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ESTILAQUE FERREIRA DOS SANTOS II -O discurso dos vereadores e a gestão da cidade Os atos e as atas

Os atos e as atas II -O discurso dos vereadores e a gestão ... · A campanha eleitoral ... no sul do Estado. Após se eleger Vereador em Cachoeiro de Ita - pemirim e atuar na colonização

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ESTILAQUE FERREIRA DOS SANTOS

II -O discurso dos vereadores e a gesto da cidade

Os atos e as atas

Estilaque Ferreira dos Santos

HISTRIA DA CMARA MUNICIPAL DE VITRIA Os atos e as atas

Volume 2

O discurso dos vereadores e a gesto da cidade

Vitria

Cmara Municipal de Vitria

2014

2014 ESTILAQUE FERREIRA DOS SANTOSCMARA MUNICIPAL DE VITRIA

Fabrcio Gandini PresidenteDavi Esmael 1 vice-presidente

Rogerio Pinheiro 2 vice-presidente Marcelo 3 vice-presidente Neuzinha Oliveira 1 secretrio Zezito Maio 2 secretrio Wanderson Marinho 3 secretrio

Luiz EmanuelLuisinho Coutinho

Max da MataNamy ChequerReinaldo BoloSandro Parrini

SerjoVinicius Simes

Editorao: Alejandro Pineda AguilarReviso: Jos Carlos Arajo e Elmina Vieira de Gouveia Ferreira dos SantosCapa: Alexandre GuimaresFoto da Capa: Antigo Edifcio da Cmara Municipal de Vitria.Impresso e Acabamento: Grfica Central Ltda.

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) ______________________________________________________________________S237h SANTOS, Estilaque Ferreira dos Histria da Cmara Municipal de Vitria: os atos e as atas / Vitria, ES: Cmara Municipal de Vitria, 2014. 740p. (V. 2 - O discurso dos vereadores e a gesto da cidade); ISBN 978-85-68724-01-9 1.Cmara Municipal de Vitria/ES - Histria. 2. Esprito Santo (Estado) - Histria. 3. Esprito Santo (Estado) - Poltica. 4. Vereadores Vitria/ES. 5. Discursos. I. Santos, Estilaque Ferreira dos. II. Ttulo CDD: 981.52 CDU: 821.134.3(81)-1 ______________________________________________________________________ Todos os direitos reservados. A reproduo de qualquer parte desta obra, por qualquer meio, sem a autorizao do autor constitui violao da LDA 9610/98.

SumrioQUARTA PARTE A CMARA NA ERA DO POPULISMO

CAPTULO I - A PRIMEIRA LEGISLATURA 1947-1951

De Ceciliano Abel de Almeida a lvaro de Castro Matos ............................................. 5

A reabertura da Cmara .............................................................................................. 7

A Vitria fsica e social em 1948.............................................................................. 15

Uma legislatura de oposio .......................................................................................... 22

A produo legislativa ................................................................................................... 32

CAPTULO II - A SEGUNDA LEGISLATURA 1951-1955

De Jos Ribeiro Martins a Armando Duarte Rabelo ...................................................... 35

Uma grande renovao na Cmara ................................................................................ 37

Tcnicos nos cargos mais importantes ............................................................................ 39

Mrio Gurgel .............................................................................................................. 42

Armando Rabelo e os problemas da cidade ................................................................... 46

A produo legislativa .................................................................................................. 57

CAPTULO III - A TERCEIRA LEGISLATURA 1955-1959

De Srynes P. Franco, Mrio Gurgel e Adelpho P. Monjardim a Oswald Guimares ...... 61

Uma legislatura conturbada ........................................................................................... 63

Um tiroteio na Cmara ................................................................................................ 71

A dissidncia poltica .................................................................................................... 77

Adelpho Poli Monjardim .............................................................................................. 83

A demisso de Adelpho Monjardim e a nomeao de Mrio Gurgel ................................ 87

A posse e a administrao de Mrio Gurgel ................................................................... 93

A produo legislativa .................................................................................................. 100

CAPTULO IV - A QUARTA LEGISLATURA 1959-1963:

A nova gesto de Adelpho P. Monjardim ...................................................................... 105

A produo legislativa .................................................................................................. 126

CAPTULO V - A QUINTA LEGISLATURA 1963-1967

A gesto de Solon Borges Marques .............................................................................. 129

O ano de 1965 ............................................................................................................ 143

Arabelo do Rosrio o Vereador da Educao ............................................................... 145

A denncia da elevao do custo de vida ...................................................................... 147

Um discreto apoio ao regime militar .............................................................................. 151

Apoios e crticas ao prefeito .......................................................................................... 153

A produo legislativa .................................................................................................. 156

QUINTA PARTE A CMARA NA ERA DA DITADURA MILITAR

CAPTULO VI - A SEXTA LEGISLATURA: 1967-1971

A gesto Setembrino Pelissari ....................................................................................... 163

A derrota de Mrio Cypreste ........................................................................................ 165

Galerias ..................................................................................................................... 170

Educao .................................................................................................................... 172

Velhos e novos problemas ............................................................................................. 176

Trnsito e transportes urbanos ...................................................................................... 178

Sade ......................................................................................................................... 181

As novas questes ........................................................................................................ 182

A formao da metrpole ............................................................................................. 185

A crtica poltica .......................................................................................................... 188

A Cmara, o governo Christiano Dias Lopes e os incentivos fiscais ............................... 191

A Cmara e o Esquadro da Morte ............................................................................ 193

O Ato Institucional n. 5 AI-5 ................................................................................ 196

A produo legislativa ................................................................................................. 202

CAPTULO VII A STIMA LEGISLATURA: 1971-1973

O incio da gesto de Chrisgono Teixeira da Cruz ....................................................... 205

Uma legislatura muito curta ......................................................................................... 207

A produo legislativa .................................................................................................. 227

CAPTULO VIII A OITAVA LEGISLATURA: 1973-1977

De Chrisgono Teixeira da Cruz a Setembrino Pelissari ............................................... 231

A Cmara de Vitria e a siderurgia no Esprito Santo ................................................ 235

A repercusso do caso Araceli ...................................................................................... 241

As autarquias ............................................................................................................ 245

Chrisgono Teixeira da Cruz ....................................................................................... 250

As eleies de 1974 ..................................................................................................... 262

O retorno de Setembrino Prefeitura de Vitria ........................................................... 274

A produo legislativa .................................................................................................. 281

CAPTULO IX A NONA LEGISLATURA: 1977-1983

De Setembrino Pelissari a Wander Bassini e Carlito Von Schilgen ................................ 285

Suspeitas sobre a eleio da Mesa Diretora .................................................................... 287

Aumentam as reivindicaes ......................................................................................... 292

Crise Poltica Municipal .............................................................................................. 299

Aps as eleies de 1978 - Eurico Rezende e Carlito Von Schilgen ............................... 308

A produo legislativa .................................................................................................. 325

CAPTULO X A DCIMA LEGISLATURA: 1983-1989

De Berredo de Menezes e Jos Moraes a Hermes Laranja .............................................. 329

Berredo de Menezes e suas berredices ......................................................................... 331

A eleio de Hermes Laranja ....................................................................................... 353

De olho no Plano Cruzado e nas eleies de novembro de 1986 ....................................... 358

Corrupo ................................................................................................................... 366

A produo legislativa .................................................................................................. 382

SEXTA PARTE A CMARA NA ERA DA REDEMOCRATICAO

CAPTULO XI A DCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA: 1989-1993

A gesto de Vitor Buaiz .............................................................................................. 389

O incio do governo ...................................................................................................... 391

O PT e a Frente Vitria .......................................................................................... 403

Um programa de obras da Prefeitura ............................................................................ 405

Educao .................................................................................................................... 409

Sade ......................................................................................................................... 413

A Era Collor .......................................................................................................... 415

Oposio ..................................................................................................................... 421

O salrio dos vereadores ............................................................................................... 428

Uma Cmara insossa .............................................................................................. 433

A produo legislativa ................................................................................................. 436

CAPTULO XII A DCIMA SEGUNDA LEGISLATURA: 1993-1997

A gesto de Paulo Hartung ......................................................................................... 439

Quase uma unanimidade ............................................................................................. 441

Berredo de Menezes e a CPI contra Vitor Buaiz .................;........................................ 448

A insegurana e a revitalizao do centro de Vitria ..................................................... 452

Trnsito, Transcol e Regio Metropolitana ................................................................... 455

Corrupo ................................................................................................................... 458

Tardes Mrbidas e inteis ........................................................................................ 462

Educao .................................................................................................................... 464

Oposio ..................................................................................................................... 469

Novos Temas .............................................................................................................. 473

PDU .......................................................................................................................... 475

Produo Legislativa ................................................................................................... 475

CAPTULO XIII A DCIMA TERCEIRA LEGISLATURA: 1997-2000

O primeiro mandato de Luiz Paulo Velloso Lucas ....................................................... 479

A Presidncia de Csar Colnago .................................................................................. 481

Sade ......................................................................................................................... 486

Violncia e Insegurana Coletiva .................................................................................. 488

O Projeto Terra ........................................................................................................... 492

Os prefeitinhos e a Regio Metropolitana .................................................................. 493

A Cmara e a campanha eleitoral de 1998 .................................................................. 495

Os problemas da cidade ................................................................................................ 598

A produo legislativa ................................................................................................. 505

CAPTULO XIV A DCIMA QUARTA LEGISLATURA: 2001-2004

O segundo mandato de Luiz Paulo Velloso Lucas ......................................................... 511

Um semestre conturbado ........................................................................................... 513

Um novo dilogo ...................................................................................................... 522

2002 .......................................................................................................................... 528

Um crime que chocou o pas ........................................................................................ 533 A Criao da Guarda Municipal .............................................................................. 535

Sade ......................................................................................................................... 537

O salrio dos servidores municipais ............................................................................... 540

A campanha eleitoral ................................................................................................... 543

O supermercado Walmart ............................................................................................ 547

O fim do Vital o carnaval fora de poca .................................................................... 548

A produo legislativa ................................................................................................. 549

CAPTULO XV A DCIMA QUINTA LEGISLATURA: 2005-2008

O primeiro mandato de Joo Coser ............................................................................... 553

Um primeiro semestre sem discusses calorosas .......................................................... 555

Um programa de governo .............................................................................................. 558

O combate ao nepotismo na Cmara ............................................................................. 560

O mensalo ................................................................................................................. 562

Salrios ...................................................................................................................... 567

Segurana ................................................................................................................... 569

O IPTU e a carga fiscal ............................................................................................... 576

A poluio aumenta e os vereadores denunciam ............................................................. 578

Obras ......................................................................................................................... 581

Transtornos na cidade .................................................................................................. 582

Cassao ..................................................................................................................... 583

A reeleio da Presidncia da Cmara: um contraponto ................................................. 585

A produo legislativa .................................................................................................. 586

CAPTULO XVI A DCIMA SEXTA LEGISLATURA: 2009-2012 O segundo mandato de Joo Coser ................................................................................. 591

Seis anos na Presidncia .............................................................................................. 593

Crise .......................................................................................................................... 596

Faltam novas leis e sobram homenagens ........................................................................ 600

Educao .................................................................................................................... 603

O trnsito, o transporte pblico e o BRT ...................................................................... 611

A dvida e a paralisao das obras: o Oramento Enganativo ................................... 617

O caso do caseiro ..................................................................................................... 625

Desapropriaes .......................................................................................................... 628

O ltimo ano de um governo problemtico ................................................................. 629

A produo legislativa .................................................................................................. 633

CAPTULO XVII O INCIO DA DCIMA STIMA LEGISLATURA:

2013-2014

A gesto de Luciano Rezende ...................................................................................... 637

Os novos vereadores ..................................................................................................... 639

Suplentes que assumiram o mandato de Vereador ........................................................ 652

Um ano de atuao ..................................................................................................... 654

Segurana ................................................................................................................... 655

As grandes manifestaes de junho de 2013 ................................................................. 663

Insatisfao ................................................................................................................. 670

A produo legislativa ................................................................................................ 673

NOTAS ................................................................................................................... 675

FONTES E BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 739

NDICE ONOMSTICO ................................................................................... 741

Bato na mesma tecla. Falo para as quatro pare-des, porque nem mesmo os colegas se interessam pelo que se pronuncia desta tribuna.

Claudionor Lopes Pereira

Vereador recordista, com oito mandatos conse-cutivos na Cmara de Vitria.

QUARTA PARTE A CMARA NA ERA DO POPULISMO

CAPTULO I

A PRIMEIRA LEGISLATURA

1947 - 1951

De Ceciliano Abel de Almeida a lvaro de Castro Matos

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A Primeira Legislatura 1947-1951

A REABERTURA DA CMARA

Aps um longo perodo de inatividade, a Cmara municipal de Vitria reiniciou suas funes em 1947, dois anos depois do fim da ditadura de Getlio Vargas. Chamado eufemisticamente por seus adeptos de Estado Novo, o regime comandado por Vargas havia sido instaurado formalmente no pas em 10 de novembro 1937. Ele j governava o pas desde 1930, mas havia a determinao, contida na Constituio de 1934, de que, para sua sucesso, seriam realizadas eleies presidenciais em janeiro de 1938. No entanto, a promessa de Vargas de que as eleies seriam realizadas numa saudvel atmosfera de liberdade, no se consumou, mas o seu projeto continuista sim, instaurando-se no pas, com o apoio de foras polticas civis e militares, um agressivo regime ditatorial que durou at 1945.

E como consequncia da implantao de um regime abertamente autoritrio - um fato que ocorria pela primeira vez na histria republicana brasileira -, interrompeu-se o fun-cionamento da Cmara municipal de Vitria, e de todas as cmaras e assembleias do pas, por mais de dez anos, o que nunca havia acontecido na nossa histria.

O reincio da atuao da Cmara em 1947 junto com a prpria eleio dos novos vereadores foram fortemente impactados pela conjuntura poltica nacional e estadual de re-democratizao e pelas vicissitudes do governo do general Dutra (1946-1951).

As foras polticas que apoiaram a eleio de Dutra no Esprito Santo, em dezem-bro de 1945, e que por causa disso dispunham de prestgio no plano federal, se dividiram com a realizao do pleito para governador do Estado e para o Legislativo estadual, realizado em janeiro de 1947. O PSD, partido que havia aglutinado a maior parte dos correligionrios de Dutra, no conseguiu apresentar uma candidatura de consenso, e surgiram nele duas candidaturas que marcariam de forma pronunciada a poltica capixaba daquela poca: a do deputado federal Carlos Lindenberg, pelo PSD, e a do senador Atlio Vivcqua, que acabou por se filiar ao Partido Republicano, o PR.

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

Lindenberg era o herdeiro poltico de uma das famlias mais influentes da poltica capixaba: a famlia Monteiro, de Cachoeiro de Itapemirim, que praticamente dominou a po-ltica capixaba at 1930, principalmente com seus tios, Jernimo e Bernardino Monteiro. Ele fora secretrio da Fazenda e da Agricultura, no governo do interventor Punaro Bley (1930-1943), e ativo participante da reorganizao do PSD estadual, partido pelo qual se elegeu como deputado federal para a Constituinte de 1946.01

Vivcqua, por sua vez, era filho do imigrante Antnio Vivcqua, fazendeiro e co-merciante em Muniz Freire, no sul do Estado. Aps se eleger Vereador em Cachoeiro de Ita-pemirim e atuar na colonizao da regio do rio Doce, Vivcqua foi Secretrio da Educao do governo de Aristeu Borges de Aguiar, o poltico serrano deposto pela Revoluo de 1930. Exerceu a advocacia no Rio de Janeiro - tornou-se presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e professor de Direito na Faculdade Nacional de Direito -, onde era considerado um advogado brilhante. Apesar de ter militado ao lado das foras derrotadas por Vargas, tambm se filiou ao PSD em 1945, apoiou resolutamente a candidatura de Dutra e elegeu-se senador pelo Esprito Santo com expressiva votao. No Senado, fez parte da Comisso de Constituio e ajudou a redigir o projeto da nova Constituio de 1946. Apresentou diversos projetos inovadores no Parlamento nacional, em vrios campos: na preservao das rique-zas nacionais, em benefcio do setor agrrio, e na defesa do municipalismo, razo pela qual sempre gozou de muita estima e considerao na Cmara municipal de Vitria que, mais recentemente, lhe prestou sensvel homenagem ao dar seu nome sua sede, o Palcio Atlio Vivcqua, projetado pelo renomado arquiteto Carlos Alberto Vivcqua Campos.

No pleito de 1947, Lindenberg foi apoiado pelo ex-interventor Jones dos Santos Neves, tambm de seu partido, e por uma parte da UDN, partido que era liderado no Estado por seu irmo Fernando Lindenberg, e que se opunha acirradamente no plano nacional ao PSD. Vivcqua saiu candidato pelo PR com o apoio da chamada Coligao Democrtica, que inclua o Partido Democrata Cristo, o PDC, liderado pelo ex-interventor Punaro Bley. O PTB e o PRP, por sua vez, apoiaram Lindenberg, mas o Partido Comunista Brasileiro, o PCB, teve uma postura ambivalente e apoiou Atlio Vivcqua para o governo e Jones dos Santos Neves para o Senado.02

A vitria de Lindenberg e da aliana PSD-UDN foi muito expressiva: ele obteve

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A Primeira Legislatura 1947-1951

quase 65% dos votos contra os 35% dados a Vivcqua. E no pleito para a Assembleia Legis-lativa, realizado no mesmo dia, o PSD obteve quatorze cadeiras, contra seis da UDN, quatro do PR, duas do PDC, duas do PTB, duas do PRP, uma do PCB e uma do PRD. Esse resultado atesta que havia uma grande fragmentao partidria das foras polticas do Esprito Santo.03

Poucos meses aps a eleio para governador, no entanto, em 30 de novembro de 1947, realizou-se o pleito para a composio da Cmara municipal. Essa foi a primeira eleio municipal aps o retorno do regime democrtico, em 1945.

Na eleio da capital, alm de ocorrer um baixo comparecimento s urnas, notou--se a existncia de uma opinio poltica desfavorvel ao recm empossado governo estadual e ao seu preposto na prefeitura, com a eleio de apenas dois vereadores do PSD, o partido do governo. Na opinio de Areobaldo Lellis, que escrevia uma influente coluna na primeira pgina de A Gazeta: Inaugurado havia oito meses, sob os melhores auspcios, j comeava cedo o governo a sentir no estar mais pisando terreno firme no seio da opinio pblica, o qual se mostrava movedio, fugindo-lhe aos ps, com a orientao administrativa e poltica que vinha sendo dada aos problemas de uma e outra natureza a enfrentar.04

Dessa forma, a Cmara voltou a funcionar j a 31 de dezembro de 1947. Nesse dia, prestigiando a posse dos novos vereadores, compareceram vrias autoridades: alm do prefeito Ceciliano Abel de Almeida, que havia sido nomeado pelo governador Carlos Lin-denberg e j exercia o cargo h oito meses, tambm compareceu o presidente da Assembleia Legislativa Estadual, o Dr. Waldemar Mendes de Andrade, do PSD, o mesmo partido do governador.

Na ocasio, o Vereador mais votado, Hermgenes Lima Fonseca - que fora eleito pelo Partido Republicano, o PR, dado que o seu verdadeiro partido, o Partido Comunis-ta Brasileiro, tinha sido proscrito pelo governo federal no incio do mesmo ano de 1947 -, foi encarregado de proferir o compromisso de posse. Hermgenes viria a ser um dos vereadores de destaque na legislatura. Hermgenes Lima Fonseca

Fonte: Memrias de Vitria - Facebook

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

Assim, na sesso inaugural foi eleito como presidente da Cmara Ithobal Rodri-gues Campos, da UDN, com oito votos, e foram dados sete votos ao Vereador Ethereldes Queiroz do Valle do PR, que se tornaria seu opositor. Como vice-presidente foi eleito Jos Francisco de Paula, do PSD.

Alm dos vereadores j mencionados, a Cmara tambm era composta por: Alceu Moreira Pinto Aleixo, do PR; Ayrton Loureiro Machado, do PR; Pedro Maia de Carvalho, da UDN; Oscar Paulo da Silva, do PTB; Oscar Rodrigues de Oliveira, do PR; Augusto Sergipen-se Pena Jnior, do PR; Mximo Vieira Varejo, do PSD; Altamir Faria Gonalves, do PTB; Wolghano Neto, do PDC; Otaclio da Silva Lomba, da UDN e Aristteles da Silva Santos, do PR. Totalizavam uma bancada de quinze vereadores, dos quais sete eram do Partido Repu-blicano, trs da Unio Democrtica Nacional, dois do Partido Social Democrtico, dois do Partido Trabalhista Brasileiro e um do Partido Democrata Cristo.05

No princpio da legislatura, a Cmara ainda no tinha sede permanente e passou a funcionar provisoriamente no edifcio da Assembleia Legislativa Estadual, no centro da cidade, por concesso temporria dessa Casa. Mas essa situao incomodou bastante aos vereadores, que exigiam uma providncia do prefeito a respeito.

Uma vez que a Cmara no funcionava havia dez anos, o novo presidente Ithobal ficou em dvida a respeito do encaminhamento dos trabalhos e sentiu-se na obrigao de consultar seus pares sobre se deveria, ou no, seguir integralmente o regimento existente, que ainda era o de 1937, uma vez que ele no se coadunava com a poca atual, segundo Ithobal. Sua proposta foi aprovada, com a ressalva de que o velho regimento no deveria ser acatado naquilo que colidisse com a Constituio Federal, com a Estadual e com a Lei Orgnica Mu-nicipal, at que fosse votado um novo regimento, o que s aconteceu no final da presidncia de Ithobal. Na mesma sesso foi aprovado o funcionamento noturno da Cmara. Da mesma maneira, foram escolhidos os componentes das seguintes comisses: a Comisso de Justia e Redao das Leis; a Comisso de Oramento, Finanas, Exame de Contas e Balano; a Comisso de Posturas; e a Comisso de Obras, Sade e Higiene Pblica.06

A necessidade premente de um novo regimento para a Cmara, tendo em vista a obsolescncia do que cara em desuso em 1937 com o fechamento da Cmara, decorria

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A Primeira Legislatura 1947-1951

igualmente do fato de que havia sido aprovada recentemente pela Assembleia Legislativa Estadual uma nova Lei de Organizao Municipal, que continha, segundo alguns analistas, muitos tpicos polmicos e confusos. Edgard Castro, por exemplo, apontou a incongruncia entre o Artigo 60 da nova Constituio Estadual, ao estabelecer que o funcio-nrio pblico estadual ou municipal investido da funo de Vereador no era obrigado a se afastar do cargo, e a Lei Orgnica Municipal, elaborada pela mesma Assembleia, que, em seu Artigo 33, determinava que nenhum Verea-dor poderia exercer cargo, comisso ou emprego pblico municipal remunerado.07

Assim, j nessa primeira sesso comearam a aparecer as divergncias ideolgicas existentes entre os vereadores. Ao usar da palavra, Pedro Maia de Carvalho - militar de profisso e atuante membro da bancada da UDN - manifestou estranheza pelo fato de o Vereador Hermgenes Lima Fonseca, apesar de ter sido eleito pelo Partido Republicano, ter feito em seu discurso de posse uma concreta profisso de f comunista, declarando sentir--se honrado em haver pertencido ao Partido Comunista e continuar professando aquele credo, bem como obedecer nesta Casa s ordens do Senhor Luiz Carlos Prestes. De forma um tanto quanto provocativa, Pedro Maia exigiu que Hermgenes fizesse uma declarao pblica dizendo se pertence ao Partido que o elegeu e se-gue a sua orientao ou continua ligado orientao dos comunistas. Como era de se esperar, ele foi aparteado por Hermgenes, que retrucou e assegurou que de acor-do com a Constituio Federal vigente, lhe permitido professar qualquer credo poltico ou religioso. Vrios outros vereadores tomaram parte no debate, que acabou por provocar a manifestao das galerias e a interveno do presidente no sentido de evitar que a balbrdia tomas-se conta da sesso. No satisfeito com isso, o Vereador Pedro Maia ainda apresentou voto de congratulaes com o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato derrotado presidncia do pas pela UDN em 1945,

Ithobal Rodrigues Campos Fonte: Site da Cmara Municipal de Vitria

Pedro Maia de Carvalho Fonte: Site da Cmara Municipal de Vitria

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

pela conduta que vem mantendo aquele cidado na poltica nacional. Em contrapartida, Hermgenes apresentou requerimento no sentido de ser enviado um telegrama de felicita-es ao senador Luiz Carlos Prestes.08

A propsito desse episdio, Hermgenes relembrou a sua estreia como parlamen-tar, em uma entrevista denominada A breve passagem do PCB pelo parlamento capixaba - da srie Partidos do Esprito Santo -, concedida ao jornalista Rogrio Medeiros. Ele declarou: Logo na sesso solene da instalao da Cmara, eu fiz um pronunciamento na presena, inclusive, de autoridades, protestando contra a iminente cassao dos mandatos dos parlamentares comunistas e assegurei que lamentava profundamente no ter sido eleito pela legenda do Partido Comunista Brasileiro. Mas, como se tratava de uma sesso solene, isso no ficou registrado em ata. Na sesso seguinte, eu fui convidado pelo Vereador Pedro Maia de Carvalho a ir Tribuna retratar-me. Eu respondi que estava de acordo com a Cons-tituio que nos dava liberdade para credos polticos e religiosos. Resultou a um incio de cassao de mandato, mas que no foi levado em considerao, pois foi at arquivado depois pelo Tribunal Regional Eleitoral.09

O experiente Vereador Sergipense Pena aproveitou a oportunidade e fez tambm um retrospecto de sua atuao na extinta Cmara de 1937. Ele confessou jamais haver per-tencido ao Partido Comunista e, mesmo assim, fez um veemente ataque ao Sr. Getlio Var-gas, a quem ele acusava de ter imposto uma ditadura fascista no pas. Sergipense Pena era ferrenho adversrio do fascismo brasileiro, representado pelos integralistas, e mesmo aps o fim da ditadura de Vargas continuava combatendo seus antigos adversrios. Em julho de 1948, por exemplo, ele denunciou da tribuna da Cmara a realizao de um congresso inte-gralista em Campinas, considerando que ele era um escrnio Nao brasileira, e que era necessrio barrar o recrudescimento do integralismo.10

Na sesso seguinte, esse mesmo Vereador rebateu e criticou o noticirio do matu-tino A Gazeta, com relao sesso de instalao da Cmara, que o jornal apresentara como dominada pela balbrdia. Para Pena, a forma como o noticirio fora redigido estabelecia um choque entre esta Cmara e o povo de Vitria, extremamente prejudicial aos interesses da Cidade. Ele acreditava que o jornal procurava acintosamente colocar a populao con-tra a Cmara, sem razo. Seu colega Otaclio Lomba, jornalista de A Gazeta, aparteou-o, e

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A Primeira Legislatura 1947-1951

afirmou que, na qualidade de redator do jornal, o visitara vrias vezes na cadeia aps o golpe de 1937, quando Pena esteve preso, e presenciara os seus sofrimentos morais e fsicos. Lom-ba ainda acrescentou que defendera Sergipense Pena nas colunas de seu jornal e procurou demonstrar a injustia daquela recluso. Mesmo assim, Pena reafirmou suas crticas ao jornal.11

Em outra sesso, o conceituado Vereador Ayrton Machado criticou a grande abs-teno ocorrida no ltimo pleito para a Cmara municipal, atribuindo-a maneira como tm se conduzido os representantes do povo na Cmara Federal e nas Cmaras Estaduais e Municipais do pas, os quais, ao invs de se preocuparem com os problemas que mais de perto afligem o povo, gastam todo o tempo das sesses legislativas com discusses estreis e divagaes demaggicas.12

Na mesma ocasio, Alceu Aleixo apresentou longo requerimento, no qual requisi-tou vrias informaes ao prefeito municipal. Ele apresentou, na verdade, um autntico pro-grama de governo, que dava bem uma ideia dos problemas que a cidade de Vitria enfrentava naquela poca, e por isso vale a pena transcrever suas propostas.

Perguntava Alceu Aleixo:

a) Quais as providncias adotadas pela Prefeitura para a execuo do decreto-lei

Otaclio da Silva Lomba Ayrton Loureiro Machado Alceu Moreira Pinto AleixoFonte: Memrias de Vitria - Facebook

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

estadual que autorizou o Executivo municipal a contrair emprstimo de Cr$ 10.000,00 com a Caixa Econmica Federal?

b) Em que p se encontram as negociaes para dito emprstimo?

c) Se realizada a citada operao estar a Prefeitura financeiramente aparelhada para a execuo do plano de obras pblicas?

d) Se do referido plano constam os seguintes empreendimentos, no todo ou em parte:

o esgotos, calamento e urbanizao dos seguintes bairros: Praia Comprida e do Su, Marupe, Santo Antnio, Vila Rubim e Jucutuquara;

o construo de trs mercadinhos na Praia Comprida, Jucutuquara e Santo An-tonio;

o desapropriao do domnio til e aterro de todo o mangal compreendido entre o Forte de So Joo e a Praia Comprida;

o aquisio de terreno, construo e aparelhagem de Hospital de Pronto So-corro;

o aquisio de terreno, construo e aparelhagem de um Ginsio municipal desportivo, com quadras de basquete, voleibol, tnis e piscina para nele ser instalada a Fede-rao Desportiva Esprito-Santense;

o reforma do calamento dos passeios e arborizao das ruas centrais da Capi-tal;

o aquisio de terreno, construo e aparelhagem de edifcio destinado a abri-gar as Associaes Literrias e Cientficas da Capital bem como o Museu Histrico e uma Exposio permanente de produtos capixabas;

o aquisio de uma rea para a construo das Casas Populares, por intermdio da respectiva Fundao;

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A Primeira Legislatura 1947-1951

o estudos e reforma da rede de guas pluviais;

o estudos de arruamento, gua encanada e esgotos e melhoria das condies higinicas dos morros;

o reforma da iluminao pblica da cidade;

o construo de um cemitrio em Marupe;

o aquisio de terreno, construo de edifcio destinado no s sede da Pre-feitura mas tambm da Cmara municipal;

o aquisio de terreno e construo de um grande hotel;

e) caso contrrio, quanto se torna necessrio para execuo do plano assim am-pliado.13

A VITRIA FSICA E SOCIAL EM 1948

O programa de obras esboado por Alceu Aleixo revelava uma preocupao priori-tria com bairros como os da Praia Comprida, atualmente denominado Praia do Canto, Praia do Su, Marupe, Santo Antnio, Vila Rubim e Jucutuquara. Nesse sentido, muito instrutivo relembrar aqui a descrio que foi feita dos bairros de Vitria, na mesma poca da primeira legislatura, por Adelpho Poli Monjardim, que ainda viria a se tornar prefeito de Vitria pou-cos anos depois. Afirmou Monjardim:

Vitria, praticamente, divide-se em dezessete zonas ou bairros, excetuando-se o centro.

Este ocupa, com rigor, posio equidistante da Praia Comprida e Santo Antonio, seus bairros ex-

tremos. Situa-se entre a Capixaba, a leste, e o Moscoso, a oeste. Divide-se em cidade baixa e cidade

alta. Na cidade baixa situa-se a Praa Oito de Setembro, centro geogrfico, econmico e poltico

da capital e ponto de reunio onde se debatem e discutem todos os assuntos. Em artstica torre de

dezoito metros de altura, o relgio pblico anuncia as horas aos acordes do hino esprito-santense.

Dos edifcios importantes que a circundam notam-se os da Alfndega e do Banco de Crdito Agr-

cola do Esprito Santo S/A. A face para o mar defronta-se com o Cais do Porto, seus guindastes e

os grandes navios atracados.

16

Histria da Cmara Municipal de Vitria

ainda no centro que se encontram os principais estabelecimentos de crdito, cinemas, jornais,

Cmara municipal, a Prefeitura e o alto comrcio. O Palcio do Governo, a Escola Normal Pedro II,

o Congresso, o Frum, a Catedral e a Biblioteca Pblica, situam-se na cidade alta.

O bairro do Moscoso recebeu a denominao do magnfico parque, um dos mais belos do pas. o

bairro aristocrtico da capital.

O Forte de So Joo, intermedirio entre a Capixaba e Jucutuquara, um bairro pequeno. Por largo

tempo, foi quase que exclusivamente operrio, porm vem tomando aprecivel incremento e j apre-

senta excelentes construes de moradia e comerciais.

Vila Rubim, antiga Cidade da Palha, era o reduto da pobreza e os casebres enxameavam pelos

morros. Hoje centro de forte e ativo comrcio, graas situao de passagem obrigatria para o

continente e vice-versa, pois sobre os seus terrenos desemboca a ponte Florentino Avidos. Ao go-

vernador Francisco Alberto Rubim, que dirigiu a capitania do Esprito Santo, de 1812 a 1819, deve

o seu nome.

A ilha de Santa Maria, fronteira a Jucutuquara, no constitui, propriamente, um bairro. um aglo-

merado de casebres, sem ordem, sem alinhamento, sobre o aterro que a liga a Jucutuquara. ,

tambm, o pesadelo da Prefeitura, incapaz para conter a onda das construes que brotam como

cogumelos. Pelo plano de urbanizao ser um dos mais belos arrabaldes de Vitria.

No se sabe se por fatalidade geogrfica, tem a ilha do Prncipe a mesma sina da de Santa Maria.

A pobreza apossou-se das terras e mangais para erguer a bizarra e pitoresca cidade de querosene e

sap. Como a de Santa Maria, brilhante futuro lhe est reservado. Ser o bairro da opulncia, onde

se erguero as vivendas dos eleitos da fortuna.

Sobre a ilha do Prncipe repousam, s cabeceiras da ponte Florentino Avidos, sees do continente

e de Vitria. Sobre seus terrenos passam os trilhos da Estrada de Ferro Vitria a Minas, dirigindo-se

para o Cais do Porto.

Dentre os mais antigos bairros figura o de Marupe. O seu desenvolvimento processa-se lentamente,

no obstante abrigar o esplndido quartel que o governo do Estado construiu para a Polcia Militar

e que ocupado pelo Grupo de Artilharia Mvel de Costa. As causas so apontadas pela carncia

17

A Primeira Legislatura 1947-1951

de meios de transporte rpido e barato e que seriam sanadas com o prolongamento dos trilhos da

Companhia Central Brasileira de Fora Eltrica, que ora terminam em Jucutuquara. Entretanto,

desenvolveu-se, subdividindo-se em outros conhecidos por Muxinga, Mulemb e Gurigica, todos

prsperos, bem povoados com predominncia das classes menos abastadas.

Marupe notvel pela excelncia do clima e condies de salubridade. Em suas montanhas se acha

edificado o Sanatrio Getlio Vargas.

Entre o Santo Antonio e a Vila Rubim, apertado pelos mangues contra a montanha, alastra-se o

casario de Caratora, em sua totalidade constitudo de modestas casas.

O Constantino uma pequena seo entre Gurigica e Su. Vem experimentando vigoroso surto de

progresso com novas construes e a esplndida vila edificada pelo Instituto de Aposentadoria e

Penses dos Industririos.

No extremo oeste da cidade e ponto terminal da linha de bondes, o Santo Antonio se derrama, ple-

trico, pelas baixadas adjacentes, tabuleiros e montanhas. dos mais prsperos e populosos bairros,

calculando-se a sua populao superior a 7.000 almas. Entre outras coisas dignas de nota, abriga o

Cemitrio municipal, o amplo e moderno edifcio da Obra Social So Jos, sob a direo dos padres

pavonianos, e o Aeroporto.

Para a zona leste, apesar dos seus cabelos brancos, o Su tem progredido pouco. Explica-se o fen-

meno pelo aparecimento do bairro de Praia Comprida.

Em outras pocas, ponto terminal dos carris de trao animal, o Su foi muito procurado pelos

banhistas, que em suas praias buscavam lenitivo para os rigores da cancula. Hoje a sua rival, com

melhores praias e admirvel traado urbanstico, de autoria de um dos mestres do urbanismo nacio-

nal, Dr. Saturnino de Brito, monopolizou as preferncias da populao.

Menos importante, em comrcio e populao que Jucutuquara e Santo Antonio, , entretanto, Praia

Comprida o bairro lder, refgio das classes abastadas. um bairro de ruas amplas, bem traadas e

largura nunca inferior a vinte metros. Dentre as avenidas merece destaque a de Nossa Senhora da

Penha, com trs e meio quilmetros de extenso por trinta de largura e calada a paraleleppedos.

Nela se acha instalada, em suntuoso edifcio, a Obra Social Santa Luzia.

18

Histria da Cmara Municipal de Vitria

Magnfica praia borda o recncavo banhado por um mar eternamente calmo, verdadeiro lago com

duas enormes ilhas, dos Frades e do Boi, a conter as arremetidas do largo oceano.

A Praia o ponto terminal da linha de bondes para a zona leste e tambm da de nibus.

Alm dos belos edifcios residenciais, merecem registro o da Western Telegraph, do Hospital Infantil

e da igreja de Santa Rita de Cssia.

A Bomba, debruada sobre o canal da Passagem, limite norte da ilha bairro em formao. Por

estar prximo ao de Praia Comprida ser, por contingncia, beneficiado com a sua expanso rpida

e crescente.14

Era essa, portanto, em 1948, conforme a descrio de Adelpho Monjardim, a cidade fsica que a Cmara municipal de Vitria tinha a responsabilidade de ajudar a administrar.

Mas importante obtermos tambm uma viso do que era naquela poca a cidade social, ou seja, de como viviam as pessoas e de quais eram os seus principais problemas. E ningum foi mais preciso nessa informao do que o prprio Vereador Hermgenes Lima Fonseca em um discurso que proferiu logo no incio de seu mandato, e que um documento importante da histria da Cmara - e por isso o transcrevemos aqui. Afirmou Hermgenes em 1948:

Tenho a honra de ocupar a tribuna para tratar de assuntos que julgo dos mais relevantes para o povo.

Como sabemos, Vitria uma cidade onde tudo que se consome importado, o que equivale dizer

que quase nada produz. Gneros no so produzidos no Municpio, pois alm ser um Municpio de

territrio pequeno, grandes reas prximas, que deveriam estar produzindo, esto incultas nas mos

dos latifundirios, que esperam apenas valorizao sempre decorrentes de servios pblicos como

estradas etc., para ento venderem lotes por preos inacessveis, enquanto esta falta de produo nas

terras prximas leva o povo a dificuldades cada vez maiores, crescendo assustadoramente o preo

das utilidades, especialmente alimentares.

Por outro lado, tambm no temos um regular desenvolvimento industrial, o que determina que o

nmero de desempregados seja cada vez maior, e isto por dois fatores fundamentais: 1 - a falta do

mercado para consumir produtos da indstria; e o 2 - o preo exorbitante da energia eltrica e pou-

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A Primeira Legislatura 1947-1951

ca capacidade no fornecimento, o que torna os industriais desanimados, pois ficam impossibilitados

de produzirem mais em conta, e obterem compradores para seus produtos. O 1 fator sem dvida

o mais importante, e, para que seja resolvido o problema, somente a reforma agrria; porm o 2

deve merecer de todos ns a maior ateno. Surge da necessidade de resolver este problema uma

pergunta: por que temos pouca energia eltrica, e muito cara, tornando o desenvolvimento indus-

trial quase impossvel? E a resposta salta aos olhos, porque o servio de energia eltrica, em nossa

Capital, pertence por monoplio a uma Companhia imperialista, que no tem nenhum interesse em

fornecer fora eltrica em quantidade bastante para o desenvolvimento de nossa indstria; porque

servio bsico como energia devia pertencer ao Estado ou Municpio, que so os interessados em

facilitar o desenvolvimento industrial, e para isto forneceriam a energia necessria. Ora, se o servio

pertence a uma Companhia estrangeira imperialista, lgico que visa exclusivamente a lucros, e no

tem o menor interesse no desenvolvimento da produo entre ns, da no serem ampliados os

servios de fornecimento de fora e constantemente ser aumentado o preo. Mesmo porque como

a Companhia imperialista tem todo interesse em impedir nosso desenvolvimento, para que sejamos

obrigados a no fabricar nada, e ficarmos como compradores daquilo que os imperialistas fabricam

para nos vender, e ficarmos ao mesmo tempo obrigados condio de fornecedores de matria-

-prima barata; matria-prima que por falta de energia deixamos de transformar em produtos para o

mercado.

preciso ressaltar que necessitamos de democracia para podermos resolver os problemas econ-

micos e sociais de nosso povo, pois contrariamente aos que dizem que devemos ser apolticos, digo

que devemos ser polticos, porm polticos no bom sentido da palavra, pois sem discusso livre dos

problemas no se pode chegar sequer a conhec-los, e depois de conhecidos tm de ser resolvidos

politicamente. com as leis que se solucionam os problemas econmicos, e as leis so atos polticos,

assim como poltica a discusso dos problemas. Da ser interesse dos negocistas, dos esfomeadores

do povo, dos vendilhes da Ptria ao imperialismo, liquidarem com a liberdade de pensamento, liber-

dade de reunio e discusso, liberdade de imprensa, liberdade de associao, liberdade de voto para

a escolha de representantes etc., e enfim liquidarem a democracia em nome do tal apoliticismo para

mais facilmente jogarem a Ptria na misria e escravido, sem que o povo possa protestar.

Estamos assistindo em nossa Ptria aos graves atentados aos direitos do povo, atentados estes, con-

tra os quais lano o meu mais veemente protesto. Assistimos a toda hora os mais brutais assaltos

20

Histria da Cmara Municipal de Vitria

liberdade de imprensa; so jornais arbitrria e inconstitucionalmente suspensos, depredados e inva-

didos; so jornalistas e operrios espancados como no caso do jornal Imprensa Popular. Assistimos

tambm, pela primeira vez na histria poltica do Brasil, a legtimos representantes do povo, eleitos

pelo povo, exercendo o mandato, terem seus mandatos cassados por uma lei ordinria, quando a

Constituio no permite tal esbulho. E tudo isto por que e para qu? Para chegarem a suprimir

todas as liberdades pblicas, e ento continuarem vendendo o Brasil sem que ningum diga coisa

alguma.

bom assinalar que mal conseguiram os falsos patriotas roubarem os mandatos que o povo confiou

a legtimos representantes seus, e j se fala que o petrleo brasileiro ser entregue explorao da

Standard; mal roubaram os mandatos do povo, e j foi feito sociedade annima da Companhia Na-

cional de Motores para passar ao controle do imperialismo ianque; mal roubaram os votos do povo,

e j esto novamente subindo assustadoramente os preos, enquanto os salrios e vencimentos

permanecem os mesmos, baixos e miserveis. para isto que os esfomeadores do povo, com o Sr.

Dutra frente, liquidam as liberdades pblicas, implantando esta ditadura terrorista e disfarada que

a temos, onde ningum se sente seguro, pois nas mos deles a Constituio no passa de farrapo

de papel. Entretanto isto tem servido para mostrar ao povo quem so realmente democratas e seus

amigos, e quem so os falsos democratas, que capitulam frente aos inimigos do povo apenas para

se acomodarem.

Fiquemos certos de uma coisa, de que o povo acompanha e sabe de quadro como este: sobre o

preo da vida. Antes do governo de traio nacional, (Dutra e os parlamentares capitulacionistas) em

1945, e agora, depois de dois anos de governo. (...)

E para continuar nesta poltica de esfomeamento constante que cassam mandatos, que assaltam a

liberdade de imprensa e que impedem a organizao do povo. Senhores vereadores, devemos impe-

dir que continuem os desmandos ditatoriais, pois temos tambm responsabilidade na preservao

do regime democrtico. J vimos que as liberdades legais so conspurcadas para que os inimigos do

povo possam elevar cada vez mais o preo da vida e entregar nossa economia ao controle imperia-

lista. E todo aquele que no defende, com as foras de que dispe, as liberdades pblicas, passa a ser

cmplice nas dificuldades de vida que so criadas para o povo.

preciso notarmos que os inimigos do progresso, os esfomeadores, os vendilhes da Ptria, cons-

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A Primeira Legislatura 1947-1951

tituem um grupo reduzido, suas foras so pequenas, apenas esto ocupando postos de mando, mas

no tm base popular. Se tem dado certos golpes na democracia, porque ns, os do povo, os que

constitumos a imensa maioria, que somos contrrios fome e misria, consequentemente contra

a reao, ainda no nos dispusemos corajosamente a dizer: basta de reao, e de fome.

Ainda temos subestimado as foras democrticas, e superestimado as foras do fascismo. Enquanto

o grupo fascista de inimigos do povo por demais reduzido, estejamos certos de uma coisa, de que

se dissermos: chega de reao, e resistirmos fascistizao de nossa Ptria, como temos obrigao

de fazer, o grupo fascista do Catete ter que recuar e respeitar a Constituio, pois no tem a quem

mobilizar. Se porm, ao contrrio, ns nos acovardarmos e aceitarmos passivamente os crimes, eles,

os fascistas, chegaro a no poupar ningum.

Estamos assistindo s capitulaes sucessivas do Parlamento frente s disposies do imperialismo,

e isto o que tem encorajado o grupo fascista para dar golpes cada vez mais audaciosos contra as

liberdades do povo. Mas tambm o que vemos? que o povo no os acompanha em suas traies,

e est cada vez mais disposto a oferecer resistncia, a no se deixar matar de fome.

Confiemos no povo, e resistamos certos de que o grupo de inimigos por demais pequeno, fraco

e desmoralizado. Certos de que o povo vencer facilmente, e julgar nossa atuao, se nos acovar-

darmos frente a seus inimigos quando era hora de lutar, ou se realmente lutamos a seu lado para

preservar o regime democrtico.

Fao daqui um apelo a todos os patriotas e democratas, para que se organizem, e todos unidos im-

peamos a entrega do nosso povo escravido, impeamos a entrega do Brasil ao imperialismo. O

povo organizado a maior arma da fora nacional e vencer facilmente os inimigos vendilhes da

Ptria.

Concluindo, quero apresentar um projeto no sentido de impedir os aumentos sucessivos da sangria

dada no municpio pela C.C.B.F.E. Estejamos certos que aparecero os advogados do diabo para,

velada ou ostensivamente, defenderem a Cia. Central Brasileira; mas estes sero poucos, pois o povo,

em sua grande maioria, ficar conosco, e em tudo nos ajudar, para liquidarmos com a explorao

deste monstro sobre nosso povo; j que compreendemos ser a falta de energia um dos fatores que

impedem o desenvolvimento industrial, submeto Casa o projeto abaixo.15

22

Histria da Cmara Municipal de Vitria

UMA LEGISLATURA DE OPOSIO

Mas esse combativo discurso de Hermgenes no ficou sem contestao. Seu co-lega Mximo Varejo exigiu que constasse da ata o aparte que fizera ao discurso de Herm-genes, em que afirmou: Vossa Excelncia no poder tratar de assuntos relevantes com relao s necessidades do povo, sem fazer profisso de f comunista?16

No satisfeito, na mesma sesso em que fez o seu longo discurso, Hermgenes ainda teceu vrios comentrios a respeito do chamado plano Agache, denominado assim por causa do sobrenome do engenheiro Hubert Donat Alfred Agache, urbanista francs contratado para fazer reformas na cidade pelo ex-prefeito Henrique de Novais, (1944-1945). Hermgenes se referia s dificuldades criadas pela Prefeitura, com base no referido plano, para conceder licenas de reformas nas casas dos moradores. Ele achava que a medida pre-judicava principalmente as pessoas pobres que residem nos morros e arrabaldes da cidade e tm necessidade de fazer algum concerto de urgncia em suas casas. Seu colega Ayrton Machado veio em seu apoio, declarando que o tal plano Agache no passava de uma fan-tasia das mil e uma noites. Outros vereadores requereram do prefeito uma cpia do plano para que ele pudesse ser apreciado pela Cmara.17

A 10. Sesso Ordinria, ocorrida no dia 20 de fevereiro de 1948, j foi realizada em uma sede provisria localizada na rua OReilly de Souza, n. 53. Nessa sesso foi recebido, e transcrito na respectiva ata, o contrato celebrado entre a Prefeitura de Vitria e o Professor francs Alfred Agache, por meio da Empresa de Topografia, Urbanismo e Construes, do engenheiro Joo Rocha Mello. Assinado em maio de 1945, pelo antigo prefeito Henrique de Novais, o contrato estabelecia que a empresa ficava encarregada de supervisionar, orien-tar e planejar o programa urbanstico da capital do Estado. A empresa tambm se compro-metia a ficar disposio da Prefeitura para a realizao das seguintes obras: projeto de um centro cvico na cidade alta; nova utilizao da Ilha do Prncipe; projeto de bairro operrio na Colina de Caratoira; ampliao do porto; e criao de uma nova praia.18

Uma outra questo, que tambm chamava muito a ateno dos vereadores no incio de 1948 era a situao do famoso Cine Politeama, localizado na avenida Repblica, em frente ao Parque Moscoso. O Vereador Oscar Paulo da Silva classificou-o como um pardiei-

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A Primeira Legislatura 1947-1951

ro indecente que afronta os foros de civilizao do povo capixaba, verdadeiro monstrengo existente na avenida Repblica, uma das principais artrias da capital. J Sergipense Pena, em outra sesso, foi mais incisivo ao dizer que achou escandalosa a atitude do prefeito para com a empresa proprietria do Politeama, e tambm do Cine-Teatro Glria, e refez o apelo para que as autoridades municipais mandassem interditar imediatamente aquela casa de di-verses que era, segundo ele, uma verdadeira aberrao esttica e de higiene, uma ameaa permanente, com perigo de vida para aqueles que o frequentam.19

Naqueles dias, tambm se agitava na Cmara o grande projeto de elaborao de um Cdigo Tributrio Municipal, e os vereadores se preocupavam em discutir e apresentar pro-jetos neste sentido. Contudo, s em dezembro o novo cdigo viria a ser aprovado definitivamente, e o que mais chamou a ateno nele foi a dispensa do pagamento de impostos, por cinco anos, para as edificaes com mais de cinco pavimentos. A Prefeitura e a Cmara aprovaram a ideia da iseno, apesar de ainda existirem muitos terre-nos baldios na cidade: elas queriam promover a vertica-lizao da cidade como forma de melhor aproveitar seu espao urbano e, por isso, a imprensa fez muitos elogios ao novo cdigo.20

Apesar de sua atuao corajosa e destemida, os jornais no davam trgua Cmara e insistiam em criticar a sua atuao.

Ainda no ms de janeiro de 1948, o noticirio publicado nos jornais sobre a Cmara voltou baila, desta vez envolvendo os jornais A Gazeta e A Tribuna que teriam mais uma vez publicado notcias desairosas contra o Legislativo municipal.21

Mesmo assim, Alceu Aleixo, do PR, mais preocupado com a evoluo da poltica nacional, elogiou o acordo interpartidrio realizado em nvel nacional entre trs grandes partidos: o PSD, de Nereu Ramos; a UDN, de Jos Amrico de Almeida; e o PR, de Artur Bernardes para dar sustentao ao governo do general Dutra. Para Aleixo, com o acordo novos horizontes se descortinam, novo captulo se escreve na histria poltica do Brasil. O

Mximo Vieira Varejo Fonte: Memrias da Cmara - Facebook

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

prprio presidente Ithobal no s concordou com esse acordo nacional como tambm en-viou telegrama ao presidente Dutra, manifestando o seu apoio.22E, de fato, o General Dutra respondeu ao telegrama, acusando o seu recebimento e agradecendo o apoio da Cmara ao seu governo.23

O Vereador Ayrton Loureiro Machado, por sua vez, condenou a atitude do jornal dos comunistas locais que dizia estarem os vereadores contra o povo. Para Machado, pelo contrrio, com as atividades que os vereadores vinham desenvolvendo diariamente, eles da-vam uma demonstrao irrecusvel de que o jornal referido no dizia a verdade.24Poucos dias depois, a 13 de fevereiro de 1948, Oscar Paulo da Silva comentou um outro artigo pu-blicado em A Gazeta, sob a epgrafe As Cmaras Municipais, no qual se afirmava que at o momento nada se tinha feito, apenas muito falatrio e nenhuma produo.25

E foi nesse contexto de crticas atuao da C-mara que explodiu a discusso acerca da remunerao dos vereadores ou da gratuidade do exerccio dessa funo, prevista pela Assembleia Constituinte Estadual de 1947.

Em janeiro de 1948, a Mesa da Cmara apre-sentou um projeto que estabeleceu os proventos dos ve-readores, fixados em trs mil cruzeiros de subsdio, des-contando-se dessa importncia duzentos cruzeiros por sesso a que o Vereador deixasse de comparecer. O projeto previa, ainda, uma ajuda de custo de trs mil cruzeiros a ser paga, no incio das legislaturas, a cada um dos vereadores, alm de estipular tambm um subsdio de quinhentos cruzeiros mensais para o presidente da Casa ttulo de representao.26

No entanto, em mensagem Cmara a respeito do problema da remunerao dos edis, o prefeito Ceciliano Abel de Almeida vetou a proposta de lei n. 1 da Cmara, que ins-titua a ajuda de custo e a verba de representao dos vereadores. Ceciliano de Almeida ao vetar a remunerao proposta, argumentou que a Prefeitura no dispunha de base legal, nem de recursos para faz-lo, mas lembrou que havia uma outra tradio no municpio de Vitria: a de conceder-se aos vereadores, no incio de cada sesso legislativa, a ajuda anual de Cr$

Oscar Paulo da Silva Fonte: Memrias da Cmara - Facebook

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A Primeira Legislatura 1947-1951

3.000,00 para despesas de instalao e representao.27

O veto do prefeito Ceciliano Abel de Almeida acirrou a oposio a ele, e a maioria dos vereadores, mesmo os de seu partido, o PSD, passaram a lhe fazer pesadas crticas. Aps uma exposio de Hermgenes Lima Fonseca sobre a situao salarial do operariado da prefeitura, Ethereldes Queiroz do Vale aproveitou para lembrar no s a m administrao de Ceciliano Abel de Almeida, mas tambm que ele se preocupava apenas com a vaidade do cargo que ocupa, e que se Lombroso vivo fosse, por certo teria um tipo digno de estudo. No entanto, ele foi aparteado pelos vereadores Mximo Varejo e Jos Francisco de Paula, declarando este ltimo que o prefeito tinha um passado brilhante e inatacvel e no agora que venha desviar-se de sua norma de conduta.28 Otaclio Lomba tambm se mostrou so-lidrio com seus colegas que verberaram o prefeito Ceciliano Abel de Almeida e o seu veto ao projeto n. 1 da Cmara, que ele considerou um gesto de desconsiderao para com a Cmara, gesto que de fato causara revolta e merecia condenao. Para Lomba, o prefeito havia se distanciado da Cmara, procurava diminuir os vereadores, da o seu protesto contra semelhante gesto. A seguir, ele passou a analisar o trabalho do prefeito em um ano de admi-nistrao para declarar que era nulo, pois S. Ex. nada fez e nada far. Autoritrio, no quer que sejam seus atos analisados pelos vereadores.29

Um outro Vereador que se pronunciou contra o veto do prefeito foi o veterano Sergipense Pena. Ele afirmou que o veto era ilegal e que o prefeito fizera uma ofensa Cmara. Seu objetivo no foi vetar, porque sabia que no podia faz-lo. Seu intuito visvel foi promover escndalo, rebaixar a Cmara, incompatibiliz-la perante a opinio pblica e responsabiliz-la pelo fracasso de sua administrao. Sergipense afirmou ainda se admirar do zelo do prefeito, somente no caso em foco, deixando, porm, de lado, os interesses do municpio, no promovendo, por exemplo, a cobrana de polpudas importncias de devedo-res inscritos em dvida ativa s porque muitos deles so figures polticos.30

Como resultado do veto ao projeto que institua a remunerao dos vereadores, em maro de 1948 o Vereador Pedro Maia acabou apresentando a proposta para que se desse um voto de desconfiana ao prefeito Ceciliano Abel de Almeida. Surpreendentemente, saiu em apoio da proposta seu adversrio ideolgico Hermgenes Lima Fonseca. E a proposta foi aprovada unanimidade. Contudo, Hermgenes ainda aproveitou a ocasio para denunciar a

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

perseguio policial de que eram vtimas um ex-deputado comunista e ele mesmo.31

Na sesso em que a moo de desconfiana foi aprovada unanimidade, Otaclio Lomba e outros Vereadores voltaram a fazer crticas muito severas ao prefeito Ceciliano Abel de Almeida. Lomba confessou que a sua inteno inicial, na Cmara, e a dos demais Vere-adores, era a de promover uma ao conjunta do Legislativo e Executivo, mas o prefeito forara a Cmara a mudar de rumo. Ele atribuiu isso irritao do prefeito com os pedidos dirios de informao provenientes dos vereadores, porm fazer esses pedidos era uma fun-o normal dos vereadores, segundo Lomba. Para ele: com essa atitude autoritria, o pre-feito conseguira a unanimidade da Cmara contra ele, e nem os vereadores de seu partido, o PSD, o estariam apoiando.32

Comeavam a surgir na Cmara alguns pedidos para que o prefeito fosse substitu-do. Sergipense Pena, por exemplo, diante de uma manifestao feita pelos funcionrios em homenagem ao prefeito, classificou-a como encomendada. Ao declarar-se admirado de sua teimosia em permanecer no cargo, sabendo que o povo no o tolera porque nada tem fei-to pela Capital, Pena ainda lembrou que o maior responsvel pela situao criada era o pr-prio governador do Estado, que estava, segundo Pena, impondo um prefeito improdutivo s por capricho e vaidade de mando e para vingar-se da derrota fragorosa que o PSD sofreu nas ltimas eleies nesta Capital. No sendo eleito pelo povo, o prefeito s procura agradar e servir ao Senhor governador e da desinteressar-se pela vida do municpio to sacrificado com est.33

Pena voltava, assim, a martelar num tema que ele j abordara com muita propriedade na Cmara: o da reduo da autonomia da Cmara, que segundo ele fora promovida pela nova Lei de Organizao Munici-pal, aprovada anteriormente pela Assembleia Legislati-va Estadual. De acordo com Sergipense Pena, a Lei era inconstitucional porque fere de morte a autonomia do municpio, a soberania do Legislativo municipal. Ele citou trechos da Constituio Federal, e da Constituio de alguns outros Estados, como Minas Gerais e Paraba, em que, segundo

Ethereldes Queiroz do Valle Fonte: Memrias da Cmara - Facebook

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A Primeira Legislatura 1947-1951

ele, eram assegurados plenos poderes s Cmaras municipais para legislar sobre tudo que dissesse respeito vida e aos interesses do municpio. No entanto, segundo o vereador: No nosso Estado, as Cmaras so fantoches, no tm soberania e nem sequer iniciativas para apresentar projetos de leis que venham beneficiar o povo. S o Executivo pode e manda, por bem dizer soberanamente. Ele considerou que a Legislao estadual era reacionria e um atentado contra o Legislativo.34

O mesmo Sergipense Pena voltou a discutir a Lei da Organizao Municipal para assegurar que essa Lei cerceava as prerrogativas desta Casa, e transformava os vereadores em fantoches movimentados pelos cordezinhos do Senhor prefeito!. Pena ainda mencio-nou o esbulho feito Cmara municipal.35

As diatribes de Sergipense Pena contra a perda de autonomia dos municpios eram abrangentes, todavia elas no tocavam expressamente em um ponto que era decisivo: a ques-to da nomeao do prefeito da capital.

Durante a ditadura de Vargas, os prefeitos de todos os municpios eram de livre no-meao dos interventores estaduais. A Constituio Federal de 1946 restabeleceu a tradio da elegibilidade dos prefeitos, entretanto, ao mesmo tempo, ela permitiu que as Constitui-es estaduais, em vias de serem elaboradas, a seu juzo pudessem impor a nomeao dos prefeitos das capitais, nos municpios em que houvesse estncias hidrominerais naturais e, da mesma maneira, naqueles declarados bases ou portos militares de importncia excepcional para a defesa externa do pas, sob parecer do Conselho de Segurana. E foi com base nesse dispositivo constitucional discutvel, que negava frontalmente o alegado municipalismo da Constituio de 1946, que a Assembleia Legislativa do Esprito Santo optou por preservar a autoritria tradio de nomeao do prefeito da capital, que vinha desde a criao do cargo em 1908.

De qualquer forma, diante das crticas sistemticas que foram ditas do prefeito nomeado por ele, e por temer o agravamento da crise poltica entre o Executivo e o Legisla-tivo municipais, o governador Carlos Lindenberg tentou intervir no conflito aberto entre a Cmara e o prefeito, na esperana de apaziguar os nimos. No ofcio que enviou Cmara a respeito, ele atribuiu o conflito ao desbito do exerccio da Democracia e ponderou que

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

nesses primeiros passos no sentido da consolidao da Democracia, tm-se observado, em todo o pas, uma super sensibilidade dos rgos coletivos de deliberao que, como numa permanente reao contra as eras em que o poder estava concentrado em mos de um s ci-dado, insensivelmente exageram divergncias, chegando muitas vezes, na nsia de proclamar a sua independncia, a quebrar a harmonia de Poderes desejada pela Constituio.36

Mesmo assim, de nada adiantou a pregao do governador no sentido de que o bem coletivo fosse o objetivo supremo porque a Cmara continuou a expressar acirrada oposio ao prefeito.

Ainda no ano de 1948, reabriu-se o conflito territorial entre o Esprito Santo e Mi-nas Gerais, que j vinha de fato desde o sculo XIX, com denncias estrepitosas de que os mineiros invadiam terras capixabas no municpio de Barra de So Francisco. A Cmara, ao receber essas notcias, demonstrou grande indignao. Os vereadores se solidarizaram com o governador Lindenberg, que tomara as primeiras providncias, e enviaram telegramas de protesto ao governador Milton Campos, de Minas Gerais. Eles, da mesma maneira, pressio-naram ao mesmo tempo a bancada federal do Estado para que ela defendesse os interesses do Esprito Santo perante o governo federal e exigisse a sua interveno na contenda entre os dois Estados. E um dos parlamentares federais que mais se movimentou, nesse sentido, foi o prestigiado Atlio Vivcqua, que, como j sugerimos, dispunha de muitas simpatias na Cmara de Vitria, principalmente pela defesa veemente que naquele momento ele fazia, no Senado, da autonomia das Cmaras municipais. Esse foi, sem sombra de dvida, um dos mo-tivos que explicam a homenagem que a Cmara municipal lhe prestou, mais tarde, como j afirmei, ao empregar o seu nome no edifcio da nova Cmara, o Palcio Atlio Vivcqua.37

Vivcqua lutava para que as prerrogativas das Cmaras fossem reconhecidas legal-mente. E sobre esse tema enviou telegrama Cmara de Vitria em que no s agradeceu o apoio dos parlamentares, como tambm declarou que muito o desvaneceu o significativo pronunciamento dessa digna Cmara sobre emenda relativa a imunidades aos vereadores mu-nicipais. To prestigioso apoio no poder deixar de repercutir decisivamente na conscincia democrtica do Congresso nacional.38

A questo do petrleo era outra questo nacional que comeava a inquietar a po-

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A Primeira Legislatura 1947-1951

pulao e tambm repercutia na Cmara. Os nacionalistas brasileiros se perfilavam na luta por uma poltica em defesa das reservas naturais do pas com um discurso anti-imperialista exacerbado. O velho nacionalista Sergipense Pena reiteradamente se referia ao assunto do petrleo, ao pedir vrias vezes, na Cmara, para que se reproduzissem nas atas os artigos do ex-presidente Arthur Bernardes, um dos lderes da campanha nacionalista e chefe de seu partido, o PR.39

Um problema que atormentava os vereadores e aumentava a sua indignao com a administrao de Ceciliano Abel de Almeida, todavia acabou por ser solucionado. Aps muitos meses de postergao, a 1 de setembro de 1948, finalmente, a Cmara pde realizar a sua primeira sesso em sua nova sede permanente: o quarto andar do edifcio Glria, local onde a Cmara funcionou por quase trinta anos. Ao regozijar-se desse feito, o presidente Ithobal congratulou-se com os demais vereadores por essa vitria. E nessa mesma sesso foi aprovado o projeto de lei n. 8, de iniciativa do Executivo, e que instituiu o dia 8 de setembro como o dia da Cidade de Vitria. Essa data era comemorada at ento sobretudo como uma festa religiosa, que homenageava a padroeira da cidade, Nossa Senhora da Vitria. Com o projeto do prefeito Ceciliano Abel de Almeida, que tambm escrevia e era considerado um conhecedor da Histria do Estado, a data deixava de ter um significado exclusivamente religioso e se transformava definitivamente numa efemride poltica. Considerou-se que essa data correspondia data da fundao de Vitria, ou seja, da criao da vila de Vitria, que teria se dado em 8 de setembro de 1551: isto, ao nosso ver, sem que fossem apresentadas provas concludentes desse fato.40

Uma outra atitude assumida pela Cmara naquele retorno da democracia foi a de substituir os nomes de ruas tradicionais da cidade, por outros nomes que homenageavam figuras importantes da histria poltica recente do Estado. A antiga Avenida Capixaba, uma das mais tradicionais artrias da capital, passou a chamar-se Avenida Jernimo Mon-teiro, como at hoje conhecida, formando uma nica e contnua avenida com o trecho que correspondia anteriormente antiga Rua da Alfndega, e que se localiza ao sul da Praa Costa Pereira. O desaparecimento do topnimo capixaba - que antes se referia avenida do mesmo nome, designava um tradicional arrabalde de pescadores da periferia da cidade, e era um smbolo das mais antigas tradies culturais e polticas de Vitria - foi um prejuzo

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

simblico para a cidade. Ele fez com que os habitantes da cidade perdessem cada vez mais a memria de seu passado.41

Em acrscimo, a Lei n. 36, de 14 de dezembro de 1948, tambm alterou o nome das antigas ruas do Comrcio, 1 de Maro e do Cais Schmidt - ruas desaparecidas em funo de reformas urbanas -, que se transformaram numa nica artria, denominada simplesmente, a partir de ento, de Avenida Florentino Avidos.42

Em resumo, no se pode dizer que o primeiro e ltimo ano da presidncia de Ithobal tenha sido muito tranquilo politicamente. s divergncias ideolgicas entre os ve-readores acrescentou-se a oposio que a Cmara quase unanimidade passou a fazer ao prefeito Ceciliano Abel de Almeida, sobretudo aps o veto que este apresentou ao projeto que estabelecia uma remunerao para os vereadores. Problemas como o da falta de uma sede definitiva para o funcionamento da Cmara, que foi solucionado, e, no plano nacional, o do acirramento da disputa poltica e ideolgica concorreram para a demisso de Ceciliano Abel de Almeida - dispensado do cargo de prefeito em outubro de 1948 -, e para inviabilizar a reeleio de Ithobal, cuja presidncia durou apenas um ano.

Assim, na votao realizada em 3 de janeiro de 1949, Airton Loureiro Machado ob-teve oito votos contra apenas os cinco dados a Ithobal, e elegeu-se tambm como vice Oscar Paulo da Silva que derrotou com sete votos Hermgenes Lima Fonseca.

Entretanto, ao contrrio do que acontecera na presidncia de seu antecessor, na gesto de Ayrton Loureiro Machado, em 1949, a atuao da Cmara pautou-se pela discusso das questes da administrao local tais como o preo dos gneros de primeira necessidade, o abastecimento da carne verde na cidade, a lotao dos bondes, a falta de farinha de trigo e de po e outros.

Nesse sentido, foi sancionada a Lei n 55, de 24 de maro de 1949 que criou o Servio Municipal de Abastecimento do Povo - SMAP. O projeto dessa lei foi apresentado por Sergipense Pena que, em suas consideraes iniciais, afirmou que o padro atual de vida no estava de acordo com a capacidade aquisitiva do povo. Ele considerou ainda que as vrias tentativas dos poderes constitudos para controlar os preos das utilidades no deram

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A Primeira Legislatura 1947-1951

resultados satisfatrios. Declarou que a experincia demonstrara que somente o Estado, ao tornar-se concorrente, poderia forar a baixa dos preos, e que era um dever imperioso resolver-se a situao aflitiva em que o povo se debatia. Assegurou que ele e seu partido, o Partido Republicano que ele fez questo de mencionar -, apresentaram como soluo do problema do desabastecimento o projeto de criao do Servio de Abastecimento do Povo - SMAP. Assim, com a finalidade de promover o barateamento da vida e facilitar a aquisio dos produtos de primeira necessidade, o SMAP deveria instalar pontos de venda de produtos bsicos, principalmente nos bairros proletrios, criar granjas avcolas, hortas e estbulos, e instalar restaurantes populares nos locais onde eles fossem necessrios.43

Mesmo assim, Ayrton Machado tambm no se reelegeu para a presidncia, per-dendo-a para Octaclio Lomba, da UDN, que obteve nove votos.44

Naquela altura, porm, Ceciliano Abel de Almeida, que fora o pomo da discrdia na briga poltica entre a Prefeitura e a Cmara, j no governava a cidade, pois tinha sido substitudo por lvaro de Castro Matos. O novo prefeito governou at abril de 1951, quando

Edifcio Glria - Dcada de 40 Fonte: Google

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

j estvamos em outra legislatura.

Em 5 de janeiro de 1951, assumira a presidncia da casa o Vereador Oscar Rodri-gues de Paula, sob a presidncia do qual se encerraria a primeira legislatura. A sua quarta sesso legislativa concluiu-se juntamente com a sexta sesso ordinria, realizada em 29 de janeiro de 1951, quando a Cmara era composta pelos vereadores: Oscar Rodrigues de Paula, presidente, Alceu M. Pinto Aleixo, Ethereldes Queiroz do Vale, Pedro Maia de Carvalho, Oscar Paulo da Silva, Hermgenes Lima Fonseca, Otaclio da Silva Lomba, Aristteles dos Santos, Altamir Faria Gonalves, Ithobal Rodrigues de Campos, Jos Francisco de Paula, Wolghano Neto, Lucilo Borges Santana, Alberto Ferreira da Silva, e Jos Bittencourt. Os trs ltimos haviam substitudo os vereadores Augusto Sergipense Pena Jnior, Mximo Varejo e Ayrton Loureiro Machado, que no chegaram a concluir o mandato.45

A PRODUO LEGISLATIVA

Nesta legislatura foram sancionadas 180 leis, assim classificadas:

01. Obras pblicas: 14

02. Criao de rgos: 3

03. Doaes, isenes de impostos, auxlios, concesses e subvenes: 50

04. Abertura de crditos e cobrana de dbitos: 30

Oscar Rodrigues de Paula Fonte: Site da Cmara Municipal de Vitria

Altamir Faria Gonalves Wolghano NetoFonte:Memrias de Vitria - Facebook

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A Primeira Legislatura 1947-1951

05. Impostos: 1

06. Criao de servios: 3

07. Desapropriaes, permutas, aluguel e alienao de bens: 35

08. Homenagens e nomenclaturas de ruas: 20

09. Autorizao de emprstimos: 3

10. Alterao de legislao: 10

11. Funcionalismo: 14

12. Cdigos e Oramentos: 5

13. Verbas e Suplementao: 5

E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:

LEI N 3, de 13 de maro de 1948: Autoriza a construo de um Mercado em Jucutuquara.

LEI N 5, de 4 de maio de 1948: Cria o Servio de Pequenos Consertos de gua e de Fiscalizao do seu consumo.

LEI N 13, de 2 de julho de 1948: Cria o Servio Mdico Municipal (SEME) e d outras providncias.

LEI N 23, de 16 de outubro de 1948: Cria o Servio de Pronto Socorro, subordinado ao Servio Mdico Municipal.

LEI N 55, de 24 de maro de 1949: Cria o Servio Municipal de Abasteci-mento do Povo (SMAP).

LEI N 65, de 27 de maio de 1949: Assegura a todos os cidados que exer-

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

cerem os cargos de prefeito e de Vereador Cmara municipal de Vitria, a perpetuidade de sepultura nos cemitrios municipais.

LEI N 91, de 7 de novembro de 1949: Autoriza o Executivo municipal a patrocinar qualquer representao de folguedos de carter folclrico, que se realizar nesta capital.

LEI N 107, de 28 de fevereiro de 1950: Concede Cia. Telefnica Brasileira, pelo prazo de 20 (vinte) anos, a contar da data dessa lei, isenes de impostos e taxas que recaem ou recarem sobre seus servios e instalaes no municpio de Vitria.

LEI N 112, de 13 de maro de 1950: Institui auxlio para a merenda dos alunos das escolas primrias sediadas no municpio da capital.

LEI N 128, de 13 de junho de 1950: Concede iseno de impostos s inds-trias novas, estabelecidas no Municpio de Vitria, pelo prazo de cinco anos.

LEI N 165, de 14 de dezembro de 1950: Autoriza o Poder Executivo a construir e reconstruir barracas, na zona livre, para os reconhecidamente pobres, que no disponham de quaisquer recursos para tal fim.

CAPTULO II

A SEGUNDA LEGISLATURA

1951 - 1955

De Jos Ribeiro Martins a Armando Duarte Rabelo

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A Segunda Legislatura 1951-1955

UMA GRANDE RENOVAO NA CMARA

A segunda legislatura comeou no dia 31 de janeiro de 1951, quando tomaram posse os eleitos em 3 de outubro do ano anterior. No entanto, ela j principiou com uma polmica muito sria que dizia respeito prpria composio da Cmara: no dia 22 de janeiro de 1951, fora publicada a Lei municipal n. 14, reduzindo o nmero de vereadores de quinze para apenas dez, conforme estabelecia o Artigo 20 da Lei de Organizao Mu-nicipal.

Em funo dessa lei, o Partido Republicano havia interposto recurso contra a diplomao dos quinze vereadores eleitos anteriormente. Entretanto, o juiz eleitoral en-tendeu que a Lei em questo s poderia entrar em vigor a partir do dia nove de fevereiro, quinze dias aps ela ter sido publicada na imprensa, como determinava a mesma Lei de Organizao Municipal. No existia, portanto, uma outra lei, fixando o nmero de verea-dores, e uma vez que ainda no tinham sido publicados os dados do ltimo recenseamento geral da populao, pelo qual se determinaria o nmero de vereadores para cada munic-pio, a autoridade judicial julgou por bem dar posse aos quinze eleitos.01

Tomaram posse ento os seguintes vereadores: Mrio Gurgel (PTB), o mais vo-tado; Thephilo Athayde da Silveira (PTB); Adir Sebastio Baracho (PTB); Isaac Lopes Rubim (PTB); Joo Felix da Silva (PTB); Orlando Cariello (PSD); Jos Francisco de Paula (PSD); Danglars Ferreira da Costa (PSD); Hildebrando Gomes Lucas (UDN); Manoel Moreira Camargo (UDN); Jos Cupertino Leite de Almeida (PSP); Wolghano Neto (PDC); Francisco Salles (PDC); Helena Liliana Pignataro (PSP); e Beraldo Madeira da Silva (PSP). Ao todo eram cinco vereadores do PTB, trs do PSD, dois da UDN, trs do PSP e um do PDC.02

Surpreendentemente, os nicos vereadores da legislatura anterior reeleitos foram Jos Francisco de Paula, do PSD, e Wolghano Neto, do PDC. A renovao da composi-o da Cmara atingiu assim quase 90%. A nova Cmara, contudo, tambm trouxe uma

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

outra surpresa. Como se nota, tratava-se de uma legislatura de composio essencialmente masculina, entretanto, apareceu nela, pela primeira vez, o nome de uma mulher, a senhora Helena Liliana Pignataro, que exerceria integralmente e at o fim o seu mandato. Ela foi, portanto, a primeira mulher a exercer um mandato de Vereadora na Cmara municipal de Vitria.

J na sesso preparatria, realizada em 31 de janeiro de 1951, foi eleito o senhor Hildebrando Gomes Lucas, por ser o mais idoso, para a presidncia, na qual ele perma-neceria at 31 de janeiro de 1952. Nesse dia, assumiu a presidncia Orlando Cariello, cujo mandato se estenderia at 31 de janeiro de 1953, quando assumiu Thephilo Athayde da Silveira. Ele no concluiu o mandato de um ano e foi substitudo por Manoel Moreira Ca-margo em 1953, que renunciou ao cargo em 2 de julho de 1954. Nesse dia, Mrio Gurgel foi eleito com nove votos e assumiu a presidncia.03

Hildebrando Gomes Lucas Orlando Cariello Thefilo Athayde da Silveira

Manoel Moreira Camargo Mrio Gurgel

Fonte: Site da Cmara Municipal de Vitria

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A Segunda Legislatura 1951-1955

TCNICOS NOS CARGOS MAIS IMPORTANTES

Em 13 de abril de 1951, a Cmara recebeu, pela primeira vez, a visita do prefeito Jos Ribeiro Martins, indicado pelo novo governador Jones dos Santos Neves em substi-tuio a lvaro de Castro Matos. Essa nomeao, porm pode no ter sido completamente do agrado do PTB. Esse partido havia apoiado a candidatura de Jones, do PSD, com a promessa de que ao menos a Secretaria da Educao e a Prefeitura de Vitria seriam car-gos reservados para ele. No entanto, o engenheiro Jos Ribeiro Martins era descrito como elemento completamente apoltico, que jamais se filiou a qualquer agremiao. Neutro, portanto, em matria poltica.04

A deciso de nomear um tcnico para gerir a Prefeitura, em vez de um poltico realmente ligado ao PTB, como tinha sido aparentemente acordado entre as partes, veio acompanhada da nomeao de outro tcnico, o educador paulista Rafael Grisi, para a Secretaria de Educao e Cultura, por indicao da direo nacional do PTB.05

Ou seja, a nomeao para os dois cargos que supostamente tinham sido prometi-dos ao PTB, recaiu sobre tcnicos pouco ou nada identificados com os interesses clien-telsticos do principal partido aliado do governo. E foi o prprio Jones quem confessou, ao fim de seu mandato, que ele trazia o deliberado propsito de no permitir a interfe-rncia poltica nos negcios da Educao, traando em linhas firmes uma nova Repblica da Educao em nosso Estado. Deixando entender, com essa informao, que fora com esse mesmo propsito que ele escolhera o prprio prefeito da capital.06

A tentativa de libertar a rea da educao e a Prefeitura das interferncias ind-bitas promoveu assim o que poderia ser visto como uma violncia contra os hbitos e tradies do meio, e romper, alm disso, com o acordo interpartidrio previamente esta-belecido, pode ter sido a principal responsvel pela ruptura poltica que se verificou, antes do final do mandato de Jones, com a defeco do PTB. Com efeito, em sua mensagem de fim de mandato, Jones confessou que ao introduzir essa mudana, ao sentimento de eufo-ria que sentimos no instante de sancion-la, se antepunham tambm os receios externados na ocasio, de se tornar efmero o diploma legal, sem foras para resistir aos impactos de

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Histria da Cmara Municipal de Vitria

uma futura crise eleitoral.07

Sinais de que a poltica posta em prtica pelo novo governador poderia afetar a aliana que o tinha eleito e engrossar assim o coro da oposio apareceram desde o incio da administrao de Jones. E eles se refletiram com a maior clareza na atuao da Cmara municipal, um palco privilegiado no qual a insatisfao com a poltica de Jones se mani-festou. E isso foi de certa forma, paradoxal, uma vez que o prefeito era o preposto de um governador que realizaria uma obra administrativa notvel no Estado. Portanto era de se esperar que a popularidade do governo perante a sociedade se refletisse positivamente na sua avaliao pela Cmara. Mas no foi exatamente isso o que aconteceu.

J em maro de 1951, o combativo e inteligente Vereador Manoel Moreira Ca-margo, da UDN, um dos partidos da coligao derrotada por Jones, solicitou que fossem enviados, por intermdio do prefeito municipal, aplausos da Cmara ao governador por este ter aprovado um crdito para a imediata construo do Colgio Estadual do Esprito Santo. No entanto, Mrio Gurgel, o lder do PTB, premonitoriamente, se manifestou con-trrio a essa proposta de seu colega por considerar precipitao estes aplausos ao governo que ora se inicia.08