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Introdução Ao falarmos sobre República é frequente recordarmos acontecimentos recentes em países desenvolvidos e fortemente industrializados, esquecendo que tal sistema político foi, para muitos povos do passado, a alternativa à prepotência dos senhores. Propondo a eleição dos governantes com recurso ao sufrágio, a república destacou-se ao longo da história por períodos de grande progresso e justiça social mas também de instabilidade e recessão. Desde a Grécia Clássica, altura em que os filósofos a associaram ao governo democrático da cidade-estado, à civilização romana onde ficou marcada por sangrentas lutas civis, este regime esteve quase sempre comprometido com a soberania popular e a expressão das suas ideias e necessidades. Reconhecendo-se o importante contributo da Revolução Francesa, fundadora de um modelo laico de republicanismo é importante não esquecer o vasto repertório de experiências e ensinamentos de um dos períodos mais intensos a que ficou associada tal forma de governo, a Idade Média. No ano em que o regime republicano completa cem anos da sua implantação em Portugal, justifica-se uma reflexão sobre a interessante história das repúblicas e comunas urbanas medievais no seu efémero mas notável percurso político no sentido da libertação e da governação colectiva. O apontamento abaixo pretende contribuir para a divulgação deste fenómeno geralmente pouco estudado mas certamente um dos mais proveitosos em ensinamentos e consequências, na passada história europeia. Origem das comunas medievais Chamavam-se comunas, às cidades medievais dotadas de direitos e autonomia na sua administração. Segundo alguns autores existiria comuna nos casos em que monarcas ou senhores feudais concediam o documento de liberdades, a carta comunal. No entanto nem sempre a carta acompanhava o movimento de autonomia, antes era geralmente uma consequência do anseio autonómico e libertário dos moradores, que podia ser expresso de forma pacífica ou violenta. A origem remota das comunas e repúblicas medievais estaria, segundo certos autores, nos municípios romanos do Império. Outros, buscaram a sua origem histórica no ambiente político da Europa Medieval com a formação de uma burguesia influente e dinâmica. O ponto de partida da comuna urbana teria sido a Schutz gilde ou associação mercantil de protecção em que os burgueses se achavam unidos por um juramento de

Origem das repúblicas ou comunas medievais

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Sobre as repúblicas e comunas medievais. Idade Média e governo local republicano

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Page 1: Origem das repúblicas ou comunas medievais

Introdução

Ao falarmos sobre República é frequente recordarmos acontecimentos recentes em

países desenvolvidos e fortemente industrializados, esquecendo que tal sistema

político foi, para muitos povos do passado, a alternativa à prepotência dos

senhores.

Propondo a eleição dos governantes com recurso ao sufrágio, a república destacou-

se ao longo da história por períodos de grande progresso e justiça social mas

também de instabilidade e recessão. Desde a Grécia Clássica, altura em que os

filósofos a associaram ao governo democrático da cidade-estado, à civilização

romana onde ficou marcada por sangrentas lutas civis, este regime esteve quase

sempre comprometido com a soberania popular e a expressão das suas ideias e

necessidades.

Reconhecendo-se o importante contributo da Revolução Francesa, fundadora de

um modelo laico de republicanismo é importante não esquecer o vasto repertório

de experiências e ensinamentos de um dos períodos mais intensos a que ficou

associada tal forma de governo, a Idade Média.

No ano em que o regime republicano completa cem anos da sua implantação em

Portugal, justifica-se uma reflexão sobre a interessante história das repúblicas e

comunas urbanas medievais no seu efémero mas notável percurso político no

sentido da libertação e da governação colectiva.

O apontamento abaixo pretende contribuir para a divulgação deste fenómeno

geralmente pouco estudado mas certamente um dos mais proveitosos em

ensinamentos e consequências, na passada história europeia.

Origem das comunas medievais

Chamavam-se comunas, às cidades medievais dotadas de direitos e autonomia na

sua administração. Segundo alguns autores existiria comuna nos casos em que

monarcas ou senhores feudais concediam o documento de liberdades, a carta

comunal. No entanto nem sempre a carta acompanhava o movimento de

autonomia, antes era geralmente uma consequência do anseio autonómico e

libertário dos moradores, que podia ser expresso de forma pacífica ou violenta.

A origem remota das comunas e repúblicas medievais estaria, segundo certos

autores, nos municípios romanos do Império. Outros, buscaram a sua origem

histórica no ambiente político da Europa Medieval com a formação de uma

burguesia influente e dinâmica. O ponto de partida da comuna urbana teria sido a

Schutz gilde ou associação mercantil de protecção em que os burgueses se

achavam unidos por um juramento de amizade. No entanto, para os autores

alemães a cidade medieval sob o ponto de vista jurídico seria semelhante ao

domínio senhorial com as muralhas, torres e defesas para não falar já das milícias

armadas, não havendo distinção entre a origem das comunas rurais e urbanas, na

Alemanha.

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O movimento libertador levado a efeito pelos habitantes das cidades e burgos

medievais mais dinâmicos, desenvolveu-se a partir do século XI no norte de Itália,

região onde a actividade mercantil era tradicionalmente muito activa, expandindo-

se depois para a Provença e Marselha, França do norte, Flandres e Alemanha. A

sua origem deveu-se à necessidade que mercadores e artesãos tiveram de se

organizar para defender interesses económicos comuns, desenvolvendo uma

actividade mais dinâmica e livre de condicionalismos tributários, judiciais e

territoriais.

A este movimento não terá sido, porém, estranho o contexto. Ancestralmente

comprometidas com o modelo mercantil da Roma Imperial, estimuladas pelo

espaço histórico-geográfico do Mediterrâneo Central, responderam à necessidade

de defesa de bens e negócios contra os agressores. Acolhiam o contributo de todos

para a construção de defesas e muralhas que os punha ao abrigo das investidas de

bárbaros e salteadores. Tornava-se necessário construir pontes, estradas,

caminhos, organizar milícias de defesa ou criar regulamentos e normas.

Metrópoles populosas, dominavam vastos territórios, Milão com 200 000 almas,

Florença com 95 000, Génova, Veneza, Bolonha e outras com 70 000 a 80 000,

todas beneficiavam dum comercio, finança e manufacturas com alcance

internacional.

Na Europa Ocidental, as comunas formaram-se sob a autoridade dos monarcas

mas também dos senhores, que por vezes também as apoiavam. Os primeiros,

procurando equilibrar o poder excessivo dos privilegiados contratualizando de

forma benévola com as comunidades urbanas os direitos de administração

autónoma, a potestas, a troco de tributos. Surgiram em aglomerados onde existiam

condições mais favoráveis ao comércio e à indústria. Noutras regiões como a

Flandres, os condes permitiram-lhes o desenvolvimento estimulando comércio e

artes, percebendo que a sua prosperidade os beneficiaria também, aumentando os

seus rendimentos.

Na maior parte das regiões europeias encontraram porém a resistência dos

senhores poderosos, casos da Lombardia, norte da França ou margens do Reno.

Em Milão, Cambraia, Colónia e outras cidades episcopais, os burgueses só

conseguiram obter o seu reconhecimento após lutas difíceis contra os senhores

eclesiásticos.

A forma e poderes das comunas variaram bastante de zona para zona. Os senhores

viam-se obrigados a conceder a carta de comuna. A cidade dispunha do direito de

se administrar desde que a respectiva carta tivesse sido confirmada pelo rei,

condição necessária em todos os países europeus onde a autoridade do monarca

estava politicamente implicada. Barcelona, na sua carta de privilégio de 1249,

comprometia-se a gubernare, administrare et regere civitatem ad fidelitatem

nostrum [regis] et commune commodum universitatis, respeitando ainda a

dominus terrae. 1 Na Espanha onde o rei tinha fundado ou povoado a maioria das

cidades da Reconquista, este manteve os seus poderes nomeadamente nos

domínios da justiça. Na Alemanha as cidades detinham uma autonomia semelhante

à das cidades italianas embora devendo obrigações ao Imperador, homenagem,

ajuda militar e financeira. Já as cidades flamengas não dispunham de tantas

1 L. Genicot, Le XIIIe Siècle Européen, 117.

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liberdades. Não podiam agir no plano administrativo e fiscal senão com o

consentimento do príncipe. Nestas e noutras regiões onde os privilégios dos povos

eram menores, o seu exercício era atribuído a burgueses dentro de um círculo

limitado de homens-bons. Em muitos casos porém, fora de Itália quase sempre, os

senhores mantinham os seus privilégios continuando a nomear os administradores

comunais e por vezes, também outros magistrados.

Onde a autoridade do Estado se reconstituiu a autoridade da comuna recuou. Na

França e na Inglaterra o poder real encorajou primeiro o movimento de autonomia

urbana. Henrique II de Inglaterra concedeu cartas comunais e admitiu que

tivessem autonomia jurídica e política com chefes eleitos e tribunais autónomos.

Na segunda metade do século XII tanto em França como na Inglaterra os monarcas

recuperaram gradualmente o controlo das cidades.

O clero, foi outra das senhorias que as comunas tiveram que enfrentar. No século

XIII regia ainda os domínios parareligiosos, o ensino e a assistência, escapando à

jurisdição e fiscalidade municipais já que os burgueses procuraram evitar quase

sempre os confrontos, em parte porque, com frequência, os clérigos faziam parte

das grandes famílias dos lugares ou eram familiares dos burgueses ou

magistrados. Obtinham em contrapartida a possibilidade de abrir escolas e

hospitais, estes, mais frequentes no Império. As escolas eram no entanto regidas

pela escolástica que mantinha nas mãos do clero o controlo dos saberes e da

cultura enraizando-a fortemente na fé e no ensino dos cânones e aproveitando-se

do facto de o clero ser o estrato mais envolvido com a cultura escrita e o saber dos

antigos.

Na Itália, várias importantes cidades foram governadas por personagens

poderosos oriundos da burguesia mas também, e frequentemente, pelos

condottieri, chefes de bandos de mercenários, recrutados por quem pagasse mais.

Em Veneza, onde a lei não permitia o uso de armas para fazer a guerra os

habitantes viram-se obrigados a delegar tal poder, através da assinatura de um

contrato ou condotta (de onde o termo condottieri derivou), nestes grupos de

mercenários. Estes bandos aguerridos estavam em geral melhor preparados do

que as milícias urbanas para fazer a guerra e defender a cidade, por isso os

condottieri, conseguiam o apoio das populações para tomar o poder, como

aconteceu também em Milão com os Visconti e os Sforza. Tais qualidades

tornavam-nos porém simultaneamente perigosos visto que sendo a sua profissão a

guerra, o saque era a sua recompensa exigindo frequentemente pela força aquilo

que inicialmente não tinha sido acordado oralmente ou por escrito. Entre os mais

conhecidos dos condottieri estão familias como os Colonna, os Malatesta ou os

Orsinis.

A sua organização primitiva não lhes permitiu finalmente resistir a exércitos

modernos como os franceses ou espanhóis pelo que a sua decadência se acentuou

a partir do século XV e XVI.

Organização e administração das repúblicas e comunas medievais

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A organização da comuna era a princípio pessoal entre os indivíduos que nela

queriam colaborar. Por volta do século XII a comuna evoluiu para um carácter

territorial sendo os habitantes da cidade e dos arrabaldes obrigados a prestar um

juramento que os colocava sob a sua autoridade. Quem não o fizesse teria de

emigrar.

As cidades eram pequenas pátrias com os seus individualismos e rivalidades. Tal

patriotismo urbano fez nascer construções como palácios comunais, catedrais

góticas e casas de corporações e ofícios que atestavam a riqueza e poder das suas

gentes. Os magistrados chefes destas repúblicas tinham em geral extensos poderes

judiciários, administrativos e financeiros comandando a milícia comunal,

guardando as chaves das portas da cidade e presidindo às reuniões.

Dominavam os territórios vizinhos impondo uma autoridade indiscutível, quando

não impiedosa. Submetiam as populações das aldeias e na Itália até as senhorias

nobres, substituindo-se nesse poder aos príncipes e ao clero. A civitas, nunca

deixou de ser o centro político e religioso aliás como sempre fora. Algumas cidades

maiores chegaram mesmo a submeter outras cidades secundárias. Sevilha,

Toulouse, Metz, Ulm dominavam vastos territórios e as cidades mais poderosas

como Bruges ou Bremen, geralmente impunham fortes restrições aos ofícios

artesanais num raio de quilómetros.

No século XIII a cidade era constituída predominantemente por cidadãos mas

entre estes, a burguesia constituía um corpo com privilégios públicos. Geralmente

era uma minoria quem se apropriava dos privilégios de ordem pública.

Designados por patriciado pelos humanistas, os textos medievais designam os

grandes por potentes, nobiles, magnates, meliores, cives, geslachtlieden,

caballeros villanos ou riches hommes2. Na Itália e na França os magistrados

superiores eram os cônsules, na Alemanha Rathsherren, na França setentrional e

Países Baixos, Echevins e Jurés, na Inglaterra eram os Aldermen. Às vezes os

magistrados eram ao mesmo tempo autoridades administrativas e judiciais,

noutros casos as funções judiciais e administrativas eram exercidas por

magistrados distintos.

Herdeiro de uma tradição romana de nobilitas, o popolo grasso das cidades

italianas apoiava-se na influência política e poder económico conseguido com os

seus negócios, para obter o apoio do muito povo que sustentavam. O núcleo

essencial era pois constituído por gente da burguesia mas por vezes também pela

aristocracia que residia nalgumas cidades. Foi o caso de algumas urbes italianas,

da França Meridional e Espanha. Em Génova e Veneza chegaram a envolver-se no

comércio e a comungar dos mesmos objectivos que a burguesia de negócios. No

entanto, era o patriarcado burguês ou cives maiores quem controlava os órgãos de

decisão destas repúblicas comunais substituindo na administração territorial os

estratos tradicionalmente privilegiados. Em Florença, os representantes das sete

artes maiores (de entre as vinte e uma corporações artesanais e comerciais) que

agrupavam os grandes negociantes que comerciavam no estrangeiro, apoderaram-

se dos cargos municipais afastando a aristocracia. Estes magistrados maiores,

tanto descendiam de nobres de segunda ordem como podiam ser homens de

2 L. Genicot, Le XIIIe Siècle Européen, 125

Page 5: Origem das repúblicas ou comunas medievais

confiança dos senhores, agentes ou soldados. Também resultavam das actividades

mercantis mas na Itália e nos países mediterrânicos o caso mais frequente era o

primeiro. Segundos filhos da nobreza ou nobres de menor importância, emigraram

para as cidades e passaram a controlá-las. Encontram-se tais casos também no

norte da Europa. Em Lovaina, Arras, Bona, ou Nuremberga aqueles que em 1200

estavam à frente das cidades eram descendentes de nobres ou funcionários dos

senhores de maior importância que frequentavam as cortes. Na Polónia, França do

norte, Inglaterra, Flandres, Renânia os chefes das cidades eram gente enriquecida

no comércio local e no grande tráfico internacional de objectos de luxo, têxteis e

vinho.

Estas origens, valeram aos meliores um poder político e económico procurando

imitar nos contextos urbanos, os hábitos, estatuto social e tradições da sua classe

original. Adquiriram armaduras e cavalo, construíram a torre do palácio comunal

monopolizando as magistraturas mais importantes procurando reservar os mesmos

cargos e funções para os seus descendentes. Nas cidades mais novas aceitaram no

seu seio linhagens de fora. Em Lubeque, existiam 24 linhagens em 1150, 46 em

1230 e 130 linhagens em 1408. Em Londres também a percentagem de velhas

linhagens caiu de 82 para 17 entre 1230 e 1300. Nas cidades mais antigas porém

as famílias mais antigas tendem a fechar-se como foi o caso de cidades do norte de

França e Bélgica onde as grandes famílias se organizavam e conservavam entre si

o controlo das cidades.

À frente da administração da comuna figurava um conselho de magistrados

denominados pares, jurados ou almotacés. Escolhidos geralmente por eleição

apenas entre os burgueses reunidos em assembleia, constituíam o corpo da cidade

restaurando muralhas, redigindo ordenanças, proclamações e intervindo na vida

económica e jurídica da comunidade, lançando impostos, organizando os hospitais,

estabelecendo horários de trabalho, cunhando moeda. As decisões graves de

interesse geral como as que diziam respeito à paz e à guerra ou alianças eram da

competência da assembleia comunal da qual faziam parte todos os habitantes da

cidade.

As características destas repúblicas exigiam ainda outro tipo de atributos e órgãos

soberanos. Quase todas as comunas possuíam o seu exército ou milícia cujo

comando pertencia ao cônsul ou ao maire e nalguns casos como na Itália, ao

Condottieri. A maioria das comunas erguia o seu palácio comunal, sede do governo

e das repartições centrais tendo o campanário como símbolo da autoridade e força

da comuna. O sino convocava os magistrados apenas ou todos os habitantes para

qualquer reunião ou situação de emergência. Na cave ficavam as prisões. As

cidades tinham ainda bandeira e selo.

Conflitos e rivalidades internas

Embora dentro da cidade todos fossem considerados iguais, quem dominava nestas

repúblicas era, como vimos, uma classe mais destacada, o popolo grasso que

controlava com dificuldade os remediados e pobres, o popolo minuto. Com o

tempo, os burgueses mais ricos apropriaram-se da vida política e administrativa do

Page 6: Origem das repúblicas ou comunas medievais

burgo, escolhendo os magistrados, fixando os impostos e considerando as funções

municipais como bens próprios e transmissíveis dentro das famílias. O que

diferenciava esta nova classe dos restantes elementos populares eram também os

privilégios, destacando-se as ricas mansões apalaçadas com torre, as vestes e até a

corte armada de que muitos já dispunham, procurando defender-se das investidas

populares principalmente dos artífices das pequenas corporações.

O popolo minuto alegava já, contra os poderosos, a corrupção, a má justiça, o

exagero dos impostos e a má administração financeira além da apropriação

ilegítima ou excessiva de poder, do qual se viam injustamente afastados. Na

Flandres e Itália, zonas onde os conflitos foram mais frequentes por alturas da

recessão do século XIV, os mercadores viram-se na obrigação de partilhar o poder

com os artífices, geralmente menos ricos. Na Alemanha, a burguesia comercial

conseguiu manter a sua importância, dada a preponderância da sua actividade

mercantil sobre os artífices mas na maioria das regiões europeias as lutas internas

entre os habitantes das comunas provocaram a partir do século XV uma sujeição

progressiva ao poder dos soberanos, que se aproveitavam das revoltas sociais para

repor a sua autoridade, retirando direitos e integrando as comunidades autónomas

no seu espaço de soberania centralizada.

Nalgumas grandes cidades hanseáticas chegou-se a um triunfo definitivo dos

ofícios enquanto em outras estabeleceu-se algum equilíbrio com a divisão dos

cargos municipais. Numa pequena parte das cidades o patriciado reforçou ainda

mais o seu poder. Em cidades como Zurique ou Colónia continuaram as mesmas

famílias à frente da cidade alargando a base social de apoio recrutando sectores

inferiores da população urbana das artes o que não impediu que a tensão social

perdurasse. Tal situação acabou também por provocar lutas internas graves. No

final do século XV apenas duas repúblicas existiam em Itália, Génova e Veneza.

A História desoculta-nos assim aquela que foi uma das fases mais interessantes da

libertação das populações europeias relativamente às tutelas opressivas e

conservadoras de reis, senhores e estados. Dum estudo mesmo que superficial

desta variedade imensa de casos, que surgiram um pouco por todo o lado na

passagem da época medieval para a moderna, ressalta por um lado o protagonismo

deste movimento comunal urbano para o reforço e centralização do poder real, que

se concretizará nos regimes de monarquia absoluta dos séculos XVI a XVIII.

Instrumento ao serviço da luta pelo poder entre poderosos, a luta pela libertação

das repúblicas medievais permitirá a emergência de formas alternativas de

governação, espécie de experimentalismo político de todos aqueles que não se

reviam na governação dos poderosos.

Por outro lado, a importância do fenómeno autonómico urbano como precursor de

um espírito de libertação das populações sujeitas à opressão, adivinhando o

movimento libertário dos povos e nações que séculos mais tarde, se seguiria à

Revolução Francesa e ao Congresso de Viena, opondo-se aos esforços de

centralização imperialista dos governos centrais.

Um último aspecto, próximo cronologicamente e sua consequência, o contributo

deste movimento comunal republicano para a construção de uma mentalidade

humanista crítica e cosmopolita que se reencontra e reafirma na matriz

individualista e libertadora do Renascimento, época de ouro do brilhantismo

Page 7: Origem das repúblicas ou comunas medievais

individual, mas também da criatividade, inovação e rejuvenescimento do ideal

clássico de homem total, completo.

Referências:

Cipolla, Carlo, (1991). História Económica da Europa Pré-Industrial. Lisboa: Edições 70.

Prada, V. V. (1977). História Económica Mundial. Porto: Livraria Civilização Editora, vol II.

Genicot, L. (1968). Le XIIIe Siècle Européen. Paris: Presses Universitaires de France.