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Os Lusíadas Introdução Célebre poema épico de Luís de Camões, publicado em 1572, que, narrando a descoberta do caminho marítimo para o Oriente por Vasco da Gama, encerra ainda uma síntese da História pátria. É uma epopeia clássica, inteiramente fiel às regras e convenções impostas pelo género, tendo como fontes a Eneida, de Virgílio, e a Poética, de Marco Girolamo Vida, que teoriza sobre a epopeia. O sonho de todo o bom poeta do século XVI era a criação de uma epopeia, à imitação de Homero e Virgílio. Assunto de interesse nacional e mesmo universal não faltava: os Descobrimentos. Era necessário imortalizá-los. Antes de Camões, o italiano Angelo Policiano ofereceu-se a D. João II para o fazer; Garcia de Resende, no prólogo do Cancioneiro Geral, insiste na necessidade da criação de uma epopeia; Diogo de Teive e João de Barros chegaram a projetar epopeias como forma de imortalizar os Descobrimentos; António Ferreira encorajou Pero de Andrade Caminha a escrever versos sobre os feitos portugueses. Estava criada a circunstância propícia, só faltava o poeta de génio. Esse foi Camões. O acontecimento central da obra é o descobrimento do caminho marítimo para a Índia. Para o seu tratamento literário, Camões inventou uma fábula mitológica onde os deuses, como se fossem humanos, entram em conflito por causa da viagem de Vasco da Gama. Gera-se uma verdadeira intriga, no fim da qual os homens são mitificados. Ao mesmo tempo, são evocadas as glórias da nacionalidade, com admirável engenho, na narrativa do próprio Gama, verdadeira síntese da História pátria. Durante muito tempo não se compreendeu a função mitificadora da presença da mitologia pagã e até houve censura ao poeta por este facto. Hoje, porém, compreende-se que é dela, em grande parte, que depende a coesão narrativa e, em simultâneo, a diversidade, a vida e a criatividade patente na obra. A obra A obra Os Lusíadas encontra-se dividida em dez Cantos, tendo cada um deles um número variável de estrofes: oitavas (estrofes de oitos versos com estrutura rimática abababcc) formadas por versos decassilábicos heroicos à semelhança do que acontece no Orlando Furioso de Ludovico Ariosto. Segue, globalmente, a Eneida de Virgílio na estrutura apresentada: uma Proposição, uma Invocação, uma Dedicatória (que a Eneida não tem) e a narração iniciada in medias res, ou seja, quando a ação principal está já em curso e voltando, posteriormente, ao início. Apresentando um tom grandioso e eloquente, que contrasta com a "humildade do lirismo", o poeta introduz, de acordo com a tradição da Antiguidade Clássica, a mitologia (neste caso pagã e cristã), as profecias sobre o futuro, alternando o tom épico com o lírico, e imprimindo à obra uma intencionalidade pedagógica. Na verdade, esta obra, de estilo culto, erudito, com recursos a latinismos, perífrases mitológicas, alusões à História antiga, reflete um conhecimento profundo das culturas grega e romana por parte do autor, à qual não é alheia a sua educação. Esta obediência aos modelos formais e temáticos clássicos é, volta e meia, subvertida pela criatividade do poeta, nomeadamente nos momentos em que este faz rivalizar os heróis humanos com os deuses, destronando certas figuras mitológicas e elevando os homens à condição divina e recompensando-os com estímulos eróticos e afetivos (episódio da Ilha dos Amores) e intelectuais, permitindo-lhes a contemplação da "Máquina do Mundo" e o conhecimento do futuro. Para além destas subversões, o poema camoniano tem um herói coletivo - o povo

Os Lusíadas-ficha Informativa Nº 1

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Matéria de 12ºanoLusíadas

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Page 1: Os Lusíadas-ficha Informativa Nº 1

Os Lusíadas

Introdução

Célebre poema épico de Luís de Camões, publicado em 1572, que,

narrando a descoberta do caminho marítimo para o Oriente por Vasco da Gama,

encerra ainda uma síntese da História pátria. É uma epopeia clássica,

inteiramente fiel às regras e convenções impostas pelo género, tendo como

fontes a Eneida, de Virgílio, e a Poética, de Marco Girolamo Vida, que teoriza

sobre a epopeia.

O sonho de todo o bom poeta do século XVI era a criação de uma

epopeia, à imitação de Homero e Virgílio. Assunto de interesse nacional e

mesmo universal não faltava: os Descobrimentos. Era necessário imortalizá-los.

Antes de Camões, o italiano Angelo Policiano ofereceu-se a D. João II para o

fazer; Garcia de Resende, no prólogo do Cancioneiro Geral, insiste na

necessidade da criação de uma epopeia; Diogo de Teive e João de Barros

chegaram a projetar epopeias como forma de imortalizar os Descobrimentos;

António Ferreira encorajou Pero de Andrade Caminha a escrever versos sobre

os feitos portugueses. Estava criada a circunstância propícia, só faltava o poeta de génio. Esse foi Camões.

O acontecimento central da obra é o descobrimento do caminho marítimo para a Índia. Para o seu tratamento

literário, Camões inventou uma fábula mitológica onde os deuses, como se fossem humanos, entram em conflito

por causa da viagem de Vasco da Gama. Gera-se uma verdadeira intriga, no fim da qual os homens são mitificados.

Ao mesmo tempo, são evocadas as glórias da nacionalidade, com admirável engenho, na narrativa do próprio

Gama, verdadeira síntese da História pátria.

Durante muito tempo não se compreendeu a função mitificadora da presença da mitologia pagã e até houve

censura ao poeta por este facto. Hoje, porém, compreende-se que é dela, em grande parte, que depende a coesão

narrativa e, em simultâneo, a diversidade, a vida e a criatividade patente na obra.

A obra

A obra Os Lusíadas encontra-se dividida em dez Cantos, tendo cada um deles um número variável de

estrofes: oitavas (estrofes de oitos versos com estrutura rimática abababcc) formadas por versos decassilábicos

heroicos à semelhança do que acontece no Orlando Furioso de Ludovico Ariosto. Segue, globalmente, aEneida de

Virgílio na estrutura apresentada: uma Proposição, uma Invocação, uma Dedicatória (que a Eneida não tem) e a

narração iniciada in medias res, ou seja, quando a ação principal está já em curso e voltando, posteriormente, ao

início. Apresentando um tom grandioso e eloquente, que contrasta com a "humildade do lirismo", o poeta introduz,

de acordo com a tradição da Antiguidade Clássica, a mitologia (neste caso pagã e cristã), as profecias sobre o

futuro, alternando o tom épico com o lírico, e imprimindo à obra uma intencionalidade pedagógica.

Na verdade, esta obra, de estilo culto, erudito, com recursos a latinismos, perífrases mitológicas, alusões à História

antiga, reflete um conhecimento profundo das culturas grega e romana por parte do autor, à qual não é alheia a sua

educação. Esta obediência aos modelos formais e temáticos clássicos é, volta e meia, subvertida pela criatividade

do poeta, nomeadamente nos momentos em que este faz rivalizar os heróis humanos com os deuses, destronando

certas figuras mitológicas e elevando os homens à condição divina e recompensando-os com estímulos eróticos e

afetivos (episódio da Ilha dos Amores) e intelectuais, permitindo-lhes a contemplação da "Máquina do Mundo" e o

conhecimento do futuro. Para além destas subversões, o poema camoniano tem um herói coletivo - o povo

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português -, representado através de uma sinédoque - "O peito ilustre lusitano" - que visa o engrandecimento do

Império e a expansão da Fé e da cultura europeia. Assim, superando os poetas estrangeiros que se limitavam a

imitar modelos literários, Camões enforma a sua obra com vivências coletivas e dinamizadoras fundamentadas na

História de Portugal, principalmente na história da expansão: "A verdade que eu conto, nua e crua, vence toda a

grandíloqua escritura!" - Os Lusíadas, Canto V, 89.

Mas, embora seguindo os modelos clássicos, Luís de Camões imprimiu à sua epopeia um cunho pessoal,

nomeadamente no que se refere ao tema, com o objetivo de lhe conferir uma maior veracidade. Introduzindo um

tema histórico, o poeta narra ações realmente acontecidas, tendo para tal recorrido a fontes diversas: Crónica de D.

Afonso Henriques, de Duarte Galvão, crónicas de Rui de Pina e de Fernão Lopes, a História do Descobrimento e

Conquista da Índia, de Fernão Lopes de Castanheda, e as Décadas da Ásia, de João de Barros, entre outras. Para

além disso, a experiência e experimentação vividas "...vi claramente visto..." assumem uma importância

fundamental na narrativa, afirmando Isabel Pascoal, in Poesia Lírica de Luís de Camões, edição Biblioteca Ulisseia

de Autores Portugueses, que: "As descrições da natureza, de fenómenos como a tromba-marinha, o fogo de

santelmo, a tempestade, a informação geográfica e civilizacional, a referência a povos e costumes, à flora e à fauna

exóticas... é o resultado de uma experiência nova e apaixonadamente vivida". E desta capacidade de observação

resulta um peculiar e novo sentimento de confiança no homem que aparece agora como um ser capaz de contrariar

o destino, de dominar as leis da natureza e de se afirmar como um "indivíduo criador".

Procurando ser objetivo e verídico, o autor pretende fundamentalmente veicular a sua interpretação da

História de Portugal, o que permite olhar a obra de dois prismas: por um lado, esta aparece como um texto

apologético dos feitos heroicos dos portugueses, nomeadamente através da Proposição, indo de encontro à

ideologia oficial; por outro, ela deixa transparecer uma posição crítica face à política oficial da expansão que

comporta demasiados perigos e riscos para os portugueses, através, entre outros, do episódio do "Velho do Restelo"

que personifica a oposição do "homem da rua" a este empreendimento: "o fogo que Prometeu trouxe do céu e

ajuntou ao peito humano, e logo o mundo em armas acendeu,/ em mortes, em desonras - grande engano." e que,

segundo Hernâni Cidade, in Obra Completa de Luís de Camões, "dá expressão ao profundo receio unânime contra

a inquietação". Perigos que vão ser precisados através das profecias do Adamastor, no Canto V, e que representam,

também de acordo com Hernâni Cidade, "a face tenebrosa da história que realizámos".

E são estes acontecimentos narrados com grandes preocupações de veracidade, associados a uma grande

beleza literária, que fazem de Os Lusíadas uma obra universal.

Planos

Na epopeia Os Lusíadas, de Camões, há quatro planos, que se vão entrelaçando ao longo da obra:

- Plano da Viagem (plano central, que se encontra sobretudo nos cantos I, II, IV, V, VI, VII e VIII) com a

narração dos acontecimentos ocorridos durante a viagem entre Lisboa e Calecut (partida, peripécias da viagem,

paragem em Melinde, chegada à Índia; regresso e chegada a Lisboa).

- Plano da História de Portugal (plano encaixado que aparece, nomeadamente, nos cantos III, IV, VIII) com

o relato dos factos marcantes da História de Portugal (em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os acontecimentos

da nossa História, desde Viriato até ao reinado de D. Manuel I; em Calecut, Paulo da Gama apresenta ao Catual

episódios e personagens representados nas bandeiras; em prolepse, através de profecias, é narrada a História

posterior à Viagem do Gama)

- Plano da Mitologia (plano paralelo que ocorre sobretudo nos cantos I, II, VI, IX, X) que permite e

favorece a evolução da ação (os deuses assumem-se, uns como adjuvantes, outros como oponentes dos

Portugueses). A mitologia constitui, por isso, a intriga da obra. São os deuses que apoiam ou criam dificuldades à

ação dos portugueses: Consílio dos Deuses no Olimpo; Consílio dos Deuses Marinhos; A Ilha dos Amores...

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- Plano do Poeta (plano ocasional que surge, especialmente, no canto III e no fim dos cantos I, V, VI, VII,

VIII, IX, X) com as considerações e as opiniões do autor expressas, nomeadamente, no início e no fim dos Cantos.

Elementos

Os elementos de uma epopeia são quatro: AÇÃO (o assunto no seu desenvolvimento), PERSONAGEM/HERÓI (o

agente principal/actante-sujeito), MARAVILHOSO (intervenção de seres superiores), FORMA (forma natural de

literatura, estrutura versificatória).

Na obra "Os Lusíadas", e em obediência às regras acima enunciadas, encontramos os seguintes elementos:

• Ação - viagem marítima de Vasco da Gama à Índia;

• Herói - o Povo Português, representado simbolicamente na figura do comandante das naus, Vasco da Gama

• Maravilhoso

Cristão - intervenção do Deus dos Cristãos

Pagão - intervenção das divindades da mitologia

Céltico ou mágico - intervenção da feitiçaria, da magia, de crenças populares

• Forma – Narrativa

Versos decassílabos (geralmente heroicos, com o acento rítmico na 6.ª e 10.ª sílaba)

Rimas com esquema abababcc

Estâncias – oitavas

Poema dividido em dez cantos (num total de 1102 estâncias, sendo o canto mais longo o X com 156 e o mais

pequeno o VII com 87 estrofes)

Partes da Epopeia

De acordo com as regras do género, a epopeia clássica estrutura-se em três partes obrigatórias:

Proposição (apresentação do assunto), Invocação (súplica da inspiração) e Narração (desenvolvimento do

assunto, por vezes iniciado em meio da ação - in medias res). Pode incluir uma parte facultativa, a Dedicatória

(oferecimento da obra). Na Narração, é possível encontrar o Epílogo (fechamento da epopeia) com a consagração

dos heróis.

"Os Lusíadas", na sua estrutura interna, possui:

• A Proposição (Canto I, estâncias 1 a 3) onde o Poeta indica aquilo que se propõe cantar.

•As Invocações :

- 1.ª (Canto I, estâncias 4 e 5) - súplica às Tágides (ninfas do Tejo) para que o ajudem na organização do

poema e lhe deem inspiração para cantar os feitos heroicos lusitanos;

- 2.ª (Canto III, estâncias 1 e 2) - súplica a Calíope, porque estão em causa os mais importantes feitos

lusíadas;

- 3.ª (Canto VII, estâncias 78 a 87) - súplica às ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se dos seus

infortúnios;

- 4.ª (Canto X, estâncias 8 e 9) - novo pedido a Calíope para que o inspire para terminar a obra.

• A Dedicatória (Canto I, estâncias 6 a 18), com o oferecimento do poema a D. Sebastião.

• A Narração (a partir do Canto I, estâncias 19 e seguintes), iniciada in medias res (quando a frota se

encontra no Canal de Moçambique), tem momentos retrospetivos (da história de Portugal e da viagem), momentos

prospetivos (sonhos, presságios, profecias…) e Epílogo (regresso dos nautas incluindo o episódio da Ilha dos

Amores). in Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015.