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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO A FORMAÇÃO DO HOMEM NOVO NA PEDAGOGIA DE ANTON S. MAKARENKO: UM ESTUDO INTRODUTÓRIO NA PERSPECTIVA DA ONTOLOGIA MARXIANA-LUKACSIANA CIRO MESQUITA DE OLIVEIRA FORTALEZA 2012

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

    CENTRO DE EDUCAO

    CURSO DE MESTRADO ACADMICO EM EDUCAO

    A FORMAO DO HOMEM NOVO NA PEDAGOGIA DE

    ANTON S. MAKARENKO: UM ESTUDO INTRODUTRIO NA PERSPECTIVA DA

    ONTOLOGIA MARXIANA-LUKACSIANA

    CIRO MESQUITA DE OLIVEIRA

    FORTALEZA

    2012

  • CIRO MESQUITA DE OLIVEIRA

    A FORMAO DO HOMEM NOVO NA PEDAGOGIA DE

    ANTON S. MAKARENKO: UM ESTUDO INTRODUTRIO NA PERSPECTIVA DA

    ONTOLOGIA MARXIANA-LUKACSIANA

    Dissertao apresentada Banca

    Examinadora do Curso de Mestrado

    Acadmico em Educao, da

    Universidade Estadual do Cear, como

    exigncia final para obteno do grau de

    Mestre em Educao.

    Orientadora: Prof. Dr. Ruth Maria de

    Paula Gonalves

    Coorientadora: Prof. Dr. Maria das

    Dores Mendes Segundo

    FORTALEZA

    2012

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    Universidade Estadual do Cear

    Biblioteca Central Prof. Antnio Martins Filho

    O48f Oliveira, Ciro Mesquita de

    A formao do homem novo na pedagogia de Antons S. Makarenko:

    um estudo introdutrio na perspectiva da ontologia Marxiana - Lukacsiana /

    Ciro Mesquita de Oliveira . 2012. 115f. : il. color., enc. ; 30 cm.

    Dissertao (Mestrado) Universidade Estadual do Cear, Centro de Educao, Curso de Mestrado Acadmico em Educao, Fortaleza, 2012.

    . rea de Concentrao: Formao de Professores.

    Orientao: Prof. Dr. Ruth Maria de Paula Gonalves.

    Coorientao: Prof. Dr. Maria das Dores Mendes Segundo.

    1. Coletividade. 2. URSS. 3. Educao. 4. Makarenko. I. Ttulo.

    CDD: 370

  • CIRO MESQUITA DE OLIVEIRA

    A FORMAO DO HOMEM NOVO NA PEDAGOGIA DE

    ANTON S. MAKARENKO: UM ESTUDO INTRODUTRIO NA PERSPECTIVA DA

    ONTOLOGIA MARXIANA-LUKACSIANA

    Dissertao apresentada Banca Examinadora do Curso de Mestrado Acadmico em

    Educao, do Centro de Educao da Universidade Estadual do Cear, como exigncia parcial

    para obteno do grau de Mestre em Educao.

    Defesa em: 04/04/2012

    Conceito obtido: __________

    Nota obtida:______________

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________________________

    Prof. Dr. Ruth Maria de Paula Gonalves (Orientadora)

    Universidade Estadual do Cear UECE

    ______________________________________________

    Prof. Dr. Maria das Dores Mendes Segundo (Coorientadora)

    Universidade Estadual do Cear UECE

    ______________________________________________

    Prof. Ph.D. Maria Susana Vasconcelos Jimenez

    Universidade Estadual do Cear UECE

    ______________________________________________

    Prof. Dr. Josefa Jackline Rabelo

    Universidade Federal do Cear UFC

  • minha esposa Mrcia por compartilhar comigo

    todos os momentos de durezas e de adversidades

    durante a elaborao deste trabalho. Sem ela

    seria impossvel ter chegado at aqui.

    A palavra companheira no

    suficiente para descrev-la.

    Aos meus filhos, Maria Elis e Matheus, que

    muitas vezes no entenderam a minha ausncia

    e mesmo estando perto sentiram muita

    a minha falta de ateno.

    Aos meus pais Irlanda e Alsio (in memorian) pelo

    o incentivo e apoio desde a minha infncia.

    A eles, dedico.

  • AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer queles que me incentivaram e contriburam de algum modo

    com esse trabalho.

    Aos meus amigos Jos Pereira, Renata Jata e Cleide por me incentivarem e insistirem,

    desde o comeo, em tentar fazer o curso de mestrado de mestrado acadmico em educao.

    professora Jackline Rabelo por sua firmeza intelectual marxiana, sua acessibilidade

    e estmulo para continuar com os estudos para alm da graduao.

    professora Susana Jimenez por me acolher e incentivar com seu aporte intelectual a

    enfrentar as batalhas intelectuais das teorias educacionais vigentes.

    professora Das Dores por seus aconselhamentos e palavras que me esclareceram em

    diversos momentos.

    professora Ruth por seu sorriso largo, sua candura e sua pacincia, em muitos

    momentos dessa trajetria as exigncias se tornaram brandas e mais leves por sua gentileza.

    Ao meu amigo Marcel, companheiro de lutas acadmicas e sindicais quantas vezes

    meu amigo, precisei de nossas conversas para poder seguir adiante.

    Aos amigos do IMO, aos amigos da minha turma do Curso de Mestrado Acadmico

    em Educao (CMAE), aos professores da prefeitura de Fortaleza nas escolas em que trabalho

    e j trabalhei vocs tambm foram essenciais nessa longa caminhada.

    Aos meus alunos vocs so os grandes beneficiados deste trabalho.

    Joyce, secretaria do CMAE, pela ateno e pela disponibilidade.

    A minha irm Gergia pela amizade e apoio incondicionais.

    Ao meu tio Benjamin Alvino Mesquita meu reconhecimento pelo grande exemplo e

    honestidade intelectual.

  • A vida bela, que as geraes futuras

    a livrem de todo mal e opresso,

    e possam desfrut-la

    em toda sua

    plenitude.

    Leon Trotsky

  • RESUMO

    O presente trabalho visa investigar a concepo pedaggica de Anton

    Semionovich Makarenko, examinando suas categorias luz da

    perspectiva ontolgica. O objetivo geral examinar o processo

    educativo inscrito em sua teoria e a prtica pedaggica, sintetizada

    pela categoria coletividade, que seria uma nova relao entre a teoria e

    a prtica, em busca de uma educao social que visava formao do

    homem novo para a nova sociedade sovitica. Analisamos nosso

    objeto pela perspectiva da ontologia marxiana-lukacsiana, na qual se

    busca desvelar o real pela relao entre as esferas particulares e os

    determinantes estruturais do mesmo na constituio da esfera da

    totalidade social. Dessa forma, classificamos nosso trabalho como

    terico-bibliogrfico e documental. Num primeiro momento da

    pesquisa, contextualiza-se o conjunto de fatores histricos, polticos,

    econmicos e culturais, imediatamente anteriores aos primeiros anos

    da Unio Sovitica, onde o referido autor construiu sua obra.

    Prossegue-se com a trajetria biogrfica de Makarenko. Adiante,

    encaminha-se com a anlise das obras: Poema Pedaggico; As

    Bandeiras nas Torres; Livro dos Pais; livro Problemas de La

    Educacin Escolar Sovietica e o texto Metodologia para La

    Organizacin del Proceso Educativo; e ainda outros artigos, textos e

    conferncias que selecionamos do autor. Dessas obras, extraem-se as

    principais categorias de Makarenko para anlise: a coletividade, a

    disciplina, a autodisciplina, a auto-organizao, a renncia, a exigncia

    e a perspectiva. Alm disso, faz-se um exame dos princpios

    filosficos e pedaggicos do Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem-Terra MST, relacionando-os s categorias supracitadas. Ao fim do estudo, conclui-se que Makarenko cumpriu um papel significante

    na formao inicial desse novo modelo de homem: mesmo com

    resqucios da influncia escolanovista e do pragmatismo, todavia, ao

    contrrio dessas correntes, pregava que o processo educativo feito

    pelo prprio coletivo em detrimento das vontades individuais. Embora

    haja intensidade e fecundidade em sua concepo pedaggica,

    considera-se que sua proposta educacional, que objetivava a formao

    do homem novo e pleno de todas as suas potencialidades, pondera-se e

    ressalva-se que Makarenko sinalizava a favor da diviso do trabalho, o

    que certamente aproxima suas elaboraes da concepo de trabalho,

    no como ato potencializador da totalidade da atividade humana, mas

    fragmentado em trabalho manual e intelectual, distanciando-se da

    perspectiva ontolgica marxiana-lukacsiana.

    Palavras-chave: Makarenko; Educao; Coletividade; URSS.

  • RESUMEN

    El presente estudio tiene como objetivo investigar la concepcin

    pedaggica de Anton Semionovich Makarenko, el examen de sus

    categoras a la luz de la perspectiva ontolgica. El objetivo general es

    examinar el proceso educativo inscrito en la teora y la prctica

    pedaggica, sintetizada por la categora de la colectividad, lo que sera

    una nueva relacin entre teora y prctica, en busca de una educacin

    social que el objetivo de formar al hombre nuevo a la nueva sociedad

    sovitica. Analizado desde la perspectiva de nuestra ontologa

    lukacsiana objeto-marxista, donde se busca desentraar la verdadera

    relacin entre la esfera privada y los determinantes estructurales de la

    misma constitucin en el mbito de la totalidad social. Por lo tanto,

    podemos clasificar nuestro trabajo como terico, bibliogrfico y

    documental. Al principio, la investigacin, contextualiza el conjunto

    de factores histricos, los derechos polticos, econmicos y culturales,

    inmediatamente antes de los primeros aos de la Unin Sovitica,

    donde este autor ha construido su obra. Se contina con las historias de

    vida de Makarenko. Se est moviendo adelante con el anlisis de las

    obras: Poema Pedaggico, Banderas en las Torres, el Libro de los

    Padres; libro Problemas de la Escuela Sovitica de La Educacin y

    Metodologa de texto para la Organizacin del Proceso de Educacin,

    y an otros artculos, textos y conferencias seleccionado el autor. Estas

    obras se extraen de sus categoras Makarenko principales para el

    anlisis: la colectividad, la disciplina, la auto-disciplina, auto-

    organizacin, la exigencia de renuncia y perspectiva. Por otra parte, es

    un examen de los principios filosficos y pedaggicos del Movimento

    dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra MST que se conectan con las categoras anteriores. Al final del estudio concluyeron que Makarenko

    desempeado un papel importante en la formacin inicial de este

    nuevo modelo de hombre, incluso con restos de la nueva escuela y la

    influencia del pragmatismo, sin embargo, a diferencia de estas

    corrientes predicaban que el proceso educativo se lleva a cabo por el

    colectivo a expensas de la las voluntades individuales. Pero a pesar de

    toda su intensidad y la fecundidad de su diseo instruccional, se

    considera que su propuesta educativa tiene por objeto la formacin del

    hombre nuevo y completo de todo su potencial, pesa y se insiste en

    que Makarenko, indic a la divisin del trabajo , que sin duda se

    acerca a sus elaboraciones de los trabajos de diseo, no actan como

    un potenciador de la actividad humana, pero roto en el trabajo manual

    e intelectual, lejos de la perspectiva ontolgica marxista-lukacsiana.

    Palabras clave: Makarenko; La Educacin; La colectividad; La Unin

    Sovitica

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................................... 10

    2 A GNESE DO PENSAMENTO PEDAGGICO DE MAKARENKO ........................ 22

    2.1 As contribuies das concepes educacionais dos pensadores russos antes do

    perodo revolucionrio para a formao de uma pedagogia socialista .............................. 22

    2.2 Makarenko: vida e obra ................................................................................................... 33

    3 A CONCEPO PEDAGGICA DE MAKARENKO: RASTREAMENTO DAS

    PRINCIPAIS CATEGORIAS................................................................................................ 39

    3.1 A principal categoria: a coletividade ............................................................................... 42

    4 A CONCEPO PEDAGGICA DE MAKARENKO ESPECIFICAMENTE NO

    MST MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. .................. 66 4.1 Primeiras pistas de como a concepo pedaggica de Anton S. Makarenko chegou ao

    Brasil ........................................................................................................................................ 67

    4.2 Makarenko nos princpios filosficos e pedaggicos do MST. ..................................... 76

    4.3 Os Novos Paradigmas da Educao na concepo educativa do MST. ....................... 87

    5 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 96

    REFERNCIAS ................................................................................................................... 109

  • 10

    1 INTRODUO

    Nossa dissertao de mestrado resultado de uma pesquisa terico-bibliogrfica sobre

    a concepo pedaggica do pedagogo sovitico Anton Semionovich Makarenko (1888-1939).

    Estamos integrados a outros estudos que vm sendo encampados coletivamente, com bastante

    empenho, por outros membros e pesquisadores do Instituto de Estudos e Pesquisas do

    Movimento Operrio da Universidade Estadual do Cear (IMO/UECE); do Eixo Marxismo e

    Formao do Educador, do Curso de Mestrado Acadmico em Educao, da mesma

    Universidade (CMAE/UECE); bem como da Linha de Pesquisa Marxismo, Educao e Lutas

    de Classes, da Universidade Federal do Cear (E-Luta/UFC).

    Cerramos fileiras, em conjunto, visando fazer um reordenamento das concepes

    pedaggicas dos pedagogos soviticos, como Makarenko e Pistrak, inspirados em trabalhos

    que fazem a recuperao de base ontolgica marxiana-lukacsiana, por exemplo, na obra dos

    integrantes da Psicologia Histrico-Cultural. Muitos so os trabalhos que vm sendo

    realizados nesse sentido, dentre eles, podemos destacar as teses das professoras Dr. Ruth de

    Paula1, da professora Dr. Maurilene do Carmo

    2, a dissertao da professora Ms. Natlia

    Ayres da Silva3 e a dissertao, em andamento, de Leonardo Jos Freire Cab, Trabalho e

    Atividade na psicologia de A. N. Leontiev: pressupostos ontolgicos e desdobramentos

    no processo de escolarizao da classe trabalhadora, orientada pela Prof. Dr. Josefa

    Jackline Rabelo.

    Sobre Pistrak, temos a dissertao de mestrado, em andamento, de Marcel Lima

    Cunha, com o ttulo provisrio: A Educao Corporal nos Fundamentos da Escola

    Sovitica: uma anlise luz da teoria marxiana, orientada pela Prof. Dr. Betania Moreira

    de Moraes. Vale ressaltar que este trabalho parte integrante do esforo empreendido em

    nossa dissertao de mestrado de dar conta dos pressupostos tericos dos autores da

    pedagogia sovitica. Nossas dissertaes vm de uma ramificao do trabalho realizado pelas

    1 Tese intitulada: A catao de lixo e a (de)formao da criana como ser social, defendida em 2006, na UFC,

    tomando por base os estudos de Leontiev sobre a atividade e a formao do sujeito na Psicologia Histrico-

    Cultural. 2 Tese intitulada: Vigotski: um estudo luz da centralidade ontolgica do trabalho, defendida igualmente na

    UFC, em 2008, sob orientao da Professora Susana Jimenez e a coorientao da Professora Sueli Terezinha

    Martins, tendo, como objetivo, central recuperar a categoria trabalho no constructo vigotskiano. 3 Dissertao intitulada: Trabalho e Linguagem na obra de A. R. Luria: um estudo luz da ontologia

    marxiana, em 2011, orientada pela Prof. Ph.D. Maria Susana Vasconcelos Jimenez e coorientada pela Prof.

    Dr. Betania Moreira de Moraes.

  • 11

    nossas orientadoras, professoras Dr. Ruth Maria de Paula Gonalves e professora Dr. Betania

    Moreira de Moraes, que coordenam os grupos de estudos Defectologia de Vigotski e

    Psicologia Histrico-Cultural e Educao: estudos na perspectiva da ontologia lukacsiana;

    coordenados, o primeiro, pela mesma professora; e o segundo, tambm por esta, junto

    Professora Ruth de Paula.

    O terceiro captulo do presente estudo tem, como referncia, a tese da Prof. Dra.

    Josefa Jackline Rabelo, cujo ttulo A Pedagogia do Movimento Sem Terra: para onde

    aponta a proposta de formao de professores do MST? , defendida em 2005 e orientada

    pela Prof. Ph.D. Maria Susana Vasconcelos Jimenez.

    O Grupo de pesquisa Ontologia Marxiana e Educao4, coordenado pelas professoras

    Dr. Josefa Jackline Rabelo e professora Dr. Maria das Dores Mendes Segundo, pois deu-nos

    a oportunidade de nos aprofundarmos nos estudos marxistas, uma vez que j tnhamos um

    conhecimento curioso de Marx e da literatura marxista. A afinidade pessoal sobre a revoluo

    russa e o projeto revolucionrio comunista levou-nos ao estudo do pedagogo sovitico Anton

    S. Makarenko.

    Para realizarmos a pesquisa, centramos nossa anlise na perspectiva marxiano-

    lukacsiana, objetivando o exame das categorias elaboradas por Anton Semionovich

    Makarenko. Ressaltamos a importncia da relevncia do referencial marxista alicerado na

    perspectiva ontolgica, por considerarmos que os fundamentos marxianos so essenciais para

    a compreenso da totalidade social. Nesse sentido, nossos argumentos encontram-se

    diametralmente opostos s interpretaes de carter economicista, determinista, positivista e

    dogmtico da obra de Marx, fundadas no imperialismo gnosiolgico ou epistmico que

    dominou os estudos marxianos no perodo histrico vivido.

    4 O Grupo vincula-se Linha Marxismo, Educao e Luta de Classes, do Programa de Ps-Graduao em

    Educao Brasileira da UFC, e mantm intercmbio direto e orgnico com o Grupo de Pesquisas Trabalho,

    Educao e Luta de Classes, do Centro de Educao da UECE/Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento

    Operrio/ IMO, tambm vinculado ao Mestrado Acadmico em Educao da mesma Universidade, cadastrado,

    desde o ano de 1999, junto Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa da UECE e ao CNPq. Exibindo carter

    rigorosamente interinstitucional, o Grupo toma, por base, a ontologia marxiana/lukacsiana, tratando a educao

    em sua dimenso onto-histrica e articulando a poltica educacional vigente crise estrutural do capital, nos

    termos postos por Istvn Mszros. Aponta, nesse sentido, para a superao do capital, examinando, assim, os

    elementos constituintes da teoria da transio ao socialismo. A esse grupo vinculam-se duas linhas de pesquisa

    intimamente articuladas: a primeira, tratando dos fundamentos e implicaes do Movimento de Educao para

    Todos; e a segunda, tomando a problemtica da formao docente na perspectiva da crtica marxista aos

    paradigmas da ps-modernidade. O Grupo vem despertando o interesse de um nmero significativo de

    estudantes de cursos diversos da UFC e da UECE (Histria, Filosofia e Servio Social, por exemplo),

    evidentemente, com predominncia para o Curso de Pedagogia, em tomar parte, na condio de bolsistas de

    iniciao cientfica, nas atividades investigativas, como nos grupos de estudo realizados nesse espao. O Grupo

    conta, por fim, com um projeto de pesquisa devidamente cadastrado junto UFC e UECE, com o qual

    colaboram bolsistas de iniciao cientfica, mestrandos e doutorandos.

  • 12

    A justificativa desta pesquisa est posta por examinar a teoria e a prtica pedaggica

    do pedagogo sovitico Anton Semionovich Makarenko. Para tanto, ressaltamos que, na

    dcada de 20, Makarenko comea, aos 32 anos, a fixar os parmetros que revelariam uma

    nova relao, entre a teoria e a prtica, da dialtica do processo pedaggico. Essa nova relao

    constitui, nesse sentido, uma proposta de escola que passe a ser uma coletividade total e

    nica, na qual teriam que estar organizados todos os processos educativos, e, cada membro

    dessa coletividade, deveria sentir, forosamente, sua dependncia com relao a ela.

    Essa proposio original, que deriva de uma compreenso de sociabilidade sem classes

    (ou na construo desta), est diretamente ligada reestruturao cultural proposta pela

    revoluo socialista, baseada na proposta leninista. Para Luedemann (2002) , a proposta e o

    conceito de coletividade em Makarenko vo alm daquela contida na escola do trabalho, uma

    vez que Makarenko teve, como principais referenciais tericos, Lnin e Krupskaia5 na

    concepo de tais conceitos.

    Listamos, a seguir, as obras de Makarenko, algumas traduzidas para o portugus e

    publicadas em Portugal e no Brasil, outras sem traduo para o portugus, mas traduzidas dos

    originais em russo para o espanhol, pela editora Editorial Progresso de Moscou. Esse

    levantamento de sua bibliografia, feita por ns, apoiou-se na nossa imerso nos prprios

    livros do autor e na listagem feita por Luedemann (2002).

    O livro Anton Makarenko su vida y labor pedaggica artculos, charlas,

    recuerdos, compilado por Medinski (encontra-se sem data de publicao), provavelmente

    entre as dcadas de 50 e 70, foi traduzido do russo para o espanhol por Joaqun Rodrguez, e

    consta uma apresentao de E. Zhkov. Vale ressaltar que ns encontramos, ao final do livro,

    um breve compndio bibliogrfico.

    Tambm encontramos o mesmo compndio em outra obra pesquisada, Anton

    Makarenko su vida y labor pedaggica, provavelmente obra baseada na primeira que

    citamos, e compilada por Kudryashova, em 1975, com prefcio e esboo biogrfico de

    Kumarin e apresentao de Kuleshov, traduzido do russo para o espanhol por Joaqun

    Rodrguez.

    Segue abaixo o referido breve compndio bibliogrfico tal qual no original

    5 Vale ressaltar que, de acordo com Capriles (1989), Krupskaia tambm sofreu influncia dos ideais

    escolanovistas em sua concepo pedaggica, tendo se debruado sobre os estudos de Dewey e William James,

    todavia, diferenciando-se dos mtodos liberais individualistas pelo desenvolvimento de mtodos baseados na

    coletividade.

  • 13

    I.OBRAS DE ANTON MAKARENKO

    a. Obras

    Obras. Colegio de redaccon: I.Karov, G. Makrenko y E. Medinski. Mosc.

    Academia de Ciencias Pedaggicas de la RSFSR, 1950-1952.

    T.1. Poema pedaggico.

    T.2. Marcha del ao 30. Novela corta FD-I. En tono mayor. Novela corta.

    Pieza.

    T.3. Banderas em las torres. Novela corta.

    T.4. Libro para los padres. Conferencias sobre educacin infantil. Charlas

    acerca de La educacin familiar.

    T.5. Problemas generales de la teora pedaggica. La educacin en la escuela

    sovitica.

    T.6. El honor. Novela corta. - Un carcter de verdad. Guin literario. En comisin de servicio . Guin literario.

    T.7. Publicstica. - Relatos y ensayos. - Artculos sobre literatura y reseas. -

    Epistolario con Mximo Gorki.

    b. Obras escogidas.Recopilaciones.

    Marcha del ao 30. Mosc-Leningrado, GIJL, 1932.

    Poema pedaggico. P. I. III. Goslitizdat, 1934-1936.

    Libro para los padres. Mosc. Goslitizdat, 1937.

    Banderas em las torres. Novela corta en 3 partes. Mosc. Goslitizdat, 1939.

    Conferencias para los padres. Bajo la redaccon de G. Makrenko y V.

    Kolbanovski. Editorial Pedaggica de Mosc, 1940.

    Obras pedaggicas escogidas. Artculos, conferencias y charlas. Bajo la

    redaccon general de E. Medinski y N. Svadkovski. Editorial Pedaggica de

    Mosc, 1947.

    Conferencias sobre educacin infantil. Bajo la redaccin de G. Makrenko y

    V. Kolbanovski. Editorial Pedaggica de Mosc, 1947.

    Metodologa para la organizaccin del proceso educativo. Redaccin y

    prefacio de G. Makrenko. Editorial de las Reservas de Trabajo. Mosc,

    1947.

    Obras pedaggicas. Edicin de la Academia de Ciencias Pedaggicas de la

    RSFSR. Mosc-Leningrado, 1948.

    Problemas de la educacin escolar sovitica. Bajo la redaccin de G.

    Makrenko. Edicin de la Academia de Ciencias Pedaggicas de la RSFSR.

    Mosc, 1949.

    Algunas conclusiones de mi experiencia pedaggica. Bajo la redaccin de G.

    Makarenko. Edicin de la Academia de Ciencias Pedaggicas de la RSFSR.

    Mosc, 1950.

    Sbre la educacin comunista. Obras pedaggicas escogidas. Editorial

    Pedaggica de Mosc, 1952.

    II.LIBROS ACERCA DE ANTON MAKARENKO

    E. Medinski. Antn Seminovich Makrenko. Su vida y creacin

    pedaggica. Prefacio de Galina Makrenko. Edicin de la Academia de

    Ciencias Pedaggicas de la RSFSR. Mosc-Leningrado, 1949.

    A. Ter-Guevondin. El sistema pedaggico de Antn Makrenko. Editorial

    Pravda. Mosc, 1949. E. Balabanvich. Antn Makrenko. Ensayo acerca de su vida y creacin.

    Goskultprosvetizdat. Mosc, 1951.

    Y. Lukn. Antn Makrenko. Ensayo crtico-biogrfico. Editorial El Escritor Sovitico. Mosc, 1954. (KUDRYASHOVA, 1975, p. 326-327).

  • 14

    J a partir das pesquisas de Luedemann (2002, p.425-427), temos uma lista por ordem

    cronolgica das obras a seguir:

    1. A Marcha dos anos 30 (publicada em 1932). Reportagens sobre a vida na

    Comuna Dzerjinski, escritas em 1930.

    2. A experincia metodolgica na colnia infantil de trabalho (escrita em

    1931 e 1932).

    3. FD-1 Novela em que descreve mais uma etapa da Comuna Dzerjinski, escrita em 1932.

    4. Poema Pedaggico 3 volumes sobre a experincia da Colnia Gorki, escritas entre 1933 e 1935 e publicados entre 1934 e 1936, no Almanaque

    Ano Dezessete, por Gorki.

    5. Tom Maior pea de teatro escrita em 1933 e enviada a um concurso nacional de peas teatrais. Publicada em 1935.

    6. Metodologia para a organizao do processo educativo conferncias escritas em 1935 e publicadas em 1936.

    7. Conferncias sobre educao infantil orientao aos pais sobre a educao dos filhos, escrito em 1937.

    8. Livro dos pais orientao da educao familiar para a constituio da coletividade familiar. Volume I, publicado em 1937; volume II, escrito em

    1939, sobre a educao moral e poltica; planejamento dos volumes III,

    sobre a educao atravs do trabalho e a orientao profissional, e IV, sobre

    a necessidade de educar o ser humano para ser feliz.

    9. A felicidade artigo literrio polmico, em estilo de crnica, publicada em 1937.

    10. A honra romance escrito em 1934 e publicado, em partes, em 1937 e 1938, na revista Outubro.

    11. Os anis de Newton iniciado em 1938, discute os defeitos e a dignidade da pessoa humana.

    12. Problema da educao escolar sovitica conferncias para educadores, publicadas em 1938.

    13. Bandeiras nas Torres romance sobre a experincia na Comuna Dzerjinski (1928-1935) volumes I e II (publicados em 1939). 14. Aprender a viver novela que d sequncia ao Poema Pedaggico. 15. Um carter verdadeiro roteiro cinematogrfico, finalizado em 1939. 16. Em comisso de servio roteiro cinematogrfico, finalizado em 1939. 17. Da minha experincia de trabalho conferncia, publicada em 1939. 18. As minhas concepes pedaggicas conferncia, publicada em 1939. 19. Cartas e artigos publicadas aps a morte de Makarenko. Destaque ao conjunto de cartas entre Makarenko e Gorki, publicadas em 1950.

    Obras selecionadas de Makarenko

    1. Problemas da educao escolar compilaes e comentrios de M.D. Vinogradova. Moscou, Edies Progresso, 1986.

    2. Problemas de La educacin escolar sovitica compilaes de V. Aranski e A.Piskunov. Mosc, Editorial Progresso, s/d.

    Obras sobre Makarenko

    1. CAPRILES, Ren. O caminho de um pedagogo sovitico: centenrio do

    nascimento de Makarenko. Rio de Janeiro, Caderno Rio Arte, ano 1, n 1,

    1988.

    2.______________. Makarenko: o nascimento da pedagogia socialista. So

    Paulo, Scipione, 1989.

    3. KUMARIN, V. Anton Makarenko su vida y labor pedaggica. Mosc, Progresso, 1975.

    4. LUEDEMANN, Ceclia da Silveira. Makarenko: a escola como

  • 15

    coletividade. (Dissertao de Mestrado, PUC-SP, 1994). (LUEDEMANN,

    2002, p.425-427, grifos do autor).

    Muitos dos textos de Makarenko, estudados por ns nesta pesquisa, foram os que

    Luedemann (2002) anexou ao final de seu livro Anton Makarenko vida e obra

    pedagogia na revoluo. Salientamos que, sem as fontes j destacadas por Luedemann, seria

    muito mais difcil prosseguir com nossa pesquisa nesse curto espao de tempo de dois anos

    para trmino do mestrado, uma vez que esses textos, anexos no final do seu livro, so

    tradues em portugus dos originais. Luedemann publica os seguintes textos: Objetivos da

    educao, Metodologia para a organizao do processo educativo, A famlia e a educao

    dos filhos, A educao na famlia e na escola, As minhas concepes pedaggicas, De

    minha experincia de trabalho, que so conferncias, entrevistas e informes dados por

    Makarenko, grosso modo, entre os anos de 1931 e 1939.

    Durante a pesquisa, tivemos acesso aos livros publicados em espanhol, compilados e

    organizados por estudiosos russos, como Kumarin, Medinski, Kudryashova, e sua esposa

    Galina Makarenko, que se tratam provavelmente dos originais os quais Luedemann (2002) fez

    a traduo, j que so tradues originais da Editoral Progresso de Moscou, impressos

    inclusive em espanhol na prpria Rssia, como consta nos diversos livros.

    Outra obra, Problemas de La Educacion Escolar Sovitica, publicada pela editora

    Editorial Progresso na dcada de 60, organizada por V. Aranski y A. Piskunov, alm das

    conferncias que deram origem ao livro original publicado em vida por Makarenko, em 1938,

    traz o texto Metodologia para La Organizacion del Proceso Educativo no original.

    No entanto, encontramos divergncias entre Metodologia para La Organizacion del

    Proceso Educativo original e o texto publicado por Luedemann (2002), uma vez que, nesta,

    observamos omisses de vrios pargrafos e no sabemos se, intencionalmente ou no.

    importante destacar que a obra Metodologia para a organizao do processo educativo

    (traduo para portugus) um texto fundamental, pois sistematiza, de forma sinttica e

    didtica, suas categorias, pois seu original so suas prprias conferncias, desse modo,

    essencial na compreenso das mesmas.

    Os tpicos abaixo, que constam no texto original, Metodologia para La Organizacion

    del Proceso Educativo, tambm so omitidos no Metodologia para a organizao do

    processo educativo de Luedemann (2002): 4. La asamblea general,p.162-165; 5. El consejo

    de la colectividad, p.165-169; 6. Comision sanitria, p.170-174; 7. Los activistas, p. 174-

    177; 8. Disciplina y regimen interno, p.177-184; 9. Correctivos y medidas de influencia,

  • 16

    p.184-192; 10. El centro, p.192-195; 11. La parte material p.195-205; 12. Los educandos

    novatos, p.205-212; 15. El estilo de trabajo com La coletividad, p.230-232; 16. El trabajo de

    los educadores, p.232-244; 17. La promocin, p.244-246; Ressaltamos que as referncias

    citadas no so de desconhecimento de Luedemann (2002), pois constam no seu livro,

    pgina 427, conforme expomos em pginas anteriores desta introduo.

    Diante dessa constatao, tivemos que ir alm dos textos em portugus para examinar

    a teoria de Makarenko. Fizemos comparaes entre os textos, considerando sempre como

    mais prximos dos originais aqueles listados aqui com traduo do russo para o espanhol.

    Todavia, para alcanar nossos objetivos, trabalhamos em nossa dissertao com os seguintes

    livros e textos: 1) Poema Pedaggico; 2) As Bandeiras nas Torres; 3) Livro dos Pais; 4)

    livro Problemas de La Educacion Escolar Sovitica e o texto Metodologia para La

    Organizacion del Proceso Educativo; 5) o texto Metodologia para a organizao do

    processo educativo (texto em portugus traduzido e publicado por Luedemann em 2002); 6)

    artigos, textos e conferncias: Objetivos da educao, As minhas concepes pedaggicas,

    De minha experincia de trabalho; A famlia e a educao dos filhos, A educao na

    famlia e na escola.

    Estudamos Poema Pedaggico, da editora Brasiliense, edio de 1985, em trs

    volumes, essa obra considerada como a maior obra de Makarenko, na qual suas experincias

    educacionais e humanas, desenvolvidas durante anos na Colnia Gorki, so descritas e

    analisadas, em profundidade e humanismo, pelo autor. Esse livro foi escrito durante os anos

    de 1933 e 1935 e publicado, por Gorki, entre 1934 e 1936, no Almanaque Ano Dezessete.

    A obra As Bandeiras nas Torres, da editora Livros Horizonte de Lisboa, edio de

    1977, em dois volumes, traz uma viso romanceada da experincia de Makarenko na Comuna

    Dzerjinki ocorrida entre os anos 1928-1935, publicados, originalmente, em dois volumes, em

    1939. Livro dos Pais, tambm da editora Livros Horizonte de Lisboa, edio de 1981, em

    dois volumes, uma obra de orientao e de reflexes do papel da educao para a

    constituio da coletividade familiar, dividida em quatro volumes, assim distribuda: Volume

    I, publicado em 1937 e volume II, escrito em 1939, ambos os volumes versam sobre questes

    relacionadas educao moral e poltica; esboos dos volumes III, sobre a educao pelo

    trabalho e a orientao profissional, e IV, sobre a importncia de educar o ser humano para ser

    feliz, porm Makarenko terminou somente os dois primeiros volumes;

    No livro Problemas de La Educacion Escolar Sovitica, publicado pela editora

    Editorial Progresso (s/d) organizado, por V. Aranski y A. Piskunov, alm das conferncias que

  • 17

    deram origem ao livro original, publicado, em vida, por Makarenko, em 1938, tem tambm o

    texto Metodologia para La Organizacion del Proceso Educativo no original. Esse livro

    essencial na nossa pesquisa, tendo em vista que elucidou vrios pontos sobre as categorias

    elaboradas por Makarenko. Esse texto importante para ns, pois, como j citamos

    anteriormente, deu-nos suporte aos textos em Portugus, no qual encontramos divergncias

    em relao ao texto publicado por Luedemann, em 2002. Com efeito, Metodologia para a

    organizao do processo educativo, por ser tambm um texto sistemtico e sinttico, foi

    fundamental no percurso de nossas elaboraes.

    Os outros artigos, textos e conferncias, tais como, Os objetivos da educao, foram

    escritos entre 1931 e 1932 e publicados em 1937, inicialmente escrito como um dos captulos

    da introduo do livro A experincia da metodologia de trabalho na colnia de trabalho

    infantil. Os textos As minhas concepes pedaggicas (sua ltima conferncia e interveno

    pblica, proferida no Instituto Pedaggico em Kharkov) e De minha experincia de

    trabalho tm mxima importncia, pois foram proferidos, respectivamente, em 09 maro

    1939 e 29 maro 1939, s vsperas da sua morte, ocorrida em 1 de abril de 1939, neles temos

    esclarecimentos e crticas de Makarenko sobre sua prpria obra.

    Ainda como suporte aos textos originais, contamos com os seguintes livros e textos: 1)

    Anton Makarenko su vida y labor pedaggica, da editora Editorial Progresso de Moscou,

    edio de 1975, compilado por Kudryashova, e com um esboo biogrfico de Kumarin; 2)

    Anton Makarenko su vida y labor pedaggica artculos, charlas, recuerdos, compilado

    por Medinski, da editora Editorial Progresso de Moscou, cuja edio encontra-se sem data de

    publicao, e contendo apresentao de Zhkov; 3) La colectividad y la educacin de la

    personalidad de Anton Makarenko, da editora Editorial Progresso de Moscou, edio de

    1977, compilado por Kumarin; 4) Makarenko: o nascimento da pedagogia socialista, da

    editora Scipione, de So Paulo, edio de 1989, e do autor Ren Capriles; 5) Anton

    Makarenko: vida e obra a pedagogia na revoluo, da editora Expresso Popular de So

    Paulo, edio de 2002, da autora Ceclia Luedemann.

    com base nesses textos citados que desenvolvemos nossa pesquisa, apoiados no

    referencial terico-metodolgico o materialismo histrico-dialtico. Esclarecemos que a

    abordagem ontolgica no s torna irrisria a abordagem gnosiolgica, como esclarece

    Lukcs essa afirmao, ao reconhecer que h

  • 18

    [...] muito tempo a gnosiologia foi um complemento e um acessrio para a

    ontologia: sua finalidade era o conhecimento da efetividade existente em si,

    e por isso a concordncia com o objeto era o critrio de todo enunciado

    correto (LUKCS apud COSTA, G., 2009, p. 29).

    Todavia, Marx rompe com essa postura gnosiolgica ao inaugurar a perspectiva onto-

    histrica:

    O conhecimento da realidade, o modo e a possibilidade de conhecer a

    realidade dependem, afinal, de uma concepo da realidade, explcita ou

    implcita. A questo: como se pode conhecer a realidade? sempre precedida

    por uma questo mais fundamental: que a realidade? (MARX apud

    KOSIK, 1976, p. 35).

    Em Marx, compreender um objeto, do ponto de vista ontolgico, entender seu ponto

    metodolgico central, ou seja, sua gnese e seu processo de desenvolvimento, [...] o prprio

    objeto que fornece o universo categorial para o seu conhecimento [...] (COSTA, G., p. 30,

    2009). Nesse aspecto, tentamos revelar o real enquanto algo existente dentro de nossa

    sociabilidade. Para a apropriao do conhecimento real, deve-se analisar o objeto, desvelando

    a coisa-em-si. Com efeito, Kosik (1976, p. 9) afirma tal posio ao dizer que o homem

    [...] um ser que age, objetiva e praticamente [...] um individuo histrico que exerce a sua

    atividade prtica no trato com a natureza e com os outros homens [...].

    O trabalho6 representa o salto evolutivo entre o humano e os demais seres vivos. De tal

    modo, defendemos que o trabalho, ato-gnese do ser social, vontade humana posta em

    prtica, uma vez que [...] nenhum animal pde imprimir na natureza o selo de sua vontade.

    S o homem pde faz-lo. (ENGELS, 1876, p.7). Diferente dos animais, cuja vida

    circunscrita pelos limites impostos pela natureza, o homem torna-se mais humano quanto

    mais faz recuar as barreiras naturais, conforme explicitou Marx. Nas palavras de Engels

    (1876, p.6):

    Os animais, [...] tambm modificam com sua atividade a natureza exterior,

    embora no no mesmo grau que o homem; [...] a influncia duradoura dos

    animais sobre a natureza que os rodeia inteiramente involuntria e

    constitui, no que se refere aos animais, um fato acidental. Mas, quanto mais

    os homens se afastam dos animais, mais sua influncia sobre a natureza

    adquire um carter de uma ao intencional e planejada, cujo fim alcanar

    objetivos projetados de antemo.

    [...] s o que podem fazer os animais utilizar a natureza e modific-la pelo

    mero fato de sua presena nela. O homem, ao contrrio, modifica a natureza

    e a obriga a servir-lhe, domina-a. E ai est, em ltima anlise, a diferena

    essencial entre o homem e os demais animais, diferena que, mais uma vez,

    resulta do trabalho. (ENGELS, 1876, p.7).

    6 Ver mais em: MORAES, B. M. Trabalho e individuao. In. FELISMINO, Sandra Cordeiro (et al...)

    (orgs.).Trabalho e educao face crise global do capitalismo. Fortaleza: LCR, 2002.

  • 19

    O trabalho atividade vital consciente, ou seja, diferencia-se das demais atividades

    vitais dos animais porque mediado pela conscincia. Atravs do trabalho, o homem

    transforma o meio natural, promovendo, dessa forma, a criao de suas prprias condies de

    existncia. A transformao do mundo natural em um mundo humano revela a dinmica

    autoconstitutiva do gnero humano.

    Pode-se referir a conscincia, a religio e tudo o que se quiser como

    distino entre os homens e os animais; porm, esta distino s comea a

    existir quando os homens iniciam a produo dos seus meios de vida, passo

    em frente que conseqncia da sua organizao corporal. Ao produzirem os

    seus meios de existncia, os homens produzem indiretamente a sua prpria

    vida material (ENGELS & MARX, 1846, p.3).

    Ressaltamos que o trabalho est vinculado, na sua essencialidade, criao do novo

    pelo homem, pois, a cada novo ato de trabalho, cria-se uma nova situao objetivada que,

    anteriormente, s existia na sua conscincia. Ao produzir, incessantemente, o novo, o homem

    cria novas possibilidades e novas necessidades, bem como so adquiridas novas habilidades e

    novos conhecimentos.Desse modo, nossa pesquisa fundamenta-se no legado ontolgico

    deixado por Marx e Lukcs, atravs das contribuies de seus intrpretes, pois consideramos

    que esta a perspectiva filosfica que supera o modelo filosfico liberal, o qual se afirma em

    uma propositura subjetiva de cunho eticoutpico.

    A partir dessa compreenso, realizamos uma investigao sistemtica em torno das

    principais categorias de Makarenko, tais como, a coletividade, a disciplina, a autodisciplina

    e a auto-organizao (disciplina consciente), a renncia, a exigncia e a perspectiva.

    Direcionando os objetivos traados, pretendemos responder s seguintes problemticas: quais

    foram os fundamentos tericos que determinaram a concepo terico-pedaggica de

    Makarenko? Em que medida as categorias de Makarenko contriburam para uma educao do

    homem novo da sociedade sovitica? essa pedagogia, uma pedagogia voltada para a

    educao comunista? E no Brasil, como se articulam as categorias de Makarenko nos

    pressupostos terico-educacionais reivindicados por movimentos sociais, como o caso

    especfico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras - MST?

    Centralmente, nossa hiptese de pesquisa formulada em torno do fato de que a

    concepo terica de Makarenko props uma educao tendo como base a coletividade,

    buscando a formao de um homem novo, voltado para a edificao da nova sociedade

    socialista, visando elaborao de valores de cunho educativo, que serviria de alicerce para a

    chegada em uma educao comunista, histrica e social. Todavia, veremos que tal proposta

    ganhar contornos distintos daqueles inicialmente pensados por Makarenko, pois daquilo que

  • 20

    era revolucionrio, num primeiro momento, transformar-se- e estar a servio de uma

    sociedade decadente e distante da sociedade socialista de transio elaborada por

    Marx.Fundamentados pelo referencial marxiano-lukacsiano, apresentamos, de forma

    introdutria, a perspectiva terica de Anton Semionovich Makarenko, a qual ser examinada

    detalhadamente no decorrer dos trs captulos de nossa pesquisa.

    A dissertao est organizada em trs captulos, nos quais buscamos alcanar nossa

    questo central e objetivos propostos. No primeiro captulo, A gnese do pensamento

    pedaggico de Makarenko, fazemos uma contextualizao de como se encaminhava a

    situao educacional escolar na Rssia, antes da revoluo sovitica de 1917, resgatando os

    principais pensadores russos que alimentavam a elaborao terica do referido perodo.

    Com efeito, nesse captulo, defendemos que o recorte histrico fez-se necessrio pelo

    fato de que, nesse perodo, iniciaram-se discusses relevantes sobre educao, as quais

    desaguaram no momento posterior, influenciando, anos mais tarde, os pedagogos e a

    educao do perodo sovitico, a exemplo de Makarenko, cujas elaboraes sero por ns

    examinadas, tendo a ontologia marxiano-lukacsiana como fundamento de apreenso do real.

    Nesse sentido, apontamos, de incio, que a sociedade russa, segundo Reis Filho

    (2004), nas primeiras dcadas do sculo XIX, era denominada de imprio russo, regido pelo

    czar. O Estado era uma poderosa autocracia, nesse sentido, o czar governava, conduzindo uma

    burocracia politicamente irresponsvel, regida pelas relaes de nobreza, cuja principal

    misso chauvinista era a de manter a ordem interna e fazer a guerra de expanso no exterior.

    Fizemos um mergulho na histria desse perodo, situando, brevemente, a contribuio

    de autores7

    que animaram o debate acerca da educao e suas concepes pedaggicas,

    evidenciando, ainda, teorias educacionais em voga, as quais foram determinantes no

    pensamento de tais estudiosos no que se refere educao. Dentre tais teorias, o movimento

    escolanovista merece destaque por aglutinar, em torno de si, naquele perodo, vrios

    educadores russos da poca.

    Em seguida, apresentamos a biografia do autor, para situ-lo dentro dos

    acontecimentos histricos que perpassaram sua vida e influenciaram nas suas obras. Para isso,

    referenciamo-nos em um conjunto de autores relacionados, Capriles (1989); Kumarin (1977);

    Luedemann (2002); Jimenez (2001); Manacorda (2007); Reis Filho (1983; 2004); Freitas

    7 Tais autores, como Constantin Uchinski (1824-1870), Tolstoi (1828-1910), Lesgaft (1837-1909, Kapterev

    (1849-1922), Vakhterov (1853-1924), Tikheeva (1866-1944), Shleger (1863-1942), Chatski (1878-1934),

    Nadejda Krupskaia (1869-1939).

  • 21

    (2009; 2010); Suchodolski (1977; 2010); Rodrgues (2004); Silva (2008); Lindenberg (1977);

    Saviani (2011); Lnin (2011) e Santos (2009).

    Dentre os principais autores que tratam da obra de Makarenko, podemos citar Capriles

    (1989), Kumarin (1977) e Luedemann (2002). Evidenciamos que o discurso e anlise dos dois

    primeiros estudiosos da obra do pedagogo sovitico so feitos sem crticas ao regime

    sovitico, nem mesmo um contraponto sequer, no entanto, embora a produo de ambos d

    conta da obra makarenkiana. Todavia com Luedemann que pudemos reconhecer uma crtica

    e uma anlise substancial do regime sovitico, vrias crticas tecidas, principalmente poltica

    estalinista. Com efeito, analisaremos, a partir de tais ressalvas, a concepo de educao em

    Makarenko, luz da ontologia marxiano-lukacsiana.

    No segundo captulo, A concepo pedaggica de Makarenko: rastreamento das

    principais categorias, destacamos as principais categorias de Makarenko, a coletividade, a

    disciplina, a autodisciplina e a auto-organizao (disciplina consciente), a renncia, a

    exigncia e a perspectiva. Para tal tarefa, examinamos as obras de Makarenko listadas no

    incio de nossa introduo, Makarenko (1976; 1980; 1981; 1985; 1986; 1987; 2002; 2010).

    Alm de outros autores j referenciados, tais como Kumarin (1977); Capriles (1989);

    Luedemann (2002); trazemos tambm, em nossa anlise, as contribuies de: Krupskaia

    (1978); Belinky (1985); Shuare (1990); Duarte (2000; 2001); Favoreto (2008; 2009); Freitas

    (2010); Oyama (2010); Tonet (2010).

    No terceiro captulo, A concepo pedaggica de Makarenko no MST

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, procuramos desenvolver o exame das

    categorias de Makarenko, inserido no movimento social brasileiro, especificamente no MST.

    Dentre os autores utilizados no estudo esto aqueles que so do prprio MST, tais como,

    Caldart (2001; 2002; 2003); Stdile (2006); MST (1999; 2004).

    Outros estudos abrangem um conjunto de dimenses diretamente ligadas valorizao

    dos sujeitos envolvidos na luta pela terra e, de um modo ou de outro, na perspectiva do exame

    de suas propostas educacionais, sejam escolares ou no, so eles: Almeida (2007); Bauer

    (2008); Cericato (2008); Costa (2001); Costa (2002); Figueiredo (2008); Princeswal (2007);

    Witcel, (2002); e, pela crtica, trazemos Duarte (2000; 2001); Facci (2007); Oyama (2010).

    No entanto, pela crtica ontolgica marxiana-lukacsiana que qualificamos o debate de nossas

    ideias a partir de autores, Rabelo (2005) e Tonet (2010), os quais entendem que o caminho

    mais adequado para o resgate do carter revolucionrio do marxismo implica em apreender o

    legado de Marx como uma ontologia do ser social.

  • 22

    2 A GNESE DO PENSAMENTO PEDAGGICO DE MAKARENKO

    Seguindo na esteira de Reis Filho (2004) e de sua caracterizao do Estado russo

    imperial e autocrtico, verificamos a diviso na qual, de um lado est a nobreza, que

    concentrava a riqueza e o poder; e, de outro, a massa de camponeses servos8, que compunham

    aproximadamente 90% da populao. Os burgueses, os comerciantes, o clero, os funcionrios,

    os quais constituam as camadas intermedirias, nesse perodo das primeiras dcadas do

    sculo XIX, no era significante em nmero, dada uma sociedade fundamentalmente agrria e

    precariamente urbanizada.

    Examinando a situao da educao russa czarista e nos apoiando em Capriles (1989),

    verificamos que, na Rssia, segundo o censo nacional russo de 1897, existiam somente 29%

    da populao composta de homens alfabetizados e 13% em relao s mulheres da totalidade

    da populao. Vale ressaltar que, em lugares como nas repblicas de Tadjiquisto, Kirguizia e

    Uzbequisto, o total de analfabetos representava 98% da populao.

    Sobre as escolas primrias e secundrias, evidenciamos que, at a Revoluo de 1917,

    eram instituies isoladas, e dirigidas com critrios feudais, que, em termos nacionais, no

    relacionavam os seus respectivos programas entre si (CAPRILES, 1989, p.18).

    2.1 As contribuies das concepes educacionais dos pensadores russos antes do

    perodo revolucionrio para a formao de uma pedagogia socialista

    Praticamente no existia ensino pblico, uma vez que, em sua grande maioria, as

    instituies de ensino eram de propriedade de alguns setores da grande burguesia nas reas

    urbanas, por exemplo, a escola dos trabalhadores ferrovirios, na qual Makarenko ir

    ensinar. No campo, as escolas eram de propriedade dos latifundirios, somente uma pequena

    parte era do Estado.

    8 Nesse momento ainda no se tinha abolido a servido. Somente em fevereiro de 1861 teremos a abolio de mais de vinte milhes de pessoas.

  • 23

    Como se pode observar, quem controlava as escolas era, majoritariamente, a Igreja, A

    Igreja, alm de controlar maciamente a instruo popular, tambm era proprietria de um

    significativo nmero de estabelecimentos educacionais (CAPRILES, 1989, p.18).

    J o ensino na escola primria clssica, a mais difundida no pas, com cerca de 95%

    dos estudantes, tinha durao mxima de dois a trs anos. Quanto ao programa, geralmente

    todas as matrias eram ministradas por um nico professor. Nessas escolas (paroquiais), o

    ensino se limitava a transmitir o dogma religioso, noes de leitura e escrita, elementos

    bsicos de aritmtica e, cotidianamente, o canto religioso. Num pequeno nmero dessas

    instituies, para ser mais exato, em apenas 5% do total, segundo as estatsticas oficiais, o

    ensino perfazia, excepcionalmente, seis anos.

    Alm desses dados, citados nos pargrafos anteriores, trazemos tambm alguns dados

    sobre a educao sovitica, por Cezar Ricardo de Freitas (2009). Vejamos a seguir:

    De um ndice de analfabetismo em torno de 78%, em 1913, reduziu-se para

    8%, em 1934. O nmero de alunos matriculados em escolas primrias e

    secundrias era cerca de 7 milhes, em 1913, passando para 26 milhes, em

    1934 (PINKEVICH, 1937, p. 399). At o final da dcada de 1930, nas

    cidades, implantou-se o ensino geral de 7 anos. Em 1942, este direito foi

    conquistado no campo e na cidade e o ensino mdio geral atingiu nveis importantes. Em 1913, havia na Rssia em torno de 290 mil pessoas com

    instruo superior, em 1975, esse nmero passou para mais de 32 milhes.

    Neste mesmo ano a Rssia se orgulhava do fato de que um livro, a cada

    quatro editados no mundo, era sovitico; um cientista, a cada trs, e um

    mdico, a cada quatro, tambm eram daquele pas. Alm disso, [...] fue liquidado prcticamente el analfabetismo entre la poblacin adulta: se

    proporcion instruccin elemental a 50 millones de analfabetos y a 40

    millones de personas que apenas saban leer y escribir(FREITAS, 2009. p.117-118.)

    Diante dessa realidade de milhes de analfabetos, registramos que Constantin

    Dimitrievitch Uchinski (1824-1870) o primeiro pedagogo a levantar a questo de uma

    reforma para a instruo pblica em mbito nacional. Uchinski e seus correligionrios

    lutaram, por dcadas, por um ensino leigo, desvinculado do comando da igreja. Esse

    pedagogo vai, inclusive, influenciar Tolstoi (1828-1910), o qual se torna um grande literato

    russo, mundialmente conhecido por sua obra Guerra e Paz. O pedagogo se torna, ento, um

    referencial para Tolstoi, tanto no campo da literatura quanto da educao, como veremos a

    seguir.

    A proposta de Uchinski era de uma reforma democrtica no ensino, a qual visava, no

    somente a criao de um grande sistema pblico de instruo, mas, especialmente, normalizar

    a formao de quadros pedaggicos capazes de continuar suas teorias sobre uma antropologia

  • 24

    pedaggica. Uchinski desejava uma educao baseada na cultura popular e nas tradies

    regionais russas, ou no, ministrada na lngua materna de cada povo.

    Segundo Capriles (1989), Tolstoi (1828-1910) , ao comungar com as ideias de

    Uchinski, resolveu aplic-las, abrindo uma escola, em 1859, em sua propriedade, em Tula, a

    100 km de Moscou para os filhos dos seus colonos. A escola era gratuita, mas no obrigatria.

    Alm da abertura da escola, Tolstoi escreve uma cartilha (um ABC) para seus alunos, em

    quatro volumes, contendo noes cientficas e contos populares.

    Tolstoi, com suas obras influenciadas pelo escolanovismo de Dewey

    John Dewey, como um autor de maior representatividade do escolanovismo,

    tinha uma perspectiva poltica muito bem declarada: reafirmar o liberalismo

    para que ele respondesse e, ao mesmo tempo, se adequasse s novas

    exigncias do capitalismo como uma forma, inclusive, de tentar responder s

    crises desse modo de produo. No entanto, as crticas que realizou sobre a

    Escola Tradicional, seu carter erudito, descolada das implicaes de uma

    vida prtica, extremamente contundente e expressa uma concepo de

    Educao Integrada, que articula o aspecto cultural com as necessidades da

    sociedade. Essa dimenso de uma Educao Integrada em Dewey foi

    incorporada pelos autores soviticos, mas com outro contedo para a

    mxima educao vida; enfatizando a necessidade de que essa educao deveria ter como horizonte a vida na sociedade socialista. Na realidade

    sovitica, a proposta de Educao Integrada, portanto, estava articulada aos

    desafios de construir o comunismo; este entendido como possvel na medida

    em que o pas se modernizasse, superando o atraso em que se encontrava.

    (FREITAS, 2009, p.182)

    Desse modo, o escolanovismo ir influenciar Tolstoi e este ser responsvel por

    contribuir para a formao de muitos professores, os quais tambm se apoiavam, a essa altura,

    em Emlio, na obra clssica de Rousseau e na educao livre. Sua concepo de criana

    assemelha-se a de Rousseau, a criana perfeita, de acordo com a natureza, e que so os

    homens e a sociedade que a modificam e corrompem (CAPRILES, 1989, p.21). Veremos,

    adiante, que Makarenko ir combater tais concepes rousseaunianas.

    Abrindo um breve parntese, e ainda sobre a formao de professores (mas j ps-

    revoluo de 1917), houve, inicialmente, a implantao de um sistema dual para preparar os

    professores (escola normal de um ano, para formar os professores de ensino elementar, e

    institutos de professores para formar os professores do nvel elementar superior"

    (RODRGUES, 2004, p.311).

    A pedagogia de Tolstoi tambm influenciada pelo pensamento de Uchinski:

    centrado no aluno; afirmava, ainda, que o professor deveria ser um motivador, nem sempre

    teve eficcia visto que houve casos de crianas que freqentavam muitos anos e no

  • 25

    conseguiam aprender a ler nem a escrever (CAPRILES, 1989, p.21).

    Os educadores progressistas, sucessores de Uchinski e Tolstoi, buscavam uma soluo

    para pr em prtica as ideias de educao liberal para as crianas, apesar de o czarismo ter

    derrotado a revoluo democrtica de 1905-1907 e no haver aplicado nenhuma ao a favor

    da instruo pblica.

    Muitos educadores se engajaram na luta da instruo pblica, entre eles: Piotr

    Frantsevitch Lesgaft, fundador da educao fsica cientfica russa; P. F. Kapterev, pedagogo e

    psiclogo; Vasili Porfrievitch Vakhterov, pedagogo, criador da Cartilha russa, conhecida

    em todo pas e que teve 117 edies at 1917, alm de escrever tambm manuais para

    educao das crianas.

    Todavia, foi com E. I. Tikheeva que a pedagogia russa iniciou sua fase de investigar a

    fundo os atributos da instruo. Sua contribuio, nesse sentido, inicia-se quando a pedagoga

    apresenta, num encontro de educadores, em Moscou, uma tese sobre a unidade e a

    continuidade da educao das crianas em casa, na pr-escola e no primeiro grau

    (CAPRILES, 1989, p.23).

    Com influncia das concepes pedaggicas ainda em voga na Europa e nos Estados

    Unidos, como a de Dewey e Kerschensteiner, surgiram, s vsperas da revoluo, trs grandes

    educadores russos que efetivariam, no ensino russo, a aplicao dos mtodos das concepes

    citadas, deixando de lado as concepes atrasadas e czaristas. So eles: Alexandr Zelenko,

    engenheiro e professor; Louise K. Shleger, pedagoga e revolucionria; e Stanislav T. Chatski,

    grande especialista em Dewey e intelectual da educao.

    Louise Shleger, em 1905, j havia fundado uma pequena escola para os filhos dos

    operrios, em Shelkovo, subrbio de Moscou, escrevendo tambm um manual dedicado aos

    professores da pr-escola. Segundo Capriles (1989), existiam cerca de 250 professores da pr-

    escola em toda a Rssia. A pedagoga sovitica dava extrema importncia ao jogo no ensino

    pr-escolar, pois atravs dele que se desvenda o mundo interior de cada criana

    (CAPRILES, 1989, p.23). No foi possvel saber se Shleger apoiou-se em Montessori para

    desenvolver essa ideia de uso de jogos na educao, que seriam aplicados nos primeiros anos

    da educao sovitica. Com efeito, o material dourado, uma criao montessoriana que

    caracteriza sua contribuio educao de crianas, valeria verificar e aprofundar um estudo

    que examinasse o quanto a concepo de jogo, desenvolvida por Montessori, era distinta

    daquelas aplicadas por Shleger e outros pedagogos russos desse perodo; mas, aqui, devido ao

  • 26

    recorte do nosso estudo e ao tempo, no iremos nos deter. Ressalvamos apenas que existia um

    psiclogo russo, Elkonin9, que tinha, como objeto de estudo, o jogo.

    Podemos ver, abaixo, com Silva (2008), alguns esclarecimentos sobre sua teoria

    Desta forma, Elkonin (1969) afirma que o elemento principal nos jogos de

    ao o papel do adulto. O jogo de ao desenvolvido sempre um jogo

    coletivo. Somente em seus graus mais inferiores de desenvolvimento pode

    ser individual. No jogo de ao, as crianas correntemente reproduzem o

    trabalho dos adultos, e este, como sabido, sempre coletivo. O jogo

    coletivo uma forma de vida coletiva, acessvel s crianas de idade pr-

    escolar. E, sobre a base dos jogos de ao se desenvolvem os de movimentos

    e os intelectuais com regras. (SILVA, 2008, p.149)

    A importncia do jogo para o desenvolvimento da criana est reconhecida

    por todos. Gorki (apud ELKONIN, 1969, p.514) dizia: O jogo o meio para que as crianas conheam o mundo em que vivem e que elas devero

    modificar. Segundo Makarenko (apud ELKONIN, 1969, P.514): [...] o jogo tem uma significao importante na vida da criana; para ele to

    importante como para o adulto o sua atividade de trabalho, o emprego. Elkonin (1969) ressalta que o jogo, e, sobretudo, o jogo de ao, o meio

    fundamental para que a criana conhea de uma maneira dinmica a

    atividade das pessoas e as relaes sociais entre elas. O jogo influi

    fundamentalmente na formao do aspecto moral da criana, j que uma

    prtica de conduta baseada em leis morais, em regras das relaes entre os

    que fazem parte no jogo, as quais esto ligadas estreitamente com seus

    papis. No jogo onde as crianas aprendem com mais facilidade a dirigir

    sua conduta. (SILVA, 2008, p.149)

    No jogo se formam tipos mais elevados da percepo, do processo verbal, da

    imaginao e se efetua o passo do pensamento objetivo a outras formas mais

    abstratas. Porm, a enorme importncia do jogo para o desenvolvimento de

    todas as facetas da personalidade da criana unicamente pode influir se tem

    uma boa direo pedaggica (ELKONIN, 1969, p.514-515, apud SILVA,

    2008, p.150)

    Entretanto, pelo recorte de nosso estudo, no adentraremos maiores anlises da relao

    dos estudos de Elkonin com os demais educadores russos e soviticos, inclusive Makarenko.

    Continuamos por reafirmar que Dewey exerceu uma enorme influncia entre os educadores

    russos j citados at aqui, e, inclusive, Alexandr Zelenko, aps viajar pela Europa e Estados

    Unidos e desembarcar em Moscou, no ano de 1904, apresenta informaes sobre a concepo

    deweyana aplicadas em escolas em bairros operrios nos EUA.

    Assim, com essas informaes de Zelenko, Chatski presta declaraes sobre os

    fundamentos pedaggicos das escolas americanas, as quais defendiam a proposta da educao

    9 Ver mais sobre Elkonin em SILVA, J. C. Prticas Educativas: a relao entre cuidar e educar e a promoo do

    desenvolvimento infantil luz da Psicologia Histrico-Cultural, 2008, 214 f. Dissertao (Mestrado em

    Educao Escolar) Universidade Estadual Paulista, So Paulo, 2008; e em LAZARETTI, L. M. Daniil Borisovich Elkonin: um estudo das idias de um ilustre (des)conhecido no Brasil, 2008, 252f. Dissertao

    (Mestrado em Psicologia) Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, Assis, 2008.

  • 27

    como vetor de uma mudana ou reforma social (CAPRILES, 1989). J em 1906, Chatski,

    Shleger e Zelenko inauguram o Primeiro Centro de Assistncia Social de Moscou, que

    aglutina vrias instituies infantis, constituindo uma escola experimental que desagradou o

    Czar. Esses mestres foram acusados, pelo governo czarista, de ensinarem para as crianas o

    socialismo e, por isso, foi determinado o encerramento de suas atividades educacionais e a

    priso de Zelenko e Chatski.

    Todavia, aps dois anos, em 1908, a escola retomou seu funcionamento e, com a

    Revoluo de 1917, conforme exposto anteriormente, tornou-se oficialmente a Primeira

    Estao Experimental de Educao Pblica, e Stanislav T. Chatski tornou-se diretor desta.

    Em 1907, como um dos reflexos do ensaio geral da revoluo , de 1905, o czarismo

    decretou, formalmente, a obrigatoriedade escolar e criou uma rede escolar primria, at ento

    inexistente; alm de autorizar uma Assembleia (Duma), outra reivindicao das elites. O

    Ministrio da Instruo continuou sendo controlado pela Igreja.

    As escolas mdias privadas, que agrupavam a burguesia liberal, inspiradas pelo

    movimento renovador10

    , que se espalhava pelo mundo desde 1900, organizaram uma

    poderosa associao de professores. A disputa entre o Ministrio e a Duma, ou a luta de

    classes entre a feudalidade e a burguesia pelo controle da escola, permaneceu at 1915,

    quando Iganatev se tornou Ministro da Instruo. Discpulo de Dewey, organizou o Ministrio

    da Instruo numa estrutura modernista, que durou at 1918 (LINDENBERG, 1977, p. 263-

    264).

    A organizao dos professores foi um dos grandes dilemas que os bolcheviques

    tiveram de enfrentar ps-1917, pois, assim como uma grande parte dos intelectuais russos, era

    uma classe contrarrevolucionria (LNIN, 1977, p. 43, 97-08, 145-06 - vol I, apud

    LINDENBERG, 1977, p.264). A grande maioria dos professores permanecia indiferente aos

    apelos bolcheviques, recusando-se, durante anos, a colocar em prtica as recomendaes do

    partido; numa espcie de sabotagem pela passividade (LINDENBERG, 1977, p.264).

    Outros setores da sociedade russa tambm enfrentaram esse tipo de problema. Houve

    resistncia de alguns trabalhadores, manifestada na lentido do trabalho, na despreocupao

    10

    Esse movimento renovador, inspirado pelas obras de Dewey, que contestou contundentemente a educao

    tradicional, dizia, atravs de Suchodolski, que, diferente da educao tradicional que no centrava a educao no

    aluno, para Dewey, o aluno sob presso do interesse e das dvidas surgidas no decorrer de questes subjetivamente interessantes, na formulao de problemas, nas reflexes suscitadas pelas dificuldades e pelas

    observaes prticas (SUCHODOLSKI, 1977, p.56) poderia avanar em seu processo educativo com maior desenvolvimento.

  • 28

    com a qualidade e com a produtividade (REIS FILHO, 1983, p. 60).

    A reao dos professores, no entanto, tinha outros argumentos que a simples recusa do

    ideal revolucionrio. Tratava-se de que, nos primeiros anos da Revoluo, eram os sovietes

    especficos (Conselhos para a Educao Popular) que escolhiam os professores e

    administravam as escolas. Diante disso, uma parte dos professores reagiu muito mal a essa

    intromisso das massas nas atribuies educacionais (LINDENBERG, 1977, p. 264).

    Contudo, foi com Nadejda Konstantinovna Krupskaia que encontramos as bases e

    fundamentos da educao escolar sovitica. Com efeito, ainda em 1899, perodo czarista e

    pr-revolucionrio, Krupskaia escreveu o livro A mulher trabalhadora, antecipando a

    discusso do papel da mulher na educao e na vida de um regime socialista, pois, para ela,

    no socialismo, a mulher no somente deveria se preocupar em garantir s crianas os meios

    indispensveis para a existncia, como tambm, deveria se criar as condies materiais com

    tudo que fosse necessrio para seu desenvolvimento pleno, multilateral e harmonioso

    (CAPRILES, 1989, p.24).

    Em 1905, mesmo com a derrota da revoluo democrtica, o czarismo cedeu algumas

    garantias democrticas, tais como, a da liberdade de imprensa, de reunio e de associao.

    Desde esse perodo, Krupskaia escrevia muitos artigos com a problemtica da educao. Foi

    uma das intelectuais mais importantes de sua poca, falando, fluentemente, vrios idiomas,

    entre eles, alemo, francs e ingls.

    Nadejda Konstantinovna Krupskaia era oriunda da pequena nobreza, embora

    desprovida, objetivamente, de dinheiro ou de condies financeiras dignas. Nesse sentido,

    Krupskaia trabalhou muitos anos como governanta e no se descuidava de seu trabalho;

    noite, ainda, estudava, formando-se, mais tarde, numa pequena faculdade para mulheres em

    So Petersburgo.

    Examinou as principais concepes pedaggicas de sua poca e estudou, detidamente,

    a obra de Dewey e de outros pensadores escolanovistas, entre eles, Cecil Reddie, da

    Inglaterra, Edmond Demolins, da Frana, e Hermann Lietz, da Alemanha. Krupskaia teve

    influncias do pensamento do psiclogo William James, os quais determinavam que a

    atividade intelectual devia estar subordinada s finalidades da ao. Nereide Saviani (2011) ,

    em artigo recente, trata a questo dos autores que influenciaram Krupskaia

    Nos limites deste artigo e do estudo realizado no foi possvel tratar da interlocuo de Krupskaya com a literatura pedaggica de sua poca, algo

    que pudesse indicar se e como se apropriou das contribuies de pedagogos

  • 29

    burgueses e outros. H passagens em que ela cita John Dewey, William

    James e outros, em alguns casos at aceitando formulaes ou anlises.

    Porm, da leitura que fiz, no depreendo elementos que justifiquem a crtica,

    por vezes atribudas a essa autora, de que teria aderido a propostas

    pedaggicas predominantes nos Estados Unidos da Amrica e que os

    Programas Oficiais da URSS, elaborados sob sua coordenao, teriam um

    qu de escolanovismo transplantado. Outra questo digna de estudo e

    reflexo a concepo de escola nica. A julgar pela formulao de

    princpios e pelas propostas de organizao e funcionamento do sistema de

    ensino, no se trata de viso de uniformidade e homogeneidade, mas de

    unidade na diversidade. Ou seja, no h vrias escolas dispersas, mas uma

    escola, com seus vrios ramos, modalidades, graus e nveis, articulados por

    diretrizes comuns, a serem seguidas segundo as especificidades (SAVIANI,

    N., 2011, p.35)

    Quanto a sua opo revolucionria pelo paradigma marxista, Krupskaia formulou seu

    pensamento para o papel da educao, anunciando que esse processo deveria se transformar

    num mtodo cientfico de produo coletiva fundamentado no trabalho e na autodeterminao

    dos seus membros (CAPRILES, 1989, p.25). Veremos, adiante, que ser com base no

    pensamento de Krupskaia que Makarenko ir basear sua concepo pedaggica.

    Essa viso indita do universo social, diretamente ligada reestruturao cultural,

    proposta pela revoluo socialista, levou muito dos marxistas russos, dentre eles o prprio

    Lnin11

    , a considerar, inicialmente, que a escola tambm era uma superestrutura que refletia a

    sociedade burguesa e estava, por isso mesmo, destinada a desaparecer, nas formas em que era

    conhecida. Vejamos, abaixo, o que o prprio Lnin diz sobre isso

    E aqui toda a questo est em que, juntamente com a transformao da velha

    sociedade capitalista, o ensino, a educao e a formao das novas geraes,

    que criaro a sociedade comunista, no podem ser os antigos. O ensino, a

    educao e a formao da juventude devem partir do material que nos ficou

    da velha sociedade. S poderemos construir o comunismo com a soma de

    conhecimentos, organizaes e instituies, com a reserva de foras e meios

    humanos que nos ficaram da velha sociedade. S transformando

    radicalmente o ensino, a organizao e a educao da juventude

    conseguiremos que os esforos da jovem gerao tenham como resultado a

    criao duma sociedade que no se parea com a antiga, isto , da sociedade

    comunista (LENIN, 2011, p.367).

    Por outro lado, a juventude e a nova gerao devem saber que a escola no deve

    apenas ensinar os textos de vis marxistas ou comunistas, e, sim, o conhecimento universal,

    adquirido e produzido, historicamente, pelo gnero humano. Lnin continua

    11

    Ver mais em LNIN, V. I. As tarefas das Unies da Juventude (discurso no III Congresso de toda a Rssia

    da Unio Comunista da Juventude da Rssia 2 de Outubro de 1920), Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nmero especial, p. 377-396, abr. 2011. Disponvel em:

    . Acesso em 17 fev. 2012.

  • 30

    primeira vista, naturalmente, surge a ideia de que aprender o comunismo

    assimilar a soma de conhecimentos que se expem nos manuais, brochuras e

    trabalhos comunistas. Mas isso seria definir de um modo demasiado

    grosseiro e insuficiente o estudo do comunismo. Se o estudo do comunismo

    consistisse unicamente em assimilar aquilo que est exposto nos trabalhos,

    livros e brochuras comunistas, poderamos obter com demasiada facilidade

    exegetas ou fanfarres comunistas, o que muitas vezes nos causaria dano e

    prejuzo, porque esses indivduos, depois de terem aprendido e lido aquilo

    que se expe nos livros e brochuras comunistas, seriam incapazes de

    combinar todos esses conhecimentos e no saberiam agir como o exige

    realmente o comunismo (LENIN, 2011, p.367-368).

    O mais importante para Lnin, e, posteriormente, veremos que tambm para

    Makarenko, isto , a questo central relacionar a teoria e a prtica, na busca da formao do

    novo homem comunista

    Um dos maiores males e calamidades que nos ficaram da velha sociedade

    capitalista o completo divrcio entre o livro e a vida prtica, pois tnhamos

    livros onde tudo era pintado com o melhor aspecto e estes livros, na maior

    parte dos casos, eram a mentira mais repugnante e hipcrita, que nos

    desenhava falsamente a sociedade capitalista. [...]Sem trabalho, sem luta, o

    conhecimento livresco do comunismo, adquirido em brochuras e obras

    comunistas, no vale absolutamente nada, porque prolongaria o antigo

    divrcio entre a teoria e a prtica, esse antigo divrcio que constitua o mais

    repugnante trao da velha sociedade burguesa (LENIN, 2011, p.368).

    Portanto, a alardeada morte da escola, na verdade a morte da dicotomia entre teoria e

    prtica. Em uma passagem do texto de Capriles (1989, p.31-32), podemos esclarecer melhor o

    que j foi dito

    Com a transformao da sociedade burguesa em sociedade socialista, os

    mais radicais levantaram a hiptese da "morte da escola" do mesmo modo

    que, na viso de Friedrich Engels (1820-1895), existiria o "desaparecimento

    gradual do Estado depois da expropriao dos bens da burguesia". Deste

    ponto de vista, a funo escolar se tornaria uma funo natural da

    comunidade de trabalho, e um dia a escola e a fbrica acabariam por

    coincidir na sua prpria existncia.

    Como mencionado anteriormente, a acusao de que os soviticos queriam a morte da

    escola talvez se baseasse nas declaraes de Lnin, citadas por ns, no seu discurso: As

    tarefas das Unies da Juventude - no III Congresso de toda a Rssia da Unio Comunista da

    Juventude da Rssia, realizado em 02 de outubro de 1920.

    Todavia, percebemos que Lnin, na verdade, questiona o fundamento da velha escola

    capitalista para a preparao de outra escola de carter comunista

    Que que devemos tomar da velha escola, da velha cincia? A velha escola

    declarava que queria criar homens instrudos em todos os domnios e que

    ensinava as cincias em geral. Sabemos que isso era pura mentira, pois toda

    a sociedade se baseava e assentava na diviso dos homens em classes, em

  • 31

    exploradores e oprimidos. Como natural, toda a velha escola, estando

    inteiramente impregnada de esprito de classe, s dava conhecimentos aos

    filhos da burguesia. Nessas escolas, a jovem gerao de operrios e

    camponeses no era tanto educada como treinada no interesse dessa mesma

    burguesia. Educavam-nos para preparar para ela servidores teis, capazes de

    lhe dar lucros, e que ao mesmo tempo no perturbassem a sua tranqilidade

    e ociosidade. Por isso, ao rejeitar a velha escola, propusemo-nos a tarefa de

    tomar dela apenas aquilo que nos necessrio para conseguir uma

    verdadeira formao comunista (LENIN, 2011, p.368).

    Dessa relao fbrica e escola, veremos nascer a proposta revolucionria da pedagogia

    do trabalho na Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS); todavia, certo que

    encontraremos fortes influncias de Decroly12

    e Kerschensteiner13

    , este ltimo influenciou

    vrios pedagogos da poca que assimilaram o conceito do trabalho educativo ou da

    formao do homem til, mas estes foram rejeitados pelo primeiro comissrio do povo para

    a Instruo, Anatoli Vasili Lunatchrski (CAPRILES, 1989, p.29).

    Entretanto, apesar da rejeio por parte de Lunatchrski, outros educadores soviticos,

    como Shulgin e Pistrak, desenvolviam a proposta da escola do trabalho, que no deixava de

    ter referenciais tericos dos autores citados no pargrafo acima. Sobre a escola do trabalho,

    trazemos Santos (2009) , que traz contribuies, em sua dissertao de mestrado, as quais

    analisa a proposta de Kerschensteiner sobre a escola do trabalho de raiz burguesa liberal

    A proposta de Kerschensteiner foi resposta a uma demanda do movimento de

    unificao escolar burguesa, ou seja, sua concepo de escola do trabalho no

    que se refere ligao entre o mundo do trabalho e a educao orientou-se

    para os princpios da proposta liberal. [...] parte do pressuposto de que as

    transformaes na instituio escolar so determinadas pelo processo de

    desenvolvimento do capitalismo e por um projeto poltico burgus. Assim,

    reitera o argumento do educador russo A. Pinkevich (s/d) que defende uma

    escola do trabalho socialista ou a verdadeira escola do trabalho, afirmando que a proposta de Kerschensteiner repe a dominao de uma

    classe sobre a outra. [...] A anlise de Luzuriaga (1951) aproxima Dewey e

    Kerschensteiner no somente pelo fato de que ambos so contemporneos,

    prope modificaes no interior da escola, mas tambm e, principalmente,

    por fundamentarem suas experincias no princpio ativo, assim poderiam ser denominadas como manifestaes da escola ativa. Entretanto,

    necessrio ressaltar que para Dewey o trabalho no era o princpio

    organizador da escola - tal como Kerschensteiner o elegeu mas era uma ocupao ativa, assim como o jogo. Ambos - jogo e trabalho - foram

    considerados por Dewey como exemplos de atividades sociais, as quais

    deveriam compor o currculo, desde que proporcionassem s crianas o

    desenvolvimento de resultados intelectuais e a formao de tendncias

    sociais (cf. Dewey, 1959) (SANTOS, 2009, p.18; 34).

    12

    O. Decroly (1871-1932). Para maiores esclarecimentos sobre os pressupostos do autor, consultar

    SUCHODOLSKI, Bogdan. A Pedagogia e as grandes correntes filosficas. 2. ed. So Paulo: Centauro, 2004. 13

    Kerschensteiner (1854-1932), defensor da escola do trabalho. Ver mais em KERSCHENSTEINER, G. 1961.

    La escuela del trabajo. In: L. LUZURIAGA Ideas pedaggicas del siglo XX, Buenos Aires, Losada.

  • 32

    Portanto, segundo Santos (2009), tendo por base a citao acima na qual consta

    Pinkevich, h uma diferenciao que os soviticos vo tentar fazer sobre a escola do trabalho

    fundamentada no trabalho sob a nova sociedade socialista, aquela de Kerschensteiner. Para

    Rodrgues (2004), a nova escola socialista estava centrava no valor educativo do trabalho, ou

    seja, numa sociedade comunista baseada no trabalho compartilhado e produtivo, portanto, a

    escola tentava conciliar a formao do indivduo formao socialista.

    At aqui, assinalamos que a educao russa, anterior ao perodo da revoluo

    socialista de 1917, estava, ainda, em regime de consolidao, lutando por estabelecer-se

    dentro de um Estado arcaico e autocrata, muito distante da realidade alcanada no perodo

    posterior, com a revoluo socialista de 1917.

    Podemos concluir que a educao, na Rssia, no perodo pr-revolucionrio,

    configurava um embate entre as ideias progressistas, de cunho democrata e escolanovista, de

    um lado; e a autocracia czarista e sua concepo de educao, de outro. Tais educadores, que

    nomeamos progressistas, deram significativa contribuio na constituio de um modelo

    sovitico de educao, mesmo que, para isso, se fizesse necessrio superar seus limites

    escolanovistas, que remetem ao liberalismo burgus.

    Expusemos, nesse texto, a retirada do processo educacional quanto transmisso dos

    conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, particularmente no caso da

    escola. Na ausncia de um sistema educacional russo complexo, universal e pblico, a

    exceo regra viria a conter-se naquelas instituies particulares que estavam a servio do

    czarismo e voltadas formao da nobreza e da burguesia; e, mesmo nestas, os

    conhecimentos eram passados com uma imensa dificuldade, alm de obedecer a certos

    limites, uma vez que se mantinham to-somente aqueles conhecimentos que serviam ao

    projeto de ampliao de lucratividade do capital para a autocracia vigente.

    A constituio de um projeto de sistema educacional russo e a tarefa de transmitir os

    conhecimentos acumulados historicamente pelo conjunto da humanidade, por parte da escola,

    somente passaria a concretizar-se com o advento da revoluo socialista e sovitica. Com

    efeito, as carncias e dificuldades, na esfera educacional, constituiriam uma grande lacuna,

    uma grande ferida no seio da nascente revoluo, o que se contrapunha, abertamente, ao

    princpio da relao entre teoria e prtica e estorvaria a constituio de um pensamento crtico

    e universal, com vistas formao humana plena e emancipada.

    Tal ndulo representaria uma das grandes tarefas para o conjunto de educadores, tais

  • 33

    como Krupskaia, Pistrak e Makarenko, apenas para citar alguns, do perodo revolucionrio

    sovitico, os quais teriam de resolver essa problemtica, dentro de uma concepo pedaggica

    que defendia, como assinala Jimenez (2001), a partir de Marx, uma articulao entre o terico

    e o prtico, entre a cabea e a mo humana, em suma, a formao plena, harmoniosamente

    omnilateral do ser humano. Ou, ainda, como nos diz Manacorda, um desenvolvimento total

    completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e das foras produtivas, das

    necessidades e da capacidade da sua satisfao (MANACORDA, 2007, p.87).

    2.2 Makarenko: vida e obra

    Anton Semionovich Makarenko nasceu em 13 de maro de 1888 na aldeia de

    Bielpolis, perto de Kharkov, na Ucrnia. Seu pai, Semin Grigrievich, era um operrio

    ferrovirio, um pintor, que trabalhava em uma fbrica de vages, no subrbio de Kriukov, na

    cidade de Kremenchug, situada s margens do rio Dnieper, na Ucrnia. De sua me, Tatiana

    Mijilovna, herda seu otimismo e alegria; ela era uma excelente contadora de histrias, e

    dela que nasce a confiana no ser humano.

    Aos cinco anos de idade, Makarenko j sabia ler, e preferia livros aos jogos infantis.

    Por seis anos, ele estudou na Escola de Kremenchug, sendo um aluno brilhante e com um

    grande conhecimento dos clssicos russos e estrangeiros, alm de filosofia, astronomia e

    cincias naturais.

    Em 1904, com dezesseis anos de idade, tornou-se professor de crianas na fbrica

    onde seu pai trabalhava, tendo, ele mesmo, procurado esse emprego. Seu relacionamento com

    os trabalhadores vai marc-lo por boa parte de sua vida. Ali, pode entender como funcionava,

    de perto, a explorao dos trabalhadores; e, partilhando suas lutas pela emancipao social,

    pode compreender melhor sua prpria vida. A revoluo de 1905 no marcaria somente

    Makarenko, mas todos os professores os quais entendiam que a autocracia czarista era o

    grande inimigo dos povos da Rssia.

    Seus colegas professores assinavam o jornal bolchevique, Novaya Shizn ("Vida

    Nova"); noite, reuniam-se para discutir, acaloradamente, os sucessos que ocorriam na luta

    dos trabalhadores e, felizes, cantavam hinos revolucionrios.

    Em 1911, com a finalidade de tir-lo da sala de aula, mas tambm com o intuito de ser

    observado melhor pelas autoridades, foi nomeado inspetor escolar na aldeia da estao

  • 34

    ferroviria de Dolinskia. Makarenko, todavia, no deixou de influenciar os estudantes com

    suas concepes educacionais.

    Em certa ocasio, fez uma apresentao para comemorar a expulso pelos russos das

    hordas de Napoleo. Makarenko preparou um espetculo teatral que mobilizou, no somente

    as crianas e os estudantes do povoado, mas os adultos tambm. Durou toda uma noite, no

    qual arderam, nas estepes ucranianas, as chamas de barris de alcatro, at o amanhecer, e

    ouviam-se o trovejar de canhes e os gritos da vitria dos vencedores.

    As "aes militares" terminaram apenas ao nascer do dia, quando, sob os gritos de

    jbilo dos vitoriosos e do pblico, conduziram, para a escola, as colunas dos inimigos

    derrotados e capturados.

    Do mesmo modo, era durante as noites que Makarenko fazia seu verdadeiro trabalho:

    reunia-se em torno de um crculo de tendncias revolucionrias, composto por intelectuais e

    trabalhadores ferrovirios, os quais, aos domingos, se encontravam num bosque perto da

    estao. Em 1914, ingressa no Instituto Pedaggico de Poltava, concluindo seus estudos em

    pedagogia, no vero de 1917, brilhantemente, ganhando, inclusive, uma medalha de ouro do

    instituto, a recomendao de ensinar e a habilitao para a direo de escolas secundrias.

    Durante esse perodo, enviou uma pequena histria literria para que Mximo Gorki

    avaliasse, no entanto, este, ao devolv-la, incluiu uma anotao que dizia que a histria estava

    escrita debilmente, e que o personagem principal (um Pope14

    ) no tinha nem dramatismo nem

    sofrimento desenvolvidos claramente, alm de que, a descrio de fundo e o dilogo entre as

    personagens, no eram interessantes. Gorki, ento, solicita a Makarenko que procure escrever

    outra coisa, a fim de que ele, novamente, viesse avaliar. Graas a resposta sincera de Gorki,

    ele baniu, de sua mente, os sonhos literrios. Foi naquela poca, que ele tambm estudou

    Marx, Engels, e vrios pensadores revolucionrios.

    Com a Revoluo de Outubro tudo se modificou. Nesse sentido, vale ressaltar que

    havia um grande problema a ser enfrentado pelos educadores russos: o analfabetismo. Em 26

    de maro de 1919, Lnin assinou o decreto "Sobre a liquidao do analfabetismo", o qual,

    segundo Capriles (1989, p.30)

    obrigava toda a populao com idade compreendida entre os 8 e os 50 anos,

    que no sabia ler nem escrever, a se alfabetizar na lngua materna ou na

    russa, conforme o desejo de cada um. O Estado sovitico no s obrigou as

    pessoas a estudar, mas tambm criou todas as condies necessrias para que

    14

    POPE: nome dado aos padres na Igreja Ortodoxa Russa.

  • 35

    isto acontecesse. Por exemplo: para todos os que estudavam, a jornada de

    trabalho foi reduzida em duas horas dirias, com a completa conservao do

    salrio.

    Houve, por trs anos, um intenso combate, ocorrido na regio de Kremenchug. Mesmo

    assim, o Conselho de Comissrios do Povo reorganizou todas as instituies educacionais da

    regio de Kharkov, nomeando Makarenko como responsvel pela escola primria de Poltava.

    Durante a guerra civil, ocorrida entre 1918 e 1920, em meio a catstrofes, houve intensa

    produo cultural, conforme nos relata Capriles (1989, p.32)

    Logo aps a criao do Estado socialista, o pas atravessou uma segunda

    crise econmica, agravada, posteriormente, pela ecloso de uma guerra civil

    (1918-1920), obrigando os soviticos a mobilizar todas as foras humanas e

    materiais para a defesa da nao. Ainda assim, o governo sovitico

    determinou que o segundo maior oramento estatal fosse aplicado na

    instruo popular; somente o exrcito teve prioridade absoluta nas despesas

    provocadas pela guerra e suas seqelas devastadotas. Em plena catstrofe, no

    auge da guerra civil, foram editados 115 ttulos das obras clssicas da

    literatura russa, com uma tiragem de seis milhes de exemplares.

    Ainda sobre a guerra civil na Rssia revolucionria, podemos perceber o quanto o

    chamado Comunismo de Guerra influenciou Makarenko; o quanto os resqucios e

    desdobramentos da Guerra Civil geraram influncias na pedagogia de Makarenko, tendo em

    vista a organizao de vida e morte contra a contrarrevoluo e invaso de tropas estrange