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Os anos 30: as incertezas do regime (Dulce Chaves Pandolfi) A autora do texto aponta para as ambiguidades do período entre 1930 e 1937, discordando do discurso oficial que coloca o Estado Novo como uma continuidade legítima da “Revolução” de 1930. Na visão da autora o período de 1930 à 1937 foi marcado por muitas incertezas (tal como a autora expõe explicitamente no título do texto) e rupturas, visto que aqueles que participaram e lutaram em 1930 não traziam consigo um único projeto de Estado para o Brasil, havendo divergências quanto aos rumos que seriam tomados para o país devido a heterogeneidade de interesses e projetos políticos dos grupos participantes da Aliança Liberal (Coligação partidária de oposição que lançou a candidatura de Vargas em 1929) . Tal como a autora coloca, se houve algumas continuidades entre esses dois momentos (visto que o projeto varguista foi o que prevaleceu, mas não sem tensões) houve também rupturas. Dulce Pandolfi aponta que entre 1930 e 1937 com o Estado Novo, houve um período de efervescência e disputa política, está sendo causado pela diversidade de projetos em conflito dentro da própria Aliança Liberal, além da reação daqueles que foram derrubados em 1930. A Aliança Liberal comportava, em sua diversidade, grupos que realmente eram opositores ao regime vigente (daquilo que depois se convencionou chamar de Primeira República, e que com o advento do “Estado Novo”, foi denominado de República “Velha”), e outros que apenas desgostaram do encaminhamento dado por Washington Luís (presidente do Brasil antes de

Os Anos 1930 - As Incertezas Do Regime (Resenha)

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O texto de Dulce Pandolfi nos traz um esclarecimento fundamental, o de que 1937, com a implantação da ditadura do "Estado Novo", não foi um desdobramento natural da chamada Revolução de 1930, mostrando assim que houveram inúmeras disputas políticas entre os mais variados grupos pertencentes a Aliança Liberal, além dos grupos derrotados em 1930, que não apresentavam uma única proposta de país. Sendo assim, a autora percorre a trajetória dos diversos atores-grupos políticos e suas ideias sobre os rumos que o Brasil deveria trilhar. Com isso Dulce Pandolfi nos coloca que, se houve algumas continuidades entre esse período (1930-1937), houve também inúmeras rupturas.

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Os anos 30: as incertezas do regime (Dulce Chaves Pandolfi)

A autora do texto aponta para as ambiguidades do período entre 1930 e

1937, discordando do discurso oficial que coloca o Estado Novo como uma

continuidade legítima da “Revolução” de 1930. Na visão da autora o período de

1930 à 1937 foi marcado por muitas incertezas (tal como a autora expõe

explicitamente no título do texto) e rupturas, visto que aqueles que participaram

e lutaram em 1930 não traziam consigo um único projeto de Estado para o

Brasil, havendo divergências quanto aos rumos que seriam tomados para o

país devido a heterogeneidade de interesses e projetos políticos dos grupos

participantes da Aliança Liberal (Coligação partidária de oposição que lançou a

candidatura de Vargas em 1929) . Tal como a autora coloca, se houve algumas

continuidades entre esses dois momentos (visto que o projeto varguista foi o

que prevaleceu, mas não sem tensões) houve também rupturas.

Dulce Pandolfi aponta que entre 1930 e 1937 com o Estado Novo, houve

um período de efervescência e disputa política, está sendo causado pela

diversidade de projetos em conflito dentro da própria Aliança Liberal, além da

reação daqueles que foram derrubados em 1930. A Aliança Liberal

comportava, em sua diversidade, grupos que realmente eram opositores ao

regime vigente (daquilo que depois se convencionou chamar de Primeira

República, e que com o advento do “Estado Novo”, foi denominado de

República “Velha”), e outros que apenas desgostaram do encaminhamento

dado por Washington Luís (presidente do Brasil antes de 1930) sobre a

sucessão presidencial. Compunha esse grupo também os chamados “oligarcas

dissidentes”, sendo ex-presidentes, governadores ou ex-governadores de

estados, esses que em geral se contrapuseram às medidas adotadas pelo

então Presidente Washington Luís, não buscando uma real mudança das

estruturas da República fundada em 1889. Os tenentes também marcaram

presença nesse grupo, este que deste à década de 1920 tentavam derrubar o

regime que se iniciou em 1889.

Apesar da sua heterogeneidade, a Aliança Liberal tinha seu ideário

voltado para questões de justiça social e liberdade política. Defendiam a

reforma do sistema político, incluindo em sua pauta de propostas a adoção do

voto secreto, o fim das fraudes que ocorriam com grande freqüência nas

eleições, além de pregarem a anistia para os políticos que eram perseguidos.

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No campo social defendiam direitos sociais como: jornada de oito horas de

trabalho; férias; salário mínimo; regulamentação do trabalho feminino e infantil.

No campo econômico queriam a diversificação dos produtos para além do café

(que era um dos principais ou o principal produto de exportação da época,

lembrando que nesse mesmo período [1929] houve a Grande Depressão ou

Crise de 1929, que acarretou problemas para a venda do café produzido no

Brasil, causando enorme prejuízo), além disso, visavam corrigir as disparidades

econômicas regionais.

Nas eleições de 1930, Vargas, candidato pela Aliança Liberal, foi

derrotado. Posteriormente à derrota nas eleições houve aliancistas que

aceitaram, mas houve quem não admitira a derrota, esses que preparam o

movimento que depois ficaria conhecido com Revolução de 1930. Os tenentes

foram fundamentais nesse movimento junto a alguns grupos de políticos civis.

No movimento houve apoio também dos chamados “tenentes civis”, esses que

embora não fossem membros do Exército, compartilhavam de seus ideais.

Mesmo militares legalistas, que combateram os tenentes durante a década

anterior, aderiram e participaram do movimento de 1930.

Em outubro de 1930 eclodiu o movimento revolucionário. Vitorioso, em

novembro, Getúlio Vargas assumiu a presidência do Brasil sob um Governo

Provisório (este que não tinha uma previsão sobre o tempo de sua duração).

Após a posse de Vargas o Congresso Nacional, as assembléias estaduais e

municipais foram fechadas, governadores foram destituídos de seus cargos e a

Constituição de 1891 revogada. Com isso Vargas governa o país através de

decretos-leis. (Tais medidas sem dúvida alguma são de caráter autoritário).

Após a entrada de um novo governo, houve divergências sobre a

duração do Governo Provisório, havendo aqueles que desejavam uma rápida

volta à democracia, e aqueles que pensavam primeiro serem realizadas as

reformas sociais no país para depois se voltar a uma ordem democrática (é

preciso ressaltar que o modelo liberal-democrático entrou em descrédito para

muitos países, principalmente pós-crise de 1929, sendo visto como um modelo

falho e limitado para esse grupo que era contra o retorno da democracia). Os

tenentes e seus aliados civis colocavam que era preciso desmantelar os

alicerces do poder oligárquico, e para tanto era preciso dar continuidade ao

movimento revolucionário iniciado em 1930, visto que só o movimento por si só

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não foi suficiente para gerar uma mudança radical, ou seja, não era o momento

de se voltar a um regime democrático para esses.

Passou então haver disputas sobre o modelo de Estado a ser

implantado: se mais centralizador de cunho nacionalista-reformista e

apartidário (tenentes), ou se um Estado de vertente liberal que possibilite maior

autonomia para os estados da federação ("oligarcas dissidentes"), restringindo

o poder da União.

Para os estados do Norte e do Nordeste, a medida centralizadora lhes

era mais favorável, visto que no modelo federativo descentralizado eles tinham

pouco espaço no jogo político, que durante quase toda a primeira República

ficou a controle dos estados do Centro-Sul, em especial Minas Gerais e São

Paulo. Sendo assim a proposta dos tenentes era mais plausível de apoio para

os estados do Norte-Nordeste, na busca de conseguirem maior espaço de

atuação no campo político.

As primeiras medidas tomadas pelo Governo Provisório foram de caráter

centralizador e intervencionistas, tendo como base reivindicações tenentistas.

Uma das principais medidas do governo foi à criação do Sistema de

Interventorias, que de forma quase generalizada, num primeiro momento,

colocou um interventor tenentista no comando dos estados, estes nomeados

pelo próprio Vargas. Tal medida causou descontentamento das elites locais

que antes ali controlavam o cenário político.

Nos estados do Centro-Sul, por exemplo, houve crises políticas devido à

falta de ligação entre os interventores e as forças políticas locais (este que

eram contra a centralização do governo, sendo adeptos do modelo liberal e do

federalismo que lhes garantia maior autonomia). O resultado dessas crises era

frequentemente a substituição do interventor como forma de acalmar os ânimos

das forças políticas locais, com oscilações entre os períodos de permanência

no cargo em cada um dos estados. Ou seja, alguns permaneceram por mais

tempo, outros menos.

Mesmo fazendo concessões às elites políticas locais, Vargas não deixou

de adotar medidas centralizadoras, limitando a autonomia dos estados. O

Código dos Interventores é um exemplo das medidas centralizadoras de seu

governo, visto que os estados não poderiam adquirir empréstimos externos

sem a aprovação do governo central; o mesmo vale para o controle sobre o

contingente da polícia militar nos estados, para que não fossem superiores ao

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do Exército Nacional. A nacionalização das Forças Armadas era fundamental

para o modelo de governo que Vargas propunha, visando assim diminuir a

força das oligarquias regionais.

Na esfera social, ainda sob o Governo Provisório foram criados o

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Ministério da Educação e Saúde

Pública. Com exceção do salário mínimo, durante o governo Provisório foram

promulgados vários decretos e leis de proteção ao trabalhador, como: jornada

de 8 horas de trabalho; regulamentação do trabalho da mulher e infantil; lei de

férias; carteira de trabalho; direito de pensões e aposentarias. Essas leis

depois (em 1943, já sob o Estado Novo) fariam parte da CLT (Consolidação

das Leis do Trabalho). (É importante lembrar que o fato de Vargas criar esses

decretos leis não significa que ele, Vargas, todo benevolente concedeu direitos

aos trabalhadores, é necessário lembrar que tais direitos estiveram sempre em

pauta nas lutas trabalhistas anteriores à 1930, ou seja, já era existente uma

tradição lutas por parte dos trabalhadores para conseguirem direitos

trabalhistas. Evidentemente, que Vargas teve importância ao conseguir por em

leis tais reivindicações, pois foi quem soube ser um político perspicaz e atuar

em cima destas demandas (ou melhor, parte delas). Porém é preciso ressaltar

que as leis foram restritivas, visto que tudo isso estava a cargo de um Estado

corporativista que exercia enorme controle sobre os sindicatos dos

trabalhadores (sindicato único por categoria profissional), e que tais leis só

seriam validas para os trabalhadores urbanos sindicalizados (leve em

consideração que o número de pessoas que poderiam se sindicalizar era

limitado, sendo um sistema excludente, além de compulsório, obrigando o

trabalhador a se sindicalizar, já que só os sindicalizados estariam amparados

pelas leis trabalhistas), cuja profissão fosse reconhecida como uma pelo

Ministério do Trabalho. Assim, no que tange à questão social podemos concluir

que houve alguns avanços, mas que estes ainda eram tímidos, visto que a

maior parte da população à época (população do campo) era excluída dos

benefícios das leis trabalhistas).

Num primeiro momento, empregadores e empregados discordaram da

política trabalhista de Vargas, na qual os sindicatos, tanto o dos trabalhadores

quanto o dos empresários, ficavam sobre o controle do governo. Porém, essa

resistência imediata foi diminuindo, e aos poucos os comunistas e anarquistas,

principalmente, foram sendo afastados das lideranças sindicais, formando-se

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novas lideranças, estas que eram mais próximos e coniventes com o modelo

corporativista de sindicato que o governo propunha. Os empregadores,

empresários, que num primeiro momento discordaram, pois teriam que cumprir

as leis trabalhistas, passaram a ver essa intervenção nos sindicatos com outro

olhar, visto que com a atuação do Estado no controle dos sindicatos, este (o

Estado) conteria o movimento operário e suas lutas (o que não significa dizer

que todas as reivindicações desse movimento e suas tentativas de atuação

deixaram de existir).

Na economia o governo também tomou medidas centralizadoras, como

no caso do controle sobre a produção e comercialização de produtos agrícolas

brasileiros. O governo tirou do estado de São Paulo o controle absoluto sobre a

política cafeeira com a criação do Conselho Nacional do Café. Além disso, o

governo Vargas criou outros órgãos para controlar as atividades econômicas

de outras atividades produtivas, como o álcool e o açúcar. Como a autora

coloca, os anos 30 é um momento importante para o rumo da economia

brasileira do processo de industrialização do país.

Com a execução dessas medidas intervencionistas e centralizadoras, os

setores oligárquicos e mesmo os “oligarcas dissidentes” mostravam grande

insatisfação com os rumos da Revolução de 1930. Os tenentes, “temerosos

com a força das oligarquias regionais” (p.21), se organizaram para buscar

apoio popular às propostas do Governo Provisório.

Para se contrapor ao avanço do tenentismo, as oligarquias que outrora

havia se cindindo, tornaram a se rearticular, exigindo o fim do Governo

Provisório. Em São Paulo, principal foco de descontentamento com o Governo

Vargas, o Partido Republicano Paulista e o seu opositor, o Partido

Democrático, (que fora vitorioso em 1930) se aliaram formando a Frente Única

Paulista junto às associações de classe do comércio, da indústria e da lavoura.

No Rio Grande do Sul e em Minas Gerais (mas claro, não era um consenso

entre todo o estado se voltar contra o governo federal) também houve aqueles

que queriam o fim do Governo Provisório e a criação de uma nova

Constituição.

As Forças Armadas durante o período 1930 à 1934 passou por

constantes crises, com ocorrência de revoltas, conspirações, protestos. Essas

crises e cisões dentro das Forças Armadas têm forte motivo na insatisfação da

alta oficialidade em relação ao fortalecimento do tenentismo. A Revolução de

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1930, na verdade, não contou com um amplo apoio e participação dos militares

da alta oficialidade, sendo apenas uma parcela que apoiara o movimento

revolucionário (segmentos inferiores). A alta oficialidade teve de suportar ver a

anistia dos tenentes revoltosos da década anterior, e ainda vê-los ocupando

postos-chave no governo. Para o alto escalão isso era quebra de hierarquia,

elemento esse muito prezado dentro da instituição, acirrando as tensões entre

a baixa e a alta oficialidade já existentes anteriormente. Vargas ainda tenta

amenizar a situação concedendo postos importantes à aqueles que viam com

maus olhos o poder que ganhara os tenentes, mas isso não impediu que se

insurgissem contra o governo, se juntando com grupos civis para lutar pela

reconstitucionalização do país.

A autora destaca que o primeiro semestre de 1932 foi de intensas

agitações e crises em âmbito civil e militar. Nesse momento de conturbação, o

governo pressionado edita o Código Eleitoral, esse que atendia a diversos

interesses da Aliança Liberal. Esse código apresentou as seguintes medidas:

criação da Justiça Eleitoral; adoção do sufrágio universal, direto e secreto

(diferentemente do sistema utilizado na Primeira República); as mulheres

adquiriram cidadania política com direito a voto e representação, mas podendo

exercê-lo somente após 21 anos de idade (lembrando, o direito de voto das

mulheres vem de reivindicações e lutas destas). Ainda que tivesse havido

alguns avanços, estavam excluídos de seus direitos políticos e do processo

eleitoral os analfabetos, os praças (soldados de baixo escalão na hierarquia

militar) e os religiosos de ordem monástica.

O Código Eleitoral, atendendo a uma reivindicação tenentista, criou a

representação classista (que estaria presente e participando da futura

Assembléia Constituinte junto aos parlamentares eleitos pelo voto direto dos

eleitores), sendo os representantes escolhidos por eleição indireta através dos

votos dos delegados escolhidos pelos sindicatos dos trabalhadores, dos

empresários, representastes dos profissionais liberais e de funcionários

públicos. Tal medida visava enfraquecer o poder dos setores oligárquicos, para

que estes não tivessem forças durante a futura Assembléia Constituinte.

Após a criação do Colégio Eleitoral houve constantes crises tanto em

âmbito civil e militar, que desembocaria em julho em São Paulo na

posteriormente conhecida Revolução Constitucionalista de 1932. “São Paulo se

sentia o grande perdedor da Revolução de 30. Insatisfeitos com a política

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centralizadora de Vargas e com a lentidão das medidas que restaurariam o

Estado de direito, os paulistas, em armas, exigiam o fim imediato do regime

ditatorial e maior autonomia para São Paulo. Era de tal ordem a insatisfação no

estado que a população, em massa, aderiu à revolução” (p.25). “São Paulo não

recebeu apoio oficial de nenhum governo estadual, mas conseguiu adesões de

expressivas lideranças, sobretudo gaúchas e mineiras” (p.25). Após 3 meses

de batalha, São Paulo foi encurralado pelo Governo Federal, os levando à

rendição. Com isso, os lideres do movimento constitucionalista foram presos e

tiveram seus direitos políticos suspensos por 3 anos, além de muitos terem

sido exilados. Mesmo com a derrota do movimento, São Paulo teve ganhos

políticos, como a substituição do antigo interventor por um interventor civil e

paulista. Além disso, o movimento teve importância para o Governo Provisório

“levar adiante o processo de reconstitucionalização do país” (p.26).

A Revolução Constitucionalista foi importante para o governo fazer uma

limpa em âmbito civil e militar, afastando as forças contrárias ao governo para

longe do processo político. Após a Revolução, o governo se viu na tarefa de

reestruturar as Forças Armadas, sendo a ação revolucionária a ocasião perfeita

para o governo ter os motivos para eliminar os generais (que participaram da

revolução enquanto oposição ao governo federal) nomeados anteriormente à

1930, e ainda nomear novos generais afinados com o governo Vargas.

A autora destaca que a reconstituicionalização do país era uma derrota

para o tenentismo e seus aliados civis. Diante de tal situação, basicamente

inevitável da elaboração de uma nova constituição para o país, houve variadas

posturas assumidas por esse grupo, como: tentativa rearticulação das

agremiações partidárias e participação no processo eleitoral como alistados;

postura de neutralidade e distanciamento diante das eleições; adentrando em

movimentos contestatórios do atual regime, como o dos comunistas e dos

integralistas, por considerarem que a Revolução de 1930 se desvirtuou; haviam

aqueles ainda que “defendiam a necessidade de uma ditadura militar”. (p.27).

Sem partidos de caráter nacional, os tenentes se empenharam em

conseguir formá-lo, porém sem sucesso. O que se formou foi diversos partidos

em âmbitos estadual articulados pelos interventores. Esses partidos eram

provisórios, atuando somente em períodos de eleições. Além disso, era

permitido candidaturas avulsas, sem que o elegível fosse membro de algum

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partido. A igreja se mobilizou em defesa de sua doutrina social e também as

mulheres tiveram participação.

Os situacionistas, os que eram apoiados pelos interventores, se saíram

melhor nas eleições. Com os eleitos no parlamento e mais a representação

classista foi realizada a Assembléia Constituinte em 1933, sendo no ano

seguinte, em 16 de julho de 1934, promulgada a nova Constituição. Vargas foi

eleito indiretamente pelos constituintes como Presidente da República, mas

para tal teve de fazer uma série de concessões. Durante os trabalhos da

constituinte houve tentativa de grupos militares para depor Vargas e formar um

governo sob o comando de um grupo de generais. Era também tarefa da

Assembléia Constituinte aprovar as ações exercidas durante o Governo

Provisório, que contou com pouco mais de 50% de aprovação, demonstrando a

insatisfação com o governo no país.

A autora coloca que a Constituição de 1934 foi inovadora em muitos

aspectos, atendendo os anseios liberais democráticos que se encontravam

presentes na Revolução de 1930, como: Estado mais liberal e menos

centralizador; limitação da autonomia financeira dos estados, mas com o

regime federativo assegurado; intervencionismo do Estado em assuntos

econômicos e sociais; fortalecimento do Estado, e não do Executivo;

predomínio do Legislativo e controle do Executivo; representação classista;

direito de voto aos homens e mulheres maiores de 18 anos (mas isso não inclui

os analfabetos); consagração dos direitos sociais; As eleições seguintes (1938)

para presidente, governador e prefeito passariam a ser diretas; mandato de

quatro anos sem direito a reeleição, ou seja, Vargas não poderia ser reeleito.

Nas palavras da autora, “Vargas não escondeu o descontentamento com

a nova Constituição” (p.29), fazendo críticas as limitações que ela punha,

principalmente sobre ele (poder executivo). Vargas então diz: “Serei o primeiro

revisor da Constituição”. (p.29;30). Não durou muito tempo e de fato a

Constituição de 1934 fora derrubada em 1937 por um Golpe de Estado.

Terminados os trabalhos sobre a nova Constituição, Vargas reformulou

seu ministério. Nesta reforma os tenentes ficaram em segundo plano, e Vargas

distribuiu as pastas ministeriais para os estados que estiveram ao seu lado na

Constituinte. O presidente para se fortalecer e enfraquecer as oligarquias

regionais buscou apoio na área militar, e para tal teria de atuar em favor da

política do Exercito, com respeito a hierarquia e a disciplina, buscando a

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unificação e fortalecimento da instituição para que essa somasse forças ao

governo federal. Porém esse projeto era pouco viável, porque os punidos em

1932 foram anistiados e recebidos com grande apoio popular, o que era um

mau sinal para o governo Vargas que os havia punido anteriormente. As

eleições (que foram conflituosas) realizadas em 1934 para o Congresso

Nacional e assembléias estaduais, e com grandes derrotas para os

interventores que lá estavam, tendo-se a volta das forças políticas que caíram

em 1930.

Com a volta da ordem legal, movimentos sociais exerceram forte

participação política, com a eclosão de greves, radicalizando o processo

político. Nesse contexto de agitação, duas organizações não-partidárias se

tornaram bastante expressivas: a AIB (Ação Integralista Brasileira), surgida em

1932, que tinha influências do modelo europeu fascista da Itália de extrema

direita, eram nacionalistas e moralistas, tendo maior adesão entre militares e

católicos conservadores, se aliando ao governo Vargas no combate ao

comunismo (isso até 1938, quando a alta patente da organização tentou

golpear Vargas, mas sem sucesso, levando ao fechamento do desta e prisão

de seu líder, Plínio Salgado); e a ANL (Aliança Nacional Libertadora), surgida

em 1935, que formava uma frente única (embora não homogênea) contra o

governo autoritário de Vargas e o imperialismo, tendo em sua organização:

comunistas, socialistas e liberais, além de lideranças civis e militares (inclusive

tenentes, o que é em certa medida explicável pela nova postura de Vargas em

relação aos tenentes, que foram preteridos em relação aos militares mais

graduados) que romperam com o segmento dado à revolução de 1930, tendo

como liderança o ex-tenente e líder comunista Luís Carlos Prestes. Essas duas

organizações possuíam núcleos por várias cidades do país.

A ANL logo cedo foi colocada na ilegalidade. A autora aponta que

mesmo na clandestinidade o grupo se organizava para derrubar pelas armas e

com apoio popular o governo Vargas, fazendo de Luís Carlos Prestes o novo

líder da nação. Em novembro de 1935, houve levantes militares em algumas

regiões (no Recife, em Natal e no Rio de Janeiro, com um pouco mais de

expressividade), e com isso esperavam que o operariado contribuísse com o

desencadeamento de uma sucessão de greves por todo o país, o que não

ocorreu, sendo a rebelião violentamente reprimida e derrotada. (A esse

movimento o governo chamou de “Intentona Comunista”, que seria um

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movimento organizado pelos comunistas para fazer uma revolução socialista

sob as ordens de Moscou. Porém tal leitura dos acontecimentos já foi

questionada e desconstruída pela historiografia mais recente, que aponta o

movimento como de caráter tenentista, embora tenha havido sim a participação

de comunistas no movimento).

“Depois da rebelião, uma forte repressão se abateu não só contra os

comunistas, mas contra todos os considerados opositores do regime” (p.32),

havendo inúmeras prisões em todo o país, inclusive de políticos, expulsão de

inúmeros soldados subalternos do Exército e a prisão de Luís Carlos Prestes.

“A despeito do fracasso, a chamada “revolta comunista” (grifos meus) serviu

de forte pretexto para o fechamento do regime. A partir de novembro de 1935,

o Congresso passou a aprovar uma série de medidas que cerceavam seu

próprio poder, enquanto o Executivo ganhava poderes de repressão

praticamente ilimitados. (...) Mesmo antes da “revolta comunista” (grifos

meus), em abril de 1935, sob o impacto das várias greves que vinham

ocorrendo, o Congresso aprovou a Lei de Segurança Nacional, suprimindo

diversas franquias democráticas presentes na Constituição de 1934. A lei

previa a censura aos meios de comunicação e prisão de um a dez anos para

aqueles que estimulassem ou promovessem manifestações de indisciplina nas

Forças Armadas ou greves nos serviços públicos. As entidades sindicais

consideradas suspeitas poderiam ser fechadas” (p.33). Vargas tinha a intenção

de limpar o setor público da “ameaça comunista”. Para tal o Estado funcionava

como uma rede de vigilância e repressão da população. Assim têm-se, após a

insurreição de 1935, a legalização da repressão ao comunismo e aos

opositores do regime.

Mesmo Vargas tendo todo esse poder concedido via aprovação do

congresso, ele não conseguiu que aprovassem a prorrogação de seu mandato.

Os principais governadores (com exceção de Minas Gerais) foram contra a

prorrogação, se afastando definitivamente do governo central.

Mesmo dentro de um contexto de repressão estatal, a movimentação a

respeito sucessão presidencial foi destaque na cena política. Em 1937, o

Congresso negava o pedido de manutenção do estado de guerra que vigorava

desde o ano anterior. Porém, poucos meses depois, o estado de guerra e a

suspensão das garantias constitucionais voltaram, tendo prazo de 90 dias. A

ocorrência se deu pelo seguinte “fato”: “no dia 30 de setembro, o governo,

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através da imprensa, divulgou um documento, o "Plano Cohen", relatando a

preparação de uma insurreição comunista no Brasil. Tratava-se de uma peça

de ficção, mas ela serviu aos seus objetivos. Os setores oposicionistas, que

eram minoria no Congresso Nacional, questionaram o novo pedido de

decretação do estado de guerra. Contestavam as evidências de que realmente

houvesse uma ameaça subversiva, associando o novo pedido a uma tentativa

do governo de impedir a realização das eleições presidenciais. Mesmo aqueles

que eram totalmente contra o continuísmo de Vargas, deram seu voto positivo

ao estado de guerra. Assim, por mais que o Congresso não gostasse da idéia

de se instalar o estado de guerra, havia em primeiro lugar: o medo do

comunismo, que era tido (e ainda hoje o é por parcela da população) como o

fantasma da sociedade ocidental; e em segundo lugar, a possibilidade de uma

intervenção militar, duas situações não quistas por eles. Com isso abrindo

espaço para as pretensões golpistas de Vargas, que quase não sofreram

resistências.

Vargas agora precisava de apoio para empreender seu plano. Com

exceção da Bahia e de Pernambuco, Vargas obteve apoio dos estados do

Norte e Nordeste. Em São Paulo havia grupos divergentes: aqueles que eram

contrários as manobras continuístas do governo (ligados a Armando Sales, que

sairia candidato a presidência); e os que estavam se alinhando com o governo

federal, coniventes com a troca do regime (Cardoso de Melo Neto, governador

de São Paulo à época).

Em novembro de 1937, o Congresso Nacional é fechado e muda-se o

regime. Eis que surge o “Estado Novo” sob a liderança de Getúlio Vargas.

“Parte expressiva dos aliados de 1930 estava marginalizada do poder. O

afastamento dos aliados civis e militares foi se dando de forma lenta e gradual”.

Com isso a autora conclui reafirmando suas considerações iniciais

depois de toda a explanação dos vários interesses e projetos políticos em

disputas, mostrando as descontinuidades existentes entre os períodos de 1930

e 1937. No dizer dela: “Sem dúvida, a ação de Vargas, no sentido de garantir

bases de sustentação para o golpe, teve sucesso. Entretanto, o Estado Novo

esteve longe de ser um desdobramento natural da Revolução de 30. Foi um

dos resultados possíveis das lutas e enfrentamentos diversos travados durante

a incerta e tumultuada década de 1930.” (p.35).