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75 oAl-f..I"c.;" t I. c: CJA- O.5Irf.JA- 2o/f)') J. 1;0 Itt A- / (..I Ie ",,-0-& 1"'- ( IPl T< "';/''' iLd. .. .t a..J':>. E. dv.( M.. I lao r I a.-: t:Lb 0 R da.. aU-oS Au 10 /l. {C Oul <..-. !1a/Z{ ¥lj cL : (s ed.."..cP-i». ( COLONIALISTAS Thomas Bonnici o DISCURSO E 0 PODER: FOUCAULT E SAID A teoria e a crftio p6 s -colonialistas, constituindo uma nova estetica peb qual os t ex tos sao interpretados "po liticam e nte", baseiam-sc l1a fntima entre 0 discurso e 0 poder. Antes, portanto, de analisar 0 P6s-colonialismo em todo s os seus aspectos, nece ssar io se faz indagar sobre uma faceta do pensamento pos-estruturalista referente a dis c urso e poder. As polltica s e economicas, 0 controle ideologico e social subjazem ao di sc urso e ao texto, E evidente que 0 pocler, com todas as suas consequencias. e exerciclo para que surta 0 maximo efeito possive!. de europeus se convenciam de sua superioridade cultural e intelectual diante da "nudez" dos amerfndios ; de homens , praticamente de qualquer origem, tomavam como fato indiscutfvel a inf e rioridade das mulheres, Nesse s casos, estabeleceu-se uma de poder entre 0 "s uj e ito" e 0 " objeto", a qual nao reflete a verdade. Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) proclama qu e os indivfduos primeiro dec idem o que desejam e depois encaixam os fatos em seus objetivos. Consequentemente, 0 homem encontra nas coisas somente 0 que ele mesmo colocoll nelas. Para Nietzsche, todo conhecimento expressa "0 desejo do poder". Como a verclade e 0 conhecimento objeti\'o nao existem, esses dois fatores sao apropriados por siste mas de poder para camuflar sell desejo de poder. Os individuos adotam certo tipo de filo so fia ou teoria cientffica quando esta de acordo com a "verdade" proposta pela s autoridades intelectuais ou pollticas contemporaneas , pela elite ou pelo s ideologos. A teoria do discurso de Michel Foucault (1926-1984) une 0 ceticismo re ferente ao discurso e a abordagem historica da Reconhece que 0 disc urso, escrito ou oral, jamais poderia estar livre das amarras do pe rfodo historico em que foi produzido. Ou seja, 0 discurso esta inerente a todas as praticas e culturais e necessita da agencia dos indivfduos para poder se r efetivo. Scmelhantemcnt e a teoria de Lacan, 8. subjetivid8.dc e construfd8. 8.tfrlves do di sc urso: 0 indivfduo se identifica com OLl reage contra varias d e s ujeito oferecidas por llma variedade de discursos num dado momento. Os ihdivfduos que pensam OLl falam fora dos

Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

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Page 1: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

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COLONIALISTAS

Thomas Bonnici

o DISCURSO E 0 PODER FOUCAULT E SAID

A teoria e a crftio p6s-colonialistas constituindo uma nova estetica peb qual os textos sao interpretados po liticam ente baseiam-sc l1a fntima rela~ao entre 0 discurso e 0 poder Antes portanto de analisar 0 P6s-colonialismo em todos os seus aspectos necessar io se faz indagar sobre uma faceta do pensamento pos-estruturalista referente a equa~ao dis curso e poder As for~as pollticas e economicas 0 controle ideologico e social subjazem ao di sc urso e ao texto E evidente que 0 pocler com todas as suas consequencias e exerciclo para que surta 0 maximo efeito possive Gera~6es de europeus se convenciam de sua superioridade cultural e intelectual diante da nudez dos amerfndios gera~6es de homens praticamente de qualquer origem tomavam como fato indiscutfvel a infe rioridade das mulheres Nesses casos estabeleceu-se uma rela~ao de poder entre 0 s uj e ito e 0 objeto a qual nao reflete a verdade

Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) proclama qu e os indivfduos primeiro dec idem o que desejam e depois encaixam os fatos em seus objetivos Consequentemente 0 homem encontra nas coisas somente 0 que e le mesmo colocoll nelas Para Nietzsche todo conhecimento expressa 0 desejo do poder Como a verclade e 0 conhecimento objetio nao existem esses dois fatores sao apropriados por s istemas de poder para camuflar sell desejo de poder Os individuos adotam certo tipo de filo so fia ou teoria cientffica quando esta de acordo com a verdade proposta pelas autoridades intelectuais ou pollticas contemporaneas pela elite ou

pelos ideologos

A teoria do discurso de Michel Foucault (1926-1984) une 0 ceticismo referente ao discurso

e a abordagem historica da interpre ta~ao Reconhece que 0 di sc urso escrito ou oral jamais poderia estar livre das amarras do pe rfodo historico em que foi produzido Ou seja 0 discurso esta inerente a todas as praticas e in s titui~6es culturais e necessita da agencia dos indivfduos para poder se r efetivo Scmelhantemcnte a teoria de Lacan 8 subjetivid8dc e construfd8 8tfrlves do di sc urso 0 indivfduo se identifica com OLl reage contra varias posi~6e s d e sujeito oferecidas por llma variedade de discursos num dado momento Os ihdivfduos que pensam OLl falam fora dos

middotmiddot BONNICI

pmwo do diltco dominmc lt0 definidolt como loeolt ou middotduidolt 0 cmudecimno1 Em A hisloria da IOllfra (1961) Vigiar C plillir (1975) A hist(Jria da scxlIalidlde (1976) Foucault

examina os campos discursivos mutantes em que esses problemas se descnvolvem em etapas especfficas da hist6ria e chega a conciusao de que os indivfduqs nao pensam nem falam sem obedecer aos arquivos de regras e restric6es socia is especialmente ao sisrema educacional 0

qual define 0 que e racional e academico Essas regras cOlltrolando a cscrita e 0 pensamento formam 0 arqllivo ou 0 inconscicllie posilivo da cultura

As regras estruturais que informam os varios campos de conhecimento VaG alem da conscicncia individual Nao conhecemos 0 arquivo da epoca em que vivemos porque e sinonimo do inconsciente a partir do qual falamos Compreendemos 0 arquivo de outra epoca porque somos absolutam e nte diferentes e distanciados dela Por exemplo percebemos as varias correspondencias que formam 0 discurso do pcrfodo medieval os escrirores da Idade Media percebiam os eventos contemporaneos e pensavam atraves dessascorrespondencias e portanto nao podiam vc-Ias como n6s as vemos atualmente

FOllcault tenta descobrir as regras do discurso de llln perfodo espccffico e rebciona-Ias a analise do conhecimento e do poder 0 discurso e historizado e a hisr6ria contextualizada Ele considera a hist6ria em termos de lima luta sincronica do poder Para ele 0 poder nao e nece ssaria mente algo repressivo mas lima forca produtiva que une as diferentes forcas da sociedade Nenhum acontecimento nasce de uma causa lJJ1ica mas e 0 produto de lima vasta rede de significantes e de poder Ademais a hist6ria e a hist6ria das idcias sao intimamente

ligadas a leitllra e a produao de textos litedrios Esses rextos pOI sua WZ sao a expressao de praticas discursivas determinadas hist6rica e material mente Esses discursos sao produzidos dentro de urn contexte de luta pelo poder Dc fato na politica nas artes c na ciclIcia 0 poder se constr6i atrave s do discurso e portanto a pretensao de que haja objeriidade nos discllrsos e falsa havendo entao apenas discursos mais podcrosos e menos poderosos

A lItilizaCao da geografia e da cicncia ilustrara esse POlltO Quando se analisam os l1lapas dos cartografos medievais e renascentistas pcrcebe-se que eics com seus contornos detalhes e nomes tornaram-se lima tecnologia do imperio lima interface graltca indispensavel nao apenas para navegar mas especialmente para gerenciar 0 mundo 0 conhecimellto e 0 saber dao direito as terras prometidas supostamente de nillguem a divisao do l11undo ao herofsl11o dos exploradores a diversidade cultural a alteridade ao racismo A partir da Nallrali Hisloria (77

dC) de PUnio e passando pelo Liber ChronicarUlI1 (1493) de Hartmann Schedel e pelo SyslclI1a Nailrae (1758) de Linnaeus ate as obras de certos cientistas do seculo XIX cspecialmente A de Gobineau em A desigllaldade das Yafas humanas (1855) as discussoes diretas OU indiretas sobre 0 racisll10 pareciam sempre tender a comprovar a superioridade das racas europeias e colocar na alteridade 0 resto do mundo A aproprialtao das ciencias seguiu 0 mesmo padrao do colonizador definido como a inciinaltao a dividir subdividir e redi vidir 0 seu tema sem nunca mudar de opiniao sobre 0 Oriente como algo que e sempre 0 mesmo objeto imutavel uniforme e radicalmente peculiar (SAID 1990 p 107)0 legado do imptrialisl110 foi construir as estruturas cientfficas sobre crencas existentes e herdadas com a iinalidadc de indicar e consolidar os supostos donos do mundo

Para Foucault 0 saber e 0 produto de urn discurso especffico que 0 formulou sem nenhuma validade fora disso As verdades das ciencias derivam do discurso ou da linguagem 0 saber nao eo efeito do acesso das ciencias para 0 mundo real ou para a realidade autentica mas das regras de seu proprio discurso Segue-se que 0 saber das ciencias humanas econstrufdo porque as pessoas foram persuadidas a aceita-lo como tal E saber porque 0 discurso e tao poderoso que nos fn acreditar que seja saber 0 saber portanto e produzido pelo poder Para Foucault a questao da veracidade ou falsidade de um discurso nao e importante ja que a verdade e produzida pelo poder Concentra-se portanto naformafao disClirsiva ou seja nas regras pelas quais 0 discurso e coerente ou nos princfpios subjacentes ao discurso Esses discursos dernminam 0 nosso modo de falar e pensar sobre por exemplo a sexualidade ou a sanidade mental e nos persuade para

258 - TEO R I A LITERA RIA

middot

-- -~ TEO R A E C R i gt C i P 6 s - CO L 0 N L S T S

o autopoliciamento e a supervisao dos outros Funcionando independentemente das inten ~6es

especificas individuais (Foucault n ao es ta falando sobre 0 abuso do poder por individuos ou

por governos que manipulam se us suditos e os m al1tem sob seu controle) os di sc ursos se

perpetuam pelos usu ar ios qu e reproduzem se u poder Na concep~ao de Foucault 0 di sc llrso

e internalizado por n6s organizando 0 nosso ponto de vista do mundo e colocando-nos como

um elo (inconsciente) na cadeia do poder Foucault portantQ coloca a linguagem no centro do

poder social e das praticas sociais E nesse ponto que se encontra 0 papel social da linguagem e

da literatura como poder hegemonico Todo 0 discmso de Os Ilsradas qu e iriOllenciou inteiras

gera~6es lu sas come~ando pela sua imita~ao da Encida ate as proezas heroicas dos portuglleses

nos pontos embrionarios da Africa e da Asia constroi a base de sua id eo logia da superioridade

do europeu qu e por mandato divino sllbmete os outros povos asua lei s uperior Semelhante

influencia exerce u 0 discurso das pe~as teatrais d e Shakespeare que outremiza e hierarquiza

os pmos lilllitrofes (os irlandeses) os de so rdeiros (homens e I1lLilhe res das tavern as) e os

habitante s das longinquas colonias (Cajiba) Esse fator sera visto melhor no contexto do posshycolonialismo

Embora 0 disc urso scja reple to de poder nao e imune aos desafios Oll as mlldan~as inte rna s

e 0 lugar de confliro e lura encarregado de criar e suprimir a resis te ncia Para Foucault 0

di scurso refor~a 0 pod er e ao mes mo tempo 0 su bverte Ao ser exposto 0 di sc urso torn a-se fragil e fica mais propenso a ser contrariado

Seguindo os para metros de FOl1cault c Gramsci Edward Said (193 5-2003) em OriclilalisllO publicado em 1978 de rnonstra como a teoria da desconstrl1~ao poder dcsafiar a preten sao de

objetiidade no contexto da hi stori a cultural Desconstruindo a natllrc za do poder colonial

Sa id (1978) aprofu nda a critica pos-colon ial ista que se desenvolveu d man te os til ti m os qua ren ta

anos Ele d esco ns troi a imagem que 0 mundo ocidental tem do Oriente ima ge l11 ess a que foi

construida por lJistoriadores escritores poctas e estudiosos durante varios sec ulos Utilizando

nao so os trahalhos erudiros mas tamhem as obras literar ias as passagens politicas os textos

jornalisticos livros de viagcns es tudos reli g iosos e filolo gicos (SAID 1990 p 34) Said mostra

a constru~ao do Oriente atraves de romances d esc ri~6es e informa~6es sobre a historia e a cliitura oriel1tais

Essas fOlll1a s de escrita ocidcntal cOl1stroem llill discurso fOuClliltiano ou seja lim s istema

de afirl11a~6e s e press upostos que constitllem um suposto sa ber e pelos quai s se constroi 0

conh ec im en to sobre 0 Oriente Evidentemente tai s cli sc ursos aparentel11ente dedicados

exclusival11ente ao sa ber estabelecem verdadeira s rel a~6es de poder Para Said (1990) as

representa~6es do Oriente (ou Orientalismo) feita s pelo Ocidente levam consciente e

dete rmini sticamente asubordina~ao Percebe-se d e fato um di sc urso etnocentrico repress ivo

qu e legitima 0 controle europeu sobre 0 Orie nte atraves do estabelecimento de um (omlmlo

negatimiddoto A esperteza 0 ocio a i rracionalidade a rudeza a sensual idade a crueIdade entre ou tros

formam esse (oll slmIO ern oposi~ao a outro (OII(lmlo positivo e supe rior (racional dernocratico

progress ivo civilizado etc) defendido e difundido pe la cuitllra ociclental Encontra-se n esse

ponto a hcgelllo llia do di scurso ocidental Segundo Gramsci (1998) a hegemonia e a domin a~ao

consentida ou seja 0 metodo pelo qual os dominadores con seg uem oprimir os subalternos I atraves d a ap rova~ao dparente de ssas rne smas classes sociais especialmente peIa cultura 0 Orientalisrno portanto legitirnou 0 imperialismo e 0 expmsionisrno para os proprios europells

e convencell os nativos sobre 0 universa li smo (d mai s adiantada civiliza~ao do planetd e a europeia) dd civiliza~ao europeia

A teo ria d e Sa id (1990) e de outros te6ricos pos-co lon ialistas q uase s i m u Itaneamen te

adotada pelos adeptos de estudos afro-americanos e por feministas stlbverte os pressupostos de

tlma objetiidade esptlria que sustenta 0 Ocidente a unicidade de sua cultura e de se u ponto

de vista

T II( ~ B O N-IC I LG c l O~ A - Z O LI N (OIlGAN I ZAD O RES ) - 259

N N I C I

-

Etnografia A pratica etnografica tOrna-se uma descri lt50 preco nce itual da cultura de uma raltJ a pa rtir

de pressupostos hegemonicos dos conqui stado res

Outro o sujeito hege m onico europe u

Hegemonia

Alem de significar 0 do minio de um estado sobre outro hege m onia e 0 pode r da classe dominante pa ra conve ncer as outras classes de que os interesses del a (da cl asse do minante) sao interesses comuns conscquentemente s~o ace itos por tOdas as Ollt raS classes

ouJro o suj eitO marginalizado pela hegemo nia euro peia uma pessoa de ralta o u etnia di ferente ou seja n50-branca e nao-euro pei a

Etnicidade Distinta da ide ntidade racial a etnicidade da pessoa inclui se us aspectos culturais como J religiao tradi lt6es de vestimenta e de comida WeltanschauulIg etc

Discurso o rexto transform ado pe lo contexto o u interpretaltao ponamo altamente carrcgado peb ideologia domil13 n te que exclui e degrada qualq ue r o utro discurso

Nativo Frequenrem ente e um term o degrad ante para significa r a pessoa primitiva educada des prov ida de literarura o u cultura

paga nao-

Imperio A pra tica europeu

polftica e ideol6gica de uma naltao hegemonica para o u tre m i za r 0 na o-

Panatico Eum si stema de supe ni sao consequcncia do poder sobre 0 sujeito o utrel11i zado 0 qud e amealtado po r todo tipo de reprovaltao moral e cultural c de exclusao

Quadro 1 Poder e controle

HISTORlA DO POS-COLONIAUSMO

Iniciou-se 0 seculo XX com um rr is te panorama composto (1) por dezenas de povos c ll a ~6es

s u bmetidosao colonial ismo eu ropeu (2) po r milh6es de negros descendentes de escravos espccia Imente nos Esrados Unid os e na Africa do Sui di sc riminados em seus direitos fundamentais (3) pcla metade

feminina da popula~ao mundial vivendo num contexte patriarcal (4) pe lo poder politico c economico nas maos da ra~a branca crista e ri ca em paises industrializados Apesa r dessa imagem sombria um

dos fatores m ais caracreristicos do seculo XX foi a nitida consciencia da subjetiv idade pol iti co-cultural

e da res istencia de povos e nac6es contra qualquer tentativa para m anter a obj e tifica~ao ou iniciar uma nova modalidade de dependencia 0 Renasc imento do Harlem (movimento cultural e literario entre

escritores e arti stas norte-americanos espec ialmente na cidade de Nova Io rque cuj a finalidade foi

rea l ~ar 0 interesse na cult~ra africana ao redor do m undo) nos Estados Unidos nas dccadas de 1920 c 1930 mostra a recusa em deixa r a cultura eurocentrica crista e branca continuar definindo a olro em

geral e a populaCao afro-americana em particul ar (APPWI GATES 1997) Identica atitude estava

por tras do movimento N egritlde na decada de 1930 em varios paises afri can os Essa tendencia para a autodeterminacao dos povos em todos os aspectos teve um recrudescimento apos a Segunda Guerra

Mundial especial mente nos movimentos pel os Direitos Civis nos Estados U nidos e na lura contra o colonialismo britanico frances ponugues alemao belga em todos os contin entes N esses caSOS a

autodetermina~ao politica e a autodefini Cao cultural andavam juntas Na pratica 0 Renascimento do Harl em e N egritude sao definidos como um mom enta cultural literario e polftico d e tal envergadura

que 0 teorico m artiniql1iano-arge lino Frantz Fanon confe re grande poder de luta po lirica as culturas e literaturas nacionais

260 - TE O R I A LIT E R A RIA

middot --_-~ T EO R I A E C R i middotr I C A I 6 s - CO L 0 N I t LIS T A S

Descolonizaltao I ( 1776-1825)

Movirnentos (1920-1939)

Illdcpendcncia no Commonmiddotea lth brit5nico ( 1930-19-12)

Desco l onizalt~o II ( 1945-1949)

MovilncIltos prcshyindependcncia (dCcada de 1930)

Desco lo ni zaltao III (1955 -1 975)

Estados Unidos America Centra l America do Sui

RenascimclllO do Harlem Estados Unidos Ncgrirllde lIa

Africa

Canad Australia India Paluistao Indonesia

Oriente Medio

Negritllde lI a Africa gucrril has

Africa do Nom Africa equatorial e subcq uato rial i1has do Caribc e col6n ias do slldeste asiatico c Ocea ni

Quadro 2 Mapa da descolonizaltao entre 1776-1 975

Historicamente 0 movimento pr6 -independencia especialm e nte das Americas britanica portuguesa e espanhola respectivamente no ultimo quartel d o sec ulo XVIII e no primeiro quartel do sec llio XIX favorece u ce rta autonomia as culturas nao-europeias (mas nao-ind igenas) com o consequente nascimento de uma literatura nac io nal (JOZEF 1982) N os sec ulos XVIII e XIX abundam no Brasil escritores e esc ritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incorporaltao de temas brasileiros seguilldo padroes estCt iros europeH Foram 0 Moderni smo brasileiro contudo iniciado na cl ecada de 1920 e s ll as subco rrentes que ap resentaram propostas de uma arte cssencialmente brasileira Em geral todavia fortes laltos ainda ama rravam as literatllras americanas aos modelos ellropeus Praticamente ate meados do seculo XX no co ntexto dos paises novos fabricados pelo colonialismo nao existia llma lite ratura nacional na Africa e na Asia e a literatura prodll zi da nesses contine ntes seguia padroes eurod~ntrjcos ja qu e foi esc rita por viajantes missionari os mulheres de aclministradores coloniais e sol dados intimamente ligados a metr6pole colonizadora Hariss imos foram os casos em que surgiram prodllltoes literari as diferentes clas da metr6polc Por olltro lado nao havia cl1lbasamento te6rico para detcctar a resistencia na lit eratura de entao Tampou co eram clese nolv idas form as cl e leitura e escrita que pudessem respo nde r a co lo niza ltao ellrope ia arrai gacla nos parametros do essenc ialisl11o de supe ri o riclade cultural e de degradaCao da cultllra dos 0111101

o pcriodoa p6s a Segunda G uerra Mundial viu 0 surgimento da te rceira onda de indcpcndencia politica cspecialm e nte nas naocs Clr iben has africanas e as iaticas e ao mesmo tempo de llma lite ratllra escrita pe los nativos nao sem problematizaltao nas lingu as dos ex-colonizadorcs Os romances The Pallll-Wille Drinkard (1952) de Amos Tutuola e Things Fall Apart (1958) de C hinue Achebe ambos nigerian os fo ram tal vez as primeiras expressoes literarias alllmlicallCIIIC lIalillas oriundas d a Africa e escritas em ingl es Nasce entao uma lite ratura original e m inglcs a partirdas exshycol6nias britanicas a qual nao poderia se r chamada simples mcntc literatura inglesa Criticos d a metr6pole inglesa logo desenvolveram a id e ia de Commofllveallh Litera ture (literatura da comUll idade das cx-col6nias britanicas) Evidentemente pode-se ver qu e a ideia de lima COlllll1oll llcalth Lileralure seguia os antigos pad roes m e tr6pole-coI 6 nia com a Inglaterra posicionando-se no centro e as novas nacoes independen tes colocadas na m argem Na decada de 1970 os esc ritores caribenhos africanos e asiaticos rej e itaram qllalquer conotaltao do COIIlfOI1 wealth dcvido a continualtao do eurocentrismo peb critica britanica e a reeusa dos escrito res nativos em admitir a superioridade da civilizaltao britanica e europe ia A expressao Commonwea lth Literature foi abandonada e surgiu a ide ia de chamar Literatllrasem ingles aexpressao literaria em lingua in g1esa oriunda das ex-col6nias britanicas Esse fe n6meno nao ficou restrito aliteratura em lingu a inglesa mas a todas as literaturas nasc idas nas ex-coI6nias Em seu importante livro Dathorne (1976) intitula os capitulos Teatro africano em frances e em ingles Literatura africana em portugues

Nestas ultimas tres decadas surgiu 0 problema de como ler as obras de escritores que es crevendo nas Hnguas europeias sao etnicamente nao-euro peus Hi atualmente escritores africa nos escrevend o em frances ingles e portugues autores caribenhos escrevendo em espanhol ingles frances ou ho landes escritores indianos paquistaneses e egipcios desenvolvendo uma

TH OMA S BONNICI LUCIA O SANA ZO ll N (ORG ANIZA DORES) - 261

II II

i I

-(Erraquoo N N I C I

-(

I literatura em ingles Ejll sto ler essas obcls profundamente in se ridas numa cultura nao-ocidental atraves de parametros estrllturalistas pos-estruturalistas materialistas culturais ou seja atraves de lima abordagem ocidentaP Qual e 0 statlls dessas literaturas produ zi das nas ex-colonias Se a relaltao entre a metropole e a colonia sempre foi ten sa nao deveria essa lirera tura escrita a partir da invasao colonial ate 0 presente mostrar as tensocs inerentes aos cnconrros coloniais Se a literatura da metropole foi usada para enfatizar a superioridade europeia atraves da degradaltao ou an iquilamento da cultura nao-europeia qual e 0 papel dessas lite raturas pos-coloniais

COLONIALISMO

o termo colonialismo caracteriza 0 modo pec uliar como aconteceu a exploraltao cultural durante os ultimos 500 anos causada peb expansao ellropeia Distinguem-se 0 imperialisll10 mediterraneo da Antiguidad e e 0 colonialismo pos-Renascimento No mundo antigo as grandes civilizaltoes mediterraneas orgulhavam-se em possuir colonias e insistiam na hegemonia da merropole sobre a periferia a qual era considerada barbara inculta e inferior Said (1995 p 40) define esse imperillm como a pratica a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um

territorio di stante como aconteceu a partir de 336 aC quando 0 imperio de Alexandre da Macedonia levou a civilizaltao helenica para fora do Mediterraneo e polarizoll as ideias e as energias europeias para 0 Oriente ou quando 0 imperio romano apos 264 ac conquistou as ilhas mediterran eas a Espanha 0 norte da Africa 0 Oriente Medio 0 Egiro a Galia a Alemanha e a Inglaterra Por outro lado 0 mesmo autor afirma que 0 coloniali smo praticado apos 0 Renascimento e a implantaltao de colonias em territorio distante como consequencia do capiralismo incipiente com a finalidade de exploraltao material para 0 cnriquecimento da mctropolc

A expansao colonial europeia nos seculos Arv e XVI coincidiu ponanro COIll 0 inicio de um sistema capitalista moderno de trocas economicas As colonias foram imediaranlelHc percebidas como fonte de materias-primas que sllstentariam por 111 II ito tempo 0 poder central da merropole Limitandoshynos ao Brasil pode-se constatar que a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha are a publicaltao em 1711 de Oilillra e 0pllencia do Brasil de Andre Joao Antonil inumeros sao os rextos informativos sobre os recursos economicos das colonias e as praticas de exploraltao do territorio colonial Adel1lais 0

sistema pan6plico pelo qual se supervisionava 0 espalto colonial era 0 metodo de viajanres c exploradores europeus dos seculos XIX e XX representando 0 conhecimento e 0 poder Entre 0 colonizador e 0

colonizado estabeleceu-se um sistema de diferenlta hierarquica pounddada ajamais admitir lim equillbrio no relacionamento econ6mico social e cultural

Mais grave tornou-se a situaltao de povos colonizados que eram racialmente diferen tes (os

hotentotes na costa africana) ou que formavam uma rninoria (os aborfgenes da Australia) Entre o colonizador e 0 colonizado havia 0 fator rasa que construfa um relacionamento illjusto e desigua

Os te rmos rasa m(islIIo e precollceito a(ial sao oriundos da posiltao hegemonica cmopeia Esse topico transformou-se numa justificativa para introduzir 0 regime escravocrata a partir de m eados do

seculo XVI quando se formou a ideia de um mundo colonial habitado por genre naturalmente

inferior programada pela natureza para trabalhar braltalmente e servir ao homem europeu branco Do ponto de vista dos gregos e dos romanos os barbaroi apenas nao falavam a lingua clllta e situavam-se fora da historia e da civilizaltao Aos olhos dos europeus colonizadores 0 estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutfve l provado no seculo XIX pelas

teorias da evolultao e da sobrevivencia do mais forte na doutrina darwinista Se frequentemente 0

colollizaclo aceitava a ideologia e os valores do colonizador c transformava-se emfantoche (lIIimic lIlan nos romances de VS Naipaul) em outras ocasioes mostrava sua resistencia e subversao

atraves da mfmica e dapar6dia

262 - TEO R I A L ITERARIA

-middot t~ --~~~y TEOR1A E CRiT1CA rOS-COLON1AL1STAS

Segundo Ashcroft el al (1991) podemos sistematizar as col6nias em (1) col6nias de povoadores (2) col6nias de sociedades invadidas e (3) col6nias de sociedades duplamente invadidas Nas col6nias de colonizadores (America espanhola Brasil Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zelandia) a terra foiocupada por colonos europeus que conquistlrlm mltaram ou deslocaram as populac6es indfgenas Uml modalidade de civilizacao europeia foi transplantlda no vnio construfdo e os descendentes de europeus mesmo lp6s a independencil polltica mantiverlm 0 idioml nao-indigena Os colonos inquestionavelmente considerlvlm que 0 idioma europeu era lpropriado para expressar a complexa realidlde do luglr ocupado marginllizlndo as linguas indigenas

Nas col6nias de sociedades invadidas (India e Africa com suas civilizlc6es em varios estagios de desenvolvimento) as populalt6es foram colonizadas em SUl terra Os escritores nltivos portanto ja possuiam ideologils organizacoes societarias e formas politicas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente 0 idioma europeu substituiu 0 idioma do nativo no mlis ofereceushyIhes uml oportunidade para eomuniear-se com outrls soeiedades elevar seu l1ivel cultural e manter as ligac6es com a metr6pole Em todos os casos 0 idioma europeu sempre causou e lindl Clusa certl ambiguidade espeeialmente na literatura nativa

As eol6nias das soeiedades duplamente invadidas referem-se ao esplCo ocupado pellS soeiedldes primordiais dos indigenas dlS ilhas do Clribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cern anos do descobrimento A populacao atull das indias Ocidentlis eio dl Africa Indil Oriente Medio e dl Europt e e 0 resultado do desloctmento do exilio 011 da escrlvidao Entre todas as sociedades colonizadas tllvez a sociedade caribenha sejl l que mais sofreu os efeitos devastadotes do proeesso eolonizldor onde 0 idioma e a eultura dominantes foram impostos e as eulturas de povos

tao diversos aniquilrldas

COLONlAS DE POVOADORES COLONlAS DE SOCIEDADES I NVAD IDAS

COLONlAS DE SOCIEDADES DUPLAMENTE COLONIZADAS

Americas espanhola c portuguesa Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zcl1ndia

india c Africa As illm do Caribc 0 gcnocidio praticado contra os indigenas efctivou 0

dcslocamcllto de popula~6cs da Africa india Asia Oriente Medio e da Europa para a rCgiao

Linglias nativas quasc extintas prevalcccndo as Iinglias ellropcias

Linguas nativas intcnsamentc lingua apropriada

praticadas europeia

Linguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as linguas europeias

QUldro 3 Tipos de col6nias vicissitude das I inguas natias e linguls dominantes

A colonizaC30 e 0 discurso colonialista eram tambem impregnldos pelo patriarealismo e pela exclusividlde sexista 0 termo homem e seus derivados inclufam 0 homem e a mulher 0 mesmo privilegio nao era dado ao termo mulher A ideologia subjlcente consistia portanto nl juncao das noc6es metr6pole e patriarcllismo que estavlm empenhadls em impor a eivilizacao europeia ao res to do mundo A acao civilizadora levada ao interior pelo eolonizador britanieo a partir de 1750 na Africa India e no sudeste asiatico era tao bern preparada que eseondia a violencia e a degradacao as quais foram submetidos os nativos Dois seeulos antes a mesma justificativa de Colombo para fazeshylos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanh6is para il camuflar a utilizacao de mao-de-obra indfgena em suas col6nias amerieanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal aSSlImidas pelas nacoes europeias nada mais foram que urn pretexto pelo qual

THOMAS BONNICI L0cl OSAN ZOllN (ORGANIZADORES) - 263

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intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisiltao de materias-primas para suprir as nalt6es em) processo de industrializaltao crescente

o estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tambem os colonos brancos

que aos olhos dos agentes governamentais e da metr6pole ficaram degenerados pelo hibridismo

Em Wide Sargasso Sea (1966) de Jean Rhys foram tribuldas aprotagonista Antoinette Cosway

acusalt6es de incesto loucura adulterio e ninfomni porque ela era 0 resultdo cia mestiltagem

de descendentes britanicos com negros cribenhos No romance 0 wrtifo (1890) Jeronimo 0

portugues exemplar mergulha na mass humam da fe e degrada-se dinte dos encantos do

ambiente cia mllsica tropical e de modo especial da sensualidde de Rita Baiana A metr6pole

portanto enfatizava 0 fato de que esses colonos degenerados prescindindo da heranlta cultural

de seus antepassados europeus desenvolveram as caracrerfsticas dos nativos (preguilta danlta)

ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional ( bebedeira dos irlandeses) Todos esses

aspectos criaram urn sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas

essencialmente inferiores Nos seculos XVI e XVII os colonizadores espanh6is portugueses

e holandeses e mais tarde nos seculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e Franlta puseram

em pratica 0 conceito polarizador n6s - eles ou Ollira - olliro Para garantir a coesao do

Outro diante das vicissitudes do mundo modemo 0 colonizado foi incentivado a receber e

compartilhar as benesses da civilizaltao Para 0 colonizado esse futuro promissor foi sempre

preterido

OUTRO (0 COLONIZADOR) Outro (0 COLONlZADO)

1 0 centro imperial (a) constr6i 0 sistema pelo qual 0 sujeito colonizado forma a sua identidade como ciependente ou outro (b) torna-se a unica estrutura pela qual 0 sujeito colonizado compreende 0 mundo

2 Representa 0 Outro Simb6lico e a Lei-do-Pai (conforme a terminologia de Lacan)

1 0 outro e formado por discursos de (a) primitivisl1lo (b) canibalisl1lo (c) separacao binaria entre 0 colollizador e 0 colonizado (d) afirmacao da supremacia da cultura ideologia e visao do mundo do colonizador

2 o sujeito colonizado e filho do imperio e 0

sujeito degradado do discurso imperial

Quadro 40 Outro e 0 outro no sistema colonial

o colonialismo fortanto gira em torno de urn pressuposto no qual 0 poderoso centro cria a

sua periferia Embora 0 binomio centromargem seja uma noltao binaria ela define 0 que ocorreu

na representaltao dos indivfduos durante 0 periodo colonial 0 mundo foi dividido em duas

partes hierarquicamente constitufdas e 0 centro se consolidaa apenas atraves da existencia do

outro colonizado Segue-se que 0 centro a civilizaltao a ciencia 0 progresso existiam porque havia

todo urn discurso sobre a colonia a selvageria a ignorancia 0 atraso cultural Constituindoshy

se 0 centro e relegando tudo 0 que havia fora dela como peri feria da cultura e da civilizaltao a

Europa sentia-se na incumbencia (missao) de colocar sob diversos pretextos essa margem em

seu ambito Enquanto DomJoao III escreve em 1548 que 0 principal objetivo de povoar as ditas

terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse anossa fe cat6Iica em 18970 secretario

das colonias ingles Joseph Chamberlain considerava as col6nias britanicas como estados naoshy

desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistencia imperial e que nao havia

outra solultao para garantir emprego pleno aos ingleses sem a crialtao de novos mercados (LANE

1978)

264 - TEO R ) A LITERARIA

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-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

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j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

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I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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middotmiddot BONNICI

pmwo do diltco dominmc lt0 definidolt como loeolt ou middotduidolt 0 cmudecimno1 Em A hisloria da IOllfra (1961) Vigiar C plillir (1975) A hist(Jria da scxlIalidlde (1976) Foucault

examina os campos discursivos mutantes em que esses problemas se descnvolvem em etapas especfficas da hist6ria e chega a conciusao de que os indivfduqs nao pensam nem falam sem obedecer aos arquivos de regras e restric6es socia is especialmente ao sisrema educacional 0

qual define 0 que e racional e academico Essas regras cOlltrolando a cscrita e 0 pensamento formam 0 arqllivo ou 0 inconscicllie posilivo da cultura

As regras estruturais que informam os varios campos de conhecimento VaG alem da conscicncia individual Nao conhecemos 0 arquivo da epoca em que vivemos porque e sinonimo do inconsciente a partir do qual falamos Compreendemos 0 arquivo de outra epoca porque somos absolutam e nte diferentes e distanciados dela Por exemplo percebemos as varias correspondencias que formam 0 discurso do pcrfodo medieval os escrirores da Idade Media percebiam os eventos contemporaneos e pensavam atraves dessascorrespondencias e portanto nao podiam vc-Ias como n6s as vemos atualmente

FOllcault tenta descobrir as regras do discurso de llln perfodo espccffico e rebciona-Ias a analise do conhecimento e do poder 0 discurso e historizado e a hisr6ria contextualizada Ele considera a hist6ria em termos de lima luta sincronica do poder Para ele 0 poder nao e nece ssaria mente algo repressivo mas lima forca produtiva que une as diferentes forcas da sociedade Nenhum acontecimento nasce de uma causa lJJ1ica mas e 0 produto de lima vasta rede de significantes e de poder Ademais a hist6ria e a hist6ria das idcias sao intimamente

ligadas a leitllra e a produao de textos litedrios Esses rextos pOI sua WZ sao a expressao de praticas discursivas determinadas hist6rica e material mente Esses discursos sao produzidos dentro de urn contexte de luta pelo poder Dc fato na politica nas artes c na ciclIcia 0 poder se constr6i atrave s do discurso e portanto a pretensao de que haja objeriidade nos discllrsos e falsa havendo entao apenas discursos mais podcrosos e menos poderosos

A lItilizaCao da geografia e da cicncia ilustrara esse POlltO Quando se analisam os l1lapas dos cartografos medievais e renascentistas pcrcebe-se que eics com seus contornos detalhes e nomes tornaram-se lima tecnologia do imperio lima interface graltca indispensavel nao apenas para navegar mas especialmente para gerenciar 0 mundo 0 conhecimellto e 0 saber dao direito as terras prometidas supostamente de nillguem a divisao do l11undo ao herofsl11o dos exploradores a diversidade cultural a alteridade ao racismo A partir da Nallrali Hisloria (77

dC) de PUnio e passando pelo Liber ChronicarUlI1 (1493) de Hartmann Schedel e pelo SyslclI1a Nailrae (1758) de Linnaeus ate as obras de certos cientistas do seculo XIX cspecialmente A de Gobineau em A desigllaldade das Yafas humanas (1855) as discussoes diretas OU indiretas sobre 0 racisll10 pareciam sempre tender a comprovar a superioridade das racas europeias e colocar na alteridade 0 resto do mundo A aproprialtao das ciencias seguiu 0 mesmo padrao do colonizador definido como a inciinaltao a dividir subdividir e redi vidir 0 seu tema sem nunca mudar de opiniao sobre 0 Oriente como algo que e sempre 0 mesmo objeto imutavel uniforme e radicalmente peculiar (SAID 1990 p 107)0 legado do imptrialisl110 foi construir as estruturas cientfficas sobre crencas existentes e herdadas com a iinalidadc de indicar e consolidar os supostos donos do mundo

Para Foucault 0 saber e 0 produto de urn discurso especffico que 0 formulou sem nenhuma validade fora disso As verdades das ciencias derivam do discurso ou da linguagem 0 saber nao eo efeito do acesso das ciencias para 0 mundo real ou para a realidade autentica mas das regras de seu proprio discurso Segue-se que 0 saber das ciencias humanas econstrufdo porque as pessoas foram persuadidas a aceita-lo como tal E saber porque 0 discurso e tao poderoso que nos fn acreditar que seja saber 0 saber portanto e produzido pelo poder Para Foucault a questao da veracidade ou falsidade de um discurso nao e importante ja que a verdade e produzida pelo poder Concentra-se portanto naformafao disClirsiva ou seja nas regras pelas quais 0 discurso e coerente ou nos princfpios subjacentes ao discurso Esses discursos dernminam 0 nosso modo de falar e pensar sobre por exemplo a sexualidade ou a sanidade mental e nos persuade para

258 - TEO R I A LITERA RIA

middot

-- -~ TEO R A E C R i gt C i P 6 s - CO L 0 N L S T S

o autopoliciamento e a supervisao dos outros Funcionando independentemente das inten ~6es

especificas individuais (Foucault n ao es ta falando sobre 0 abuso do poder por individuos ou

por governos que manipulam se us suditos e os m al1tem sob seu controle) os di sc ursos se

perpetuam pelos usu ar ios qu e reproduzem se u poder Na concep~ao de Foucault 0 di sc llrso

e internalizado por n6s organizando 0 nosso ponto de vista do mundo e colocando-nos como

um elo (inconsciente) na cadeia do poder Foucault portantQ coloca a linguagem no centro do

poder social e das praticas sociais E nesse ponto que se encontra 0 papel social da linguagem e

da literatura como poder hegemonico Todo 0 discmso de Os Ilsradas qu e iriOllenciou inteiras

gera~6es lu sas come~ando pela sua imita~ao da Encida ate as proezas heroicas dos portuglleses

nos pontos embrionarios da Africa e da Asia constroi a base de sua id eo logia da superioridade

do europeu qu e por mandato divino sllbmete os outros povos asua lei s uperior Semelhante

influencia exerce u 0 discurso das pe~as teatrais d e Shakespeare que outremiza e hierarquiza

os pmos lilllitrofes (os irlandeses) os de so rdeiros (homens e I1lLilhe res das tavern as) e os

habitante s das longinquas colonias (Cajiba) Esse fator sera visto melhor no contexto do posshycolonialismo

Embora 0 disc urso scja reple to de poder nao e imune aos desafios Oll as mlldan~as inte rna s

e 0 lugar de confliro e lura encarregado de criar e suprimir a resis te ncia Para Foucault 0

di scurso refor~a 0 pod er e ao mes mo tempo 0 su bverte Ao ser exposto 0 di sc urso torn a-se fragil e fica mais propenso a ser contrariado

Seguindo os para metros de FOl1cault c Gramsci Edward Said (193 5-2003) em OriclilalisllO publicado em 1978 de rnonstra como a teoria da desconstrl1~ao poder dcsafiar a preten sao de

objetiidade no contexto da hi stori a cultural Desconstruindo a natllrc za do poder colonial

Sa id (1978) aprofu nda a critica pos-colon ial ista que se desenvolveu d man te os til ti m os qua ren ta

anos Ele d esco ns troi a imagem que 0 mundo ocidental tem do Oriente ima ge l11 ess a que foi

construida por lJistoriadores escritores poctas e estudiosos durante varios sec ulos Utilizando

nao so os trahalhos erudiros mas tamhem as obras literar ias as passagens politicas os textos

jornalisticos livros de viagcns es tudos reli g iosos e filolo gicos (SAID 1990 p 34) Said mostra

a constru~ao do Oriente atraves de romances d esc ri~6es e informa~6es sobre a historia e a cliitura oriel1tais

Essas fOlll1a s de escrita ocidcntal cOl1stroem llill discurso fOuClliltiano ou seja lim s istema

de afirl11a~6e s e press upostos que constitllem um suposto sa ber e pelos quai s se constroi 0

conh ec im en to sobre 0 Oriente Evidentemente tai s cli sc ursos aparentel11ente dedicados

exclusival11ente ao sa ber estabelecem verdadeira s rel a~6es de poder Para Said (1990) as

representa~6es do Oriente (ou Orientalismo) feita s pelo Ocidente levam consciente e

dete rmini sticamente asubordina~ao Percebe-se d e fato um di sc urso etnocentrico repress ivo

qu e legitima 0 controle europeu sobre 0 Orie nte atraves do estabelecimento de um (omlmlo

negatimiddoto A esperteza 0 ocio a i rracionalidade a rudeza a sensual idade a crueIdade entre ou tros

formam esse (oll slmIO ern oposi~ao a outro (OII(lmlo positivo e supe rior (racional dernocratico

progress ivo civilizado etc) defendido e difundido pe la cuitllra ociclental Encontra-se n esse

ponto a hcgelllo llia do di scurso ocidental Segundo Gramsci (1998) a hegemonia e a domin a~ao

consentida ou seja 0 metodo pelo qual os dominadores con seg uem oprimir os subalternos I atraves d a ap rova~ao dparente de ssas rne smas classes sociais especialmente peIa cultura 0 Orientalisrno portanto legitirnou 0 imperialismo e 0 expmsionisrno para os proprios europells

e convencell os nativos sobre 0 universa li smo (d mai s adiantada civiliza~ao do planetd e a europeia) dd civiliza~ao europeia

A teo ria d e Sa id (1990) e de outros te6ricos pos-co lon ialistas q uase s i m u Itaneamen te

adotada pelos adeptos de estudos afro-americanos e por feministas stlbverte os pressupostos de

tlma objetiidade esptlria que sustenta 0 Ocidente a unicidade de sua cultura e de se u ponto

de vista

T II( ~ B O N-IC I LG c l O~ A - Z O LI N (OIlGAN I ZAD O RES ) - 259

N N I C I

-

Etnografia A pratica etnografica tOrna-se uma descri lt50 preco nce itual da cultura de uma raltJ a pa rtir

de pressupostos hegemonicos dos conqui stado res

Outro o sujeito hege m onico europe u

Hegemonia

Alem de significar 0 do minio de um estado sobre outro hege m onia e 0 pode r da classe dominante pa ra conve ncer as outras classes de que os interesses del a (da cl asse do minante) sao interesses comuns conscquentemente s~o ace itos por tOdas as Ollt raS classes

ouJro o suj eitO marginalizado pela hegemo nia euro peia uma pessoa de ralta o u etnia di ferente ou seja n50-branca e nao-euro pei a

Etnicidade Distinta da ide ntidade racial a etnicidade da pessoa inclui se us aspectos culturais como J religiao tradi lt6es de vestimenta e de comida WeltanschauulIg etc

Discurso o rexto transform ado pe lo contexto o u interpretaltao ponamo altamente carrcgado peb ideologia domil13 n te que exclui e degrada qualq ue r o utro discurso

Nativo Frequenrem ente e um term o degrad ante para significa r a pessoa primitiva educada des prov ida de literarura o u cultura

paga nao-

Imperio A pra tica europeu

polftica e ideol6gica de uma naltao hegemonica para o u tre m i za r 0 na o-

Panatico Eum si stema de supe ni sao consequcncia do poder sobre 0 sujeito o utrel11i zado 0 qud e amealtado po r todo tipo de reprovaltao moral e cultural c de exclusao

Quadro 1 Poder e controle

HISTORlA DO POS-COLONIAUSMO

Iniciou-se 0 seculo XX com um rr is te panorama composto (1) por dezenas de povos c ll a ~6es

s u bmetidosao colonial ismo eu ropeu (2) po r milh6es de negros descendentes de escravos espccia Imente nos Esrados Unid os e na Africa do Sui di sc riminados em seus direitos fundamentais (3) pcla metade

feminina da popula~ao mundial vivendo num contexte patriarcal (4) pe lo poder politico c economico nas maos da ra~a branca crista e ri ca em paises industrializados Apesa r dessa imagem sombria um

dos fatores m ais caracreristicos do seculo XX foi a nitida consciencia da subjetiv idade pol iti co-cultural

e da res istencia de povos e nac6es contra qualquer tentativa para m anter a obj e tifica~ao ou iniciar uma nova modalidade de dependencia 0 Renasc imento do Harlem (movimento cultural e literario entre

escritores e arti stas norte-americanos espec ialmente na cidade de Nova Io rque cuj a finalidade foi

rea l ~ar 0 interesse na cult~ra africana ao redor do m undo) nos Estados Unidos nas dccadas de 1920 c 1930 mostra a recusa em deixa r a cultura eurocentrica crista e branca continuar definindo a olro em

geral e a populaCao afro-americana em particul ar (APPWI GATES 1997) Identica atitude estava

por tras do movimento N egritlde na decada de 1930 em varios paises afri can os Essa tendencia para a autodeterminacao dos povos em todos os aspectos teve um recrudescimento apos a Segunda Guerra

Mundial especial mente nos movimentos pel os Direitos Civis nos Estados U nidos e na lura contra o colonialismo britanico frances ponugues alemao belga em todos os contin entes N esses caSOS a

autodetermina~ao politica e a autodefini Cao cultural andavam juntas Na pratica 0 Renascimento do Harl em e N egritude sao definidos como um mom enta cultural literario e polftico d e tal envergadura

que 0 teorico m artiniql1iano-arge lino Frantz Fanon confe re grande poder de luta po lirica as culturas e literaturas nacionais

260 - TE O R I A LIT E R A RIA

middot --_-~ T EO R I A E C R i middotr I C A I 6 s - CO L 0 N I t LIS T A S

Descolonizaltao I ( 1776-1825)

Movirnentos (1920-1939)

Illdcpendcncia no Commonmiddotea lth brit5nico ( 1930-19-12)

Desco l onizalt~o II ( 1945-1949)

MovilncIltos prcshyindependcncia (dCcada de 1930)

Desco lo ni zaltao III (1955 -1 975)

Estados Unidos America Centra l America do Sui

RenascimclllO do Harlem Estados Unidos Ncgrirllde lIa

Africa

Canad Australia India Paluistao Indonesia

Oriente Medio

Negritllde lI a Africa gucrril has

Africa do Nom Africa equatorial e subcq uato rial i1has do Caribc e col6n ias do slldeste asiatico c Ocea ni

Quadro 2 Mapa da descolonizaltao entre 1776-1 975

Historicamente 0 movimento pr6 -independencia especialm e nte das Americas britanica portuguesa e espanhola respectivamente no ultimo quartel d o sec ulo XVIII e no primeiro quartel do sec llio XIX favorece u ce rta autonomia as culturas nao-europeias (mas nao-ind igenas) com o consequente nascimento de uma literatura nac io nal (JOZEF 1982) N os sec ulos XVIII e XIX abundam no Brasil escritores e esc ritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incorporaltao de temas brasileiros seguilldo padroes estCt iros europeH Foram 0 Moderni smo brasileiro contudo iniciado na cl ecada de 1920 e s ll as subco rrentes que ap resentaram propostas de uma arte cssencialmente brasileira Em geral todavia fortes laltos ainda ama rravam as literatllras americanas aos modelos ellropeus Praticamente ate meados do seculo XX no co ntexto dos paises novos fabricados pelo colonialismo nao existia llma lite ratura nacional na Africa e na Asia e a literatura prodll zi da nesses contine ntes seguia padroes eurod~ntrjcos ja qu e foi esc rita por viajantes missionari os mulheres de aclministradores coloniais e sol dados intimamente ligados a metr6pole colonizadora Hariss imos foram os casos em que surgiram prodllltoes literari as diferentes clas da metr6polc Por olltro lado nao havia cl1lbasamento te6rico para detcctar a resistencia na lit eratura de entao Tampou co eram clese nolv idas form as cl e leitura e escrita que pudessem respo nde r a co lo niza ltao ellrope ia arrai gacla nos parametros do essenc ialisl11o de supe ri o riclade cultural e de degradaCao da cultllra dos 0111101

o pcriodoa p6s a Segunda G uerra Mundial viu 0 surgimento da te rceira onda de indcpcndencia politica cspecialm e nte nas naocs Clr iben has africanas e as iaticas e ao mesmo tempo de llma lite ratllra escrita pe los nativos nao sem problematizaltao nas lingu as dos ex-colonizadorcs Os romances The Pallll-Wille Drinkard (1952) de Amos Tutuola e Things Fall Apart (1958) de C hinue Achebe ambos nigerian os fo ram tal vez as primeiras expressoes literarias alllmlicallCIIIC lIalillas oriundas d a Africa e escritas em ingl es Nasce entao uma lite ratura original e m inglcs a partirdas exshycol6nias britanicas a qual nao poderia se r chamada simples mcntc literatura inglesa Criticos d a metr6pole inglesa logo desenvolveram a id e ia de Commofllveallh Litera ture (literatura da comUll idade das cx-col6nias britanicas) Evidentemente pode-se ver qu e a ideia de lima COlllll1oll llcalth Lileralure seguia os antigos pad roes m e tr6pole-coI 6 nia com a Inglaterra posicionando-se no centro e as novas nacoes independen tes colocadas na m argem Na decada de 1970 os esc ritores caribenhos africanos e asiaticos rej e itaram qllalquer conotaltao do COIIlfOI1 wealth dcvido a continualtao do eurocentrismo peb critica britanica e a reeusa dos escrito res nativos em admitir a superioridade da civilizaltao britanica e europe ia A expressao Commonwea lth Literature foi abandonada e surgiu a ide ia de chamar Literatllrasem ingles aexpressao literaria em lingua in g1esa oriunda das ex-col6nias britanicas Esse fe n6meno nao ficou restrito aliteratura em lingu a inglesa mas a todas as literaturas nasc idas nas ex-coI6nias Em seu importante livro Dathorne (1976) intitula os capitulos Teatro africano em frances e em ingles Literatura africana em portugues

Nestas ultimas tres decadas surgiu 0 problema de como ler as obras de escritores que es crevendo nas Hnguas europeias sao etnicamente nao-euro peus Hi atualmente escritores africa nos escrevend o em frances ingles e portugues autores caribenhos escrevendo em espanhol ingles frances ou ho landes escritores indianos paquistaneses e egipcios desenvolvendo uma

TH OMA S BONNICI LUCIA O SANA ZO ll N (ORG ANIZA DORES) - 261

II II

i I

-(Erraquoo N N I C I

-(

I literatura em ingles Ejll sto ler essas obcls profundamente in se ridas numa cultura nao-ocidental atraves de parametros estrllturalistas pos-estruturalistas materialistas culturais ou seja atraves de lima abordagem ocidentaP Qual e 0 statlls dessas literaturas produ zi das nas ex-colonias Se a relaltao entre a metropole e a colonia sempre foi ten sa nao deveria essa lirera tura escrita a partir da invasao colonial ate 0 presente mostrar as tensocs inerentes aos cnconrros coloniais Se a literatura da metropole foi usada para enfatizar a superioridade europeia atraves da degradaltao ou an iquilamento da cultura nao-europeia qual e 0 papel dessas lite raturas pos-coloniais

COLONIALISMO

o termo colonialismo caracteriza 0 modo pec uliar como aconteceu a exploraltao cultural durante os ultimos 500 anos causada peb expansao ellropeia Distinguem-se 0 imperialisll10 mediterraneo da Antiguidad e e 0 colonialismo pos-Renascimento No mundo antigo as grandes civilizaltoes mediterraneas orgulhavam-se em possuir colonias e insistiam na hegemonia da merropole sobre a periferia a qual era considerada barbara inculta e inferior Said (1995 p 40) define esse imperillm como a pratica a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um

territorio di stante como aconteceu a partir de 336 aC quando 0 imperio de Alexandre da Macedonia levou a civilizaltao helenica para fora do Mediterraneo e polarizoll as ideias e as energias europeias para 0 Oriente ou quando 0 imperio romano apos 264 ac conquistou as ilhas mediterran eas a Espanha 0 norte da Africa 0 Oriente Medio 0 Egiro a Galia a Alemanha e a Inglaterra Por outro lado 0 mesmo autor afirma que 0 coloniali smo praticado apos 0 Renascimento e a implantaltao de colonias em territorio distante como consequencia do capiralismo incipiente com a finalidade de exploraltao material para 0 cnriquecimento da mctropolc

A expansao colonial europeia nos seculos Arv e XVI coincidiu ponanro COIll 0 inicio de um sistema capitalista moderno de trocas economicas As colonias foram imediaranlelHc percebidas como fonte de materias-primas que sllstentariam por 111 II ito tempo 0 poder central da merropole Limitandoshynos ao Brasil pode-se constatar que a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha are a publicaltao em 1711 de Oilillra e 0pllencia do Brasil de Andre Joao Antonil inumeros sao os rextos informativos sobre os recursos economicos das colonias e as praticas de exploraltao do territorio colonial Adel1lais 0

sistema pan6plico pelo qual se supervisionava 0 espalto colonial era 0 metodo de viajanres c exploradores europeus dos seculos XIX e XX representando 0 conhecimento e 0 poder Entre 0 colonizador e 0

colonizado estabeleceu-se um sistema de diferenlta hierarquica pounddada ajamais admitir lim equillbrio no relacionamento econ6mico social e cultural

Mais grave tornou-se a situaltao de povos colonizados que eram racialmente diferen tes (os

hotentotes na costa africana) ou que formavam uma rninoria (os aborfgenes da Australia) Entre o colonizador e 0 colonizado havia 0 fator rasa que construfa um relacionamento illjusto e desigua

Os te rmos rasa m(islIIo e precollceito a(ial sao oriundos da posiltao hegemonica cmopeia Esse topico transformou-se numa justificativa para introduzir 0 regime escravocrata a partir de m eados do

seculo XVI quando se formou a ideia de um mundo colonial habitado por genre naturalmente

inferior programada pela natureza para trabalhar braltalmente e servir ao homem europeu branco Do ponto de vista dos gregos e dos romanos os barbaroi apenas nao falavam a lingua clllta e situavam-se fora da historia e da civilizaltao Aos olhos dos europeus colonizadores 0 estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutfve l provado no seculo XIX pelas

teorias da evolultao e da sobrevivencia do mais forte na doutrina darwinista Se frequentemente 0

colollizaclo aceitava a ideologia e os valores do colonizador c transformava-se emfantoche (lIIimic lIlan nos romances de VS Naipaul) em outras ocasioes mostrava sua resistencia e subversao

atraves da mfmica e dapar6dia

262 - TEO R I A L ITERARIA

-middot t~ --~~~y TEOR1A E CRiT1CA rOS-COLON1AL1STAS

Segundo Ashcroft el al (1991) podemos sistematizar as col6nias em (1) col6nias de povoadores (2) col6nias de sociedades invadidas e (3) col6nias de sociedades duplamente invadidas Nas col6nias de colonizadores (America espanhola Brasil Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zelandia) a terra foiocupada por colonos europeus que conquistlrlm mltaram ou deslocaram as populac6es indfgenas Uml modalidade de civilizacao europeia foi transplantlda no vnio construfdo e os descendentes de europeus mesmo lp6s a independencil polltica mantiverlm 0 idioml nao-indigena Os colonos inquestionavelmente considerlvlm que 0 idioma europeu era lpropriado para expressar a complexa realidlde do luglr ocupado marginllizlndo as linguas indigenas

Nas col6nias de sociedades invadidas (India e Africa com suas civilizlc6es em varios estagios de desenvolvimento) as populalt6es foram colonizadas em SUl terra Os escritores nltivos portanto ja possuiam ideologils organizacoes societarias e formas politicas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente 0 idioma europeu substituiu 0 idioma do nativo no mlis ofereceushyIhes uml oportunidade para eomuniear-se com outrls soeiedades elevar seu l1ivel cultural e manter as ligac6es com a metr6pole Em todos os casos 0 idioma europeu sempre causou e lindl Clusa certl ambiguidade espeeialmente na literatura nativa

As eol6nias das soeiedades duplamente invadidas referem-se ao esplCo ocupado pellS soeiedldes primordiais dos indigenas dlS ilhas do Clribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cern anos do descobrimento A populacao atull das indias Ocidentlis eio dl Africa Indil Oriente Medio e dl Europt e e 0 resultado do desloctmento do exilio 011 da escrlvidao Entre todas as sociedades colonizadas tllvez a sociedade caribenha sejl l que mais sofreu os efeitos devastadotes do proeesso eolonizldor onde 0 idioma e a eultura dominantes foram impostos e as eulturas de povos

tao diversos aniquilrldas

COLONlAS DE POVOADORES COLONlAS DE SOCIEDADES I NVAD IDAS

COLONlAS DE SOCIEDADES DUPLAMENTE COLONIZADAS

Americas espanhola c portuguesa Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zcl1ndia

india c Africa As illm do Caribc 0 gcnocidio praticado contra os indigenas efctivou 0

dcslocamcllto de popula~6cs da Africa india Asia Oriente Medio e da Europa para a rCgiao

Linglias nativas quasc extintas prevalcccndo as Iinglias ellropcias

Linguas nativas intcnsamentc lingua apropriada

praticadas europeia

Linguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as linguas europeias

QUldro 3 Tipos de col6nias vicissitude das I inguas natias e linguls dominantes

A colonizaC30 e 0 discurso colonialista eram tambem impregnldos pelo patriarealismo e pela exclusividlde sexista 0 termo homem e seus derivados inclufam 0 homem e a mulher 0 mesmo privilegio nao era dado ao termo mulher A ideologia subjlcente consistia portanto nl juncao das noc6es metr6pole e patriarcllismo que estavlm empenhadls em impor a eivilizacao europeia ao res to do mundo A acao civilizadora levada ao interior pelo eolonizador britanieo a partir de 1750 na Africa India e no sudeste asiatico era tao bern preparada que eseondia a violencia e a degradacao as quais foram submetidos os nativos Dois seeulos antes a mesma justificativa de Colombo para fazeshylos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanh6is para il camuflar a utilizacao de mao-de-obra indfgena em suas col6nias amerieanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal aSSlImidas pelas nacoes europeias nada mais foram que urn pretexto pelo qual

THOMAS BONNICI L0cl OSAN ZOllN (ORGANIZADORES) - 263

i

-~

~o N N I C I

intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisiltao de materias-primas para suprir as nalt6es em) processo de industrializaltao crescente

o estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tambem os colonos brancos

que aos olhos dos agentes governamentais e da metr6pole ficaram degenerados pelo hibridismo

Em Wide Sargasso Sea (1966) de Jean Rhys foram tribuldas aprotagonista Antoinette Cosway

acusalt6es de incesto loucura adulterio e ninfomni porque ela era 0 resultdo cia mestiltagem

de descendentes britanicos com negros cribenhos No romance 0 wrtifo (1890) Jeronimo 0

portugues exemplar mergulha na mass humam da fe e degrada-se dinte dos encantos do

ambiente cia mllsica tropical e de modo especial da sensualidde de Rita Baiana A metr6pole

portanto enfatizava 0 fato de que esses colonos degenerados prescindindo da heranlta cultural

de seus antepassados europeus desenvolveram as caracrerfsticas dos nativos (preguilta danlta)

ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional ( bebedeira dos irlandeses) Todos esses

aspectos criaram urn sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas

essencialmente inferiores Nos seculos XVI e XVII os colonizadores espanh6is portugueses

e holandeses e mais tarde nos seculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e Franlta puseram

em pratica 0 conceito polarizador n6s - eles ou Ollira - olliro Para garantir a coesao do

Outro diante das vicissitudes do mundo modemo 0 colonizado foi incentivado a receber e

compartilhar as benesses da civilizaltao Para 0 colonizado esse futuro promissor foi sempre

preterido

OUTRO (0 COLONIZADOR) Outro (0 COLONlZADO)

1 0 centro imperial (a) constr6i 0 sistema pelo qual 0 sujeito colonizado forma a sua identidade como ciependente ou outro (b) torna-se a unica estrutura pela qual 0 sujeito colonizado compreende 0 mundo

2 Representa 0 Outro Simb6lico e a Lei-do-Pai (conforme a terminologia de Lacan)

1 0 outro e formado por discursos de (a) primitivisl1lo (b) canibalisl1lo (c) separacao binaria entre 0 colollizador e 0 colonizado (d) afirmacao da supremacia da cultura ideologia e visao do mundo do colonizador

2 o sujeito colonizado e filho do imperio e 0

sujeito degradado do discurso imperial

Quadro 40 Outro e 0 outro no sistema colonial

o colonialismo fortanto gira em torno de urn pressuposto no qual 0 poderoso centro cria a

sua periferia Embora 0 binomio centromargem seja uma noltao binaria ela define 0 que ocorreu

na representaltao dos indivfduos durante 0 periodo colonial 0 mundo foi dividido em duas

partes hierarquicamente constitufdas e 0 centro se consolidaa apenas atraves da existencia do

outro colonizado Segue-se que 0 centro a civilizaltao a ciencia 0 progresso existiam porque havia

todo urn discurso sobre a colonia a selvageria a ignorancia 0 atraso cultural Constituindoshy

se 0 centro e relegando tudo 0 que havia fora dela como peri feria da cultura e da civilizaltao a

Europa sentia-se na incumbencia (missao) de colocar sob diversos pretextos essa margem em

seu ambito Enquanto DomJoao III escreve em 1548 que 0 principal objetivo de povoar as ditas

terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse anossa fe cat6Iica em 18970 secretario

das colonias ingles Joseph Chamberlain considerava as col6nias britanicas como estados naoshy

desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistencia imperial e que nao havia

outra solultao para garantir emprego pleno aos ingleses sem a crialtao de novos mercados (LANE

1978)

264 - TEO R ) A LITERARIA

-~

-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

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~o N N I C I

j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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284 - TEO R I A LIT ERA R I A

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Page 3: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

middot

-- -~ TEO R A E C R i gt C i P 6 s - CO L 0 N L S T S

o autopoliciamento e a supervisao dos outros Funcionando independentemente das inten ~6es

especificas individuais (Foucault n ao es ta falando sobre 0 abuso do poder por individuos ou

por governos que manipulam se us suditos e os m al1tem sob seu controle) os di sc ursos se

perpetuam pelos usu ar ios qu e reproduzem se u poder Na concep~ao de Foucault 0 di sc llrso

e internalizado por n6s organizando 0 nosso ponto de vista do mundo e colocando-nos como

um elo (inconsciente) na cadeia do poder Foucault portantQ coloca a linguagem no centro do

poder social e das praticas sociais E nesse ponto que se encontra 0 papel social da linguagem e

da literatura como poder hegemonico Todo 0 discmso de Os Ilsradas qu e iriOllenciou inteiras

gera~6es lu sas come~ando pela sua imita~ao da Encida ate as proezas heroicas dos portuglleses

nos pontos embrionarios da Africa e da Asia constroi a base de sua id eo logia da superioridade

do europeu qu e por mandato divino sllbmete os outros povos asua lei s uperior Semelhante

influencia exerce u 0 discurso das pe~as teatrais d e Shakespeare que outremiza e hierarquiza

os pmos lilllitrofes (os irlandeses) os de so rdeiros (homens e I1lLilhe res das tavern as) e os

habitante s das longinquas colonias (Cajiba) Esse fator sera visto melhor no contexto do posshycolonialismo

Embora 0 disc urso scja reple to de poder nao e imune aos desafios Oll as mlldan~as inte rna s

e 0 lugar de confliro e lura encarregado de criar e suprimir a resis te ncia Para Foucault 0

di scurso refor~a 0 pod er e ao mes mo tempo 0 su bverte Ao ser exposto 0 di sc urso torn a-se fragil e fica mais propenso a ser contrariado

Seguindo os para metros de FOl1cault c Gramsci Edward Said (193 5-2003) em OriclilalisllO publicado em 1978 de rnonstra como a teoria da desconstrl1~ao poder dcsafiar a preten sao de

objetiidade no contexto da hi stori a cultural Desconstruindo a natllrc za do poder colonial

Sa id (1978) aprofu nda a critica pos-colon ial ista que se desenvolveu d man te os til ti m os qua ren ta

anos Ele d esco ns troi a imagem que 0 mundo ocidental tem do Oriente ima ge l11 ess a que foi

construida por lJistoriadores escritores poctas e estudiosos durante varios sec ulos Utilizando

nao so os trahalhos erudiros mas tamhem as obras literar ias as passagens politicas os textos

jornalisticos livros de viagcns es tudos reli g iosos e filolo gicos (SAID 1990 p 34) Said mostra

a constru~ao do Oriente atraves de romances d esc ri~6es e informa~6es sobre a historia e a cliitura oriel1tais

Essas fOlll1a s de escrita ocidcntal cOl1stroem llill discurso fOuClliltiano ou seja lim s istema

de afirl11a~6e s e press upostos que constitllem um suposto sa ber e pelos quai s se constroi 0

conh ec im en to sobre 0 Oriente Evidentemente tai s cli sc ursos aparentel11ente dedicados

exclusival11ente ao sa ber estabelecem verdadeira s rel a~6es de poder Para Said (1990) as

representa~6es do Oriente (ou Orientalismo) feita s pelo Ocidente levam consciente e

dete rmini sticamente asubordina~ao Percebe-se d e fato um di sc urso etnocentrico repress ivo

qu e legitima 0 controle europeu sobre 0 Orie nte atraves do estabelecimento de um (omlmlo

negatimiddoto A esperteza 0 ocio a i rracionalidade a rudeza a sensual idade a crueIdade entre ou tros

formam esse (oll slmIO ern oposi~ao a outro (OII(lmlo positivo e supe rior (racional dernocratico

progress ivo civilizado etc) defendido e difundido pe la cuitllra ociclental Encontra-se n esse

ponto a hcgelllo llia do di scurso ocidental Segundo Gramsci (1998) a hegemonia e a domin a~ao

consentida ou seja 0 metodo pelo qual os dominadores con seg uem oprimir os subalternos I atraves d a ap rova~ao dparente de ssas rne smas classes sociais especialmente peIa cultura 0 Orientalisrno portanto legitirnou 0 imperialismo e 0 expmsionisrno para os proprios europells

e convencell os nativos sobre 0 universa li smo (d mai s adiantada civiliza~ao do planetd e a europeia) dd civiliza~ao europeia

A teo ria d e Sa id (1990) e de outros te6ricos pos-co lon ialistas q uase s i m u Itaneamen te

adotada pelos adeptos de estudos afro-americanos e por feministas stlbverte os pressupostos de

tlma objetiidade esptlria que sustenta 0 Ocidente a unicidade de sua cultura e de se u ponto

de vista

T II( ~ B O N-IC I LG c l O~ A - Z O LI N (OIlGAN I ZAD O RES ) - 259

N N I C I

-

Etnografia A pratica etnografica tOrna-se uma descri lt50 preco nce itual da cultura de uma raltJ a pa rtir

de pressupostos hegemonicos dos conqui stado res

Outro o sujeito hege m onico europe u

Hegemonia

Alem de significar 0 do minio de um estado sobre outro hege m onia e 0 pode r da classe dominante pa ra conve ncer as outras classes de que os interesses del a (da cl asse do minante) sao interesses comuns conscquentemente s~o ace itos por tOdas as Ollt raS classes

ouJro o suj eitO marginalizado pela hegemo nia euro peia uma pessoa de ralta o u etnia di ferente ou seja n50-branca e nao-euro pei a

Etnicidade Distinta da ide ntidade racial a etnicidade da pessoa inclui se us aspectos culturais como J religiao tradi lt6es de vestimenta e de comida WeltanschauulIg etc

Discurso o rexto transform ado pe lo contexto o u interpretaltao ponamo altamente carrcgado peb ideologia domil13 n te que exclui e degrada qualq ue r o utro discurso

Nativo Frequenrem ente e um term o degrad ante para significa r a pessoa primitiva educada des prov ida de literarura o u cultura

paga nao-

Imperio A pra tica europeu

polftica e ideol6gica de uma naltao hegemonica para o u tre m i za r 0 na o-

Panatico Eum si stema de supe ni sao consequcncia do poder sobre 0 sujeito o utrel11i zado 0 qud e amealtado po r todo tipo de reprovaltao moral e cultural c de exclusao

Quadro 1 Poder e controle

HISTORlA DO POS-COLONIAUSMO

Iniciou-se 0 seculo XX com um rr is te panorama composto (1) por dezenas de povos c ll a ~6es

s u bmetidosao colonial ismo eu ropeu (2) po r milh6es de negros descendentes de escravos espccia Imente nos Esrados Unid os e na Africa do Sui di sc riminados em seus direitos fundamentais (3) pcla metade

feminina da popula~ao mundial vivendo num contexte patriarcal (4) pe lo poder politico c economico nas maos da ra~a branca crista e ri ca em paises industrializados Apesa r dessa imagem sombria um

dos fatores m ais caracreristicos do seculo XX foi a nitida consciencia da subjetiv idade pol iti co-cultural

e da res istencia de povos e nac6es contra qualquer tentativa para m anter a obj e tifica~ao ou iniciar uma nova modalidade de dependencia 0 Renasc imento do Harlem (movimento cultural e literario entre

escritores e arti stas norte-americanos espec ialmente na cidade de Nova Io rque cuj a finalidade foi

rea l ~ar 0 interesse na cult~ra africana ao redor do m undo) nos Estados Unidos nas dccadas de 1920 c 1930 mostra a recusa em deixa r a cultura eurocentrica crista e branca continuar definindo a olro em

geral e a populaCao afro-americana em particul ar (APPWI GATES 1997) Identica atitude estava

por tras do movimento N egritlde na decada de 1930 em varios paises afri can os Essa tendencia para a autodeterminacao dos povos em todos os aspectos teve um recrudescimento apos a Segunda Guerra

Mundial especial mente nos movimentos pel os Direitos Civis nos Estados U nidos e na lura contra o colonialismo britanico frances ponugues alemao belga em todos os contin entes N esses caSOS a

autodetermina~ao politica e a autodefini Cao cultural andavam juntas Na pratica 0 Renascimento do Harl em e N egritude sao definidos como um mom enta cultural literario e polftico d e tal envergadura

que 0 teorico m artiniql1iano-arge lino Frantz Fanon confe re grande poder de luta po lirica as culturas e literaturas nacionais

260 - TE O R I A LIT E R A RIA

middot --_-~ T EO R I A E C R i middotr I C A I 6 s - CO L 0 N I t LIS T A S

Descolonizaltao I ( 1776-1825)

Movirnentos (1920-1939)

Illdcpendcncia no Commonmiddotea lth brit5nico ( 1930-19-12)

Desco l onizalt~o II ( 1945-1949)

MovilncIltos prcshyindependcncia (dCcada de 1930)

Desco lo ni zaltao III (1955 -1 975)

Estados Unidos America Centra l America do Sui

RenascimclllO do Harlem Estados Unidos Ncgrirllde lIa

Africa

Canad Australia India Paluistao Indonesia

Oriente Medio

Negritllde lI a Africa gucrril has

Africa do Nom Africa equatorial e subcq uato rial i1has do Caribc e col6n ias do slldeste asiatico c Ocea ni

Quadro 2 Mapa da descolonizaltao entre 1776-1 975

Historicamente 0 movimento pr6 -independencia especialm e nte das Americas britanica portuguesa e espanhola respectivamente no ultimo quartel d o sec ulo XVIII e no primeiro quartel do sec llio XIX favorece u ce rta autonomia as culturas nao-europeias (mas nao-ind igenas) com o consequente nascimento de uma literatura nac io nal (JOZEF 1982) N os sec ulos XVIII e XIX abundam no Brasil escritores e esc ritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incorporaltao de temas brasileiros seguilldo padroes estCt iros europeH Foram 0 Moderni smo brasileiro contudo iniciado na cl ecada de 1920 e s ll as subco rrentes que ap resentaram propostas de uma arte cssencialmente brasileira Em geral todavia fortes laltos ainda ama rravam as literatllras americanas aos modelos ellropeus Praticamente ate meados do seculo XX no co ntexto dos paises novos fabricados pelo colonialismo nao existia llma lite ratura nacional na Africa e na Asia e a literatura prodll zi da nesses contine ntes seguia padroes eurod~ntrjcos ja qu e foi esc rita por viajantes missionari os mulheres de aclministradores coloniais e sol dados intimamente ligados a metr6pole colonizadora Hariss imos foram os casos em que surgiram prodllltoes literari as diferentes clas da metr6polc Por olltro lado nao havia cl1lbasamento te6rico para detcctar a resistencia na lit eratura de entao Tampou co eram clese nolv idas form as cl e leitura e escrita que pudessem respo nde r a co lo niza ltao ellrope ia arrai gacla nos parametros do essenc ialisl11o de supe ri o riclade cultural e de degradaCao da cultllra dos 0111101

o pcriodoa p6s a Segunda G uerra Mundial viu 0 surgimento da te rceira onda de indcpcndencia politica cspecialm e nte nas naocs Clr iben has africanas e as iaticas e ao mesmo tempo de llma lite ratllra escrita pe los nativos nao sem problematizaltao nas lingu as dos ex-colonizadorcs Os romances The Pallll-Wille Drinkard (1952) de Amos Tutuola e Things Fall Apart (1958) de C hinue Achebe ambos nigerian os fo ram tal vez as primeiras expressoes literarias alllmlicallCIIIC lIalillas oriundas d a Africa e escritas em ingl es Nasce entao uma lite ratura original e m inglcs a partirdas exshycol6nias britanicas a qual nao poderia se r chamada simples mcntc literatura inglesa Criticos d a metr6pole inglesa logo desenvolveram a id e ia de Commofllveallh Litera ture (literatura da comUll idade das cx-col6nias britanicas) Evidentemente pode-se ver qu e a ideia de lima COlllll1oll llcalth Lileralure seguia os antigos pad roes m e tr6pole-coI 6 nia com a Inglaterra posicionando-se no centro e as novas nacoes independen tes colocadas na m argem Na decada de 1970 os esc ritores caribenhos africanos e asiaticos rej e itaram qllalquer conotaltao do COIIlfOI1 wealth dcvido a continualtao do eurocentrismo peb critica britanica e a reeusa dos escrito res nativos em admitir a superioridade da civilizaltao britanica e europe ia A expressao Commonwea lth Literature foi abandonada e surgiu a ide ia de chamar Literatllrasem ingles aexpressao literaria em lingua in g1esa oriunda das ex-col6nias britanicas Esse fe n6meno nao ficou restrito aliteratura em lingu a inglesa mas a todas as literaturas nasc idas nas ex-coI6nias Em seu importante livro Dathorne (1976) intitula os capitulos Teatro africano em frances e em ingles Literatura africana em portugues

Nestas ultimas tres decadas surgiu 0 problema de como ler as obras de escritores que es crevendo nas Hnguas europeias sao etnicamente nao-euro peus Hi atualmente escritores africa nos escrevend o em frances ingles e portugues autores caribenhos escrevendo em espanhol ingles frances ou ho landes escritores indianos paquistaneses e egipcios desenvolvendo uma

TH OMA S BONNICI LUCIA O SANA ZO ll N (ORG ANIZA DORES) - 261

II II

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-(Erraquoo N N I C I

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I literatura em ingles Ejll sto ler essas obcls profundamente in se ridas numa cultura nao-ocidental atraves de parametros estrllturalistas pos-estruturalistas materialistas culturais ou seja atraves de lima abordagem ocidentaP Qual e 0 statlls dessas literaturas produ zi das nas ex-colonias Se a relaltao entre a metropole e a colonia sempre foi ten sa nao deveria essa lirera tura escrita a partir da invasao colonial ate 0 presente mostrar as tensocs inerentes aos cnconrros coloniais Se a literatura da metropole foi usada para enfatizar a superioridade europeia atraves da degradaltao ou an iquilamento da cultura nao-europeia qual e 0 papel dessas lite raturas pos-coloniais

COLONIALISMO

o termo colonialismo caracteriza 0 modo pec uliar como aconteceu a exploraltao cultural durante os ultimos 500 anos causada peb expansao ellropeia Distinguem-se 0 imperialisll10 mediterraneo da Antiguidad e e 0 colonialismo pos-Renascimento No mundo antigo as grandes civilizaltoes mediterraneas orgulhavam-se em possuir colonias e insistiam na hegemonia da merropole sobre a periferia a qual era considerada barbara inculta e inferior Said (1995 p 40) define esse imperillm como a pratica a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um

territorio di stante como aconteceu a partir de 336 aC quando 0 imperio de Alexandre da Macedonia levou a civilizaltao helenica para fora do Mediterraneo e polarizoll as ideias e as energias europeias para 0 Oriente ou quando 0 imperio romano apos 264 ac conquistou as ilhas mediterran eas a Espanha 0 norte da Africa 0 Oriente Medio 0 Egiro a Galia a Alemanha e a Inglaterra Por outro lado 0 mesmo autor afirma que 0 coloniali smo praticado apos 0 Renascimento e a implantaltao de colonias em territorio distante como consequencia do capiralismo incipiente com a finalidade de exploraltao material para 0 cnriquecimento da mctropolc

A expansao colonial europeia nos seculos Arv e XVI coincidiu ponanro COIll 0 inicio de um sistema capitalista moderno de trocas economicas As colonias foram imediaranlelHc percebidas como fonte de materias-primas que sllstentariam por 111 II ito tempo 0 poder central da merropole Limitandoshynos ao Brasil pode-se constatar que a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha are a publicaltao em 1711 de Oilillra e 0pllencia do Brasil de Andre Joao Antonil inumeros sao os rextos informativos sobre os recursos economicos das colonias e as praticas de exploraltao do territorio colonial Adel1lais 0

sistema pan6plico pelo qual se supervisionava 0 espalto colonial era 0 metodo de viajanres c exploradores europeus dos seculos XIX e XX representando 0 conhecimento e 0 poder Entre 0 colonizador e 0

colonizado estabeleceu-se um sistema de diferenlta hierarquica pounddada ajamais admitir lim equillbrio no relacionamento econ6mico social e cultural

Mais grave tornou-se a situaltao de povos colonizados que eram racialmente diferen tes (os

hotentotes na costa africana) ou que formavam uma rninoria (os aborfgenes da Australia) Entre o colonizador e 0 colonizado havia 0 fator rasa que construfa um relacionamento illjusto e desigua

Os te rmos rasa m(islIIo e precollceito a(ial sao oriundos da posiltao hegemonica cmopeia Esse topico transformou-se numa justificativa para introduzir 0 regime escravocrata a partir de m eados do

seculo XVI quando se formou a ideia de um mundo colonial habitado por genre naturalmente

inferior programada pela natureza para trabalhar braltalmente e servir ao homem europeu branco Do ponto de vista dos gregos e dos romanos os barbaroi apenas nao falavam a lingua clllta e situavam-se fora da historia e da civilizaltao Aos olhos dos europeus colonizadores 0 estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutfve l provado no seculo XIX pelas

teorias da evolultao e da sobrevivencia do mais forte na doutrina darwinista Se frequentemente 0

colollizaclo aceitava a ideologia e os valores do colonizador c transformava-se emfantoche (lIIimic lIlan nos romances de VS Naipaul) em outras ocasioes mostrava sua resistencia e subversao

atraves da mfmica e dapar6dia

262 - TEO R I A L ITERARIA

-middot t~ --~~~y TEOR1A E CRiT1CA rOS-COLON1AL1STAS

Segundo Ashcroft el al (1991) podemos sistematizar as col6nias em (1) col6nias de povoadores (2) col6nias de sociedades invadidas e (3) col6nias de sociedades duplamente invadidas Nas col6nias de colonizadores (America espanhola Brasil Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zelandia) a terra foiocupada por colonos europeus que conquistlrlm mltaram ou deslocaram as populac6es indfgenas Uml modalidade de civilizacao europeia foi transplantlda no vnio construfdo e os descendentes de europeus mesmo lp6s a independencil polltica mantiverlm 0 idioml nao-indigena Os colonos inquestionavelmente considerlvlm que 0 idioma europeu era lpropriado para expressar a complexa realidlde do luglr ocupado marginllizlndo as linguas indigenas

Nas col6nias de sociedades invadidas (India e Africa com suas civilizlc6es em varios estagios de desenvolvimento) as populalt6es foram colonizadas em SUl terra Os escritores nltivos portanto ja possuiam ideologils organizacoes societarias e formas politicas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente 0 idioma europeu substituiu 0 idioma do nativo no mlis ofereceushyIhes uml oportunidade para eomuniear-se com outrls soeiedades elevar seu l1ivel cultural e manter as ligac6es com a metr6pole Em todos os casos 0 idioma europeu sempre causou e lindl Clusa certl ambiguidade espeeialmente na literatura nativa

As eol6nias das soeiedades duplamente invadidas referem-se ao esplCo ocupado pellS soeiedldes primordiais dos indigenas dlS ilhas do Clribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cern anos do descobrimento A populacao atull das indias Ocidentlis eio dl Africa Indil Oriente Medio e dl Europt e e 0 resultado do desloctmento do exilio 011 da escrlvidao Entre todas as sociedades colonizadas tllvez a sociedade caribenha sejl l que mais sofreu os efeitos devastadotes do proeesso eolonizldor onde 0 idioma e a eultura dominantes foram impostos e as eulturas de povos

tao diversos aniquilrldas

COLONlAS DE POVOADORES COLONlAS DE SOCIEDADES I NVAD IDAS

COLONlAS DE SOCIEDADES DUPLAMENTE COLONIZADAS

Americas espanhola c portuguesa Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zcl1ndia

india c Africa As illm do Caribc 0 gcnocidio praticado contra os indigenas efctivou 0

dcslocamcllto de popula~6cs da Africa india Asia Oriente Medio e da Europa para a rCgiao

Linglias nativas quasc extintas prevalcccndo as Iinglias ellropcias

Linguas nativas intcnsamentc lingua apropriada

praticadas europeia

Linguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as linguas europeias

QUldro 3 Tipos de col6nias vicissitude das I inguas natias e linguls dominantes

A colonizaC30 e 0 discurso colonialista eram tambem impregnldos pelo patriarealismo e pela exclusividlde sexista 0 termo homem e seus derivados inclufam 0 homem e a mulher 0 mesmo privilegio nao era dado ao termo mulher A ideologia subjlcente consistia portanto nl juncao das noc6es metr6pole e patriarcllismo que estavlm empenhadls em impor a eivilizacao europeia ao res to do mundo A acao civilizadora levada ao interior pelo eolonizador britanieo a partir de 1750 na Africa India e no sudeste asiatico era tao bern preparada que eseondia a violencia e a degradacao as quais foram submetidos os nativos Dois seeulos antes a mesma justificativa de Colombo para fazeshylos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanh6is para il camuflar a utilizacao de mao-de-obra indfgena em suas col6nias amerieanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal aSSlImidas pelas nacoes europeias nada mais foram que urn pretexto pelo qual

THOMAS BONNICI L0cl OSAN ZOllN (ORGANIZADORES) - 263

i

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~o N N I C I

intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisiltao de materias-primas para suprir as nalt6es em) processo de industrializaltao crescente

o estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tambem os colonos brancos

que aos olhos dos agentes governamentais e da metr6pole ficaram degenerados pelo hibridismo

Em Wide Sargasso Sea (1966) de Jean Rhys foram tribuldas aprotagonista Antoinette Cosway

acusalt6es de incesto loucura adulterio e ninfomni porque ela era 0 resultdo cia mestiltagem

de descendentes britanicos com negros cribenhos No romance 0 wrtifo (1890) Jeronimo 0

portugues exemplar mergulha na mass humam da fe e degrada-se dinte dos encantos do

ambiente cia mllsica tropical e de modo especial da sensualidde de Rita Baiana A metr6pole

portanto enfatizava 0 fato de que esses colonos degenerados prescindindo da heranlta cultural

de seus antepassados europeus desenvolveram as caracrerfsticas dos nativos (preguilta danlta)

ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional ( bebedeira dos irlandeses) Todos esses

aspectos criaram urn sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas

essencialmente inferiores Nos seculos XVI e XVII os colonizadores espanh6is portugueses

e holandeses e mais tarde nos seculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e Franlta puseram

em pratica 0 conceito polarizador n6s - eles ou Ollira - olliro Para garantir a coesao do

Outro diante das vicissitudes do mundo modemo 0 colonizado foi incentivado a receber e

compartilhar as benesses da civilizaltao Para 0 colonizado esse futuro promissor foi sempre

preterido

OUTRO (0 COLONIZADOR) Outro (0 COLONlZADO)

1 0 centro imperial (a) constr6i 0 sistema pelo qual 0 sujeito colonizado forma a sua identidade como ciependente ou outro (b) torna-se a unica estrutura pela qual 0 sujeito colonizado compreende 0 mundo

2 Representa 0 Outro Simb6lico e a Lei-do-Pai (conforme a terminologia de Lacan)

1 0 outro e formado por discursos de (a) primitivisl1lo (b) canibalisl1lo (c) separacao binaria entre 0 colollizador e 0 colonizado (d) afirmacao da supremacia da cultura ideologia e visao do mundo do colonizador

2 o sujeito colonizado e filho do imperio e 0

sujeito degradado do discurso imperial

Quadro 40 Outro e 0 outro no sistema colonial

o colonialismo fortanto gira em torno de urn pressuposto no qual 0 poderoso centro cria a

sua periferia Embora 0 binomio centromargem seja uma noltao binaria ela define 0 que ocorreu

na representaltao dos indivfduos durante 0 periodo colonial 0 mundo foi dividido em duas

partes hierarquicamente constitufdas e 0 centro se consolidaa apenas atraves da existencia do

outro colonizado Segue-se que 0 centro a civilizaltao a ciencia 0 progresso existiam porque havia

todo urn discurso sobre a colonia a selvageria a ignorancia 0 atraso cultural Constituindoshy

se 0 centro e relegando tudo 0 que havia fora dela como peri feria da cultura e da civilizaltao a

Europa sentia-se na incumbencia (missao) de colocar sob diversos pretextos essa margem em

seu ambito Enquanto DomJoao III escreve em 1548 que 0 principal objetivo de povoar as ditas

terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse anossa fe cat6Iica em 18970 secretario

das colonias ingles Joseph Chamberlain considerava as col6nias britanicas como estados naoshy

desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistencia imperial e que nao havia

outra solultao para garantir emprego pleno aos ingleses sem a crialtao de novos mercados (LANE

1978)

264 - TEO R ) A LITERARIA

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-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

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j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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TODOROV T A ((l llqllila da Alllhi((1 a questao do outro Sao Paulo Martin s Fontes 1991

TI()lvlAS BON N l e l I LUCIA OS NA ZOLIN (OHGIINIZADORES) - 285

Page 4: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

N N I C I

-

Etnografia A pratica etnografica tOrna-se uma descri lt50 preco nce itual da cultura de uma raltJ a pa rtir

de pressupostos hegemonicos dos conqui stado res

Outro o sujeito hege m onico europe u

Hegemonia

Alem de significar 0 do minio de um estado sobre outro hege m onia e 0 pode r da classe dominante pa ra conve ncer as outras classes de que os interesses del a (da cl asse do minante) sao interesses comuns conscquentemente s~o ace itos por tOdas as Ollt raS classes

ouJro o suj eitO marginalizado pela hegemo nia euro peia uma pessoa de ralta o u etnia di ferente ou seja n50-branca e nao-euro pei a

Etnicidade Distinta da ide ntidade racial a etnicidade da pessoa inclui se us aspectos culturais como J religiao tradi lt6es de vestimenta e de comida WeltanschauulIg etc

Discurso o rexto transform ado pe lo contexto o u interpretaltao ponamo altamente carrcgado peb ideologia domil13 n te que exclui e degrada qualq ue r o utro discurso

Nativo Frequenrem ente e um term o degrad ante para significa r a pessoa primitiva educada des prov ida de literarura o u cultura

paga nao-

Imperio A pra tica europeu

polftica e ideol6gica de uma naltao hegemonica para o u tre m i za r 0 na o-

Panatico Eum si stema de supe ni sao consequcncia do poder sobre 0 sujeito o utrel11i zado 0 qud e amealtado po r todo tipo de reprovaltao moral e cultural c de exclusao

Quadro 1 Poder e controle

HISTORlA DO POS-COLONIAUSMO

Iniciou-se 0 seculo XX com um rr is te panorama composto (1) por dezenas de povos c ll a ~6es

s u bmetidosao colonial ismo eu ropeu (2) po r milh6es de negros descendentes de escravos espccia Imente nos Esrados Unid os e na Africa do Sui di sc riminados em seus direitos fundamentais (3) pcla metade

feminina da popula~ao mundial vivendo num contexte patriarcal (4) pe lo poder politico c economico nas maos da ra~a branca crista e ri ca em paises industrializados Apesa r dessa imagem sombria um

dos fatores m ais caracreristicos do seculo XX foi a nitida consciencia da subjetiv idade pol iti co-cultural

e da res istencia de povos e nac6es contra qualquer tentativa para m anter a obj e tifica~ao ou iniciar uma nova modalidade de dependencia 0 Renasc imento do Harlem (movimento cultural e literario entre

escritores e arti stas norte-americanos espec ialmente na cidade de Nova Io rque cuj a finalidade foi

rea l ~ar 0 interesse na cult~ra africana ao redor do m undo) nos Estados Unidos nas dccadas de 1920 c 1930 mostra a recusa em deixa r a cultura eurocentrica crista e branca continuar definindo a olro em

geral e a populaCao afro-americana em particul ar (APPWI GATES 1997) Identica atitude estava

por tras do movimento N egritlde na decada de 1930 em varios paises afri can os Essa tendencia para a autodeterminacao dos povos em todos os aspectos teve um recrudescimento apos a Segunda Guerra

Mundial especial mente nos movimentos pel os Direitos Civis nos Estados U nidos e na lura contra o colonialismo britanico frances ponugues alemao belga em todos os contin entes N esses caSOS a

autodetermina~ao politica e a autodefini Cao cultural andavam juntas Na pratica 0 Renascimento do Harl em e N egritude sao definidos como um mom enta cultural literario e polftico d e tal envergadura

que 0 teorico m artiniql1iano-arge lino Frantz Fanon confe re grande poder de luta po lirica as culturas e literaturas nacionais

260 - TE O R I A LIT E R A RIA

middot --_-~ T EO R I A E C R i middotr I C A I 6 s - CO L 0 N I t LIS T A S

Descolonizaltao I ( 1776-1825)

Movirnentos (1920-1939)

Illdcpendcncia no Commonmiddotea lth brit5nico ( 1930-19-12)

Desco l onizalt~o II ( 1945-1949)

MovilncIltos prcshyindependcncia (dCcada de 1930)

Desco lo ni zaltao III (1955 -1 975)

Estados Unidos America Centra l America do Sui

RenascimclllO do Harlem Estados Unidos Ncgrirllde lIa

Africa

Canad Australia India Paluistao Indonesia

Oriente Medio

Negritllde lI a Africa gucrril has

Africa do Nom Africa equatorial e subcq uato rial i1has do Caribc e col6n ias do slldeste asiatico c Ocea ni

Quadro 2 Mapa da descolonizaltao entre 1776-1 975

Historicamente 0 movimento pr6 -independencia especialm e nte das Americas britanica portuguesa e espanhola respectivamente no ultimo quartel d o sec ulo XVIII e no primeiro quartel do sec llio XIX favorece u ce rta autonomia as culturas nao-europeias (mas nao-ind igenas) com o consequente nascimento de uma literatura nac io nal (JOZEF 1982) N os sec ulos XVIII e XIX abundam no Brasil escritores e esc ritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incorporaltao de temas brasileiros seguilldo padroes estCt iros europeH Foram 0 Moderni smo brasileiro contudo iniciado na cl ecada de 1920 e s ll as subco rrentes que ap resentaram propostas de uma arte cssencialmente brasileira Em geral todavia fortes laltos ainda ama rravam as literatllras americanas aos modelos ellropeus Praticamente ate meados do seculo XX no co ntexto dos paises novos fabricados pelo colonialismo nao existia llma lite ratura nacional na Africa e na Asia e a literatura prodll zi da nesses contine ntes seguia padroes eurod~ntrjcos ja qu e foi esc rita por viajantes missionari os mulheres de aclministradores coloniais e sol dados intimamente ligados a metr6pole colonizadora Hariss imos foram os casos em que surgiram prodllltoes literari as diferentes clas da metr6polc Por olltro lado nao havia cl1lbasamento te6rico para detcctar a resistencia na lit eratura de entao Tampou co eram clese nolv idas form as cl e leitura e escrita que pudessem respo nde r a co lo niza ltao ellrope ia arrai gacla nos parametros do essenc ialisl11o de supe ri o riclade cultural e de degradaCao da cultllra dos 0111101

o pcriodoa p6s a Segunda G uerra Mundial viu 0 surgimento da te rceira onda de indcpcndencia politica cspecialm e nte nas naocs Clr iben has africanas e as iaticas e ao mesmo tempo de llma lite ratllra escrita pe los nativos nao sem problematizaltao nas lingu as dos ex-colonizadorcs Os romances The Pallll-Wille Drinkard (1952) de Amos Tutuola e Things Fall Apart (1958) de C hinue Achebe ambos nigerian os fo ram tal vez as primeiras expressoes literarias alllmlicallCIIIC lIalillas oriundas d a Africa e escritas em ingl es Nasce entao uma lite ratura original e m inglcs a partirdas exshycol6nias britanicas a qual nao poderia se r chamada simples mcntc literatura inglesa Criticos d a metr6pole inglesa logo desenvolveram a id e ia de Commofllveallh Litera ture (literatura da comUll idade das cx-col6nias britanicas) Evidentemente pode-se ver qu e a ideia de lima COlllll1oll llcalth Lileralure seguia os antigos pad roes m e tr6pole-coI 6 nia com a Inglaterra posicionando-se no centro e as novas nacoes independen tes colocadas na m argem Na decada de 1970 os esc ritores caribenhos africanos e asiaticos rej e itaram qllalquer conotaltao do COIIlfOI1 wealth dcvido a continualtao do eurocentrismo peb critica britanica e a reeusa dos escrito res nativos em admitir a superioridade da civilizaltao britanica e europe ia A expressao Commonwea lth Literature foi abandonada e surgiu a ide ia de chamar Literatllrasem ingles aexpressao literaria em lingua in g1esa oriunda das ex-col6nias britanicas Esse fe n6meno nao ficou restrito aliteratura em lingu a inglesa mas a todas as literaturas nasc idas nas ex-coI6nias Em seu importante livro Dathorne (1976) intitula os capitulos Teatro africano em frances e em ingles Literatura africana em portugues

Nestas ultimas tres decadas surgiu 0 problema de como ler as obras de escritores que es crevendo nas Hnguas europeias sao etnicamente nao-euro peus Hi atualmente escritores africa nos escrevend o em frances ingles e portugues autores caribenhos escrevendo em espanhol ingles frances ou ho landes escritores indianos paquistaneses e egipcios desenvolvendo uma

TH OMA S BONNICI LUCIA O SANA ZO ll N (ORG ANIZA DORES) - 261

II II

i I

-(Erraquoo N N I C I

-(

I literatura em ingles Ejll sto ler essas obcls profundamente in se ridas numa cultura nao-ocidental atraves de parametros estrllturalistas pos-estruturalistas materialistas culturais ou seja atraves de lima abordagem ocidentaP Qual e 0 statlls dessas literaturas produ zi das nas ex-colonias Se a relaltao entre a metropole e a colonia sempre foi ten sa nao deveria essa lirera tura escrita a partir da invasao colonial ate 0 presente mostrar as tensocs inerentes aos cnconrros coloniais Se a literatura da metropole foi usada para enfatizar a superioridade europeia atraves da degradaltao ou an iquilamento da cultura nao-europeia qual e 0 papel dessas lite raturas pos-coloniais

COLONIALISMO

o termo colonialismo caracteriza 0 modo pec uliar como aconteceu a exploraltao cultural durante os ultimos 500 anos causada peb expansao ellropeia Distinguem-se 0 imperialisll10 mediterraneo da Antiguidad e e 0 colonialismo pos-Renascimento No mundo antigo as grandes civilizaltoes mediterraneas orgulhavam-se em possuir colonias e insistiam na hegemonia da merropole sobre a periferia a qual era considerada barbara inculta e inferior Said (1995 p 40) define esse imperillm como a pratica a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um

territorio di stante como aconteceu a partir de 336 aC quando 0 imperio de Alexandre da Macedonia levou a civilizaltao helenica para fora do Mediterraneo e polarizoll as ideias e as energias europeias para 0 Oriente ou quando 0 imperio romano apos 264 ac conquistou as ilhas mediterran eas a Espanha 0 norte da Africa 0 Oriente Medio 0 Egiro a Galia a Alemanha e a Inglaterra Por outro lado 0 mesmo autor afirma que 0 coloniali smo praticado apos 0 Renascimento e a implantaltao de colonias em territorio distante como consequencia do capiralismo incipiente com a finalidade de exploraltao material para 0 cnriquecimento da mctropolc

A expansao colonial europeia nos seculos Arv e XVI coincidiu ponanro COIll 0 inicio de um sistema capitalista moderno de trocas economicas As colonias foram imediaranlelHc percebidas como fonte de materias-primas que sllstentariam por 111 II ito tempo 0 poder central da merropole Limitandoshynos ao Brasil pode-se constatar que a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha are a publicaltao em 1711 de Oilillra e 0pllencia do Brasil de Andre Joao Antonil inumeros sao os rextos informativos sobre os recursos economicos das colonias e as praticas de exploraltao do territorio colonial Adel1lais 0

sistema pan6plico pelo qual se supervisionava 0 espalto colonial era 0 metodo de viajanres c exploradores europeus dos seculos XIX e XX representando 0 conhecimento e 0 poder Entre 0 colonizador e 0

colonizado estabeleceu-se um sistema de diferenlta hierarquica pounddada ajamais admitir lim equillbrio no relacionamento econ6mico social e cultural

Mais grave tornou-se a situaltao de povos colonizados que eram racialmente diferen tes (os

hotentotes na costa africana) ou que formavam uma rninoria (os aborfgenes da Australia) Entre o colonizador e 0 colonizado havia 0 fator rasa que construfa um relacionamento illjusto e desigua

Os te rmos rasa m(islIIo e precollceito a(ial sao oriundos da posiltao hegemonica cmopeia Esse topico transformou-se numa justificativa para introduzir 0 regime escravocrata a partir de m eados do

seculo XVI quando se formou a ideia de um mundo colonial habitado por genre naturalmente

inferior programada pela natureza para trabalhar braltalmente e servir ao homem europeu branco Do ponto de vista dos gregos e dos romanos os barbaroi apenas nao falavam a lingua clllta e situavam-se fora da historia e da civilizaltao Aos olhos dos europeus colonizadores 0 estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutfve l provado no seculo XIX pelas

teorias da evolultao e da sobrevivencia do mais forte na doutrina darwinista Se frequentemente 0

colollizaclo aceitava a ideologia e os valores do colonizador c transformava-se emfantoche (lIIimic lIlan nos romances de VS Naipaul) em outras ocasioes mostrava sua resistencia e subversao

atraves da mfmica e dapar6dia

262 - TEO R I A L ITERARIA

-middot t~ --~~~y TEOR1A E CRiT1CA rOS-COLON1AL1STAS

Segundo Ashcroft el al (1991) podemos sistematizar as col6nias em (1) col6nias de povoadores (2) col6nias de sociedades invadidas e (3) col6nias de sociedades duplamente invadidas Nas col6nias de colonizadores (America espanhola Brasil Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zelandia) a terra foiocupada por colonos europeus que conquistlrlm mltaram ou deslocaram as populac6es indfgenas Uml modalidade de civilizacao europeia foi transplantlda no vnio construfdo e os descendentes de europeus mesmo lp6s a independencil polltica mantiverlm 0 idioml nao-indigena Os colonos inquestionavelmente considerlvlm que 0 idioma europeu era lpropriado para expressar a complexa realidlde do luglr ocupado marginllizlndo as linguas indigenas

Nas col6nias de sociedades invadidas (India e Africa com suas civilizlc6es em varios estagios de desenvolvimento) as populalt6es foram colonizadas em SUl terra Os escritores nltivos portanto ja possuiam ideologils organizacoes societarias e formas politicas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente 0 idioma europeu substituiu 0 idioma do nativo no mlis ofereceushyIhes uml oportunidade para eomuniear-se com outrls soeiedades elevar seu l1ivel cultural e manter as ligac6es com a metr6pole Em todos os casos 0 idioma europeu sempre causou e lindl Clusa certl ambiguidade espeeialmente na literatura nativa

As eol6nias das soeiedades duplamente invadidas referem-se ao esplCo ocupado pellS soeiedldes primordiais dos indigenas dlS ilhas do Clribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cern anos do descobrimento A populacao atull das indias Ocidentlis eio dl Africa Indil Oriente Medio e dl Europt e e 0 resultado do desloctmento do exilio 011 da escrlvidao Entre todas as sociedades colonizadas tllvez a sociedade caribenha sejl l que mais sofreu os efeitos devastadotes do proeesso eolonizldor onde 0 idioma e a eultura dominantes foram impostos e as eulturas de povos

tao diversos aniquilrldas

COLONlAS DE POVOADORES COLONlAS DE SOCIEDADES I NVAD IDAS

COLONlAS DE SOCIEDADES DUPLAMENTE COLONIZADAS

Americas espanhola c portuguesa Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zcl1ndia

india c Africa As illm do Caribc 0 gcnocidio praticado contra os indigenas efctivou 0

dcslocamcllto de popula~6cs da Africa india Asia Oriente Medio e da Europa para a rCgiao

Linglias nativas quasc extintas prevalcccndo as Iinglias ellropcias

Linguas nativas intcnsamentc lingua apropriada

praticadas europeia

Linguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as linguas europeias

QUldro 3 Tipos de col6nias vicissitude das I inguas natias e linguls dominantes

A colonizaC30 e 0 discurso colonialista eram tambem impregnldos pelo patriarealismo e pela exclusividlde sexista 0 termo homem e seus derivados inclufam 0 homem e a mulher 0 mesmo privilegio nao era dado ao termo mulher A ideologia subjlcente consistia portanto nl juncao das noc6es metr6pole e patriarcllismo que estavlm empenhadls em impor a eivilizacao europeia ao res to do mundo A acao civilizadora levada ao interior pelo eolonizador britanieo a partir de 1750 na Africa India e no sudeste asiatico era tao bern preparada que eseondia a violencia e a degradacao as quais foram submetidos os nativos Dois seeulos antes a mesma justificativa de Colombo para fazeshylos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanh6is para il camuflar a utilizacao de mao-de-obra indfgena em suas col6nias amerieanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal aSSlImidas pelas nacoes europeias nada mais foram que urn pretexto pelo qual

THOMAS BONNICI L0cl OSAN ZOllN (ORGANIZADORES) - 263

i

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~o N N I C I

intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisiltao de materias-primas para suprir as nalt6es em) processo de industrializaltao crescente

o estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tambem os colonos brancos

que aos olhos dos agentes governamentais e da metr6pole ficaram degenerados pelo hibridismo

Em Wide Sargasso Sea (1966) de Jean Rhys foram tribuldas aprotagonista Antoinette Cosway

acusalt6es de incesto loucura adulterio e ninfomni porque ela era 0 resultdo cia mestiltagem

de descendentes britanicos com negros cribenhos No romance 0 wrtifo (1890) Jeronimo 0

portugues exemplar mergulha na mass humam da fe e degrada-se dinte dos encantos do

ambiente cia mllsica tropical e de modo especial da sensualidde de Rita Baiana A metr6pole

portanto enfatizava 0 fato de que esses colonos degenerados prescindindo da heranlta cultural

de seus antepassados europeus desenvolveram as caracrerfsticas dos nativos (preguilta danlta)

ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional ( bebedeira dos irlandeses) Todos esses

aspectos criaram urn sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas

essencialmente inferiores Nos seculos XVI e XVII os colonizadores espanh6is portugueses

e holandeses e mais tarde nos seculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e Franlta puseram

em pratica 0 conceito polarizador n6s - eles ou Ollira - olliro Para garantir a coesao do

Outro diante das vicissitudes do mundo modemo 0 colonizado foi incentivado a receber e

compartilhar as benesses da civilizaltao Para 0 colonizado esse futuro promissor foi sempre

preterido

OUTRO (0 COLONIZADOR) Outro (0 COLONlZADO)

1 0 centro imperial (a) constr6i 0 sistema pelo qual 0 sujeito colonizado forma a sua identidade como ciependente ou outro (b) torna-se a unica estrutura pela qual 0 sujeito colonizado compreende 0 mundo

2 Representa 0 Outro Simb6lico e a Lei-do-Pai (conforme a terminologia de Lacan)

1 0 outro e formado por discursos de (a) primitivisl1lo (b) canibalisl1lo (c) separacao binaria entre 0 colollizador e 0 colonizado (d) afirmacao da supremacia da cultura ideologia e visao do mundo do colonizador

2 o sujeito colonizado e filho do imperio e 0

sujeito degradado do discurso imperial

Quadro 40 Outro e 0 outro no sistema colonial

o colonialismo fortanto gira em torno de urn pressuposto no qual 0 poderoso centro cria a

sua periferia Embora 0 binomio centromargem seja uma noltao binaria ela define 0 que ocorreu

na representaltao dos indivfduos durante 0 periodo colonial 0 mundo foi dividido em duas

partes hierarquicamente constitufdas e 0 centro se consolidaa apenas atraves da existencia do

outro colonizado Segue-se que 0 centro a civilizaltao a ciencia 0 progresso existiam porque havia

todo urn discurso sobre a colonia a selvageria a ignorancia 0 atraso cultural Constituindoshy

se 0 centro e relegando tudo 0 que havia fora dela como peri feria da cultura e da civilizaltao a

Europa sentia-se na incumbencia (missao) de colocar sob diversos pretextos essa margem em

seu ambito Enquanto DomJoao III escreve em 1548 que 0 principal objetivo de povoar as ditas

terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse anossa fe cat6Iica em 18970 secretario

das colonias ingles Joseph Chamberlain considerava as col6nias britanicas como estados naoshy

desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistencia imperial e que nao havia

outra solultao para garantir emprego pleno aos ingleses sem a crialtao de novos mercados (LANE

1978)

264 - TEO R ) A LITERARIA

-~

-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

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~o N N I C I

j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

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-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 5: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

middot --_-~ T EO R I A E C R i middotr I C A I 6 s - CO L 0 N I t LIS T A S

Descolonizaltao I ( 1776-1825)

Movirnentos (1920-1939)

Illdcpendcncia no Commonmiddotea lth brit5nico ( 1930-19-12)

Desco l onizalt~o II ( 1945-1949)

MovilncIltos prcshyindependcncia (dCcada de 1930)

Desco lo ni zaltao III (1955 -1 975)

Estados Unidos America Centra l America do Sui

RenascimclllO do Harlem Estados Unidos Ncgrirllde lIa

Africa

Canad Australia India Paluistao Indonesia

Oriente Medio

Negritllde lI a Africa gucrril has

Africa do Nom Africa equatorial e subcq uato rial i1has do Caribc e col6n ias do slldeste asiatico c Ocea ni

Quadro 2 Mapa da descolonizaltao entre 1776-1 975

Historicamente 0 movimento pr6 -independencia especialm e nte das Americas britanica portuguesa e espanhola respectivamente no ultimo quartel d o sec ulo XVIII e no primeiro quartel do sec llio XIX favorece u ce rta autonomia as culturas nao-europeias (mas nao-ind igenas) com o consequente nascimento de uma literatura nac io nal (JOZEF 1982) N os sec ulos XVIII e XIX abundam no Brasil escritores e esc ritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incorporaltao de temas brasileiros seguilldo padroes estCt iros europeH Foram 0 Moderni smo brasileiro contudo iniciado na cl ecada de 1920 e s ll as subco rrentes que ap resentaram propostas de uma arte cssencialmente brasileira Em geral todavia fortes laltos ainda ama rravam as literatllras americanas aos modelos ellropeus Praticamente ate meados do seculo XX no co ntexto dos paises novos fabricados pelo colonialismo nao existia llma lite ratura nacional na Africa e na Asia e a literatura prodll zi da nesses contine ntes seguia padroes eurod~ntrjcos ja qu e foi esc rita por viajantes missionari os mulheres de aclministradores coloniais e sol dados intimamente ligados a metr6pole colonizadora Hariss imos foram os casos em que surgiram prodllltoes literari as diferentes clas da metr6polc Por olltro lado nao havia cl1lbasamento te6rico para detcctar a resistencia na lit eratura de entao Tampou co eram clese nolv idas form as cl e leitura e escrita que pudessem respo nde r a co lo niza ltao ellrope ia arrai gacla nos parametros do essenc ialisl11o de supe ri o riclade cultural e de degradaCao da cultllra dos 0111101

o pcriodoa p6s a Segunda G uerra Mundial viu 0 surgimento da te rceira onda de indcpcndencia politica cspecialm e nte nas naocs Clr iben has africanas e as iaticas e ao mesmo tempo de llma lite ratllra escrita pe los nativos nao sem problematizaltao nas lingu as dos ex-colonizadorcs Os romances The Pallll-Wille Drinkard (1952) de Amos Tutuola e Things Fall Apart (1958) de C hinue Achebe ambos nigerian os fo ram tal vez as primeiras expressoes literarias alllmlicallCIIIC lIalillas oriundas d a Africa e escritas em ingl es Nasce entao uma lite ratura original e m inglcs a partirdas exshycol6nias britanicas a qual nao poderia se r chamada simples mcntc literatura inglesa Criticos d a metr6pole inglesa logo desenvolveram a id e ia de Commofllveallh Litera ture (literatura da comUll idade das cx-col6nias britanicas) Evidentemente pode-se ver qu e a ideia de lima COlllll1oll llcalth Lileralure seguia os antigos pad roes m e tr6pole-coI 6 nia com a Inglaterra posicionando-se no centro e as novas nacoes independen tes colocadas na m argem Na decada de 1970 os esc ritores caribenhos africanos e asiaticos rej e itaram qllalquer conotaltao do COIIlfOI1 wealth dcvido a continualtao do eurocentrismo peb critica britanica e a reeusa dos escrito res nativos em admitir a superioridade da civilizaltao britanica e europe ia A expressao Commonwea lth Literature foi abandonada e surgiu a ide ia de chamar Literatllrasem ingles aexpressao literaria em lingua in g1esa oriunda das ex-col6nias britanicas Esse fe n6meno nao ficou restrito aliteratura em lingu a inglesa mas a todas as literaturas nasc idas nas ex-coI6nias Em seu importante livro Dathorne (1976) intitula os capitulos Teatro africano em frances e em ingles Literatura africana em portugues

Nestas ultimas tres decadas surgiu 0 problema de como ler as obras de escritores que es crevendo nas Hnguas europeias sao etnicamente nao-euro peus Hi atualmente escritores africa nos escrevend o em frances ingles e portugues autores caribenhos escrevendo em espanhol ingles frances ou ho landes escritores indianos paquistaneses e egipcios desenvolvendo uma

TH OMA S BONNICI LUCIA O SANA ZO ll N (ORG ANIZA DORES) - 261

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I literatura em ingles Ejll sto ler essas obcls profundamente in se ridas numa cultura nao-ocidental atraves de parametros estrllturalistas pos-estruturalistas materialistas culturais ou seja atraves de lima abordagem ocidentaP Qual e 0 statlls dessas literaturas produ zi das nas ex-colonias Se a relaltao entre a metropole e a colonia sempre foi ten sa nao deveria essa lirera tura escrita a partir da invasao colonial ate 0 presente mostrar as tensocs inerentes aos cnconrros coloniais Se a literatura da metropole foi usada para enfatizar a superioridade europeia atraves da degradaltao ou an iquilamento da cultura nao-europeia qual e 0 papel dessas lite raturas pos-coloniais

COLONIALISMO

o termo colonialismo caracteriza 0 modo pec uliar como aconteceu a exploraltao cultural durante os ultimos 500 anos causada peb expansao ellropeia Distinguem-se 0 imperialisll10 mediterraneo da Antiguidad e e 0 colonialismo pos-Renascimento No mundo antigo as grandes civilizaltoes mediterraneas orgulhavam-se em possuir colonias e insistiam na hegemonia da merropole sobre a periferia a qual era considerada barbara inculta e inferior Said (1995 p 40) define esse imperillm como a pratica a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um

territorio di stante como aconteceu a partir de 336 aC quando 0 imperio de Alexandre da Macedonia levou a civilizaltao helenica para fora do Mediterraneo e polarizoll as ideias e as energias europeias para 0 Oriente ou quando 0 imperio romano apos 264 ac conquistou as ilhas mediterran eas a Espanha 0 norte da Africa 0 Oriente Medio 0 Egiro a Galia a Alemanha e a Inglaterra Por outro lado 0 mesmo autor afirma que 0 coloniali smo praticado apos 0 Renascimento e a implantaltao de colonias em territorio distante como consequencia do capiralismo incipiente com a finalidade de exploraltao material para 0 cnriquecimento da mctropolc

A expansao colonial europeia nos seculos Arv e XVI coincidiu ponanro COIll 0 inicio de um sistema capitalista moderno de trocas economicas As colonias foram imediaranlelHc percebidas como fonte de materias-primas que sllstentariam por 111 II ito tempo 0 poder central da merropole Limitandoshynos ao Brasil pode-se constatar que a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha are a publicaltao em 1711 de Oilillra e 0pllencia do Brasil de Andre Joao Antonil inumeros sao os rextos informativos sobre os recursos economicos das colonias e as praticas de exploraltao do territorio colonial Adel1lais 0

sistema pan6plico pelo qual se supervisionava 0 espalto colonial era 0 metodo de viajanres c exploradores europeus dos seculos XIX e XX representando 0 conhecimento e 0 poder Entre 0 colonizador e 0

colonizado estabeleceu-se um sistema de diferenlta hierarquica pounddada ajamais admitir lim equillbrio no relacionamento econ6mico social e cultural

Mais grave tornou-se a situaltao de povos colonizados que eram racialmente diferen tes (os

hotentotes na costa africana) ou que formavam uma rninoria (os aborfgenes da Australia) Entre o colonizador e 0 colonizado havia 0 fator rasa que construfa um relacionamento illjusto e desigua

Os te rmos rasa m(islIIo e precollceito a(ial sao oriundos da posiltao hegemonica cmopeia Esse topico transformou-se numa justificativa para introduzir 0 regime escravocrata a partir de m eados do

seculo XVI quando se formou a ideia de um mundo colonial habitado por genre naturalmente

inferior programada pela natureza para trabalhar braltalmente e servir ao homem europeu branco Do ponto de vista dos gregos e dos romanos os barbaroi apenas nao falavam a lingua clllta e situavam-se fora da historia e da civilizaltao Aos olhos dos europeus colonizadores 0 estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutfve l provado no seculo XIX pelas

teorias da evolultao e da sobrevivencia do mais forte na doutrina darwinista Se frequentemente 0

colollizaclo aceitava a ideologia e os valores do colonizador c transformava-se emfantoche (lIIimic lIlan nos romances de VS Naipaul) em outras ocasioes mostrava sua resistencia e subversao

atraves da mfmica e dapar6dia

262 - TEO R I A L ITERARIA

-middot t~ --~~~y TEOR1A E CRiT1CA rOS-COLON1AL1STAS

Segundo Ashcroft el al (1991) podemos sistematizar as col6nias em (1) col6nias de povoadores (2) col6nias de sociedades invadidas e (3) col6nias de sociedades duplamente invadidas Nas col6nias de colonizadores (America espanhola Brasil Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zelandia) a terra foiocupada por colonos europeus que conquistlrlm mltaram ou deslocaram as populac6es indfgenas Uml modalidade de civilizacao europeia foi transplantlda no vnio construfdo e os descendentes de europeus mesmo lp6s a independencil polltica mantiverlm 0 idioml nao-indigena Os colonos inquestionavelmente considerlvlm que 0 idioma europeu era lpropriado para expressar a complexa realidlde do luglr ocupado marginllizlndo as linguas indigenas

Nas col6nias de sociedades invadidas (India e Africa com suas civilizlc6es em varios estagios de desenvolvimento) as populalt6es foram colonizadas em SUl terra Os escritores nltivos portanto ja possuiam ideologils organizacoes societarias e formas politicas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente 0 idioma europeu substituiu 0 idioma do nativo no mlis ofereceushyIhes uml oportunidade para eomuniear-se com outrls soeiedades elevar seu l1ivel cultural e manter as ligac6es com a metr6pole Em todos os casos 0 idioma europeu sempre causou e lindl Clusa certl ambiguidade espeeialmente na literatura nativa

As eol6nias das soeiedades duplamente invadidas referem-se ao esplCo ocupado pellS soeiedldes primordiais dos indigenas dlS ilhas do Clribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cern anos do descobrimento A populacao atull das indias Ocidentlis eio dl Africa Indil Oriente Medio e dl Europt e e 0 resultado do desloctmento do exilio 011 da escrlvidao Entre todas as sociedades colonizadas tllvez a sociedade caribenha sejl l que mais sofreu os efeitos devastadotes do proeesso eolonizldor onde 0 idioma e a eultura dominantes foram impostos e as eulturas de povos

tao diversos aniquilrldas

COLONlAS DE POVOADORES COLONlAS DE SOCIEDADES I NVAD IDAS

COLONlAS DE SOCIEDADES DUPLAMENTE COLONIZADAS

Americas espanhola c portuguesa Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zcl1ndia

india c Africa As illm do Caribc 0 gcnocidio praticado contra os indigenas efctivou 0

dcslocamcllto de popula~6cs da Africa india Asia Oriente Medio e da Europa para a rCgiao

Linglias nativas quasc extintas prevalcccndo as Iinglias ellropcias

Linguas nativas intcnsamentc lingua apropriada

praticadas europeia

Linguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as linguas europeias

QUldro 3 Tipos de col6nias vicissitude das I inguas natias e linguls dominantes

A colonizaC30 e 0 discurso colonialista eram tambem impregnldos pelo patriarealismo e pela exclusividlde sexista 0 termo homem e seus derivados inclufam 0 homem e a mulher 0 mesmo privilegio nao era dado ao termo mulher A ideologia subjlcente consistia portanto nl juncao das noc6es metr6pole e patriarcllismo que estavlm empenhadls em impor a eivilizacao europeia ao res to do mundo A acao civilizadora levada ao interior pelo eolonizador britanieo a partir de 1750 na Africa India e no sudeste asiatico era tao bern preparada que eseondia a violencia e a degradacao as quais foram submetidos os nativos Dois seeulos antes a mesma justificativa de Colombo para fazeshylos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanh6is para il camuflar a utilizacao de mao-de-obra indfgena em suas col6nias amerieanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal aSSlImidas pelas nacoes europeias nada mais foram que urn pretexto pelo qual

THOMAS BONNICI L0cl OSAN ZOllN (ORGANIZADORES) - 263

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intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisiltao de materias-primas para suprir as nalt6es em) processo de industrializaltao crescente

o estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tambem os colonos brancos

que aos olhos dos agentes governamentais e da metr6pole ficaram degenerados pelo hibridismo

Em Wide Sargasso Sea (1966) de Jean Rhys foram tribuldas aprotagonista Antoinette Cosway

acusalt6es de incesto loucura adulterio e ninfomni porque ela era 0 resultdo cia mestiltagem

de descendentes britanicos com negros cribenhos No romance 0 wrtifo (1890) Jeronimo 0

portugues exemplar mergulha na mass humam da fe e degrada-se dinte dos encantos do

ambiente cia mllsica tropical e de modo especial da sensualidde de Rita Baiana A metr6pole

portanto enfatizava 0 fato de que esses colonos degenerados prescindindo da heranlta cultural

de seus antepassados europeus desenvolveram as caracrerfsticas dos nativos (preguilta danlta)

ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional ( bebedeira dos irlandeses) Todos esses

aspectos criaram urn sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas

essencialmente inferiores Nos seculos XVI e XVII os colonizadores espanh6is portugueses

e holandeses e mais tarde nos seculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e Franlta puseram

em pratica 0 conceito polarizador n6s - eles ou Ollira - olliro Para garantir a coesao do

Outro diante das vicissitudes do mundo modemo 0 colonizado foi incentivado a receber e

compartilhar as benesses da civilizaltao Para 0 colonizado esse futuro promissor foi sempre

preterido

OUTRO (0 COLONIZADOR) Outro (0 COLONlZADO)

1 0 centro imperial (a) constr6i 0 sistema pelo qual 0 sujeito colonizado forma a sua identidade como ciependente ou outro (b) torna-se a unica estrutura pela qual 0 sujeito colonizado compreende 0 mundo

2 Representa 0 Outro Simb6lico e a Lei-do-Pai (conforme a terminologia de Lacan)

1 0 outro e formado por discursos de (a) primitivisl1lo (b) canibalisl1lo (c) separacao binaria entre 0 colollizador e 0 colonizado (d) afirmacao da supremacia da cultura ideologia e visao do mundo do colonizador

2 o sujeito colonizado e filho do imperio e 0

sujeito degradado do discurso imperial

Quadro 40 Outro e 0 outro no sistema colonial

o colonialismo fortanto gira em torno de urn pressuposto no qual 0 poderoso centro cria a

sua periferia Embora 0 binomio centromargem seja uma noltao binaria ela define 0 que ocorreu

na representaltao dos indivfduos durante 0 periodo colonial 0 mundo foi dividido em duas

partes hierarquicamente constitufdas e 0 centro se consolidaa apenas atraves da existencia do

outro colonizado Segue-se que 0 centro a civilizaltao a ciencia 0 progresso existiam porque havia

todo urn discurso sobre a colonia a selvageria a ignorancia 0 atraso cultural Constituindoshy

se 0 centro e relegando tudo 0 que havia fora dela como peri feria da cultura e da civilizaltao a

Europa sentia-se na incumbencia (missao) de colocar sob diversos pretextos essa margem em

seu ambito Enquanto DomJoao III escreve em 1548 que 0 principal objetivo de povoar as ditas

terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse anossa fe cat6Iica em 18970 secretario

das colonias ingles Joseph Chamberlain considerava as col6nias britanicas como estados naoshy

desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistencia imperial e que nao havia

outra solultao para garantir emprego pleno aos ingleses sem a crialtao de novos mercados (LANE

1978)

264 - TEO R ) A LITERARIA

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-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

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~o N N I C I

j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

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~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

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00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

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I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

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-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 6: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

-(Erraquoo N N I C I

-(

I literatura em ingles Ejll sto ler essas obcls profundamente in se ridas numa cultura nao-ocidental atraves de parametros estrllturalistas pos-estruturalistas materialistas culturais ou seja atraves de lima abordagem ocidentaP Qual e 0 statlls dessas literaturas produ zi das nas ex-colonias Se a relaltao entre a metropole e a colonia sempre foi ten sa nao deveria essa lirera tura escrita a partir da invasao colonial ate 0 presente mostrar as tensocs inerentes aos cnconrros coloniais Se a literatura da metropole foi usada para enfatizar a superioridade europeia atraves da degradaltao ou an iquilamento da cultura nao-europeia qual e 0 papel dessas lite raturas pos-coloniais

COLONIALISMO

o termo colonialismo caracteriza 0 modo pec uliar como aconteceu a exploraltao cultural durante os ultimos 500 anos causada peb expansao ellropeia Distinguem-se 0 imperialisll10 mediterraneo da Antiguidad e e 0 colonialismo pos-Renascimento No mundo antigo as grandes civilizaltoes mediterraneas orgulhavam-se em possuir colonias e insistiam na hegemonia da merropole sobre a periferia a qual era considerada barbara inculta e inferior Said (1995 p 40) define esse imperillm como a pratica a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um

territorio di stante como aconteceu a partir de 336 aC quando 0 imperio de Alexandre da Macedonia levou a civilizaltao helenica para fora do Mediterraneo e polarizoll as ideias e as energias europeias para 0 Oriente ou quando 0 imperio romano apos 264 ac conquistou as ilhas mediterran eas a Espanha 0 norte da Africa 0 Oriente Medio 0 Egiro a Galia a Alemanha e a Inglaterra Por outro lado 0 mesmo autor afirma que 0 coloniali smo praticado apos 0 Renascimento e a implantaltao de colonias em territorio distante como consequencia do capiralismo incipiente com a finalidade de exploraltao material para 0 cnriquecimento da mctropolc

A expansao colonial europeia nos seculos Arv e XVI coincidiu ponanro COIll 0 inicio de um sistema capitalista moderno de trocas economicas As colonias foram imediaranlelHc percebidas como fonte de materias-primas que sllstentariam por 111 II ito tempo 0 poder central da merropole Limitandoshynos ao Brasil pode-se constatar que a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha are a publicaltao em 1711 de Oilillra e 0pllencia do Brasil de Andre Joao Antonil inumeros sao os rextos informativos sobre os recursos economicos das colonias e as praticas de exploraltao do territorio colonial Adel1lais 0

sistema pan6plico pelo qual se supervisionava 0 espalto colonial era 0 metodo de viajanres c exploradores europeus dos seculos XIX e XX representando 0 conhecimento e 0 poder Entre 0 colonizador e 0

colonizado estabeleceu-se um sistema de diferenlta hierarquica pounddada ajamais admitir lim equillbrio no relacionamento econ6mico social e cultural

Mais grave tornou-se a situaltao de povos colonizados que eram racialmente diferen tes (os

hotentotes na costa africana) ou que formavam uma rninoria (os aborfgenes da Australia) Entre o colonizador e 0 colonizado havia 0 fator rasa que construfa um relacionamento illjusto e desigua

Os te rmos rasa m(islIIo e precollceito a(ial sao oriundos da posiltao hegemonica cmopeia Esse topico transformou-se numa justificativa para introduzir 0 regime escravocrata a partir de m eados do

seculo XVI quando se formou a ideia de um mundo colonial habitado por genre naturalmente

inferior programada pela natureza para trabalhar braltalmente e servir ao homem europeu branco Do ponto de vista dos gregos e dos romanos os barbaroi apenas nao falavam a lingua clllta e situavam-se fora da historia e da civilizaltao Aos olhos dos europeus colonizadores 0 estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutfve l provado no seculo XIX pelas

teorias da evolultao e da sobrevivencia do mais forte na doutrina darwinista Se frequentemente 0

colollizaclo aceitava a ideologia e os valores do colonizador c transformava-se emfantoche (lIIimic lIlan nos romances de VS Naipaul) em outras ocasioes mostrava sua resistencia e subversao

atraves da mfmica e dapar6dia

262 - TEO R I A L ITERARIA

-middot t~ --~~~y TEOR1A E CRiT1CA rOS-COLON1AL1STAS

Segundo Ashcroft el al (1991) podemos sistematizar as col6nias em (1) col6nias de povoadores (2) col6nias de sociedades invadidas e (3) col6nias de sociedades duplamente invadidas Nas col6nias de colonizadores (America espanhola Brasil Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zelandia) a terra foiocupada por colonos europeus que conquistlrlm mltaram ou deslocaram as populac6es indfgenas Uml modalidade de civilizacao europeia foi transplantlda no vnio construfdo e os descendentes de europeus mesmo lp6s a independencil polltica mantiverlm 0 idioml nao-indigena Os colonos inquestionavelmente considerlvlm que 0 idioma europeu era lpropriado para expressar a complexa realidlde do luglr ocupado marginllizlndo as linguas indigenas

Nas col6nias de sociedades invadidas (India e Africa com suas civilizlc6es em varios estagios de desenvolvimento) as populalt6es foram colonizadas em SUl terra Os escritores nltivos portanto ja possuiam ideologils organizacoes societarias e formas politicas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente 0 idioma europeu substituiu 0 idioma do nativo no mlis ofereceushyIhes uml oportunidade para eomuniear-se com outrls soeiedades elevar seu l1ivel cultural e manter as ligac6es com a metr6pole Em todos os casos 0 idioma europeu sempre causou e lindl Clusa certl ambiguidade espeeialmente na literatura nativa

As eol6nias das soeiedades duplamente invadidas referem-se ao esplCo ocupado pellS soeiedldes primordiais dos indigenas dlS ilhas do Clribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cern anos do descobrimento A populacao atull das indias Ocidentlis eio dl Africa Indil Oriente Medio e dl Europt e e 0 resultado do desloctmento do exilio 011 da escrlvidao Entre todas as sociedades colonizadas tllvez a sociedade caribenha sejl l que mais sofreu os efeitos devastadotes do proeesso eolonizldor onde 0 idioma e a eultura dominantes foram impostos e as eulturas de povos

tao diversos aniquilrldas

COLONlAS DE POVOADORES COLONlAS DE SOCIEDADES I NVAD IDAS

COLONlAS DE SOCIEDADES DUPLAMENTE COLONIZADAS

Americas espanhola c portuguesa Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zcl1ndia

india c Africa As illm do Caribc 0 gcnocidio praticado contra os indigenas efctivou 0

dcslocamcllto de popula~6cs da Africa india Asia Oriente Medio e da Europa para a rCgiao

Linglias nativas quasc extintas prevalcccndo as Iinglias ellropcias

Linguas nativas intcnsamentc lingua apropriada

praticadas europeia

Linguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as linguas europeias

QUldro 3 Tipos de col6nias vicissitude das I inguas natias e linguls dominantes

A colonizaC30 e 0 discurso colonialista eram tambem impregnldos pelo patriarealismo e pela exclusividlde sexista 0 termo homem e seus derivados inclufam 0 homem e a mulher 0 mesmo privilegio nao era dado ao termo mulher A ideologia subjlcente consistia portanto nl juncao das noc6es metr6pole e patriarcllismo que estavlm empenhadls em impor a eivilizacao europeia ao res to do mundo A acao civilizadora levada ao interior pelo eolonizador britanieo a partir de 1750 na Africa India e no sudeste asiatico era tao bern preparada que eseondia a violencia e a degradacao as quais foram submetidos os nativos Dois seeulos antes a mesma justificativa de Colombo para fazeshylos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanh6is para il camuflar a utilizacao de mao-de-obra indfgena em suas col6nias amerieanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal aSSlImidas pelas nacoes europeias nada mais foram que urn pretexto pelo qual

THOMAS BONNICI L0cl OSAN ZOllN (ORGANIZADORES) - 263

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intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisiltao de materias-primas para suprir as nalt6es em) processo de industrializaltao crescente

o estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tambem os colonos brancos

que aos olhos dos agentes governamentais e da metr6pole ficaram degenerados pelo hibridismo

Em Wide Sargasso Sea (1966) de Jean Rhys foram tribuldas aprotagonista Antoinette Cosway

acusalt6es de incesto loucura adulterio e ninfomni porque ela era 0 resultdo cia mestiltagem

de descendentes britanicos com negros cribenhos No romance 0 wrtifo (1890) Jeronimo 0

portugues exemplar mergulha na mass humam da fe e degrada-se dinte dos encantos do

ambiente cia mllsica tropical e de modo especial da sensualidde de Rita Baiana A metr6pole

portanto enfatizava 0 fato de que esses colonos degenerados prescindindo da heranlta cultural

de seus antepassados europeus desenvolveram as caracrerfsticas dos nativos (preguilta danlta)

ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional ( bebedeira dos irlandeses) Todos esses

aspectos criaram urn sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas

essencialmente inferiores Nos seculos XVI e XVII os colonizadores espanh6is portugueses

e holandeses e mais tarde nos seculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e Franlta puseram

em pratica 0 conceito polarizador n6s - eles ou Ollira - olliro Para garantir a coesao do

Outro diante das vicissitudes do mundo modemo 0 colonizado foi incentivado a receber e

compartilhar as benesses da civilizaltao Para 0 colonizado esse futuro promissor foi sempre

preterido

OUTRO (0 COLONIZADOR) Outro (0 COLONlZADO)

1 0 centro imperial (a) constr6i 0 sistema pelo qual 0 sujeito colonizado forma a sua identidade como ciependente ou outro (b) torna-se a unica estrutura pela qual 0 sujeito colonizado compreende 0 mundo

2 Representa 0 Outro Simb6lico e a Lei-do-Pai (conforme a terminologia de Lacan)

1 0 outro e formado por discursos de (a) primitivisl1lo (b) canibalisl1lo (c) separacao binaria entre 0 colollizador e 0 colonizado (d) afirmacao da supremacia da cultura ideologia e visao do mundo do colonizador

2 o sujeito colonizado e filho do imperio e 0

sujeito degradado do discurso imperial

Quadro 40 Outro e 0 outro no sistema colonial

o colonialismo fortanto gira em torno de urn pressuposto no qual 0 poderoso centro cria a

sua periferia Embora 0 binomio centromargem seja uma noltao binaria ela define 0 que ocorreu

na representaltao dos indivfduos durante 0 periodo colonial 0 mundo foi dividido em duas

partes hierarquicamente constitufdas e 0 centro se consolidaa apenas atraves da existencia do

outro colonizado Segue-se que 0 centro a civilizaltao a ciencia 0 progresso existiam porque havia

todo urn discurso sobre a colonia a selvageria a ignorancia 0 atraso cultural Constituindoshy

se 0 centro e relegando tudo 0 que havia fora dela como peri feria da cultura e da civilizaltao a

Europa sentia-se na incumbencia (missao) de colocar sob diversos pretextos essa margem em

seu ambito Enquanto DomJoao III escreve em 1548 que 0 principal objetivo de povoar as ditas

terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse anossa fe cat6Iica em 18970 secretario

das colonias ingles Joseph Chamberlain considerava as col6nias britanicas como estados naoshy

desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistencia imperial e que nao havia

outra solultao para garantir emprego pleno aos ingleses sem a crialtao de novos mercados (LANE

1978)

264 - TEO R ) A LITERARIA

-~

-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

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~o N N I C I

j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 7: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

-middot t~ --~~~y TEOR1A E CRiT1CA rOS-COLON1AL1STAS

Segundo Ashcroft el al (1991) podemos sistematizar as col6nias em (1) col6nias de povoadores (2) col6nias de sociedades invadidas e (3) col6nias de sociedades duplamente invadidas Nas col6nias de colonizadores (America espanhola Brasil Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zelandia) a terra foiocupada por colonos europeus que conquistlrlm mltaram ou deslocaram as populac6es indfgenas Uml modalidade de civilizacao europeia foi transplantlda no vnio construfdo e os descendentes de europeus mesmo lp6s a independencil polltica mantiverlm 0 idioml nao-indigena Os colonos inquestionavelmente considerlvlm que 0 idioma europeu era lpropriado para expressar a complexa realidlde do luglr ocupado marginllizlndo as linguas indigenas

Nas col6nias de sociedades invadidas (India e Africa com suas civilizlc6es em varios estagios de desenvolvimento) as populalt6es foram colonizadas em SUl terra Os escritores nltivos portanto ja possuiam ideologils organizacoes societarias e formas politicas embora estas fossem marginalizadas pelos colonizadores Raramente 0 idioma europeu substituiu 0 idioma do nativo no mlis ofereceushyIhes uml oportunidade para eomuniear-se com outrls soeiedades elevar seu l1ivel cultural e manter as ligac6es com a metr6pole Em todos os casos 0 idioma europeu sempre causou e lindl Clusa certl ambiguidade espeeialmente na literatura nativa

As eol6nias das soeiedades duplamente invadidas referem-se ao esplCo ocupado pellS soeiedldes primordiais dos indigenas dlS ilhas do Clribe as quais foram completamente exterminadas nos primeiros cern anos do descobrimento A populacao atull das indias Ocidentlis eio dl Africa Indil Oriente Medio e dl Europt e e 0 resultado do desloctmento do exilio 011 da escrlvidao Entre todas as sociedades colonizadas tllvez a sociedade caribenha sejl l que mais sofreu os efeitos devastadotes do proeesso eolonizldor onde 0 idioma e a eultura dominantes foram impostos e as eulturas de povos

tao diversos aniquilrldas

COLONlAS DE POVOADORES COLONlAS DE SOCIEDADES I NVAD IDAS

COLONlAS DE SOCIEDADES DUPLAMENTE COLONIZADAS

Americas espanhola c portuguesa Estados Unidos da America Canada Australia Nova Zcl1ndia

india c Africa As illm do Caribc 0 gcnocidio praticado contra os indigenas efctivou 0

dcslocamcllto de popula~6cs da Africa india Asia Oriente Medio e da Europa para a rCgiao

Linglias nativas quasc extintas prevalcccndo as Iinglias ellropcias

Linguas nativas intcnsamentc lingua apropriada

praticadas europeia

Linguas originais suprimidas totalmente prevalecendo as linguas europeias

QUldro 3 Tipos de col6nias vicissitude das I inguas natias e linguls dominantes

A colonizaC30 e 0 discurso colonialista eram tambem impregnldos pelo patriarealismo e pela exclusividlde sexista 0 termo homem e seus derivados inclufam 0 homem e a mulher 0 mesmo privilegio nao era dado ao termo mulher A ideologia subjlcente consistia portanto nl juncao das noc6es metr6pole e patriarcllismo que estavlm empenhadls em impor a eivilizacao europeia ao res to do mundo A acao civilizadora levada ao interior pelo eolonizador britanieo a partir de 1750 na Africa India e no sudeste asiatico era tao bern preparada que eseondia a violencia e a degradacao as quais foram submetidos os nativos Dois seeulos antes a mesma justificativa de Colombo para fazeshylos cristianos e de Caminha para salvar esta gente foi utilizada por portugueses e espanh6is para il camuflar a utilizacao de mao-de-obra indfgena em suas col6nias amerieanas A tarefa civilizadora e a tutelagem paternal aSSlImidas pelas nacoes europeias nada mais foram que urn pretexto pelo qual

THOMAS BONNICI L0cl OSAN ZOllN (ORGANIZADORES) - 263

i

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intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisiltao de materias-primas para suprir as nalt6es em) processo de industrializaltao crescente

o estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tambem os colonos brancos

que aos olhos dos agentes governamentais e da metr6pole ficaram degenerados pelo hibridismo

Em Wide Sargasso Sea (1966) de Jean Rhys foram tribuldas aprotagonista Antoinette Cosway

acusalt6es de incesto loucura adulterio e ninfomni porque ela era 0 resultdo cia mestiltagem

de descendentes britanicos com negros cribenhos No romance 0 wrtifo (1890) Jeronimo 0

portugues exemplar mergulha na mass humam da fe e degrada-se dinte dos encantos do

ambiente cia mllsica tropical e de modo especial da sensualidde de Rita Baiana A metr6pole

portanto enfatizava 0 fato de que esses colonos degenerados prescindindo da heranlta cultural

de seus antepassados europeus desenvolveram as caracrerfsticas dos nativos (preguilta danlta)

ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional ( bebedeira dos irlandeses) Todos esses

aspectos criaram urn sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas

essencialmente inferiores Nos seculos XVI e XVII os colonizadores espanh6is portugueses

e holandeses e mais tarde nos seculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e Franlta puseram

em pratica 0 conceito polarizador n6s - eles ou Ollira - olliro Para garantir a coesao do

Outro diante das vicissitudes do mundo modemo 0 colonizado foi incentivado a receber e

compartilhar as benesses da civilizaltao Para 0 colonizado esse futuro promissor foi sempre

preterido

OUTRO (0 COLONIZADOR) Outro (0 COLONlZADO)

1 0 centro imperial (a) constr6i 0 sistema pelo qual 0 sujeito colonizado forma a sua identidade como ciependente ou outro (b) torna-se a unica estrutura pela qual 0 sujeito colonizado compreende 0 mundo

2 Representa 0 Outro Simb6lico e a Lei-do-Pai (conforme a terminologia de Lacan)

1 0 outro e formado por discursos de (a) primitivisl1lo (b) canibalisl1lo (c) separacao binaria entre 0 colollizador e 0 colonizado (d) afirmacao da supremacia da cultura ideologia e visao do mundo do colonizador

2 o sujeito colonizado e filho do imperio e 0

sujeito degradado do discurso imperial

Quadro 40 Outro e 0 outro no sistema colonial

o colonialismo fortanto gira em torno de urn pressuposto no qual 0 poderoso centro cria a

sua periferia Embora 0 binomio centromargem seja uma noltao binaria ela define 0 que ocorreu

na representaltao dos indivfduos durante 0 periodo colonial 0 mundo foi dividido em duas

partes hierarquicamente constitufdas e 0 centro se consolidaa apenas atraves da existencia do

outro colonizado Segue-se que 0 centro a civilizaltao a ciencia 0 progresso existiam porque havia

todo urn discurso sobre a colonia a selvageria a ignorancia 0 atraso cultural Constituindoshy

se 0 centro e relegando tudo 0 que havia fora dela como peri feria da cultura e da civilizaltao a

Europa sentia-se na incumbencia (missao) de colocar sob diversos pretextos essa margem em

seu ambito Enquanto DomJoao III escreve em 1548 que 0 principal objetivo de povoar as ditas

terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse anossa fe cat6Iica em 18970 secretario

das colonias ingles Joseph Chamberlain considerava as col6nias britanicas como estados naoshy

desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistencia imperial e que nao havia

outra solultao para garantir emprego pleno aos ingleses sem a crialtao de novos mercados (LANE

1978)

264 - TEO R ) A LITERARIA

-~

-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

-

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~o N N I C I

j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 8: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

-~

~o N N I C I

intensificavam a rapinagem e a luta para a aquisiltao de materias-primas para suprir as nalt6es em) processo de industrializaltao crescente

o estigma da inferioridade cultural e do racismo impregnou tambem os colonos brancos

que aos olhos dos agentes governamentais e da metr6pole ficaram degenerados pelo hibridismo

Em Wide Sargasso Sea (1966) de Jean Rhys foram tribuldas aprotagonista Antoinette Cosway

acusalt6es de incesto loucura adulterio e ninfomni porque ela era 0 resultdo cia mestiltagem

de descendentes britanicos com negros cribenhos No romance 0 wrtifo (1890) Jeronimo 0

portugues exemplar mergulha na mass humam da fe e degrada-se dinte dos encantos do

ambiente cia mllsica tropical e de modo especial da sensualidde de Rita Baiana A metr6pole

portanto enfatizava 0 fato de que esses colonos degenerados prescindindo da heranlta cultural

de seus antepassados europeus desenvolveram as caracrerfsticas dos nativos (preguilta danlta)

ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional ( bebedeira dos irlandeses) Todos esses

aspectos criaram urn sistema mundial no qual certas culturas e sociedades eram consideradas

essencialmente inferiores Nos seculos XVI e XVII os colonizadores espanh6is portugueses

e holandeses e mais tarde nos seculos XVIII XIX e XX a Inglaterra e Franlta puseram

em pratica 0 conceito polarizador n6s - eles ou Ollira - olliro Para garantir a coesao do

Outro diante das vicissitudes do mundo modemo 0 colonizado foi incentivado a receber e

compartilhar as benesses da civilizaltao Para 0 colonizado esse futuro promissor foi sempre

preterido

OUTRO (0 COLONIZADOR) Outro (0 COLONlZADO)

1 0 centro imperial (a) constr6i 0 sistema pelo qual 0 sujeito colonizado forma a sua identidade como ciependente ou outro (b) torna-se a unica estrutura pela qual 0 sujeito colonizado compreende 0 mundo

2 Representa 0 Outro Simb6lico e a Lei-do-Pai (conforme a terminologia de Lacan)

1 0 outro e formado por discursos de (a) primitivisl1lo (b) canibalisl1lo (c) separacao binaria entre 0 colollizador e 0 colonizado (d) afirmacao da supremacia da cultura ideologia e visao do mundo do colonizador

2 o sujeito colonizado e filho do imperio e 0

sujeito degradado do discurso imperial

Quadro 40 Outro e 0 outro no sistema colonial

o colonialismo fortanto gira em torno de urn pressuposto no qual 0 poderoso centro cria a

sua periferia Embora 0 binomio centromargem seja uma noltao binaria ela define 0 que ocorreu

na representaltao dos indivfduos durante 0 periodo colonial 0 mundo foi dividido em duas

partes hierarquicamente constitufdas e 0 centro se consolidaa apenas atraves da existencia do

outro colonizado Segue-se que 0 centro a civilizaltao a ciencia 0 progresso existiam porque havia

todo urn discurso sobre a colonia a selvageria a ignorancia 0 atraso cultural Constituindoshy

se 0 centro e relegando tudo 0 que havia fora dela como peri feria da cultura e da civilizaltao a

Europa sentia-se na incumbencia (missao) de colocar sob diversos pretextos essa margem em

seu ambito Enquanto DomJoao III escreve em 1548 que 0 principal objetivo de povoar as ditas

terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse anossa fe cat6Iica em 18970 secretario

das colonias ingles Joseph Chamberlain considerava as col6nias britanicas como estados naoshy

desenvolvidos que jamais poderiam se desenvolver sem a assistencia imperial e que nao havia

outra solultao para garantir emprego pleno aos ingleses sem a crialtao de novos mercados (LANE

1978)

264 - TEO R ) A LITERARIA

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-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

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~o N N I C I

j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

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~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

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00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

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I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 9: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

-~~~ TE O R I ~ E C R T [ CAP 6 s - COLON I A li S T S

SUJEITO E OBJETO

middot t A opressao 0 silencio e a repressao das sociedades p6s-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito e de objeto mantida pelos colonizadores Nas sociedades p6s-coloniais 0 sujeito e 0 objeto pertencem a uma hierarquia em que 0 oprimido e fIxado pela superioridadc moral do dominador o colonizador seja espanhol portugues ingles se ill1poe como poderoso civilizado cuI to forte versado na ciencia e na literatura Por outro lado 0 colonizado e descrito constantemente como sem roupa sem religiao sem lar scm tecnologia ou seja em nfvel bestial Ea dialetica do sujeito (agente) e do objeto (0 outro subalterno) A lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986) de J M Coetzee e 0 simbolo do colonizado mudo por ara voluntlrio do colonizador A ausencia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo 0 periodo colonial e preshyrepublicano e emblematico A autoetnografIa nao existe por forlta da hierarquia imposta

Pode-se usar 0 termo subalterno para descrever 0 colonizado-objeto 0 sllbaltefllo termo em prestado da obra Note sulla storia italiana (1935) de Antonio Gramsci (1891-1937) refere-se a pessoas na sociedade que sao 0 objeto da hegemonia das classes dominantes As classes subalternas podem ser compostas por colonizados trabalhadores rurais operarios e outros grupos aos quais 0 acesso ao poder e vedado Os estudos coloniais interessam-se pel a hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentaria ja que sempre esta submetida a hegemonia da c1asse dominante sujeito da hist6ria oficial 0 colonizado quase nao possuia meios para se apresentar e tampouco tinha acesso acultura e a organizaltao social No Brasil existe apenas a etnografIa de indios do seculo XVI cscrita e manipulada por grupos europeus Praticamente 0 mesmo pode ser afIrmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros das mulheres dos agricultores sem terra dos operarios urbanos exclufdos

Foi 0 colonizador europeu que lanltou 0 espalto colonial e 0 nativo avista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de wording Wording e a maneira pela qual a colonia comeltou a existir como parte do mundo eurocentrico A grande quantidade de (extos incluindo mapas pinturas frontispfcios de livros sobre 0 Brasil nos seculos XVI e XVII e publicados na Europa formou no imaginario europeu urn conjunto de conceitos sobre a America portuguesa Ea inscriltao do discurso imperial sobre 0 espalto colonizado 0 metodo mais 6bvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geograficos 0 que signifIca conhecer e controlar 0 segundo tipo de wording e o passeio do europeu pelo pals colonizado Ha muitas gravuras e desenhos mostrando 0 soldado ingles caminhando por territ6rio indiano ou africano Nesse caso 0 sujeito colonial esta mostrando ao nativo quem realmente manda naquele espalto Em sua Carta 0 escrivao Caminha descreve os passeios dos portugueses pelas praias baianas impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador A terce ira modalidade refere-se a degradaltao sistematica do nativo Por que na cartografia brasileira e nas primeiras paginas dos livros impressos nos primeiros do is seculos de colonizaltao encontram-se constantemente cenas de antropofagia Por que a nudez 0 atefsmo a preguilta a selvageria a sensualidade e a ignorancia sao t6picos constantes na descriltao do negro quer no Brasil quer na Africa do SuI A imagem do nativoescravo em tais condilt6es foi 0 gatilho

IIpsicol6gico para a rapinagem da colonia em todos os sentidos

Os crfticos tentam expor os processos que transform am 0 colonizado numa pes so a muda e as estrategias dele para sair dessa posiltao Spivak (1995 p 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial e da mulher subalterna 0 sujeito subalterno nao tem nenhum espalto a partir do qual ele possa falar Bhabha (1998) afirma queo subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada atraves da par6dia da mlmica e da cortesia ardilosa que amealtam a autoridade colonial Fanon (1990) e Ngugi i (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na hist6ria embora esse tipo de descolonizaltao I sempre seja urn fenomeno violento 0 colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta 0 opressor Embora escritos por europeus muitos relatos de viagens e romances pre- e p6s-independencia revelam inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos Materializa-se portanto 0 processo de agencia ou seja a capacidade de alguem executar uma altao livre

THOMAS Boc LUCIA OSANA ZOllN (ORGANIZADORES) - 265

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~o N N I C I

j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

----~~~~--------------------- -

t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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~o N N I C I

j e independentemente vencendo as impedimentos processados na construlaquoao de sua idelltidade Noteshyse que em 0 Uragulli cuja finalidtde foi a exaltalaquoao do marques de Pombal destacam-se as vozes dos

indios Esse fato mostra a superalaquoao de estado de objetos e as revela como agentes Nos estudos p6sshycoloniais a agencia e urn elemento fundamental porque revela a alltonomia do sujeito em revidar e

contrapor-se ao poder colonial Nesse contexto e importante a teoria da subjetividade construida pela

ideologia (segundo Althusser) pela linguagem (segundo Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault)

ja que qualqu~r ato do sujeito e conseql1encia desses tres fatores A questao envolve a constituiltao da

identidade na divisao Outro-outro imposta pelo colonialismo (TODOROV 1991)

1 SlIuallerno literalmente significando sujeito de categoria inferior 0 termo foi criado por Gramsci trata-se de gualgue r sujeito sob a hegemonia das classes dominames

2 Em termos pos-co]oniais as esludalt slIuallernos se referem aanalise da subordina~ao na sociedade devido ac1asse casta ldade genero profissao religiao e outros

3 o fator mais constante nos estudos subalternos sao os metodos de resisellcia adotados contra 0 colonizador ou a elite dominadora

4 Pode 0 subaltemo falor e a pergllnta mais imporrJlte

5 Em sociedadcs pos-coloniais a mlllher e dllplamellte sllbalterna cIa e 0 objeto da historiografia colonialista e da

constru~ao do genero

6 o diswrso pas-colollia e a apropria(clO da lillliagc lIl pelo subaltcrno constituem mctodos p~r~ que a voz lTlargill~lizada possa ser ouvida

Quadro 5 0 subaltcrno e sua voz

COLONIALISMO E FEMINISMO

Ha estreita relalaquoao entre as estudos p6s-coloniais e a feminismo Em pnmelro lugar ha uma

analogia entre patriarcalismo feminismo e metr6polecolonia au colonizadorcolonizado Urna

mulher da colonia e uma metafora da mulher como colonia (DU PLESSIS 1985 p 46) Em segundo

lugar se a homem foi colonizado a mulher nas sociedades p6s-coloniais foi duplamellte colonizada

Os romances de Jean Rhys Doris Lessing Toni Morrison e Margaret Atwood testemunham essa

dialetica Na hist6ria do Brasil a mulher sempre foi relegada ao servilaquoo do homem ao silencio adupla

escravidao aprostituilaquoao au a objeto sexual Na literatura muitos sao as romances que representam

atraves de Sl1as personageris femininas essa sitllalaquoao Diversos romances de Jorge Amado par exemplo

retratam essa subjugalaquoao da mulher

o objetivo dos discursos p6s-coloniais e do feminismo nesse sentido e a integralaquoao da mulher

marginalizada a sociedade De modo semelhante ao que acontecell nas ref1exoes do discurso

p6s-colonial no primeiro periodo do discurso feminista a preocllpalaquoao consistia na sllbstituilaquoao

das estruturas de dominalaquoao Essa posilaquoao simplista evoluiu para urn questionamellto sobre as

formas literarias e 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do dnone Nesses debates

o feminismo trouxe aluz muitas questoes que 0 p6s-colonialismo havia deixado obscuras e viceshy

versa De fato 0 p6s-colonialismo ajudoll 0 feminismo a precaver-se de pressupostos ocidentais do discurso feminista

266 - TEO RIA LITERARIA

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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TERDIMAN H DiswlmcColllcr-Dis(OIc the theory and pr~ctice of sym bolic resista nce ill llillc (ecllthshycentury France Ithaca Cornell University Press 1985

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TODOROV T A ((l llqllila da Alllhi((1 a questao do outro Sao Paulo Martin s Fontes 1991

TI()lvlAS BON N l e l I LUCIA OS NA ZOLIN (OHGIINIZADORES) - 285

Page 11: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

-- -_-~ TEO R I A E C R i TIC P 6 s - COL 0 N I A LI S T A S

1 A Illulher edllpOillellie rllizada pcb sociedade indfgena e pelo poder colonial

2 frequ entementc as questoes degltIIt(middot sao minilllizadas ou releg~das a segundo plano na analise pos-colonial

3 A oJjelijrQ(iio da lilliher torna-se a Il1c[ifora da degradaltao das sociedades sob 0 coloniali smo

4 A voz da Iruher na ficlt io e 110 dest I olvimcnto do canone literario rompe os pressupostos ma sculinos

5 Ques toes de idellidade colltroe poh (agiuria) e de alloria tornalll-se as mais relevante s

6 Consolida-se 0 estilo litcrario carac[aizado pela diferCl(a dilwidade e illlprevisiJiidade

7 Ha necess idade de constaflle lligilltill(jll contra as manobras do Outro (a sociedadc branca Oll homens negros)

Quadro 6 0 feminismo em sociedades p6s-coloniais

Petersen (1995) observa qut em muitos parses do Tercejro Mundo ha 0 dilema sobre 0 que e

necessario empreender primeiro a igualdade feminina ou a luta contra 0 imperialismo presente na

cultura ocidental Em Thillg Fall-lparl 0 personagem Okonkwo e castigado nao pOI-que bateu em sua

esposa mas por haver batido Il eb numa semana considerada sagrada Petersen (1995 p 254) resolve

a qllestao com lima citaltao de Ngugi Nenhllma libertaltao cultural sem a libertaltao feminina A

escritora nigeriana Buchi Emechcta insiste sobre a autentica perspectiva feminista a focalizaltao na

exploralt30 da mlllher e a luta dela pela libertaltao (BENSON CONOLLY 1994) Efetivamente a

dllpla colonizalt30 causou a objerificalt3o da mulher pela problematica da classe e da ralta da repctiltao

de contos de fada europeus e da legislaltao falocentrica apoiada por potencias ocidentais Entre

outras a mais epoundleaz estrategia de descolonivlt30 feminim concentra-se no uso da linguagem e da

experimentalt50 linguistica Muiro esclarccedor 0 romancc A repllvliw dos sonhos (1984) de Ntlida

pirlOn no gual se dcscrce c st dnali sa 0 processo de cresccnte consciemizaltao politica de Eulalia

Esperanlta c Brcta em tres perfodos politicos distintos do seculo XX

o QUE E A L1TERATURA POS-COLONIAL

Diante dos princfpios acima podemos depoundlnir a literatura p6s-colonial como toda a literatura

inserida no contexto de cllltura a fetada pelo processo imperial desde 0 primeiro momenta da

colonizaltao europeia ate 0 preseme (ASHCROFT et a 1991 p 2) A critica p6s-colonial po tanto

abrange a cultllra e a literatura ocupando-se de perscruta-Ias durante e ap6s a dominalt30 imperial

europeia de modo a desnlldar seus efeitos sobre as Iiteraturas contempodlneas De fato todas as

literaturas oriundas das ex-col6nias ellropeias sejam elas portllguesas espanholas inglcsas ou

francesa s (1) surgiram daexperiencia da colonizalt30 e (2) reivindicarl1TI-sc pe rante a tensao com 0

poder colonial e diante das diferenltas com os pressupostos do centro imperial

Eperiencia da colonizaltao

TCllsao com 0 poder colonial

literatura pos-colonialDifercnltas com os pressupostos Imperial

d o centro

Quadro 7 A formaltao da literatura p6s-colonial

-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

----~~~~--------------------- -

t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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-

~o N N I C I

I A emergencia e 0 desenvolvimento de literaturas p6s-coloniais dependem de dois fatores importantes (1) a progressao gradual da conscientizaao nacionaI e (2) a convicao de serem diferentes da literatura do centro imperial Na primeira expressao Iiteraria brasileira nem a conscientizaao nacional nem a diferenciaao tem ressonancia De fato ela envolve textos literarios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes administradores soldados e esposas de administradores coloniais) Tais textos e reportagens com detalhes sobre costumes fauna flora e lingua privilegiam 0 centro em detrimento da peri feria porque visam exclusivamente ao lucro que a metr6pole tera com a invasao e a manutenao da colonia As descri6es de Fernao Cardim em Do clima e terra do Bmsil (ediao inglesa de 1625) Jean de Ury em Viagem a term do Brasil (1578) e Gabriel Soares de Sousa em Tratado desaitil)o do Brasil (1587) com sua pretensao de objetividade sobre frutas tropicais esmeraldas rios e outros temas como tambem a atomizaao dos objetos descritos pelos pintores e botanicos hoJandeses como Albert Eckhout Wilkm Piso Johann Nieuhoff e Georg Marcgraf escondem 0 disCllrso imperial

A segunda etapa envolve tel1osliterarios escritos sob supervisao imperial por nativos que receberam sua educaao na metr6pole e que se sentiam gratiflcados em poder escrever na lingua do europeu (nessa epoca nao havia nenhuma consciencia de cia ser tambcm do colonizador) A c1asse alta da India os missionarios africanos e as vezes prisioneiros degredados na Australia sentiam-se privilegiados em pertencer a classe dominante ou em ser por ela protegidos e prod uziram volumes de poem as e romances A Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira e 0 Uragllai (1769) de BasIlio da Gama sao exemplos cissicos desse fenameno na iiterJttlrJ brasiiltgtira

Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a europeia a brutalidade do sistema colonial a riqueza de sellS costllmes leis cantos e proverbios) abordados por esses autorcs estivessem carregados de SUbTrSaO sem dllvida os autores nao podialll ou nao queriam perceber essa potencialidade Alem disso a mantltenao da ordel11 e as restrioes impostas pela potencia imperial nao permitial1l nenhllma Illanifcstaao que pudcssc mostrar algo difcrentc dos cri tcrios cananicos Oll pol iticos

A terceira etapa ellolve lima gal1la de tcxtos a partir de certo grau de difcrcllciaao ate lima total rllptura co 111 os padrocs da metr6pole Evidcntcmentc cssas literatllras depcndial11 do Cltlncelal11ento do poder restritivo Oll seja comearam a ser escritas ou umas dccadas antes Oll a partir da independcl1cia politica A oscilaao de brasilidade nas obras de Basilio da Gama Santa Rita Durao Clalldio Manoel da Costa dos poctas romanticos e deJose de Alencar emuito Illtida a bajlllaao ao colonizador 0 cstilo literario portugucs 0 afastal11ento da ret6rica camoniana tcmas brasilclros fabricaao da mitologia brasileira Pela conscientizaao p6s-republicana com Machado de Assis e com 0 Modernismo ocorre a guinada completa do estranhamento e afastamel1to da literatura brasileira dos parametros metropolitanos sejam esses portugueses ou franceses Demiddotido a manutenao da centralizaao britanica acredita-se que a literatura em ingles oriunda das ex-colonias britanicas tenha ido mais longe em sua enfase na linguagem na par6dia e na satira Em Things Fall Apart (1958) Cilillua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever 11111 livro sobre os costumes primitivos dos selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia ellJosto a complexidade de costumes religiao hierarquia legislaao e proverbios da tribo dos Igbos na regiao chamada Umuofia

1 textos literarios prodllzidos por representantes do poder colonial (viajantes administradores esposas dos colonizadores religiosos)

2 textos Iiterarios produzidos por nativos mas sob supervisao colonial (religiosos nativos c1asse intelectual educada na metr6pole protegidos dos colonizadores)

3 textos literarios escritos por nativos a partir de certo grau de diferencia~ao dos pad roes da metr6pole ate sua rllptura total

Ql1adro 8 Os tres momentos da Iiteratura p6s-colonial

268 - TEO R I A L1TERARIA

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 13: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

- -middot-~~TEORrA E cRiTr C A 6S -COLONrALrST AS

QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIOshy

Quais sao os doeumentos historieos ou Iiterarios nos quais a voz do slivallemo e transmitida Como o eolonizado se desereveu durante seeulos de submissao Como 0 europeu viu a prescnlta do olltro l No canone literario 0 colonizado eneontrou sua voz ou csta fieou relegada aauseneia Ninguem pode negar que atualmente ha uma verdadeira extensao do canone literarioja que te1os de mulheres indigcnas escravos e membros de OlltroS grupos historicamente marginalizados comeltaram a cmcrgir Houvc tempo em que 0 dnone literario estava feehado sornente um conjunto de textos consagrados como esteticamente excelenres era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante e considerado digno de ser lido com a consequente exclusao de outros toctos que nao eoadunavam com 0 ponto de vista do grupo hegemonico Um maior ntimero de textos estao sendo e studados como rcpresentaltoes da experiencia e da CLlltura da mais variada gama de grupos de pe ssoas Houve comprometimento nos padroes literarios Os textos formadores do dnone foram escolhidos rela sua exeelencia literaria ou pela represemarividade cultural E legitimo insistir sobre uma representaltao politicamente correta para cada minoria em detrimento da utilizaltao de eriterios literarios

Discutem-se muiro atualmente 0 canone litera rio e sua formaltao Enquanto Harold Bloom

em 0 (finone o(ideltal (1995) insiste sobre a autonomia do esteeico e deplora qualquer ideologia na

crltiea literaria os adeptos do Pos-modernismo (multicllltllralismo feminismo Novo Historicisl11o afrocentri smo) dilatam a abrangencia do can one Nao faltam crlticos como Perrone-Moises em Altas Literatllm (1998) que tomam posiltio intermediaria Srbe-se contudo que a formacao do

canone literario deu-se porque certas obras literarias em determinados periodos historicos culruavam

interesses e propositos eultllrais particulares como se fossem 0 lmico padrao de investigaltao literaria

E extremamenre interessante saber como certos textos foram selecionados por intcresses tornandoshy

se portal1to dignos de serem estudados E interessante investigar como as ideias de excelencia

literaria pe rmearam as escolas do ensino fundamental os exames vestibulares 0 currlculo dos cursos

de Letras nas universidades Os romances de Jose de Alencar (1829-1877) 0 principal escritor da ficltao romal1tica brasileira e expoente maximo do Indianismo foram apropriados 110 canone literario

brasileiro porCJue nos pcriodos pos-independencia e pos-republica necessitava-se de alguem que

mostrasse orgulho amor defesa da patria e criasse arquctipos de uma terra edcnica e da unificaltao

nacional Na Inglatcrra as obras de Alfred Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no canone

literario por causa d e seu enaltecimento do imperialismo britanico da coragem de sells soldados e

dos arquetipos criados no conjul1to de poemas sobre os fundamcl1tos miticos do povo ingles POl

outro lado numa sociedade patriarcal e machista os textos e as biografias das escritoras brasileiras do

seculo XIX e do inicio do seculo XX foram quase todos suprimidos Suas obras foram literalmente

relegadas ao esquecimento Somente nestas ldtimas decadas a academia brasileira (especialmente nas

universidades federais do Rio Grande do Norte de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a

historia e as obras de autoras brasileiras 0 mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e europeia

dos Estados Unidos Entraram no canone literario estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick

Douglass (1817-1895) e Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos llitimos vinte e cinco anos do

seculo XX deido a interesses de diferentes experieneias culturais e de formas literarias

A RELEITURA

A releillm e LIma estrategia para ler textos literarios ou nao-literarios e dessa maneira garimpar suas

implicalt6es imperialistas e trazer atona 0 processo colonial A releitura do texto fn emergir as n uanltas

colonia is que ele mesmo eseonde Quando se Ie urn romance da literatura brasileira do seculo XIX pol

exemplo nada se depara aprimeira vista sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens

da suntllosidade de sells solares e de sua vida folgada A reinterpretaltao Oll a leilum contrapontual

TH OMAgt B ON Nier L UC IA O S N A ZOLIN ( O RG A N IZAlgt O RES) - 269

-

00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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00 N N I C

rrevel a que a origem dessa riqueza esta enraizada na escravidao de indios e negros no comer-cio da

carne h umana na invasao e violaltao de terras alheias nos castigos horrendos na man u tenltao do

estado racista Fundamentando-se nao na Intima rclaltao entre literatma metropolitana (portuguesa)

e colonial (brasileira) mas na realidade social e cultural a releitura e uma volta ao arquivo cultural

[que e lido] de forma nao unlvoca mas em contraponto com a consciencia simultanea da historia

metropolitana que esta sendo narrada e daquelas outras historias contra (e junto com) as quais atua 0

disCllfSO dominante (SAID 1995 p 87)

A reinterpretaltao e portanto LIma maneira de reler os tegt1OS oriundos das culturas da metropole e da

colonia para focalizar os efeitos incisivos da colonizaltao sobre a produltao literaria relatos etnicos registros

historicos discursos cientificos e anais dos administradores coloniais A releitura e a desconstrultao das

obras dos colonizadores de nativos a servilto dos colonizadores e de escritores nacionais Demonstra como 0 texto e contradit6rio em seus pressupostos de ralta civil izaltaojustilta religiao Poe em evidencia a

ideologia do colonizador e 0 processo da colonizaltao A desconstlllltao empreendida pelo romance Thillgs

F(II Ap(1 revel a que 0 colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigeria e um mentiroso porque

o romance de Achebe esta cheio de epis6dios de literatura oral (orafllra proverbios) de leis para dirimir

questoes litigiosas de praticas religiosas de convivencia social harmoniosa

A reinterpretaltao tlZ parte da inevitavel tendencia do academico que trabalha com 0 posshy

colonialismo para subverter 0 texto metropolitano As estrategias subversivas revelam (1) a forma

da dominaltao e (2) a resposta criativa a esse fato Isso acontece quando (1) se denuncia 0 titulo de

centro que as literaturas europeias deram a si mesmas e (2) se questiona 0 ponto de vista europeu

que natural e constantemente polariza 0 centro e a periferia E importante desaflar este ultimo item

ou seja frisar que nao e legitimo ordenar a realidade dessa maneira

Ate meados da decada de 1960 Prospero 0 duqlle e mago emA fellpesfaae (1611) de Shakespeare

era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmao Prospero c descrito como um pai

bondoso um orientador de sua f1lha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand urn homem que

castiga apenas quando a necessidade mge um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos e esquecer 0

mal que the f1zeram Uma leitma pos-colonial no entanto comelta a desenvolver-se a respeito desse

personagem Prospero revelou-se 0 Llsurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba 0 senhor

que escravizou 0 nativo ap6s seduzi-Io 0 controlador cia ITlcmoria de Ariel CaJiba e Miranda para

satisfazer sua ambiltao 0 despot a que mantem 0 dOll1lnio sobre a sexualidade de sua f1lha Miranda e

de seu futuro genro Ferdinand 0 personagem que sai da cena triunfante e ill1une a Clualquer ato de

insubordinaltao Essa releitura revela as implicaltoes do encontro entre colonizador e colonizado as

estrategias de dominaltao do primeiro a marginalizaltao e a objetiflcaltao do nativo a resistencia do

escravizado pela utilizaltao da lingua do colonizador e pelo revide flsico Revela tambelll a incipiente

historia da colonizaltao britanica e suas estrategias de polarizaltao que serao desenvolvidas na terrlvel

historia do imperio ingles entre os secul(Js XVIII e XX

A pelta Nafesfa ae Sao LOllrwo (1587) deJose de Anchieta (1534-1597) parece revelar simples mente

um drama singelo e primario com que 0 missionario podia facilitar a pregaltao da doutrina crista U ma

Ieitura pos-colonial traz a tona a demonizaltao e a zoomorforizaltao dos indios as quais revelam 0

maniqueJsmo (Oll binarismo) de Anchieta a objetiflcaltao dos nativos 0 vilipendio de Slla Cllitma a

superioridade cia civilizaltao europeia (e da religiao crista) 0 texto dra matico expoe as claras a ideologia colonial

Normalmente a leitura de 0 AfClel (1888) de Raul Pompeia mostra a historia do internato como

reflexo da sociedade no terceiro quartel do seculo XIX ou seja a historia da elite brasileira enrig uecida

pela setentrional borracha Oll pcla charqueada do suI no contexto de falencia e da decadencia do

regime monarquico de base escravista U rna rdeitura poderia revelar 0 sistema educacional europeu

como centrdizador e esmagador da personalidade a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia

por uma independencia verdadeira em todos os sentidos a elite traidora da nacionalidade e do povo a

incapacidade de distanciar-se do contegt1O de dependencia completo 0 surgimento de sujeitosagentes

que constroem dos escombros a autonomia da naltao

270 - TEO R I A LITERARIA

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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TERDIMAN H DiswlmcColllcr-Dis(OIc the theory and pr~ctice of sym bolic resista nce ill llillc (ecllthshycentury France Ithaca Cornell University Press 1985

THOMAS H The SII1( Trade NeV York Simon amp Schuster 1997

TODOROV T A ((l llqllila da Alllhi((1 a questao do outro Sao Paulo Martin s Fontes 1991

TI()lvlAS BON N l e l I LUCIA OS NA ZOLIN (OHGIINIZADORES) - 285

Page 15: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

- -~TEORIA ECRiTICA P6S- C OlONIAlISTAS

I Passar de uma atitude que define a literatura como enaltecedora e transcendence para uma visao de literatura inserida

no contexlO hist6rico e no espaco geopolftico

2 Perceber como as obras de cenos autores aprofundaram 0 imperialismo 0 colonialisl11o e 0 patriarcalismo

especial mente quando supoem que os leitores sejam do sexo masculino e brancos

I Classificar 0 autor segundo 0 esquema representando os tres momentos da literalllra p6s-colonial

4 Detectar na ficcao a ambiguidade ameacadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquista

S Descobrir 0 silencio absoluto escondendo 0 sistema escravagista aobjetificacao da mulher e 0 avi Itamento de nativos

elllbora mascarados atras de manifestaltoes de riquezas e de patriarcalislllo

6 [nvestig-dr 0 aprisionamento do espaco colon ial e p6s-colonial pelo texto europeu ou pela teoria literaria oriundos das

metr6poles renascentistas ou rnodernas

Quadro 9 Estrategias para analisar uma obra do ponto de vista p6s-colonial

A REESCRITA

A reescrita e um fenomeno literhio muito utilizado em lingua inglesa (porem nao exclusivo desta) que consiste em selecionar um texto canonico da metr6pole e atraves de recursos da par6dia produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colonia A reescrita faz parte do contradisrurso original mente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os metodos empregados pelo discurso da peri feria contra 0 discurso dominante do centro imperial A seleltao gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e simb6licos que 0 discurso dominante irradiava para impor sua ideologia A reescrita rem por finalidade a quebra da ocultaltao da hegemonia canonica e 0 questionamento dos varios temas enfoques pontos de vista da obra literaria em questao os quais reforltavam a mentalidade colonial Logicamente a reescrita desemboca na subversao dos textos canonicos e na reinscriltao dentro do processo subversivo

Varios autores latino-americanos reescreveram A tempestade Alem das obras de George Lamming e Aime Cesaire basta mencionar A tempestade de Augusto Boal Utopia selvagem de Darcy Ribeiro a pelta Caliball (1997) de Marcos Azevedo e A-tor-men-ta-do Calibanus (2001) de Guilherme Duraes 0 romance

Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhys (1890-1979) e uma reescrita deJane Eyre (1847) de Charlotte Bronte (1816-1855) Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe (1660-1731) foi reescrito em Foe (1986) do sul-africanojM Coetzee (nascido em 1940) A subversao do canone literario atraves da reescrita nao consiste em apenas substituir um texto canonico por outro modemo De fato 0 canone em si contem algo extremamente complexo porque envolve pressupostos individuais e comunitlrios sobre a literatura estilo generos literarios e outros Esses fatores estao embutidos nas estruturas institucionais e formam as grades escolares a publicaltao de textos escolares exames para vestibulares hierarquizaltao em menltao e em citalt6es pela academia A finalidade da reescrita e (1) a substituiltao de textos (2) a conscientizaltao das

instituilt6es academicas (3) a relistagem da hierarquia dos textos e (4) a reconstrultao dos textos canonicos atraves de leiruras altemativas

Robinsoll Crusoe uma narrativa autodiegetica nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situalt6es limites 0 romance reescrito Foe tem a personagem Susan Barton (inexistente no romance canonico) como narradora ela da sua versao das aventuras do Robinson Crus~ (sic) na ilha desabitada Na segunda e terceira parte do romance Susan luta para que 0 escritor Defoe nao se aproprie da versao feminina da narrativa e mais uma vez anule a voz feminina recuperada No romance p6s-colonial Friday ao contrario do caribenho salvo por Crusoe nao e 0 indfgena ingenuo que aceita sem nenhuma problematizaltao a

THOMAS BONNICI I LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 271

- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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- -

~o N N I C I

I versao rebgiosa comportamental e lmguistica do europeu 0 negro e mudo Fnday agora reescrito recusa a recupera~ao de sua hist6ria pelo homem branco e tenta articular dlversos modos de e--pressao para escrever a hist6ria do negro pelo negro

Em 0 corafao das trevas (1902) de Joseph Conrad os africanos sao descritos sob 0 POnto de vista colonialista como um rodopiar de bra~os negros um bater infinito de palmas das maos de pisar adoidado de pes 0 balanltar de corpos de rolar de olhos sob a enlanguescencia de folhagem cansada e im6vel Escrevendo Things Fall Apart (1958) Achebe reinstala a rica cultura africana rejeita os estere6tipos criados pelos colonizadores confirma a complexidade e a ambivalencia da cultura africana constr6i uma profunda e criativa etnografia e acima de tudo apropria-se da forma do romance (a ferramenta dominante da representa~ao imperial britanica)

A DESCOLONIZAltAO

o deslocamento do dnone literario a releitura e a reescrita fazem parte de um programa geral de descoloniza~ao A descolonizafao e 0 processo de desmascaramento e demoliltao do poder colonial em todos os seus aspectos Enganam-se aqueles que pensam que a declara~ao de independencia politica produz por si a descolollizaao da mente e que as literaturas nacionais e 0 ensino da ciencia da hist6ria e da geografia ficam livres de inscrilt6es e de residuos coloniais Ao contra rio do que muita gente pensa a descolonizaltao e um processo complexo e continuo e nao ocorre automaticamente ap6s a independencia politica Ap6s a independencia politica das col6nias ha resqufcios poderosos sempre latentes das for~as culturais e institucionais que sustentavam 0 poder colonial Como em geral os defensores e proclamadores da independencia sentem-se herdeiros dos modelos polfticos europeus e relutam em rejeitar a cultura importada nao podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais queriam se libertar Em muitos casos portanto a libertaltao pura e simples dos liames coloniais (modelos econ6mico polftico e cultural) nao ocorre Historicamente isso aconteceu mais nas colol1ias de ptwoadores do que nas colonia de sociedades invadidas Embora nestas ultimas a descoloniza~ao fosse mais radical e abrangente profundos resfduos ainda existem

l Contesta~ao das interpreta~6es eurocentricas 1 Reescritllra autorreflexiva da hist6ria da colonia na qual se percebe que a realidade do passado tern influenciado 0

presente

2_ Desafio a centralidad e auniversalizaltao e as forltas hegemonicas

2 A marginalidade ou excentricidade (ralta genero normalidade psicol6gica exciusao distancia social hibridismo wltural) e uma fonte de energia criar-a

3 Instala~ao do contradiscurso peJa transgressao e dissolultiio das fonnas literirias europcias ou suas fronteiras

3 A ironia e a par6dia trabalham com os discursos e-xisrentes C ao mesmo tempo os contestam_

Quadro 10 Os princfpios da descoloniza~ao

A estrategia do poder colonial e deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigmas Operando atraves do antigo conceito de compmdor 0 neocoioniaiismo torna-se manifestaltao das operalt6es da globaliza~ao do capitalismo ocidental e a estrategia para 0 controle global Pode-se dizer que agloualizafao da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudanltas no controle econ6mico e culrural nao

272 - TEO RIA L1TERAR1A

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 17: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

shy--- -cOTEORIA E CRiTICA rOS-COL ONIALISTAS

ocorreram e (2) na convic~ao de que a forma~ao da elite comprometida com as na~6es hegemonicas era premeditada e realizara-se atraves de discrimina~6es lutas classistas e praticas educacionais Ademais 0

eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das na~6es politicamente independentes com sellS modelos culturais especialmente pelo binarismo (Iiteratura e oratura linguas ellropeias e Ifnguas indigenas inscri~6es culturais europeias e cultura popular etc)

1 Apropria~ao da lingua colonial pelo escritor oriundo da ex-colonia

0 escritor (africano1deve ser eapn de moldar a lIngua do colonizador para que possa transmitir a sua egt-Pe riencia

especffica (ACHEBE 1975)

2 Recusa de adotar a lingua do colonizador Qual e a diferen~a entre um politico que afirma gue a Africa nao se desenvolvmiddote sem 0 imperialismo e 0 escritor que afirma que a Africa necessita das linguas europeias

(NGUGr 1986)

3 Recupera~ao e reconstru~ao da cultura preshy

colonial

Spivak (1995) e Bhabha (1984) argumentam sobre a impossibilidade dessa recupera~ao devido a processos de

miscigena~ao cultural durante 0 periodo colonial

4 Aceita~ao pelo escritor de uma identidade transnacional e ao mesmo tempo 0 aprofundamento da critica diante da cultura conremporanea influenciada peb

globaliza~ao e pelo neocolonialismo

0 imperio retruca ao centro (Salman Rushdie)

5 Os dirigentes intelectuais especialmente os escritores devem reconstruir radicalmente a sociedade sobre os alicerces da tradi~ao do povo e seus valores

Conclusao de Fanon (1990) a partir de seu estudo sobre os efeitos da domina~ao colon ia l sobre os colonizados e da

analise marxista do controle social e econom ico

6 A descolonizaltao e urn processo complexo e continuo nao e algo au tom at ico a partir da

independencia politica

Conclusao de B Ashcroft G Griffiths e H Tiffin (1991) ern seus estudos sobre as soe iedades p6s-independencia

7 Vigilancia contra forrnas contemporaneas de coloniza~ao

(neocolonialismo globaJizaylo neoliberalismo)

A descoloniz1~ao freguentemente significa a desshy

ocidentaliza~ao cmpreendida pdo homem branco (Trinh

Minh-ha)

Qlladro 11 Opini6es sobre metodos de descoloniza~ao

A tarefa descolonizadora e extremamente ardua como se ve na Africa e na India 0 caso das exshycolonias de colonizadores como a Australia e 0 Canada e outro grande problema Embora nesses palses a independencia nos moldes europells fosse concedida ha tempo suas popula~6es de maioria branca sofrem de uma profl1nda submissao cultural sen tem-se impotentes diante das propostas de desmantelar os elementos coloniais embutidos em suas institui~6es e culturas e tem dificuldades em cortar 0 Iiame mae-filha incrustado em sua identidade Ate certo ponto as asser~6es acima aplicamshyse ao Brasil tambem embora seja ele urn pafs mesti~o com predominancia da classe branca ou embranquecida 0 qual ainda possui fortes resqufcios culturais europel1s

Apesar da grande influencia e abrangencia da globaliza~ao destacam-se para fms de descoloniza~ao da mente (1) 0 fomento das linguas nativas (2) a relativiza~ao das Ifngllas europeias (3) a democratiza~ao da cultura (4) a recllpera~ao cultural e literaria No caso da literatura parece que a tarefa dos escritores oriundos das sociedades p6s-coloniais consiste em teorizar extensivamente a problematica do poder e do estado p6s-independencia A Iiteratura descolonizada passa a se r polifOnica em 111gar de monocentrica hfbrida no lugar de pura carnavalesca em lugar de persuasiva Caracteriza-se pela narrativa fragmentaria

TII OMAS B ONN lel LUCIA O SANA ZOLIN (ORGANIDORES) - 273

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 18: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

~o N N I C I

pelos incidentes duplicantes pelos comentanos metaficcionais pela cronologia interrompida pelos generos mistos Alem disso existe urn problema que poderia ser chamado existencial Urn dos escritores pos-coloniais 0 sul-africano J M Coetzee de ascendencia europeia sente-se receoso em representar flccionalmente os excluidos dos imperios capitalistas como os negros e os escravos 0 ex-colonizado e o neocolonizado tern olltras e diferentes formas para desenvolver a sua sllbjetividade e a representaltao literaria de sua identidade No romance Foe a europeia Susan Barton tenta em VaG escrever a historia do negro Friday cuja lingua foi cortada Alem disso inutilmente incentiva-o a escrever relembrar ou expressar-se por gestos para con tar a sua historia Os metodos europeus nao funcionam e 0 proprio Friday deve recuperar a voz no processo de subjetificaltao A tarefa de Friday portanto e a metonimia da funltao litedria do escritor nativo que busca a propria subjetividade e a do povo Fanon escreve

o escritor da colonia deve usar deg pass ado para abrir espa~o ao futuro como urn convite a a~ao e como a base para a esperanlta [ J A responsabilidadr da pessoa culta nao ( apenas uma responsabilidade dian te da cultura nacional mas uma rrsponsabilidade global referente atotalidade da naltao cuja cultura representa apenas urn asprc to da naltao (FANON 1990 p 187)

A conscientizaltao e postura p6s-colonial que a academia assume sao a base da descolonizaltao da mente Em primeiro lugar a academia brasileira nao pode apropriar-se da teoria p6s-colonial sem questionamentos A noltao do sujeito descentralizado nao poderia ser mais uma estrategia do colonialismo ocidental 0 estudo do pos-colonialismo nao poderia ser a analise de um pequeno grupo ocidentalizado de escritores e pensadores que comercializa os produtos culturais do capitalismo mundial para os intelectuais da periferia Nao e possivel que a intima liga~ao entre pos-modernismo e pos-colonialismo este considerado 0 filho do primeiro acontelta nao por novas perspectivas sobre a cultura ou de uma reviravolta do poder mas apenas um pretexto ou seja por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores Essa problematizaltao nao invalida a atitude e 0 esforlto do academico brasileiro profissional de Letras em sell comprometimento para descobrir como os povos estao fixados em estruturas opressivas e para descorrinar a subjetificaltao de tais individuos (neo)colonizados 0 seu esforlto para a flexibilidade da teoria existente e 0 surgimento de outras teorias autoctones sao de grande valia para reinterpretar todos os to10S pre- e posshyindependencia politica oriundos da inscriltao colonial (BONNICI 2000)

Tendo como principio que descolonizar nao e simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial mas procurar tambem alternativas nao repressivas ao discurso imperialista a descolonizaltao da literatura e da critica literaria darao um novo e mais aprofllndado entendimento ao academico E ana logo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (181 7-1895) q llando descobri u o segredo da escrita Houve uma nova e especial revelaltao explicando coisas ate entao obscuras e misteriosas contra as quais 0 meu entendimento juveniJ tentava vislumbrar mas lutava em vao [ ] Foi uma grande vitoria estimada por mim sobremaneira A partir daquele momento entendi 0 caminho da escravidao para a liberdade (DOUGLASS 1988 p 78)

ALEM DO P6S-COLONIALISMO

Se 0 termo p6s-colonialismo e a teo ria p6s-colonial referem-se ao impacto cultural entre os europcus e os outros recem descobertos e inventados desde os primeiros contatos ate a conremporaneidade ha uma estreita liga~ao entre os eventos contemporaneos envolvendo os povos do Sui e aqueles relacionados ao projeto colonial europeu de outrora Novas formas de capitalismo veiculadas por uma mais vigorosa e sofisticada globaJiza~ao geraram outras questoes Ot revelaram aspectos rna is profundos da historia dos ultimos quinhentos anos No inicio do seculo 21 a literatura e assaz sensfvel para representar a set modo peculiar as repercussoes do racismo diaspora

274 - TEO RIA LITERARIA

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t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

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70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 19: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

t~---~ TEO R A E C Rmiddot iT C A P6~-COLON IALI STS

multiculturalismo e outros t6picos que revelam a condi~ao human a e sua luta para encontrar se ntido de sua existencia Portanto a teo ria p6s-colonial vai alem de uma mera releitura para a recuperaao hist6rico-literaria retirada de textos canonicos ou nao tampouco e um relato de culpabilidades aCl1saoes e lamurias sobre 0 sofrimento havido e sobre a perda cultural irreparavel

Por onde se olha no Ocidente ou las sociedades do Tcrceiro Mundo parece que 0 sc r etico nao pode ser separado do urn ciclo aprofundado de criatividadc atraves do qual poderernos visualiza r uma ruptura da violencia absoluta Esta ruptura exige que aceitemos os contextos do advcrsario nos quais as cuituras iutam el1lre si e que adoternos es trategias de camuflagem e de mascaras como arcabou~os flexlveis dcntro do misterio de traJl sforrna~ao genllina (HARRIS 1985 p 128)

Consoante os se us conceitos de hibridismo e olhar enviesado Harris mostra que estes conceitos sao desafios eticos-politicos que a literatura propoe para 0 debate e a intervenao

RAltA E RACISMO

Durante mais de 450 anos ser europeu signiflcava ser um homem (mascu lino) branco e participe de uma sociedade que dominava 0 planeta A hegemonia branca em toda a extensao dos imperios europeus se deve a pressupostos que atualmente nao sao apenas debatidos mas rechaados por rnoes hist6ricas ideol6gicas e biol6gicas -Iistoricamente pode prova r que a constituiJo etnica dos

paises e uropeus e tao mista quanto a de gualquer Olitra comunidade heterogenea Portanto a suposta cultura homogenea e a pse udopureza racial sao apenas um construto (HALL 2003) Todavia foram exatamente es tes fatores especialll1ente 0 conceito de ralta sllperio r gue se tornaram necessarios para fundamentar ideologicame nte os impcrios ellropeus e des[a maneira impor seus valores e outremizar os diferen tes povos nao-brancos que integrari am como subalternos no projeto capitalista enge ndrado pdo binarismo metr6polc-colonia A revelaao da existencia de certa convimiddotcncia racial na Europa desde 0 seculo XVI c mais tarde a introduJo dos conceitos de multiculturalismo e de diversidadc cultural (BHABHA 1994) ap6s a II Guerra Mundial e durante 0 periodo de descolonizaltao solaparam o conceito de identidade nacional seus ideais e seu lugar no mundo

Embora 0 terIno raa possa se r apenas uma palavra de usos variegados a carga de preconce ito a ela ine rente e tao forte que muitos guestionam a comen iencia em usa-Ia Na acepao fenotipi ca

ra a( raa negra raa amarela) e um conjunto de traos ftsicos que permitem a identificaJo de individuos como pertencentes a lll11 determ inado grupo N a acepao geogrdfica ra a denota a ancestralidade geografica dando origem a termos como ralta africana ou ract europeia No se ntido biol6gico 0 termo raa e sinonimo a subespecie ou seja denota uma popmiddotlaJo geneticamente diferente Todos os antrop610gos afirmam que nao ha atualmente raas humanas mas uma ll1ica raa humam H omo sapiells emergiu da Africa oriental cerca de 150000 anos atras deLgto ll 0 continente aproximadamente h 60000 anos e aventurou-se subsequentelll en te para 0 resto do planeta As

dife renas en tre raas somente poderiam ter ocorrido ap6s sua safda do continente africano Portanto as caracteristicas raciais (piglllentaao da pele cor e telura de cabelo forma de nari z e espessura de Ibios) sao controlados por lim nLIlnero pequeno de genes diferentes e permitem uma seleao rapida impactadas pOI press6es ambientais Nada tem a ver com inteligencia habilidades e talento A trajet6 ri a imperialista baseada num conceito espurio da filosofia e da ciencia a partir do seculo XVII infestou 0 termo e produziu 0 racismo atual As raas nao-europeias foram estigmatizadas como em varios estagios de civilizaao para que pudessem servir aos elllpreend imentos das metr6poles A partir do Ilumini smo a razao e a civilizaao tornaram-se sinonimos a raa branca e ao norte da Europa enquanto 0 primitivisl110 e a selvageria foram alocados as ra lt1s nao-brancas geograficam ente postas

fora da Europa (MALIK 2008)

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Page 20: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

-N N I C I

SEMANTICA DO TERMO RAltN (PENA 2008)

Sentido fenotfpico caracterizacao ffsica (textura de cabelo cor da pele)

Sentido geografico ancestralidade geografica (raca oriental raca maori)

Sentido biologico populacao geneticamen te difcrenciada ou subespecie (Homo sapiens Homo neanderthalensis)

Quadro 12 Semantica do termo ra~a

Diante de urn racismo construido em favor do imperialismo europeu (e estadunidense) e diante do estabelecimento de conai~ao de pessoas com desvantagem racializada surgiu uma literatura negra onde se representa a condi~ao racial nao apenas do afro-descendente maS de todos os exclufdos Concomitante as experiencias da literatura negra estadunidense eda literatura caribenha uma das modalidades mais significativas da resistencia contra os parametrOS e as estrategias coloniais e neocoloniais ellropeias eo surgimento da pr6pria literatura p6s-colonial iniciada por Tutuola Achebe e Ngugi 0 surgimento de uma literatura negra britanica e urn fato pr6prio e inegavel oriundo a partir dos anos 1960 Em contraste a literatura afro-americana estadunidense define-se a literatura negra britanica como urn conjunto de obras literarias escritas por negros (nascidos ou emigrantes no Reino Unido) caracterizado pela repres enta~ao do multiculturalismo das dificuldades de convivencia etnica da diversidade cultural dos problemas de abertura e tolerancia e de entraves a urn desenvolvimento aa d[fferallre A heterogeneidade desses autores (africanos sul-asiaticos caribenhos ilheus da Oceania primeiras na~oes australianas maori neozelandeses) e dos generos literarios empreendidos talvez ofusque apenas as diferentes variedades da Ifngua inglesa utilizadas produtos das intercomunica~oes entre as comunidades Iinguisticas diferentes na Inglaterra e naS ex-co16nias 0 que real mente pode ser chamada de literatura negra britanica registra a zona de contato entre 0 p6s-colonialismo e as cuituras britanicas no Reino Unido produzindo um entremeio no centro literario britanico Refutashyse portanto a no~ao excludente de que somente autores brancos podem contribuir legitimamente a constru~ao continua da literatura britanica salientando 0 fato que 0 texto literario negro britanico e a partir de meaaos do seculo XX 0 lows apropriado para a recupera~ao da voz do ex-colonizado 0

banimento do racismo e a negocia~ao na diversidade cultural (GUPTARA 1986 STEIN 2004)

Embora a popula~ao brasiJeira atingisse urn nivel e1evado de mistura genica e a grande maioria dos brasileiros tenha algum grau de ancestralidade africana somcnte recentemente estudos sociol6gicos e antropol6gicos mais profundos como Dois Atlfilltiros de Sergio Costa COllreitos de literatllra e cultura organizado por Euridice Figueiredo UlI1a hisoria de branqueamCllo 011 0 negro em qLlesao de A Hofbauer Razao cor e desejo de Laura MOlltinho Racismo e disrurso l1a Alllerica Latina de Teun A van Dijk America aJro-latina de George Reid Andrews Racistno abrasileira de Edward Telles Ajlor da pete Reflexoes de 11111 gelletirisra e HlIlIlanidnde selll rafns de Sergio DaniJo Pena entre outros tern sido publicados no Brasil sobre 0 problema da constitui~ao racial e do racismo no Brasil Algo analogo ao caso de obras de autoria feminina Oll de t6picos feministas a representa~ao literaria do racismo e suas repercussoes 0 discurso sobre a democracia racial brasileirao multiculturalismo os temas do ostracismo negro estavam (e ate certo ponto estao) sujeitos a hegemonia branca com grandes diflculdades para emergir e ser objeto de debates academicos e da crftica literaria 0 resgate que recentemente Eduardo de Assis Duarte fez por sua antologia Machado de Assis aJro-descendente foi de grande valia e coragem porque revelou urn aspecto suprimido e (propositalmente) abrogado do maior escritor brasileiro

Em seus romances negros briranicos Caryl Phillips Zadie Smith Andrea Levy Salman Rushdie Monica Ali e outros entrela~am 0 leitmotiv da escravidao a degrada~ao do negro e a repercussao da institui~ao escravagista europeia especialmente a luta pela inclusao na vida do negro contemporaneo Admitindo a diversidade de cada autor a constru~ao destes romances se realiza atraves de mudan~as continuas de tempo e lugar de estados mentais de mem6rias e esquecimentos de subversao cronol6gica de viagens erraticas de culpa e remorso para fazer emergir os temas de perten~a identidade e ra~a Esse deslocamento continuo e

276 - TEO R 1 A L1TERAR1A

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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284 - TEO R I A LIT ERA R I A

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Page 21: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

~n ---~ TEO R I A E C R i TIC A rOS-COL O NIALISTAS

a metonimia da diaspora em todos os sentidos causada pela intervenc30 europeia na Africa e nas ex-colonias

e se realiza pelo reaIce do papel do negrona civilizacao moderna e contemporanea sua abertura adiversidade

cultural e a Llrgencia de integrac30 de populac6es inteiras as benesses da civilizacao p6s-rnodema (LEDENT

2002) Saliental11-se ainda nestes romances os temas da exclusao e da auto-culpabilidade do Sttieito nao-branco

o primeiro terna mostra que 0 parametro e 0 centro e ainda a comunidade branca hegemonica e sedutora

Os romances de Caryl Phillips revelam uma sociedade na qual as pessoas em geral formam urn grupo coeso

baseado na cor branca Quando Gilroy emblematicamente intitulou seu livro There ailltno Black ill the Union Jack queria enpound1tizar que ser britinico (ou ser europeu) e ser branco e que 0 conceito de IIllheill1lichkeit e 0

parametro de quem nao e Parece que a ideia de nao-assimilacao de negros e um fator endem ico na populacao

bricinica e europeia 0 segundo tema refere-se ao discurso racial 0 qual produz um complexo de culpa nao na

sociedade que 0 engendra mas na pessoa que dele e vitima Os personagens Faith e Hortense respectivamente

nos romances Fruit cfthe Lemon e Smal Islalld sentem culpa por serem negras falam urn ingles diferente e

possuemjeitos sociais diferentes da maioria branca Talvez a frase que mais-representa esta culpabilidade foi

proferida pelo personagem Francis Barber em Foreigners de Phillips quando diz Look liberty in the face

(PHILLIPS 2007 p 53) o u seja ele mesmo se aborrece de sua alforria contemplada com desdem como se

a liberdrlde fosse algo que gera a devassidao e 0 desfecho fisico e moral do negro

TEMAS PRINCIPAlS EM ROMANCES NEGROS BRITANICOS

bull escravidao bull degradacao do negro bull deslocamento bull excl Llsao bull luta pela inclusao bull sl0e ito rragmentad o bull culpabiliciacie bull el11u lacao cio estilo de vida do branco bull identidade e subjctividadc bull abertura ao outro bull IIIlieillllichleit

RECURSOS LlTERARIOS DE AUTORES NEGROS BRITANICOS

bull muciancas continuas cie tempo e lugar bull deslocamento de es tados mentais bull esquecimentos bull procura de memoria e de historia bull subversao cronol6gica bull viagens erraticas bull sentimento de culpa e remorso middot bull sentimento cie icientidade e raca bull fluxo de consciencia bull 0 negro como metonfmia do ocluido bull historicidacie da escraidao

Quadro 13 Temas e rCC llrsos literarios cm romances negros britanicos

E m muitas ocasi6es Fanon (2005) Sait (1990) e Bhrlbha (1994) mostrrlrrlm que 0 negro produto da

Europa sofre a crise identitaria devida a negacao de valores culturrlis imposta pela civilizacao europeia

a qual 0 colocou fora d a hist6ria e fora da cidrldania (MEMMI 1967 p 113) 0 olhrlr do branco

desenvolve no negro uma imagem negativa de si pr6prio e constr6i uma realidade que adere asua

personalidrldc rlgora caracterizadrl como perfei trlmente dispensave l Todavia a subjetividade do negro

rechrlcrl de vo ltrl [-se J contra sua raca identificando-se totrllmente com a positividade da brancLlra que

e rlO mesmo tempo cor e ausencirl de cor (BHABHA 1991 p 194)

DIASPORA

A diaspora (do grego dia = longe distan te e speireilJ = espalhar) eo deslocamento livre ou forcado de

populrlc6es fora de seu pais para novas regi6es 0 colonialismo provocou as dUrls modalidades milhoes

THOMAS BONNIC L UCIA OSANA ZOUN (OR GAN IZA DORES ) - 277

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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284 - TEO R I A LIT ERA R I A

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Page 22: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

- ~

70 N N I C J

de europeus mlgraram para as col6nlas da Amenca da Africa e da Australia para conqlllstar terras e I garantir a manufatura e 0 comercio de produtos requeridos na Europa Milhoes de africanos oriundos

de varias tribos e naoes foram escravizados e involuntariamente foram transportados as fazendas do

Novo Mundo como soILJ(ao a escassez de mao-de-obra na produao de mercadorias para as metr6poles (SEED 1995 THOMAS 1997) Apos a aboJiao da escravatura no Caribe em 1834 milhares de trabalhadores da India e do slldeste asiatico foram contratados (quase escravos) e levados aqueJa regiao para trabalharem nas fazendas Por outro lado a partir de 1948 no caso dos Caribenhos e especial mente a partir dos mos 1960s no caso de arabes africanos e sul-americanos comeou-se uma migraao macia

para os centros metropoJitanos a procura de trabalho e estudo A fome e as guerras civis na Africa e na Asia provocaram novas ondas diasp6ricas para os centros metropolitanos e formaram urn contingente de

imigrantes ilegais na Europa nos Estados Unidos e no Canada (FARRELL 2000)

TIPOLOGIA DA DiASPORA (SPIVAK 1996)

Diaspora pre-transnacionaJ a) escravidio de africanos para a America do Sui Caribe e Estados Unidos

b) traba I hadores contrHados da fndia e do sudoestc asiatico (illdcnlured labollr)

diaspora transnacion3 J a) sl1jeitos ex-coJoniais para as metr6polcs b) rcfl1giados de gucrras civis e de fome c) sujcitos procurando estudo cmprcgo e bcncsscs laS mctr6polcs

Ql1adro 14 A diaspora

As caracteristicas da diaspora sao (1) a dispersao de lim centro original para Llma reglao

distante (2) a retenao de mem6ria e mitos colctivos sobre a patria (3) a crella que a poplllaao diasp6ricajamais se inseriria complctamente 110 pais h6spede prodll zindo ou UI1l isolamento melltal

OLl urn gueta geogra poundI co (4) a idealizaao do Iar de sells antepassados (5) a crenlta que todos os descendentes manteriam certa ligaao com a patria original (6) uma mcntalidade ernica baseada na

identidade e na hist6ria e no futuro comum (SAFRAN 1991) Embora as migraoes sempre f1zessem

parte da hist6ria humana 0 deslocamento populacional tomou nllnos significativos a partir do pound1m

da II Guerra Mundial e do movimento de descolonizaao A diaspora na modernidade tardia e algo

rna is complexo diversificado e global porque emolve a deslocamento e a fragmentaao embora

nao signifiqLle necessariamente uma ruptura completa com 0 pais de origem (APPADURAl 2003) Portanto diferente da diaspora provocada por pcrseguiao guerras civis e fome a diaspora dos que

procuram benesses trabalho e estudo nao c necessariamente algo traumatico A nova terminologia atualmente empregada como transnacionalidade e transmigraao coloca em evidencia tres tipos de

populaoes transmigrantes (1) 0 tipo tradicional com a mente fLa numa patria imaginada (2) 0

tipo afinado a cultura local 0 qual limita os perigos de encontros interculturais (3) 0 tipo com

afinidade locallimitada mas com orientaao cosmopolita manifestada atraves da mobilidade e cultura profissional

Existe atualmente uma nomenclatura diversificada para descrever 0 mesmo fen6meno cultural provocado pela diaspora cultura cosmopolita (HANNERZ 1996) cultura transnacional (SMITH

1991) cultura globalunitaria (TENBRUCK 1990) culturas mistas translocais (PIETERSE 1994) identidades hifenizadas (LIPMAN 1995) culturas hibridas (GILROY 1993 BHABHA 1994

HALL 2003) Nestcs cOlHextos as idcntidades rornam-se instaveis e locais de difercna nas rel8oes de poder Conscquentenlel1te a identidade e constantemente negociada e construfda intimamentc

278 - TEO I( [ A LIT E J( A It I -

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

-- - -------_-- - - -------------------shy

-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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284 - TEO R I A LIT ERA R I A

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Page 23: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

--~ TEO R I A E C R i TI C A P 6 s - CO L 0 N I A L [ S T A S

-

ligada a globaliza~ao ou seja no entremeio entre as condi~oes gJobais e as s itua~oes locais (HALL 2003)

A identidade do sujeit6 diasp6rico amarra-se a identidade nacional ou a consciencia nacional descritas como comunidades imaginadas por Anderson (1983) A na~ao sempre e concebida como uma camaradagem horizontal profunda onde os indivlduos sabem que sao ao mesmo tempo iguais e diferentes Todavia a partir da perspectiva diasp6rica pode-se dizer que as condi~oes translocais formam zonas de conflitos e sujeitos fragmentados Comb consequencia 0 sujeito diasp6rico se liberta da posi~ao etnica fIX e da ideia de urn mito fundador e assume possibilidades novas e rna is abertas ao outro

Por outro lado a diaspora considera tambem os conceitos de unheimlich e unheimlichkeit (naoshyestar-no-lar es tranhamento) originariamente desenvolvidos por Freud e Heidegger No caso de colonizadores voluntarios 0 espa~o nao colonizado deve ser transformado em lugar civilizado atraves da lingua inven~ao de termos apropriados nova vi sao da terra f1sica processa mento de uma nova mentalidade Come~a-se lima cultura que nem e uma repeti~ao da patria mae nem uma adapta~ao exata da terra local Tal identidade diasp6rica produz positivamente 0 hibridismo No caso das popula~oes

nativas que nao foram deslocados fisi camente para olltras regioes ha um tipo diferente de di aspora Sua cultura foi degradada e deslocada enquanto a alternativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educa~ao adminis tra~ao e justi~a hegemo nicas Quando se trata de diasporas for~adas 11a escravidao entre os seculos 16 e 19 enos movimento migrat6rios devido as guerras civis a fragmenta~ao do sujeito diasp6rico e mais profunda e duradoura N este ambiente uma nova terra uma lingua diferente e urn novo sistema de trabalho sao impostos enquanto os m embros da famnia sao dispersos os conceitos de cuItura sao rompidos e 0 desenraizamento e a des-memora~ao prevalecem Contudo no passar dos anos os descendemes dos sujeitos diasp6ricos reestruturam novas e poderosas formas culturais atraves das quais construiram lima nova identidade e subjetividade

CONSEQUENCIAS DA DrASPORA

colonizadores volllndrios bull transform aao de espao em Iugar

bull inve nao de termos linguisticos

bull re-visao a terra e do ambiente

bull hibridismo e nova mentalidade (The Story ifan African Farm de Olive Schreiner)

populaocs nativas nao des locadas bull cultura degradada e deslocada

bull altcrnativa ocidentalizada foi imposta atraves da reJigiao educaao administra~ao e justi a hegem6nicas

(Conquista Esp iritual de Antonio RlIi z de Montoya)

populaltao escrava e contratada bull imposiao de uma nova terra uma lingua diferente e um novo sistema de trabalho

bull dispersao dos membros da famni a

bull rom pimento de conceitos de cllitura

bull desenraizamento e des-memoraao

populaao diasp6rica rumo ametr6pole bull negocia~ao constante

bull Oll assimilaao ou afirmaao da identidade num contexto hegemonicamente branco

(Uma margem distante de Caryl Phillips Fruit of the Lemon de Andrea Levy)

Quadro 15 As consequencias da diaspora

TH OMAS BONNICI LU C IA OSANA ZOLIN ( ORGAN IZAD ORES) - 279

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

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Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

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-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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388

284 - TEO R I A LIT ERA R I A

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TI()lvlAS BON N l e l I LUCIA OS NA ZOLIN (OHGIINIZADORES) - 285

Page 24: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

~o N I C I N

A representa~ao da diaspora na iiteratura e um fenomeno novo embora constante nas literaturas 1 de lIngua inglesa Com exce~ao dos eventos migratorios de retirantes nordestinos para 0 sui do pais na literatura brasileira a diaspora e mpito pouco analisada e discutida apesar de 0 Brasil ser um pais de diaspora em todos os sentidos acima mencionados A representa~ao ficcional da diaspora africana pre-transnacional jamais foi central na literatura brasileira Poucos romances analisam a imigracao europeia ou a vida de seus descendentes no Brasil Destacam-se Amar verbo intransitivo de Mario de Andrade Canaa de Gra~a Aranha a Irisle Jim de Poi(irpio Quaresma de Lima Barreto Noveas pauislanas de Alcantara Machado Max e os feiIos e a cenauro no jardim de Moacyr Scliar Conlos do imigrante de Samuel Rawet Relato de um certo OrielIe e Dois irmaos de Milton Hatoum e Lalloura arcaica de Raduan Nassar Praticamente nenhum romance foi publicado (exceto Moreno (01110 voces de Sonia Nolasco Ferreira) representando a ddspora envolvendo brasileiros no exllio politico ou a procma de trabalho e estudo nas metropoles europeias ou da America do norte Todavia a literatura brasileira tem grande potencialidade a ser explorada e discutida muito vezes atraves de parametros diferentes daqueles usados nas literaturas de lIngua inglesa

Na literacura pos-colonial em lingua inglesa Caryl Phillips analisa em todos os seus romances a diaspora negra especialmente suas repercussoes no mundo contemporaneo Enquanto Crossing the River descreve tn~s personagens diasporicos os quais sao a metonimia de seres humanos fragmentados pela diaspora for~ada A Distallt Shore e Foreigners com suas analepses e elipses representam a nova diaspora salientando a fragmenta~ao do africano e do Negro britanico contemporancos e sua frustra~ao em viver num ambiente supostamente tolerante e democratico Os romances de Andrea Levy como The Fruit oj the Lemon e Small Island revelam os eventos posshyII Guerra Mundial e mostram 0 estranhall1ento provocado pela diaspora na vida de imigrantes negros caribenhos Embora os problemas raciais constituam marcas profundas na sociedade branca que usa as populacoes de suas colonias para defender os seus ideais enquanto as exclui de suas benesses as popula~oes diasporicas formam comunidades e iniciam os processos de subjetifica~ao at raves da memoria e da identidade Em Brick Lane e em The Namesake Monica Ali e Jhumpa Lahiri respectivamente dcscrevelldo as vicissitudes da comunidade bangladeshiana e indiana no Reino Unido enos Estados Unidos mostram os variegados efeitos culturais da diaspora que afetam os sujeitos diasporicos proporcionalmente asua inser~ao na sociedade hegemonica branca e ocidentalizada Com muira jocosidade e comicidade Zadie Smith em White Teeth tambem descreve comunidades distintas de caribenhos judeus britanicos bangladeshianos e indianos Embora estas popula~6es diasporicas se misturem sem tra~os de hierarquiza~ao elas mantem ainda uma imagem mitica do pais de origem a memoria do passado a referencia de identidade e a negocia~ao da subjetividade com a comunidade branca hegemonica Por outro lado Nadine Gordimer em The Pickup descreve as negocia~oes quase traumaticas de um arabe diasporico que procura urn emprego primeiro na Africa do Sui e depois nos Estados Unidos para que possa exercitar a sua cidadania e usufruir das benesses da civiliza~ao ocidental Parece que 0 leitmotiv destes romances de autoria negra e a negocia~ao para que se evidencie a identidade do sujeito diasporico

MULTICULTURALISMO

o termo multiculturalismo descreve 0 conjunto das diferen~as culturais nas sociedades contemporaneas Define-se como 0 reconhecimento da diferenca e 0 direito adiferenca colocando em questao 0 tipo de tratamento que as identidades tiveram e ainda tem nas democracias tradicionais o termo multiculturalismo no contexte de urn mundo globalizado pode assumir tantas facetas semanticas e tantas utilidades filosoficas e politicas que muitas vezes se torna uma palavra tao equivoca que seu uso poe 0 conceito em risco 0 multiculturalismo esta intimamente ligado adiversidade e apolftica do Estado 0 qual apos a II Guerra Mundial a derrocada do colonialismo a fragmenta~ao

280 - TEO R I A LIT ERA R I A

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

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a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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388

284 - TEO R I A LIT ERA R I A

NGUGI wa Thiongo De(olollizill_~ llie IIilld the politics of language in African literlture Londoll Curre)

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TI()lvlAS BON N l e l I LUCIA OS NA ZOLIN (OHGIINIZADORES) - 285

Page 25: Bonnici, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas

~n--~--~ TEO f I A E CRiTICA POS-COLONIALISTAS

da Undo Sovietica e a construltao da Comunidade Europeia estabelece politicas de convivencia no

seu pr6prio pals De fato a partir dos anos 1980 0 termo multiculturalismo torna-se uma palavrashy

c6digo vinculada aos significantes queincluiam altao afirmativa contra ralta e racismo enquanto

nos anos 1990 0 significado se estende a questoes de inclusao de homossexuais e lesbicas Portanto 0

multiculturalismo e urn conjunto de politicas para a acomodaltao de povos diasp6ricos (nao brancos)

e de minorias ou seja uma resposta liberal para contornar a realidade racializada destas sociedades e frequentemente para esconder a existencia do racismo institucionalizado

A crftica multicultural radical salienta 0 poder 0 privilegio a hierarquia das opressoes e os

movimentos de resistencia Por outro lado a critica multicultural tradicional analisa as teorias de

diferenlta e da administraltao da diversidade geopolitica DdS antigas metr6poles colonia is e nas suas ex-colonias E pOI-tanto urn discurso globalizado porque compreende a diaspora moderna os

imigrantes e sua convivencia populaltoes minoritarias e hegemonia cultural e problemas de genero ralta etnia e classe A critica multicultural analisa a relaltao entre as culturas das minorias e a

cultura hegemonica especial mente quando as minorias sao oriundas de populaltoes ex-coloniais

cuja identidade cultural foi profundamente transformada pelo regime imperial Num contexto hegemonico as minorias sao catalogadas atraves dos termos ralta etnicidade e indigeneidade

cuja origem tem sido sempre 0 colonialismo a diaspora e varias formas de objetificaltao operada

pelos brancos POlmiddottanto 0 multiculturalismo e visto como uma camufhgem ou ate reforlto das

diferenltas racializadas (MALIK 2008) exigidas por uma polltica de tolerancia ou seja urn marcador simb6lico da diferenlta cultural nao-absorvida (STRATTON amp ANG 1994 p 155) Ja que varias

minorias (argelinos nigerianos mexicanos brasileiros quenianos povos eslavos) foram aceitas nos

anos 1970 e 1980 dcvido a varios fatores economicos 0 multiculturalismo tornou-se uma exigencia

de politica estatal para a convivencia dessas minorias no contexto de lima cultura local hegemonica

e alheia (McLEOD 2004) Apesar dessas mudanltas a ideologia constante que 0 termo carrega e

sua conotaltao de interesse especial opondo-se supostamente a urn interesse geral subjacente

(MOHAN 1995 p 374)

DESCRIltAo DO MULTICULTURALISMO CRiTICAS AO MULTICULTURALISMO

bull polftica de convivencia de populalt6es etnicamente diversas

bull Acomodaltao de povos nao europeus e de minorias

bull relacionamento entre cultura hegemonica (bmiddotmiddotanca) e culturas das minorias

bull camuflagem das diferenltas raciais

bull reforlto das diferenltas racializadas

bull interesse especial no contexto de um interesse geral subjacente (branco)

bull tolerancia homogeneizantes das diferenltas etnicas

Quadro 16 Multiculturalismo descriltao e crfticas

Como conceito a diferenlta cultural preconiza nao apenas a convivencia de varias culturas

hierarquizadas e portanto a reprodultao do binario metr6pole-margem mas questiona os efeitos

homogeneizantes dos simbolos culturais e a autoridade da sintese cultural A partir desse conceito

Bhabha desenvolve a sua teo ria do hibridismo da ambivalencia no discurso colonial do Terceiro

Espalto (BHABHA 1994) Segundo Bhabha a diferenlta cultural e dinamica mutante e aberta a ulteriores interpretalt6es Como consequencia 0 multiculturalismo torna-se vazio sem a conotaltao

de hibridismo 0 qual e concebido como uma amealta aautoridade cultural e colonial subvertendo 0

THOMAS BONNICI LUCIA OSANA ZOLIN (ORGANIZADORES) - 281

-~o N N I C I

j conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante atraves da ambivalencia criada pela negacao variacao repeticao e deslocamento

Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

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-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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Enquanto Hall (1995 2003) 0 con~idera racista e Bhabha (1993) urn significante flutuante Gilroy (2006) defende 0 multiculturalismo como a solucao para os paises ex-imperialistas os quais devem enfrentar 0 seu passado colonial Para Gilroy (2006) a convivialidade urn outro nome que da ao multiculturaJismo

nao descreve a ausencia do racismo ou 0 triunfo da tolerancia 0 termo sugere uma ambieme diferente para seus rituais vazios e inter-pessoais [0 multicu ltural ismoconvivia lidadeJ comecou a signipoundlcar outra coisa quando da ausencia de um a forte crenca em racas absolutas ou intactas [ ) A convivialidade introduz cefta disd nc ia do termo importante ide ntidade a qual tem sido uma fonte ambigua pa ra analisa r ra ca etnici dade e politica A abertura radical a qual torna a convivialidade algo inte ressan te ridiculariza a identidade fechada fixa e coisificada e foca liza os meca nismos semp re imprevisive is cia identtficacao (GILROY 2006 p xi)

Constatando 0 hiato existente entre jovens britanicos para os quais 0 termo raca e irrelevante e a atitllde de britanicos mais tradicionais que rechaca m 0 multiculturali smo Gilroy alcunha esses ultimos como acometido por melancolia ou seja ressentidos pela qu eda do imperio e pela constante negacao das atrocidades cometidas durante a existencia do Imperio Britanico

TEORIAS DO MULTICULTURALISMO

Bhabha o multiculturalismo cleve ser acoplado ao hibridistllo a cliferenlta cultural edinamica mutante e abena

Hall Multiculturalismo cracista porque uma politica de assimilaltao

Gilroy Convivialidade sem a noltao absoluta de ralta e com profunda abertura aalteridade

Quadro 17 Teorias do mlliticllituralismo

A representacao do multiculturalismo na literatura negra britanica reflete a ambivalencia do

termo Analisado sob 0 ponto de vista filos6fi co 0 multiculturalismo e 0 reconhecimento a aceitacao eo respeito as diferencas culturais (PAREKH 2006) Todavia essa definicaoja implica na existencia de urn centro dotado de alltonomia e hegemonia que reconhece a existencia de outros que sao diferentes dele mas perifericos Os termos aceitacao e respeito conotam tolerancia condescendencia e hierarqllizacao e jamais valores igllais com igual direito de existencia e de exercicio Segue-se que

ao contra rio da opiniao de Gilroy (2006) 0 multiculturalismo e urn termo que leva a intolerancia e obrigatoriamente a assimilacao na cultura hegemonica das culturas etnicamente em desvantagem Embora a assimilacao possa se r chamada convivencia esta nao vai alem de uma politica para evitar desigualdades e injusticas De fato 0 termo assimilacao foi substitufdo por multiculturalismo com

implicac6es raciais latentes

Nao ha duvida que 0 multiculturalismo esteja frequentemente vinclllado as diferencas racializadas e a fragmentacao dos modelos nacionais tradicionais na tentativa de uma representacao homogenea apesar da heterogeneidade existente Por outro lado 0 multiculturalismo e lltili zado pelas minorias

para a participacao das mesmas baseada precisamente em suas diferenca cultural e para 0 combate a politica de assimilacao empreendida pelos governos Embora 0 multiculturalismo possa se r urn significante vazio ele e uma importante estrategia contra praticas hegemonicas exclusivistas contra

282 - TEO RIA LITERARIA

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-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

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-~-~middotmiddotgtli(8 TE O R I A E C R i T IC A P 6 s - C OL 0 N I A LIS T A S

a tendencia de vol tar ao statlls fIlO contra a nocao essencialista e purista da cultma e contra a abolicao das politicas afirmativas

Embora 0 Brasil seja um pafs multicultural a representacao fi cc ional do multiculturalismo nao e rao saliente em sua literatura Provave lmente deve-s e es te fato aos estudos incipiente s sobre racismo e sua representacao litedria e a urn gradual desperrar da sociedade diante de sua condicao hfbrida e multicultural Por outro lado a litera tura negra britanica contempodlnea insiste em mostrar uma sociedade multicultural proble matizando- a debatendo a sua viabilidade e reve lando as suas mascaras Esta saliencia d eve-se areacao ao fato qu e autores britanicos brancos em seus romances nos ultimos cinquenta anos ou seja no pe rfodo em que se es tabelece u e se consolidou a polftica multicultural na Inglate rra nao inclu em personagens negras e nao analisam a modificacao hibrida e multicultural da sociedade britanica neste meio seculo Ao contrario os escritores negros britanicos incluem personagens negros e brancos em sua ficcao

Todavi a a preocupacao de escr itores negros e a relacao entre a ide ntidade negra inclu siva e a cultura hegemonica branca Uma analise de alguns romances mostla indivfduos diasporicos oriundos das ex-colonias britanicas da Africa do Caribe e do sudeste asiatico na Inglaterra supostamente mate rna e multicultural Cada personagem carrega a sua cultura (bangladeshiana nigeriana jamaicana etc) enraizada em suas atitudes existenciais e negocia a sua identidade no contexro de lima sociedade homogenea branca caracterizada por olhos hosti s (PHILLIPS 2007 p 157) diante da invasao de suas fronteiras Embora a ficcao reve le 0 convfvio com a cultura dominante sem Illuita interferencia direta des ta sobre a cultura diasp6ri ca a intercomunicacao dial6gica acontece mais sutilmente

Confirmando dados soc iol6gicos os romances mostram que a cultura e um fator dinamico que evoilli arraves da transculturac-ao e do hibridismo No rom ance Brirk Lane de Monica Ali Naznee n aceitou casar-se com um homem desconhecido segllindo a tradicao bangladeshiana mas em Londres transgrediu as tronteiras illlpostas pclo genero e pela cultura negociando 0 espaco em que ela subsiste e abrindo-se a lim relacionamento com Karim e a uma vida ocidentalizada Outross im todos os personage ns de White Tieth de Zadie Smith se encontram hife nizados desafiando sua ide ntidade cultural e abrindo-se aheterogeneidade do o utro A abertura hfbrida nao e algo se m conflito ou sem perdas 0 inglcs Archie por exemplo parece tracar a relacao entre 0 essencialismo cultural (passado) e a abertura adiversidade cultural (futuro) f uma m entira s6rdida afinnar que 0 passado sem pre e perturbador co futuro perreito (SMITH 2000 p 448) No hibridisl110 0 embate agonico entre as cul[uras poder lil es dar algumas condic6es de conviver na soc iedade britanica branca a qual paulatinamente os assimila

Por outro lado nos romances Fmit (~rlhe Lellloll e Foreigllers respectivamente de Levy e de Phillips percebe-se que as diferentes experiencias de FaithJackson em Londres e de David Oluwale em Leeds mudal11 sua perce pcao da sociedade britanica A primei ra torna-se consciente que a experiencia dos negros e ma experiencia diasporica e ao voltar a Inglaterra im agina as diferentes cores dos fogos de artificio como urn sfmbolo da convivencia racial e portanto de negoc iacao 0 segundo assume ul11a arirude subjetificante e nao assimiladora insistindo na cultma negra legitimada por si mesma e nao apenas como 0 direito adiferenca Embora os problemas do mlllti culturali smo nao tenham uma solucao defi nitiva a ficao p6s-colonial especialmen te aquela em qu e 0 multiculturali smo es ta em eidencia contribuira para denuflciar 0 aprofundamento da margin alizacao das culturas naoshybrancas e po rtanto a fal acia exacerbante da eqllacao multicllltllralismo-assimilacao alem de criar sfmbolos referentes alegitimidade da identidade e da pertenca de todas as culturas

REFERENCLAS

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