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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
ORIENTAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS NA REVISÃO TEXTUAL DOCENTE
COM O GÊNERO DISCURSIVO ‘NARRATIVA DE TERROR’
Denise Moreira Gasparotto (PG-UEM)
Renilson José Menegassi1 (UEM)
1. Considerações Iniciais
Este trabalho ampara-se na Linguística da Enunciação, a partir dos pressupostos da
Análise Dialógica do Discurso, na perspectiva da Linguística Aplicada sobre a escrita, a
partir das concepções Círculo de Bakhtin sobre a concepção dialógica de linguagem e nas
pesquisas desenvolvidas no Brasil sob essa vertente.
Adotar uma concepção de escrita como trabalho (SERCUNDES, 1997; FIAD &
MARYNK-SABINSON, 1991, MENEGASSI, 2010) implica pensar a escrita em todo o
seu processo de elaboração. Na escola, para que essa posição teórica se institua como certa,
é fundamental que se desenvolvam práticas de revisão e reescrita textual. São esses
processos que evidenciam o caráter recursivo e dialógico da produção escrita, sendo que
sua aplicação de maneira adequada pode efetivamente levar o aluno a olhar para seu
próprio texto como algo provisório e, sobretudo, reconhecer-se como sujeito autor, produtor
de sentidos.
Embora a escrita seja individual, sua expressão possui um caráter social, marcado
por outras vozes (BAKHTIN, 2003). Assim, cada aluno possui um ritmo de aprendizagem,
uma forma de conceber a escrita, o que torna a necessidade de um ensino cada vez mais
singular, apesar da homogeneidade imposta pelo sistema.
Nesse sentido, como posto por Ruiz (2010), é enorme a responsabilidade do
professor ao revisar o texto de um aluno, pois é com base nos apontamentos e comentários
do professor que o aluno procederá ao seu trabalho de revisão e, em seguida, à reescrita.
1 Universidade Estadual de Maringá/Fundação Araucária do Paraná, [email protected].
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Surgem, então, dúvidas, como: o que corrigir no texto do meu aluno? Como fazer os
apontamentos? Devo apontar somente os erros? como realizar uma revisão que leve o aluno
a refletir sobre o seu texto?
Ao considerar a necessidade de que o exercício de revisão e reescrita seja cada vez mais
comum para professores e alunos no trabalho com a escrita (MENEGASSI, 1998), este
trabalho propôs-se a acompanhar o trabalho de uma professora, por meio de orientações
teórico-práticas, a fim de instrumentalizá-la para o trabalho com seus alunos de 4º e 5º anos
do Ensino Fundamental. A coleta de registros ocorreu em uma escola municipal do
Noroeste do Paraná. Além de orientações gerais sobre o trabalho com a escrita em sala de
aula, objetivou-se, sobretudo, mostrar que a revisão do professor deve sempre partir do
gênero discursivo trabalhado.
Por meio de encontros com estudo teórico-metodológico sobre o trabalho de produção,
revisão e reescrita de textos, acompanhou-se a prática dessa professora no desenvolvimento
de uma unidade de ensino voltada para o gênero discursivo Narrativa de Terror. Seu
trabalho resultou em duas produções de narrativas por cada aluno, sendo todas revisadas
pela professora e encaminhadas para a reescrita pelos alunos.
A coleta de registros ocorreu no segundo semestre de 2012, por meio de gravação em
áudio dos encontros de estudo teórico-metodológico da pesquisadora com a professora e
pela digitalização de todo material escrito produzido pelos alunos.
Neste trabalho, apresenta-se a análise dos apontamentos e comentários escritos da
professora nos textos dos alunos do 4º ano.
2. Interação verbal e revisão docente
Bakhtin e o Círculo propõem, por meio do conjunto de sua obra, uma perspectiva de
estudo sobre a linguagem, que se denomina hoje de Análise Dialógica do Discurso (ADD),
na qual o sujeito constitui-se partir de sua relação com o outro. O discurso, como posto por
Bakhtin/Voloshinov (2006), sempre parte de alguém, um locutor, para se dirigir ao outro.
Assim, a comunicação existe por uma interação entre o locutor e o outro, marcada
fundamentalmente pelo processo de alteridade, em que o outro passa a ser o locutor ao
responder àquele que outrora era locutor e que passou a ser o outro/ouvinte/leitor. Como
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explica Geraldi, “é por isso que na „minha‟ palavra me (re)velo na contrapalavra do outro
que me constitui como sujeito” (1996 p. 139).
Na interação entre sujeitos enunciativos, via escrita, a recepção é adiada, pois os
sujeitos atuantes não ocupam, ao mesmo tempo, o mesmo espaço (ANTUNES, 2003).
Assim, a interação não pressupõe dois indivíduos reais, espacialmente situados. No caso da
escrita, o texto é o lugar da interação, como destaca Bakhtin (2006). É por meio dele que se
revelam expressões de ordem cultural, social, histórico e ideológico dá espaço ao diálogo
por meio de uma representação.
A interação verbal, por meio do discurso escrito, no contexto escolar, pressupõe a
interação entre aluno, texto e professor. É na interação do indivíduo consigo mesmo, com
seu texto e com o professor que se desenvolvem as habilidades discursivas. A forma como
se conduz o diálogo entre esses três elementos marcará maior ou menor nível de interação,
o que certamente interferirá na qualidade da reescrita pelo aluno. Portanto, ao receber o
texto de um aluno para revisão, o professor considera os diversos aspectos envolvidas
naquela produção em específico, a fim de marcar o texto do aluno com correções e
comentários significativos, que efetivamente o levem à reflexão e contribuam para a
melhora do seu discurso. Um apontamento mal formulado pode interromper o diálogo se o
aluno não o compreender.
A revisão deve, necessariamente, considerar aspectos como a finalidade, o
interlocutor, o gênero e o suporte, que servirão de base para a escolha do estilo a ser
utilizado no discurso (MENEGASSI, 2013). Como explica Geraldi (1996), tomar a
interação verbal como categoria fundante no ensino significa deslocar-se de planejamentos
rígidos para aqueles que são construídos no decorrer do processo, levando em conta todas
as suas singularidades.
A revisão do professor é, assim, uma importante etapa do processo de escrita.
Segundo Menegassi (1998), é um produto do qual emerge outro processo, a reescrita.
Portanto, é uma condição para a reescrita. Este pressuposto é básico à instauração do
diálogo entre professor e aluno via texto deste.
Os apontamentos e comentários de revisão do professor, além de interagirem com o
aluno, devem sempre mostrá-lo como caráter recursivo da escrita, que a deixa sempre
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aberta a reformulações. Isso faz com que o aluno mude a visão de produção textual ,
marcada pela ideia de texto como um produto para avaliação do professor com uma nota
(ANTUNES, 2003). Passa-se a compreender que o texto não é um produto acabado e que a
revisão, como salienta Ruiz (2010), pode ocorrer até mesmo no plano das ideias, antes de
serem colocadas no papel, de maneira mental e dialogada pelo próprio produtor consigo
mesmo.
Sendo assim, como deve ser a revisão do professor? Serafini (2004) propõe que o
professor realize no texto do aluno correções resolutivas, indicativas ou classificatórias.
Ancorada em nesse estudo, Ruiz (2010) propõe também a correção textual-interativa,
visando a suprir as situações de correção não atendidas na proposta de Serafini.
Na correção resolutiva, o professor observa o erro e o corrige no próprio texto. Se a
grafia de uma palavra está incorreta, por exemplo, o professor escreve a palavra
corretamente, acima ou abaixo daquela. O procedimento também pode acontecer com
frases ou períodos.
A Correção indicativa ocorre de maneira direta. O professor aponta o erro do aluno
com algum sinal (círculo, seta), sem oferecer-lhe caminhos para a reescrita adequada e sem
dizer qual a natureza do desvio.
A Correção classificatória consiste exatamente em destacar a natureza do problema
que o texto ou trecho apresenta. Em um período com problemas ortográficos, por exemplo,
o professor escreve a palavra ortografia, indicando ao aluno a quê deve atentar em sua
revisão e reeescrita. Ao invés de escrever toda a palavra, também se pode optar por
símbolos ou abreviaturas, desde que estes já tenham sido apresentados aos alunos e
acordados quanto a seu emprego.
A correção textual-interativa é uma estratégia muito válida, especialmente quando
se deseja apontar problemas de ordem global, isto é, relacionados ao conteúdo do texto. Os
bilhetes textuais são uma forma de interagir com o aluno de maneira mais particular e, além
de apontar erros, incentivá-lo no trabalho da reescrita, destacando, por exemplo, possíveis
avanços no trabalho de produção notados ao longo das aulas.
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2.1 A revisão construída a partir do gênero discursivo
A partir do exposto, compreende-se que o gênero discursivo, juntamente com o
interlocutor, está entre um dos aspectos mais relevantes a serem considerados pelo docente
ao fazer comentários e apontamentos de revisão, pois sua estruturação é toda marcada pelo
estilo de linguagem utilizado.
Ao propor esse encaminhamento de revisão, não se pretende desconsiderar
problemas referentes ao conteúdo ou estrutura do texto. Ao contrário, o intuito é orientar o
professor sobre quais aspectos do conteúdo ou estrutura devem ser levados em conta
naquele gênero, na situação em que foi produzido. Como alerta Serafini (2004), não é
viável que uma revisão contemple todos os problemas do texto de uma única vez. Se
pensarmos na escrita infantil, essa assertiva torna-se ainda mais importante. Muitos
apontamentos ou comentários, sem um direcionamento específico, podem, na verdade,
desmotivar ou confundir o aluno em sua revisão e reescrita.
A revisão docente construída a partir do gênero textual produzido visa ao
direcionamento de processo de revisão e reescrita tanto para o professor quanto para o
aluno, além de poder funcionar como uma atividade de apreensão das características verbo-
visuais do gênero. Desse modo, “[...] o gênero mediatiza a atividade, dá-lhe forma e
materialidade. Ao mesmo tempo em que o indivíduo se apropria desses instrumentos
mediadores, apropria-se também dos seus esquemas de utilização” (GARCEZ, 1998, p. 62).
Fuza e Menegassi (2012) também percebem essa importante relação e, em um
estudo sobre a metodologia de revisão escrita adotada por um professor nas narrativas
infantis de seus alunos, percebem que, embora sejam usados bilhetes-textuais, nenhum
deles contempla aspectos próprios do gênero.
Não se trata, portanto, de oferecer orientações meramente estruturais, mas
considerar o gênero em sua completude e fazer com que o exercício da reescrita seja
também uma forma de apropriação do gênero trabalhado. A partir do gênero marca-se o
interlocutor, define-se o estilo, enfim, cumpre-se um objetivo comunicativo.
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2.2 A Narrativa de Terror
Como postula Bakhtin (2003), os gêneros são formados por seu conteúdo temático,
construção composicional e estilo. Seja qual for o nosso objetivo comunicativo, sempre
faremos uso de um gênero para nos comunicar. Neste estudo, apresenta-se a revisão
docente no texto do aluno a partir da consideração dos elementos verbo-visual do gênero
Narrativa de Terror. Assim, expõem-se as algumas características desse gênero.
Garcia (2007) afirma que há, em toda narrativa, uma sequência de fatos, ações ou
situações que ocorrem pela participação de personagens em lugar e tempo determinado, por
certo período. A interação entre esses personagens se desenvolve em situações dramáticas.
Essas considerações marcam, amparando-se em Bakhtin (2003), a organização
composicional do gênero.
Desse modo, como pontua Costa (2007), o maior ponto de divergência entre as
narrativas e a sua temática. O terror, por exemplo, personaliza um estilo de narrar, gerando
a Narrativa de Terror. Portanto, conforme varia a temática, tem-se um novo gênero
narrativo. A temática do terror pode levar a diversos recortes temáticos, como: bruxas em
castelos abandonados, vampiros em cemitérios, fantasmas na escuridão etc.
Quanto ao estilo, podem-se destacar as escolhas lexicais próprias da temática, o uso
de interjeições, como, por exemplo, barulhos misteriosos ou as expressões de espanto dos
personagens. Além dos personagens, a descrição do espaço também pode incrementar e
trazer mais suspense à história.
3. Encaminhamento metodológico
Os registros foram gerados e coletados no segundo semestre do ano de 2012 em uma
escola municipal do Noroeste do Paraná, em uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental,
com 26 alunos, embora 19 tenham sido aproveitados para análise, pois alguns não
participaram de todas as atividades propostas pela professora durante o período. As
atividades foram todas desenvolvidas pela professora de Língua Portuguesa da turma, após
o período de estudo teórico-prático junto à pesquisadora. Assim, foram registrados emails e
áudio dos encontros com a pesquisadora e recolhidas todas as atividades escritas dos
alunos.
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Para o estudo com a docente, a pesquisadora selecionou textos e produziu roteiros de
leitura para cada um. O material foi organizado em uma apostila e entregue à professora
para a leitura. O material abordou informações sobre os seguintes assuntos:
- O processo de produção textual: discutindo as diversas concepções de escrita e
relacionando-as às concepções de linguagem;
- O conceito de diálogo para Vygotsky e para Bakhtin: a linguagem como ação, o
processo de internalização e a mediação;
- Revisão e reescrita de textos e as operações linguístico-discursivas;
- Metodologias de correção de textos: as diversas formas de correção textual que podem
ser utilizadas pelo professor e os resultados de cada uma delas em textos de alunos.
Após o período de leitura, a docente e pesquisadora reuniram-se para discutir os textos,
com base nos roteiros de leitura. O objetivo da discussão foi proporcionar um momento de
interação sobre o tema e orientar a professora em possíveis dúvidas. Em seguida a esta
etapa, procedeu-se à elaboração da unidade de ensino do gênero Narrativa de Terror, que
foi feita pela professora com orientação da pesquisadora. Os encaminhamentos envolveram
atividades de leitura de narrativas e observação das características do gênero, aulas
reservadas para a leitura ou contação de narrativas, atividade de criação de um novo final
para uma história lida e orientações sobre os elementos que não devem faltar em uma
narrativa de terror.
Durante a aplicação da unidade de ensino pela professora, a pesquisadora manteve
contato por email e pessoalmente, questionando sobre os êxitos, dificuldades com as
atividades ou com o cumprimento do cronograma.
A realização de toda a unidade de ensino levou a duas produções de narrativas por cada
aluno, que aconteceram no meio e no final do processo. Cada narrativa passou pela revisão
da professora, com apontamentos e comentários escritos, e pela revisão (ao receber o texto
com anotações da professora) e reescrita dos alunos.
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4. Estratégias de revisão textual desenvolvidas pela professora
Antes de apresentar propriamente a revisão abordada pela docente, destaca-se que ao
final do encontro com a pesquisadora, em que foram e discutidos os textos teórico-
metodológicos, a docente afirmou sobre o seu trabalho com os alunos:
“[…] Essa questão da reescrita... Eu confesso que eu nunca consegui
trabalhar reescrita. Na verdade, ainda está incutido de que a produção é o
produto final do trabalho e ponto final […]. E aí conforme eu fui lendo os
textos eu até acreditava que eu fazia reescrita, mas não era reescrita que eu
fazia. Era apontamento, higienização, não é reescrita […] E aí você começa a
perceber que, apesar de, porque eu to com Língua Portuguesa já há sete oito
anos só com Língua Portuguesa. E eu não faço reescrita, eu faço
higienienização, faço correção de erros ortográficos, eu não reescrita.”
(Professora Ana)
A partir do exposto, compreende-se que o trabalho de revisão da professora limitava-se
a higienização (JESUS, 2001), o que fazia pensar ser um trabalho adequado de reescrita. A
prática, como ressalta a docente, a questionar como ainda não conhecia outras formas de
revisão escrita. Isso mostra a importância da formação, tanto inicial quanto continuada,
para que o professor tenha segurança no desenvolvimento de seu trabalho. Como notaram
Gasparotto e Menegassi (2013), embora seja um trabalho desenvolvido com um único
docente, seus resultados podem ressoar em toda sua prática, alcançando, de maneira direta
ou indireta, muitos estudantes. Nesse caso, o reconhecimento e preocupação da professora,
após a leitura dos textos, de que a reescrita não faz parte de seu plano de trabalho, já a
levou ao maior comprometimento com o trabalho, o que se notou durante todo o processo.
Com a análise dos apontamentos deixados pela docente, procurou-se organizar
grupos de abordagem que mostrassem os objetivos dos apontamentos do gênero deixados
em cada texto. Assim, chegaram-se aos seguintes critérios, apresentados no Quadro I, que
classifica um apontamento da professora como específico do gênero trabalhado:
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Quadro I: Apontamentos e comentários do gênero.
Aspecto considerado Apontamentos e comentários da docente
Organização composicional
- Apresentação do espaço (ex: descrição do lugar como
assustador);
- Narração: coerência da sequência narrativa (ex:
descrição confusa dos fatos, ruptura na ordenação dos
fatos);
- Narração: marcação do narrador;
Temática
- Caracterização dos personagens (assustadores);
- Enredo: marcação da temática terror;
Estilo
- Pontuação: uso do travessão e de dois pontos para
introduzir a fala dos personagens;
- Tempo verbal: uso de verbos no pretérito perfeito;
- Uso de elementos coesivos adequados ao narrar os
acontecimentos (ex: uso excessivo da conjunção E).
Com base no Quadro I, foi feito um levantamento dos apontamentos e comentários
de revisão da professora nas primeiras versões dos textos dos 19 alunos que participaram de
todo o processo de aplicação da unidade de ensino em sala de aula. Foram desconsiderados
os apontamentos resolutivos e classificatórios, pois o intuito era o de perceber as
orientações que se referiam ao gênero Narrativa de Terror. Além disso, esses apontamentos
se relacionavam a questões, como ortografia e acentuação, que não interessam para o
presente estudo. Assim, observaram-se os apontamentos e comentários em forma de
bilhetes textuais e, a partir destes, verificou-se quantos se referiam ao gênero trabalhado,
seguindo o exposto no Quadro I. Essa análise levou aos números apresentados no Quadro
II.
Quadro II: Apontamentos e comentários do gênero feitos pela docente.
Apontamentos Texto 1
total
Texto 1 ref.
gênero
Texto 2
Total
Texto 2 ref.
gênero
Aluno A 4 2 2 1
Aluno B 4 1 1 1
Aluno C 1 0 3 2
Aluno D 3 1 3 3
Aluno E 3 2 3 1
Aluno F 3 1 4 2
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Aluno G 2 1 2 0
Aluno H 1 0 4 0
Aluno I 6 4 1 1
Aluno J 1 0 5 2
Aluno K 1 0 6 6
Aluno M 4 3 1 1
Aluno N 4 2 2 2
Aluno P 2 2 1 1
Aluno Q 6 1 1 1
Aluno R 3 1 1 0
Aluno S 3 2 4 2
Como se observa, a segunda e a quarta colunas indicam o total de apontamentos em
forma de bilhetes deixados pela professora na primeira e segunda produções. A terceira e a
última coluna mostram quantos, do total de apontamentos indicados nas colunas dois e
quatro, foram apontamentos e comentários do gênero Narrativa de Terror. Desse modo,
houve, nessas produções, um total de 95 bilhetes, sendo que 49, 51,57%, partiram de
aspectos do gênero textual trabalhado. Não foram considerados próprios do gênero, bilhetes
como:
“Sua história está muito boa, você só precisa usar melhor os sinais de
pontuação [...]”
“Sua história é ótima, mas você não usou os sinais de pontuação [...]”
“Seu texto está confuso”.
Estes mostraram-se muito amplos, podendo ser usados em vários outros gêneros
discursivos.
Apresentam-se, como mostra representativa, a análise de alguns apontamentos e
comentários feitos pela docente, buscando ilustrar ao menos uma, de cada categoria citada
no Quadro I.
Entre apontamentos e comentários do gênero, no tocante à organização textual,
podem-se destacar alguns que se referem ao narrador:
“Sua história está confusa, organize melhor os fatos:
- O que aconteceu depois do acidente de seus tios?
- O que aconteceu depois do tiroteio em frente sua casa?
- O narrador também é personagem?”
Esse primeiro comentário, além de mencionar o narrador, questiona sobre a
apresentação dos fatos na narrativa. Ele é escrito após o corpo do texto. O aluno tem
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dificuldade em organizar sua história, descrevendo parcialmente os acontecimentos e não
deixando evidente se o narrador é participante ou observador. Problemas semelhantes sobre
a marcação do narrador são apresentados por outros dois alunos, aos quais a professora
orienta:
“[...] Outro problema é que ele ficou confuso no final. Onde o narrador
estava? Foi ele que chamou a ambulância?
“Este trecho está confuso, você misturou a fala dos personagens com a do
narrador.
Já no início dessas observações, pode-se identificar grande aproveitamento pela
professora dos estudos e discussões junto à pesquisadora. Aquela, que antes afirmou nunca
ter trabalhado com a reescrita a não ser para a correção de erros locais, agora, preocupa-se
em orientar seu aluno, fazendo-o refletir sobre sua própria escrita, por meio da observação
dos comentários. Como observa Menegassi, “o professor, ao compreender a importância de
seus comentários na construção textual dos alunos, conscientiza-se de que deve melhorar a
qualidade das observações [...]” (2000, p. 84).
Com relação à temática, destacam-se os apontamentos e comentários direcionados à
caracterização dos personagens.
“Quem era o homem de branco?”;
“O que era o vulto?”
Esses questionamentos, embora simples, já apontam atenção da professora na
marcação da temática pela apresentação dos personagens. Ao perceber que o aluno apenas
cita o personagem assustador, ela faz perguntas que instiguem o aluno a contar mais sobre o
personagem em sua reescrita. Além de questionamentos, observaram-se comentários,
como:
“Fale um pouco mais desse homem, onde morava, o nome dele e como
morreu”;
“Escreva como ela passou a se comportar agora que se tornou vampira”‟‟
“[...] sua ideia de um morcego de estimação é muito boa, conte mais sobre
ele: como ele fazia para sair da casa?”.
Nesses três comentários, além de alertar para a necessidade de caracterizar o
personagem, a docente orienta os alunos sobre como isso pode ser feito. Ao considerar que
são narrativas produzidas por crianças e que estas não tinham o hábito da reescrita, pode-se
afirmar que esses três últimos comentários voltados aos personagens revelam maior
interação com o aluno em seu processo de escrita. As ideias da professora instrumentalizam
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não somente para a reescrita daquele texto, mas para uma nova forma de tratar a escrita em
sala de aula que passa a ser implantada.
Quanto ao estilo, mostraram-se bastante significativas as orientações de revisão para
o uso da pontuação e do tempo verbal. Para tratar da pontuação, foram utilizados diversos
apontamentos e comentários, porém apenas um deles levou à compreensão pelos alunos.
“Use os sinais de pontuação certos para indicar a fala dos personagens: -
/:/./?/!.”;
“Coloque parágrafo e pontuação na fala dos personagens!”;
“*Coloque – antes da fala!”;
“A fala dos personagens deve ter parágrafo e travessão”
Apontamentos como esses foram utilizados nos textos de diversos alunos. Porém,
observando a reescrita desses textos, constatou-se que em nenhum deles o apontamento foi
corretamente compreendido. Vale mencionar que, ao final da primeira produção, em
conversa com a pesquisadora, a docente afirmou que a grande maioria dos alunos havia
apresentado problemas de pontuação em geral. Essa constatação levou-a a interromper por
uma semana a aplicação da unidade de ensino que havia sido programada, para trabalhar
pontuação com os alunos. A atitude da professora revela seu interesse em efetivamente
proporcionar aos alunos o desenvolvimento das habilidades de escrita.
Um comentário sobre a pontuação diferente do mencionados foi utilizado pela
docente no texto de um aluno. A forma como ele foi construído ajudou o aluno na
compreensão, que se efetivou pela reescrita adequada.
“Coloque parágrafo e travessão na fala dos personagens.
Exemplo:
O Igor falou:
- Vamos embora!
O pai disse:”
Percebe-se, aqui, que além de mencionar o uso incorreto da pontuação, a professora
orienta o aluno sobre como isso pode ser feito. Como observado nos comentários sobre os
personagens, percebe-se nos alunos a necessidade de orientações sobre como proceder à
reescrita. Quando a professora utiliza essa forma de revisão, o nível de interação é maior.
Não se trata, portanto, de tecer comentários no texto do aluno, mas de como o fazer,
considerando o contato que esse aluno tem tido com a escrita, assim como seu nível de
aprendizagem, pois não se revisa o texto de uma criança como se faz no texto de um adulto.
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Como salienta Ruiz (2010), é grande a responsabilidade do professor ao tecer comentários
no texto de um aluno e, conforme Menegassi (2000), uma observação mal formulada pode
tanto auxiliar quanto dificultar a construção textual.
Ainda referente ao estilo, observou-se apenas um comentário da professora que trata
do uso do tempo verbal no pretérito perfeito. Essa única ocorrência justifica-se pelo fato de
as produções praticamente não apresentarem problemas dessa natureza. Em um dos textos,
o aluno redige sua história toda, usando verbos no presente e, em vista disso, a docente
deixa o seguinte comentário:
“[...] você começou o texto dizendo „era uma vez‟, ou seja, essa história já
aconteceu, porém você deixou os verbos (que indicam ação) no presente e não
no passado. Preste atenção, eles estão marcado com *, corrija na reescrita!”.
Embora seja o único, esse comentário marca explicitamente como é válida a
consideração de elementos do gênero textual produzido ao se realizar a revisão. No caso
apresentado, há uso concomitante de correção textual-interativa, classificatória e indicativa.
Ao perceber o uso de verbos no presente, a professora orienta ao aluno sobre o gênero que
está sendo produzido, para justificar a necessidade de os verbos serem utilizados no
passado. Além da orientação, ela sublinha no texto todos os verbos que devem ser revisados
pelo aluno, que compreende e procede adequadamente à reescrita. Esse comentário não só
orienta para a reescrita como auxilia no processo de apropriação do gênero, o que mostra
que não são somente as atividades prévias que orientam para o gênero e as condições de
produção. É preciso que professor e aluno vejam a primeira versão, não como um produto
final, mas como parte de um processo em construção.
Partir das características do gênero para realizar a revisão é, fundamentalmente,
tomar a escrita como trabalho, processo que, como ressalta Menegassi (2010, 2013), ocorre
quando o professor atua como coprodutor do texto, visando à orientação da finalidade, do
interlocutor e do gênero a ser produzido.
5. Considerações finais
Este estudo corroborou estudo anterior de Gasparotto e Menegassi (2013),
reforçando a importância da formação docente, pois, foi a partir da disposição em aprender
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da professora e do conhecimento obtido por meio das leituras e discussões que resultados
profícuos puderam ser observados.
A docente mostrou muito mais do que adequar a revisão ao trabalho proposto pela
pesquisadora. Suas atitudes durante o processo mostraram interesse em adequar sua prática,
a fim de melhor auxiliar os alunos no trabalho com a escrita.
A proposta de revisão a partir do gênero textual trabalhado norteou o trabalho da
professora na construção de seus apontamentos e comentários. Os comentários que
apresentavam orientações aos alunos sobre como organizar a reescrita mostraram-se mais
significativos, proporcionando maior interação no processo. A proposta de se considerar a
finalidade, interlocutor e gênero, no trabalho com a revisão (MENEGASSI, 2010, 2013),
foi fundamental para as escolhas metodológicas da professora.
Referências
ANTUNES, I. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12. ed. São
Paulo: Hucitec, 2006.
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