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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA – FACULDADE DE DIREITO.
LUIZ FELIPPE ABREU DE ALBUQUERQUE
OS 20 ANOS DO CDC – ANÁLISE CRÍTICA E PERSPECTIVAS PARA O
FUTURO: uma observação acerca da defesa do consumidor brasileiro no
âmbito internacional.
Monografia de conclusão de curso
elaborada sob a Orientação do
Professor Pierre Portes dos Santos,
como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Bacharelado
em Direito.
JUIZ DE FORA – MG.
Julho de 2010.
1
FOLHA DE APROVAÇÃO
A monografia intitulada OS 20 ANOS DO CDC – ANÁLISE CRÍTICA E
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO: uma observação acerca da defesa do
consumidor brasileiro no âmbito internacional, elaborada LUIZ FELIPPE ABREU
DE ALBUQERQUE, como pré-requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel
em Direito, foi aprovada por todos os membros da Comissão Examinadora
designada pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.
Juiz de Fora, 05 de Julho de 2010.
¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯
Prof. Pierre Portes dos Santos - Orientador
¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯
Prof. Raphael Vasconcellos
¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯¯
Porf. Mússio Moura Soares
2
Dedico este trabalho aos meus pais, Luiz e Mary, como
tudo que faço nessa vida. Aos grandes amigos e parceiros sem
os quais não teria passado por grandes momentos nesses
cinco anos – Diego, Raphael, Renata, Deborah e Jéferson.
Dedico também ao meu orientador, Pierre, que nesses meses
de convivência demonstrou ser uma grande pessoa e um
grande mentor.
3
RESUMO
Monografia de conclusão de curso em Direto que analisa evolutivamente a
proteção do consumidor, sob a luz dos 20 anos de vigência do Código de Defesa do
Consumidor Brasileiro, LEI 8.078/90, com o objetivo de traçar perspectivas para o
futuro. Procura-se destacar o atual estágio da proteção do consumidor brasileiro no
âmbito internacional e as alternativas propostas pelo ordenamento nacional, com
ênfase nos tratados e convenções de direito internacional.
PALAVRAS-CHAVE: Código de Defesa do Consumidor – Proteção do Consumidor
– Âmbito internacional – Direito Internacional Privado.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................01
CAP 1 – O LIBERALISMO, O MERCADO DE CONSUMO E A PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR..........................................................................................................03
CAP 2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TUTELA DO CONSUMIDOR NO
MUNDO. ........................................................................................................................
...........06
CAP 3 – A TUTELA DO CONSUMIDOR NO BRASIL...............................................09
3.1 Evolução da tutela do consumidor no Brasil até o CDC......................................09
3.2 As relações do CDC com ordenamento
nacional.................................................10
3.3 Direito Material dos consumidores.......................................................................12
A)Controle da publicidade...............................................................................12
B)Tratamento dos fatos e vícios do produto ou serviço..................................14
C) Normas imperativas e processuais para favorecimento do consumidor....16
CAP 4 - A PROTEÇÃO DO CONSUIMIDOR BRASILEIRO NO AMBITO
INTERNACIONAL......................................................................................................17
4.1 – As especificidades do consumo Internacional...................................................17
4.2 – Da realidade dos consumidores
Internacionais.................................................18
4.3 – Da ineficácia das normas atuais de Direito Internacional Privado (DIPr)..........19
4.4 – A atual proteção do consumidor pelo ordenamento brasileiro..........................21
4.5–As perspectivas para o aprimoramento da defesa internacional.......................23
4.5.1– Legislação nacional sobre a Competência Internacional.....................23
4.5.2 – Proposta brasileira para convenção internacional de consumo..........25
4.5.3 – A arbitragem como uma alternativa.....................................................26
CAP 5 - A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL: UMA
JUSTIFICATIVA PARA INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS E CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS DE CONSUMO...........................................................................28
5
CONCLUSÃO............................................................................................................30
REFERENCIAS..........................................................................................................32
ANEXO I.....................................................................................................................34
ANEXO II....................................................................................................................60
6
INTRODUÇÃO.
A presente monografia tem como foco o marco histórico dos 20 anos de
existência do Código de Defesa do consumidor brasileiro – Lei 8078/90. O
transcorrer destas duas décadas faz possível traçar um balanço mais completo
desta iniciativa de proteção ao consumidor.
O código de defesa do consumidor – Lei 8078/90 – surgiu como uma
manifestação do Estado Social, constitucionalmente preconizado nos artigos 5°,
XXXII e 170, V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A tutela
normativa do consumidor surgiu para garantir a igualdade e a justiça nas relações de
consumo, assim o código de defesa do consumidor tem como escopo a intervenção
nas relações jurídicas de consumo, buscando limitar a atuação do fornecedor, parte
mais forte econômica e tecnicamente, em face da vulnerabilidade apresentada pelo
consumidor. Desta forma por serem conceitos variáveis com o tempo, a igualdade e
a justiça, o CDC possui uma característica muito importante que é o de se adequar à
realidade temporal, neste sentido assevera o Professor RIZZATTO NUNES (2005;
pág. 65)
É preciso que se esclareça claramente o fato do CDC ter vida própria, tendo sido criado como subsistema autônomo e vigente dentro do sistema constitucional brasileiro.
Não será possível interpretar adequadamente a legislação consumerista se não se tiver em mente esse fato de que ela comporta um subsistema no ordenamento jurídico, que prevalece sobre os demais – exceto, claro, o próprio sistema da constituição, como de resto qualquer norma de hierarquia inferior – sendo aplicável às normas de fato supletiva e complementar.
Sem embargos, há que se reconhecer que o CDC trouxe formas melhores e
mais especializadas de acesso a justiça, embasadas nos Princípios da celeridade e
da eficiência. A observação dos avanços promovidos pelo CDC não se limitam ao
âmbito jurídico, mas também na realidade social do país, a revolução proposta
“alavancou” o país para a condição economia emergente, da anterior falta de
7
controle e atraso tecnológico hoje o consumidor brasileiro tem acesso aos produtos
e serviços com os melhores padrões mundialmente existentes.
Por óbvio, como todo e qualquer diploma jurídico, o CDC não é na literalidade
da expressão perfeito e o sistema protetivo do consumidor possui algumas
carências, tais como: o baixo número de demandas coletivas; a pouca utilização das
convenções de consumo; da falta de aplicação da parte penal do CDC; ineficácia da
tutela do consumidor em âmbito internacional. Contudo seria um erro de nossa parte
apontar tais falhas como fonte de descrédito deste diploma, visto que em 20 anos
evoluímos neste ramo jurídico mais do que evoluímos em dois séculos desde a
revolução liberal.
A sociedade consumerista, desenvolveu-se sobre as ficções globalizadas pelo
sistema liberal, onde todos são livres e iguais para contratar. O CDC surge como um
meio de solução local a essa emergência liberal difundida a partir de realidades
distintas e externas. Neste sentido assenta CLAUDIA LIMA MARQUES:
foram as mudanças profundas em nossa sociedade de informação que exigiram um direito privado novo, a incluir regras especiais de proteção dos consumidores, os novos agentes econômicos prioritários deste mundo do “consumo” e de “mercados globalizados”.1
É notório, portanto, que no âmbito nacional a proposta do CDC logrou grande
êxito nestes 20 anos, contudo com as recentes evoluções tecnológicas como a rede
mundial de computadores fica a pergunta: Quais são as implicações da Lei 8078/90
para a tutela do consumidor nas relações internacionais de consumo?
O presente trabalho carrega consigo o intuito de analisar de forma crítica o
nível de proteção do consumidor brasileiro nas relações internacionais e as
perspectivas de aprimoramento da defesa do consumidor internacional, de forma a
apontar para uma solução possível para este novo desafio a ser enfrentado pelo
ramo consumerista moderno.
1 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe – Manual de Direito do Consumidor, pág. 40. 2° Edição – 2009 – Revista dos tribunais.
8
1 – O LIBERALISMO, O MERCADO DE CONSUMO E A PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR.
O Sistema liberal surgiu no século XVIII em uma condição social que se
distingue muito da que vivemos atualmente, tendo seu ápice no século XIX. Tal
sistema passou por momentos de desaceleração, contudo, ressurgiu fortemente no
fim do século XX.
No tocante à atuação estatal, o liberalismo atribui como funções inerentes do
poder público as proteções à liberdade, propriedade e á paz social, o que revelaria o
conceito de Estado mínimo. A livre concorrência e a não intervenção estatal são
pontos chave dessa doutrina. Assim ensina Bonavides:
Com a construção do Estado jurídico, cuidavam os pensadores do direito natural, principalmente os de sua variante racionalista, haver encontrado formulação teórica capaz de salvar, em parte, a liberdade ilimitada que o homem desfrutava na sociedade pré-estatal ou dar a essa liberdade função preponderante, fazendo do Estado o acanhado servo do indivíduo.2
Hobbes e Locke trouxeram o contratualismo como o modo de criação do
Estado e para entendermos a posição do mesmo no regime liberal precisamos
observar alguns pontos da doutrina destes liberalistas.
Hobbes propõe um estado de natureza do homem, no qual este figura como
um ser anti-social e individualista e por estes aspectos o cenário proposto seria o do
caos e da desordem em razão da lei do mais forte. Já Locke, traz na sua concepção
do estado de natureza do homem, que o mesmo estaria livre para reger por si só
suas relações.
Resta claro, portanto, que a liberdade e a igualdade propostas, no estado de
natureza, por Locke e Hobbes, são instáveis na medida em que a prevalência da lei
do mais forte seria capaz de abalar estes preceitos. O contrato surge, por tanto,
como forma de pacificar a sociedade, visto que cada indivíduo abriria mão de sua
liberdade em detrimento da organização social.
2 BONAVIDADES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. São Paulo Malheiros; 2004. p. 2.
9
Juridicamente, este sistema trouxe como conseqüência o positivismo e a
sistematização do Direito. Surgem assim para o Direito Obrigacional os princípios
orientadores básicos da autonomia da vontade das partes e o pacta sunt servanda3.
Pode-se dizer, portanto, que o liberalismo está voltado para o consumo. A
doutrina liberal orienta-se para a aquisição de bens de consumo e as satisfações
que esta conduta traz para o indivíduo. Nesta esteira, o modo de produção
capitalista ganhou força e a sociedade passou a concentrar mais meios de
produção, derivando daí a sociedade de consumo, na qual o consumidor é orientado
pelas influências do sistema econômico.
Neste contexto surgiu a produção em massa e a concorrência, que num
primeiro momento aparentava-se como destinada ao consumidor, porém este
quadro não se consolidou segundo Maria Donatto:
em face das extraordinária proporções alcançadas por esse processo produtivo, cada vez mais fortalecido, o consumidor, já imbuído do espírito consumerista que esse mesmo processo produtivo veio a impingir-lhe, tornava-se vulnerável. Resta, ao final, o consumidor atingido por essa explosão produtiva, que o induz a buscar mais e mais a satisfação de suas necessidades e desejos e, ao mesmo tempo, torna-o impotente face à robustez adquirida pelo produtor. Contrariamente ao esperado, ou seja, verse o consumidor engrandecido pelo seu poder de compra, deparamo-noscom sua fragilidade, sua vulnerabilidade frente ao poderio econômico.4
Em grosso modo, podemos afirmar que os produtores se organizaram
enquanto os consumidores seguiram o caminho adverso, a fragilidade e
vulnerabilidade dos consumidores ficam nítidas frente ao poder dos produtores.
Portanto, enquanto o poder econômico ditava suas regras os consumidores
mantinham-se alijados de qualquer meio eficaz para a sua proteção.
Ao tratar desta disparidade na relação produtor x consumidor, CLAUDIA LIMA
MARQUES (2009, pág 36 e ss.), aponta para o que ela denomina como “...a falácia
do consumidor como “rei” do mercado.”. Os liberalistas posicionavam o consumidor
como o principal elemento constitutivo do mercado e neste contexto o consumidor
estaria livre para decidir a compra ou a recusa de determinado de forma soberana.
3Por este princípio, o contrato consentido livremente pelas partes passa a ter o caráter da imperatividade, ou seja, ter força de lei entre os contratantes.4DONATO, Maria Antonieta Zanardo. A proteção do consumidor: conceito e extensão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.18
10
Na prática, na atual sociedade contemporânea, a referida afirmação da
posição do consumidor demonstra-se como contrária a esta proposta, neste sentido
a doutrinadora supracitada arremata:
Aquele que era considerado como o centro, o “rei” do mercado, perdeu a centralidade, desconstituíram e manipularam sua vontade (ou desejos), sua liberdade de consumo é mera ilusão, este consumidor ideal tornou-se mero símbolo, a ser usado como metáfora de linguagem, no imaginário e no jogo coletivo e paradoxal do mercado de consumo e de marketing globalizado dos dias de hoje.5
A partir da segunda metade século XX, em virtude das transformações
sociais, pela promoção do bem estar social, os Estados passaram a atuar de forma
mais efetiva na proteção do consumidor por meio de políticas e programas
governamentais, apontando para a evolução da defesa do consumidor, assunto este
a ser tratado no capítulo abaixo.
5 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe – Manual de Direito do Consumidor, 2° Edição – 2009 – Revista dos tribunais. Pág. 36 e ss.
11
2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TUTELA DO CONSUMIDOR NO
MUNDO.
Desde os primórdios da evolução social do homem, produzir sempre foi o foco
da nossa existência, fato é que, desde sempre havia alguém para fabricar e vender
para alguém consumir. Por óbvio, num primeiro momento tais relações se
desenvolveram num escopo de mera subsistência, contudo apesar das relações de
consumo terem se fortalecido ao final da idade média com a intensificação das
relações entre as cidades, a tutela do consumidor já podia ser observada em
codificações de civilizações antigas. No Direito Romano6, já havia a previsão da
responsabilidade do vendedor pelos vícios do produto.
Conforme já exposto, a evolução do mercado de consumo implicou em
imensas desigualdades na relação consumidor X mercado produtor e dessa
realidade emergiu a necessidade da intervenção do estado na economia a fim de
corrigir tais distorções e restabelecer o equilíbrio das relações comerciais. Assim
surge o modelo que temos hoje de proteção ao consumidor, através da intervenção
no domínio econômico, por meio de princípios e regras que obrigatoriamente devem
ser observadas pelos praticantes de atividades econômicas. sob este prisma que se
desenvolveram as primeiras leis de proteção ao consumidor, que visam equilibrar as
relações de consumo para atingir uma perfeita ordem econômica.
A consolidação da idéia da tutela protetiva do consumidor pode ser observada
primeiramente no modelo Estadunidense, em 1962 em mensagem ao congresso
Norte-Americano, o Presidente John Kennedy assumiu a causa ao eleger o rol dos
Direito Fundamentais dos consumidores7.
O direito do consumidor nos Estados Unidos surge com uma perspectiva
individualista e reparatória, ou seja, busca primeiro a proteção do individuo para
depois passar a coletividade. Neste sentido assenta GRINOVER:
6 Em comento, Paula Santos de Abreu afirma: “No direito romano clássico, o vendedor era responsável pelos vícios da mercadoria a menos que os ignorasse. No Período Justiniano, a responsabilidade passou a ser atribuída ao vendedor independente de seu conhecimento do vício. Se a venda tivesse sido feita de má-fé, cabia ao vendedor ressarcir o consumidor devolvendo a quantia recebida em dobro.”. A GLOBALIZAÇÃO E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL. Publicado in Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v. 2, n. 1, p. 7, jan./jun. 2005 7 Os quatro direitos fundamentais do consumidor são: Direito à segurança, Direito à informação abrangente, Direito à escolha e Direito de ser ouvido.
12
“ (...) em ambos os sistemas – common law e civil law – o Direito do Consumidor, que havia nascido como corpo legal eminentemente repressivo (penal e administrativo), foi aos poucos se transformando, em face de certas características do mercado (...). E hoje o Direito do Consumidor é fundamentalmente preventivo”8
O sistema norte americano conta com quatro agências reguladoras especiais
9com amplos poderes para investigar, regular e reprimir condutas em desacordo com
o mercado e de consumo.
Na Europa, por volta de 1910, o movimento de defesa dos consumidores
surge com a criação de organismos administrativos em favor dos consumidores na
Inglaterra, França e Holanda. Enfim, a comunidade européia como um todo, adotou
e consolidou o Direito consumerista, contudo a evolução da proteção do consumidor
derivou do esforço para promover a proteção coletiva, diferentemente do que
ocorreu no modelo Norte-Americano.
Notavelmente, percebe-se uma vocação internacional na proteção e tutela do
consumidor, assim como no seu ramo jurídico, visto a conotação que concedida às
relações de consumo e principalmente pela existência de um mercado de consumo
sem barreiras.
Isto posto, a relevância do tema, e as repercussões sociais e políticas em
diversas partes do mundo levou à Organização das Nações Unidas (ONU) a voltar
suas atenções para a defesa do consumidor. A ONU tratou de maneira direta a
questão em dois momentos, primeiramente pela Res. 2.542 de 1969, que declara os
Direitos Fundamentais e Universais do Consumidor e posteriormente em 1985, por
meio da Res. 39/248, expressando de forma direta os princípios e normas a serem
desenvolvidos pelos governos nacionais. Ao editar tal resolução a ONU vislumbrou a
possibilidade de criar um meio eficaz de cooperação na esfera consumerista entre
os estados.
Este conjunto de afirmações representa claramente e, pela primeira vez, no âmbito mundial, o alto grau de reconhecimento e aceitação atuais dos conceitos dos direitos básicos do consumidor. O Anexo 3 da Resolução detalha os princípios gerais que os governos devem considerar, voluntariamente, como padrões mínimos na formação das políticas
8 GRINOVER, Ada Pelegrini - O Código de Defesa do Consumidor no sistema socioeconômico brasileiro. In: Revista da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo: USP, n. 91, p. 277-287, jan./dez. 1996. p. 2789 Consumer´s Education Office, FDA, Consumer Product Safety Commission e Small Claim Courts.
13
legislativas nacionais. Declara os direitos dos consumidores como universais e indisponíveis10.
Por conclusão, podemos traçar algumas considerações acerca da Evolução
da proteção do consumidor. Em virtude da intensificação do fenômeno da
globalização da economia, as políticas de consumo e a proteção aos consumidores
prosperaram em dimensões internacionais, em todos os continentes surgiram
movimentos que serviram para consolidar a tutela do consumidor. É inegável,
portanto, que a proteção do consumidor tornou-se o foco das condições e práticas
no mercado globalizado.
Por fim, de forma antecipada, podemos afirmar que a experiência brasileira
relativa à proteção do consumidor não se desenvolveu de forma diferente a dos
demais países do mundo, desta forma, para corroborar com esta afirmação temos o
Código de Defesa do Consumidor de 1990 (Lei 8078) que foi elaborado com base na
resolução 39/ 24811 da ONU.
3 – A TUTELA DO CONSUMIDOR NO BRASIL.
10 RICHTER, Karina. Op. cit. p. 40. Consumidor e Mercosul. Curitiba: Juruá, 200211Disponível:http://www.un.org/documents/ecosoc/cn17/1998/background/ecn171998-consumer.htm
14
3.1 Evolução da tutela do consumidor no Brasil até o CDC.
Ao observarmos as mudanças legislativas das últimas décadas, ocorridas no
Estado brasileiro, fica nítido que todas as transformações econômicas, jurídicas e
sociais ocorridas no mundo todo tiveram um efeito sensível em nosso ordenamento.
Coube ao estado brasileiro – e ao Direito – criar soluções para os impasses gerados
na relação entre consumidor x fornecedor.
Na experiência brasileira de tutela do consumidor, assim como os demais
ordenamentos, temos que num primeiro momento passou por uma fase conhecida
como pré-intervencionista, onde o princípio de proteção do consumidor era extraído
da relativização de dogmas do Direito Civil e comercial, como a autonomia da
vontade e obrigatoriedade do contrato, a luz de uma interpretação sistemática e
integrativa dos princípios gerais de Direito.
Antes de se revestir de toda esta complexidade atual, as relações de
consumo possuíam lastro direto na confiança entre as partes. Essa relação era de
caráter pessoal e os conflitos advindos deste tipo de relação atingiam apenas a
órbita privada dos envolvidos sem assumir maior relevo social. Observa-se, contudo,
que esta mera relação de confiança passou a ser esvaziada com o tempo ao passo
em que se desenvolviam os Direitos ditos de terceira geração.
Antes da Lei 8.078/90 (CDC) a defesa do consumidor no Brasil era exercida
de forma superficial e esparsa sem uma sistematização. Assim o embrião do
desenvolvimento da proteção ao consumidor no país surgiu com a Constituição
Federal de 1988. O constituinte de 1988 preconizou a necessidade de se proteger o
consumidor uma vez que a temática já era largamente discutida em âmbito nacional
por juristas de renome, como Ada Pelegrini Grinover, Kazou Watanabe e Antônio
Herman V. Benjamin12. Assim explica Celso Ribeiro Bastos:
é de transcendental importância, não só por estabelecer um dever para o Estado, como também para autorizar o legislador a que venha estabelecer regras processuais desparificadas, assim como um direito material não necessariamente igualitário, mas que terá, no fundo, a prevalência dos interesses do consumidor.13
12 Ambos os citados fizeram parte da comissão que editou o Código brasileiro do Consumidor de 1990 (Lei 8.078).13 Comentários à Constituição do Brasil, vol. 2, São Paulo, Editora Saraiva, 2000, pág. 160
15
O CDC surgiu na sociedade brasileira para atender as necessidades de dar
proteção a aquele que figurava como pólo mais frágil da relação (consumidor), em
face dos bem organizados e fortes economicamente (fornecedor). O consumidor,
portanto, a partir deste momento é o elemento vulnerável e necessitado de proteção,
conforme os dizeres de Ada Pelegrini Grinover, “é com os olhos postos nesta
vulnerabilidade do consumidor que se funda a nova disciplina jurídica”14. O objetivo
principal do CDC é de minimizar as diferenças existentes entre as partes de forma a
criar um novo Direito. O modelo do código brasileiro foi pioneiro, sendo considerado
a primeira legislação consumerista do mundo15.
O mérito do CDC de 1990 é a intervenção nas relações jurídicas de consumo
visando limitar a atuação do fornecedor, que é a parte mais forte econômica e
tecnicamente sobre o consumidor que se apresenta como parte vulnerável desta
relação.
3.2. As relações do CDC com ordenamento nacional.
O ordenamento brasileiro possui uma condição peculiar que diz respeito ao
ordenamento Civil. Temos a coexistência de três codificações, sendo uma destinada
à relação civil dos iguais (Código Civil de 2002), outra para as relações Empresariais
(Código Comercial de 1850 e parte do CC/02) e outra destinada à relação dos
desiguais (Código de Defesa do Consumidor de 1990). Assim, o CDC demonstra-se
como uma regra mais específica enquanto o CC/02 figura como uma codificação
mais geral, sendo que em diversos momentos ambos se comunicam e se
influenciam.
Conforme já dito, o CDC/90 regula uma relação específica, possuindo assim
seus princípios e regras, que por sua vez acabaram por influenciar o sistema geral
de Direito Privado nacional – o Código Civil de 2002 – observa-se, porém, que tal
situação peculiar tem razão de ser pela época de promulgação de cada um desses
diplomas. O Código de Defesa do Consumidor veio em 1990 tomado por uma onda
renovatória de direitos e garantias fundamentais, que até então não eram
incorporadas pelo Código Civil de 1916, já o Código Civil de 2002 também foi
atingido por essa onda renovatória de direitos que por sua vez já haviam sido
14 GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 715 Neste sentido, GRINOVER. Código brasileiro..., op. cit., p. 8
16
consolidados no CDC. Desta forma podemos observar a influência que o código de
Defesa do Consumidor exerce sobre o ordenamento, no plano dos princípios e até
mesmo na técnica de elaboração do Código Civil de 2002.
No tocante às cláusulas gerais, sabemos que as mesmas são normas que
impõe ao Juiz o dever de avaliar a conduta no caso concreto para determinar qual é
a regra a ser aplicada, com o intuito de averiguar se a conduta pratica está em
desacordo ou não com a norma de dever criada para, por fim, determinar-lhe licita
ou ilícita. O código Civil de 1916, diferentemente do CDC/90, pouco se valia da
utilização de cláusulas gerais. Foi o CDC que introduziu alguns dispositivos como a
boa-fé e a onerosidade excessiva, como hipóteses de cláusula geral e o CC/02
apontou para o mesmo caminho.
Com Relação aos princípios, temos primeiramente o princípio da Boa-fé,
proposta nos artigos 4° e 51 do Código de Defesa do Consumidor, que surge como
uma orientação para o legislador, para o Estado e também como uma cláusula de
regra contratual específica. Neste aspecto o Código Civil de 2002 é mais completo
em seus Artigos 187 e 422, tratando da temática de forma mais ampla. Isto posto,
temos que tais disposições de Boa-fé de ambos os códigos completam um ao outro
podendo ser aplicadas de forma complementar.
A questão da Lesão, que não era tratada no CC/1916, veio a ser recebida no
CDC. Denota-se, pois, de um vício que está presente na celebração do contrato
onde são estipuladas condições muito desvantajosas para uma das partes. O Art. 6 °
do CDC prevê a possibilidade de alteração de cláusula que estabeleça prestações
desproporcionais, dessa forma trouxe de volta para o ordenamento a idéia de se
reconhecer a lesão sempre que esta se configure. O código civil de 2002 em seu art.
157 abarcou, também, o dispositivo que prevê a lesão, contudo, possui inserido em
seu bojo alguns requisitos subjetivos, como a necessidade e a inexperiência,
cabendo ao Juiz garantir o contrato justo no caso concreto.
Por fim, cabe ser ressaltado, que o CDC é um microssistema que emana seus
princípios e dispositivos para o ordenamento como um todo, a sua sistemática e
princípiologia servem como base para o ordenamento Civil, visto que suas normas
são também de ordem pública.
3.3 Direito Material dos consumidores.
A – Controle da publicidade.
17
O controle da publicidade é sem dúvida, uma das abordagens mais
importantes propostas nos CDC. Na sociedade contemporânea a publicidade exerce
uma influência muito poderosa sobre o consumidor, representando impactos
econômicos, culturais e jurídicos, além de ser uma forte ferramenta de intervenção
no consentimento do consumidor.
É certo, portanto, que nós não vivemos mais numa simples “economia de
produção”, mas sim numa verdadeira “economia do Marketing”16, decorrentes da
busca de novas perspectivas e oportunidades de mercado impostas pelas
necessidades de consumo ainda não satisfeitas, lançando a publicidade como meio
de antecipar e ampliar os “desejos de consumo”, precedendo até a própria
produção. Portanto, o papel da publicidade é influir, de forma incisiva, sobre o
consentimento do consumidor, daí sugue a sua relevância para o ordenamento
jurídico.
Tendo em vista a relevância do fenômeno publicitário, o legislador ao elaborar
o CDC não se limitou ao regramento apenas das relações contratuais de consumo,
reconhecendo, portanto, que as relações consumeristas surgem anteriormente à
contratação por via das técnicas de estimulação ao consumo. Assim acerca do
controle da publicidade explica o ministro Benjamin do STJ, citando J. Martins
Lampreia:17
Quando se fala em controle da publicidade temos em conta o controle da mensagem publicitária. E nesta “estamos a referir-nos ao conteúdo da comunicação, isto é, ao anuncio em si mesmo, independentemente do meio utilizado para a veicular18
A regulação da publicidade no CDC recebe um tratamento próprio no título
“Das Práticas comerciais”, contudo ainda em outros momentos temos a referencia a
este tema, conforme vistos nos Art. 6°, IV – Título dos Direitos Básicos – que estatui
16 A "economia de marketing" pode ser definida como aquela que olha para a frente, na busca de novas perspectivas e oportunidades decorrentes de necessidades humanas não-satisfeitas, algumas sequer ainda identificadas, transformando potencialidades em realidade. Em particular, a publicidade pode ser usada para ampliar e aumentar as necessidades dos consumidores em antecipação à própria produção. BENJAMIN, Antônio H. de Vasconcellos. O CONTROLE JURÍDICO DA PUBLICIDADE. Publicado in BD Jur. http://bdjur.stj.gov.br 17 BENJAMIN, Antônio H. de Vasconcellos et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 326.18 J. Martins Lampreia, op. cit, pág. 73. apud BENJAMIN, Antônio H. de Vasconcellos. Idem. Pág. 326
18
“a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva”; e no Art. 56, XII do Título II –
Das infrações penais – instituindo a contrapropaganda.
As principais construções feitas pelo legislador brasileiro acerca deste tema
enfocam-se no que o mesmo tratou como publicidade enganosa e publicidade
abusiva. Ao tratar do primeiro tipo citado, este é definido como aquela publicidade
capaz provocar uma distorção na decisão do consumidor levando-o a adquirir
produto ou serviço que não o faria se estivesse bem informado. Observa-se,
portanto, que com objetivo de garantir a efetividade da proteção do consumidor,
prevalece o entendimento de que não é exigida e enganosidade real do consumidor,
carecendo apenas da sua potencialidade. No tocante da publicidade abusiva,
residualmente, é definida como tudo aquilo que seja ofensivo ao sistema de
proteção ao consumidor sem ser enganoso.
Por fim, cumpre ressaltar que a em matéria de controle de publicidade os
avanços mais significativos são aqueles observados no controle da publicidade de
Tabaco, Bebidas Alcoólicas e Medicamentos. Estas modalidades de publicidade
carregam consigo grande potencial lesivo para a saúde das pessoas, o bem estar da
família e o meio ambiente. A própria CF/88 dispõe tal previsão em seus Art. 220, §
3°, II19 e Art. 220, § 4°20, coube ao legislador ordinário editar tal regramento,
observando que o CDC não foi específico conquanto a estes tipos de publicidade,
posicionando-se mais como um patamar de regras gerais para a proteção do
consumidor em face das práticas publicitárias.
Com este fim específico foram editadas a Lei MURAD (Lei 9.294/96) e Lei
SERRA (Lei 10.167/00). A implementação destas duas leis implicou em restrições
aos horários e locais para a veiculação deste tipo de publicidade e ainda limitaram a
forma de abordagem que as mídias publicitárias poderiam conter proibindo a
utilização das chamadas promoções de venda, muito comuns até então na
publicidade de bebidas e tabaco.
B – Tratamento dos fatos e vícios do produto ou serviço.
19 Art. 220, § 3°, inc. II da CRFB/1988. “estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e a família a possibilidade de se defenderem de programas ou programação de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, prática e serviços que possam ser nocivos à saúde e meio ambiente.” 20 Art. 220, § 4° da CRFB/1988. “A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita à restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios do seu uso.
19
É possível distinguir, no CDC, duas vias de proteção do consumidor que
apontam à tutela de bens jurídicos distintos. A primeira destina-se na proteção da
integridade físico-psíquica do consumidor, atinando para a saúde e a segurança
contra os riscos e acidentes provocados pelo consumo, seriam estes os fatos do
produto. Em segundo plano teríamos a tutela à integridade econômica do
consumidor em face dos incidentes de consumo que possam atingir seu patrimônio,
sendo estes os vícios do produto.
Os Art. 8° e seguintes do CDC preconizam pela proteção à saúde e a
segurança, a tutela a incolumidade do consumidor figura como direito básico
inafastável que por sua vez cria um dever de cuidado para os fornecedores
conquanto aos produtos e serviços que os mesmos colocam no mercado. Em razão
desta colocação, temos a responsabilização de toda cadeia de fornecimento
independentemente da existência ou não de vínculo contratual na relação com o
consumidor.
No que tange integridade econômica do consumidor, o legislador tratou de
enfatizar também á responsabilização dos fornecedores em face dos problemas
oriundos da qualidade, da quantidade e funcionabilidade do produto ou do serviço
fornecido. Neste sentido Leonardo Roscoe Bessa traz o seguinte esclarecimento:
Nada mais natural e justo que os produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo tenham qualidade, atendam sua finalidade própria e, consequentemente, às necessidades dos consumidores. O código de Defesa do Consumidor determina que, independentemente da garantia oferecida pelo fornecedor (garantia de fábrica), os produtos e serviços devem ser adequados aos fins que se destinam, ou seja, devem funcionar bem, atender às legítimas expectativas do consumidor. Devem ainda observar as indicações de qualidade e quantidade constatantes na oferta e mensagem publicitária. Esta é a garantia legal, decorrente da norma de ordem pública (art. 1°): não pode, portanto, ser afastada ou diminuída por vontade do fornecedor (art. 24 e 25).21
A opção do CDC para lidar com estes fatores nocivos ao consumidor foi à
adoção da Teoria da Qualidade. Tal teoria, por sua vez, desmembra os tipos de
nocividades ao consumidor em vícios de qualidade por inadequação e vícios de
qualidade por insegurança. Ambas as orientações de proteção distintas conquanto
seu foco, aparecem, no Código de Defesa do Consumidor tratadas em momentos
21 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe – Manual de Direito do Consumidor, 2° Edição – 2009 – Revista dos tribunais. Pág. 142
20
diferentes, sendo que à primeira esta inserida nos Art. 18 à 25 e a segunda nos Art.
8 à 17.
Nesta esteira, enquanto o vício por adequação é uma condição positiva
imposta ao fornecedor de prover produtos com qualidade, o vício por insegurança
denota-se como uma condição negativa da produção, pois o consumidor tem uma
expectativa negativa de insegurança conquanto ao seu consumo. A formulação de
uma teoria da qualidade decorre de uma tentativa de adaptar o sistema tradicional
das garantias contra a evicção e contra os vícios redibitórios à realidade da
sociedade de consumo.
Isto posto, o legislador para lidar com a temática impôs o instituto da
responsabilidade do fornecedor que distribui as penalizações do fabricante em três
esferas: Civil, Administrativa e Penal. A primeira esfera possui o caráter
eminentemente reparatório da lesão sofrida pelo consumidor, enquanto as demais
se orientam pelos focos repressivo e preventivo.
Por fim, ressaltamos a importância dos novos entendimentos jurisprudências
e doutrinários acerca da existência das cadeias de fornecimento. O reconhecimento
da "cadeia de fornecimento" tem conseqüência a responsabilização solidária de
todos os seus integrantes22, ressalvando-se o eventual exercício de regresso que os
agentes efetivamente responsabilizados tenham contra os reais causadores do
dano. Demonstra-se assim a opinião de CLÁUDIA LIMA MARQUES:
a cadeia de fornecimento é um fenômeno econômico de organização do modo de produção e distribuição, do modo de fornecimento de serviços complexos, envolvendo grande número de atares que unem esforços e atividades para uma finalidade comum, qual seja a de poder oferecer no mercado produtos e serviços para os consumidores (...) O reflexo mais importante, o resultado mais destacável desta visualização da cadeia de fornecimento, do aparecimento plural de sujeitos fornecedores, é a solidariedade dentre os participantes da cadeia mencionada nos arts. 18 e 20 do CDC e indiciada na expressão genérica fornecedor de serviços' do art. 14, caput, do CDC (...)23
22 Art. 12 CDC. ” O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”23 MARQUES, Cláudia Lima . Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, p. 334-335
21
C – Normas imperativas e processuais para favorecimento do
consumidor.
No tocante da tutela individual, temos a incidência de diversas normas que
viabilizam o fortalecimento do consumidor no âmbito judicial, sendo que de pronto
podemos explicitar: a) a regra de determinação da competência prevista no art. 101
CDC, que fixa como competente o juízo do domicílio do consumidor autor; b) a
vedação da denunciação à lide e do chamamento ao processo, Artigos 88 e 101, inc.
II do CDC; c) a possibilidade da inversão do ônus da prova ope judicis em favor do
consumidor, Art. 6°, VIII e art. 38 do CDC; d) a instituição dos juizados de pequenas
causas, Art. 5°, IV CDC; e) o hábeas data em favor do consumidor, Art. 43, § 4°.
Em fim, podemos destacar que a evolução na tutela do consumidor não se
deu apenas em âmbito de Direito Material, mas também, no Direito Processual.
Proporcionar meios adequados para o consumidor alcançar um provimento
jurisdicional justo foi um dos grandes desafios do legislador pátrio ao implantar o
CDC, que, diga-se de passagem, logrou grande êxito. Contudo tais inovações
propostas à época das discussões do anteprojeto do Código brasileiro do
Consumidor, hoje não são mais suficientes para abarcar as novas situações e
demandas jurídicas consumeristas.
A solução para problemas locais existentes hoje, se demonstram inaptas para
reger os conflitos oriundos da nova realidade de consumo internacional e sem
barreiras. É preciso, portanto, fazer uma reflexão acerca das condições de defesa do
consumidor brasileiro em âmbito internacional e apontar alternativas que a doutrina
e a jurisprudência, em nosso entendimento, já desenvolveram. Esta problemática é o
foco dos próximos capítulos abaixo.
22
4 – A PROTEÇÃO DO CONSUIMIDOR BRASILEIRO NO AMBITO
INTERNACIONAL.
4.1 – As especificidades do consumo Internacional.
Primeiramente, devemos observar que o comércio internacional em si, já
oferece uma seqüência de barreiras que impõe dificuldades ainda mais severas aos
consumidores. Dentre tais barreiras podemos elencar, a dificuldade com as
variedades de idiomas; a falta de informações; as diferenças entre normas e
costumes; a insegurança quanto a entrega do produto e a sua respectiva garantia;
insegurança quanto ao pagamento.
A primeira especificidade do comércio internacional encontra-se no que
CLAUDIA LIMA MARQUES denomina como “desequilíbrio intrínseco informativo e
de especialização entre os parceiros contratuais internacionais face ao status leigo e
vulnerável do parceiro-consumidor”24. No comércio internacional os contratantes não
se encontram em posição de igualdade no que diz respeito às informações e a
especialização em relação às normas atinentes às transações internacionais. Outra
especificidade do consumo internacional é a “descontinuidade” da relação, visto que
o ato de consumo internacional, a transação, geralmente possui um lapso temporal
mínimo. Observa-se que a própria relação consumerista em si é baseada na
confiança e na qualidade, itens estes que só se constroem com o tempo, no
consumo internacional o consumidor age por impulso sem ter conhecimento real do
que está adquirindo e abre mão da segurança que só o tempo pode solidificar nesta
relação, para tanto confia, muitas vezes, numa proteção legal inexistente ou ineficaz.
Outro ponto importante para ser observado são os valores “ínfimos” das
negociações e dos contratos de consumo. Quanto a esta situação, um contrato de
consumo por si só, não produz impacto relevante para a economia de um
determinado estado ou até mesmo de um fornecedor. Geralmente estes pequenos
valores dificultam o acesso à justiça, reprimindo o consumidor a despender custos
exagerados para poder acessar judicialmente um fornecedor internacional.
24 MARQUES, Cláudia Lima. A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional Privado: da necessidade de uma Convenção Interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo. São Paulo: RT, 2002.
23
4.2 – Da realidade dos consumidores Internacionais.
A evolução da proteção do consumidor no Brasil e nos países americanos
apontou até pouco tempo atrás para questões eminentemente internas, visto que às
relações de consumo eram restritas ao âmbito nacional, não se levava em
consideração os fatores internacionais, entretanto tais relações se modificaram. Hoje
alguns fatores de interação do mercado consumerista apontam para uma vocação
internacional para a proteção dos direitos do consumidor, haja vista, a abertura do
mercado nacional aos produtos estrangeiros, a facilidade de transportes, a evolução
dos meios de comunicação e o comércio eletrônico. Hoje não é mais necessário
estar em trânsito internacional para celebrar um contrato de consumo com um
fornecedor estrangeiro, no dia-dia do consumidor esta possibilidade está mais viva
do que nunca, a publicidade global em massa é uma realidade a qual não se pode
negar.
Hoje a figura do importador não é mais necessária para que o brasileiro possa
adquirir bens de consumo importados, agora de dentro de casa já é possível através
do telefone, televisão ou internet se fazer valer deste consumo sem fronteiras. Para
isso, o consumidor transfere sua confiança para oferta e a qualidade do produto ou
serviço anunciado, bem como para a honestidade do fornecedor com quem negocia.
Por sua vez, em razão desta cessão de confiança, o consumidor tem a expectativa
de que o bem ou serviço adquirido seja entregue em prazo razoável, com boa
qualidade, que não apresente defeitos ou mesmo que os tenha que haja alguma
garantia para a solução de qualquer problema.
Outro aspecto do consumo internacional a ser observado é o próprio consumo
oriundo da circulação de turistas brasileiros, que cada vez mais se deslocam para o
estrangeiro. Hoje, o turismo de consumo já é uma realidade, organizado pelos
próprios fornecedores, que cativam os consumidores por meio de ações direitas. A
proteção ao consumidor-turista é uma necessidade que o ordenamento nacional
ainda não supriu de forma consolidada.
Feitas as observações acima, devemo-nos fazer o seguinte questionamento:
qual é o tipo de proteção que estes consumidores internacionais brasileiros
possuem? Como estes podem exercer seus direitos frente a um fornecedor situado
no estrangeiro? Que tipo de direitos são inerentes a estes consumidores?
24
A realidade é que o Brasil, assim como na maioria dos países das Américas, possui
leis nacionais de proteção ao consumidor e normas de direito comercial que tratam
desta matéria, consumo internacional, de maneira perfunctória e raramente inserem
em seu bojo normas de direito internacional Privado que tenham como fim específico
esta tutela. Desta forma a proteção dos contratantes internacionais frente aos fatos e
vícios do produto, dos turistas e dos que são o alvo das publicidades de fato não é
eficaz.
4.3 – Da ineficácia das normas atuais de Direito Internacional Privado
(DIPr).
Da observação dos mercados internacionais, é interessante perceber que os
países globalizados sempre foram capazes de chegar num consenso sobre as
necessidades normativas, para estruturarem uma base para o comércio
internacional de produtos e serviços entre comerciantes profissionais, ou seja,
empresas x empresas.
Em atenção à proteção do consumidor pessoa-física, destinatário final de
produtos e serviços, até o momento não houve grandes evoluções na edição de
normas protetivas de DIPr. Essa lacuna normativa provavelmente permanece devido
a interesses políticos oriundos da desigualdade existente entre os países de
economia de primeiro mundo e os países de economia emergente. Fica claro que
não é de interesse para os grandes mercados produtores, que as mesmas normas
de alto grau de proteção ao consumidor existentes em sua economia, sejam
estendidas aos países de terceiro mundo, pois as mesmas representariam
“barreiras” ao livre comércio. A maioria das bases normativas construídas para o
comércio internacional tem por base o equilíbrio entre os contratantes profissionais,
tendo por base a autonomia de vontade entre os mesmos para disporem de
condições como a norma aplicável à relação, o local da execução do contrato.
Ocorre que, na prática de relações internacionais de comércio que envolve
consumidores pessoa-física, o dito equilíbrio entre os contraentes não existe. É
necessário, portanto, que sejam elaboradas normas específicas de DIPr para a
proteção de consumidores pessoa-física. A prevalência da lei material local, lex fori,
25
pelo caráter de ordem pública, não é suficiente para sanar todos os conflitos
existentes sobre a temática, basear a proteção do consumidor em critério
territorialista não é a solução mais adequadas aos dias atuais. O critério territorialista
não é capaz de promover harmonia entre as decisões judiciais, pois nunca será
suficiente para proteger os consumidores nacionais que contratam
internacionalmente, por via da internet ou telefone, e também deixa desamparado o
consumidor turista, que geralmente ficaram alienados aos seus direitos e garantias
pelo provável desconhecimento da lex fori. Em observação à opção da Comunidade
Européia para regulamentar os conflitos regionais de consumo, CLAUDIA LIMA
MARQUES aponta para o desenvolvimento de um standard mínimo25, orientado pelo
o que a mesma denomina como ”...igualdade implícita dos ordenamentos jurídicos,
das leis protetivas dos consumidores...”26. Explica a autora, que deve haver uma
flexibilidade no momento de se aplicar a lex fori para o caso concreto visto que em
alguns momentos a lei do outro país poderá ser mais benéfica ao consumidor que a
lei local.
Por óbvio, a determinação da lei mais benéfica ao consumidor não é das
tarefas mais fáceis, posto que tal regra de conexão pré-supõe a análise da aplicação
ficta destas variadas normas e seus possíveis efeitos para o consumidor, contudo, é
nítido que opção territorialista fornece uma proteção vulnerável pelas fortes barreiras
impostas ao consumidor para litigar internacionalmente. Em virtude do anterior
suscitado, e pela própria natureza desequilibrada da relação de consumo, temos o
direcionamento para a propositura de um DIPr imperativo para todos o Estados que
possam ser membros de uma futura convenção Interamericana de Direitos do
consumidor.
No exemplo brasileiro, podemos observar a superação das normas contidas
na LICC de 1942, quais sejam o Art. 9° §§ 1° e 2°, que ao dispor sobre as regras de
determinação de foro instam em apontar para a competência do lugar da residência
do fornecedor. No caso dos contratos de consumo teríamos como ideal uma regra
diferente, que determinasse uma conexão mais favorável ao consumidor.
Por fim, observado as atuais normas de DIPr e as opções regionais dos
Estados pela aplicação da lex fori, podemos fazer a seguinte conclusão: este atual
25 MARQUES, Cláudia Lima. A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional Privado: da necessidade de uma Convenção Interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo. São Paulo: RT, 200226 ) idem
26
modelo é insuficiente para a proteção do consumidor, na medida que apresenta
duas grandes falhas: afastamento da proteção do consumidor turista e desproteção
do consumidor que contrata internacionalmente dentro de seu país quando o foro de
sua demanda for em país estrangeiro. Conquanto à primeira falha, esta surge
quando o consumidor turista retorna para seu país, visto que sua proteção viria de
uma pressuposição de direito externo. Neste caso, porém, os elementos de conexão
utilizados nos países Americanos são o da autonomia da vontade, ou o lugar da
execução ou o lugar da residência do proponente, que geralmente são inseridas nos
contratos pelos fornecedores e levariam assim a aplicação da lei estrangeira. No
tocante à segunda falha, quando o foro da demanda for o país estrangeiro, teremos
o afastamento da apreciação da demanda pela jurisdição do país do consumidor.
4.4 – A atual proteção do consumidor pelo ordenamento brasileiro.
Pela observação do CDC, temos que o mesmo não possui normas
específicas para a proteção do consumidor internacional, contudo, a doutrina e a
jurisprudência nacional têm atuado de maneira criativa, através de uma
interpretação teleológica da Lei 8078/90, de forma a suprir tais lacunas, buscando
sempre equilibrar a balança da relação entre o consumidor e o fornecedor.
Atualmente, em decisão de grande repercussão, o STJ visando ampliar a
proteção do consumidor, condenou a Empresa Panasonic do Brasil LTDA a
responder pelos vícios em produto, não comercializado no Brasil, adquirido por
consumidor brasileiro no estrangeiro, produzido pela Panasonic americana.
EMENTA27
DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA (“PANASONIC”). ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA.
I - Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do
27 Vide, inteiro teor Anexo I.
27
equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País.
II - O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje "bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.
III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos.
IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes.
V - Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos
(RESP 63.981-SP em 11 de Abril de 2000 – Relator Min. Salvio de Figueiredo Teixeira. Publicado em www.stj.gov.br)
Observa-se que no caso, a empresa brasileira ré possui personalidade
jurídica adversa da empresa norte-americana, contudo em razão de uma justificativa
econômica estabelece-se a ligação entre as duas empresas. A fundamentação para
a decisão encontra-se na marca do produto, “PANASONIC”, e o vulto mundial que a
mesma representa em termos de qualidade, segurança e solidez e que por estes
fatores entende-se que ambas as empresas sairiam beneficiadas economicamente,
recaindo sobre ambas a responsabilização frente ao consumidor.
Esta decisão do STJ proporciona para o consumidor brasileiro uma
ferramenta muito útil para que o mesmo possa sustentar a propositura de demandas
em seu domicílio, em virtude do Art. 101, I do CDC, contra pessoa jurídica nacional
que esteja inserida em grupo econômico estrangeiro, para resolver demandas
contraídas na posição de consumidor turista, evitando assim que o mesmo tenha
que contrair demanda litigiosa no estrangeiro. Facilita-se assim o acesso do
consumidor à justiça e consequentemente o acesso a uma decisão justa.
Cumpre ressaltar, apesar de tudo, que no referido acórdão, e em outras
decisões no mesmo sentido28, não houve exame da jurisdição internacional da
28 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis: Mercadoria adquirida com defeito ostentando marca de multinacional que opera no Brasil através de empresa controlada. Vício do
28
justiça brasileira, mas sim à atribuição de legitimidade ad causam do fornecedor
nacional.
No tocante à jurisdição Internacional da jurisdição brasileira, não existe
nenhuma norma específica no CPC de 1973 que garanta privilégio de foro ao
consumidor em litígio internacional. A proposta doutrinária atual remete-se ao
Art.101, inc. I do CDC, que fixa a competência do foro do domicílio do consumidor
para litígios em este for parte, cabendo tal regra inclusive para litígios internacionais.
A regra de ordem pública contida neste dispositivo não se limitaria pelas disposições
sobre a jurisdição internacional prevista no Código de Processo Civil, sob a alegação
que a Lei 8.078 de 1990 constitui um microssistema protetivo específico com regras
especiais que não se sujeitariam ao regime geral. Outro fundamento a favor da
extensão das normas de competência interna para as lacunas de competência
internacional é o tratamento diferenciado que o legislador confere aos litigantes
vulneráveis, a título de exemplo temos o Art. 100, inc. II do CPC, que beneficia o
alimentando com foro privilegiado. Ressalta-se, contudo, que tal posicionamento
não é pacífico em nosso ordenamento, tratando-se ainda de matéria controversa na
doutrina.
4.5 – As perspectivas para o aprimoramento da defesa internacional.
4.5.1 – Legislação nacional sobre a Competência Internacional.
Atualmente o Ministério da Justiça brasileiro discute a possibilidade de incluir
um Inciso IV, no Art. 88 do CPC. Tal inciso em seu item “b”29, determinaria a regra de
competência da autoridade da jurisdição brasileira em razão do domicílio do
consumidor nos conflitos internacionais de consumo.
Pela vulnerabilidade do consumidor, outros ordenamentos jurídicos como o
da Comunidade Européia, têm entendido pela opção do domicílio habitual do
produto. Responsabilidade objetiva a teor da regra expressa do artigo 28, parágrafos 2o e 3o do CDC. Artifícios societários direcionados a subtrair o direito do consumidor. Dano moral com ênfase no caráter pedagógico, sopesando particularmente a situação econômica da ré, de modo a desencorajar a reiteração. Voto vencido que enfoca com precisão a essência da questão controvertida. Dá-se provimento aos embargos infringentes para prevalecer os termos do voto vencido (Processo n. 98.001.020.871-0; AC n. 2000.001.17098; Embargos Infringentes 2001.005.00654; 15a Câmara Cível.).29 O art. 94 do Anteprojeto de Lei de Cooperação Jurídica Internacional previa a inclusão de um inciso IV, letra “b”, no art. 88 do Código de Processo Civil 74 Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n. 42, p. 59-76, jul./set. 2008
29
consumidor como o foro competente para a resolução dos conflitos de consumo. A
existência de um foro favorável para o consumidor justifica-se pela facilitação do
acesso à justiça, visto que a respectiva ausência do mesmo seria causa de
impedimento para a propositura das demandas.
De forma critica a esta proposta, Eduardo Antônio Klausner, considera
equivocado tratar as competências internacionais de consumo como competências
concorrentes como no caso do Art. 88 do CPC, visto que sobre esta perspectiva o
legislador brasileiro estaria reconhecendo a competência do estado estrangeiro para
poder processar e julgar demandas de consumo internacional que envolva
consumidor brasileiro. Neste sentido conclui e sugere KLAUNNER:
Inserir um inciso sobre competência internacional brasileira em matéria de relações de consumo no art. 88 do CPC é admitir que a Justiça de outro Estado seja também competente para processar e julgar a demanda de consumo internacional envolvendo consumidor brasileiro, e implicar em homologação da sentença judiciária estrangeira no Brasil, dando-lhe reconhecimento, eficácia e executividade. O consumidor, sendo a parte débil da relação de consumo internacional, não pode ser eventualmente obrigado a se submeter a processo e julgamento no estrangeiro. Os tribunais brasileiros, como esclarecido anteriormente ao discorrer sobre a competência internacional do foro do domicílio do consumidor, são unísso-nos em determinar o foro de domicilio do consumidor como o absolutamente competente para demandas de consumo, só admitindo outro foro competente se favorável ao consumidor. Na lide internacional, dificilmente um foro situado no estrangeiro será favorável ao consumidor. Assim sendo, sugere-se que a determinação da jurisdição internacional brasileira em matéria de demandas internacionais de consumo se faça por inserção de um novo inciso no art. 89 do CPC, artigo que prevê a competência internacional exclusiva da autoridade judiciária brasileira sobre as matérias que arrola. (grifo nosso)30
4.5.2 – Proposta brasileira para convenção internacional de consumo.
30 KLAUSNER, Eduardo Antônio. Perspectivas para a proteção do consumidor brasileiro nas relações internacionais de consumo. Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n. 42, p. 66, jul./set. 2008
30
O Brasil apresentou uma proposta de convenção (CP/CAJP-2094/03 add.3-
a)31, de autoria de CLAUDIA LIMA MARQUES32, sobre a escolha do direito aplicável
nas relações de consumo interamericanas, que prevê regras específicas sobre a
definição de consumidor e que define a competência nos contratos de consumo
internacional, que deverão ser regidos pela lei do país do domicílio do consumidor
ou pela lei mais favorável. A proposta brasileira ainda faz menção a determinados
tipos de contratos peculiares como os de Turismo e timesharing.
A proposta elaborada pela ilustre doutrinadora refinou em seu texto, normas
de DIPr já consagradas de diversas fontes, junto com os princípios determinantes de
direito do consumidor, já consolidados nos mais variados ordenamentos nacionais,
com o fulcro de aproveitar as variadas experiência positivas nesta seara para
elaborar um sistema sólido para a proteção do consumidor interamericano. Todos
estes fundamentos condensam-se no corpo de uma Convenção curta, sem margens
para interpretações, que visa propiciar um substrato para unificar as decisões dos
tribunais dos Estados membros e garantir a segurança dos consumidores.
Numa descrição breve, o texto compõe-se por sete artigos divididos nos
seguintes temas:
Título I – Regras Gerais: Campo de Aplicação
1° - Definição de Consumidor
2° - Proteção Contratual Geral
3° - Normas Imperativas
4° - Cláusula Escapatória
5° - Temas Excluídos
Título II – Proteção em situações específicas
6° - Contratos de viagem e turismo
7° - Contratos de multipropriedade ou timesharing
4.5.3 – A arbitragem como uma alternativa.
31 Inteiro teor , anexo II 32 Disponível no site da OEA, ou com comentários na obra de Marques (2004)
31
A arbitragem tem se apresentado como uma alternativa para a solução de
conflitos judiciais, apesar de no Brasil a mesma não tenha ganhado grandes
proporções. Internacionalmente tem sido largamente utilizada nas relações
comerciais. Algumas discussões têm sido travadas doutrinariamente acerca do tema
e da possibilidade de se adotar tal método para a solução dos conflitos decorrentes
das relações de consumo.
Sempre a frente sobre a temática, CLAUDIA LIMA MARQUES33 adota posição
negativa conquanto a esta possibilidade, por entender pela violação da proteção e
do direito do consumidor ao conduzi-lo a resolver seu litígio em órgão de arbitragem,
que normalmente seriam mantidos por representantes de fornecedores,
comprometendo desta forma a imparcialidade. O próprio CDC, em seu art. 51, VII,
vedou por completa a arbitragem ao consumidor, “Art. 51 – São nulas de pleno
direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que:... VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; ...".
Contudo diante do Art. 4°, § 2°34, da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996),
alguns doutrinadores entendem pela derrogação do dispositivo supramencionado do
CDC à justificativa de que seria lei específica que dispõe sobre a arbitragem
plenamente aplicável aos contratos de consumo. Fundamentam ainda tal
posicionamento com uma interpretação literal do inciso VII do Art. 51 do CDC, ao
afirmarem que o mesmo só vedaria as cláusulas compulsórias de utilização do juízo
de arbitragem. Cumpre ressaltar que não existe atualmente no ordenamento
nacional uma unanimidade acerca da aplicação da arbitragem nos conflitos de
consumo.
No tocante à Arbitragem para a solução de conflitos de consumo
internacional, podemos observar algumas experiências sobre a temática. Na
Comunidade Européia, uma das alternativas propostas para fomentar o comércio
entre os Estados membros e também efetivar a tutela dos consumidores
internacionais daquela organização de direito internacional foi a implementação de
33 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor.4a ed São Paulo:RT,2002.34 "Art. 4o. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. § 2o. Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula."
32
organismos de cooperação judiciária, que contam com a participação de
associações de profissionais e consumidores dedicados a meios pacíficos de
solução das demandas, como a mediação e a arbitragem. Institui-se para tanto por
via de recomendação 98/257/CE35 a criação de uma rede comunitária de instituições
dedicadas a arbitragem de consumo, EEJ-Net36. Em atenção aos demais
ordenamentos, temos que nos EUA existem estudos que apontam para a criação de
um sistema extrajudicial para a resolução dos conflitos de consumo, já no
MERCOSUL não possui muitos adeptos.
Por fim, à Arbitragem internacional pode chegar a representar um meio
rápido, efetivo e de baixo custo para a solução de conflitos de consumo, nos moldes
dos dispositivos propostos pela Comunidade Européia. No Brasil para que a
arbitragem possa a ser implantada ainda é necessária uma modificação de postura
do ordenamento jurídico como um todo, não só por aqueles que são contra este
dispositivo, mas também por aqueles que se tornaram seus usuários e aplicadores.
35 CONSELHO EUROPEU, Resolução 2000/C 155/01, de 25.05.2000. Informação obtida em 24/10/02, in www.europa.eu.int/scadplus/leg/36 Esta rede se caracteriza por permitir que um consumidor de um Estado-membro, diante de uma lide decorrente de um contrato de consumo, possa apresentar sua reclamação a um organismo de arbitragem situado em seu domicílio e devidamente credenciado a participar da rede, e esta instituição então remeterá a reclamação através das Clearing Houses situadas em cada Estado a um organismo de arbitragem situado no domicílio do fornecedor, que instalará o procedimento arbitral, mesmo sem a presença do consumidor, que poderá ser representado ou assistido por terceira pessoa, onde será julgado o conflito, e depois executado, sem burocracia ou custo.
33
5 – A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL:
UMA JUSTIFICATIVA PARA INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS E
CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE CONSUMO.
A idéia dos direitos humanos tem por objetivo afirmar a dignidade do homem
frente todas as formas de dominação, exclusão e opressão, ressalvando a posição
do indivíduo em face das arbitrariedades, assegurando assim sua efetiva
participação na vida comunitária. Como já é notório para todo Estudioso do Direito, o
reconhecimento destes direitos básicos implicam na existência de um padrão
mínimo de comportamento a ser observado em respeito ao próximo. Os Direitos
humanos são vinculados ao bem comum, atinge a todo e qualquer indivíduo contra
todo e qualquer tipo de opressão, inclusive às de ordem material.
As constituições nacionais dos Estados modernos positivaram estes direitos,
concedendo aos mesmos um nível maior de garantia essencial, posto que sem a
este caráter constitucional tais direitos não passariam de aspirações sociais. Hoje,
estes direitos fundamentais são classificados pela doutrina como direitos de
primeira, segunda, terceira e quarta dimensões37. A proteção ao consumidor estaria
hoje inserida dentro destes direitos ditos de terceira dimensão, ou direitos de
solidariedade.
Conforme o já supra mencionado, Cap. 3, a partir da resolução n° 39/248 de
1985, muitos países do mundo passaram a dar um tratamento especial à proteção
dos consumidores. A CRFB de 1988 consagrou em seu Art. 5° XXXII a defesa do
consumidor como garantia fundamental, entregando ao estado a obrigação de
promover a proteção do consumidor. O art. 170, V, da CF/1988 também
implementou a política nacional de consumo, contudo, a proteção do consumidor só
ganhou contornos mais bem delineados com a promulgação do CDC, Lei 8.078 de
1990.
Seguindo por esta esteira, tendo a proteção do consumidor como direito
fundamental, já declarado pela ONU e reconhecido pelos membros do MERCOSUL,
insta salientar pela necessidade de internalizar as normas de DIPr, avençadas em
37 Note que a terminologia "direitos de primeira, segunda e terceira gerações" é duramente criticada por diversos autores já que estes direitos se completam, se expandem, se acumulam e não se substituem ou se sucedem.
34
tratados e convenções internacionais de direitos humanos para que possamos
promover a maior proteção dos direito do consumidor no âmbito internacional. Com
a promulgação da Emenda Constitucional n° 45/2004, em seu § 3°, temos a hipótese
de que os tratados e convenções internacionais que forem aprovadas em dois turnos
por 3/5 dos votos dos respectivos componentes de cada casa, serão erigidos ao
caráter de emenda constitucional.
O Art. 7° do CDC, ainda traz como cláusula aberta a hipótese de aplicação
subsidiária das normas previstas em tratados e convenções internacionais em que o
Brasil seja signatário, logo percebemos que o legislador ao editar tais dispositivos
colocou o ordenamento brasileiro em posição de cooperador e cumpridor dos
compromissos internacionais celebrados.
Isto posto, fica evidente que frente às novas demandas enfrentadas pelo
ordenamento brasileiro no âmbito do consumo internacional, que a alternativa lógica
para a solução destes conflitos figura-se na colaboração internacional, num primeiro
momento numa colaboração regional, assim como a praticada pela Comunidade
Européia. Por isso remanesce a importância da incorporação pelo ordenamento
brasileiro destas normas de direito fundamentais. Desta forma, para finalizar, temos
que a elaboração de um DIPr regional que trate das relações internacionais de
consumo é o primeiro ponto a ser considerado para qualificar as perspectivas de
evolução das normas protetivas do consumidor.
35
CONCLUSÃO.
A presente monografia teve como objetivo principal delinear a evolução da
proteção do consumidor, passando pelos ideais liberalistas até a atual e moderna
proteção material do consumidor desenvolvida pelos Estados de direito. Destaca-se
o enfoque especial ao ordenamento jurídico brasileiro, a fim de promovermos uma
análise crítica a atual condição de proteção do consumidor brasileiro em âmbito
internacional frente a esta nova ordem do consumo sem fronteiras.
Após todas as considerações feitas nos tópicos deste trabalho, concluo que
atualmente, a tutela do consumidor brasileiro se restringe às possibilidades de
alcançar os fornecedores estrangeiros pela jurisdição nacional, hipótese em que
geralmente os fornecedores estão ligados por um grupo empresário ou controlam
sucursais em território brasileiro. Nas hipóteses em que o consumidor não tiver este
acesso aos fornecedores, será o mesmo obrigado a se valer dos mecanismos
processuais vigentes, como a cartas rogatórias, ou enfrentar a demanda no
estrangeiro.
Em âmbito nacional cabe ao legislador editar uma norma de competência
relativa ao consumidor internacional, que seja capaz atrair para a jurisdição nacional
toda lide que tenha como parte um consumidor brasileiro.
A arbitragem demonstra-se como um meio paliativo para a efetivação da
tutela do consumidor no âmbito internacional, mais ainda sim não se demonstra,
após essa breve análise, como meio adequado para depositarmos nossos esforços
quanto a tutela do consumidor internacional. A evolução da proteção do consumidor
em âmbito internacional, tende pelo desenvolvimento de normas de Direito
Internacional Privado, que disponham sobre instrumentos processuais internacionais
em tratados que visem facilitar o acesso do consumidor litigante à justiça e aos
provimentos justos. A elaboração de regras de competência internacional que optem
pelo domicilio do consumidor ou pela lei mais benéfica são as principais alternativas
em discussão no momento. Observamos, portanto, que a proposta interamericana
de Convenção internacional de direitos do Consumidor proposta pela comissão
capitaneada por CLÁUDIA LIMA MARQUES, demonstra-se sólida e apta a garantir a
proteção do consumidor interamericano, no entanto entendemos pela necessidade
da inclusão no tópico das cláusulas gerais da proposta de convenção CIDIP, a
36
inclusão de um artigo que se remeta às práticas publicitárias e suas restrições, visto
que no mundo do comércio sem fronteira a comunicação e a propaganda são os
arautos das práticas que ferem o direito do consumidor.
Finalmente, podemos afirma que apesar das falhas observadas na atualidade,
o Direito como fenômeno dinâmico que é já começou, assim como em meados do
XX, a se transformar para garantir a proteção dos consumidores internacionais.
Precisamos agora, portanto, dar seguimento a este estudo para podermos colocar o
consumidor brasileiro em igualdade de armas frente ao mercado de consumo
globalizado.
37
ABREU, Paula Santos. A Globalização e a proteção do consumidor como direito
fundamental. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v.
2, n. 1, p. 5-19, jan./jun. 2005.
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MARQUES, Cláudia Lima . Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo
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————— A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito
Internacional Privado: da necessidade de uma Convenção Interamericana (CIDIP)
sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo. São Paulo: RT,
2002.
38
————— BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe – Manual de
Direito do Consumidor, 2° Edição – 2009 – Revista dos tribunais.
OEA, CP/CAJP-2094/03 add.3-a, consultada em 27 de Abrilde 2010. In:
www.oas.org
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RIZZATTO NUNES, Luis Antônio. Comentários ao Código de Defesa do
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39
ANEXO I - RECURSO ESPECIAL Nº 63.981 - SP (1995/0018349-8)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 63.981 - SP (1995/0018349-8)
RELATOR
RELATOR P/ ACORDÃO
RECTE
ADVOGADO
RECDO
ADVOGADOS
: MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR
: MIN. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA
: PLÍNIO GUSTAVO PRADO GARCIA
: PLÍNIO GUSTAVO PRADO GARCIA (EM CAUSA
PRÓPRIA)
: PANASONIC DO BRASIL LTDA
: CARMEM LAIZE COELHO MONTEIRO E OUTROS
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO
EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA
EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA (“PANASONIC”).
ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A
PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO
ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE
FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO
MÉRITO, POR MAIORIA.
I - Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e
estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de
proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na
busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas,
dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade
do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala
internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais,
com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo
40
processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor
que representa o nosso País.
II - O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje
"bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a
induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de
procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores,
dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.
III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas
mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas
deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo
razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos
negócios envolvendo objetos defeituosos.
IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as
situações existentes.
V - Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou
nos autos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento,
acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do
recurso e dar-lhe provimento, vencidos os Ministros Relator e Barros Monteiro.
Votaram com o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira os Ministros César Asfor
Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 11 de abril de 2000 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR. Presidente
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Relator p/ Acórdão
41
RECURSO ESPECIAL Nº 63.981 - SP
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JÚNIOR: - Inicio por
aproveitar o relatório que integra o acórdão recorrido, litteris (fl. 133):
"Apelação interposta por Plínio Gustavo Prado Garcia, postulando em causa própria, visando a reforma da r. decisão de fls. 93/95, a qual julgou extinto o processo com fundamento no artigo 267, VI do CPC, e que o condenou ao pagamento das custas, despesas do processo e honorários, fixados em 10% sobre o valor da causa.
Aduziu, em suas razões recursais, que as preliminares argüidas se confundem com o mérito, além do que há nulidade da sentença, pela ausência de relatório (sua parte essencial). Mo mérito, afirma que a apelada, Panasonic do Brasil Ltda, deve ser responsabilizada pela qualidade do produto que, por ele, foi adquirido em outro país, para efeitos de sua garantia.
Contra-arrazoados, subiram os autos e, por v. acórdão proferido pela Colenda 5ª Câmara Especial de Julho de 1994 do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, os autos foram remetidos a este Egrégio Tribunal.”
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento à apelação,
entendendo que não estava obrigada a Panasonic do Brasil Ltda. a emprestar
garantia a produto produzido e comercializado pela matriz ou filiais no exterior (fls.
136/140).
Inconformado, o autor interpõe recurso especial com base na letra “a” da
Constituição Federal, alegando, em síntese, que a empresa ré deve se
responsabilizar por defeito de equipamento adquirido em Miami, Estados Unidos da
América, porque integra a multinacional com sede em Osaka, Japão, e que, por
produzir produtos da mesma marca, colabora indiretamente com a venda dos
produtos em terras alienígenas. Diz que se auferem lucros mundialmente, a garantia
também deve ser global.
Aduz o recorrente que a decisão contraria os arts. 3º, 6º, IV, 28, parágrafo 5º
do Código de Defesa do Consumidor, por não reconhecer os direitos fundamentais
alusivos ao adquirente da mercadoria, parte mais fraca na relação de consumo.
Afirma, ainda, que a sentença monocrática é nula, pois deixou de considerar
os aspectos apontados na exordial relativamente aos direitos do consumidor, tais
como a caracterização de conglomerado multinacional, a conceituação de
fornecedor, e à interpretação não restritiva da expressão "colocar o produto no
mercado" prevista no art. 12, parágrafo 3º, I, do CDC, de sorte que a omissão,
desconsiderada pela Corte a quo, importou em ofensa ao art. 458, I e II, do CPC.
42
Contra-razões às fls. 161/171, sustentando, preliminarmente, a falta de
prequestionamento. Acrescenta que a ação deveria ter sido promovida perante a
Justiça Norte-Americana, contra a empresa vendedora, e não contra a ré, que não
participou da produção, venda e nem assegurou garantia ao produto. Afirma que
apesar de vinculadas à mesma matriz, no Japão, tanto a Panasonic Americana
como a Brasileira, ora recorrida, são empresas distintas, que elaboram mercadorias
próprias, prestando, cada qual, a sua garantia de forma independente. Salienta,
mais, que não se enquadra no conceito de fornecedor previsto no art. 3º do CDC,
ressaltando que, segundo admite o recorrente, a câmara por ele comprada no
exterior era um produto recém lançado, que não tinha similar no Brasil. Esclarece
que não houve publicidade enganosa, posto que ao divulgar a marca Panasonic ela
o faz referentemente aos produtos que fabrica em território nacional, e que sendo o
contrato firmado com o fabricante estrangeiro, inclusive em língua inglesa, é
evidente que não pode extrapolar aquele território, referindo-se ao disposto no art.
12, parágrafo 3º, I, do CDC, que exonera a ré quando não haja colocado o produto
no mercado. Também assere que não se configura o grupo empresarial do art. 28,
parágrafo 5º, do CDC, à míngua de inexistência de registro de "contrato de controle"
na Junta Comercial.
O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho
presidencial de fls. 173/175.
É o relatório.
02.12.99/4ª Turma
43
RECURSO ESPECIAL Nº 63.981 - SP
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JÚNIOR (RELATOR): -
Como visto do relatório, trata-se de ação ordinária em que se discute o direito do
autor, que adquiriu uma máquina filmadora, marca Panasonic, em Miami, Estados
Unidos da América, que mais tarde veio a se apresentar defeituosa, tê-la reparada
pela Panasonic do Brasil Ltda, em face da garantia dada na venda do produto pela
empresa americana.
O recurso especial foi aviado pela letra "a" do permissivo constitucional,
alegando-se contrariedade ao art. 458, I e II, da lei adjetiva civil, porque o acórdão
teria chancelado sentença nula, bem assim aos arts. 3º, 6º, IV, 28, parágrafo 5º do
Código de Defesa do Consumidor.
As questões foram abordadas pelo Tribunal a quo, de sorte que satisfeito
está o pressuposto do prequestionamento.
O voto condutor do acórdão, relatado pelo eminente Desembargador Toledo
César, diz o seguinte (fls. 136/139):
"O autor, que milita em causa própria, em uma viagem aos Estados Unidos, América do Norte, adquiriu uma câmera de vídeo, descrita na petição inicial, da marca Panasonic, com garantia contratual de um ano e que teria apresentado defeito de fabricação.
Imputando à ré um caráter de subsidiariedade com a fabricante, busca o necessário ressarcimento, mas o douto magistrado julgou extinto o processo por considerar a ré parte ilegítima para responder por aqueles danos.
Ainda que a sentença tenha sido bastante lacônica, em termos de relatório, há que se atentar para o fato de que se trata de decisão extintiva do feito e que, nos termos do artigo 459 do CPC, poderá adotar uma forma concisa.
A única omissão foi exatamente do resumo da petição inicial, o que não vem em prejuízo ao autor.
No mais, a matéria preliminar, mesmo, confunde-se com o mérito e a ela estava restrita, inexistindo qualquer nulidade a ser declarada.
Quanto ao apelo, em si, também merece confirmação a respeitável sentença, porque, ainda que a ré passa ser uma empresa subsidiária da fabricante do produto, ou similar àquela que o colocou no mercado, há que se considerar que são personalidades jurídicas distintas, que atuam no comércio internacional, sem qualquer liame por uma responsabilidade subsidiária, como a pretendida pelo autor, ainda que habilmente numa indevida extensão, não só de um pretendido direito constitucional, como de uma proteção do Código de Defesa do Consumidor.
A distinção entre pessoas jurídicas é essencial para a caracterização ou descaracterização de um direito contra uma delas, não arcando a congênere com a responsabilidade pelos atos praticados por outra.
A fabricante poderá ter, no Brasil ou em qualquer outro país, diversas empresas representantes que comercializem os seus produtos, mas, para a responsabilização derivada do Código de Defesa do Consumidor, há a necessidade de que ela tenha sido a veiculadora do produto, ou tenha praticado qualquer dos atos previstos nos artigos 18 e seguintes da Lei 8.078, de 11/09/90.
44
A contrariu sensu, responde sempre a fabricante, juntamente com o comerciante que proporcionou a venda.
Mas o que prepondera para a exclusão da responsabilidade da ré é a redação do artigo 12 da mencionada lei, que coloca como responsáveis 'o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador’.
Em nenhuma dessas hipóteses se insere a pessoa jurídica que, no Brasil, comercializa os bens da fabricante, e, se os fabrica, não serão os mesmos.
Da mesma forma não se caracteriza qualquer das hipóteses do artigo 13, donde não se falar em infração aos artigos 3º, 6º, IV e 28 desse Código, porque a apelada não é fornecedora do bem que teria apresentado o vício, e tem apenas uma relação contratual com fabricante.
Não se poderá dizer que isso ofenda os direitos do consumidor, sequer a então exagerada pretensão da descaracterização da pessoa jurídica, porque a apelada é empresa distinta da fabricante e daquela que vendeu o produto.
Ademais, não foi ela que o colocou no mercado, não se podendo falar em teoria do risco, exatamente por esses mesmos argumentos.
Nos seus comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Arruda e Tereza Alvim elencam todas as hipóteses em que a responsabilidade do artigo 18 ocorre, mas essa solidariedade, 'instituto jurídico previsto no Código de Defesa do Consumidor, será aplicada com os contornos estabelecidos na lei civil’, contornos esses constantes nos artigos 904/915 do CC, bem como no seu artigo 18 (autores citados, 'Código do Consumidor Comentado', RT).
As pessoas jurídicas nascem, vivem e morrem, como as naturais, e como elas têm diversa estrutura de caracterização, e a lei civil não estabelece solidariedade passiva - sequer a novel legislação - entre duas firmas, apenas porque têm o mesmo nome ou o mesmo interesse comercial.
O que prevalece é o fato de caráter objetivo, ou seja, a responsabilidade pela fabricação, pela venda ou veiculação de qualquer tipo de propaganda do bem especificado.
O mundo comercial evolui e oferece diversas faces, em sua constante mutação.Surgem, agora, as franquias, e, adotada a tese do apelante, qualquer delas
poderia responder por atos da outra, o que seria, igualmente, um contrasenso jurídico.Mesmo que se tratasse de um conglomerado multinacional, as pessoas jurídicas
são distintas, e o princípio da objetividade é o mesmo.Em face do exposto, negam provimento ao recurso, para manter a r. sentença,
pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.”
De início, também não identifico nulidade da decisão monocrática, porquanto
a mesma se acha fundamentada, não sendo absolutamente viciada pelo fato de
haver dado à controvérsia exegese diversa daquela pretendida pela parte autora. E,
no tocante ao relatório, conquanto sucinto, tenho que suficiente para atender aos
requisitos processuais, mesmo porque suprido eventual defeito pela parte decisória.
Com relação ao mérito propriamente dito, estou em que o aresto merece
confirmação.
Os dispositivos legais tidos como afrontados são os seguintes, todos do CDC:
"Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . .
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:…
45
IV - a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.”
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . .
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
…§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.
A questão fundamental que surge, é que a mercadoria em discussão -
máquina filmadora - não foi nem comprada no Brasil, nem, tão pouco, de empresa
que a produziu, comercializou ou garantiu.
Trata-se de uma relação de consumo realizada, por inteiro, em Miami,
Estados Unidos da América, em que, circunstancialmente, o autor-recorrente, é
domiciliado no Brasil. Tal fato não serve, entretanto, para estender a garantia para
outro país, especialmente contra empresa diversa, posto que a Panasonic do Brasil
Ltda, ora ré-recorrida, não é a mesma que produziu, comercializou e garantiu o
equipamento, mas, sim, a Panasonic Company (fl. 10).
Como, portanto, aplicar um Código de Defesa do Consumidor brasileiro, a um
negócio feito no exterior, entre uma empresa estrangeira e um turista brasileiro.
Quando um viajante adquire uma mercadoria estrangeira, ele o faz,
usualmente, dentro da sua quota fiscal, sem o pagamento do oneroso imposto de
importação, pelo que o bem sai consideravelmente mais em conta que o produto
nacional. É uma opção que tem, porém também um risco, exatamente o de comprar
um equipamento sem condições de garantia, ou de manutenção dispendiosa.
A atividade da empresa que produz o equipamento no território nacional, a
seu turno, se sujeita ao pagamento de impostos nacionais, notoriamente mais
elevados que os cobrados no exterior, gerando empregos e divisas para o Brasil.
Não há fundamento jurídico portanto, em que, sem qualquer previsão legal ou
contratual, a Panasonic brasileira, que tem determinada linha de produtos, na qual
não se insere o modelo de filmadora em comento, que é exclusivo do mercado
americano (fl. 18), seja responsabilizada pelo reparo do produto em tela.
Imagine-se, aliás, como seria difícil ou impossível a todas as empresas de um
conglomerado, na Europa, Américas do Sul, Central e do Norte, África, etc,
46
manterem estoque de peças e treinamento de pessoal para todo e qualquer produto,
ainda que sua fabricação seja específica de apenas um ou poucos países.
Por exemplo, um modelo de automóvel sofisticado produzido nos Estados
Unidos pela General Motors e importado autonomamente pelo comprador para o
Brasil, teria de ser reparado, gratuitamente, em qualquer concessionária Chevrolet,
inobstante o pessoal não tivesse ferramentaria. ou capacitação para tanto. Uma
fábrica brasileira de televisores, que fosse filial da empresa brasileira ou americana,
teria de reparar uma agenda eletrônica ou batedeira elétrica da mesma marca, ainda
que inteiramente divorciada da sua linha de produtos. E por aí vai...
E o mais grave é que, a prevalecer esse entendimento, todos os produtos
contrabandeados, tais como computadores, vídeos-cassete, toca-fitas, CD players,
DVD, etc., serão automaticamente beneficiados, passando a ser garantidos pelas
empresas brasileiras da mesma marca.
A sentença monocrática observou, inclusive, que os locais indicados para
manutenção do equipamento durante a garantia são situados em cidades e estados
norte-americanos, ratificando a territorialidade da garantia naquele país (fl. 94).
Assim, não tenho que a Lei n. 8.078/90 não alcança a relação de consumo
contratada no exterior, nos termos aqui configurados (sem ressalva contratual em
contrário), inaplicáveis à espécie, por impertinentes ao caso, os arts. 3º e 28,
parágrafo 5º, do citado diploma.
E se aplicável fosse o CDC, a incidência seria da regra do seu art. 12,
parágrafo 3º, inciso I, que reza:
"§ 3º. O fabricante, o construtor, o produtor ou importador
só não será responsabilizado quando provar:
I - QUE NÃO COLOCOU O PRODUTO NO MERCADO;”
Tão pouco há que se falar em propaganda enganosa, visto que divulgar a
marca Panasonic no Brasil, relativamente aos produtos aqui fabricados, não
significa, em hipótese alguma, induzir consumidores brasileiros a imaginar que a
compra de equipamentos Panasonic no exterior estaria coberta por garantia.
No particular, verifica-se que a compra da máquina filmadora se deu em
setembro de 1991, e que antes disso, em março daquele mesmo ano, a empresa ré
47
vinha publicando comunicados nos jornais alertando exatamente para o oposto (cf.
fls. 9, 20/21).
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É como voto.
48
RECURSO ESPECIAL Nº 63.981/SP
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, vou rogar vênia ao
Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira para acompanhar o voto do Sr.
Ministro-Relator, que, penso, examinou exaustivamente a questão ora posta.
Trata-se de um equipamento adquirido no exterior e, portanto, não se cuida
de um produto nacional. E não vejo, tal como S. Exª o Eminente Relator, malferidos
os artigos insertos no Código de Defesa do Consumidor no caso presente.
A fabricante deste aparelho (uma filmadora), sediada no Japão, é uma pessoa
jurídica distinta daquela que está estabelecida no Brasil. E, tal como S. Exª, o
Eminente Relator, mencionou, não é caso de desconsiderar-se a personalidade
jurídica na forma como estabelece a art. 28 da Lei 8.078, de 1990, pois, no caso,
não se pode cogitar de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou
ato ilícito ou violação dos estatutos de contrato social.
E há, ainda, mais um aspecto salientado pelo Eminente Relator de que, no
caso, a ré não colocou o produto no mercado, incidindo, pois, a norma do art. 12, §
3º, do CDC.
Em suma e em conclusão, estou acompanhando inteiramente o Sr.
Ministro-Relator, não conhecendo do recurso.
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RECURSO ESPECIAL Nº 63.981 - SP
V O T O
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:
Ouvi com a merecida atenção a excelente sustentação feita, assim como o
douto voto do Sr. Ministro Relator.
Vou pedir vênia, no entanto, para divergir de S. Exa., sem embargo também
da rica fundamentação do acórdão impugnado.
São respeitabilíssimas as considerações feitas pelo Sr. Ministro Relator, com
a costumeira excelência dos seus votos, que me dispenso de reproduzir porque
acabamos de ouvi-las e integrarão o acórdão, a afastarem a invocada
responsabilidade solidária e a incidência das apontadas normas legais, notadamente
as concernentes ao Código de Defesa do Consumidor.
Em primeiro plano, também não descortino a argüida nulidade do acórdão do
eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, por vulneração do art. 458, CPC. Com efeito,
desse vício não padece o julgado paulista, suficientemente fundamentado.
No mérito, no entanto, tenho para mim que, por estarmos vivendo em uma
nova realidade, imposta pela economia globalizada, temos também presente um
novo quadro jurídico, sendo imprescindível que haja uma interpretação afinada com
essa realidade. Não basta, assim, a proteção calcada em limites internos e em
diplomas legais tradicionais, quando se sabe que o Código brasileiro de proteção ao
consumidor é um dos mais avançados textos legais existentes, diversamente do que
se dá, em regra, com o nosso direito privado positivo tradicional, de que são
exemplos o Código Comercial, de 1.850, e o Código Civil, de 1.916, que em muitos
pontos já não mais se harmonizam com a realidade dos nossos dias.
Destarte, se a economia globalizada não tem fronteiras rígidas e estimula e
favorece a livre concorrência, é preciso que as leis de proteção ao consumidor
ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as
relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à
competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala
internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com sucursais
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em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da
informática e no mercado consumidor que representa o nosso País.
O mercado consumidor, não se pode negar, vê-se hoje "bombardeado" por
intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos levando em linha de
conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.
Dentro dessa moldura, não há como dissociar a imagem da recorrida
"Panasonic do Brasil Ltda" da marca mundialmente conhecida "Panasonic". Logo, se
aquela se beneficia desta, e vice-versa, devem, uma e outra, arcar igualmente com
as conseqüências de eventuais deficiências dos produtos que anunciam e
comercializam, não sendo razoável que seja o consumidor, a parte mais frágil nessa
relação, aquele a suportar as conseqüências negativas da venda feita
irregularmente, porque defeituoso o objeto.
Claro que há, nos casos concretos, situações a ponderar. In casu, todavia, as
circunstâncias favorecem o consumidor, pelo que tenho por violado o direito nacional
invocado, conhecendo do recurso e, com renovada vênia, lhe dando provimento.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Nro. Registro: 1995/0018349-8 RESP 00063981/SP
PAUTA: 02 / 12 / 1999 JULGADO: 02/12/1999
Relator
Exmo. Sr. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR
Subprocurador-Gera1 da República
EXMO. SR. DR. FRANCISCO ADALBERTO NÓBREGA
Secretário (a)
CLÔUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE
AUTUAÇÃO
RECTE : PLINTO GUSTAVO PRADO GARCIA
ADVOGADO : PLINTO GUSTAVO PRADO GARCIA (EM CAUSA
PROPRIA)
RECDO : PANASONIC DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : CARMEM LAIZE COELHO MONTEIRO E OUTROS
SUSTENTAÇÃO ORAL
Sustentou, oralmente, o Dr. Plínio Gustavo Prado Garcia, Recorrente, em
causa própria.
CERTIDÃOCertifico que a egrégia QUARTA TURMA ao apreciar o processo
em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
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Após os votos dos Srs. Ministros Relator e Barras Monteiro, não conhecendo
do recurso, e do Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, conhecendo do recurso e
lhe dando provimento, pediu VISTA o Sr. Ministro César Asfor Rocha.
Aguarda o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
O referido é verdade. Dou fé.
Brasília, 2 de dezembro de 1999
SECRETÁRIO (A)
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RECURSO ESPECIAL Nº 63.981 - SP (95/0018349-8)
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. MERCADORIA ADQUIRIDA NO
EXTERIOR COM DEFEITO. OBRIGAÇÃO DA EMPRESA NACIONAL DA
MESMA MARCA DE REPARAR O DANO.
A realidade atual indica que estamos vivendo em um mundo de
economia globalizada.
As grandes corporações perderam a marca da nacionalidade para se
tornarem empresas mundiais. Saíram de provincianismo e alcançaram a
universalidade.
Pelas peculiaridades da espécie, a Panasonic do Brasil Ltda. responde
pelo defeito de mercadoria da marca Panasonic adquirida no exterior.
Recurso conhecido e provido.
VOTO VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: -
O eminente Ministro Aldir Passarinho Junior assim relatou o feito:
"Inicio por aproveitar o relatório que integra o acórdão recorrido, litteris
(fl. 133):
‘Apelação interposta por Plínio Gustavo Prado Garcia. postulando em causa
própria, visando a reforma da r. decisão de fls. 93/95, a qual julgou extinto o processo
com fundamento no artigo 267, VI do CPC, e que o condenou ao pagamento das custas,
despesas do processo e honorários, fixados em 10% sobre o valor da causa.
Aduziu, em suas razões recursais, que as preliminares argüidas se confundem
com o mérito, além do que há nulidade da sentença, pela ausência de relatório (sua
parte essencial). No mérito, afirma que a apelada, Panasonic do Brasil Ltda, deve ser
responsabilizada pela qualidade do produto que, por ele, foi adquirido em outro país,
para efeitos de sua garantia.
Contra-arrazoados, subiram os autos e, por v. acórdão proferido pela Colenda 5ª
Câmara Especial de Julho de 1994 do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, os autos foram
remetidos a este Egrégio Tribunal’.
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O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento à apelação,
entendendo que não estava obrigada a Panasonic do Brasil Ltda. a emprestar garantia a
produto produzido e comercializado pela matriz ou filiais no exterior (fls. 136/140).
Inconformado, o autor interpõe recurso especial com base na letra "a" da
Constituição Federal, alegando, em síntese, que a empresa ré deve se responsabilizar
por defeito de equipamento adquirido em Miami, Estados Unidos da América, porque
integra a multinacional com sede em Osaka, Japão, e que, por produzir produtos da
mesma marca, colabora indiretamente com a venda dos produtos em terras alienígenas.
Diz que se auferem lucros mundialmente, a garantia também deve ser global.
Aduz a recorrente que a decisão contraria os arts. 3º, 6º, IV, 28, parágrafo 5º do
Código de Defesa do Consumidor, por não reconhecer os direitos fundamentais alusivos
ao adquirente da mercadoria, parte mais fraca na relação de consumo.
Afirma, ainda, que a sentença monocrática é nula, pois deixou de considerar os
aspectos apontados na exordial relativamente aos direitos do consumidor, tais como a
caracterização de conglomerado multinacional, a conceituação de fornecedor, e à
interpretação não restritiva da expressão “colocar o produto no mercado” prevista no art.
12, parágrafo 3º, I, do CDC), de sorte que a omissão, desconsiderada pela Corte a quo,
importou em ofensa ao art. 458, I e II, do CPC.
Contra-razões às fls. 161/171, sustentando, preliminarmente, a falta de
prequestionamento. Acrescenta que a ação deveria ter sido promovida perante a Justiça
Norte-Americana, contra a empresa vendedora, e não contra a ré, que não participou da
produção, venda e nem assegurou garantia ao produto. Afirma que apesar de vinculadas
à mesma matriz, no Japão, tanto a Panasonic Americana como a Brasileira, ora
recorrida, são empresas distintas, que elaboram mercadorias próprias, prestando, cada
qual, a sua garantia de forma independente. Salienta, mais, que não se enquadra no
conceito de fornecedor previsto no art. 3º do CDC, ressaltando que, segundo admite o
recorrente, a câmara por ele comprada no exterior era um produto recém lançado, que
não tinha similar no Brasil. Esclarece que não houve publicidade enganosa, posto que ao
divulgar a marca Panasonic ela o faz referentemente aos produtos que fabrica em
território nacional, e que sendo o contrato firmado com o fabricante estrangeiro, inclusive
em língua inglesa, é evidente que não pode extrapolar aquele território, referindo-se ao
disposto no art. 12, parágrafo 3º, I, do CDC, que exonera a ré quando não haja colocado
o produto no mercado. Também assere que não se configura o grupo empresarial do art.
28, parágrafo 5º, do CDC, à míngua de inexistência de registro de “contrato de controle”
na Junta Comercial.
O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho
presidencial de fls. 173/175”.
Para não conhecer do recurso. Sua Excelência proferiu o seguinte judicioso voto:
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"Como visto do relatório, trata-se de ação ordinária em que se discute o direito
do autor, que adquiriu uma máquina filmadora, marca Panasonic, em Miami, Estados
Unidos da América, que mais tarde veio a se apresentar defeituosa, tê-la reparada pela
Panasonic do Brasil Ltda, em face da garantia dada na venda do produto.
O recurso especial foi aviado pela letra “a” do permissivo constitucional,
alegando-se contrariedade ao art. 458, I e II, da lei adjetiva civil, porque o acórdão teria
chancelado sentença nula, bem assim aos arts. 3º, 6º, IV, 28, parágrafo 5º do Código de
Defesa do Consumidor.
As questões foram abordadas pelo Tribunal a quo, de sorte que satisfeito está o
pressuposto do prequestionamento.
O voto condutor do acórdão, relatado pelo eminente Desembargador Toledo
César, diz o seguinte (fls. 136/139):
‘O autor, que milita em causa própria, em uma viagem aos Estados Unidos,
América do Norte, adquiriu uma câmera de vídeo, descrita na petição inicial, da marca
Panasonic, com garantia contratual de um ano e que teria apresentado defeito de
fabricação.
Imputando à ré um caráter de subsidiariedade com a fabricante, busca o
necessário ressarcimento, mas o douto magistrado julgou extinto o processo por
considerar a ré parte ilegítima para responder por aqueles danos.
Ainda que a sentença tenha sido bastante lacônica, em termos de relatório, há
que se atentar para o fato de que se trata de decisão extintiva do feito e que, nos termos
do artigo 459 do CPC, poderá adotar uma forma concisa.
A única omissão foi exatamente do resumo da petição inicial, o que não vem em
prejuízo ao autor.
No mais, a matéria preliminar, mesmo, confunde-se com o mérito e a ela estava
restrita, inexistindo qualquer nulidade a ser declarada.
Quanto ao apelo, em si, também merece confirmação a respeitável sentença,
porque, ainda que a ré possa ser uma empresa subsidiária da fabricante do produto, ou
similar àquela que o colocou no mercado, há que se considerar que são personalidades
jurídicas distintas, que atuam no comércio internacional, sem qualquer liame por uma
responsabilidade subsidiária, como a pretendida pelo autor, ainda que habilmente numa
indevida extensão, não só de um pretendido direito constitucional, como de uma
proteção do Código de Defesa do Consumidor.
A distinção entre pessoas jurídicas é essencial para a caracterização ou
descaracterização de um direito contra uma delas, não arcando a congênere com a
responsabilidade pelos atos praticados por outra.
A fabricante poderá ter, no Brasil ou em qualquer outro país, diversas empresas
representantes que comercializem os seus produtos, mas, para a responsabilização
derivada do Código de Defesa do Consumidor, há a necessidade de que ela tenha sido a
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veiculadora do produto, ou tenha praticado qualquer dos atos previstos nos artigos 18 e
seguintes da Lei 8.078, de 11/09/90.
A contrariu sensu, responde sempre a fabricante, juntamente com o
comerciante que proporcionou a venda.
Mas o que prepondera para a exclusão da responsabilidade da ré é a redação do
artigo 12 da mencionada lei, que coloca como responsáveis ‘o fabricante, o produtor, o
construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador’.
Em nenhuma dessas hipóteses se insere a pessoa jurídica que, no Brasil,
comercializa os bens da fabricante, e, se os fabrica, não serão os mesmos.
Da mesma forma não se caracteriza qualquer das hipóteses do artigo 13, donde
não se falar em infração aos artigos 3º, 6º, IV e 28 desse Código, porque a apelada não
é fornecedora do bem que teria apresentado o vício, e tem apenas uma relação
contratual com a fabricante.
Não se poderá dizer que isso ofenda os direitos do consumidor, sequer a então
exagerada pretensão da descaracterização da pessoa jurídica, porque a apelada é
empresa distinta da fabricante e daquela que vendeu o produto.
Ademais, não foi ela que o colocou no mercado, não se podendo falar em teoria
do risco, exatamente por esses mesmos argumentos.
Nos seus comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Arruda e Tereza
Alvim elencam todas as hipóteses em que a responsabilidade do artigo 18 ocorre, mas
essa solidariedade, ‘instituto jurídico previsto no Código de Defesa do Consumidor, será
aplicada com os contornos estabelecidos na lei civil’, contornos esses constantes nos
artigos 904/915 do CC, bem como no seu artigo 18 (autores citados, ‘Código do
Consumidor Comentado’, RT).
As pessoas jurídicas nascem, vivem e morrem, como as naturais, e como elas
têm diversa estrutura de caracterização, e a lei civil não estabelece solidariedade passiva
- sequer a novel legislação - entre duas firmas, apenas porque têm o mesmo nome ou o
mesmo interesse comercial.
O que prevalece é o fato de caráter objetivo, ou seja, a responsabilidade pela
fabricação, pela venda ou veiculação de qualquer tipo de propaganda do bem
especificado.
O mundo comercial evolui e oferece diversas faces, em sua constante mutação.
Surgem, agora, as franquias, e, adotada a tese do apelante, qualquer delas
poderia responder por atos da outra, o que seria, igualmente, um contrasenso jurídico.
Mesmo que se tratasse de um conglomerado multinacional, as pessoas jurídicas
são distintas, e o princípio da objetividade é o mesmo.
Em face do exposto, negam provimento ao recurso, para manter a r. sentença,
pelos seus próprios e jurídicos fundamentos’.
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Com relação ao mérito propriamente dito, estou em que o aresto merece
confirmação.
Os dispositivos legais tidos como afrontados são os seguintes, todos do CDC:
‘Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional
ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços’.
‘Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
…
IV - a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
fornecimento de produtos e serviços.’
‘Art. 28. 0 juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder,
infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados par má administração.
…
§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores’.
A questão fundamental que surge, é que a mercadoria em discussão - máquina
filmadora - não foi nem comprada no Brasil, nem, tão pouco, de empresa que a produziu,
comercializou ou garantiu.
Trata-se de uma relação de consumo realizada, por inteiro, em Miami, Estados
Unidos da América, em que, circunstancialmente, o autor-recorrente, é domiciliado no
Brasil. Tal fato não serve, entretanto, para estender a garantia para outro país,
especialmente contra empresa diversa, posto que a Panasonic do Brasil Ltda, ora
ré-recorrida, não é a mesma que produziu, comercializou e garantiu o equipamento, mas,
sim, a Panasonic Company (fl. 10).
Como, portanto, aplicar um Código de Defesa do Consumidor brasileiro, a um
negócio feito no exterior, entre uma empresa estrangeira e um turista brasileiro.
Quando um viajante adquire uma mercadoria estrangeira, ele o faz, usualmente,
dentro da sua quota fiscal, sem o pagamento do oneroso imposto de importação, pelo
que o bem sai consideravelmente mais em conta que o produto nacional. É uma opção
que tem, porém também um risco, exatamente o de comprar um equipamento sem
condições de garantia, ou de manutenção despendiosa.
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A atividade da empresa que produz o equipamento no território nacional, a seu
turno, se sujeita ao pagamento de impostos nacionais, notoriamente mais elevados que
os cobrados no exterior, gerando empregos e divisas para o Brasil.
Não há fundamento jurídico portanto, em que, sem qualquer previsão legal ou
contratual, a Panasonic brasileira, que tem determinada linha de produtos, na qual não
se insere o modelo de filmadora em comento, que é exclusivo do mercado americano (fl.
18), seja responsabilizada pelo reparo do produto em tela.
Imagine-se, aliás, como seria difícil ou impossível a todas as empresas de um
conglomerado, na Europa, Américas do Sul, Central e do Norte, África, etc, manterem
estoque de peças e treinamento de pessoal para todo e qualquer produto, ainda que sua
fabricação seja específica de apenas um ou poucos países.
Por exemplo, um modelo de automóvel sofisticado produzido nos Estados
Unidos pela General Motors e importado autonomamente pelo comprador para o Brasil.
teria de ser reparado, gratuitamente, em qualquer concessionária Chevrolet, inobstante o
pessoal não tivesse ferramentaria ou capacitação para tanto. Uma fábrica brasileira de
televisores, que fosse filial da empresa brasileira ou americana, teria de reparar uma
agenda eletrônica da mesma marca, ainda inteiramente divorciada da sua linha de
produtos. E por aí vai...
E o mais grave é que, a prevalecer esse entendimento, todos os produtos
contrabandeados, tais como computadores, vídeos-cassete, toca-fitas, CD players,
DVD, etc., serão automaticamente beneficiados, passando a ser garantidos pelas
empresas brasileiras da mesma marca.
A sentença monocrática observou, inclusive, que os locais indicados para
manutenção do equipamento durante a garantia são situados em cidades e estados
norte-americanos, ratificando a territorialidade da garantia naquele país (fl. 94).
Assim, não tenho que a Lei n. 8.078/90 não alcança a relação de consumo
contratada no exterior, nos termos aqui configurados (sem ressalva contratual em
contrário), inaplicáveis à espécie, por impertinentes ao caso, os arts. 3º e 28, parágrafo
5º, do citado diploma.
E se aplicável fosse o CDC, a incidência seria da regra do seu art. 12, parágrafo
3º, inciso I, que reza:
'§ 3º. O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será
responsabilizado quando provar:
I - QUE NÃO COLOCOU O PRODUTO NO MERCADO’
Tão pouco há que se falar em propaganda enganosa, visto que divulgar a marca
Panasonic no Brasil, relativamente aos produtos aqui fabricados, não significa, em
hipótese alguma, induzir consumidores brasileiros a imaginar que a compra de
equipamentos Panasonic no exterior estaria coberta por garantia.
No particular, verifica-se que a compra da máquina filmadora se deu em
setembro de 1991, e que antes disso, em março daquele mesmo ano, a empresa ré
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vinha publicando comunicados nos jornais alertando exatamente para o oposto (cf. fls. 9,
20/21)”
Sua Excelência foi acompanhado pelo eminente Ministro Barros Monteiro,
mas antes o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira dissentiu,
conhecendo do recurso e lhe dando provimento.
Pedi vista dos autos para melhor exame da matéria, sobretudo tendo em
conta o seu ineditismo.
É por todos consabido que a realidade atual indica que estamos vivendo em
um mundo de economia globalizada.
Hoje é numerosa a existência de grandes corporações supra-nacionais que
até podem ter a principal sede de seus negócios em um determinado país sem que,
contudo, nele estejam sendo necessariamente exercidas as suas principais
atividades ou sendo auferidos os seus maiores lucros.
Essas grandes corporações perderam a marca da nacionalidade para se
tornarem empresas mundiais. Saíram do provincianismo e alcançaram a
universalidade.
É certo que podem até ter, por conveniências políticas, contábeis ou fiscais,
em cada país, uma personalidade jurídica distinta, mas que se acham unidas por
receberem a mesma atuação estratégica, e guardarem em comum a sujeição a um
mesmo comando.
Nenhuma delas é uma ilha isolada, tanto que a propaganda, ainda que possa
respeitar determinadas peculiaridades locais, é a mesma em todos os cantos,
sobretudo no que se reportar a consolidar a fixação de sua marca.
Quem compra urna máquina filmadora Panasonic em qualquer país que seja,
o faz movido pela propaganda que lhe impulsiona a acreditar na respeitabilidade
dessa marca, acreditando na correção da fabricação desses produtos e certo de
que, seja em que país esteja, será reparado por qualquer vício ou defeito que possa
posteriormente surgir.
A recorrida se apresenta com o nome Panasonic do Brasil Ltda., que lhe
confere, só por isso mesmo, enorme credibilidade.
Certamente, para portar esse nome, tem, no mínimo, o beneplácito de quem
fabrica esses produtos isso se não for efetiva integrante de um mesmo
conglomerado econômico, ainda que possa não ser nas configurações usuais.
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Por outro lado, o sucesso de suas atividades muito está a dever ao elevado
conceito que essa marca mundialmente desfruta, sendo, inquestionavelmente,
beneficiada em razão desse conceito e da propaganda mundial que é feita em torno
dela.
Ora, aproveitando, essa empresa nacional, todas as vantagens que são
decorrentes desse conceito mundial, evidentemente que ela tem que oferecer algo
em contra-partida aos consumidores dessa marca, e o mínimo que disso possa
decorrer é o de reparar o dano sofrido por quem compra mercadoria defeituosa,
acreditando no produto.
Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor implantou uma
configuração jurídica nova às relações de consumo existentes no Brasil, impondo
uma proteção mais efetiva tantos aos interesses coletivos como aos chamados
direitos difusos.
Observo que, no caso, o produto de que se cogita (máquina filmadora) é de
legítima fabricação da Panasonic, não sendo, pois, falsificada. Se não fosse assim,
não se poderia impor à recorrida o dever da reparação, salvo se ficasse provado que
a mercadoria tivesse sido adquirida em algum estabelecimento que portasse o seu
nome.
Por essas considerações e pelas demais postas pelo eminente Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira, acompanho Sua Excelência para conhecer do
recurso e lhe dar provimento, com a devida vênia dos eminentes Ministros Aldir
Passarinho Junior e Barros Monteiro.
61
RECURSO ESPECIAL Nº 63.981 - SAO PAULO (1995/0018349-8)
VOTO VOGAL
O MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (PRESIDENTE): -
Peço vênia para votar de acordo com o entendimento divergente,
acompanhando o voto do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, com as considerações
do Min. Cesar Asfor Rocha.
A empresa que vende seus produtos em diversos países do mundo, e assim
se beneficia do regime de globalização comercial, deve responder pelas suas
obrigações com a mesma extensão. A quebra das fronteiras para a venda há de
trazer consigo a correspondente quebra das fronteiras para manter a garantia da
qualidade do produto. Do contrário, a empresa multinacional recebe o bônus que
significa a possibilidade de ampliar o mercado para a colocação da mercadoria que
produz, elevando-o a um plano universal, mas se exonera do ônus de assumir a
responsabilidade de fabricante ou fornecedor, invocando a seu favor a existência da
fronteira. Esse limite, que não impede a sua expansão, não pode servir para reduzir
a sua obrigação.
No caso dos autos, o consumidor adquiriu um produto Panasonic em outro
país, internalizou-o e hoje o aparelho apresenta defeito. A Panasonic do Brasil, que
o próprio nome já indica pertencer ao mesmo grupo da empresa fabricante, embora
com sede em outro lugar, tem a responsabilidade de cumprir com a obrigação de
assistência assumida pelo fabricante. Nem sequer é necessário recorrer à
desconsideração da pessoa jurídica (aplicável à hipótese nos termos do art. 28, par.
5º, do CDC), uma vez que se trata do mesmo grupo societário, "empresas
vinculados à mesma matriz", conforme admitido nos autos, razão pela qual a filial
estabelecida no Brasil aqui responde subsidiariamente pelas responsabilidades
previstas no Código, na forma do art. 28, § 2º.
As dificuldades que decorrem da diversidade de modelos são próprias do
negócio e devem ser resolvidas por quem participa do mercado e lucra com os seus
produtos, pouco importando o lugar da venda ou da residência do consumidor,
desde que existente aqui a extensão do grupo empresarial fabricante. Também não
impressiona o argumento de que pode haver produto contrabandeado que apresenta
defeito. Será uma outra situação, pois as relações com o fisco não se confundem
62
com a relação de consumo entre a fábrica e o comprador; a necessidade da
prestação de serviços de assistência pode até ser uma boa oportunidade para o
cumprimento da exigência fiscal.
Por fim, devo observar que esse tipo de responsabilização em nada prejudica
a concorrência, antes zela para que se a mantenha em nível compatível com as
condições da empresa e, de certo modo, agrega ao seu produto a segurança de
assistência independentemente do lugar da venda, distinguindo-a das que não
podem oferecer o mesmo serviço.
Por isso, com a devida vênia, conheço e dou provimento.
É o voto.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Nro. Registro: 1995/0018349-8 RESP 63981/SP
Pauta: 02 / 12 / 1999 JULGADO: 11/04/2000
Relator
Exmo. Sr. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Min. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR
Subprocurador-Geral da República
EXMA. SRA. DRA. CLAUDIA SAMPAIO MARQUES
Secretário (a)
CLARINDO LUIZ DE SOUZA FLAUZINA
AUTUAÇÃO
RECTE : PLINIO CUSTAVO PRADO GARCIA
ADVOGADO:PLINIO GUSTAVO PRADO GARCIA (EM CAUSA PROPRIA)
RECDO :PANASONIC DO BRASIL LTDA
ADVOGADO:CARMEM LAIZE COELHO MONTEIRO E OUTROS
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe,
em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Cesar Asfor
Rocha, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, acompanhado pelo Sr.
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, a Turma, por maioria, conheceu do recurso e
deu-lhe provimento, vencido os Srs. Ministros Relator e Barros Monteiro.
Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
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O referido é verdade. Dou fé.
Brasília, 11 de abril de 2000
SECRETÁRIO (A)
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ANEXO II – PROPOSTA DE CONVENÇÃO CIDIP CP/CAJP-2094/03 add.3-
a,
I - REGRAS GERAISCampo de aplicaçãoArt. 1 - Definição de Consumidor1. Consumidor para efeitos desta Convenção é qualquer pessoa física que, frente a um profissional e nas transações, contratos e situações abrangidas por esta Convenção, atue com fins que não pertençam ao âmbito de sua atividade profissional.2. Consideram-se consumidores também os terceiros pertencentes a família do consumidor principal ou os acompanhantes outros, que usufruam diretamente dos serviços e produtos contratados, nos contratos abrangidos por esta Convenção, como destinatários finais destes.3. Para o caso de contratos de viagens e de multipropriedade, considerar-se a consumidores: a. o contratante principal ou pessoa física que compra ou se compromete a comprar o pacote turístico, a viagem ou o time-sharing para o seu uso próprio; b. os beneficiários ou pessoas terceiras em nome das quais compra ou se compromete o contratante principal a comprar a viagem ou o pacote turístico e os que usufruem da viagem ou da multipropriedade por algum espaço de tempo, mesmo não sendo contratantesprincipais; c. o cessionário ou pessoa física aos qual o contratante principal ou o beneficiário cede a viagem ou pacote turístico ou os direitos de uso;4. Se a lei indicada aplicável por esta convenção definir de forma mais ampla ou benéfica quem deve ser considerado consumidor ou equiparar outros agentes a consumidores, o juiz competente pode ter em conta esta extensão do campo de aplicação da convenção, se for mais favorável aos interesses do consumidor.Art. 2 - Proteção contratual geral1. Os contratos e as transações envolvendo consumidores, especialmente os contratados à distância, por meios eletrônicos, de telecomunicações ou por telefone, estando o consumidor em seu país de domicílio, serão regidos pela lei deste país ou pela lei mais favorável ao consumidor, escolhida entre as partes, se lei do lugar da celebração do contrato, lei do lugar da execução do contrato, da prestação característica ou lei do domicílio ou sede do fornecedor de produtos e serviços.2. Aos contratos celebrados pelo consumidor estando fora de seu país de domicílio será aplicada a lei escolhida pelas partes, dentre a lei do lugar de celebração do contrato, a lei do lugar da execução e a lei do domicílio do consumidor.Art. 3 Normas imperativas1. Não obstante o previsto nos artigos anteriores, aplicar-se-á necessariamente as normas do país do foro que tenham caráter imperativo, na proteção do consumidor.2. Tendo sido a contratação precedida de qualquer atividade negocial, de marketing, do fornecedor ou de seus representantes, em especial envio de publicidade, correspondências, e-mails, prêmios, convites, manutenção de filial ou representantes e demais atividades voltadas para o fornecimento de produtos e serviços e atração de clientela no país de domicílio do consumidor, aplicar-se-á necessariamente as normas imperativas deste país, na proteção do consumidor,
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cumulativamente àquelas do foro e à lei aplicável ao contrato ou relação de consumo.Art. 4. Cláusula escapatória1. A lei indicada como aplicável por esta Convenção pode não ser aplicável em casos excepcionais, se, tendo em vista todas as circunstâncias do caso, a conexão com a lei indicada aplicável mostrar-se superficial e o caso encontrar-se muito mais vinculado estreitamente a outra lei, mais favorável ao consumidor.Art. 5 . Temas excluídos1. Ficam excluídos do campo de aplicação desta convenção: a. Os contratos de transporte regulados por Convenções Internacionais; b. Os contratos de seguros;c. As obrigações contratuais excluídas expressamente do campo de aplicação da CIDIP V sobre contratos internacionais. d. os contratos comerciais internacionais entre comerciantes ou profissionais; e. os demais contratos e relações de consumo, e as obrigações dai resultantes, envolvendo consumidores regulados por convenções específicas;II - PROTEÇÃO EM SITUAÇÕES ESPECÍFICASArt. 6 - Contratos de viagem e turismo1. Os contratos de viagem individual contratados em pacote ou com serviços combinados, como grupo turístico ou conjuntamente com outros serviços de hotelaria e/ou turísticos serão regulados pela lei do lugar do domicílio do consumidor, se este coincidir com a sede ou filial da agência de viagens que vendeu o contrato de viagem ou onde foi feita a oferta, publicidade ou qualquer ato negocial prévio pelo comerciante, transportador, agência ou seus representantes autônomos.2. Nos demais casos, aos contratos de viagem individual contratados em pacote oucombinados, como grupo turístico ou conjuntamente com outros serviços de hotelaria e/ou turísticos será aplicável a lei do lugar onde o consumidor declara a sua aceitação aocontrato.3. Aos contratos de viagem, não regulados por convenções internacionais, concluídos através de contratos de adesão ou condições gerais contratuais, será aplicável a lei do lugar onde o consumidor declara a sua aceitação ao contrato.Art. 7 - Contratos de multipropriedade ou time-sharing1. As normas imperativas de proteção dos consumidores do país de localização física dos empreendimentos de lazer e de hotelaria que utilizem-se do método de venda, de uso ou de habitação em multipropriedade ou time-sharing, localizados nos Estados Partes, aplicam-se cumulativamente a estes contratos, a favor dos consumidores. 2. As normas do país em que for realizada a oferta, a publicidade ou qualquer atividade de marketing, como telefonemas, convites para recepções, reuniões, festas, o envio deprêmios, sorteios, estadias ou vantagens gratuitas, dentre outras atividades negociais dos representantes ou dos proprietários, organizadores e administradores de time-sharing ou multipropriedade ou a assinatura de pré-contratos ou contratos de multipropriedade ou direito de uso/aproveitamento por turno de bens imóveis, deverão ser levadas em conta a favor do consumidor, quanto à informação, o direito de arrependimento e seus prazos, bem como as causas de rescisão do contrato ou pré-contrato, assim como determinarão o exato conteúdo do contrato acertado e a possibilidade ou não de pagamento ou de assinatura de boletos de cartões de crédito neste perío
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