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    A Saga de

    Mitrax

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    Os Cavaleiros

    Rubros

    Autor:

    Srgio Roberto de Paulo

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    Mazdanius Thordus era um nome muito

    suntuoso. Foi batizado assim, pois provinha de uma famlia muito humilde, para compensar.No entrou para a Ordem dos Cavaleiros Rubros como uma punio. Foi voluntrio. Seu maiordesejo, pelo menos por enquanto, era ter o direito de usar um manto de ferro.

    -Ei, Maz, presta ateno!

    Aquelas palavras despertaram-no do devaneio. No sabiam mais como era o seunome . Era muito complicado. Por isso o chamavam simplesmente de Maz. E fora o Capitoquem lhe chamara a ateno. Foi somente aps longos segundos que ele percebeu que oBispo esperava por ele. Ento, ficou embaraado e declarou:

    -Desculpai-me, Bispo.

    Ento, o clrigo continuou a sua digresso, falando para o peloto de homens, vinte ecinco ao todo:

    -...e aquele que esperar pacientemente obter. Aquele que tiver perseverana na fser agraciado. O Senhor o meu pastor, e nada me faltar. Que a paz de Rgion estejaconvosco. Amm!

    Pronto. Estavam dispensados para os treinos matinais. O alarido imediatamente seelevou no ptio do casaro. Todos se moveram, apanhando as suas lanas, escudos, foices eelmos. Todos, exceto Maz, que ficou no meio do ptio parado, pensando. Conseguira prestarateno s ltimas palavras do padre tess aliano, o qual chamavam de bispo. Tinha tantasdvidas! E as dvidas o atormentavam. s vezes, ficava a noite inteira acordado, pensando emalguma soluo para as suas dvidas existenciais, mas as perguntas eram difceis, muitodifceis. E agora o Bispo estava ali, metido em sua tnica marrom, que se projetava frentedevido enorme barriga, observando os homens treinarem, sorrindo e descansando os dedos

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    no cordo branco que lhe servia de cinta. Seria uma oportunidade nica, isto , se tomassecoragem e se dirigisse a ele.

    Fechou os olhos e respirou fundo. Era um mero recruta e iria se dirigir ao clrigo dacompanhia. Deu alguns passos, pensando na possibilidade de retornar. Desejou e ao mesmo

    tempo temeu que o Capito lhe desse a ordem para retornar e comear a treinar. Mas adistncia no era muito grande e, quando deu-se por si, j estava cara a cara com ele. claroque Maz, nada disse. Parecia sonhar ainda. Mas o Bispo tomou a iniciativa:

    -Sim, filho?

    Maz se viu na obrigao de falar alguma coisa:

    -Senhor, eu... eu... Ouvi vossa pregao e... estive pensando... bem, tenho umadvida!

    -Ora, meu filho, apazigua o teu corao. Podes te confessar! disse o Bispo, sorrindo.

    -Estive pensando no destino... e no falou mais nada, parecia pensar, olhando parao cho, como se o estranhasse.

    -No destino? E?...

    -Bem, Bispo, isto , senhor... O destino existe? Isto , o futuro j est determinado?Estive pensando que Deus tudo sabe, tudo conhece... Isso inclui o futuro?

    O Bispo olhou bem para o rapaz, piscando os olhos, um tanto espantado. Depois

    sorriu novamente. Parecia ter uma resposta quela questo, pois respondeu:

    -Meu filho, Deus, na sua infinita bondade, tudo sabe! No h uma nica folha quecaia de uma rvore que no seja fruto da Sua vontade. E no h coisa alguma que Ele nosaiba. Ele conhece tudo o que j aconteceu em todos os lugares, como tambm, em suainfinita oniscincia, sabe tudo o que vir. Portanto, meu rapaz, nada acontece que j nopertencesse Sua misteriosa programao!

    Sim, aquela fora uma senhora resposta. Muito clara e objetiva. Ento, somenterestava agradecer. Alm do mais, Maz estava doido para sair logo dali:

    -H... obrigado, obrigado, senhor!

    Fez uma reverncia, como se estivesse diante de um rei e se afastou, andando decostas. Mas no andou muito, pois trombou com o Capito. Maz se virou e esse disse, dandoum susto no rapaz:

    -Qual, Maz! O que ests fazendo? Devias estar treinando! No queres ganhar omanto de ferro?

    A fala soou mais como uma reclamao, mas Maz ficou hirto e respondeu:

    -Sim... sim, senhor!

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    E foi para o meio do ptio, treinar, enquanto o Capito balanava a cabea de umlado para o outro. Apanhou desajeitadamente sua longa foice do cho e, imediatamente, ps-se a golpear uma maquete de drago, feita de feno amarrado. Mas o drago estava parado e,ento, teve que gritar para algum vir ajud-lo:

    -Ei, algum puxa aqui!

    A palavra algum se referia aos meninos do vilarejo que ajudavam os cav aleiros dacompanhia. Logo um apareceu. Segurou uma corda que estava amarrada na extremidade dofocinho do drago e ps-se a pux-la para baixo. Ao exercer essa fora, um dispositivomecnico fazia com que o pescoo e cabea do drago se abaixassem, simulando ummovimento simplrio. Quando a corda era solta, algumas molas faziam com que voltassem posio original. Mas o menino devia fazer aquilo aleatoriamente, baixando e elevando osistema sem padro definido, e o cavaleiro deveria acertar o pescoo, logo abaixo da cabeacom a foice.

    A foice de Maz era longa, com quase trs metros de comprimento. No era fcilmanej-la, pois seu momento de inrcia era esquisito, mas ele era bom nisso. Porm, no eraum cavaleiro. Pelo menos no ainda, pois, para ser admitido finalmente na ordem, para setornar um cavaleiro rubro e usar o manto de ferro, deveria, antes, matar o seu primeirodrago.

    E aquele menino era encapetado. Parecia um louco, movendo a cabea do dragoto aleatoriamente como um ciclone, fazendo com que se duvidasse que Deus pudesseprogramar aquilo. Maz se atrapalhava um pouco com a foice, era difcil correr com ela, mas,

    fazendo um zigue-zague debaixo da maquete, algumas vezes conseguia atingir o alvo, embora suspeitava ele se fosse um drago de verdade, j teria sido morto h muito tempo.

    Mas a culpa no era da sua habilidade, a culpa era da sua concentrao. Sua menteno conseguia parar de filosofar e, se ela fizesse isso na hora do pega pra capar, poder -se-iaconsiderar um churrasco empretejado. Mas, que culpa tinha ele se cada coisa que aconteciagerava novas e novas perguntas? E a que o atormentava agora era: Conhecia aquele menino,era o mais encapetado de todos, e se Deus o havia colocado ali, naquela hora, o que Deusesperaria dele, ou melhor, se Deus tinha o controle de tudo: o que Deus havia programadopara ele? Pra que treinar, ento, se o futuro j estava programado?

    -Maz, pelo amor de Deus, que diabo ests fazendo? gritou o Capito do meio doptio.

    Maz olhou espantado para ele, embora o Capito fosse um cara legal. Maz sabia queele no era, na verdade, o capito da companhia. Ele nunca recebera uma nomeao oficial,como um papel vindo de Rerhea ou de Minas Gnssia, nem mesmo verbal. Aconteceu mais oumenos assim: Ele era um cavaleiro iniciante, como a maioria dos que estavam ali exceto osbbados e criminosos, claro -, pela marca no seu elmo, somente tinha matado um nicodrago na vida, portanto era um manto polido. Mas, um dia, de repente, no meio do treino, oCoronel, que observava a todos com cara de nojo, balanou a cabea em sinal de decepo, eberrou a todos:

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    Ah, estou cansado! Vou me deitar com alguma mulher! Ei, tu a! (e apontou para oCapito, com o nico brao que tinha. Chamou-o pelo nome, mas Maz no se lembrava direitoqual era. Achava que era Tsopoulos, mas no tinha certeza. Depois completou:) Fica aqui nomeu lugar!. E se foi. O capito ficou com cara de bobo e ningum soube o que fazer. Depoisele deu de ombros e disse: Que se dane!, e comeou a dar ord ens. E todo mundo obedeceu, claro. Ningum sabia se aquilo fora uma ordem do Coronel, mas e se fosse? Ningum estavadisposto a desobedec-lo. O ltimo que fizera isso fora colocado dentro de uma armaduracheia de sanguessugas. Isso foi h uns dois meses. E depois disso, c estvamos: o Capito erao capito.

    -Olha s o que fizeste! Foi um tempo para construir isso!

    A advertncia veio novamente em tom de reclamao. Maz ficou alguns instantessem entender direito o que acontecia, mas depois olhou em direo para onde o Capitomostrava, estendendo desesperadamente os dois braos: Maz havia, sem querer, decepado a

    cabea do drago. No era para fazer aquilo. Era para simular a luta. No era pra valer.

    Quando notou o que havia feito, olhou o superior com cara de bobo. O Capitoolhou para o cu, ainda desesperado. Mais desesperado ainda com os outros, que malconseguiam manipular uma lana ou foice. Eles poderiam ser chamados a qualquer momento,para a verdadeira ao. No entanto, quase todos que estavam ali mal conseguiam se manterem p, muito menos sobre um cavalo, com uma pesada ferramenta de ataque nas mos.

    -Olha, Maz, vamos fazer o seguinte disse o Capito, aproximando-se do rapaz. Vaitomar um banho frio, para colocar essa tua cabea oca no lugar. Melhor: vai tomar um odre de

    vinho. Combates melhor bbado do que sbrio!Bem, ele s havia se embriagado uma vez e no se lembrava do que tinha

    acontecido. Abriu a boca para dizer isso, mas foram interrompidos por trotar de cavalos.

    Eram quatro. Quatro cavaleiros armados at os dentes. Portavam pesadasarmaduras, e no malhas de ferro como os que estavam ali. At os cavalos estavam metidosem armaduras prateadas brilhantes. Um deles segurava o estandarte da companhia: um fundovermelho impregnado de chamas. Maz fez cara de poucos amigos. No gostava deles, eramaristocratas moldarianos. S conheceu aqueles quatro moldarianos na vida, mas foi osuficiente para formar uma opinio sobre todo e qualquer moldariano vivo na face do mundo:eles eram metidos e insolentes. Ricos que desprezavam os pobres. O lder, Rudor Asta, era umcampeo. J tinha abatido mais de trinta drages e se vangloriava de levar a companhia nascostas. At o Coronel tinha medo dele, apostava. O cara era nojento, insuportvel.

    Ele pulou do cavalo, antes mesmo que este parasse, fazendo o cho tremer.Caminhou decidido pelo ptio, com o rosto escondido pelo elmo fechado. Retirou a enorme ebrilhante espada da bainha e disse, com uma voz ameaadora:

    -Quero ver quem vai limpar as minhas botas hoje!

    E moveu com habilidade a espada contra o ar.

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    -Vai ser quem mais se borrar! completou, desnecessariamente. E passou a passeara espada nas proximidades dos rostos dos cavaleiros.

    Mas uma trombeta soou e todos se voltaram para ver o que era. Um cavaleiro ahavia tocado, no outro extremo do ptio. E, ao lado dele, j caminhando em relao dos

    subordinados, estava o Coronel. Era grande e forte. Um pouco mal cuidado, com a barba porfazer e era claro h muitos dias no tomava banho. Suas pernas caminhavamdecididamente para frente, mas s um brao balanava, pois o outro, o direito, fora comidopor um drago.

    Eram dez horas da manh e ele vinha fazer o seu discurso matinal. Aquele que deveser feito no incio dos treinos, assim que o Sol surge no horizonte. Ele subiu no plpito, omesmo que o Bispo usara, e discursou. Comeou assim, meio mecanicamente:

    -A paz de Rgion!

    E todos repetiram, exceto, claro, os moldarianos:

    -A paz de Rgion!

    Depois continuou, limpando a boca com as costas da mo, pois estava babando:

    -Sei que estamos acampados aqui nessa vila miservel por mais de trs meses, sendoque a fronteira logo ali apontou para o norte, onde, a aproximadamente trs quilmetros,estava a fronteira entre Alrhea e a faixa estreita oeste de Andrias. Mas fui informado poruma carta da capital que o rei lfico mandou a sua populao para leste, porque os reis

    fofinhos e cheirosos de Andrias deram abrigo a eles. Isso quer dizer que a situao est pretapor l e que logo vamos ser chamados e vamos partir para Sardannah, para pegar aquelesmalditos drages e fazer uns tapetes com eles!

    Alguns aclamaram em jbilo, quando ele disse aquilo. Mas ele continuou falando:

    -Os engomadinhos generais de Rgion querem um pretexto para invadir Andrias eno vamos decepcion-los, por isso, gritamos nosso lema!

    Ento todos gritaram juntos, a plenos pulmes, o slogan da companhia:

    No importa de onde eu venho, no importa para onde eu v: o que importa quantos drages matarei!

    Depois todos gritaram desordenadamente, mas o Coronel no havia terminado. Elelevantou o brao que lhe sobrava e berrou:

    -Portanto, vamos logo entrar em ao. Uns vo sobreviver, outros no. Ento, o queestamos fazendo aqui? Vamos encher a cara at no pudermos mais!

    Bem, aquilo fora uma ordem do Coronel, eu acho, pensou Maz, enquanto a turbade cavaleiros se precipitava em direo taverna, incluindo os moldarianos. E o que o Coronel

    falava todos faziam. O Capito dizia que ele falava a lngua dos homens, e por isso todosentendiam a s suas ordens. Por isso o admirvamos. Se ele dissesse: vamos por aqui, ns

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    amos. Se ele dissesse, vamos por l, ns amos. E ele disse para irmos taverna e ningumqueria virar comida de sanguessuga. Portanto, atrs de todo mundo, Maz tambm foi.

    L dentro, claro, estava uma baguna. Eram pratos, garrafas e taas pra tudoquanto era lado. Mas havia uma certa ordem, pois cada cavaleiro tinha o seu lugar marcado,

    at os moldarianos que se sentavam s eles numa mesa, separados dos outros. Maz se sentou,como sempre, numa mesa redonda, onde estava o Capito e mais trs cavaleiros. Eram osprincipais companheiros de Maz: Pulga, que era o mais experiente e acompanhava o coronelpor quase um ano; Sapo, que era magro e jovem como Maz e o Capito, e Breu, que era albinoe vinha de Rerhea, como Maz. Breu era mais velho, tinha mais de trinta, e estava ali pois eraum ladro barato, que fora condenado em algum lugar no interior de Andhaor. Sapo se gabavade ter matado algum, mas dissera que fora em legtima defesa, mas, mesmo assim, foracondenado a servir nos cavaleiros rubros. A exceo era pulga, pois no era um criminoso, eraum militar profissional mas no muito profissional que servira juntamente com o Coronelno exrcito Rerheano e depois foram transferidos para a ordem. Ele, uma vez, contou qual foia histria do coronel. Na verdade, ele contava aquela histria sempre que podia, e agora ofazia de novo, embora todos soubessem decor e salteado:

    -...ento a quinta diviso do primeiro exrcito foi convocada para dar cabo daquelesdrages que apareceram por l. Ns demos conta! ramos bem equipados! dizia ele, com osolhos arregalados, parecendo louco. Eu matei um drago azul. Vs acreditais? Um drago azul,por l, longe do mar! Criatura infernal aquela! Ento ele apareceu, sado diretamente doinferno! Destroou toda a diviso do exrcito, sem ao menos tocar em quase ningum, e levouo brao do Coronel. Depois foi embora, satisfeito, e nunca mais foi visto! Eu me escondi, claro, e ainda estou aqui! Mas toda noite tenho pesadelos!

    Maz ficou analisando atentamente a fala do companheiro, como um psiclogo, echegou concluso de que ele no era louco, embora ele tivesse dito que era um drago azul,enquanto que outros diziam que fora um drago negro. Mas ele simplesmente desabafavaquando contava a histria. Fora uma histria realmente aterradora, como contavam. Elesignificava um drago negro, o assim chamado drago sinistro. Dizia-se que lanas, foices eespadas eram inteis contra ele. E o Coronel, dali a pouco, confirmaria o porqu.

    -E pensar que, h pouco mais de um ano, no existiam drages em toda aMeriovngia, apenas em Morvia disse o Capito. Eles no saam de l. Mas agora, graas

    rainha de Brenor...

    Maz pensou em Aara, a rainha de Brenor. Ouvira essas histrias tambm, como elareativara o cristal azul e, ento, as ondinas voltaram e, com elas, os drages. Os dragesmoldarianos sentiram o cheiro dos outros drages, abandonando as montanhas de gelo. Foiquando Sapo se levantou de um pulo, como sempre fazia, e ergueu o copo, gritando:

    -Viva a rainha de copas!

    Os que estavam na mesa se animaram e repetiram:

    -Viva a rainha de copas!

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    Depois todos os cavaleiros na taverna, embalados, repetiram tambm, erguendo astaas:

    -Viva a rainha de copas!

    Pulga tomou um grande gole de cerveja. Aquela era a pior cerveja do imprio. Tinhagosto de barro e devia ter cento e vinte por cento de lcool, mas no importava, o vinho eraigualmente ruim. Mas Maz viu que Breu tomava algo que no podia identificar: um lquidoescuro e grosso.

    -Ei, Breu, o que esse troo que ests a tomar? indagou Maz.

    -Eu sei l respondeu ele. Chama-se coquetel da morte . Depois ergueu o copo eemendou: - Vamos todos morrer mesmo!

    -Concordo com o Breu disse Sapo. Dizem que Sardannah est infestada de

    drages cinzentos! J enfrentamos pradarias e povoados infestados por nada mais nadamenos que um drago. Unzinho s! Mas isso... isso vai ser o inferno!

    - - emendou o Pulga. E no somos a primeira companhia da Ordem dos CavaleirosRubros, somos a vigsima stima!

    Mas o Capito no queria falar dessas coisas, ento, tratou de desviar o assunto:

    -Ei, estamos conversando muito. Esquecemos de zerar o cronmetro!

    Ento todos se animaram.

    - mesmo! disseram, em unssono, todos, exceto Maz, que ps as mos na cabea econfessou:

    -Deus do cu! Esqueci-me! Era a minha vez!

    Depois se levantou o mais rpido que podia. Correu at a janela, apanhou o relgiode areia e virou-o bem no meio da mesa.

    -Muito bem, vossas apostas! sentenciou o Capito.

    -Hoje o pessoal est calmo disse Sapo. Uma hora!

    -Que nada! declarou o Pulga. Aposto duas moedas com a efgie de Rgion queno vai levar mais que uma hora!

    -Ei, onde conseguiu duas moedas imperiais? indagou Maz.

    -Eu no consegui, mas vou conseguir e, se perder, depois eu pago. Mas no vouperder. E tua aposta, Capito?

    -Eu? Bem, quarenta minutos. Maz, tua vez.

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    Maz sabia que no podia apostar mais que uma hora, pois o relgio no marcavamais que isso. Tambm sabia que no valia a pena colocar um tempo muito prximo ao dosoutros. Ia dar briga na certa. Ento chutou:

    -Dez minutos!

    -Dez minutos? protestou Sapo. Que espcie de aposta essa? No vai dar nemtempo pro pessoal ficar bbado!

    Maz deu de ombros e o Capito se voltou para o ltimo:

    -E tu, Breu?

    -Que importa? disse ele, com desdm. Vamos todos morrer mesmo!

    Mas Maz ganhou a aposta, pois, encorajado pela bebida, Rudor se levantou

    ruidosamente e caminhou cambaleante para a mesa onde estavam.-No olhai agora, pessoal declarou Sapo. Mas o grandalho est vindo a esganar

    o Capito!

    -Como sabe que o Capito? indagou Maz.

    -Ora, o Capito deu uma ordem para ele ontem. Agora ele est bravo!

    -Dei uma ordem nada! disse o Capito. Acontece que o ptio estava umaalgazarra total e a eu falei para todo mundo ficar quieto. Etodo mundo no inclua ele!

    -Explica pra ele ento! declarou Pulga.

    Mas foi tarde demais. O moldariano, forte como um migatouro, apanhou o Capitopelo cangote e o ergueu no alto, dizendo:

    -No sabes o que vou fazer contigo, mocinha! Vai logo implorando!

    O Capito no esboou nenhuma reao e nem poderia. Aquele brao era firmecomo uma rocha.

    -Ah, no quer implorar? continuou o cavaleiro, ainda de armadura, enquanto osdemais de sua mesa riam. Estou pensando de que maneira vou matar-te. De uma maneirabem dolorosa, eu sei. Talvez v esmagar lentamente a tua garganta!

    -Larga ele, estrangeiro!

    A voz veio do Coronel, que mal podia se manter de p, parando a dois passos deRudor.

    -O que dissestes? indagou o matador de drages, com voz estrondosa, ainda semlargar o Capito.

    -Ordenei-te para largar o teu capito! insistiu o coronel, mantendo-se firme.

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    Rudor lentamente abaixou o Capito, colocando-o no cho. Depois, com a boca atremer de raiva, levou a mo at o cabo da espada.

    -Pensa bem no que ests a fazer, estrangeiro !

    A tenso no recinto estava no mximo nvel. Havia silncio absoluto. Maz prestouateno s palavras do Coronel, a nfase palavra estrangeiro. De fato, tecnicamente, Rudorno era nativo do imprio e no tinha os mesmos direitos que os alrheanos, habilianos emesmo tessalianos, como o Bispo, presentes ali. E Maz tambm sabia que o crime deassassinar um oficial alrheano e o Coronel era oficial de papel e tudo era punido com mortesumria. Ento, o moraviano 1 pensou bem, riu e disse:

    -Eh, Coronel. No vai se importar com brigas entre bbados, vai?

    -Vai para o teu lugar, Rudor disse o Coronel, agora com uma voz mais baixa.

    Ele foi, mas no antes de cochichar algo no ouvido do Capito:

    -Outra hora te pego, seu pederasta!

    Maz notou que o Capito se perturbou um pouco, mas no o suficiente para impedi-lo de falar:

    -Eh, Coronel, senta aqui conosco!

    Sapo arrastou uma cadeira limpa e ele se sentou.

    O corao de Maz bateu forte no peito. Nunca estivera to perto assim do Coronel.Talvez pudesse at lhe fazer algumas perguntas.

    Em seguida, o prprio Sapo colocou uma taa de lato cheia de vinho at a bordadiante dele. Era o que ele mais gostava: aquela porcaria que faziam a uns dez metros dali. Eleapanhou a taa com os olhos meio vidrados e disse:

    -A paz de Rgion!

    Ao que todos na mesa repetiram:

    -A paz de Rgion!

    Pronto. O recinto j estava uma baguna de novo, com todos falando ao mesmotempo a essa altura. Todos tratavam de se embriagar ainda mais, incluindo o Bispo, que enchiaa sua enorme pana de cerveja. Maz estava morrendo de curiosidade com relao ao dragonegro, mas no foi ele quem perguntou. Foi Breu que se adiantou e ousou a falar o seguinte:

    -Ei, Coronel. Conta-nos sobre o drago sinistro!

    1 O pas natal de Rudor, lar dos drages cinzentos, chamado tanto de Moldria quanto de Morvia,dependendo da lngua que lhe faz referncia.

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    O Coronel o fitou longamente. Maz sentiu que o corao do rapaz albino se congeloude medo, como se estivesse diante do prprio drago. Mas depois o Coronel comeou a rir, etodos riram tambm.

    -Bem, j que queres ter pesadelos...

    O Coronel tomou um longo gole, como se tomasse coragem para falar. E ele falou.No contou de forma linear, mas isso no importa. Falou cuspindo, impregnando o ar de umbafo insuportvel, mas falou:

    -Sabeis que, depois que perdi esse brao e me costuraram todo, eles... aquelesburocratas de uma figa que no tm uma gota de sangue correndo pelas veias me ofereceramisso daqui ou ento a aposentadoria compulsria. Bem, quando se sofre um trauma, a melhorcoisa a se fazer enfrentar aquilo que o abalou. Assim eu entrei para a ordem, - comeou orelato normalmente, mas a medida que foi falando, os seus olhos vidraram, olhando para o

    nada, como se ainda vivenciasse o pesadelo mas toda vez que vejo um drago,ele

    est l.Fomos designados para matar um grupo de drages que ameaava os arredores de Rerhea.No tnhamos experincia com essas criaturas. Diabos, ramos apenas soldados. Masapanhamos nossos escudos, cavalos, lanas e espadas. Era um grupo de drages moldarianos,como os que vamos enfrentar. Mas entre eles... Bem, os rapazes os atacaram e, claro, comose ataca um drago? No sabamos! Muitos pegaram as suas lanas, galoparam com os seuscavalos e arremeteram contra o peito deles. Uma parte morreu incinerada e outra... vssabeis... no imaginam o que ver um cavaleiro torrando-se, sem ter fogo... aquilo que osbrenorianos chamam de eletricidade... O cheiro... eu sinto at hoje! o cheiro da morteaquilo, isso eu garanto! Mas at a... Muitos morriam, centenas, eu acho, mas os drages

    tambm morriam. Eram uma meia dzia, eu acho. Mas ento ele apareceu: veio do nada,como uma sombra. No disparou uma nica chama, durante todo o tempo que levou paradizimar nossa diviso. Duvido mesmo que drages negros possam cuspir fogo... Ou talvezcuspam! No um fogo de chamas, mas um fogo glido que embriaga as nossas almas. Pois eudigo, senhores, que ele elevou a cabea aos ares e urrou. Mas foi um urro inaudvel, contendosom algum. Mas nossas almas sentiram aquilo. Eu senti raiva, muita raiva. E no era raiva dele,mas raiva de minha prpria espcie. E eu senti o mal dentro de mim. Ah, garotos! No sabeis oque o mal! Jamais o saborearam, o sentiram entre os dentes como eu senti! Isso destri aalma de um homem, sabeis? O fato que... podeis no acreditar em mim, mas os homenspassaram a se matar uns aos outros, da forma mais violenta e visceral possvel, alguns usandoos prprios dentes. J vistes canibalismo em ao, crianas? No... nunca vistes... O dragosinistro ficou l apenas olhando. Aquela expresso... parecia que o prprio Mitrax estava ali... eno duvido que fosse ele! Mas eu... eu fiquei fascinado com ele, muito mais do que a vontadede trucidar os meus companheiros. E, numa hora, ele percebeu isso e veio em minha direo.Tentei fugir, eu acho... mas estava paralisado. Eu sabia que no podia correr porque o dragocontrolava a minha mente. Vs no sabeis o que ele nos faz sentir... Senti um desejo... umforte desejo de ser trucidado... e... a partir da no me lembro mais dos detalhes. Acho que meabocanhou e me jogou longe. Eu voei dezenas de metros e quando me choquei no cho, noera s umas costelas quebradas que tinha, mas tambm uma massa disforme onde era o meu

    brao...

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    Ento parou de falar. Todos estavam paralisados pelo relato. Sapo segurava a canecano alto, como se fosse um retrato. Ele nem piscava. Mas o Capito bateu nas costas do Coronele falou:

    -Ora, Coronel, senhor... J passou! Nunca mais veremos esse drago.

    -Assim espero, Capito disse o Coronel, saindo do transe e tomando outro gole.

    Fez-se silncio na mesa durante alguns instantes, mas o salo estavainsuportavelmente barulhento. Maz, ento, diante da mudez de todos, viu que aquela era asua oportunidade. O Coronel era uma pessoa experiente, vivida, tinha visto muitas coisas navida. Teria que perguntar. Tinha que saber qual era a sua resposta para a questo que operturbava. Ento, para espanto de todos, tomou coragem e perguntou:

    -Coronel, senhor... ... O destino existe? Isto , o futuro j est determinado?

    O Coronel o olhou com a fisionomia mais espantada que podia haver na face domundo. Depois comeou a rir, at se engasgar. Depois, exibiu um ar de segurana, como sesoubesse decor e salteado a resposta:

    -Olha aqui, meu rapaz, te dou um conselho: Quando o Bispo estiver falando, tapa osouvidos! No existe esse negcio de destino. Tambm no existe uma porcaria de Deus quefica controlando as nossas vidas. Sabes o que existe? O nada, o vazio! Ns somos um gro depoeira perdida dentro de uma tempestade! O que existe um mundo catico onde venceaquele que mais forte e mais esperto. E a sorte, tudo depende da sorte e do azar! Pois eudigo que o futuro a gente mesmo que constri e o resto do mundo atrapalha. Esquece dessa

    baboseira de Deus, quem manda no mundo o diabo! E o destino de todo homem o mesmo:o inferno!

    #######

    O drago abriu os olhos. Aproximou o focinho cinzento fumegante. Rosnava. Estavaprestes a explodir em chamas. Sabia-o. E foi tudo o que viu. Seu corao se acelerou, mas noera s o medo que estava l. Eram os olhos. Aquela ris alongada... ela sabia, sabia todas asrespostas.

    Despertou suando, de um pulo. Acima de si, apenas o cu limpo. As estrelascintilavam. Maz colocou-se sentado. O acampamento estava em silncio. No havia ningumacordado. Aparentemente era o meio da noite. Ele sabia que no poderia dormir mais. Nodepois do que viu. Assim, colocou-se de p.

    Caminhou at o extremo do acampamento e ouviu um canto de pssaro. Mas era umcanto fajuto, que no enganaria ningum. E Maz sabia muito bem que tipo de pssaro eraaquele:

    -Sapo? Ests ai? indagou, se detendo diante da rvore de onde julgara que tinhavindo o som.

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    Logo, um farfalhar de folhas e balanar de galhos aconteceu. E Sapo, num pulo,apareceu no cho.

    -No devias estar dormindo, Maz? Amanh chegaremos a Sardannah!

    -Dormir de que jeito? respondeu o aspirante a cavaleiro, abrindo os braos. Minha cabea est cheia de drages!

    Sapo olhou bem para o companheiro, piscando. Havia sido escalado para a viglianoturna, mas estava visivelmente despencando de sono.

    -Bem disse Sapo, - talvez no encontremos nenhum amanh, afinal, eles noatacam todo dia!

    -Sei que vamos encontr-los amanh!

    -Ah, vira essa boca pr l!-Sabes, Sapo, eu tive um sonho... confessou Maz. Ele tinha que falar com algum,

    pois aquilo estava pesando muito sobre os ombros. Eu estava bem diante de um dragocinzento... Ele olhou para mim, Sapo. E eu olhei bem dentro dos olhos dele, e sabes e que euvi? Ele tem as respostas, Sapo, os drages sabem!

    -Respostas? perguntou o vigilante, estranhando a histria. Respostas para que,Maz? Ests ficando maluco?

    -, Sapo, resposta para aquela pergunta que eu fiz para o Coronel l na taverna. Os

    drages sabem a resposta!

    -O que? Aquela coisa sem p nem cabea que tu perguntaste? Como era mesmo? Seos deuses controlam as nossas vidas?

    -Por que debochas? No queres saber tambm?

    -Ah! Deixa essas coisas de cu e inferno para os deuses e padres! Eu, hein!

    -Sabes, Sapo, eu estava pensando...

    -Ah, l vem tu de novo! disse o vigilante, quase desesperado, colocando as mos nacabea.

    -Estava pensando nos Brenorianos... murmurou Maz, sem ligar para o estado doamigo, olhando para o outro lado. Eles no acreditam em Deus. E os deuses que elesacreditam... bem, eles dizem que os deuses no so poderosos, que falham, e que podem atcometer erros. O que achas disso?

    -Como sabes de tudo isso?

    -Bem, o Bispo contou algumas coisas, outras eu li... e conversei com alguns

    mercadores de Monor que fazem negcios com Brenor.

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    -Maz, olha pra mim! exclamou Sapo, colocando ambas as mos nos ombros doamigo. Pra de pensar nessas coisas. Olha, os Brenorianos so pecadores. So uns ateus semf, podes acreditar em mim. Eles no acreditam no paraso. Acham que todo mundo vai para oinferno. O que eles fazem e pensam ... sacrilgio, entendes? No vale a pena pensar neles.Eles vo acabar todos no inferno mesmo!

    -Mas Sapo, olha: Imagina que Deus infinitamente poderoso...

    -Deus infinitamente poderoso, Maz! interrompeu Sapo.

    -, mas Deus infinitamente bondoso tambm, no ?

    -Sim, Deus infinitamente bondoso, Maz... respondeu o viglia, olhando para o cu,impaciente.

    -A que est! Como Deus pode ser infinitamente poderoso e infinitamente bondoso

    ao mesmo tempo se tem tanta injustia no mundo! Olha, quantas crianas morreram noataque dos drages em Simbalah? Se Deus for bom, ele devia impedir essas coisas. Mas, olhaSapo, Deus pode no ser infinitamente poderoso. Talvez ele seja bom, mas no consigaimpedir essas coisas!

    Sapo olhou bem para o companheiro. Seus olhos pareciam incrdulos.

    -Eu no acredito! Como podes pensar nessas coisas?

    -Ah! Ento qual a resposta?

    -Tu tens cada pergunta! E eu sei l? Olha, Maz, o Bispo diz que os mistrios de Deusesto muito alm da nossa compreenso. E alm do mais... olha, impedir as coisas ruins deacontecer... isso a no coisa do Mitrax?

    -Do diabo? indagou Maz, um tanto surpreso. Ento o diabo ajuda os homens eDeus os condena perdio?

    -Sabes muito bem que no foi isso que eu quis dizer... declarou Sapo. Pelo amorde Deus, Maz, vamos falar de outra coisa! Amanh vamos enfrentar drages!

    Maz, ento, casualmente, olhou para o cu. Viu outra coisa e novas questessurgiram.

    -Olha, Sapo, aquele grupo de estrelas disse ele, apontando. Aquele ali. Parece umdrago!

    -Drago nada! exclamou Sapo. Para mim parece um escorpio. Olh s, desselado, as duas garras!

    -Duas garras? Eu estou vendo s uma!

    Assim, ficaram vrios segundos contemplando as estrelas.

    -Sapo... balbuciou Maz.

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    -Que ?

    -Achas que as estrelas so uma mensagem de Deus que no sabemos ler, escrita naesfera celestial?

    Sapo, desesperado, bateu com a palma da mo contra o prprio rosto.-Ah, no, Maz. Outra vez no! Olha, eu vou voltar para o alto da rvore e tu ficas a

    filosofando com as estrelas! E olha, presta ateno no que vou te dizer: Se amanh estiveresfrente a frente com um drago, no vs perder tempo olhando para os olhos dele se noquiseres virar churrasco. Enfia-lhe logo a foice na boca!

    E, ento, de um pulo, agarrou o galho mais baixo e agilmente desapareceu entre afolhagem. Maz caminhou um pouco frente, para sair de baixo da copa da rvore. Deitou narelva, ainda olhando para as estrelas. Elas pareciam cintilar impassveis diante do queacontecia sobre a terra.

    Ele voltou a pensar nos olhos do drago. Ele tinha que dar um jeito de descobrir oque estava por trs deles. Ele sabia que poderia fazer aquilo. S no sabia como.

    #######

    Sardannah estava praticamente em runas. Uma fumaa insistente se elevava aoscus, vinda de pores de madeira vivificadas por um fogo invisvel que provavelmente insistiaem corroer por dentro. Alguns focos de incndio ainda pairavam no ar naquela aurora. E ofunesto drago cinzento que atacara ao fim da noite ainda sobrevoava em crculos a cidade,

    para despejar toda a sua incompreensvel raiva sobre aquele povoado fantasma. Projetando asua sombra de rancor, seguia inexorvel frente, sombreando momentaneamente aquelespoucos que ainda ali restavam, congelando-lhes as almas. Mas, na praa central da cidade,onde outrora eram realizados os festivais, uma torre feita de pedra e alvenaria ainda resistia,embora estivesse chamuscada e algumas pedras expostas, trincadas.

    - agora ou nunca disse Adannah, firmando os ps bem no piso e ajeitando o arco.

    -Vou tocar o sino! exclamou Silbour, o seu irmo gmeo, apanhando umamachadinha de madeira e fazendo um pequeno sino do campanrio da torre gemer.

    Tocou uma, duas, trs vezes.

    E foi o suficiente para atrair o drago.

    -No banca a valentona dessa vez disse Silbour, efusivamente. - No quero que esteseja o nosso ltimo!

    Adannah retesou o arco e respirou fundo. A criatura vinha atravessando o ar, seaproximando vertiginosamente.

    -Um, dois, trs... contou ela, com ambos os olhos comprimidos.

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    Soltou a flecha e se abaixou, antes que um inferno de chamas se apoderasse docampanrio.

    No. No foi dessa vez. As rochas estavam quentes, mas ela pde se levantar, atempo de ver o monstro alado se distanciar.

    -Droga! gritou Silbour.

    Ela se virou a tempo de ver o irmo se debatendo contra um pequeno incndio quese apoderara de sua roupa, bem nas suas costas. Ela ajudou a apag-lo, batendo com suasprprias mos.

    -E quem que bancou o valento? disse ela.

    -, mais valeu a pena. Esse no enxerga mais.

    De fato, viram o drago que se debatia no ar. Ambos os seus olhos foram vazados porflechas que ainda estavam espetadas, uma disparada por ela e outra pelo irmo. No demoroumuito para que a criatura alada atingisse inadvertidamente outra torre e despencasse, rolandosobre as laterais da mesma, arrancando-lhe detritos.

    Observando aquilo, longe de exibir uma expresso feliz, Adannah exclama:

    -Vou dar cabo dele!

    E, antes que o irmo pudesse impedir, ela se precipitou por sobre o parapeito epulou para fora do campanrio. Bem que Silbour tentou impedi-la, mas somente pode v-la

    deslizando por um cabo de ao esticado, usando o arco como trave horizontal, segurando comuma mo em cada ponta do mesmo. O contato do arco com o cabo de ao produziu um somsfrego, tal qual um violoncelo em nota grave, enquanto ela deslizava para sobre o teto dosedifcios que contornavam a praa.

    -Desisti! Ele pode te sentir pelo olfato! gritou o irmo, preocupado.

    E, enquanto o drago se debatia no cho, tentando cegamente arrancar as flechasdos olhos, Adannah corria pelos telhados. Silbour, sem opo, foi atrs dela, usando o seu arcocontra o mesmo cabo de ao. Enquanto isso, Adannah pulava agilmente em frente ao drago.

    Ele percebeu isso e estava furioso, por isso, sentindo-a pelo cheiro, despejou outra cargacompleta de fogo, mal dando tempo dela se esquivar, escondendo-se por trs de runas quehaviam despencado do alto.

    Mas ela no tinha tempo a perder. Teria que atacar antes que ele pudesse dispararnovamente. Assim, colocou-se de p, com o arco retesado e uma trinca de flechas j alicolocada. Mas o drago estava ainda ocupado com seus prprios ferimentos e no se viroupara ela e Adannah sabia que, sob aquelas couraas impenetrveis, seu nico ponto fraco erao interior da boca. Mas ele precisava se virar para ela e abrir as mandbulas. Como ele noestava disposto a fazer isso, ela o chamou:

    -Ei, seu idiota, eu estou aqui!

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    claro que aquilo era mais que suficiente para provoc-lo, mas ele, caprichosamenteno abriu a boca para soltar outra labareda, mas simplesmente investiu contra ela com os seuschifres, atingindo-a, desprevenida, e arremessando-a longe. Com o impacto, ela largou o arcoe sua aljava voou longe. O monstro, ento, correu para onde ela havia cado.

    Silbour disparou uma flecha contra o pescoo da criatura, mas essa no se cravou.Ele se aproximou da elfa e abriu a boca. No iria torr-la, pois talvez no tivesse mais materialcombustvel, mas abocanh-la. Ela mal teve tempo para ver a escurido daquela imensa boca aenvolver.

    Ela mal teve tempo de raciocinar.

    Quando, sem entender, viu aquela cabea de drago rolando no cho, com sangue alhe escorrer da parte inferior.

    Durante muitos segundos, no entendeu o que havia acontecido. Somente pdenotar uma figura. Parecia um homem, mas, contra o Sol que agora atingia o meio da praa,somente podia ver uma silhueta.

    -Que a paz de Rgion esteja convosco! disse o cavaleiro, dentro da sua armadurarubra, estendendo o brao para que ela se apoiasse, segurando, com o outro uma longa foicena posio vertical.

    Quando a vista ficou menos turva, pde v-lo direito. No o conhecia, mas estavadiante do arrogante Rudor Asta.

    E, de repente, enquanto Silbour chegava ao cho, um bando de cavaleiros invadiuruidosamente o ptio. Era a vigsima stima companhia da Ordem dos Cavaleiros Rubros.

    Eles pararam e desmontaram. Maz parecia absorto e impressionado com o que haviano ptio: corpos de diversos drages em diversos estados de putrefao, espalhados dentre osdetritos, sendo que, de um deles, restavam apenas os ossos chamuscados.

    Adannah olhou impressionada para o cavaleiro que a salvara. Sentira toda a sua foraao ser puxada novamente para a vertical, pelo seu brao musculoso escondido por debaixo daarmadura. Ele tirou o elmo e lhe sorriu com desejo.

    -Estamos aqui para salvar-vos, elfos! disse o coronel, sem desmontar.

    Silbour olhou bem para eles, colocando-se ao lado da irm.

    -Ests bem? indagou ele.

    -Sim, fui salva por este cavaleiro! disse ela, mostrando o moldariano.

    -Eles no me parecem l grande coisa comentou o elfo, olhando para os demaiscavaleiros.

    -Onde est o rei? Devo me dirigir a ele! demandou o Coronel.

    Mas, antes que eles pudessem responder, uma voz ecoou do outro lado o ptio:

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    -Estou aqui! exclamou Ilrion, caminhando firmemente em direo aos cavaleiros,usando uma roupa toda chamuscada.

    Ilrion era grande e forte, lembrando a figura distante de Athlon. Contrastavafrontalmente com os gmeos, que eram magros e altos, embora todos tivessem uma longa

    cabeleira impecavelmente branca. Mas Ilrion ainda tinha algo que poucos elfos poderiamcontar: uma espessa barba cinzenta, outra marca indelvel do ltimo rei da Era dos Elfos.

    -Deveis ser os cavaleiros rubros concluiu ele, ao se aproximar.

    -Estamos aqui em nome do Grande Rgion para vos proteger! declarou o coronel.Depois olhou para os restos dos drages: Mas parece que esto dando conta sozinhos!

    -Bobagem! declarou o rei. No somos caadores de drages!

    -Onde est o resto da populao? indagou o capito.

    -Foram para o leste explicou o rei, tristemente. Bem, o que restou deles... Os reisde Andrias aceitaram abrig-los...

    -Entendo... disse o coronel.

    Ento o rei mirou os cavaleiros. Mirou-os todos, um a um. Depois indagou:

    -Vs podeis explicar o porqu do ataque desses drages? Essas criaturas esto plenasde ira, como se odiassem Sardannah. Um dio no natural. Um dio que jamais vi em animalnenhum!

    Mas foi Rudor quem se apressou em responder, com a voz rude de sempre:

    -Diversos territrios do Imprio Alrheano tambm esto sob ataque, senhor. Essesmonstros dos infernos esto empesteando toda a Meriovngia. No um privilgio dossardanos!

    Maz olhou bem para o moldariano. Aquilo lhe pareceu conversa fiada. Nunca ouvirafalar que territrios do imprio estivessem sendo atacados. Rememorou todos os territriosonde ele sabia que estavam sofrendo do mesmo mal. E, ento, algo lhe ocorreu: Por que osdrages estavam atacando justamente as fronteiras externas do imprio?

    -Vs e vossos homens so bem vindos em Sardannah disse o rei, decidido. Aquitereis abrigo e alimentao. Apenas menos de cem elfos permanecem na cidade, mas no vosmetei em encrencas com eles e estareis bem. E que os ventos tenham pena de nossas almas!

    #######

    O rei Ilrion permitiu que os cavaleiros se alojassem no interior de um templo semi-destrudo, mas que o teto se mantinha firme. Este se elevava a pelo menos trinta metros. Asparedes eram grossas, mas chamuscadas. No dava para ver as figuras que outrora estavampintadas por ali. Nos altares, que ficavam nos quatro cantos do recinto, estavam as esttuasdos deuses-vento: Zephyros, Eureus, Breas e Notus. Mas apenas a desse ltimo se conservava

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    inteira. As demais estavam quebradas e Maz sabia porque: um (ou mais) drago havia entradoali e havia feito a festa. O lugar, portanto, estava em runas, os vitrais, todos eles, quebrados,e o cho estava forrado de detritos.

    Os rapazes tratavam de desenrolar as cobertas que haviam trazido enroladas nas

    ancas dos cavalos para providenciarem o que se aproximaria de camas. Mas eles estavamacostumados a dormir assim. H muito tempo que no dormiam sob um teto slido, contudo, claro, o lugar no sugeria segurana alguma. E aqueles menos afortunados foram logomandados ao ptio principal da cidade que fora o principal foco dos ataques at agora para pregarem as argolas . Agora, vinha um som metlico e intermitente de fora. Era o som dasmarretas atingindo os enormes pinos de ferro com cabea na forma de argolas, fazendo-ospenetrarem no cho. Ali seriam prendidas correntes com ganchos nas pontas.

    Enquanto ouvia aquele som entristecido, Maz ficou um bom tempo encarando a facedo Notus. Era, como diziam os elfos, sombria e misteriosa. Guardava, ao mesmo tempo, uma

    expresso de maldade e misericrdia.

    -Maz, vai arrumar a tua cama ralhou o Capito.

    O rapaz levou um susto e foi cortado de seus pensamentos. Como por reflexo,disse:

    -Sim, Capito!

    E, rapidamente, ps-se a desenrolar as suas cobertas. Mas no terminou o servio,pois se lembrou de uma coisa. Ento, aproximou-se do Capito e disse:

    -Ei, Capito, ainda tens aquele mapa velho?

    claro que o superior o olhou com cara de espanto e tambm quase nojo:

    -Pra que diabos queres um mapa?

    Maz havia pensado em pedir o mapa, mas no havia ainda pensado em qual seria a justificativa. Assim, no teve jeito se no ser sincero:

    -Eu... bem... h... que eu estava pensando...

    -Tu devias jogar essa cabea fora! exclamou o capito, j preparado para umaoutra do cavaleiro aprendiz.

    -Ento... queria ver um panorama dos ataques dos drages!

    -Panorama? Que diabos isso?

    -, Capito. A distribuio geogrfica!

    O Capito, claro, no entendeu o que o rapaz dizia, mas ele j desconfiava que Mazera meio louco. Ento, pensou um pouco e depois disse:

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    -Se eu te der aquele mapa, prometes que no vai mais me perturbar? Pelo menoshoje!

    - claro, Capito! exclamou Maz, de prontido, um pouco alegre e um pouco tristeao mesmo tempo.

    O Capito procurou entre suas coisas e achou o pedao de papel embrulhado.Entregou ao rapaz. Ele o desdobrou enquanto o Capito lhe dava as costas. Estava todoamassado, mas era ainda possvel ver todos os reinos da Meriovngia, bem como dopraticamente extinto Imprio de Bresul. Maz o colocou no cho e ps-se a analis-lo. Nodemorou muito para ver uma coisa impressionante.

    -Capito, Capito! Corre aqui! exclamou ele, excitado.

    Impaciente, o Capito olhou para o cu e suspirou, mas se apressou a caminhar firmena direo do novato, com o objetivo de tomar-lhe o mapa. Iria faz-lo, mas Maz foi maisrpido na sua digresso:

    -Olha, Capito, onde esto ocorrendo ataques de drages e apontou vrios setoresdo mapa: - Estamos aqui, na fronteira ocidental de Andrias. Eu sei que os ataques maisintensos esto aqui, na parte central de Tesalia, ao norte de Maripolis, e tambm no extremosul desse reino, nas proximidades do Rio Merioin. Tambm temos ataques ao sul de Andriase, ainda, ao sul de Isthra, na faixa de terra entre Andhaor e o Mar de Monstros.

    O Capito olhou bem para o mapa, tentando captar a mensagem:

    -E...-So exatamente as fronteiras do Imprio!

    O Capito coou a cabea, raciocinando. Depois declarou:

    -Tu ests ficando louco mesmo, Maz. Ests tentando dizer que Rgion est usando osdrages para expandir as fronteiras do Imprio?

    Maz ficou extremamente contente com a concluso do Capito:

    -Isso, Capito. Isso!

    Mas o oficial no estava convencido disso:

    -Olha, Maz, Rgion o soberano mais amado desse mundo. A pessoa mais bondosaabaixo desse cu. Ele o nosso mentor, nosso inspirador! Tem libertado os reinos do julgo detiranos e dado uma vida digna s pessoas! E, depois... como que ele conseguiria controlaresses bichos do inferno?

    -Eu sei l? disse Maz, abrindo os braos. Mas no muita coincidncia os ataquesacontecerem bem nas fronteiras do Imprio? Por que no no meio? Por que no temosnotcias de ataques bem alm das fronteiras?

    - Os drages j atacaram Rerhea, Maz objetou o Capito.

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    -. Mas por que pararam?

    Mas o Capito no estava disposto a manter a conversa. Estava cansado e malhumorado. Assim, arrancou o mapa de baixo das mos de Maz, rasgando-o um pouco, e disse,enrolando-o novamente:

    -Vai dormir, soldado. E reza para no termos um ataque essa noite!

    E se foi.

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    Al-Khazur

    Miriannah

    Isthra

    Maripolis

    HabilisNutHlibis

    NorSirdha Rerhea

    Minas Gnessia

    Andrias

    Porto Gaivota

    MolinorHidra Morave

    Ponta Corbe

    (Cordilheira do Gelo)

    Mar dosMonstros

    Rio Voliatis

    Rio Merioin

    Rio Fulcro

    Rio Planoin

    MachuMozerate

    AlbaAlberis

    AlbaSularis

    Aurianon

    Olmea

    Monor

    Meriovngia

    (Bresul)Ponta Chrometra

    Tesalia

    Alrhea

    Andhaor

    Vila

    Pankar

    Beliria

    Reino dosGnomos

    (Chorum)

    Altosanco

    Bresul

    Rio Mgion

    Moldaria

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    Um pouco adiante, no outro extremo do recinto, Adannah passava uma pomada,preparada com ervas e banha de porco, nas costas de Silbour, para aliviar a dor daqueimadura.

    -Sinto-me mais segura agora exclamou ela.

    -Eu no objetou o irmo. Eles no me parecem l grande coisa. Duvido quepossam dar cabo de um drago.

    Mas foram interrompidos pela chegada de Rudor Asta. O rstico e enorme cavaleiro jogou o elmo estrondosamente no cho, aparentemente para chamar ateno, e ps-se a abrira placa de peito da armadura. Iria se acomodar ali mesmo. E, enquanto tirava aquela pea deao, encarou Adannah. Quando a removeu, esta arregalou os olhos, pois no havia nada porbaixo. Ele descobriu o peito nu, cheio de tufos de cabelo, e a elfa no viu aquilo comindiferena. Silbour notou o olhar da irm e no gostou nada do que viu. Rudor sorriu para ela,mas foi um sorriso cheio de malcia.

    -Eu vou te proteger, meu bem! disse ele, sorrindo. Depois, percebendo o olhar doelfo, acrescentou: - Vs elfos tendes sorte que chegamos, no ireis sobreviver muito tempo!

    Silbour fez fora para se controlar, mas Adannah ainda continuava sorrindo para ele.Ela, de fato, o achou interessante, mas sendo Rudor o que era, no demorou muito para que aofendesse:

    -Ei, o que que h para comer nessa terra? Estou com fome! Ei, meu bem, noqueres me trazer algo para forrar o estmago? Mulheres bonitas devem servir bem os seuspaladinos!

    claro que o cavaleiro moldariano entendia pouco dos costumes dos elfos. Numanica frase, ele a ofendera gravemente duas vezes. Primeiro, a chamara de mulher. Isso erauma profunda ofensa para uma drade, uma vez que elas no se permitiam serem comparadass fmeas humanas, pois no se conformavam com o fato destas se submeterem aos homens.Em segundo lugar e mais importante Rudor usara a palavra servir. De todas ascivilizaes da Micropella, a lfica a que menos considera diferenas entre machos e fmeas,

    tendo estas exatamente os mesmos direitos e deveres que os elfos masculinos.Adicionalmente, era amplamente conhecido em Sardannah que Adannah tinha pavio curto.Assim, ela apanhou uma cimitarra do cho e, mal o cavaleiro havia piscado, a lmina desta jestava encostada no seu pescoo:

    -Vade comer a carne necrosada e dura das carcaas podres dos drages. umalimento apropriado para animais!

    Rudor olhou firme para ela, sem pestanejar, e respondeu:

    -Sorte tua que, de onde venho, somente um homem covarde luta contra uma

    mulher!

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    Bem, a ofensa se repetiu, mas Adannah se deu por satisfeita, pois verificou que ocavaleiro no bancou um valento. Ento, abaixou a cimitarra e lhe deu as costas. Mas Rudor,naquele momento, no poderia ficar calado:

    -Bem sei que o que querias outra coisa!

    Ela se virou e, sem se deixar ser intimidada, respondeu:

    -Se no te comportares, cortarei fora a tua lngua. Ou ento cortarei outra coisa, quete deixar com a voz fina!

    E saiu sem se importar para o que o estrangeiro ralhava. Olhando feio para ocavaleiro, Silbour foi atrs. J fora do templo, este disse:

    -A culpa tua!

    Adannah se virou, indignada:-Culpa? Minha? O cara me agride e a culpa minha?

    -Vi como olhavas para ele explicou o irmo. Estavas dando bola para ele!

    -Isso um insulto! protestou ela.

    -Sempre fazes assim! Sempre te envolves com os piores tipos!

    -O que eu fao ou deixo de fazer no da tua conta!

    - desde quando ficamos rfos. Sou o teu irmo mais velho!

    Ela no disse mais nada. Apenas limitou-se a mir-lo com um misto de dio eindiferena. Procurou se distanciar dele, mas ele ainda tinha mais algo a dizer:

    -Continua preparada, Adannah. Amanh eles viro. Eu sei!

    #######

    Rgion no perdeu tempo. No incio da noite daquele mesmo dia, uma relativamenterequintada carruagem, escoltada por meia dzia de cavaleiros com armaduras de couro, parou

    no ptio da cidade. De seu interior saltou um senhor mais ou menos gordo, vestido com umatnica esverdeada de camura e com um estranho gorro vermelho na cabea. Usava um fartoe pesado medalho de ouro no pescoo, encravado de jias. Trazia um livro de couro,costurado, debaixo do brao. Aqueles traos no deixavam dvidas. Todos os cavaleiros rubrosque o viram sabiam de quem se tratava: era um procurador de Rgion, um doutor , como erachamado.

    Ele desceu da carruagem com esforo. Sua fronte estava abarrotada de suor. Olhoupara todos os lados parecendo um pouco assustado e esbaforido. Depois disse para um doscavaleiros rubros que em nada se parecia com um cavaleiro:

    -Leva-me at o rei!

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    O rapaz o fez. Ilrion estava sentado numa grande mesa, num recinto que abrigava umsalo de refeio, rodeado de uns trinta elfos guerreiros. Quando a populao fora mandadaao leste, apenas cem desses guerreiros foram mantidos ali. Agora restavam apenas cinqentae dois. O doutor se postou de frente ao rei, do outro lado da mesa, e disse:

    -Senhor , temos assuntos a tratar. Trouxe os documentos de Minas Gnssia.

    Ilrion apenas ergueu os olhos. O tratamento fora ofensivo, pois no fora vocadocomo majestade . E o rei teve a ntida impresso que houve alguma nfase na palavra senhor .

    -No podeis esperar at depois do jantar? disse o rei, com voz de poucos amigos. Sentai-vos, emissrio, e compartilhai essa modesta comida.

    -Doutor disse o homem, com veemncia.

    Mas o rei no entendeu:

    -Perdo?

    -Doutor respondeu o procurador. Devo ser tratado por doutor .

    -Ah, sim... disse o rei, lenta e seriamente, mas sem dar importncia para aquilo.

    -Vou me sentar disse o enviado, j se acomodando numa cadeira cedida por umelfo, - mas no vim aqui para comer.

    E estendeu o livro diante do rei, abrindo-o numa determinada pgina, a centsimaquinta para ser mais exato.

    -Deves assinar no fim da pgina. Est escrito em rerheano , claro. Mas nas pginasseguintes se encontra a traduo em sursardawen . Falam essa lngua por aqui, no ?

    Ilrion estreitou os olhos e mirou o sujeito por longos segundos, parecendo analis-lo.Depois finalmente explicou, procurando explicitar a ignorncia do procurador:

    -No. No falamos mais sursardaw por aqui. Falamos o athlanda , a lngua geral doselfos. Mas compreendo perfeitamente o idioma do imprio, afinal estamos conversando emrerheano , no estamos?

    Nisso, um som tenebroso preencheu o ar. O doutor se assustou, dando um pequenogrito e colocando a mo sobre o peito:

    -Deus, o que foi isso? indagou, assustado.

    O som parecia um grito rouco. Distante, mas tenebroso.

    Ilrion, que lia o documento, voltou os olhos novamente ao emissrio, mantendo aserenidade.

    -So drages? indagou novamente o doutor , visivelmente inquieto.

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    -No respondeu o rei, voltando-se novamente anlise do documento. No tepreocupes, no so drages, apenas o sino dos ventos. Acredito que teremos umatempestade essa noite.

    O sino, distante dali, situado no campanrio na praa principal da cidade, a mais de

    quinhentos metros de onde estavam, gemia. Tinha formato cilndrico, estando a posiohorizontal, montado sobre um pedestal, de forma que podia se mover angularmente ao longodo plano horizontal. Ele era feito de um tronco de madeira. Uma madeira especial quereverberava sob os ventos, como uma flauta a ser tocada. De acordo com o som que produzia,os elfos compreendiam os humores dos deuses-vento.

    -Meu Deus! Isso assustador! disse o procurador, ainda com a mo sobre o peito.

    Maz comia numa mesa no muito longe dali. Mas os seus ouvidos estavamafiadssimos e o que se passava naquela mesa era muito interessante. E, de fato, o som pelo

    menos para os humanos era assustador.-De que se trata, vossa majestade? indagou Silbour, que estava sentado no muito

    longe do rei.

    -O esperado... respondeu Ilrion, quase casualmente. Uma declarao minha,submetendo Sardannah ao Imprio Rerheano...

    -Vais assinar?

    -Pedi socorro, no foi? disse o rei, desconsolado. Depois, continuou falando como

    para si mesmo: - No agentamos, no ? Rgion veio em nosso auxlio e ento... c estamos...Somos parte do grande reino de Rgion...

    Parecendo ansioso, o procurador estendeu pena e um frasco de tinta em direo aorei. Ilrion refletiu por mais alguns segundos. Talvez no pensasse no ato em si, mas nasconseqncias que isso teria no futuro. Pensou na sua querida filha, to distante dali. Ismidi jamais o perdoaria.

    To logo assinou, o doutor praticamente arrancou o livro de sua mo. No recolheupena ou tinta. Levantou-se com o livro debaixo do brao, dizendo, nervosamente:

    -Permitai-me partir. H muito o que fazer!

    Ilrion olhou desconfiado para o estrangeiro:

    -Haver tempestade esta noite. Tendes certeza que quereis partir?

    - claro disse ele, erguendo um dedo em direo ao cu. Dever em primeirolugar! Boa noite!

    E se foi, quase correndo. Maz tambm olhou aquilo desconfiado. Por que ele estariacom tanta pressa ao ponto de enfrentar uma tempestade? Estaria com medo de drages

    aparecerem? Mas Maz sempre estava desconfiado.

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    #######

    Os drages no vieram naquela noite. Contudo, o vento soprou e soprou. Tanto quedestelhou vrios edifcios e trouxe muita poeira. Estranhamente era o Zphiros quem soprava,algo que os elfos sabiam ser raro. E sabiam tambm o que significava: guerra. Talvez no os

    drages, mas uma guerra mais ampla, que estava se armando. Era um vento seco, que notrouxe chuva. Antes trouxe outra coisa: trs drages moldarianos, que chegaram logo ao raiardo Sol.

    Como das vezes anteriores que atacaram Sardannah, chegaram sobrevoando a praaprincipal, contornando os edifcios dispostos na sua periferia. As construes mescladas arvores, tpicas dos elfos, j haviam sido todas destrudas. Restavam apenas as de alvenaria.Mas eles chegaram fazendo estardalhao, urrando e jorrando fogo ao ar. Por vezes, atingiamcom as garras os tetos dos edifcios, arrancando suas coberturas feitas de telhas e madeira.

    Mas no demorou muito para que os primeiros elfos se posicionassem em condiesde tiro. Assim, uma chuva de flechas foi despejada sobre os drages. Mas esses eram bravios epoucas delas atingiram as bocas ou olhos.

    No abrigo improvisado, estava a maior confuso. O Capito chutava a todos,esbravejando:

    -Botai vossas bundas em vossos trajes, seus bundes!

    Maz despertou de um pulo. Em princpio, no percebeu o que estava acontecendo.H dias que no dormia direito e justo nessa noite... Porm, quando percebeu o que estava

    acontecendo pois elfos corriam por ali gritando So trs! So trs! levantou-serapidamente, procurando suas armas. Rapidamente, em meio confuso, apanhou sua foice eamarrou o cinto da bainha de sua espada na cintura. Quando viu que os demais tiravam acamisa, lembrou-se que deveria fazer o mesmo. Seus olhos, por acaso, se depararam comBreu. Percebeu que ele estava tremendo como uma vara verde. Quando jogou sua camisalonge, teve a idia de dizer para ele:

    -Relaxa. Provavelmente, quando chegarmos l fora, Rudor j ter dado cabo deles!

    Ento Maz percebeu que no estava com medo. Estava meio nervoso, mas com

    medo no. Estava ansioso, ansioso por ganhar o seu manto rubro. Mas, para isso, teria quematar o seu primeiro drago.

    Contudo, viu que Breu agora olhava fixamente algo que no estava em seu campo deviso. Assim, Maz se virou e percebeu o que ele mirava: Rudor. O moldariano vestia a suaarmadura tranquilamente, assobiando e prendendo as travas lentamente, com a ajuda de umde seus conterrneos.

    -At ele acabar, vamos estar torrados! exclamou Breu, desanimado.

    Mas Maz no podia prestar muita ateno nisso, precisava passar o vmito sobre o

    corpo. Assim, correu at o barril mais prximo. O nome tinha sido dado pelo Coronel, pois suacor era verde escura, quase preta. Era uma espcie de pomada, que eles passavam pelo corpo.

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    Ajudava a minimizar a ao do fogo, mas s um pouquinho. Era quase um paliativo. Elestraziam aquela substncia em barris e era produzida em Rerhea. O Bispo era responsvel porela e, agora, enquanto rezava em voz alta, ajudava os rapazes com o vmito, passando-o nosseus corpos. O cntico do clrico era uma espcie de mantra repetitivo, que era entoadotambm por vrios dos cavaleiros rubros:

    , Senhor,

    Entregai-me os meus inimigos inquos

    , Senhor,

    Dai-nos a graa de impedir que o mal impere sobre a terra!

    Enquanto ouvia o mantra, Maz pensava como Rudor poderia usar uma armaduranessa situao. Era sabido que muitas companhias da Ordem haviam tentado us-las nopassado, mas ela tirava mobilidade do cavaleiro e, o principal, se uma chama a atingisse, ldentro virava um inferno. O cavaleiro era invariavelmente cozido vivo, ou ento, nos casosmais extremos, a armadura derretia, sepultando o seu hspede l dentro. No. Era melhorcombater assim, nu da cintura para cima.

    -Muito bem! Em formao! berrou o Capito.

    Todos, to logo puderam, se colocaram em formao num bloco com trs fileiras. Osque iam na frente os mais experientes levavam escudos. Mas a vigsima stima companhiano tinha escudos para todos. Mas havia muitos mantos rubros, aquelas capas pesadas feitade pequenos ladrilhos de metal, pintadas de vermelho. Alis, uma pintura, em geral, mal feita,cobrindo irregular e parcialmente os mantos. Assim, eles tinham uma colorao em partevermelha e em parte prateada. Mas Maz e os outros novatos ainda no tinham manto.

    O Coronel ento surgiu, despido e vomitado como os demais, segurando sua foicecom o nico brao que lhe restava.

    -Muito bem, seus bananas, aquele que conseguir degolar uma criatura maldita ganhaum saco de moedas de prata!

    Todos gritaram de jbilo, mas, no fundo, sabiam que a promessa era v. O Coronelno tinha um saco de moedas, assim, ficava na promessa de conseguir o prmio do governoquando retornasse capital, mas no havia garantias que ele conseguisse. Alis, no havianem mesmo garantia alguma que, um dia, eles retornassem capital.

    -Vamos! ordenou o Coronel, com os dentes comprimidos e enquanto Rudor e seuscompanheiros ainda se arrumavam tranquilamente.

    E, quando saram, se viram no inferno.

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    Enquanto os cavaleiros rubros se preparavam, Adannah e Silbour, como sempre, seposicionaram na torre do campanrio onde se encontrava o sino dos ventos. Mas, ao contrriode outros ataques, dessa vez, os trs drages vieram direto a eles.

    Aps contornarem duas vezes a praa, causando mais destruio nos telhados,

    voaram at o campanrio. Na primeira aproximao, praticamente destruram tudo o quehavia ali com trs robustos jatos de fogo. O teto da construo, por exemplo, se foi. Os irmoselfos tiveram que pular atravs do alapo, caindo no andar de baixo. Mas rapidamentetomaram posio, entretanto no houve possibilidade de um bom tiro.

    No segundo ataque dos monstros, houve novo despejamento, sendo que dois dosdrages ficaram agarrados nas laterais da construo, com as garras firmemente enfiadasentre as pedras que constituam as paredes, procurando por novas vtimas. Mas um deles viuos homens saindo do templo e rumou em direo praa.

    Os cavaleiros rubros, por sua vez, procuraram se posicionar segundo as suasespecialidades. Os gancheiros, em nmero de sete, apanharam os ganchos no cho,espalhados por toda a praa. Os escudeiros procuraram formar uma linha em forma de arco,tendo os degoladores , aqueles que portavam foices, logo atrs. No havia arqueiros. O Coronelbem que tentara institu-los, mas no deu muito certo, pois ningum ali tinha boa pontaria.No havia lanceiros to pouco, pois lana alguma projetada por um ser humano poderia varara grossa couraa de um drago cinzento da Moldria. Finalmente o Bispo ficara na porta dotemplo, entoando rezas, balanando um incenseiro pra l e pra c.

    Sem conseguir desgrudar os olhos do drago, Sapo no pde deixar de comentar,

    com voz trmula:-Ei, esse dos grandes!

    E, enquanto disse isso, sendo um gancheiro, comeou quase sem querer a rodopiar oseu gancho, fazendo gemer a corrente que estava presa nele.

    -Vamos morrer todos! gritou Breu.

    -Cala a boca, Breu! exclamou, ou ordenou, talvez, o Capito.

    Caprichosamente, o drago pousou onde ele deveria estar para ser devidamenteatacado, ou seja, bem na frente dos escudeiros. Na verdade, ningum pensou no que poderiaacontecer se o drago pousasse atrs deles, mas felizmente isso no aconteceu.

    claro que o Capito, ao se jogar no cho, gritou a palavra de ordem:

    -Fogo!

    Os demais tambm se abaixaram, sem esperar pela ordem, exceto os escudeiros, queprocuraram se abaixar atrs de seus escudos. E o drago obedeceu direitinho, pois despejouuma boa quantidade de fogo. Os escudos, todos os doze (a companhia, na verdade, havia

    recebido treze escudos, mas o Coronel jogara um fora dizendo que treze nmero de azar), claro, ficaram incandescentes, e os escudeiros sabiam que tinham que jog-los logo no cho se

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    no quisessem ter os braos queimados. E, to logo o ataque cessou, o Capito comeou acontar em voz bem alta:

    -Um... dois... trs... quatro...

    Todos sabiam que teriam uma margem de segurana de sete segundos, ento, todospartiram para cima da criatura. Bem, todos no, alguns correram na direo oposta e outrosficaram parados. Alguns que j haviam matado um drago (quase todos um s), e queportavam mantos de ferro, tropearam devido ao peso dos mantos e outros que vinham atrstropearam neles. Alguns tiveram suas foices enganchadas na confuso, sendo que somentetrs degoladores conseguiram efetivamente se aproximar do drago: o Coronel, o Capito eMaz. Mas o Coronel estava fora de forma e o Capito usava um pesado manto rubro, portantofoi Maz quem conseguiu golpear o pescoo do drago. Mas esse foi esperto. Naquela confusotoda, ele decidiu voar novamente. Assim, ergueu o pescoo e a foice de Maz somenteencontrou o ar vazio. O gancho do Sapo at que conseguiu se resvalar nas costas do monstro,

    mas no se prendeu.

    -Maldito drago cinzento amaldioou ele.

    Mas aconteceu que, enquanto o monstro alava vo e os cavaleiros tentavam selevantar, os outros dois pousaram bem na retaguarda dos cavaleiros rubros. Os escudeirostentaram apanhar novamente os escudos, mas sem sucesso, pois esses ainda estavam muitoquentes. Foi nesse momento que Maz acreditou que tudo estava perdido, a vigsima stimacompanhia viraria cinzas. Mas a dupla recm-chegada de paquidermes gneos estranhamenteno disparou.

    Nesse instante, ouviu-se uma voz estrondosa:

    -Sa da frente!

    Maz olhou na direo da voz e, espantado, viu Rudor, completamente vestido numareluzente armadura prateada, segurando uma foice, caminhando decididamente em direo dupla de drages. E, enquanto todos corriam, deixando o combate para o campeomoldariano, ou ento gritavam o seu nome, Maz ficou parado, ainda segurando a sua foice.Observou algo estranho na armadura do estrangeiro, mais especificamente o seu elmo. Tinhaum formato peculiar: havia uma espcie de bico de pssaro, da largura da cabea onde se

    conectava no elmo, afinando para a frente. Maz nunca tinha visto aquilo na vida, mas aprimeira impresso que teve que seria totalmente no funcional. Devia ser difcil retiraraquilo se o ao ficasse quente.

    Mas, sob o coro com o seu nome:

    -Rudor! Rudor! Rudor!

    O cavaleiro simplesmente caminhou em direo aos drages, aparentemente semmedo nenhum de ser incinerado e degolou um deles.

    Os cavaleiros todos, exceto Maz e o Coronel, gritaram em jbilo, enquanto a cabeado animal rolava no cho.

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    O outro drago levantou vo e, juntamente com o primeiro, trataram de desaparecerde Sardannah.

    -Voltai aqui, covardes! gritou o cavaleiro, olhando as criaturas se distanciarem.

    Depois os cavaleiros voltaram a gritar o seu nome e Rudor, tirando o elmo, ergueu osbraos esbanjando orgulho prprio, comemorando mais um drago abatido.

    Maz inclinou a cabea e franziu as sobrancelhas e, do alto da torre, Adannah sorriu.

    #######

    Os dois drages restantes no retornaram naquele dia. Assim, Rudor pdevangloriar-se o dia todo. Recebeu cumprimentos e fez o que mais gosta: humilhou um bocadode gente. Nas tarefas do dia-a-dia, Adannah eventualmente olhava para ele. Mas no iria seaproximar, pois fora injuriada. Na verdade, ela jamais falaria com ele novamente.

    Mas o arrastamento do dia, carregado de nervosismo e expectativa por parte doscavaleiros e de desnimo por parte dos elfos, por no acreditarem que aquele grupo demaltrapilhos pudesse de fato expulsar os drages da cidade, foi quase imperceptvel para Maz,que, absorto em inmeras idias e conjecturas, no conseguia desgrudar os olhos daqueleelmo. Esse objeto tinha cheiro de suspeito.

    E foi quando um elfo idoso carregando alguns odres passou por ele que Maz teveuma idia. O elfo entrou por uma porta e saiu pela outra, aparentemente cortando caminhoatravs do templo, e Maz foi atrs dele. Correu o mais que pde e o interceptou antes que

    entrasse em outro prdio semi-arruinado.-Ei, senhor! Isso rbite, no ?

    O elfo se virou o olhou o rapaz com cara de poucos amigos.

    -No da tua conta, homem!

    -Somente rbite pode ter esse cheiro azedo. Sei que !

    O elfo o mirou de cima a baixo, com cara de nojo.

    -Usamos isso para tratar feridas, homem. Se ests pensando em tomar isso, esquece!Ainda no acabou de ser fermentado e se tomares...

    -Eu sei! Eu sei o que acontece! Mas, perfeito! Isto , temos tambm que tratar deferidos...

    No era bem para tratar feridos que Maz queria aquela bebida, embora no tivessementido ao dizer aquilo. O Doidolho havia se machucado ao tropear num escudeiro e poderiausar o rbite para ajudar na sua cura.

    O elfo o mirou de novo profundamente. Provavelmente era impaciente e queria selivrar logo do rapaz, ento, atirou-lhe um odre na cara. Meio desajeitado, Maz apanhou o

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    pesado objeto, feito de tecido impermeabilizado, enquanto o elfo desaparecia. Balanando-onos braos, Maz concluiu que devia ter uns cinco litros ali. Deve dar, pensou.

    Voltou correndo, apanhou algumas canecas que havia em cima de uma mesa e sedirigiu a Rudor. Ele estava deitado, nu da cintura para cima, com as mos unidas na nuca e

    olhando o teto que no estava muito longe de desabar, embora talvez ele no pensasse nisso,enquanto mastigava uma haste de mato.

    -Ei, Rudor, vamos comemorar! disse Maz, levantando as canecas, que seguravapelas alas. Trouxe bebida! S pra voc!

    Lentamente, Rudor virou a cabea e olhou para Maz. Depois olhou para o odre epensou. Em seguida, ps-se sentado. A vontade de beber deve ter prevalecido, pois disse:

    -Senta a e me serve uma caneca bem cheia!

    Maz se animou. Sentou-se e encheu a caneca, entregando-a ao cavaleiro. Depoisencheu a sua tambm, mas no muito. Rudor apanhou o objeto com um pouco de avidez etomou um grande gole. Maz apenas encostou a sua caneca na boca e fingiu beber tambm.

    -Ei, o que isso?! exclamou o moldariano, com um rosto animado.

    Internamente, Maz suspirou aliviado. Aparentemente a bebida era da boa .

    -Ah, rbite lfico. Tambm s havia provado uma vez. Divino, no?

    Em vez de responder, Rudor tomou outro longo gole. Maz nunca havia provado a

    bebida, mas lera um pergaminho de um cozinheiro lfico j falecido, que descreviapormenorizadamente a aparncia, o cheiro e os efeitos da bebida. Nos primeiros goles, tinha-se uma sensao adocicada na boca, e ao mesmo tempo ctrica, como se fosse uma mistura desuco de limo, caldo de cana e mel. Nem se percebia que era uma bebida alcolica, muitoalcolica. O efeito vinha depois, de dentro para fora. Muitos perdiam a noo de si semperceberem que haviam se alcoolizado. Tudo graas a uma erva que fazia parte dacomposio: o tucupinaw.

    Mas Rudor no era muito bom em dilogo e Maz tinha que ficar ali por mais algumtempo. Ento, tratou de puxar conversa:

    -Ei, Rudor, quantos drages achas que mataste na carreira?

    O homem sorriu. Se havia uma coisa que ele gostava era gabar-se dos seus feitos.

    -Hoje foi o centsimo! disse ele, com a boca cheia, erguendo a caneca.

    claro que Maz no acreditou nisso. Se no bastasse o nmero exageradamentegrande, seria muita coincidncia ter sido justo hoje o centsimo, sem que ele fizesseestardalhao. Mas, mesmo assim, falou:

    -Uau! Ento temos que comemorar! disse Maz, enchendo novamente a caneca domoldariano.

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    E percebeu que a respirao do matador de drages comeava a acelerar, bem comosuas pupilas, dilatar. Que outro assunto poderia conversar com ele? Bem, se seus clculosestivessem corretos, depois de uma baita caneca bem cheia, isso no importava. Ento, entrouem assuntos que gostava:

    -Dize-me uma coisa, heri, o que achas da transubstancialidade?

    Rudor piscou os olhos, pensando, tentando se lembrar que palavra era aquela.

    -Trans... o que?

    -Transubstancialidade respondeu Maz, srio. Na Teslia, isso tem sido muitodiscutido ultimamente!

    -Vou te dizer uma coisa, seu fracote respondeu Rudor, com a voz um poucoembaralhada. Aqueles tessalianos so loucos. Eles se matam por cada besteira! Onde j se

    viu discutir aquelas baboseiras de pederastas...

    Ento ele parou e ficou rgido, como se lembrasse de uma coisa. Depois, desconfiado,falou:

    -Ei, com essa tal de trans-no-sei-o-qu, no ests te referindo queles pederastasque agem que nem mulherzinha, ests?

    -No, no, Rudor disse Maz meneando a cabea. O papo srio! Por exemplo: oselfos consagram as suas bebidas aos seus deuses. O rbite aqui e levantou a taa dedicado ao deus Notus.

    -E dai? indagou o cavaleiro, dando de ombros.

    -E da que... tu acreditas que, ao ingerir a bebida, ests de fato tomando o sangue deNotus?

    To logo disse isso, Maz se arrependeu, pois Rudor manteve a caneca encostada noslbios, pensando, sem tomar um novo gole. O rapaz tinha entrado no assunto porque gostavado tema e ainda no tinha chegado a uma concluso sobre ele, ento gostava de conversarsobre aquilo, para ver se alguma idia de outra pessoa o ajudaria na questo. Mas agora ficou

    na dvida se Rudor no passaria a ter nojo da bebida. Precisava agir rpido. Vai saber o que osdois neurnios dele iriam fazer?

    -Ah, mas deixa isso pra l. Como tu disseste, no alto de tua sabedoria, isso coisa deloucos! E sabes de outra coisa? Essa bebida tem outra propriedade muito importante!

    -O que? perguntou o cavaleiro rudemente.

    -Potncia sexual! Ela d muita, muita potncia sexual! exclamou Maz, socando o arcom o punho da mo esquerda fechado.

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    claro que Rudor se apressou a secar mais essa caneca. E Maz tornou a ench-la,sem ter bebido uma nica gota sequer. O cavaleiro a levou novamente a boca, mas, desta vez,derramou um pouco. A bebida j fazia efeito. Agora era somente uma questo de tempo.

    -Olha, Rudor, qual foi o teu drago mais difcil?

    -Drago mais difcil? repetiu ele, parecendo um pouco hipnotizado.

    Maz viu que logo logo ele j estaria em rbita.

    -! Aquele que deu mais trabalho matar!

    -Acho que foi o... foi o... respondeu ele, com a voz j meio sumida. O cinza, euacho...

    Ficou patente para Maz que ele j no raciocinava direito. O drago que ele matara

    hoje era cinzento.-J encontraste algum drago sinistro?

    -Sinisteo... eu... disse ele, como para si mesmo.

    E, de repente, Maz levou um susto, pois Rudor se levantou abruptamente,derrubando um banco, bem como a caneca, que rolou no cho, derramando toda a bebida.Maz olhou para ele espantado, inclinando-se para trs. Teria ele percebido o esquema e agorairia tirar a sua vida?

    Mas no foi o que aconteceu. Rudor deu um passo para a frente, dizendo:

    -Onde est aquela elfinha?

    E caiu para a frente, desabando de cara contra o cho, como um saco de batatas.

    Felizmente, produziu um som surdo, ento no chamou a ateno. Maz correu osolhos pelo recinto. Os outros moldarianos dormiam e os cavaleiros rubros estavam ocupadosem diversos afazeres: o Capito conversava com o Coronel alguma coisa aparentementeimportante, dada a seriedade dos dois (O que seria? Ah, deixa isso pra depois, Maz!); outrosafiavam as suas foices; Breu comia nervosamente e o Bispo lia um pergaminho que,

    aparentemente, ele no estava gostando.

    timo, ningum estava olhando. Ento Maz mirou o elmo e, furtivamente, como umgato, apanhou-o. Olhou bem o seu interior. Verificou que, na altura da boca, havia um bocal.Na parte interna do elmo, aquele bocal tinha um formato peculiar: parecia uma pequenaflauta, ou um pfano, mas grosso e curto. Estava claro que o bico externo do elmo eradestinando a abrigar aquilo. Parecia lgico imaginar que seria um instrumento que devia sersoprado. Ento, Maz olhou para um lado, olhou para o outro, e ps o elmo. E assoprou, masnenhum som foi produzido. Tentou vrias vezes, mas nada. Em seguida, ele tirou o elmo e ps-se a pensar: havia lido, mas no se lembrava de onde, havia lido que h sons que no podem

    ser ouvidos. Alguns sons so captados por ces ou utubrac, mas no por humanos. Ser que...

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    E, de repente, aquele mesmo som medonho. Todos olharam para o alto, como sequisessem ver o som. O sino dos ventos gemia, e o Zphiros novamente soprava. Dessa vez,soprava com maior ruidez e violncia. Todos ficaram um tanto assustados, Maz pde perceberisso. Mas, enquanto eles assim estavam, distrados olhando para o alto, seria umaoportunidade ideal para furtar o elmo.

    #######

    O dia seguinte no foi muito diferente do anterior. Os dois drages chegaram cedo,parecendo ainda mais furiosos. Maz j estava acordado, pois talvez pressentisse o que iaacontecer. Os elfos deram o alarme e, mais uma vez, os cavaleiros procuraram rapidamente seaprontar, na maior confuso. Mas Maz j estava preparado. Dormira j nu da cintura para cimae besuntado e fora um dos ltimos a dormir. Sua foice estava ao alcance da mo e o elmoestava oculto por uma manta. Assim, foi o primeiro a irromper para fora, com o elmo naprpria cabea. Mas ele no havia pensado em tudo. No havia previsto que suas pernas

    decidiriam travar, aps ter andado cerca de dez metros para alm da porta, ao encarar os doismonstros sua frente.

    Talvez aquela cena amedrontasse at o mais intrpido dos cavaleiros. Furiosos, osdois paquidermes gneos despejavam a sua ira um contra o outro, talvez por falta de maioresdesafios. Eles se abocanhavam e rugiam, chocavam-se um contra o outro, se atropelavam.Seus corpos, por vezes, caam e rolavam sobre os escombros, causando mais destruio.Chegaram at mesmo a destruir a parte frontal de um edifcio de alvenaria. Mas a queda e ochoque contra os detritos de pedra no os feriam, devido grossa couraa.

    Havia vrios focos de incndio na praa e a temperatura estava a mil. At mesmo ocorpo do drago morto por Rudor ardia em chamas, como se os companheiros o cremassem.E, dentro do elmo, estava difcil de respirar. E, para piorar as coisas, os drages o viram,rumando para ele, a partir de uma distncia de cento e cinqenta metros.

    Calma, calma, Maz!, disse para si mesmo, tentando controlar o medo queparalisava as suas pernas. Contudo, j beira do desespero, soprou.

    Soprou, mas... no sabia como soprar. Os drages, agora, estavam a oitenta metros.Soprou com todo o seu desespero, usando toda a potncia pulmonar que tinha, mas nada, osdrages continuavam a avanar. Sessenta metros.

    Foi ento que ele deu uma ordem intimidadora para as pernas: Movei -vos!. E,felizmente, elas se moveram e ele recuou.

    Mas recuou de costas, lentamente, sem contar que o momento de inrcia do seucorpo estava muito esquisito, pois o elmo pesava. claro que no demorou muito paratropear e claro que os drages no demoraram muito para lanar suas chamas, os dois aomesmo tempo, orquestradamente.

    Contudo, nesse mesmo instante, os escudeiros especialmente os mais loucos como

    Loucomotivo e Dcio Dada, e com exceo dos que se acovardaram e correram em outra

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    direo se lanaram de encontro aos drages, formando uma fileira bem a tempo de impedirque as chamas atingissem Maz.

    E, ao soltarem os escudos incandescentes, que despejavam abundante fumaabranca, Maz pensou: Droga!. Aparentemente o elmo no havia funcionado. Mas Maz

    procurou se levantar enquanto que os degoladores partiam sobre os drages e, como seestivesse alheio a tudo, pois pensava, se lembrou de uma coisa: quando pequeno, um tio seulhe havia presenteado com uma flauta. A primeira coisa que fizera foi sopr-la, porm o fezcom muita fora e som algum foi produzido. claro!, concluiu ele.

    Nesse instante, os degoladores atacam os drages com as suas foices, mas no deumuito resultado. O maior e mais voraz dos drages, no estando ainda pleno para despejaroutra labareda, os atacou com o pescoo. Passou o longo pescoo rente ao cho, em voleio, earremessou cerca de oito cavaleiros a vrios metros de distncia, incluindo o Capito e oCoronel.

    Mas, logo depois desse ataque, Maz, ainda sentado, pegou o jeito da coisa. Soproucom menor avidez e a conseqncia foi imediata. Nenhum som foi ouvido, mas os dragesestreitaram os olhos e encolheram a cabea na direo do corpo, tal qual ces a espera deuma surra.

    Maz ficou feliz da vida, embora ningum pudesse ver a sua expresso, pois constatouque a coisa funcionara. Ento, ainda assobiando, se levantou. Os drages se encolheram aindamais, aparentemente sem suportar o infra-som produzido pelo elmo. Maz deu um passo paraa frente, e os monstros, parecendo tontos, tambm passaram a recuar.

    Maz deu um, dois, vrios passos para a frente, lentamente, enquanto soprava semparar, e os drages iam cada vez mais para trs.

    Bem, esse episdio teria um final extremamente feliz e previsvel se no fosse duascoisas: A primeira Maz esquecera de levar a sua foice, que jazia no cho l trs, ento comopoderia degol-los? A segunda - alguma coisa um pouco mais grave que isso: Rudor, vestindo asua armadura, mas sem elmo, saiu furioso do templo. Levaram um tempo para acord-lo,mas finalmente conseguiram, e ele no gostou nada do seu elmo ter sumido. E ficou maisfurioso ainda ao ver que Maz, descaradamente, o portava.

    Assim, caminhou decididamente em direo ao jovem, batendo os ps pesadamenteno cho, derrubando quem estivesse no caminho. E, a meia distncia de Maz, desembainhou asua espada, esbravejando:

    -Vou matar esse moleque!

    A essa altura, a maioria dos cavaleiros rubros formava um arco a uma certa distnciade Maz e os drages, sem entender direito o que estava acontecendo. Mas todos perceberamquais eram as intenes de Rudor. Ento, muitos gritaram:

    -Ei, Maz, atrs de ti!

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    O rapaz se virou e viu o que no queria ver. Achava que Rudor dormiria o resto dodia, mas claramente constatou que estava errado. Constatou tambm que j estavapraticamente morto, dada a fisionomia do moldariano. Assim, fez o que todo homeminteligente faria: correu e se escondeu debaixo do maior dos drages.

    Continuou, claro, a soprar e se lembrou que Rudor devia ainda estar sob o efeito dabebida. Maz sabia que, se no estivesse bem fermentada, a bebida provocava alucinaes pordias. Ento, talvez Rudor estivesse chapado, totalmente louco. No era difcil de deduzir que,nessas condies ele seria cortado, retalhado, picado.

    -Vem c morrer como homem! gritou o cavaleiro.

    Mas ele estava realmente fora de si. Primeiro, no teve medo dos drages e, emsegundo lugar, como Maz se escondeu debaixo de um deles, agachado no cho, Rudor decidiuabrir caminho com a prpria espada, pois a elevou, segurando-a pelo cabo com ambas as

    mos. Ao perceber o que ele faria e Maz sabia que no se devia espetar um drago com umaespada o rapaz gritou:

    -Rudor, no!

    Mas era tarde demais e a sua voz, abafada pelo elmo, no serviu de alerta.

    Bem, no era possvel dizer o que se passava pela cabea do cavaleiro, mas eleparecia estar num estado que mesclava delrio com extrema lucidez, pois golpeou o dragonum lugar estratgico. Ele deve ter usado muita fora, mas ele era forte. A espada penetroupor entre duas placas rgidas que cobria seu corpo, na parte frontal do abdome da criatura, no

    lugar onde estava o corao. O sangue vermelho vivo espirrou longe, mas, para atingir o rgovital, a espada atravessara as camadas de tecido de clulas eletrcitas, que forram o abdomedos drages, fazendo com que Rudor fosse submetido a uma descarga de dois mil volts. Comoresultado, Rudor ficou por segundos grudado em sua espada. Sua carne fritou. Os olhosfaltaram. De seu rosto, restou pouco alm do que o esqueleto. Quando a carga diminuiu, seucorpo caiu para trs, pesadamente, fazendo com que a armadura produzisse um som agressivoaos ouvidos, ao se chocar contra o cho. De dentro dela saa abundante fumaa e um cheiroftido de morte.

    claro que, atingido no corao, o drago desabou, mas Maz rolou antes pelo cho,

    no sendo esmagado. Felizmente, rolou na direo oposta ao outro drago que, ao se ver livredo infra-som, emitiu um largo jorro de fogo na direo do rapaz.

    Contudo, o prprio corpo do drago morto serviu-lhe de proteo. Assim, pdesoprar novamente.

    Tentou se recompor, entender o que estava acontecendo. Foi quando o Capito, coma testa banhada em sangue, gritou:

    -Maz!

    E jogou-lhe a sua foice.

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    Maz apanhou-a e, j de p, diante do monstro remanescente, a empunhou comomanda o figurino. Sob a ao do elmo, o drago, simplesmente, abaixou o pescoo na direodo rapaz, como se se submetesse.

    Por um nfimo instante, Maz sentiu pena da criatura - seu olhar parecia triste mas

    no o suficiente para no degol-lo, num nico e preciso golpe.

    Demorou um pouco para entender o que estava acontecendo, com a cabea dodrago moldariano diante de seus ps. Os cavaleiros rubros passaram a gritar, em jbilo:

    -Maz! Maz! Maz!

    E Maz nada mais viu, pois desabou para trs, desmaiado.

    #######

    Quando acordou, estranhou o que viu. Primeiro, teve diante de si, um rosto angelical.Achou que tinha mesmo morrido e ido at o cu. Mas era Adannah, que cuidava de seusferimentos. Ele sorriu para ela, que nem bobo. Mas ela se limitou a sorrir em retribuio e,logo, desapareceu.

    Maz levantou o seu tronco, procurando se sentar, a tempo de a ver indo embora econstatar que fora levado de volta ao interior do templo. No havia reparado nela ainda. Pena.

    Mas logo a sua ateno foi atrada por outra coisa estranha: os cavaleiros arrumavamas suas coisas para ir embora. Tentou entender o porqu. Pensou, franzindo a testa. Mas nose lembrou de nada que poderia lhe indicar o motivo para aquilo. Porm, o Capito, com acabea enfaixada, passou perto dele e disse:

    -Parabns, Maz! Recebers o teu manto de ferro neste crepsculo!

    -Manto de ferro... repetiu ele, pensando.

    Sim, claro. Havia matado um drago, no havia? Mas...

    Levantou-se, meio cambaleando, lembrando-se do que havia acontecido. O chogirou um pouco, mas, como pde, aproximou-se do Coronel, que estava sentado bem ali,tentando, com uma mo s, descascar uma laranja com uma pequena faca bem afiada.

    -Coronel, senhor, eu...

    O Coronel levantou os olhos e disse:

    -Sim, cavaleiro?

    -Senhor, eu... eu no posso receber o manto rubro... confessou o rapaz,visivelmente envergonhado.

    O Coronel se espantou:

    -E por que diabos no, seu desmiolado? Acabaste de matar um drago!

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    -Senhor que eu... eu... eu trapaceei!

    O Coronel ficou alguns instantes a observ-lo, srio. Depois, caiu na gargalhada. E riutanto que teve que erguer a cabea para o alto. Depois que o riso passou, levantou-se,aproximou-se de Maz e disse:

    -Olha aqui, meu rapaz. Ningum mata um drago sem trapacear, sem engan-lo,ests me ouvindo. Os que o fizeram no esto aqui para contar!

    E deu um tapa no ombro de Maz, com a nica mo que tinha. Dirigiu-se at o centrodo recinto, limpou a garganta e berrou:

    -Muito bem, seus imprestveis, deveis estar vos perguntando porque vamos embora,no ? Pois vou dizer: Recebemos ordens de Minas Gnssia de levantar acampamento epartirmos para o oeste. A vigsima quarta companhia aqueles veados! foi dizimada por umnico drago, um maldito drago de Corbe! Vamos at Maripolis matar aquele drago! Evamos hoje!

    Depois, sentou-se desanimadamente no cho, parecendo arrasado. Fez-se silncio notemplo. Somente o sino dos ventos gemia.

    #######

    O Capito ergueu o pesado manto de ferro prximo s costas de Maz. O Coronellimpava a garganta ao crepsculo, enquanto que os outros cavaleiros, desmontados, masprximos de seus cavalos, olhavam a cena com expresses diferenciadas. Alguns bocejavam,

    outros sorriam e, outros ainda, se coavam.-Cavaleiro... cavaleiro... o Coronel, nesse dia, at parecia animado em falar, mas o

    discurso comeou meio engas