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OLHARES FEMININOS E O PROTAGONISMO DA MULHER EM AS BRUMAS DE AVALON (1982)
Ana Carolina Lamosa Paes (PPH/UEM) Vanda Fortuna Serafim (UEM)
Resumo
Este trabalho objetiva apresentar alguns olhares resultantes da pesquisa de mestrado intitulada "As representações do cristianismo e paganismo em As brumas de Avalon (1982)". A fonte deste trabalho, “As brumas de Avalon”, foi escrita por Marion Zimmer Bradley e publicada em 1982, nos Estados Unidos. Trata-se da releitura do mito arturiano, na qual a autora nos apresenta uma reatualização da narrativa mitológica distinta daquela já conhecida e narra, pelo olhar e pelas vivências das mulheres, os acontecimentos que marcam a história contida na obra. Temos como objetivo demonstrar que as representações contidas no corpus se relacionam com o contexto de produção da mesma, visto que este caracteriza-se pelas significativas mudanças sociais e culturais. Portanto, nos utilizamos das contribuições Thomas Bonnici (2007) sobre o movimento feminista e suas "ondas" e também as considerações de Antônio Ferreira (2009) a respeito dos cuidados metodológicos empregados no uso de fontes literárias, para o historiador. Palavras-chave: As brumas de Avalon; Feminismo e Religião; História das Religiões; História e Literatura. Introdução
No presente trabalho, temos como objetivo apresentar as principais ideias que
surgem em meio ao desenvolvimento da dissertação. Neste momento nos
debruçamos na discussão a respeito do contexto de produção, buscando perceber
por meio dos cuidados metodológicos, como nossa fonte possibilita um olhar a
respeito das crenças e percepções de mundo, a respeito da década de 1970 e 1980,
nos EUA.
A obra “As brumas de Avalon” que foi escrita pela autora Marion Zimmer
Bradley e publicada, em volume único, no ano de 1982, nos Estados Unidos. Quase
imediatamente à sua publicação, a obra atingiu a marca de Best-seller do The New
York Times com cerca de 300 mil cópias vendidas. (SEKLES, 1987).
A obra nos apresenta uma releitura do mito arturiano, afastando-se dos
campos de batalhas e seus cavaleiros, nos permitindo um olhar mais concentrado
nas relações entre as personagens femininas, suas funções políticas e o lado mais
místico da trama. A história é narrada por Morgana, que representa a presença da
magia de Avalon e a crença na Grande Deusa, quando esta se propõe registrar a
existência de Avalon diante do iminente desaparecimento nas brumas. Bem como
Gwenhwyfar, que representa o lado cristianizado, adotando uma postura
conservadora quanto aos costumes e práticas, mas que infere questionamentos a
respeito de sua posição na corte, advinda da sua condição de mulher, esposa e
cristã.
Como notamos na construção narrativa e na caracterização das personagens,
o contexto histórico de produção da obra (a década de 70 e 80) se faz presente, tal
como destaca Antônio Ferreira (2009) ao tratar sobre como as fontes literárias
possibilitam observar o seu contexto de produção em meio ao enredo, então isso é
percebido na trama visto que os olhares e estudos se voltam às mulheres, de modo
que as personagens femininas aparecem de forma ativa e participativa nos
acontecimentos. Exercem, à sua maneira, influência sobre as questões políticas e
admirativas da corte, por vezes até nas questões militares
Desenvolvimento
Marion Eleanor Zimmer Bradley, autora do romance, nasceu no ano de 1930,
em Albany, Nova Iorque. Sua infância se dá logo após a grande depressão
econômica de 1929, o que a faz crescer num lar bastante humilde. Ao completar 16
anos, Marion ganha como presente de aniversário sua primeira máquina de escrever
e, a partir daí, exercita o ato e o hábito da escrita. (PINHEIRO, 2011). Por muito
tempo Bradley escreve literaturas de “fácil tiragem”, mas com As brumas de Avalon,
apresenta uma nova face.
Diante disso, Marion Zimmer Bradley se mostra um importante sujeito para se
pensar a história, visto que, ao produzir uma obra literária, a autora representa
(CHARTIER, 2002) em meio a sua narrativa, a sua compreensão a respeito de
grupos e práticas, específicos. Bradley fala enquanto um sujeito de seu tempo e de
seu espaço.
Pinheiro (2011) aponta que, na década de 1970, no momento em que Bradley
apresenta mudanças em sua escrita, a autora está acompanhando uma tendência
literária da época, passando a atribuir mais importância a personagens femininas,
colocando-as em evidência na narrativa ao apresenta-las como protagonistas.
Assim, a autora apresenta obras que se passam em sociedades matriarcais. Bradley
responde aos movimentos de seu lugar social (CERTEAU, 1982) de modo que torna
possível visualizarmos em sua narrativa e na caracterização de personagens.
A segunda onda feminista, nos Estados Unidos, pode compreender seu início
na década de 1960, muito atrelado ao que Hobsbawn (1995) chama de Revolução
Cultural, iniciada nesse mesmo período e levando a diversos questionamentos a
respeito das práticas tradicionais e por vezes conservadoras. Esse momento do
movimento feminista reivindica direitos sociais e denuncia os sintomas do
patriarcalismo na sociedade estadunidense. Segundo apresenta Thomas Bonnici,
organizador do Dicionário Critico Feminista, no ano de 1977, Elaine Showalter
publica a obra A literature of their own, propondo o debate feminista no âmbito da
literatura e questionando a noção de cânone literário.
A literatura produzida por mulheres, tal como a fonte que analisamos em
nosso trabalho, é resultante desse espaço criado pela segunda onda feminista. Há
um questionamento a respeito da ausência de textos de autoria feminina e uma
preocupação nesse sentido, levando ao surgimento da crítica literária feminista, que
sustenta a ideia de que a ausência destes textos está relacionada a supressão e não
à inexistência. (BONNICI, 2007)
Ao mesmo tempo que os frutos da década de 1960 surgem para os
movimentos sociais, tal como o feminismo, ele também fertiliza o campo da religião.
Em 1962, Gerald Gardner leva aos Estados Unidos a Wicca e, a princípio, a “Wicca
Gardneriana” é popularizada, ao passo que há um declínio dos adeptos ao
cristianismo, e tem seu ápice na década de 1970. Seus interessados olham para o
passado e nele buscam modelos de práticas religiosas politeístas e práticas
xamânicas. Num primeiro momento recorrem às religiões pré-cristãs e aos textos
clássicos, mas posteriormente se permitem influenciar pelo movimento feminista da
segunda onda e pelo crescente movimento preocupado com a questão ambiental.
(RUSSEL; ALEXANDER, 2008).
Nesse sentido, é possível pensarmos que tal declínio apontado pelos autores
está relacionado a uma estrutura de religião institucional de caráter conservador e
patriarcal, visto que é observado por Hervieu-Léger (2005) a presença de novos
movimentos religiosos, onde podemos incluir os movimentos neopagãos. Portanto
há uma busca por novas formas de religião, que se aproximem dos anseios de uma
geração que se mostra inquietada por movimentos políticos e sociais, voltados a
repensar o papel da mulher e as relações do homem com a natureza.
Considerações finais
Portanto, pensando sobre as propostas metodológicas apresentadas por
Antônio Ferreira (2009), ao trabalhar com fontes literárias, é possível olhar para
estas questões que parecem muito efervescentes na segunda metade do século XX,
apontando então o movimento feminista, a presença e avanço das práticas
religiosas que escapam às tradicionais, munidos pelas transformações culturais de
1960, podemos perceber que este é um ambiente ideal para o surgimento de uma
narrativa feminina que busca recontar uma história clássica masculina, transpondo-a
para o olhar feminino, permeada por uma religiosidade matriarcal que questiona as
visões de mundo cristãs e conservadoras. Referências
BONNICI, Thomas. Teoria e crítica literária feminista: conceitos e tendências.
Maringá: Eduem, 2007.
BRADLEY, Marion. As brumas de Avalon. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de
Janeiro: Imago, 2008. [vol. 1, 2, 3 e 4]
CERTEAU, Michel de. A Operação Historiográfica. In: CERTEAU, Michel de. A
Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.
CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: a História entre certezas e inquietudes. Porto
Alegre: Editora da Universidade/UFRGS. 2002
HERVIEU-LÉGER, Daniele. La Religión: Hilo de Memoria. Herder Editorial, S.L.,
Barcelona, 2005.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
PINHEIRO, Renata Kabke. Viviane e Morgana: uma nova dicotomia em meio à
tensão discursiva de “As Brumas de Avalon”. Pelotas, 2011. Centro de Ciências
Sociais e Tecnológicas, Universidade Católica de Pelotas. (Tese de Doutorado)
RUSSELL, Jeffrey B.; ALEXANDER, Brooks. História da Bruxaria. Tradução de
Álvaro Cabral e William Lagos. São Paulo: Aleph, 2008.
SEKLES, Flavia. Elas são medievais. Revista Veja, 1987. Disponível em:
<https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/964?page=4§ion=1&word=
Marion%20Zimmer%20Bradley> Acesso em: 11/01/2018.