

literatuta, ampliando as possibilidades da transferência de informação.

“Dir-se-ia que a literatura consegue passar por onde a perícia encontra

um obstáculo. Como se, afogado na densidade do sentido, o não-saber

soubesse aquilo que, transbordante de informação, o saber não saberá

jamais” (Michel Serres, op. Cit. p.9) E arremata: “ as vezes só se

compreende sob a condição de diluir sua ciência na narrativa leal das

circunstâncias”.

No fenômeno da internetização, onde há convergência de

vários aparatos, configurando uma nova forma de expressar, é

possível que a velocidade mental seja investigada e trabalhada com

mais recursos. Não que possa ser medida como objeto de disputa,

comparável (p. 58), mas há de se vislumbrar uma forma de

compreendê-la melhor: “um raciocínio rápido não é necessariamente

superior a um raciocínio ponderado, ao contrário; mas comunica

algo de especial que está precisamente nessa ligeireza” (p. 58). A

Internet, portanto, esforça-se por manter esse contato ágil, multimídia,

sua lógica binária interage em multimeios tentando evitar o fim da

interação homem-máquina. Entre a divagação do emaranhado de

informações à absorção de um conhecimento, procura-se a fixação de

uma idéia. Mesmo com técnicas diferentes tanto a literatura quanto o

processo de ïnternetização podem levar o indivíduo a construir

Page 35: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

amarras simbólicas, estimulando sua criatividade, alargando a visão

em relação a determinado assunto.

O segredo talvez esteja na máxima latina festina lente –

apressa-te lentamente, ou , numa acepção mais popular:”vamos

devagar que eu estou com pressa”, preceito que, de forma mais

sofisticada, constitui-se um dos intentos da qualidade total.. Devemos

estar seguros tecnicamente de um projeto de comunicação para, só

então, lançá-lo no tempo e no espaço onde estarão outras idéias,

provocando uma ligação eficiente entre dois pontos, ligando-os em

linhas retas ou longas curvas de significados, mas estabelecendo elos

consensuais. CALVINO se define como um escritor que sempre

procura o curto caminho entre os “dois pontos”, mas não desconsidera

o divagar como recurso para uma dinâmica de apreensão de

significados.

Os produtores de informação técnica têm como objetivo

clássico percorrer o trajeto mental reunindo um maior número

possível de pontos interligados no tempo e no espaço como se fosse a

única dinâmica mental. Mas a percepção de idéias é global (cultural) e

descrita, tal qual gestalt. É absorvida dentro de um contexto, tem um

tempo próprio para cada indivíduo e há de se equilibrar entre os

objetivos do produtor de informação e os do público que o conhece.

Tal como o escritor que vasculha frases justas, “encontro de conceitos

que sejam os mais eficazes e densos de significado” (p. 61), trabalha

na busca de uma expressão correta, única e densa, mensurável. Nos

manuais de redação dos grandes jornais e editoras, nas orientações

expressas em normas para editoração, manuais de aplicação, há busca

de um consenso para a expressão, uma densidade para o conteúdo a

Page 36: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

ser trabalhado: “é verdade que a extensão ou brevidade de um texto

são critérios exteriores, mas falo de uma densidade especial que

embora possa ser alcançada também nas composições de maior

fôlego, tem sua medida circunscrita a uma página apenas” (p. 62).

Os modelos e as padronizações, na verdade, funcionam como

conhecimento consensual. É uma construção individual com fins

coletivos, tal qual o saber científico, comunicado para ser universal.

Por isso é preciso ser conciso, breve e consistente. Na era da Internet,

repleta de lixo informativo e inutilidades atraentes, só terá

consistência o conteúdo gerado de outros conteúdos já conhecidos e

sedimentado sob padrões. É pertinente considerar “sedimentado”

como aquele conhecimento que cita e é citado, que “redobra e

multiplica uma biblioteca imaginária ou real“ (p. 63), que libera o

pensamento para um vôo, sem congestionamentos. CALVINO

descreve as narrativas cristalinas, sintéticas e esquematizadas, próprias

do saber científico, como as mais rápidas. Sua maneira de narrar

conduz a uma linguagem tão precisa quanto concreta, cuja inventiva

se manifesta na variedade de ritmos, dos movimentos sintáticos, em

adjetivos sempre inesperados e surpreendentes (p. 63).

Mas a concisão é apenas um dos aspectos da rapidez, mais

fervorosamente destacado pelo autor, que pode ser trabalhado em

textos e imagens como expressões representativas de uma composição

inteira, de uma história, ou de uma cultura. Mesmo que o processo de

construção narrativa, característico da Internet, represente um risco

para a literatura, se faz necessário seu aprendizado. Como bem

assinalou o filósofo Michel Serres (p.20) “ o escrever mobiliza e

recruta um conjunto tão refinado de músculos e terminações nervosas

Page 37: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

que, em comparação, qualquer ofício manual fino, como a óptica e a

relojoaria, é grosseira. Ensinar esta capacidade a uma população

torna-a, em primeiro lugar, numa coletividade de pessoas destras” ou

seja, a interiorização de uma habilidade adquirida e desenvolvida tanto

pelo aprendizado formal e ou pela prática, como a que possibilita a

leitura tradicional e a própria internet. Os sentidos do homem

precisam de uma base para conexões rápidas de conteúdos.

No fim da conferência sobre a rapidez, um tributo especial à

“Hermes-Mercúrio”, o Deus da comunicação e das mediações:

Mercúrio, de pés alados, leve e aéreo, hábil e ágil, flexível e

desenvolto, estabelece as relações entre os deuses e entre os

deuses e os homens, entre as leis universais e os casos

particulares, entre as forças da natureza e as formas de

cultura, entre todos os objetos do mundo e todos os seus

pensantes. (p. 64).

Essa homenagem ao deus grego é uma ode e ecoa as ligações

existentes entre micro e macro espaços, em relações que se

estabelecem entre o local e o global, nas hipóteses buscadas em

pesquisas, instáveis e oscilantes, troca que ora coloca o produto

informação como algo isolado e melancólico, ora o descreve como um

ser mercurial. O papel de Hermes é o do intermediário, através de cuja

conduta “se espera que transmita mensagens como um vidro

transparente, portanto nulo, mas que transforma toda a paisagem

cultural a cada informação” (Serres, op. Cit. 36). Calvino também

percebe que toda intermediação impõe um viés, um posicionamento

Page 38: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

que só pode ser relativizado pela objetividade do método de análise e

do próprio discurso.

Figura 1 – Hermes-Mercúrio, deus da

comunicação e da mediação.

Personifica a mudança, a transição, a

passagem de um estado para outro.

É um equilíbrio entre o temperamento do artista e o sujeito

universal guiado pela técnica e habilidade comercial. É o impasse

entre o vigor da imaginação e o rigor da representação. Para o

indivíduo mercurial não basta a sintonia com o mundo para construir o

saber científico, focaliza-se os esforços para um aspecto único,

entendido e praticado com competência, “uma mensagem de

imediatismo obtida à força de pacientes e minuciosos ajustamentos”

(p. 66) onde “o tempo flui sem outro intento, que o de deixar as idéias

e sentimentos se sedimentarem, amadurecerem, libertarem-se de toda

impaciência e de toda contingência efêmera” (p. 66).

Page 39: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

3 – Exatidão

Ensaio sobre o uso da palavra e sua precisão

O conceito de exatidão é descrito por CALVINO em três

características: um projeto de obra bem definido e calculado, a

evocação de imagens visuais nítidas, incisivas e memoráveis e a

linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua

capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação. Na

verdade, essa conferência é um tratado de defesa da literatura, uma

homenagem ao poder da palavra, às suas possibilidades criadoras.

Mostra a preocupação do escritor com a necessidade de uma precisão

no uso e aproveitamento de cada termo.

Não é à toa que CALVINO encerra a conferência com um

texto de Leonardo Da Vinci, o poeta da pintura. Descreve com

sutileza e exatidão a imensa figura de um monstro marinho. Feita a

descrição, resta fixar na memória a imagem do monstro que cada qual

é capaz de criar da própria experiência, evocando as mesmas

sensações de Da Vinci, mas que determinam diferentes pinturas, em

suas formas abstratas, desconhecidas e livres de modelos. É a

literatura o instrumento que responde às exigências do homem-criador

de palavras e imagens: “terra prometida em que a linguagem se torna

àquilo que, na verdade, deveria ser” (p. 72).

Repudiando formas inadequadas do uso da linguagem, o

escritor é crítico contumaz das próprias idéias, paranóico e

perfeccionista como aqueles que se apegam aos detalhes para

Page 40: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

entenderem de maneira mais consistente as generalizações. A

incorreção no uso da palavra é também fruto do excesso de

informações que povoa nosso mundo. No lixo da Internet, alguns

conteúdos jamais serão conhecidos a não ser pelos próprios autores. O

lento processo de seletividade, normalmente iniciado com catálogos e

páginas de busca, é a única forma de defesa à epidemia, caracterizada

pela “perda da força cognoscitiva e de imediaticidade” (p. 72).

O excesso de termos ou imagens poluindo o essencial tende a

“nivelar a expressão em formas genéricas, anônimas, a diluir

significados, a embotar os pontos expressivos” (p. 72). Essa poluição

atinge textos e a cultura visual. Na opinião do escritor a invasão é

efeito dos meios de comunicação de massa que criam um jogo de

espelhos, manipulando o saber, construindo-o de forma arbitrária. Em

oposição a CALVINO, supõe-se que a palavra ideal também poderá

vir dos media, pois também respondem a uma necessidade interna do

indivíduo, comunicando uma “força capaz de impor-se à atenção,

como riqueza de significados possíveis” (p. 73).

“Mas também a inconsistência não está somente na

linguagem e nas imagens, está no próprio mundo” (p. 73). Se a vida,

em si, é um exercício de imprecisas representações, a exatidão se

prenderá à incoerência ou à completeza de um conceito e sua lógica

temporal. CALVINO cita Giacomo Leopardi e explica que exatidão

poderá ser também algo de indeterminado, visto que, para ele a

linguagem será tanto mais poética quanto mais vaga e imprecisa for. O

autor lembra que “vago”, em italiano, significa também gracioso e

atraente (p. 73). Uma idéia de movimento e mutabilidade que é

associada, em italiano, tanto ao incerto e ao indefinido quanto à graça

Page 41: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

e ao agradável. Seria prudente que no instante de fazer a escolha

exata, tivéssemos a possibilidade de várias alternativas, “um

verdadeiro elenco de situações propícias a suscitar no espírito a

sensação do indefinido” (p. 74), do “multifacetado”. Como método

para construção da exatidão, uma dica paradoxal: ”para se alcançar a

imprecisão desejada, é necessário a atenção extremamente precisa e

meticulosa que ele (Leopardi) aplica na composição de cada imagem,

na definição minuciosa dos detalhes, na escolha dos objetos, da

iluminação, da atmosfera” (p. 75).

O poeta do vago, explica CALVINO, é também o poeta da

precisão, que sabe colher a sensação mais sutil com olhos, ouvidos e

mãos prontas e seguras. É necessário, nesse método, dar o dito pelo

não dito, um prazer que somente será conhecido por aqueles que

dispõem de competência literária, um conhecimento sedimentado.

Não se trata de exaltar o mundo das sensações, das especulações

(metafísico) ou limitar-se ao rigor de uma fórmula matemática.

Se o elemento observado for a própria exatidão, se o

isolarmos e o deixarmos desenvolver, se o considerarmos

como um hábito do pensamento e uma atividade da vida, e

permitirmos que sua força exemplar aja sobre tudo o que

entra em contato com ele, chegaremos então a um homem no

qual se opera uma aliança paradoxal de precisão e

indeterminação. Ele possuirá esse sangue frio deliberado,

incorruptível, que é o próprio sentimento da exatidão; mas

afora tal qualidade, todo o resto será indeterminado.

(MUSIL apud CALVINO, 2000, p. 79).

Page 42: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

Musil recorda a existência de “problemas matemáticos que

não admitem uma solução geral, mas antes soluções particulares que,

combinadas, se aproximam da solução geral” e “tal método poderia

ser aplicado à vida humana” (p. 79). Exatidão como única

possibilidade de transformação de uma idéia em conhecimento. Ao

propor a exatidão, CALVINO imagina, inicialmente, voltar-se para as

próprias limitações do termo, à sua determinação: ”queria lhes falar

de minha predileção pelas formas geométricas, pelas simetrias, pelas

séries, pela análise combinatória, pelas proporções numéricas,

explicar meus escritos em função de minha fidelidade a uma idéia de

limite, de medida” (p. 82).

Ao aprofundar-se na literatura, no entanto, confronta-se com

o oposto que é complemento do tema em questão, pois a idéia de

limite impõe o contrário, ou seja, aquilo que não tem fim. É quase

como uma obsessão, que chama para si o oposto do que é “o que me

interessa é uma outra coisa diferente, ou seja, não uma coisa

determinada, mas tudo o que fica excluído daquilo que deveria

escrever: a relação entre esse argumento determinado e todas as suas

variantes e alternativas possíveis” (p. 83). Arriscando ao vazio dos

excessos, ou à imensidão de um nada temos um conflito que

atormenta o autor, a mesma oposição entre ordem e desordem

“fundamental na ciência contemporânea” (p. 84). E em CALVINO, a

lembrança de entropia solidifica o conceito de exatidão, voltando a

própria origem do universo.

Em um prefácio de Massino Piattelli Polmarini, o cristal é

símbolo da beleza das limitações geométricas, modelo de perfeição,

Page 43: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

emblemático, “imagem de invariância de uma forma global exterior,

apesar da incessante agitação interna” (apud CALVINO, 2000, p.

85). É essa a grande questão da atualidade: procurar ordem no caos,

sobreviver ao clima de crise constante, superando as dificuldades,

como oportunidades imperdíveis:

Cristal e chama, duas formas de beleza perfeita, da qual o

olhar não consegue desprender-se, duas maneiras de crescer

no tempo, de desprender a matéria circunstante, dois

símbolos morais, dois absolutos, duas categorias para

classificar fatos, idéias, estilos e sentimentos. (p. 85).

A experiência humana com a ciência permite que o avanço

paulatino das diversas áreas seja um movimento que obedece à

evolução de métodos empíricos e métodos lógicos, passo a passo,

como que um completando o outro. Essa disputa é também uma forma

de crescimento porque é integradora. O modelo que melhor define

essa construção é uma enorme teia de idéias, como se cristalizam as

possibilidades de comunicação através da Internet. Na obra Lê cittá

invisibili, CALVINO já trabalha a noção da hipertextualidade

estudando a tensão entre a racionalidade geométrica e o emaranhado

indefinido da existência humana (p. 85). Confessa naquela obra, a

tentativa de explicar tal fragmentação:

Construir uma estrutura facetada em que cada texto curto

está próximo dos outros numa sucessão que não implica uma

consequencialidade ou uma hierarquia, mas uma rede dentro

Page 44: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

da qual se podem traçar múltiplos percursos e extrair

conclusões multíplices e ramificadas. (p. 86).

Essa ramificação de possibilidades é que determina a

exatidão de um conceito, uma idéia, um projeto, pois o que vale, na

verdade, é o esforço pela escolha de uma alternativa, uma combinação

de idéias, uma construção.

Percebi claramente que minha busca de exatidão se

bifurcava em duas direções. De um lado, a redução dos

acontecimentos contingentes a esquemas abstratos que

permitissem o cálculo e a demonstração de teoremas: do

outro, o esforço das palavras para dar conta, com a maior

precisão possível, do aspecto sensível das coisas. (p. 88).

São duas pulsões distintas no sentido da exatidão que jamais

alcançam a satisfação absoluta; em primeiro lugar, porque

as línguas naturais dizem sempre algo mais em relação às

linguagens formalizadas, comportam sempre uma quantidade

de rumos que perturbam a essencialidade da informação; em

segundo, porque ao se dar conta da densidade e da

continuidade do mundo que nos rodeia, a linguagem se

revela lacunosa, fragmentária, diz sempre algo menos com

respeito à totalidade do experimentável. (p. 88).

“Um exercício sobre a estrutura versus exercício da

descrição, gratificações e frustrações no uso da palavra e do

silêncio” (p. 88-89) uma reconstrução da “fisicidade do mundo por

Page 45: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

meio da impalpável poeira das palavras”, palavra como “substância

do mundo” (p. 90). Há, no entanto, pessoas para quem o uso da

palavra é uma incessante perseguição das coisas, uma aproximação,

não de sua substância, mas de sua infinita variedade. Ser exato,

portanto, na literatura, é compreendê-la como um instrumento que

associa o visível à coisa invisível. Na ciência, que tenta compreender

os fenômenos da natureza e do homem, é preciso acurácia no uso da

palavra e em suas formas de manifestação documentada, pois, o “justo

emprego da linguagem é aquele que permite o aproximar-se das

coisas (presentes e ausentes) com discrição, atenção e cautela,

respeitando o que as coisas (presentes e ausentes) comunicam sem

palavras” (p. 91).

4 – Visibilidade

Na frase “Chove dentro da alta fantasia” (p. 97), alta

fantasia é a própria imaginação, aquela que, conforme Dante, é capaz

de se impor às nossas faculdades e à nossa vontade “extasiando-nos

num mundo interior e nos arrebatando ao mundo externo” (p. 98).

Um fenômeno que transpõe o limite do possível, nos separando de

uma realidade objetiva. Visibilidade como evocação do próprio

espírito, traduzindo-o em visões que se projetam de forma fantástica.

“Podemos distinguir dois tipos de processos imaginativos: o

que parte da palavra para chegar à imagem visiva e o que parte da

imagem visiva para chegar à expressão verbal” (p. 99). Esses

processos, continuamente alimentados, são sempre resultados de um

esforço pessoal. No primeiro caso, experimentamos a construção de

Page 46: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

imagens quando durante a “leitura” processamos a informação e

dependendo da eficácia do texto, somos capazes de ver a cena ou

imaginá-la, ou seja, a imagem foi antes um texto que se projetou

processado pela imaginação, em etapas, como se uma “tela interior”

(p. 99) fosse capaz de reproduzir um filme à cada leitura.

A composição visiva tem significativa importância, pois, a

partir dela, se pode de forma concreta aos olhos da imaginação,

projetar algo que pareça ainda vago para o entendimento. Nesse

processo, nada impede de aproveitar o momento, participar da própria

cena, vivenciá-la e envolver-se completamente. CALVINO destaca

que a igreja é a instituição que sempre se serviu dessa capacidade

para, através de textos direcionados ao estímulo da figuração, fazer

com que a imaginação dos cristãos metaforize-se sobre seus

ensinamentos, de forma impositiva “tratava-se, no entanto, de partir

sempre de uma dada imagem, proposta pela própria igreja, e não da

imaginada pelo fiel” (p. 101). Essa passagem da palavra para a

“imaginação visiva”, pode também ser uma construção própria, o mais

importante é que através dela se pode enxergar (compreender melhor),

trata-se de uma “via de acesso ao conhecimento de significados

profundos” (p. 102).

Mas o homem também forma um imaginário pessoal que

reflete uma época, são “chuvas de imagens”, que se traduzem em

formas representativas originais, revelando competência no saber. O

momento mais importante realmente é o da escolha das imagens que

irão refletir, de maneira fiel às representações do mundo. No

Renascimento, relata CALVINO, imaginação é a “comunicação com

Page 47: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

a alma do mundo” (p. 103), uma idéia que encontra eco no

romantismo e no surrealismo.

Tal idéia contrasta com a da imaginação como instrumento

de saber, segundo a qual a imaginação embora seguindo

outros caminhos, que não os do conhecimento científico,

pode coexistir com esse ultimo, e até coadjuvá-lo, chegando

mesmo a representar para o cientista um momento

necessário na formulação de suas hipóteses. (p. 103).

A imaginação como estratégia para o conhecimento científico

é o suporte que libera a criatividade, ajudando o pesquisador. Não é

possível, nessa analogia, distinguir totalmente onde começa a

visibilidade representativa da “ciência” que não seja a do próprio

homem, de sua capacidade de formular conceitos a partir de imagens

que podem visualizar com segurança e que são sua fonte de

imaginação, “são as próprias imagens que desenvolvem suas

potencialidades implícitas” (p. 104). É o pesquisador que tratará de

organizar imagens em conceitos, dando sentido prático, pois na

ciência “é a palavra escrita que conta” (p. 105). São os documentos

que garantem continuidade às idéias.

O processo que transforma imagens em texto ou vice-versa,

quase sempre colocando, no caso da literatura a imagem à mercê das

palavras, é uma forma de organizar idéias e representá-las, dando a

elas um sentido, um significado que possa ser compartilhado por

outras pessoas, uma solução comunicativa. Na literatura é a escrita

que domina o campo visual, “não restando à imaginação visual senão

Page 48: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

seguir atrás” (p. 105). Sob esse ponto de vista é possível então extrair

da literatura científica, imagens representativas de suas formas

conceituais, como também é possível representá-las em qualquer meio

de comunicação.

Quando o ponto de partida é o discurso científico

caracterizado por um saber sistematizado, construído

comunitariamente sob rígidos preceitos, a representação é um terreno

arenoso para leigos e, muitas vezes, acidentado para os próprios pares.

O texto, em algum momento, mostrar-se-á representativo (visível para

o leitor) podendo a partir de uma simples expressão, instigar o

desenrolar de outras idéias que poderão ser transformadas em novas

pesquisas. As novas idéias devem surgir “tanto no espírito do texto de

partida (o original) quanto numa direção completamente autônoma”

(p. 105). No instante em que esses documentos assumem novas

características adentrando de forma multimídia os sentidos do homem

no contexto internetizado, por exemplo, podem unificar texto e

imagem estimulando a representatividade, numa lógica própria que

mais tarde será modificada pelo raciocínio de quem procurar entendê-

la. “As soluções visuais continuam a ser determinantes, e vez por

outra chegam inesperadamente a decidir situações que nem as

conjecturas do pensamento, nem os recursos da imagem conseguiriam

resolver” (p. 106). As novas técnicas multifacetadas estimulam o

saber, a percepção.

Em Starobinski, CALVINO apresenta duas opções de

visibilidade: a imaginação como instrumento do saber ou como

identificadora da alma do mundo. Qual a mais lógica? Deixar-se levar

pelo racional, pelo conhecimento extra-individual e extra-objetivo (p.

Page 49: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

106) ou elevar-se contemplativamente à alma do mundo? Na

concepção de Giordano Bruno a imaginação é “repertório do

potencial, do hipotético, de tudo quanto não é” (p. 106). Não seria

esse o grande estímulo à própria ciência e suas formas de

representação, já que a partir do hipotético, investe-se tempo e saber

na procura de novas potencialidades, a partir da alma do mundo,

criam-se hipóteses concretas. “A mente do poeta, bem como o espírito

do cientista em certos momentos decisivos, funcionam segundo um

processo de associações de imagens que é o sistema mais rápido de

coordenar e escolher entre as formas infinitas do possível e do

impossível” (p. 107).

CALVINO ao mesmo tempo em que se entusiasma com a

possibilidade da combinação do discurso com a composição visual,

alerta para o risco de uma contaminação na cultura pelos meios de

comunicação de massa. Ponto de vista polêmico, já que a tecnologia é

influenciada pela própria cultura e história. O autor garante que a

capacidade de pôr em foco visões de olhos fechados (a imaginação),

ou seja, de pensar por imagens autênticas, está desaparecendo. A visão

interior estaria sufocada por um mosaico criado pelos veículos de

comunicação, com os quais aprende-se a conviver. Para o autor nada

se extrai de original desse conjunto de imagens, o imaginário do

homem está subordinado ao imaginário da tecnologia.

Argumento polêmico e radical, já que o autor se diz

influenciado pelos quadrinhos de “Comiere dei Piccoli”, figuras

marcantes de sua infância. Bastavam as figurinhas para que pudesse

criar imagens fantásticas, formular histórias diferentes, com variações

que podiam mesclar quadrinhos e personagens de enredos diferentes.

Page 50: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

Afirma ainda que “versos simplórios de rimas emparelhadas não

forneciam informações tão inspiradoras” (p. 101), o que mostra sua

predileção pela cultura da imagem. As figurinhas foram para

CALVINO “uma escola de fabulação, de estilização, de composição

da imagem” (p. 109). No mosaico tecnológico pode-se formar uma

cognição visual, prendendo os modelos e imagens mais reveladores e

abortando tantas outras por não servirem aos interesses daquele

momento. CALVINO explica o método de formação da imagem

literária.

Diversos elementos concorrem para formar a parte visual da

imaginação literária: a observação direta do mundo real, a

transfiguração fantasmática e onírica, o mundo figurativo

transmitido pela cultura, em seus vários níveis, e um

processo de abstração, condensação e interiorização da

experiência sensível, de importância decisiva tanto na

visualização quanto na verbalização do pensamento. (p.

110).

Será que a literatura conseguirá sobreviver à invasão de

imagens do século XXI? Duas são as possibilidades para fugir dessa

fatalidade. A primeira é “reciclar as imagens usadas, inserindo-as

num contexto novo que lhes mude o significado” e a segunda é

“apagar tudo e começar do zero” (p. 111). A primeira parece mais

coerente, pois as imagens criadas e reproduzidas pelos mídia também

servem de referencial. O importante nos dois aspectos é o destaque à

simplicidade e à coerência, balançando entre o visionário e o realista,

procurando consistência e emoção nas duas possibilidades, revelando

uma capacidade de admirar o belo e reconhecê-lo: “percebi que o

Page 51: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

conto pode ser também interpretado como uma parábola sobre a

literatura, sobre a diversidade inconciliável entre expressão

lingüística e experiência sensível, sobre a inapreensibilidade da

imaginação visiva” (p. 112).

Divagando entre a instabilidade de Balzac (no uso da

literatura fantástica) e o surrealismo de Freenhover, admite que a

ambigüidade do conto é a sua verdade mais profunda. Três mundos

coexistem pontuando estas ambigüidades: o da fantasia (potencial

criativo), o mundo da experiência de vida humana, e as formas

representativas desses dois mundos revelam o terceiro, povoado de

representações concretas, palavras no papel, tinta na pena “a

correlação entre os três mundos é indefinível” (p. 113) criando a

figura paradoxal de um conjunto infinito dentro de outro conjunto

infinito. No trabalho de representar, o escritor realiza operações que

envolvem o infinito de sua imaginação ou o infinito da contingência

experimentável, ou de ambos, com o infinito das possibilidades

lingüísticas da escrita (p. 113). Nossa capacidade de criar não estaria,

portanto, limitada a experiência individual entre o nascimento e a

morte, superaria esse limite para o espaço fantástico da imaginação,

onde há figuras que não conhecemos e não sabemos compreender.

5 – Multiplicidade

Muitas vezes, imagina-se que multiplicidade diz respeito a

variações, idéias que se repetem, mesmo que temporariamente

Page 52: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

apagadas. Elas ressurgem, brotam, como que aguardando um motivo

para mostrarem-se. Antes fosse...

Para justificar sua quinta proposta, CALVINO retoma, entre

vários romancistas enciclopédicos, um trecho do romance do chileno

Carlo Emílio Gadda “reformar em nós o sentido da categoria causa,

qual havíamos apreendido em Aristóteles e Emmanuel Kant, e

substituir causa por causas” (p. 119). Gadda é um escritor que, como

Calvino, vê o mundo como um 5sistema de sistemas”, buscando

representar o mundo como um rolo, uma embrulhada. Para Gadda o

mundo vale pela sua complexidade, pela heterogeneidade das coisas

mais simples que se revelam uma junção de eventos, um conjunto de

detalhes, nem sempre percebidos.

O romance, nessa perspectiva, é uma “enciclopédia”, um

“método de conhecimento e uma rede de conexões entre fatos,

pessoas, entre as coisas do mundo” (p.121) e é dessa maneira que se

deve compreender o mundo, como uma conexão de coisas, fatos ou

pessoas, determinantes acabam por afetar a realidade criando então

novas conexões. “Gadda se entrega todo a cada página que escreve,

dando vazão às suas angústias e obsessões” (p. 122). Como a técnica

se transforma em uma neurose, o escritor muitas vezes deixa livros

inacabados, obras incompletas ou fragmentárias e isso não lhe tira o

mérito, pois é possível encontrar em suas obras uma composição

acabada.

Semelhante a multiplicidade da literatura, existem inúmeras

afinidades com as formas de comunicação utilizadas nas redes

virtuais. É um fenômeno interativo, mas que tem como principal

característica a multiplicidade das conexões trabalhadas pelo próprio

Page 53: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

usuário. Ao observar alternativas, ele faz escolhas e constrói

conhecimento. São infinitas as possibilidades e, por isso, é que se faz

um mapa personalizado na ação comunicativa.

Esse conhecimento das coisas enquanto relações infinitas,

passadas e futuras, reais ou possíveis, que para elas

convergem, exige que tudo seja exatamente denominado,

descrito e localizado no tempo e no espaço. Isso ocorre

mediante a exploração do potencial semântico das palavras,

de toda variedade de formas verbais e sintáticas, com suas

conotações e coloridos e efeitos o mais das vezes cômicos

que seu relacionamento comporta. (p. 123).

A riqueza da língua é multiplicada por inúmeros sentidos,

idéias criadas, retocadas como algo com o qual temos o domínio

absoluto em construir alterando também as perspectivas. Antes

mesmo que a ciência tivesse reconhecido oficialmente o princípio de

que o observador intervém para modificar, de alguma forma o

fenômeno observado, Gadda sabia que “conhecer é inserir algo no

real, é, portanto, deformar o real” (GADDA apud CALVINO,

p.123). Toda forma de representação é, portanto, uma construção e

(des)construção do real. Envolver-se nesse processo é submeter-se

também à alterações. Essas mudanças geram tensão que ora apontam

para a exatidão racional, ora divagam na natureza humana, como se as

soluções não tivessem um ponto de equilíbrio, dirigindo-se a um

extremo e percebendo-se frustradas correm rapidamente a outro onde

também serão imprecisas. Nas múltiplas passagens de um extremo a

Page 54: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

outro saberão encontrar um ponto intermediário que seja também total

e conciliador.

O conhecimento, para Musil, é a consciência do conflito entre

duas polaridades contrapostas: uma que denomina de exatidão, lógica

matemática, espírito puro, ou mesmo a mentalidade militar e outra que

chama de alma, irracionalidade, humanidade e caos (apud.

CALVINO, 2000, p. 125). Sob essa perspectiva, CALVINO contrapõe

o estilo de dois escritores para concluir que a multiplicidade refere-se

ao que é infinito, o que torna toda idéia uma forma inacabada que

oscila entre quem se envolve na rede de relações ou aqueles que “dão

impressão de sempre compreender tudo na multiplicidade dos códigos

e dos níveis sem nunca se deixar envolver” (p. 125). A tecnologia

também é resultado da multiplicidade das escolhas, comunicando o

mais rápido possível o maior número de idéias, uma antiga ambição

de representar a multiplicidade das relações em ato e potencialidade

(p.127).

No momento em que a ciência desconfia das explicações

gerais e das soluções que não sejam setoriais e

especialísticas, o grande desafio para a literatura é o de

saber tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos

códigos numa visão pluralística e multifacetada do mundo.

(p. 127).

A própria ciência especializada não se contenta mais em

responder de forma restrita suas hipóteses, o que faz com que as

disciplinas adquiram novos contornos mesclando-se umas às outras.

Page 55: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

Cada ponto de vista objetivado, concretizado, levanta uma certeza e

cria contradições. Mas, para os céticos, a ciência é “metódica,

prudente, humana, tem horror aos dogmáticos, aos metafísicos, aos

filósofos” (p. 130) Não se trata de optar entre dois extremos, pois

conhecimento é multiplicidade e se desenrola na medida em que o

homem o fustiga.

Os grandes romances do séc. XX, aponta o escritor,

caracterizam-se como obras enciclopédicas, só que “abertas”, adjetivo

que certamente contradiz o substantivo enciclopédia,

etimologicamente nascido da pretensão de exaurir o conhecimento do

mundo, num círculo. A atualidade não se contenta com um círculo

fechado de idéias, não é mais um livro fechado, concluso: “hoje em

dia não é mais pensável uma totalidade que não seja potencial,

conjetural, multíplice” (p. 131). Há de se considerar a importância de

obras integradoras, estáveis, unitárias, como representativas de sua

própria identidade. Agora, no entanto, o que conta não é a harmonia,

mas a força que se desprende da obra, “a pluralidade das linguagens

como garantia de uma verdade que não seja parcial” (p.131). Mas

não é sob esse ponto de vista que o multiplicar de idéias é visualizado.

Para CALVINO, existem várias maneiras de alcançar multiplicidade

na literatura:

há o texto unitário que se desenvolve como o discurso de

uma única vez, mas que se revela interpretável em vários

níveis;

há o texto multíplice, que substitui a unicidade de um eu

pensante pela multiplicidade de sujeitos, um modelo

polifônico;

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há a obra que, no anseio de conter todo o possível, não

consegue dar a si mesma uma forma, nem desenhar seus

contornos (permanecendo inconclusa);

há a obra que corresponde em literatura ao que em filosofia é

o pensamento não sistêmico, que procede por aforismos (p.

132).

Entre os valores que gostaria fossem transferidos para o

próximo milênio está principalmente este: o de uma

literatura que tome para si o gosto da ordem intelectual e da

exatidão, a inteligência da poesia juntamente com a da

ciência e da filosofia. (p. 133).

Exatidão de imaginação e de linguagem, construindo obras

que correspondem à rigorosa geometria do cristal. (p. 133).

A densidade de concentração se reproduz em cada parte

separada. Direi, no entanto, que hoje a regra da escrita

breve é confirmada até pelos romances longos, que

apresentam uma estrutura acumulativa, modular,

combinatória. (p.134).

A multiplicidade tem a lógica do hipertexto porque vagueia

entre conceitos para dar sentido ao anseio do “hiper-leitor”, e é sob

formas simples de representação, pequenos módulos informativos, que

vai se formando um novo conteúdo. Cada escrita breve exige uma

resposta, uma decisão determinante e única. O projeto em construção

Page 57: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

terá sentido único e mesmo inacabado dará vazão a uma necessidade

de informação. Há, por conta disso; uma sistematização de interesses

específicos, quase personalizados. Não há construção em um jogo

difuso de idéias, pois mesmo na poesia encontramos regras e uma

lógica própria “mas o milagre é que essa poética que se poderia dizer

artificiosa e mecânica dá como resultado uma liberdade e uma

riqueza inventiva inesgotáveis” (p. 136). A necessidade de um método

para cristalizar as idéias é formadora de multiplicidade, já que cada

um poderá construir seu próprio método de avaliar o que tiver

disponível; o conhecimento construído será “possuído”, uma forma de

dominação por competência.

Para CALVINO, a pior praga existente na escrita de hoje é a

generalidade. Apesar de viajar em muitas informações, muitas vezes

de natureza genérica, ainda que ligadas a temas específicos, o

indivíduo não poderá, por mais que queira, fugir do peso da própria

construção, pois a liberdade “narrativa” estimula o “engenheiro do

conhecimento” a adquirir novos materiais. A inspiração que brota na

liberdade das “múltiplas escolhas” no hipertexto não pode ser cega,

movida por impulsos, porque assim tornará o usuário um escravo do

“não-dizer”. “O clássico que escreve sua tragédia observando certo

número de regras que conhece é mais livre que o poeta que escreve o

que lhe passa pela cabeça e é escravo de outras regras que ignora”

(QUENEAU apud CALVINO, 2000, p.137).

Quem nos dera fosse possível uma obra concebida fora do

“self”, uma obra que nos permitisse sair da perspectiva

limitada do eu individual, não só para entrar em outros e

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seus semelhantes ao nosso, mas para fazer falar o que não

tem palavra, o pássaro que pousa no beiral, a árvore na

primavera e a árvore no outono, a pedra, o cimento, o

plástico... (p. 138).

Multiplicidade é uma apologia à poesia da grande rede que

não afasta do autor a obra construída de mosaicos, ao contrário, revela

na diversidade da obra, um inventário pessoal e universal. Todo

homem é uma biblioteca, uma amostragem de estilos, ode tudo pode

ser remexido e reordenado (p.138).

6 – Consistência

Calvino não completou o trabalho sobre consistência, talvez

porque esta característica sintetize a aplicação de todas as outras e seja

a orientadora das ações e procedimentos. Certamente autores mais

críticos contestariam a ultima empreitada do autor (gravura em:

http://www.cce.ufsc.br/~neitzel/literatura/calvino.html.

Page 59: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

Compreende-se consistência com uma arquitetura que

considera todas as características citadas anteriormente, utilizando os

recursos que poderão concretizá-las. De forma aplicada, representa a

tecnologia de comunicação em rede e os formatos que viabilizam uma

ação comunicativa diferente. No quadro 1 os indicadores compilados

da própria obra de Calvino.

Caracterização das seis propostas de CALVINO

Leveza Rapidez Exatidão Visibilidade Multiplicidade

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C

O

N

S

I

S

T

E

N

C

I

A

Representação

dinâmica

Possibilidade de

múltiplas escolhas

Interação personalizada

Emblematismo

Continuidade estética e

histórica

Continuidade

conceitual

Concisão e clareza

Densidade na primeira

página

Uso de Padrões

Projeto acabado e

coerente

Facilidade de

localização

Uso de Hipertexto*

e Hiperlinks*

(múltiplas

escolhas)

*Obs: associando o

visível ao invisível

Imagens e texto

complementares

Hipertexto conceitual e

de autoria

Hipermídia conceitual e

de autoria

Ligações internas e

externas (construção e

desconstrução de

sentido)

Estrutura modulada e

combinatória

Conhecimento reunido

de forma multidisciplinar

A produção da informação em uma sociedade global e virtual

gera novas práticas de leitura e interação. Para Calvino as inovações

causam conflitos no processo moderno de expansão da informação,

uma “crise na linguagem convencional” mas não na comunicação de

idéias, que devem ser ampliadas em um modelo comunicativo

extensivo e conciliador. Segundo CALVINO, os autores e produtores

de informação, historicamente isolados poderão, se quiserem,

compartilhar sua produção desde o momento criador, fundador e mais

particular, quando são senhores absolutos de suas idéias. Para isso, no

entanto, terão que abrir mão da propriedade intelectual e da autoria,

concebidos como bens privados. Com essa perspectiva, o

Page 61: O TEXTO VIRTUAL E OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

entrelaçamento de obras é inevitável e constrangedor principalmente

no âmbito da comunicação científica, onde as vaidades superam a

notoriedade dos trabalhos. Nesse aspecto alguns conceitos são

limitadores como o de colégio invisível defendido por Crane.

A idéia de CALVINO é abrangente, densa e

extraordinariamente funcional. Sob a perspectiva da Ciência da

Informação, é possível reconstruí-la examinando as modificações

provocadas pela comunicação eletrônica no contexto das publicações

científicas, com a reestruturação dos formatos dos documentos e das

práticas de leitura.

É sobre os produtores e editores das publicações, independentes de

seus objetivos, que recai a responsabilidade de conservar a qualidade

nos veículos de comunicação. As diretrizes podem estar na literatura

que assume um caráter aglutinador das características fundamentais do

texto e suas diversas formas de expressão, considerando a tecnologia e

os arranjos que possam ocorrer. Os “valores literários” apontados por

CALVINO estão situados numa perspectiva de mudança, onde apenas

incertezas orientam vários campos do saber, entre eles, a Ciência da

Informação, área de mediação entre os documentos e seus vários

receptores.

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Bibliografia consultada

BUSH, Vannevar. As we may think: the growth of knowledge. Readings on Organization and Retrieval of Information. Atlantic Monthly, 176, n.1, julho, 1945, p. 101-108. Disponível em: http://www.theatlantic.com/unbound/flashbks/computer/bushf.htm. Acesso em: dez. 2002. CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

FULLER, Steve. Postmodernism. In: Discourse Synthesis:

studies in historical and contemporary social

epistemology/ edited by Rymon G. McInnis. Westpoint

(USA): Praeger Publi, 2001. p 286-298.

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