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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA OS MECANISMOS DE LEGITIMAÇÃO DE CONSTANTINO I (306-326) DIOGO PEREIRA DA SILVA Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA

OS MECANISMOS DE LEGITIMAÇÃO DE CONSTANTINO I (306-326)

DIOGO PEREIRA DA SILVA

Rio de Janeiro 2010

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OS MECANISMOS DE LEGITIMAÇÃO POLÍTICA DE

CONSTANTINO I (306-325)

Diogo Pereira da Silva

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHC/UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do grau de Mestre em História Comparada.

Avaliada por: ____________________________________________ Profa. Dra. Norma Musco Mendes – Orientadora (PPGHC-UFRJ) ____________________________________________ Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes (PPGHIS-UFRJ) ____________________________________________ Profa. Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva (PPGHC-UFRJ)

Rio de Janeiro 2010

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SILVA, Diogo Pereira da

Os mecanismos de legitimação de Constantino I (306-325) / Diogo

Pereira da Silva – Rio de Janeiro, 2010. 152(ff.), 31(il.).

Dissertação (Mestrado em História Comparada) – Universidade Federal do Rio

de Janeiro – UFRJ, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS, Programa de

Pós-Graduação em História Comparada – PPGHC, 2010.

Orientadora: Profª Drª Norma Musco Mendes.

I. 1. História Antiga. 2. História de Roma. 3. Baixo Império. 4. Antiguidade

Tardia. 5. Constantino. 6. Legitimidade do poder imperial. 7. Cristianismo. 8.

Micro-análise. 9. História – Dissertação. II. Mendes, Norma Musco (Orientadora).

III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências

Sociais. Programa de Pós-Graduação em História Comparada. IV. Título.

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"Nenhum homem é bom o bastante para governar os outros sem seu consentimento."

Abraham Lincoln (1809-1865)

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AGRADECIMENTOS

Eis que chega ao fim mais um trabalho acadêmico, ao olhar ao meu redor, apenas vejo

livros, folhas e rabiscos empilhados que me sufocam, dando a impressão de que este caminho

foi trilhado sozinho. Entretanto, constato que em poucos momentos estive só, pois muitos

foram os que de forma direta ou indireta, me auxiliaram no desenvolvimento desta pesquisa.

Em primeiro lugar, e de forma muito especial, agradeço à minha orientadora, Profa.

Dra. Norma Musco Mendes que com amizade, carinho, dedicação e sabedoria me auxilia, há

mais de cinco anos, nessa empreitada intelectual.

Muitos agradecimentos devo, também, ao Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes, que

desde a época de minha graduação me ajuda com suas críticas, com seus comentários

pertinentes, e, certamente, sempre nos brindando com seu conhecimento enciclopédico.

À Profa. Dra. Andréia Cristiana Lopes Frazão da Silva, pelas críticas e sugestões no

sentido de aprimorar a qualidade do trabalho, que foram dadas por ocasião da disciplina

teórica e da Qualificação.

Espero ter correspondido às expectativas de ambos.

Agradeço à minha família pelo apoio e pela paciência em aceitar minhas longas

temporadas noturnas, longe do convívio deles, nas quais me dedicava apenas ao estudo.

À Paula, minha querida companheira, dedico um lugar especial. Sem seu apoio e

constante estímulo, nada faria sentido. Agradeço seu auxílio, sua admiração – que, aliás, é

recíproca – e sua paciência em aceitar os dias nos quais tive que me dedicar mais ao trabalho

de pesquisa.

Agradeço a Márcia e Leniza, que sempre foram extremamente agradáveis quando

precisei resolver alguns probleminhas de documentação no PPGHC.

Por fim, agradeço à CAPES o auxílio financeiro entre Agosto de 2008 e Fevereiro de

2009, o qual permitiu que me dedicasse exclusivamente à pesquisa naquele período.

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RESUMO

Nesta dissertação pretendemos examinar os mecanismos que legitimavam o poder

imperial romano no Baixo Império Romano e como eles se relacionavam ao ideário e mística

imperiais que se desenvolveram a partir do século III. Para tal, partindo dos pressupostos da

micro-análise, analisamos a trajetória do imperador Flávio Valério Constantino, que governou

entre os anos 306 e 337, examinando suas ações sociais estratégicas, e inserindo-as num

contexto mais amplo, que permite reconstruir os principais mecanismos de legitimação no

Baixo Império Romano.

Inicialmente, apresentamos as principais transformações que o mundo romano sofreu

no século III, e durante a Tetrarquia. Em seguida, centralizamos nossa análise em situações-

chave nas quais Constantino foi obrigado a escolher perante um feixe de possibilidades que

poderiam determinar sucessos ou fracassos. Por fim, concluímos como este enfoque permitiu

outro tipo de visualização da questão constantiniana.

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ABSTRACT

The main purpose of this dissertation is to analyze the mechanisms that legitimized the

political system in the Later Roman Empire and how they were connected with imperials

ideas and mystic developed in the III century A.D. We will consider, mainly, the

microanalysis’ assumptions, to analyze the trajectory of the Roman emperor Flavius Valerius

Constantine (306-337), examining his strategic social actions, and inserting them in the

macro-developments which permits to reconstruct the main legitimation mechanisms in the

Later Roman Empire.

Formerly, we present the main transformations of the Roman empire in the II Century

A.D., and in the Tetrarchy regime. Then, we analyze the key situations in which Constantine

was obliged to choose before a bundle of possibilities the could determine success and

failures. Finally, we conclude how this approach has allowed other view of the Constantinian

question.

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Sumário

Introdução ...................................................................................................................... 11

Metodologia e documentação......................................................................................... 19

1. Metodologia ............................................................................................................ 19

2. Documentação ........................................................................................................ 19

Documentação escrita ................................................................................................ 21

Documentação de cultura material............................................................................ 25

Capítulo I – Discussão historiográfica........................................................................... 28

1. Antiguidade Tardia ................................................................................................ 28

2. Constantino: um dissenso historiográfico.............................................................. 31

Capítulo II – As transformações do século III .............................................................. 46

1. O legado de Augusto............................................................................................... 47

2. As transformações militares................................................................................... 53

3. Transformações sócio-políticas e culturais ............................................................ 58

4. A retórica do declínio ............................................................................................. 62

Capítulo III – Diocleciano e a Tetrarquia ..................................................................... 64

1. Desenvolvimento de novas lógicas político-administrativas.................................. 64

2. O Sistema Político da Tetrarquia........................................................................... 66

3. Atributos místicos e o caráter do poder imperial.................................................. 72

4. A “Grande Perseguição” e o fim da Primeira Tetrarquia .................................... 75

Capítulo IV – Constantino, uma proposta de micro-análise ........................................ 80

1. A retomada da centralização do poder imperial (c.270-306) ................................ 80

2. Aclamação de Constantino, e seu casamento com Fausta (306-307)..................... 84

3. Conferência de Carnuntum e a morte de Maximiano (308-310) ........................... 93

4. A campanha itálica (311-312)............................................................................... 103

5. Imperador do Ocidente (313-315) ........................................................................ 111

6. As Guerras contra Licínio (315-324).................................................................... 120

7. As mortes de Crispo e Fausta............................................................................... 129

Conclusão ..................................................................................................................... 135

Anexos ............................................................................... Erro! Indicador não definido.

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Graus de Raridade das Moedas

R5 Único exemplar conhecido

R4 2 - 3 exemplares conhecidos

R3 4 - 6 exemplares conhecidos

R2 7 - 10 exemplares conhecidos

R1 ou R 11 - 15 exemplares conhecidos

S 16 - 21 exemplares conhecidos

C1 22 - 30 exemplares conhecidos

C2 31 - 40 exemplares conhecidos

C3 Mais de 41 exemplares conhecidos

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Lista de Abreviaturas

Anon.Vales. Anônimo Valesiano. Origo Constantini Imperatoris

Aur.Vict. De Caes. Aurélio Victor. De Caesaribus

CIL Corpus Inscriptionum Latinarum

CT Código Teodosiano

Dião Cássio Dião Cássio. História de Roma

Epit. Pseudo-Aurélio Victor. Epitome de Caesaribus

Eus. HE Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica

Eus. VC Eusébio de Cesaréia. Vida de Constantino

Eutr. Flávio Eutrópio. Breviário

Festus Festo. Breviário.

Filost. HE Filostórgio. História Eclesiástica.

Foc. Bibliotheca Fócio. Biblioteca.

Herod. Herodiano. História do Império Romano depois de Marco Aurélio

ILS Inscriptiones Latinae Selectae

Jer. Chron. Jerônimo. Cronografia

Jer. Vir. Illus. Jerônimo. Sobre os Homens Ilustres

Jul. Or. Juliano. Orações.

Lact. DMP Lactâncio. Sobre a morte dos perseguidores

Lact. Inst. Div. Lactâncio. Instituições Divinas

Op. Mil. Optatus de Milevis. Contra os Donatistas

Oros. Paulo Orósio. História contra os pagãos

Pan. Lat. Panegíricos Latinos

PLRE The Prosopography of the Later Roman Empire

RIC The Roman Imperial Coinage

Soc. HE Sócrates Escolástico. História Eclesiástica

Soz. HE Sozomeno. História Eclesiástica

SHA Scriptores Historiae Augustae

Suet. Suetônio. Os doze Césares

Zós. HN Zósimo. História Nova

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Introdução

A sociedade romana na passagem do século III para o século IV viveu transformações

estruturais de grande alcance: as inovações administrativas e o advento do cristianismo são os

dois domínios nos quais, talvez, os fenômenos tenham sido mais evidentes, por estarem

freqüentemente associados a rupturas repentinas. Entretanto, as estruturas jurídicas, o poder

imperial, os comportamentos individuais, os relacionamentos interpessoais, as estruturas

econômicas também sofreram mudanças que nos parecem de enorme importância durante este

longo período.

Em relação a isto, a opinião corrente é a de que este mundo sofreu uma mudança tão

abrupta que se configuraria numa ruptura sem igual na História do Império Romano, algo

como o fim da “Civilização Clássica”, cujas raízes remontam à Grécia do século VI a.C., e o

surgimento de um novo sistema imperial usualmente denominado “Império Cristão”.

Ruptura1, entretanto, não nos parece um conceito que favoreça a inteligibilidade da

dinâmica das mudanças sofridas pela sociedade romana. Sua definição como “ato ou efeito de

romper(-se)” acaba por enfraquecer a importância dos modelos interpretativos que nele se

baseiam, tornando monocromático o processo de transformação ocorrido nestes dois séculos

de História Romana.

Certamente, as comunidades camponesas e urbanas, o exército romano, a ordem

eqüestre, a ordem dos decuriões, a ordem senatorial, e a própria domus imperial apresentavam

em seus interiores processos matizados de divisão, desarmonia e redefinição dos papéis

sociais e simbólicos de seus membros: neste contexto dinâmico, não podemos analisar esta

sociedade através de imagens paradas – como numa série de quadros que observamos em uma

exposição –, mas devemos partir das posições sociais ocupadas por membros destas

figurações sociais, observando a heterogeneidade das estratégias, e como estas moldam as

trajetórias individuais de seus membros.

Antes de um modelo fechado, de um quadro, temos um conjunto de ações sociais

individuais de membros da rede social, que se orientam de forma mais ou menos lógica, e que

desenham não um, mas múltiplos quadros, simultâneos, concorrentes e interrelacionados.

Assim sendo, se nossa preocupação é com os mecanismos que legitimavam o poder

imperial romano neste período, qual melhor posição analítica poderíamos tomar além da

trajetória de alguém que se encontrava no centro da figuração social da corte? Seguindo este

1 CARRIÉ, Jean-Michel. ROUSSELLE, Aline. La rupture constantinienne. In. _______. L’Empire romain en mutation. Paris, 1999. pp.217-270.

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fio condutor, nossa reconstrução histórica propõe que retomemos a posição social de Flávio

Valério Constantino, imperador romano entre os anos 306 e 337, analisando suas ações

sociais estratégicas, e inserindo-as num contexto mais amplo, o qual nos permita reconstruir

os principais mecanismos de legitimação no Baixo Império Romano.

Esta perspectiva individual, por seu lado, é uma ferramenta metodológica que nos

permite, a partir de uma pequena escala, divisar as lutas pelo poder imperial, nas quais

Constantino e os outros pretendentes estavam imersos. Em um segundo passo, é necessário

que esta escala seja aumentada, permitindo-nos não apenas analisar o governo de Constantino,

e suas estratégias individuais, mas inseri-lo no contexto das transformações estruturais que se

operavam na sociedade romana desde meados do século III. Por conseguinte, não temos como

objeto Constantino, mas partimos dele para estudar o poder imperial, tal qual se configurou no

período do Baixo Império Romano.

O escopo deste trabalho nos permite desenvolver um modelo interpretativo que não

parte da ideia de uma ruptura profunda com a tradição romana pagã, ocasionada após a

conversão de Constantino à religião cristã em 312, a qual teria engendrado uma nova forma

de comportamento com o poder imperial, em uma curtíssima duração. Este, por seu lado, é o

estudo de uma fase – talvez a primeira – do conflito do qual saíram transformados tanto a

sociedade romana quanto o poder imperial – que progressivamente se cristianizaram a partir

do século IV, formando a chamada Cristandade Constantiniana2.

Deste modo, tentamos estudar um governante romano do século IV, partindo de uma

análise que privilegia os vestígios documentais produzidos entre 306 e 326, uma vez que estes

estão relacionados àquilo que poderíamos denominar propaganda imperial, e se encontram

imersos em um contexto retórico no qual a mensagem visava a afirmar o poder de

Constantino. Em especial, analisamos os discursos laudatórios, os monumentos, as moedas e

os medalhões deste período.

Assim sendo, se faz necessária uma apresentação analítica de nosso corpus

documental, a qual se encontra na seção introdutória Metodologia e documentação; sua

importância reside no caráter introdutório e elucidativo para os leitores pouco familiarizados

com a multiplicidade de fontes – textuais e materiais – que podem ser utilizadas para o estudo

deste período, além de elucidar a operacionalização da documentação da pesquisa.

2 GOMES, Francisco José Silva. A Igreja e o Poder: Representações e discursos. In. RIBEIRO, Maria Eurydice. (Org.) A vida na Idade Média. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p.33-60; Cristandade e Cristianismo Antigo. Phoînix. v. 6. Rio de Janeiro, 2000. pp.178-186; MEYENDORFF, Jean. Unité de l`Empire et divisions des chrétiens; L`’Eglise de 450 à 680. Paris, 1993. p.20.

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Os inúmeros conflitos e contradições, e as apropriações de temas similares entre os

imperadores evidenciam a existência de uma contínua formação de níveis de equilíbrio,

instavelmente sujeitos a novas remodelações, e apropriações. A historiografia está

acostumada a observar este recorte de história romana de uma forma teleológica, estando mais

atenta aos resultados finais que, por regra, escapam ao controle das pessoas que se encontram

engolfadas na trama de acontecimentos. Assim são, por exemplo, os estudos sobre

Constantino que analisam o início de seu governo já pensando numa dimensão cristã

assumida por ele após 324.

Há, como certamente existe em qualquer tema historiográfico que já fez correr rios de

tinta, dissensões historiográficas que podemos agrupar em torno de duas perspectivas

principais: o primeiro representado pelo historiador suíço Jacob Burckhardt (1818-1897), que

via em Constantino um representante de uma Realpolitik no Império Romano; e o segundo

que deriva das posições do inglês Norman Hepburn Baynes (1877-1961), que construiu uma

análise que gira em torno de um retrato religioso de Constantino.

Certamente, estes caminhos historiográficos opostos apresentam entre si pequenas

estradas e atalhos, alguns dos quais se propõem novos caminhos. Neste sentido, a análise

historiográfica sobre este tema se faz necessária, e ocupa uma parte substancial de nossa

Discussão Historiográfica.

Por nosso lado, desenvolvemos uma análise de Constantino não apenas na perspectiva

de seu reinado, mas inserindo-o na longa duração do processo de conformação da figuração

social própria do período tardo-antigo.

Neste sentido, partimos da seguinte hipótese de trabalho: no governo de Constantino I,

observamos o poder imperial considerado legítimo quando possuía, simultaneamente, certos

mecanismos de legitimação – o poder militar, a herança dinástica e a aprovação do Deus

Supremo. Por conseguinte, os discursos oficiais – sejam pagãos, cristãos ou materiais –

apresentavam os mesmos temas de representação de Constantino, o qual era visto como um

ser escolhido pela providência divina, e que tinha a missão vitoriosa de combater o mal, e

trazer uma era de paz e prosperidade ao Império Romano.

Neste sentido, fazemos convergir a análise das estratégias individuais – baseadas na

assunção de uma racionalidade seletiva na qual os indivíduos agem em relação a um feixe de

possibilidades sociais, que varia em relação à posição social de cada individuo na rede social

– à análise estrutural.

Por exemplo, as possibilidades de ações sociais estratégicas abertas a um escravo

romano condenado às minas – uma damnatio ad metalla –, se comparadas a um escravo que

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administra os bens de seu senhor, são muito mais restritas. Por seu lado, as possibilidades

abertas a um imperador são mais diversificadas que aquelas dos demais membros da figuração

social – entretanto, não são infinitas.

É neste sentido que usamos a noção de estratégia, a qual se desenvolve no

intercruzamento das análises sociológicas desenvolvidas por Norbert Elias – acerca das

figurações sociais e dos papéis sociais dos membros destas redes – com os estudos de Micro-

História, em especial, os textos dos historiadores Giovanni Levi3, Jacques Revel4, e outros

micro-historiadores5. Nestes autores, percebemos a preocupação com uma análise que visa a

relacionar o singular e o todo, tal qual nos propomos no presente trabalho.

Entretanto, esta dissertação não se trata de um trabalho de Micro-História, o qual seria

impossível em virtude do estado da documentação: fragmentária e parca, que impossibilita

uma descrição densa seja da vida de Constantino, seja dos meandros da figuração social da

corte tardo-antiga. Por outro lado, trata-se de um trabalho que busca analisar estruturas

complexas a partir das estratégias individuais em torno da afirmação do poder imperial, e qual

a relação destas estratégias com os mecanismos de legitimação.

Neste limite das ações sociais é que devemos colocar nossa objetiva. Afinal, muito se

escreveu sobre aquele que converteu o Império Romano ao Cristianismo, entretanto pouco se

perguntou sobre as situações nas quais Constantino figurava enquanto agente social –

situações estas que independiam de sua vontade individual – e que exigiam suas respostas

estratégicas.

Exemplos destas situações-chave são esmiuçadas neste trabalho, buscando sempre

inseri-las na narrativa de média duração dos governos Diocleciano e de Constantino. Dentre

elas destacamos: (1) a aclamação e o casamento com Fausta (306-307); (2) da Conferência de

Carnuntum à morte de Maximiano Hercúleo (308-310); (3) a campanha itálica (311-312); (4)

imperador do Ocidente (313-315); (5) as Guerras contra Licínio (315-324); (6) Vicennalia e a

morte de Fausta e Crispo, em 326.

É nos meandros destes vestígios de vida, que encontramos os acontecimentos pessoais

interligados a situações políticas e religiosas que escapam totalmente ao controle direto das

3 LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000; Sobre a micro-história. In. BURKE, Peter (Org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo, 1992. pp. 133-161; Les usages de la biographie. Annales ESC. Paris. v. 44. n. 6. pp. 1325-1336, Novembre-Décembre 1989. 4 REVEL, Jacques. Prefácio. In. LEVI, Giovanni. Op. cit. 2000. pp. 7-37; Microanálise e construção social. In. _______. Op. cit. 1998. pp. 15-38; Entrevista. Topoi. v.4. Rio de Janeiro, 2001. pp.197-215. 5 GRIBAUDI, Maurizio. Escala, pertinência, configuração. In. REVEL, J. Op. cit. 1998. pp. 121-150; LEPETIT, Bernard. Sobre a escala na história. In. REVEL, J. Op. cit. 1998. pp. 77-102.

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pessoas envolvidas, e que, neste sentido, nos apresentam questionamentos interessantes sobre

as motivações e as estratégias de ação social.

Nestas situações, pretendemos mostrar que havia uma grande dinâmica social, um

diálogo entre inovações e tradições – com constantes reapropriações –, uma relação existente

entre os mecanismos de legitimação de Constantino e as práticas de representação própria do

Baixo Império Romano, e acima de tudo, um conjunto de ações sociais orientadas por um

feixe de possibilidades, nas quais os indivíduos escolhem e se movimentam.

A trajetória percorrida pela pesquisa é a de partir da história de Constantino com o

objetivo de perscrutar as figurações sociais nas quais estava imerso, e analisar as

representações simbólicas que legitimavam o poder imperial romano no Baixo Império. Neste

caminho privilegiamos os vestígios numismáticos para periodizar e estabelecer os recortes

principais da pesquisa, fazendo-os dialogar com a documentação escrita.

Neste ponto, a contextualização da documentação, e sua ligação ao sistema simbólico

de regras e comportamentos individuais, são primordiais para analisarmos a relação entre

Constantino e os caracteres específicos do Baixo Império Romano, no que se refere à

legitimação do poder imperial. A partir desta pequena escala somos capazes de pôr à prova a

hipótese proposta pela pesquisa.

A trajetória de Constantino é a primeira linha da pesquisa, a partir dela observamos as

práticas sociais estratégicas em funcionamento: desde sua ascensão ao poder, passando pela

constante busca pela legitimação, durante a Segunda Tetrarquia (306-311) até o seu governo

único após a vitória sobre Licínio, em 324.

Por nosso lado, desenvolvemos uma análise de Constantino não apenas na perspectiva

de seu reinado, mas inserindo-o no processo de conformação da figuração social própria do

período tardo-antigo.

Neste sentido, nossa problemática se vincula ao estudo do macroprocesso de

transformação social ocorrida no Baixo Império Romano, a partir da análise do microprocesso

das disputas em torno da legitimação de Constantino.

O processo social estudado neste trabalho nos permite desenvolver um modelo

interpretativo que não parte da ideia de uma ruptura profunda com a tradição romana pagã,

ocasionada após a conversão de Constantino à religião cristã em 312, a qual engendrou uma

nova forma de comportamento com o poder imperial, em uma curtíssima duração.

No limite das ações sociais estratégicas é onde colocamos nossa objetiva. Não

podemos estudar a sociedade sem indivíduos, nem, pelo contrário, estudar indivíduos sem

sociedade. Nas Ciências Humanas, o excesso de abstração teórica leva a hipertrofia de uma

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destas variáveis – o predomínio da estrutura, ou os estudos circunscritos a uma curta duração,

por exemplo –, esta não é a postura da qual partimos.

Salientamos a existência de três mecanismos de legitimação principais de Constantino:

o poder militar, a herança dinástica e o apoio de um acompanhante divino. Certamente, o

poder militar é um fator lógico, que não demanda grandes explicações para seu entendimento

enquanto um mecanismo de legitimação de um sistema político, e de um governante.

Entretanto, precisamos ter maior cuidado quando tratamos os outros dois.

Como conformar a existência e a perpetuação de uma estrutura política imperial que

mantém um corpo institucional que se arroga republicano? Esta é uma pergunta central para o

entendimento da dinâmica do poder político na Roma imperial.

Otávio Augusto (27 a.C.-14 d.C.) o fundador de fato do Império Romano não

conseguiu ultrapassar a ambiguidade presente na existência de um governo imperial

justaposto à estrutura da Res publica. Neste sentido, e em virtude do fim trágico de seu pai-

adotivo Caio Júlio César (100-44 a.C), Augusto não tinha condições políticas para formar um

sistema político baseado na existência de uma dinastia reinante.

Conforme analisaremos mais à frente nesta dissertação, as transformações

desenvolvidas durante o século III tiveram como resultado o desenvolvimento de novas

lógicas de representação da imagem do poder imperial, enfatizando-se a fundamentação

dinástica para a legitimação do poder imperial.

Quanto à afirmação da anuência de um acompanhante divino, também devemos seguir

os rastros no processo de transformação do século III, o que facilita o entendimento das

associações da imagem de Constantino com vários deuses desde o início de seu reinado, e que

se dissociou para se relacionar a outras representações divinas.

Os mecanismos de legitimação são centrais para o entendimento das ações sociais de

Constantino, e para a análise das representações deste imperador nos discursos pagãos,

cristãos e, principalmente, na documentação numismática. Sendo este o ponto principal de

nossa análise sobre este imperador e a época de transformações na qual estava inscrito.

A presente dissertação integra-se ao campo de experimentação da pesquisa coletiva

sob a orientação da Profa. Dra. Norma Musco Mendes, intitulada “Império: teoria e prática

imperialista romana”, cujo objetivo é a construção de hipóteses de trabalho e a obtenção de

argumentos explicativos que permitam observar a diversidade, a pluralidade e a singularidade

dos processos ou práticas imperiais para se investigar como e porque os Impérios se

constroem, se expandem, se legitimam, se consolidam e se desagregam.

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Esta pesquisa coletiva estimula, desta forma, a construção de problemáticas

relacionadas aos contextos culturais imperiais e à criação de complexas estruturas auto-

sustentadas e auto-reproduzidas que asseguram a existência dos Impérios.

Em busca de categorias analíticas para a construção de um modelo para o estudo

comparativo de impérios, o antropólogo Thomas J. Barfield6 estabelece que dentre as

condições para que um Estado se transforme num Império é imprescindível criar um sistema

de valores compartilhados, formado com base nos padrões culturais do centro imperial, como

uma forma de sobrepujar as diversidades locais. Isto se reflete em todas as variáveis que

marcam a presença imperial – formas de organização do espaço, arte, cosmologia, estilo

arquitetônico, práticas sociais, rituais e sistemas de representação da legitimidade imperial.

Portanto, a nossa problemática de pesquisa permite a construção de argumentos

explicativos para se observar comparativamente que a manutenção e reprodução dos Impérios

não se esgotam nas análises dos instrumentos de controle e exercício de poder, os quais

devem ser complementados pela análise dos mecanismos que garantam que a autoridade seja

exercida persuasivamente. Assim, o controle e a capacidade de acesso dos governantes sobre

os mais significativos métodos, através dos quais as crenças e expectativas culturalmente

compartilhadas são apropriadas para forjar a forma como a posição dos governantes deve ser

concebida pelos seus súditos.

Tal pesquisa coletiva estimula a construção de problemáticas relacionadas à criação de

complexas estruturas político-administrativas auto-sustentadas e auto-reproduzidas que

asseguravam a integração e a exploração da diversidade, perante a heterogeneidade, diferença

e competição, seja econômica, política, religiosa, cultural ou étnica existentes no território

imperial.

Em nosso caso específico, ao analisarmos os mecanismos de afirmação política a

partir das representações de Constantino I, temos por objetivo verificar como estas

representações legitimavam o poder imperial através da conexão entre cultura e estrutura

imperial. Esta imagem da figura imperial se relacionava à forma como indivíduos e grupos,

concebiam e percebiam a figura do imperador7, visando a atingir a totalidade da sociedade nos

limites de determinado território, no caso o Império Romano, se enquadrando como um

objeto político8.

6 BARFIELD. Thomas J. The shadow empires: imperial state formation along the Chinese-Nomad frontier. In. ALCOCK, S. E. D’ALTROY, T.E. et al. (Org.). Empires. Cambridge, 2001. pp. 11-41. 7 ELSNER, Jaś. Imperial Rome and Christian Triumph. Oxford/ New York, 1998. 8 RÉMOND, René. Do político. In. ________. Por uma História Política. Rio de Janeiro, 1996. p. 444.

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Quanto à estrutura do texto da dissertação, esta se encontra dividida em quatro

capítulos. O Capítulo I – Discussão Historiográfica já foi explicitado, e não requer mais

adições. No Capítulo II – As transformações do século III, examinamos o processo de

transformação que o sistema imperial romano do Principado sofreu, em especial, durante o

século III, e que acabaram por lançar bases para novas formas de representação do poder

imperial, e de sua legitimação.

Já no Capítulo III – Diocleciano e a Tetrarquia buscamos analisar mais detidamente

as representações do poder imperial no período anterior à aclamação de Constantino, em

especial a conformação desse sistema político tetrárquico, e o exame de seus mecanismos de

legitimação.

No Capítulo IV – Constantino, uma proposta de micro-análise, a partir da trajetória de

Constantino, analisamos as situações-chave supracitadas inseridas numa perspectiva de

processo, que sustenta a nossa análise de curta duração, ao nível das ações sociais.

Por fim, temos uma conclusão avaliativa cujo objetivo é sintetizar os nossos principais

argumentos interpretativos sobre o sistema de representações do poder imperial na época de

Constantino I, e, deste modo, demonstrar a validação de nossa hipótese de trabalho.

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Metodologia e documentação

1. Metodologia

Na presente dissertação, buscamos identificar os discursos em relação às nossas

categorias de análise semântica, que apresentam importantes funções no processo de

comunicação política. Neste sentido, optamos por analisar nossa documentação escrita e,

especialmente, a documentação material como um transcrito público.

Segundo James C. Scott1, transcrito público são todos os tipos de linguagens e

representações simbólicas e materiais que os grupos dominantes utilizam no processo

lingüístico de auto-representação. Os transcritos públicos, deste modo, podem ser tanto uma

moeda, um monumento ou um panegírico, como uma cerimônia, na qual são apresentados os

símbolos de poder e distinção entre os indivíduos de uma sociedade.

Em nosso caso, analisamos as expressões públicas de Constantino como transcritos

públicos, como discursos que possuíam funções no processo de comunicação e legitimação,

tais como afirmar uma hierarquia, eufemizar a imagem do imperador, estigmatizar

adversários, gerar unanimidade.

Neste sentido, o transcrito público é uma importante ferramenta metodológica que nos

facilita a apreensão dos mecanismos de legitimação política e das ações sociais estratégicas de

Constantino ao nos permitir uma melhor operacionalização da documentação escrita e

material. Além disso, tal tratamento da documentação nos leva a uma análise intensiva que é

de suma importância para a nossa proposta de micro-análise.

2. Documentação

Qualquer análise histórica se desenvolve em torno de uma problemática que deve ser

aposta a uma documentação, que aponta limites e possibilidades para plausibilidade das

hipóteses aventadas. Buscamos empreender uma pesquisa histórica que relacione a trajetória

de Constantino, com a lógica de desenvolvimento do sistema político imperial romano

conhecido pelo nome de Dominato.

1 SCOTT, James C. Domination and the Arts of Resistence; Hidden Transcripts. New Haven/London: Yale University Press, 1990, pp. 45-70.

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Os documentos são suportes de possíveis informações. Os dados que podemos extrair

deles encontram-se relacionados ao objeto da pesquisa, sendo, por sua vez, os elementos para

reconstrução do fenômeno que se deseja explicar.

Cada informação só tem significado se houver correspondência entre o fenômeno que

se quer interpretar, o universo teórico adotado e a problemática proposta. Deve-se ressaltar

que em nenhum momento da pesquisa o documento e as informações correspondem

exatamente ao objeto da pesquisa: este é uma construção interpretativa do pesquisador.

Na presente dissertação, trabalharemos com a documentação produzida entre 306 e

339. Optamos por um estudo baseado na documentação textual e de cultura material que

correspondam aos seguintes critérios:

1. produzidas por personagens ligadas diretamente a Constantino, ou pelo próprio, e que

evidenciavam a relação entre o político e o religioso;

2. contemporaneidade com Constantino.

Desta forma, de nosso corpus principal de documentação escrita, excluímos os

breviários de meados do século IV – Aurélio Victor e Flávio Eutrópio –, as Histórias

Eclesiásticas compostas a partir de fins do século IV – Sozomeno, Sócrates, Teodoreto,

Filostórgio –, a obra tradicionalmente reconhecida sob o nome de Anônimo Valesiano,

também de fins do século IV, e a obra História Nova de Zósimo (de fins do século V). Estes

critérios nos levaram, pois, a quatro grupos de documentação escrita:

1. Lactâncio: Sobre a morte dos perseguidores, Instituições Divinas;

2. Eusébio de Cesaréia: História Eclesiástica;

3. Panegíricos Latinos: os cinco panegíricos que se dirigem a Constantino;

Simultaneamente, trabalharemos com um corpus de documentação de cultura material,

especialmente um corpus numismático. Examinamos todas as moedas de Constantino

catalogadas no The Roman Imperial Coinage entre os anos de 306 e 337.

Os dados extraídos da análise das moedas foram sistematizados e cotejados com

aqueles provenientes da análise da documentação textual. A interpretação das informações

obtidas pela pesquisa documental, portanto, nos possibilitou construir argumentos

explicativos sobre a trajetória de Constantino inserindo-a nos processos de formação e

consolidação do Dominato, visando a validar a nossa hipótese de trabalho relacionada aos

mecanismos de legitimação política do Império Romano Tardo-Antigo.

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Documentação escrita Eusébio de Cesaréia

A documentação escrita da Antiguidade Greco-Romana que sobreviveu até nós

encontra-se em uma ampla profusão de gêneros diferentes, tendo sido, em geral, composta em

grego ou latim – com suas traduções intercambiáveis –, as duas línguas principais das partes

oriental e ocidental do Império Romano, respectivamente. Sobre a vida de Constantino, nos

restam duas obras biográficas produzidas no século IV – uma escrita em grego e numa

perspectiva cristã, e outra, em latim, escrita por um autor cuja perspectiva era, digamos, laica.

Em primeiro lugar, tratemos do relato mais antigo, e que serve de linha mestre para a

maior parte das análises sobre Constantino, devido à sua riqueza de detalhes, e relativa

proximidade com os fatos narrados; a obra conhecida convencionalmente como Vita

Constantini, sendo mais acurado o título original A vida do Abençoado Imperador

Constantino (composta entre 336-339).

Esta obra foi escrita por Eusébio de Cesaréia (c.265-339), um teólogo cristão, e o

primeiro autor de uma História da Igreja, que foi eleito bispo de Cesaréira Marítima – e, por

sua vez, metropolita da Palestina –, em 313. Proveniente da escola de Orígenes (185-253),

Eusébio testemunhou duas situações que exerceram forte influencia sobre seu trabalho: o

sofrimento dos cristãos durante a “Grande Perseguição” (303-311; 313) empreendida pelos

tetrarcas; e o patronato da Igreja exercido pelo poder imperial romano, principalmente, após a

unificação do Império Romano nas mãos de Constantino, em 3242.

Além disso, conheceu o próprio imperador no Concílio de Nicéia, em 325, ocasião na

qual, para Barnes, ouviu a sua confissão pessoal sobre sua experiência sagrada às vésperas da

campanha da Itália. Durante o concílio, cooperou com os esforços imperiais para estabelecer a

unidade da Grande Igreja em torno de um credo comum, da data da celebração da Páscoa, e

outras questões doutrinárias3.

Eusébio de Cesaréia se encontrou e se correspondeu com Constantino em várias

ocasiões durante os últimos doze anos de seu reinado, e, possivelmente, auxiliou a imperatriz-

mãe Helena em sua peregrinação pela Terra Santa (entre 326 e 328)4. Além disso, recebeu

uma concessão imperial para inspecionar a confecção de belas cópias de bíblias para as

igrejas da nova capital imperial, Constantinopla.

2 Sobre Eusébio de Cesaréia, ver: BARNES, Timothy David. Constantine and Eusebius. Cambridge, 1981. pp. 81-189. 3 BARNES, Ibidem. 1981. pp. 208-244; DRAKE, Harold Allen. Constantine and the Bishops; the politics of intolerance. Baltimore/London, 1999. 4 ODAHL, Ch. Constantine and the Christian Empire. London, 2004. pp. 211-220

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Além desta obra biográfica, Eusébio pronunciou dois panegíricos ao imperador: um

nas festividades de inauguração da Igreja do Santo Sepulcro (em Jerusalém), e outro no

festival da Tricennalia (em Constantinopla), ambos em 3365.

Nos dois anos que Eusébio sobreviveu a Constantino, ele se dedicou à finalização dos

quatro livros sobre a vida do primeiro “imperador cristão” – a Vida de Constantino. Esta obra

não é uma biografia completa nem no sentido antigo, nem no moderno, mas uma junção de

dois gêneros literários – o biográfico e o laudatório6.

O Livro I se inicia em formato de panegírico fúnebre, elogiando as virtudes e

realizações do imperador recém-falecido; em seguida, há sua expansão em “uma história

documentada de natureza hagiográfica”7, a qual se concentra na religiosidade do imperador.

Este trabalho nos fornece o relato mais detalhado sobre a experiência de conversão de

Constantino, além de sumarizar seu subseqüente apoio à Igreja ocidental, desde suas

primeiras páginas.

Eusébio então descreveu sua vitória sobre o último imperador pagão – Licínio (311-

324) –, e fez uma crônica do patronato público de Constantino às Igrejas orientais, durante as

seções centrais do texto. Ele nos informa a respeito das tentativas do imperador em resolver as

disputas doutrinais e hierárquicas entre os líderes da Igreja. Afora isto, no curso de sua

narrativa, oferece numerosos exemplos da piedade pessoal de Constantino, e de seu apoio ao

Cristianismo a expensas do paganismo, nas últimas seções do texto.

Como na História Eclesiástica, Eusébio incorporou vários documentos em sua Vida de

Constantino, incluindo cartas imperiais, editos, leis, e, inclusive, descreveu uma moeda.

Contudo, ele pouco se preocupou com questões militares e políticas, deixando lacunas

importantes, como, por exemplo, sobre a morte da esposa e do filho do imperador, de Fausta e

Crispo, das quais nada diz a respeito. Neste sentido devemos ter em mente a escusa do próprio

Eusébio, de que tinha por objetivo falar e escrever apenas as circunstâncias religiosas da vida

de Constantino, conforme já salientamos.

5 BARNES, T.D. Op. cit. 1981. pp. 253-4; DRAKE, Harold. A. In Praise of Constantine. Berkeley, 1975. pp. 30-45; The impact of Constantine on Christianity.In. LENSKI, Noel. Age of Constantine. Cambridge, 2006. pp.111-136. 6 CRANZ, Edward. Kingdom and Polity in Eusebius of Caesarea. Harvard Theological Review. v. 45, n. 1, Jan. 1952. pp. 47-66; DRAKE, H.A. What Eusebius Knew: The Genesis of the Vita Constantini. Classical Philology. v. 83, n. 1, Jan. 1988. pp. 20-38; GURRUCHAGA, Martín. Introducción. In. EUSÉBIO DE CESARÉIA. Vida de Constantino. Madrid, 1994. p.7; NICHOLSON, Oliver. Constantine's Vision of the Cross. Vigiliae Christianae. v. 54, n. 3, 2000. pp. 309-323. 7 ODAHL, Ch. Op. cit. 2004. p. 3.

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Panegíricos Latinos

Além dessas biografias tradicionais e narrativas históricas, há um número substancial

de trabalhos de outros gêneros narrativos que oferecem detalhadas informações sobre fases

específicas da carreira de Constantino, ou sobre aspectos particulares de suas políticas, que

podem nos ajudar a construir um quadro amplo sobre seu reinado. Há peças oratórias

contemporâneas (panegíricos), tratados apologéticos, e composições de natureza imperial.

Em primeiro lugar, temos os panegíricos, peças oratórias de natureza epidíctica

usualmente recitadas na presença do imperador em ocasiões festivas, tais qual uma visita

imperial a uma cidade (aduentus), ou durante um aniversário de governo em uma cidade-

capital. Eles eram pronunciados por oradores experientes, em consonância com a corte, e

celebravam as virtudes pessoais e as recentes ações dos governantes sob uma luz

completamente positiva.

Um códice de XII Panegyrici Latini, recitados – em sua maioria – por oradores

gauleses, nos resta do século IV. Quatro desses foram oferecidos em honra a governantes

anteriores a Constantino (289, 291, 297 e 298 – Panegíricos II (10), III (11), IV (8), e V (9),

respectivamente), e cinco deles em honra a Constantino, nos primeiros anos de seu governo

(307, 310, 311, 313 e 321 – Panegíricos VI (7), VII (6), VIII (5), IX (12), e X (4),

respectivamente) 8.

A primeira parte do corpus celebrava as realizações da Tetrarquia de Diocleciano –

especialmente os governantes ocidentais, Maximiano e Constâncio –, os quais trouxeram a

ordem de volta ao Império Romano, que sofreu com o caos da Anarquia Militar. A segunda

parte do corpus, por sua vez, apresenta os conturbados anos da Segunda Tetrarquia, e da

elevação de Constantino ao poder em diante.

Estes textos apresentam informações detalhadas sobre suas primeiras campanhas

militares e oferecem uma perspectiva pagã sobre sua crença religiosa, não encontrada em

outros documentos escritos. Por exemplo, o panegírico de 313 é particularmente interessante, 8 A coleção original foi reunida em diversos estágios desde o início até fins do século IV na Gália, onde havia famosas escolas de retórica em Trier, Autun e Bordeaux. Entretanto, nesta coleção os panegíricos não estavam em ordem cronológica no manuscrito. Edouard Galletier, em Panégyriques Latins. 3 vols. Paris, 1949-55, fez uma tradução comentada do texto latino para o francês, ordenou e numerou-os na seqüência correta de pronunciamento, com o número de seqüência do manuscrito entre parêntesis – assim, o Panegírico de 313, Trier, que foi o nono a ser proferido, mas que era o último do corpus, passou a ser listado como Panégyrique IX (12), na edição francesa. R.A.B. Mynors, em XII Panegyrici Latini. Oxford, 1964, ofereceu uma edição crítica do texto latino, colocando-os também na ordem cronológica, em sua notação mantinha o número do manuscrito entre parêntesis, assim, o mesmo panegírico foi listado como Panegyric XII (9), na edição britânica. Recentemente, na edição americana C.E.V. Nixon e Bárbara Saylor Rodgers, em In Praise of Later Roman Emperors: The Panegyrici Latini. Berkeley, 1994, traduziram e comentaram onze dos panegíricos, seguindo a disposição de Galletier. O mesmo procedimento pode ser encontrado na tradução comentada espanhola organizada por Victor-Jose Herrero Llorente (Madrid, s/d).

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pois apresenta em detalhes a análise de um pagão sobre a questão místico-religiosa que

envolveu a campanha de Constantino na Itália.

Lactâncio

Havia também vários tratados polêmicos escritos por cristãos no século IV, seja contra

pagãos fora da Igreja, seja contra inimigos dentro da própria Igreja, os quais provêm um

material profícuo para estudo. Um dos expoentes deste gênero narrativo foi o retor e

apologista cristão Lúcio Cecílio Firmiano Lactâncio (c.270-c.325)9. Nascido e educado no

Norte da África em fins do século III, Lactâncio trabalhou como professor de Retórica Latina,

a pedido de Diocleciano, em Nicomédia, desde finais do século IV.

Nesta cidade, se converteu ao cristianismo. Após o início da “Grande Perseguição”,

entretanto, ele perdeu seu cargo, e não sabemos bem qual foi seu destino – se ficou no Oriente

ou voltou para o ocidente romano. Neste período escreveu uma obra em sete livros em defesa

da fé e ética cristãs contra as crenças e práticas pagãs, intitulado Diuinae Institutiones (c. 303-

313).

Constantino deve tê-lo conhecido em sua juventude, quando era membro da corte de

Diocleciano, e possivelmente ofereceu-lhe refúgio após ter se tornado imperador em 306.

Embora pareça que Lactâncio não tenha retornado do leste por esta época, é-nos reportado por

Jerônimo10 que em avançada idade se tornou tutor do primogênito de Constantino, Crispo na

corte de Trier. Ele provavelmente residiu em Trier por vários anos após 313 enquanto a

cidade era a capital regular de Constantino, e local onde passava mais tempo.

O idoso retor adicionou efusivas dedicatórias a Constantino pelos capita dos livros que

compõem as Diuinae Institutiones; e o imperador ouviu uma recitação desta obra, e, muito

possivelmente, leu-a atentamente como prova muitos dos pronunciamentos posteriores sobre a

verdade do Cristianismo como oposta a falácia do paganismo, ou então sobre a ira de Deus, e

a providência divina.

Durante estes anos, Lactâncio também escreveu seu famoso Liber ad Donatum

confessorem de Mortibus Persecutorum (c.313-315), cujo tema era a vingança divina infligida

contra os imperadores que perseguiram os cristãos. Embora inicie seu relato com breves 9 Para a vida, obra e relacionamento entre Lactâncio e o poder político, ver: BARNES, T. D. Lactantius and Constantine. Journal of Roman Studies. v. 63, 1971. pp. 29-43; DIGESER, Elizabeth. The making of a Christian Empire: Lactantius and Rome. Ithaca, 2000; HEIM, François. L’influence exercée par Constantin sur Lactance: sa théologie de la victoire. Lactance et son temps. Paris, 1978; PICHON, Rene. Lactance. Paris, 1901; STEVENSON, John. The life and Literary activity of Lactantius. Studia Patristica. v. 1, n. 1, 1957. pp. 661-677; SILVA, Diogo. P. Lactâncio contra a Tetrarquia. Rio de Janeiro, 2007 (Monografia de conclusão do Bacharelado em História, UFRJ). 10 JERONIMO. De Vir.Ill. LXXX.

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sumários sobre a morte dos perseguidores de Nero a Aureliano, ele concentrou sua narrativa

sobre a morte miserável dos tetrarcas que levaram a cabo a “Grande Perseguição”, da qual,

assim como Eusébio de Cesaréia, foi testemunha.

Lactâncio nos proporciona uma perspectiva negativa sobre as reformas imperiais de

Diocleciano, e um detalhado relato sobre o início e os cerca de dez anos de perseguição contra

os cristãos. Os primeiros serviços de Constantino no Oriente, sua ascensão ao poder no

ocidente, e sua experiência de conversão na Itália são episódios centrais de sua obra. Para

Charles Odahl11 o próprio imperador deve ter provido as anedotas históricas para este

trabalho, e mais tarde empregou temas dele em seus próprios escritos. Ao lado dos

Panegíricos Latinos, o De Mortibus Persecutorum oferece importantes informações para os

primeiros sete anos de reinado de Constantino.

Documentação de cultura material

Da época de Constantino há uma grande profusão de documentação de cultura

material, que testemunha a materialidade da infra-estrutura de poder, nos remetendo aos

interesses e prioridades que nortearam a atuação política de Constantino, Referimo-nos às

construções monumentais, e vestígios arqueológicos que são encontrados desde a Britânia e

Gália até a Trácia e Judéia.

As vitórias dos governantes eram geralmente celebradas com monumentos triunfais, e

suas faces eram costumeiramente retratadas em esculturas imperiais. Um número substancial

de monumentos e esculturas da época de Constantino ainda permanece inteiro.

Um exemplo desta arquitetura monumental é o arco triunfal dedicado pelo Senado e o

Povo de Roma por sua vitória sobre Maxêncio, que se encontra próximo ao Anfiteatro

Flaviano, no centro da cidade de Roma (312-315). Outro exemplo de monumento é uma

coluna triunfal em pórfiro erigida em Constantinopla (entre 326-330), para comemorar a

vitória de Constantino sobre Licínio.

Várias esculturas de Constantino sobreviveram em vários pontos do antigo Império

Romano. A cabeça e várias partes do corpo de uma estátua colossal do imperador, situada

originalmente numa basílica do Fórum Romano, e que está agora no átrio do Musei del

Palazzo dei Conservatori, no Capitólio. Uma estátua completa do imperador de uma terma de

11 ODAHL, Ch. Op. cit. 2004, p.9. BARNES, T.D. Athanasius and Constantius: theology and politics in the Constantinian Empire. Cambridge, Massachussets/Londres, 1993.

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Roma, e agora situada na Basílica de São João Latrão. Bustos de Constantino podem ser

encontrados em museus de York, Belgrado, Istambul e Nova York.

Na presente dissertação optamos por analisar as imagens presentes no Arco de

Constantino e suas inscrições, tendo em vista a importância de sua construção e o volume de

informações que o mesmo possui, que facilita o tratamento metodológico que buscamos na

presente pesquisa.

Mais ubíquas que as estruturas monumentais e estátuas eram as moedas e medalhas

oficiais do Império Romano. Através de um processo de cunhagem regulado – em especial

após as Reformas Monetárias de Aureliano e Diocleciano – os imperadores facilmente

puderam utilizar as emissões monetárias imperiais como uma forma de difusão do transcrito

público.

Os anversos das moedas retratavam os bustos dos imperadores e seus títulos, enquanto

as freqüentes mudanças dos reversos anunciavam as vitórias militares, os programas civis, e

as crenças religiosas. Artisticamente desenhadas e estampadas em alto relevo, as moedas

romanas e medalhões foram difundidas através do Império, com a intenção de que a

população notasse as imagens e lessem as inscrições presentes – não apenas como meio de

troca nas transações econômicas.

Em termos religiosos, as moedas dos tetrarcas anteriores a Constantino representavam

um estreito arco de algumas divindades-chave do panteão Olímpico, enquanto que as moedas

de Constantino revelam várias nuances que apenas uma análise detalhada permite perscrutar –

como, por exemplo, o progressivo desaparecimento dos deuses pagãos, e o surgimento tímido

de motivos cristãos12.

Na presente pesquisa, optamos por estabelecer um corpus numismático com moedas

cunhadas entre 306 e 330, enfocando, especialmente, o período compreendido entre a

ascensão de Constantino ao poder, em 306, e a morte de Fausta e Crispo, em 326.

As moedas analisadas detidamente na dissertação encontram-se no Anexo II, e são

referenciadas nas notas de rodapé. Todas que se remetem ao corpus numismático são seriadas

12 MAURICE, J. Numismatique constantinienne, 3 vols. Paris, 1908-1912; ofereceu o primeiro estudo detalhado das moedas e medalhas constantinianas, mas este trabalho foi superado por SUTHERLAND, C.H.V. Roman Imperial Coinage, vol. VI: from Diocletian’s Reform to the Death of Maximinus, AD. 294-313. London, 1973; BRUUN, P. Roman Imperial Coinage, vol. VII: Constantine and Licinius, AD 313-337. London, 1966; e TOYNBEE, J. Roman Medallions, New York, 1944. Sobre o uso de símbolos cristãos nas moedas constantinianas, consultar: BRUUN, P. The christian signs on the coins of Constantine. Arctos, Series 2, vol. 3, 1962, pp. 5-35; BASTIEN, M. P. Le chrisme dans la numismathique de la dynastie constantinienne. Collectionneurs et collections numismatiques. Paris, 1968, pp. 111-119; ODAHL, Ch. Christian symbols in military motifs on Constantine’s coinage. Journal of Society for Ancient Numismatics. Vol. 13 (4), 1983, pp. 64-72; ODAHL, Ch. Constantinian coin motifs in Ancient Literary Sources. Journal of the Rocky Mountain Medieval and Renaissance Association, vol. 7, 1986, pp. 1-15.

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tal qual estão disposta no catálogo The Roman Imperial Coinage, e apresentam a seguinte

forma, por exemplo: RIC VI Trier 870(C²), o que significar dizer que se trata da 870ª moeda,

catalogada no RIC volume VI, como sendo proveniente da Casa de Cunhagem de Trier.

Quanto aos algarismos presentes entre parêntesis, estes se referem ao grau de raridade das

moedas, o qual varia entre C3 e R5.13

As moedas que compõem o Anexo II foram escolhidas por se tratarem de exemplares

de grande relevância para o entendimento das escolhas estratégicas de Constantino, e a forma

como ele buscava se apresentar perante a população, o seu transcrito público. Neste sentido,

são indicadoras da tomadas de decisão do imperador e dos mecanismos de legitimação

política.

13 Ver tabela na página 9.

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Capítulo I – Discussão historiográfica 1. Antiguidade Tardia

As abordagens históricas sobre os últimos séculos da Antiguidade têm sido variadas.

As diferenças entre elas estão implícitas nos vários nomes aplicados a este período pela

historiografia moderna: Baixo Império Romano, Antiguidade Tardia ou Início do Período

Bizantino. Estas variações onomásticas revelam diferenças reais sobre perspectivas e

modalidades de escritas da história.

Em nossa pesquisa, nos relacionamos ao enfoque teórico que analisa este período sob

a denominação Antiguidade Tardia. À primeira vista, este é um termo menos tendencioso ao

abarcar toda a extensão geográfica da bacia mediterrânica romana e pós-romana. Os

historiadores deste viés estão mais preocupados com as regiões do Mediterrâneo oriental, e

com o Oriente Próximo, concentrando-se em temas sociais, culturais e religiosos, a expensas

da história política e institucional.

Os estudiosos da Antiguidade Tardia analisaram para além das preocupações do

governo do Império Romano, e lançaram suas atenções para outras condições fundamentais

que conferiram unidade ao período. Inevitavelmente, eles atribuíram maior relevância à

história religiosa e, acima de tudo, às transformações do paganismo polimórfico da

Antiguidade Clássica (séc. VI a.C.-III d.C.) para os sistemas religiosos predominantemente

monoteístas do início da época medieval, e da expansão árabe: o Judaísmo, o Cristianismo e o

Islamismo.

Este enfoque historiográfico também envolveu uma distensão dos limites cronológicos

do período. Enquanto a maior parte dos estudos sobre o Baixo Império Romano como o

período entre Diocleciano (284-305) e Justiniano (527-565), limites que são explicáveis

principalmente em termos dos acontecimentos e processos políticos. Os estudiosos da

Antiguidade Tardia usualmente são favoráveis à longuíssima duração que se iniciou em c.200

até c.800, algumas vezes referida como a “Longa Antiguidade Tardia”14.

Este período cobriu duas grandes transformações religiosas e suas conseqüências

sociais: a conversão do mundo Romano ao Cristianismo, e a emergência e rápida expansão do

Islamismo no Oriente Próximo, até o início do período do califado Abássida – do século VII

ao VIII.

14 CAMERON, Averil. The long Late Antiquity. In. WISEMAN, T.P. (Ed.). Classics in progress: essays on Ancient Greece and Rome. Oxford, 2002. pp. 165-191.

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Os grupos sociais educados do Oriente de língua grega, e seus menos numerosos

colegas latinos do ocidente também preservaram vários elementos da cultura clássica do

mundo Greco-Romano. Estudiosos da Antiguidade Tardia estão preocupados com a

manutenção desta cultura, e com o impacto do monoteísmo Cristão, Islâmico e Judaico.

A principal inspiração para tal abordagem pode ser atribuída à influência do

pesquisador irlandês Peter Robert Lamont Brown (1935-). Em seu pequeno livro, The World

of Late Antiquity, de 197115, o qual foi imprecisamente definido cronologicamente como

cobrindo o período de Marco Aurélio a Maomé, efetivamente alavanca o projeto de estudo da

Antiguidade Tardia, e redefine o período como um objeto de estudo – principalmente em

língua inglesa.

A grande produção de Peter Brown, e das várias gerações de historiadores inspirados

nele, explorou áreas e aspectos da história da Antiguidade Tardia que eram dificilmente

noticiadas pelo comportamento predominante da tradição dos estudos sobre Baixo Império.

Da abundante literatura cristã, Brown e seus seguidores estudaram e expuseram uma

imagem extraordinariamente diversificada da sociedade e da cultura em toda a sua

diversidade regional. Aquilo que fundamenta este projeto é uma impregnante preocupação em

explorar os efeitos das transformações religiosas sobre mentalidades individuais e coletivas16.

O impacto desta nova abordagem sobre a Antiguidade Tardia foi enorme, mas

irregular. Sem duvida, trouxe um novo ímpeto e vitalidade ao estudo deste período,

especialmente no mundo anglo-saxão – e na França a partir dos trabalhos tardios de Henri-

Irénée Marrou17. Além disso, transferiu a atenção dos temas tradicionais da historiografia –

imperadores, generais, impérios, Estados e exércitos –, para questões religiosas, acima de tudo

para os autores cristãos, para as comunidades unidas pela fé, e para o papel dos homens e

mulheres comuns, que viveram numa época de extraordinária transição.

Certamente, é difícil extrair padrões generalizantes das influências desses estudos

desta forma. Episódios individuais e biografias sobressaem de grande rede de eventos, alguns

tão cheios de vitalidade quanto a destruição do Serapeum de Alexandria, em 39218.

Entretanto, muitas vezes não é fácil localizá-los em um amplo contexto, e é ainda mais difícil

transformar estes contextos em uma acurada representação de um sistema de pensamento e

15 BROWN, Peter. O fim do Mundo Clássico: de Marco Aurélio a Maomé. Lisboa, 1972. 16 CAMERON, A. Op.cit. 2002. pp. 170-191. LIEBESCHUETZ, J. H. W. The birth of Late Antiquity. Antiquité Tardive. 12, 2004. pp. 253-261. 17 MARROU, Henri-Irénée. Decadência romana ou Antiguidade Tardia? Lisboa, 1979. 18 BROWN, Peter. Authority and the Sacred. Londres, 1997. p.5.

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símbolos culturais e sociais. Historiadores que têm seus objetos na Antiguidade ou no

Medievo são cativos destes estudos, mas não estão convencidos totalmente por eles.

Ninguém que estuda a Antiguidade Tardia hoje pode deixar de ser influenciado pelos

trabalhos de Peter Brown e de sua escola, e muito da produção historiográfica contemporânea

sobre este período, especialmente no mundo de língua inglesa – mas não somente –, tende a

ser eclética.

Os interesses historiográficos acabam por levar os pesquisadores a dispor de

abordagens contemporâneas para o mundo pós-clássico. Desde o desenvolvimento da

Nouvelle Histoire, na década de 1970, os historiadores – em especial, aqueles ligados à

historiografia francesa produzida pelos Annales – alargaram seus horizontes temáticos,

assumindo definições mais amplas acerca das abordagens, dos objetos e dos problemas19 –

aquilo que François Dosse denominou “História em migalhas”20.

Há uma maior tendência ao estudo das ações sociais que das estruturas sociais, de uma

“cultura popular” em preferência da cultura de elite, das mentalidades ao invés dos níveis de

cultura, questões de identidade pessoal ou comunal que questões relativas às estruturas

políticas – e partindo disto, uma história de gênero, do corpo, entre outros objetos antes

impensáveis21.

Um ponto em comum destas abordagens tem sido o de subestimar a relevância dos

eventos individuais e específicos, e olhar, ao invés disso, para padrões fundamentais,

influências inconscientes sobre o comportamento humano, e, na história social e econômica,

sobrevalorizar a importância da longue durée22. Neste sentido, a análise braudeliana tem tido

uma grande influência sobre os historiadores da Antiguidade Tardia.

19 LE GOFF, Jacques. NORA, Pierre (Org.). História: novos objetos. Rio de Janeiro, 1988; História: novos problemas. Rio de Janeiro, 1988; História: novas abordagens. Rio de Janeiro, 1988. LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo, 2005. 20 DOSSE, François. A História em migalhas. São Paulo, 1994. 21 Sobre as abordagens atuais na historiografia ocidental contemporânea, ver a coletânea: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História. São Paulo, 1992. 22 BRAUDEL, Fernand. A longa duração [1958]. In. História e Ciências Sociais. Lisboa, 1972. pp. 7-70.

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2. Constantino: um dissenso historiográfico

Qualquer pesquisador, que tenha seu tema circunscrito à época de Constantino, tem

que lidar com duas grandes tradições historiográficas que remontam a meados do século XIX,

e início do século XX.

A partir de um exame sumário, é simples observar que os pesquisadores concentraram

suas atenções principalmente sobre a campanha italiana de 312, nas palavras de Paul Veyne23

“um dos acontecimentos decisivos da história ocidental, e mesmo mundial, se produziu em

312, no imenso Império Romano”.

A campanha contra Maxêncio não é vista somente como o clímax de um drama

histórico individual e global, e uma intricada discussão historiográfica, mas também se

encontra circunscrita em um processo linear, num curso de eventos singulares que sugerem a

associação cada vez mais forte de Constantino com o Cristianismo a partir de 312.

Descortina-se, então, algo sem precedentes na história romana: a intervenção do

imperador na política eclesiástica, e seu correlato, o envolvimento dos bispos nas decisões do

Império Romano. “(...) em 312, o mais imprevisível dos acontecimentos estoura (...)” 24, dada

a sua significação para o futuro da história do Império Romano - e, porque não, do Ocidente -,

apenas uma experiência religiosa, e “imprevisivelmente” dramática, parece o bastante para

explicá-la.

Nas primeiras décadas do século XX, um dos principais proponentes deste viés

historiográfico foi o bizantinista inglês Norman Hepburn Baynes (1877–1961). Em uma

resenha publicada no Journal of Roman Studies25, ele observou a existência de um “crescente

consenso” entre os estudiosos sobre a importância dos acontecimentos ocorridos na campanha

contra Maxêncio, e sua importância para o desenvolvimento da política religiosa de

Constantino pós-312.

O próprio Baynes tomou parte deste “consenso” em sua Raleigh Lecture, que deu

origem ao estudo Constantine and the Christian Church (1929) – o qual se manteve como o

23 VEYNE, Paul. Quand notre monde est devenu chrétien (312-394). Paris, 2007. p.9: un des événements décisifs de l’histoire occidentale et même mondiale s’est produit en 312, dans l’immense Empire romain” 24 Idem. “en 312, le plus imprévisible des événemets éclat” 25 BAYNES, Norman H. Review of Kenneth Setton. Journal of Roman Studies. v. 34, 1944. pp. 135-140; Constantine the Great and the Christian Church [1929]. Londres, 1972. pp. 341-342; BAYNES, Norman. MOSS, H. St. L. B. Byzantion. Londres, 1948.

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principal estudo sobre Constantino até a publicação dos dois livros de Timothy David Barnes,

na década de 198026.

Enfastiado com a tendência historiográfica então dominante entre os pesquisadores do

período, os quais, segundo Baynes, analisavam Constantino a partir de preconceitos

ideológicos e teológicos; este pesquisador propunha uma remodelação dos estudos sobre

Constantino, a qual foi fortemente influenciada pelos trabalhos do historiador alemão Otto

Seeck (1850-1921), um dos primeiros a propor este redimensionamento da questão.

Como ponto de partida, Baynes propunha os documentos do próprio imperador – suas

cartas, editos e discursos –, de forma a melhor analisarmos a atmosfera de sua época. Nestes

documentos, Baynes detectou um espírito de religiosidade supersticiosa, concluindo que

Constantino se converteu ao Cristianismo em 312, por nenhuma razão além de uma simples

experiência de combate, o sucesso desta campanha conquistou sua fidelidade religiosa ao

Deus Cristão.

Fundamentado nesta experiência, Baynes – assim como Otto Seeck27 – concluiu que

Constantino desenvolveu um verdadeiro “sentido de missão”, o qual guiou sua política

religiosa pós-312 – especialmente em relação à Igreja. O principal objetivo desta política não

era outro além do “triunfo do Cristianismo e a união do Estado Romano com a Igreja

Cristã”28.

Neste sentido, Baynes, em adição à sua astuciosa argumentação e à maciça evidência

sobre a qual se apóia, tem por objetivo estabelecer uma análise histórica que interprete o

período sem gerar anacronismos interpretativos, nem que trabalhe apenas a partir das

categorias de pensamento da época em análise.

Uma interpretação de Constantino a partir das categorias de sua própria época iria

pouco além da tradicional narrativa de um fenômeno milagroso. Uma época em que todos

concordavam com a existência de uma intervenção ativa das forças divinas nos assuntos

humanos, a época de Constantino foi analisada como um momento no qual a ação da

providência divina era uma explicação satisfatória para uma mudança tão inesperada29.

O esvaziamento destas explicações, que repousam na assunção da existência de

poderes supra-humanos, é um fenômeno moderno. Nossa época não acha sentido nas

26 BARNES, T.D. Constantine and Eusebius. Cambridge, 1981; The New Empire of Diocletian and Constantine. Cambridge, MA, 1982. 27 SEECK, Otto. Decline of the Ancient World. 6. vols. Londres, 1895-1921. Apud COLEMAN, Christopher. Constantine the Great and the Christianity. New York, 1914. pp. 21-22. 28 BAYNES, op. cit. 1972, p.83: “the triumph of Christianity and the union of the Roman state with the Christian Church”. 29 PIGANIOL, André. L’Empire Chrétien. [1944]. Paris, 1972. p. 29.

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explicações históricas baseadas em milagres, de onde provêm os questionamentos levantados

pelos pesquisadores. De forma similar, deveríamos nos perguntar se estão certos em rejeitar o

aspecto religioso, se concentrando apenas em fatos políticos e sociais, repudiando um fator

fundamental e estruturante para a época e, por sua vez, distorcendo a questão para o extremo

oposto.

A arguta análise de Baynes sobre a conversão de Constantino como resultante de uma

simples experiência divina, lida bem com estas variáveis. Como uma explicação psicológica,

ela vai além da compreensão do tempo de Constantino, mas ela é, não obstante, uma

explicação que faz jus à motivação baseada em sentimentos religiosos “supersticiosos” do

Baixo Império Romano30.

Entretanto, as teses Otto Seeck e de Norman Baynes possuem alguns pontos frágeis,

que diminuem sua consistência interpretativa. O principal é a assunção de uma linearidade

acumulativa, ou seja, um crescente relacionamento de Constantino com o Cristianismo pós-

312. Este relacionamento, não obstante, é devido à ênfase unilateral dos pesquisadores com

este aspecto específico de sua trajetória, e, especialmente, se remetendo à documentação

escrita cristã, e às cartas do imperador.

Caso nosso foco seja lançado sobre a documentação material, por exemplo, as moedas

de Constantino continuaram a proclamar seu relacionamento especial com o deus Sol Inuictus,

de forma ainda mais acentuada no pós-312, enquanto, no mínimo, faziam referências

ambíguas a quaisquer interesses do imperador em relação a sua “nova religião”31, conforme

veremos mais adiante..

Quase uma década após o ano de 312, Constantino especificamente prescreveu a

consulta de livros sagrados “pagãos”, quando um raio atingiu o teto do Capitólio em Roma32,

e uma inscrição achada no Egito que mostra que mesmo em 327, o imperador ainda

subsidiava os cultos tradicionais e as viagens de seus sacerdotes33.

No final de seu governo – entre 333 e 335 –, Constantino aprovou uma petição dos

cidadãos de Hispellum na Úmbria para a dedicação de um templo Greco-Romano tradicional

30 Uma boa perspectiva psicológica sobre a conversão é oferecida por MacMULLEN, Ramsay. Constantine and the Miraculous. Greek, Roman, and Byzantine Studies. v. 9, 1968. pp. 81-96. 31 BRUUN, Patrick. The Roman Imperial Coinage. v. VII. Londres, 1966. pp. 61-64. 32 CT XVI.10.1pr. (320/1 dec. 17): “Imp. Constantinus A. ad Maximum. si quid de palatio nostro aut ceteris operibus publicis degustatum fulgore esse constiterit, retento more veteris observantiae quid portendat, ab haruspicibus requiratur et diligentissime scriptura collecta ad nostram scientiam referatur, ceteris etiam usurpandae huius consuetudinis licentia tribuenda, dummodo sacrificiis domesticis abstineant, quae specialiter prohibita sunt”. 33 MILLAR, Fergus. P. Herennius Dexippus: the Greek World and the Third-Century Invasions. Journal of Roman Studies. v. 59. 1969. p.17.

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à gens Flávia34. Além disso, ele erigiu em Constantinopla uma estátua de si mesmo,

representado como o Sol Inuictus para a qual, segundo o historiador Filostórgio35, honras

divinas eram prestadas pelos cidadãos após sua morte36.

Outrossim, do próprio Eusébio de Cesaréia temos evidências implícitas que

Constantino manteve filósofos pagãos em seu círculo íntimo de corte em seus últimos anos37.

Para um imperador tão firmemente ligado ao Cristianismo como Baynes supôs, estas ações

são indecisas de um modo perturbador.

Não obstante, o próprio Baynes estava ciente dos problemas de sua tese. Para explicá-

los, argumentou que Constantino precisava se mover lentamente em face à oposição pagã,

especialmente enquanto continuava existindo um imperador pagão como seu colega, no

Oriente. Até a derrota de Licínio em 324, de acordo com esta interpretação, Constantino

necessariamente moveu-se cuidadosamente, mas a partir do momento em que se tornou o

único governante ele pode ser visto agindo mais abertamente e diretamente. Deste modo,

Baynes admitiu que devem ter havido mudanças nos meios que Constantino empregou. Mas,

sustentava, o imperador foi sempre consistente nos fins que ele buscava38.

Outro pesquisador que desenvolveu esta posição foi o historiador e numismata

húngaro Andreas Alföldy (1895-1981), o qual estudou o poder contínuo do sentimento pagão,

particularmente aquele da aristocracia, mesmo após 324. Os atos pagãos de Constantino,

concluiu Alföldy, deveriam ser vistos mais como concessões necessárias do que como atos

voluntários, sendo menos surpreendentes que sua coragem em afirmar a causa cristã, e buscar

sua expansão, tal como fez39.

Esta argumentação é interessante, contudo, continua possuindo certas inconsistências.

Em primeiro lugar, um homem convertido por um milagre faria tais cálculos políticos sobre o

paganismo? Se os fez, então porque não fez o mesmo com o Cristianismo? E o que devemos

fazer com os eloqüentes pronunciamentos feitos por Constantino sobre um comportamento de

tolerância religiosa e liberdade de culto – devem ser reduzidos a um plano político? Como 34 Hispellum: CIL XI2:5265. Foram propostas várias datações para esta inscrição, usualmente variando entre 333 e 335. J. Gascou, por sua vez, propôs que a inscrição data de um período após 9 de setembro de 337: Le rescrit d’Hispellum. Mélanges d’Archeologie et d’Histoire. École Française de Rome. v. 79. 1967. pp. 617-623. 35 Filost.. HE. II. 17. 36 Sobre a coluna com o Sol Inuictus, em Constantinopla, ver: FOWDEN, Garth. Constantine’s porphyry column: earliest literary allusion.. Journal of Roman Studies. v. 81. 1991. p.119-131. 37 Eus. VC. IV. 55. O nome de pelo menos um desses filósofos nos é conhecido: Sopater de Apamea, um filósofo Neoplatônico que foi conselheiro de Constantino, e acabou sendo executado por denúncia de conspiração (Zós. HN. II, 40; PLRE I, 846) 38 BAYNES, op. cit. 1972. pp. 19, 29-30 passim. 39 ALFÖLDY, Andreas. The conversion of Constantine and Pagan Rome. Oxford, 1948. pp. 30, 56-81. A mesma hipótese surge no artigo: The helmet of Constantine with the Christian Monogram. The Journal of Roman Studies. v. 22. pp. 9-23, 1932.

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podemos explicar o tratamento favorável que Constantino estendeu ao Cristianismo antes de

312? Se seu relacionamento com a Igreja dependia de seu comprometimento pessoal a partir

daquele ano, então estas ações anteriores devem ser repudiadas ou ignoradas.

Entretanto, a despeito destes problemas, Norman Baynes sustentava firmemente sua

posição, a qual era obviamente uma estratégia de combate dentro do campo historiográfico.

Desde meados do século XIX, o viés historiográfico que dominava os estudos sobre

Constantino tinha maculado seu relacionamento com a Igreja Cristã ao negar a sinceridade de

sua conversão.

O grande nome desta tradição historiográfica é o do historiador suíço Jacob

Burckhardt, o qual desenvolveu ideias outrora esboçadas nas palestras de seu professor

Bartold Georg Niebuhr (1776-1831)40, em sua obra Die Zeit Constantins des Groβen, cuja

primeira edição data de 185341.

Assumindo como orientação que todos os homens no poder são velhacos e

maquiavélicos, Burckhardt combatia a imagem medieval42 de um Constantino santificado, e

do milagre sobre o qual esta visão se fundamentava. Ao invés disso, Burckhardt retratou um

imperador que era, como os “grandes homens” de seu tempo, “essencialmente não-religioso”,

alguém que simplesmente usou a Igreja como um instrumento para realizar suas pretensões

pelo poder supremo43.

Constantino era um político calculista que, astuciosamente, empregou todos os meios

necessários para assegurar e manter o poder. Como uma pessoa descrente que nunca se

colocou do lado de uma única facção – cristãos, politeístas, soldados, senadores, bispos,

servidores palacianos –, preferiu estar sempre perto de todos44.

O trabalho de Jacob Burckhardt apontou um caminho para uma compreensão

fundamentalmente não-cristã da trajetória de Constantino, mas, o fez à custa da própria

sinceridade e religiosidade do imperador. Seguindo esta direção, um autor da época de Baynes

40 NIEBUHR, Bartold G. Lectures on History of Rome. 3ª Ed. Londres, 1853. p. 318: “His religion must have been a strange compound indeed, something like the amulet which I described to you some time ago. The man who had on his coins the inscription Sol Inuictus, who worshipped pagan divinities, consulted the haruspices, indulged in a number of pagan superstitions, and, on the other hand, built churches, shut up pagan temples, and presided at the Council of Nicaea, must have been a repulsive phenomenon, and was certainly not a Christian”. 41 BURCKHARDT, Jacob. La época de Constantino el Grande [1853]. México, 1945. 42 Sobre as representações de Constantino na literatura durante a Idade Média e a Época Moderna, ver: COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. pp. 175 et seq; LIEU, Samuel. Constantine in Legendary Literature. In. LENSKI, Noel. Age of Constantine. Cambridge, 2006. pp. 298-324; SILVA, Diogo Pereira da. SANTOS, Paula Braga Guedes dos. Relatos da Batalha de Ourique em Portugal do século XVI: Uma análise comparativa com a narrativa eusebiana da Batalha da Ponte Mílvio. In: Anais Virtuais do XVII Ciclo de Debates em História Antiga. 2007. 43 BURCKHARDT, J. Op. cit. 1945. p. 331. 44 Ibidem. pp.331-380.

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retratou Constantino como completamente desviado, indivíduo inescrupuloso que amava seu

“zickzackkurs” (caminho em ziguezague)45.

Após o sucesso da tese de Burckhardt, grande parte dos historiadores alemães aceitou

a visão de que Constantino adotou o Cristianismo por motivos políticos, utilizando-o para

propósitos políticos, não se comprometendo, nem o Império, com a religião.

Este viés teve como um de seus expoentes o historiador belga Henri Grégoire que em

1930 rejeitou a autenticidade não apenas da conversão de Constantino ao Cristianismo, como

também da autoria da Vida de Constantino, por Eusébio de Cesaréia e, de fato, de toda a

tradição pró-imagem religiosa de Constantino46.

Para Theodor Heim47, embora Constantino tenha sido de algum modo afetado pelo

Cristianismo, e tenha sido batizado no leito de morte, suas ações oficiais tendiam entre o

paganismo e o cristianismo. Theodor Zahn48 retratou Constantino como o campeão de um

vago monoteísmo, não especificamente cristão, até sua vitória sobre Licínio, após a qual foi

definitivamente um cristão.

Joachim Marquandt49 afirmou que Constantino construiu templos pagãos em

Constantinopla, e que nunca rompeu com as tradições religiosas romanas, sendo incerto

afirmarmos que ele fosse cristão. Brieger50 analisando as emissões monetárias, e outros

vestígios materiais, inferiu que embora Constantino tivesse uma grande variedade de

superstições cristãs, estas não suplantaram suas ideias pagãs originais.

Neste sentido, a tese de Baynes tinha como objetivo refutar estas análises

historiográficas, e reorientar as pesquisas sobre Constantino – e o conseguiu com maior

sucesso que Otto Seeck. Não obstante, a historiografia moveu-se para além de suas premissas.

O ano de 312 foi certamente central para a trajetória de Constantino, mas sua política a

partir desta época parece ter refletido um gradual desenvolvimento de tendências anteriores,

mais do que um recomeço. A repressão ativa do paganismo, uma conseqüência necessária da

interpretação de Baynes, é bastante questionável: há evidências que seus contemporâneos

45 GARDTHAUSEN, V. Das Alte Monogramm. Leipzig, 1924. pp. 75. Apud DRAKE, Harold Allen. In Praise of Constantine. Berkeley, 1976. p.28. 46 GRÉGOIRE, Henri. La ‘conversion’ de Constantin. Revue Universitaire de Bruxelles. v. 36, 1930. pp. 231-272; Eusèbe n’est pás l’auteur de La ‘Vita Constantini’. Byzantion. v. 13, 1938. pp. 561-583; La vision de Constantin ‘liquidée’. Byzantion. v. 14, 1939. pp. 341-351. 47 HEIM, Theodor. Der Uebertritt Constantins des Grossen zum Christenthum. Zurique, 1862. Apud. COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. pp. 20-21. 48 ZAHN Theodor. Constantin der Grosse und die Kirche, 1876. Apud. COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. p. 21. 49 MARQUANDT. Joachim. Romische Staatsverwaltung. v. III, 1878. p. 113. Apud. COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. p. 21. 50 BRIEGER, Theodor. Constantin der Grosse als Religionspolitiker. Zeitschrift fur Kirchengeschichte. v. IV, 1880. p. 163. Apud. COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. p. 21.

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pagãos viam as relações de Constantino com o Cristianismo, como um mal suportável. Mais e

mais, a conclusão que todos os gestos religiosos de Constantino devem ser entendidos como

exclusivamente dirigido em relação ao estabelecimento da Igreja Cristã parece inadequado.

No decorrer do século XX, surgiram vários trabalhos que, de uma forma geral, podem

ser relacionados a estas duas tradições historiográficas – em especial à proposta de Norman

Baynes.

A despeito destas duas perspectivas, desenvolveu-se na historiografia francesa uma

análise baseada na ideia de sincretismo filosófico em torno da existência do Deus Supremo,

do qual Constantino era fiel.

Nas décadas de 1930 e 1940, o historiador e arqueólogo francês André Piganiol (1883-

1968) publicou dois estudos sobre Constantino e a formação do Império Cristão51. Nestes

estudos, Piganiol se preocupou em refutar como falsas as premissas dos estudos que

enxergam Constantino a partir de um realismo político52; concluindo que Constantino buscava

o culto do Deus Supremo, a qual já era, por si só, uma evolução do sincretismo filosófico-

religioso do século III. Posição também defendida por Jacques Moreau53.

Neste sentido, Constantino não foi o causador da conversão do Ocidente, pois não

tinha objetivos prosélitos, mas de tolerância religiosa; sendo a afirmação das políticas

religiosas propostas por Lactâncio em sua obra Instituições Divinas54.

O recente trabalho de Jean-Michel Carrié e Aline Rousselle55 apresenta os mesmos

questionamentos sobre o caráter religiosamente sincrético de Constantino. Analisando as

manutenções de signos politeístas de poder, como o culto imperial, a consecratio e o

aduentus; e seu diálogo com os símbolos cristãos, permeado por múltiplas ambigüidades,

como no caso da cidade de Constantinopla.

Sendo assim, para os autores, Constantino, até 312, era um crente da Suprema

Deidade, e que progressivamente substitui o aspecto público do politeísta pelo cristianismo.

Sendo o sinal principal desta mudança a presença proeminente dos bispos, conseqüentemente,

o cristianismo se tornou a forma de justificação política preferida do poder imperial.

Um importante historiador que seguiu abertamente Norman Baynes foi o inglês Arthur

Hugh Martin Jones (1904-1970), que em 1948 publicou Constantine and the conversion of

51 PIGANIOL, André. L’empereur Constantin. Paris, 1933; L’Empire Chrétien. [1944] Paris, 1972. 52 PIGANIOL, A. Op. cit. 1972. pp.78: “Chacun de ces portraits si différents renferme assuréments des traits exacts. Le seul qui nous paraisse tout à fait faux est celui de l’homme d’État réaliste”. 53 MOREAU, Jacques. Introduction. In. LACTANCE. De la mort des persécuteurs. Tr. Jacques Moreau. Paris, 1954 (Les Belles Letres). 54 Ibidem. pp. 75-78. 55 CARRIÉ & ROUSSELLE, Op. cit. 1999. p. 251

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Europe56. Para Jones, Constantino já cultuava o Deus Supremo – na forma do deus Sol

Inuictus –, sendo o Deus Cristão visto como o mesmo Deus Supremo que anteriormente

cultuava. Após ter se tornado imperador das Gálias, e, em especial, após sua visão mística de

312, Constantino desenvolve uma política claramente pró-cristã; através de restituições e

patrocínio57.

Os cristãos, então, de um grupo ínfimo, principalmente na aristocracia senatorial, se

tornaram, ao cabo de cinqüenta anos, a maioria da população. A conversão de Constantino

redefiniu a relação entre Estado e Igreja, que acabou por ser utilizada pelo imperador como

forma de legitimação, principalmente após o Concílio de Nicéia58.

Ramsay MacMullen (1928-), autor com uma prolífica produção sobre o tema do

Cristianismo e do paganismo no mundo antigo59, interpreta a conversão de Constantino como

um evento que mudou radical e rapidamente a situação religiosa do Império Romano60. Da

mesma forma que Piganiol, MacMullen afirma que Constantino não tinha um objetivo

prosélito, embora seu patrocinium imperial à sua nova religião tenha permitido sua grande

expansão pelo século IV.

Inserindo a expansão do Cristianismo na longa duração, MacMullen busca os

determinantes sociais para sua difusão, e encontra no governo de Constantino – “a Friend of

the Church” – um momento de rápida e importante expansão do cristianismo pelos

intelectuais, e pelos grupos dominantes da população61.

Embora não tenha escrito nenhum trabalho especificamente sobre Constantino, os

estudos de Peter Brown possuem as vantagens de inserir a conversão deste imperador na

trama histórica da Antiguidade Tardia. Em The Rise of Western Christendom: Triumph and

Diversity – AD 200-100062, o autor aprofundou as ideias outrora apresentadas em seu

importante manual The World of the Late Antiquity63, livro de 1971.

56 JONES, A. H. M. Constantine and the conversion of Europe. [1948] Toronto, 2003. 57 Ibidem. pp. 73-90; JONES, A. H. M. Le decline du monde antique 284-610. Paris, 1970. pp. 39-49. 58 JONES, A.H.M. Op. cit. 2003. p. 201 et seq; postura muito próxima é defendida pelo francês de ascendência russa Jean Meyendorff (1926-1992) In. Unité de l’Empire et divisions des chrétiens; L’Église de 450 à 680. [1989] Paris, 1993. p. 19. 59 MacMULLEN, Ramsay. Constantine. New York, 1969; Paganism in the Roman Empire. New Haven/London, 1981; Christianizing the Roman Empire (A.D. 100-400). New Haven/London, 1984; Christianity and Paganism in the Fourth to Eight centuries. New Haven/London, 1997. 60 MacMULLEN, R. Op. cit. 1984. pp. 43 et seq. 61 Ibidem. pp. 59 et seq. 62 BROWN, Peter. El primer milenio de la cristandad occidental. Barcelona, 1997. 63 BROWN, Peter. O fim do Mundo Clássico: de Marco Aurélio a Maomé. [1971] Lisboa, 1972.

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Também seguindo a orientação metodológica de Norman Baynes, Brown interpreta

que as leis e cartas pessoais emitidas por Constantino após 312, “decorreram mais de um

desenvolvimento em curso desde o século III, que do aparente milagre da Ponte Mílvio”64.

Constantino e seus sucessores trouxeram às igrejas cristãs paz, riqueza e, acima de

tudo, a habilidade de se organizarem e se enraizarem a nível local, com as vultosas

contribuições que os imperadores a partir de Constantino lhes ofereceram, tendo como

retribuição a legitimação de seu poder.

Em vista disto, sob o patrocinium imperial, as igrejas formaram uma malha pelo

Império Romano, que se manteve após a derrocada da parte Ocidente, patente desde a tomada

de Roma por Alarico, o Visigodo, em 410. Eram os tempora christiana, no qual as igrejas

ocidentais não precisaram mais do Império para se manter65.

Na atualidade, nenhum estudo sobre Constantino pode se furtar em mencionar as

importantes contribuições do inglês Timothy David Barnes (1942-). Seguidor das teses de

Baynes, Barnes em seus livros Constantine and Eusebius (1981), e The New Empire of

Diocletian and Constantine (1982)66 retratou um Constantino mais humano e com todas as

limitações, o qual experimentou uma conversão radical e, em seguida, objetivou expandir sua

fé pelo Império Romano67.

Sua relação com o Cristianismo que se conformou desde o início de seu reinado, se

tornou mais forte ainda no pós-312; sendo o coroamento desta conversão o patrocínio à

construção de igrejas, e à institucionalização da Igreja, através de concílios.

Neste sentido, Constantino não é tão enigmático e supersticioso quanto nas páginas de

Norman Baynes, sendo, por outro lado: Após 312, Constantino considerou que sua principal responsabilidade como imperador era inculcar a virtude em seus súditos e persuadi-los a cultuar Deus. O caráter de Constantino não é completamente enigmático; com todas as suas falhas e a despeito de sua intensa ambição pelo poder pessoal, ele, não obstante, acreditava sinceramente que Deus lhe conferiu uma missão especial de converter o Império Romano ao Cristianismo68.

64 BROWN, P. Op. cit. 1997. p. 33. 65 Ibidem. pp. 27-55. 66 BARNES, Timothy David. Op. cit. 1981; The New Empire of Diocletian and Constantine. Cambridge, MA, 1982. 67 BARNES, T. D. Op. cit. 1981. p. 275. 68 Idem: “After 312 Constantine considered that his main duty as emperor was to inculcate virtue in his subjects and to persuade them to worship God. Constantine’s character is not whooly enigmatic; with all his faults and despite an intense ambition for personal power, he nevertheless believed sincerely that God had given him a special mission to convert the Roman Empire to Christianity”.

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Esta postura de Barnes apresenta muitos pontos de contato com as análises de longa

duração desenvolvidas por Robin Lane Fox69 em Pagans and Christians, de 1986. Este

trabalho tinha por objetivo fazer um exame amplo, e profundo, das mudanças ocorridas no

mundo romano, principalmente nos séculos III e IV, quando o paganismo foi superado em

favor do cristianismo.

Na obra de Lane Fox, Constantino é novamente visto como um personagem central ao

favorecer a expansão da Igreja, e a conformação do seu dogma, ao patrocinar concílios, e

promulgar leis que favoreciam os membros de sua nova religião70

Dos últimos estudos monográficos que tem por objeto Constantino, desenvolveram

argumentações totalmente favoráveis a um Constantino cristão, sendo o auge desta tendência

as obras de T.G. Elliot, The Christianity of Constantine the Great (1996) 71, e de Charles

Matson Odahl, Constantine and the Christian Empire (2004)72.

Para T.G. Elliot, Constantino já estava comprometido com o cristianismo desde o

início de sua vida, pois seus pais – Constâncio Cloro e Helena – já eram cristãos. Quando

Constantino se tornou imperador mostrou a todos sua persona christiana, daí as suas

políticas, e a de seu pai, favoráveis aos membros desta religião.

Já Charles Odahl apresenta um retrato histórico-biográfico de Constantino baseado

numa extensa documentação, o que não o impede de fazer uma leitura linear do

desenvolvimento religioso de Constantino, do paganismo ao cristianismo, de uma forma

teleológica.

Para Odahl, Constantino era um fiel seguidor do Cristianismo, entretanto isto não

inviabilizou um governo de tolerância religiosa para com os seus súditos. Constantino possuía

um forte sentido de missão, e usou seus poderes para promover e proteger a Igreja Cristã73.

Recentemente, o clérigo anglicano, e reputado historiador inglês, Henry Chadwick

(1920-2008) – em seu The Church in Ancient Society: from Galilee to Gregory the Great, de

200174 – analisou que as relações entre Constantino e o cristianismo se desenvolveram desde

o início de seu governo em 306. Deste modo, é difícil saber se sua aliança com o Deus cristão

data de 312, ou se relaciona a algum elemento cristão presente em sua família.

Chadwick problematizou o relacionamento com o divino como um dos aspectos

principais da legitimação de Constantino, desde os momentos iniciais de seu governo na Gália 69 LANE FOX, Robin. Pagans and Christians. New York, 1986. 70 Ibidem. pp. 609-662. 71 ELLIOT, T.G. The Christianity of Constantine the Great. New York, 1996. pp. 17-72. 72 ODAHL, Ch. Op. cit. 2004. 73 Ibidem. pp. 283-4. 74 CHADWICK, Henry. The Church in Ancient Society: from Galilee to Gregory the Great. Oxford, 2001.

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e Britânia. Neste ponto, Chadwick também assumiu a existência de um sincretismo religioso

em torno das divindades solares – Apolo, Sol Inuictus e o Deus Cristão (o sol da justiça).

Por fim, a última obra lançada sobre Constantino, que chegou até nosso conhecimento,

e o desenvolvimento do Cristianismo no ocidente, a qual foi escrita pelo historiador francês

Paul Veyne (1930-) – Quand notre monde est devenu chrétien (312-394), de 200775. Para este

autor, o grande papel histórico de Constantino foi o de fazer do Cristianismo, sua religião

pessoal, uma religião favorecida pelo poder imperial, ao contrário do paganismo.

Segundo Veyne, Constantino foi um homem pragmático, que evitou o conflito direto

que seria causado caso forçasse os pagãos à conversão, mas tampouco deve ser visto como

um político que objetiva inculcar uma “ideologia” em seus súditos76.

Sua interpretação de Constantino termina com a seguinte explicação sobre as causas

de sua conversão:

O motivo da conversão de Constantino é simples, me disse Hélène Monsacré: àquele que desejava ser um grande imperador, era necessário um grande deus. Um Deus gigantesco e amante, que se apaixona pela humanidade, suscitava sentimentos mais fortes que a multidão de deuses do paganismo, que viviam para si mesmos; este Deus desenrolava um plano não menos gigantesco para a salvação eterna da humanidade; ele se imiscuía na vida de seus fiéis exigindo-lhes uma moral estrita77.

O Constantino de Paul Veyne se torna então um indivíduo cuja importância é central

para a história da Humanidade78, uma vez que sua conversão lançou bases para a

cristianização do Império Romano, fundamentando a civilização ocidental79

Em fins do século XX, os estudos sobre Constantino tenderam a enfatizar menos o

conflito entre o viés que o analisa pelo prisma de sua religiosidade mística – Baynes, Seeck, e

outros –, ou como um político realista – Burckhardt, Grégoire, e outros. Por seu lado, os

estudos contemporâneos têm por objetivo inserir Constantino na relação entre cristianismo e

paganismo a partir de um viés que relacione aspectos políticos e religiosos.

75 VEYNE P. Op. cit. 2007. 76 Ibidem. p. 19: “Encore moins le christianisme étail-il à ses yeux une ‘idéologie’ à inculquer aux peoples par calcul politique”. 77 Ibidem. p. 33: “Le motif de la conversion de Constantin est simple, me dit Hélène Monsacré: à celui qui voulait être un grand empereur, il fallait un dieu grand. Un Dieu gigantesque et aimant qui se passionnait pour l’humanité, éveillait des sentiments plus forts que le peuple des dieux du paganisme, qui vivaient pour eux-mêmes; ce Dieu déroulait un plan non moins gigantesque pour le salut éternel de l’humanité; il s’immisçait dans la vie de ses fidèles en exigeant d’eux une morale stricte”. 78 Ibidem. p. 99 et seq. 79 Ibidem. p. 9.

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Os principais exemplos desta tendência, que se desenvolveu, principalmente, no

mundo Anglo-Saxão, e fortemente influenciados pelos estudos de Peter Brown, são os estudos

de Harold Drake80, de Elizabeth Digeser81 e Averil Cameron82.

Estes três autores apresentam a preocupação em trabalhar com o contexto de

Constantino, e com a questão da afirmação do poder imperial, buscando inferir o

relacionamento entre o imperador, cristianismo e paganismo na passagem do século III para o

século IV, e na formação do mundo tardo-antigo.

Em seus trabalhos sobre Constantino, a historiadora inglesa Averil Cameron (1940-)

buscou inserí-lo em um contexto histórico permeado por transformações e continuidades, que

levaram ao desenvolvimento de um “novo Império”. Em todos os aspectos – políticos,

administrativos, religiosos, e outros –, Constantino seguiu as tendências de seus

antecessores83.

Outra grande vantagem do estudo de Averil Cameron é ser uma das primeiras a dar

relevo à importância que Constantino atribuía à sua imagem pública84, e sua difusão através

de moedas, e monumentos.

Em seus estudos, os americanos Elizabeth DePalma Digeser (1959-) e Harold Allen

Drake (1942-) trabalharam com a questão da fundamentação religiosa do poder imperial na

Antiguidade Tardia. Elizabeth Digeser fez um estudo das políticas religiosas de Constantino

no pós-312, e como elas se relacionavam com as proposições do rétor Lactâncio expostas em

sua obra Instituições Divinas.

Para a autora85, Constantino pôs em prática certas ideias de Lactâncio, principalmente

a tolerância religiosa, e a concórdia em torno da liberdade religiosa, sendo a legitimidade do

80 DRAKE, Harold Allen. Constantine and Consensus. Church History. v. 64. pp. 1-15, Mar. 1995; Constantine and the Bishops; the politics of intolerance. Baltimore/London, 1999; The impact of Constantine on Christianity. In. LENSKI, Noel. Age of Constantine. Cambridge, 2006. pp.111-136 (The Cambridge Companion); Lambs into Lions: explaining early Christian intolerance. Past and Present. v. 153. pp. 3-36, Nov. 1996. Suggestions of date in Constantine’s Oration to the Saints. The American Journal of Philology. v. 106. pp. 335-349, Autumn. 1985; What Eusebius knew: the genesis of the “Vita Constantini”. Classical Philology. v. 83. pp. 20-38, Jan. 1988. 81 DIGESER, Elizabeth DePalma. The Making of a Christian Empire; Lactantius and Rome. Ithaca/London,, 2001 ; Lactantius, Porphyry and the debate over religious toleration. Journal of Roman Studies. v. 88, 1998. pp. 129-146. 82 CAMERON, Averil. Constantine and the ‘peace of the Church’. In. MITCHELL, Margaret. YOUNG, Frances. The Cambridge History of Christianity. v.I: Origins to Constantine. Cambridge, 2006. pp.538-551; El Bajo Imperio, Madrid, 2001 [Original de 1993]; The Mediterranean World in Late Antiquity (395-600). Londres, 1993b; The Reign of Constantine (306-337). In. BOWMAN, Alan K. GARNSEY, Peter. CAMERON, Averil. The Cambridge Ancient History II. v. XII: The Crisis of Empire (193-337). Cambridge, 2005. pp. 90-109. 83 CAMERON, A. Op. Cit. 2001. pp. 34 et seq. 84 Ibidem. p. 44. 85 DIGESER, E. Op cit. 2001, p.121-143

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sistema político baseada na escolha da Deidade Suprema, identificada com o Deus cristão,

desta forma, o providencialismo subjazia a justificação de direito divino do imperador.

Harold Drake86, por seu lado, sugere que Constantino buscava não somente um deus

para crer, como também uma política religiosa que pudesse adotar, tendo em vista a crença

que os fundamentos do poder imperial derivam do sagrado. As medidas deste imperador,

deste modo, foram constituídas para assegurar a estabilidade do Império e o cumprimento das

obrigações imperiais de Constantino, assegurando o favor das potestades sobrenaturais.

Para Drake, esta política de Constantino se baseava em um consenso entre pagãos e

cristãos, e na tolerância religiosa. Suas políticas enfatizavam a diversidade e uma ortodoxia

vagamente definida, o que indicaria que Constantino enxerga o Cristianismo como uma

“umbrella organization”, na qual diferentes grupos estariam reunidos sob uma “big tent” de

interesses mútuos, baseados nos campos simbólicos comuns entre os membros da sociedade –

o que assegurava a legitimidade sagrada deste imperador87.

Neste sentido, o autor88 afirma a necessidade de estudos que analisem o contexto de

Constantino de forma mais ampla, não apenas a questão do cristianismo, como também a

relação entre a figura do Imperador e o politeísmo, as heranças filosóficas helenísticas

comuns a cristãos e politeístas. Principalmente, Drake afirma a necessidade de trabalhos que

examinem a relação entre os discursos e a afirmação do poder imperial.

Embora o debate historiográfico sobre Constantino seja de longa data, e apresente

múltiplas teses, concordamos com H. A. Drake, para o qual uma questão central tem sido

negligenciada pela historiografia. Para este autor89, devido aos efeitos de cisão de quase uma

década de perseguição e o insucesso das medidas persecutórias, deveríamos nos perguntar

pelas opções políticas abertas àquele que se tornasse imperador em 312, pouco importando

sua crença religiosa.

A nosso ver, a explicação para a não proposição desta questão subjaz no interesse

exagerado dos estudiosos desde Niebuhr e Burckhardt em estabelecer, ou menosprezar, a

sinceridade da conversão de Constantino, e a força de seu comprometimento com o

cristianismo. Por esta razão, eles assumem não somente que tudo aquilo que Constantino fez

era planejado, como também que apenas um cristão poderia lidar com a “questão cristã”.

86 DRAKE, H.A. Op. cit. 1999. p.116 87 DRAKE, H.A. Op. cit. 1995. p.4: “This emphasis on diversity and a broad, vaguely defined standard of orthodoxy indicates very clearly the type of organization Constantine envisioned. He thought of Christianity as an "umbrella" organization, able to hold a number of different wings or factions together under a "big tent" of overarching mutual interest”. 88 DRAKE, Op. cit. 1999. p.185 89 Ibidem. p.182

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As premissas sobre as quais se fundamentam não são, contudo, justificáveis. Embora

central para os debates acerca da ortodoxia da Grande Igreja que Constantino fortaleceu, a

sinceridade de sua fé tem pouco a acrescentar numa análise política de seu governo,

especialmente em análises de longa duração.

Deste modo, o Edito de Milão promulgado por Constantino pode ou não atestar sua

sincera conversão, o mesmo no caso de Licínio, o co-signatário da lei. A questão se coloca

principalmente porque os autores se preocupam refutar, ou então seguem a argumentação de

Eusébio acerca da visão mística de 312, baseados num olhar cristão sobre este evento, o que

encorajou tais questionamentos em torno da religiosidade de Constantino.

Outro ponto de partida, a nosso ver, pode ser proposto para o entendimento dos

discursos cristãos e politeístas, inserindo-os no contexto das ideias sobre o governo, sobre o

relacionamento entre o governante e o divino, que eram parte do sistema de representações

imperiais desde antes do século IV90.

Como bem analisou François Paschoud91, a historiografia trata o tema a partir da

divisão em dois campos estanques, os pagãos e os cristãos. Entretanto, devemos tratá-los não

como adversários com posturas opostas, mas como irmãos que tinham a mesma educação,

mesma sensibilidade estética, viviam no mesmo mundo, falavam a mesma língua.

Desta perspectiva, podemos observar temas comuns em muitos dos discursos que,

devido a seu conteúdo religioso, têm sido artificialmente separados em categorias como pagão

e cristão. Inseridos na figuração social específica que se desenvolveu no Império Romano

entre os séculos III-IV havia incentivos políticos e filosóficos para a apresentação do

governante romano como apoiado por um divino comes/philos, ou seja, um acompanhante

divino.

Por esta razão, a existência de certos temas comuns nas representações da carreira de

Constantino – como os que celebravam os vínculos de Constantino com o sagrado, seu

sentido de missão providencial, a expressão de que era um governante sem paralelos, os seus

laços de parentesco – eram comuns a oradores cristãos e politeístas, e nas expressões públicas

do próprio Constantino.

90 CHESNUT, Glenn. The Ruler and the Logos in Neopythagorean, Middle Platonic, and Late Stoic political philosophy. In. TEMPORINI, Hildegard. HAASE, Wolfgang (Hrsg.) Aufstieg und Niedergang der römischen Welt. Berlim & New York: Walter de Gruyter, 1978; DRAKE, H.A. Op. cit. 2000; HIDALGO DE LA VEGA, Maria José. El intellectual, la realeza y el poder político en el Imperio Romano. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 1995; PASCHOUD, François. Les Étapes d’une perte d´identité: les défenseurs du paganisme officiel face au naufrage de leur monde (312-410) In. BARZANO, Alberto et alii Identità e valori fattori di aggregazione e fattori di crisi nell´esperienza política antica. Roma: L´Erma di Bretschneider, 2001, p.227-240 91 PASCHOUD, François. Op. Cit. 2001. pp. 229.

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Neste sentido, a presente análise se desenvolve a partir desta abordagem do

relacionamento de Constantino com o paganismo e o cristianismo, tendo em vista as relações

guardadas entre os discursos, e as representações da figura imperial, o que nos conduz ao

cerne de nossos questionamentos – quais os mecanismos de legitimação do poder imperial no

Baixo Império Romano.

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Capítulo II – As transformações do século III

O período da “crise do século III” tem sido comparado a um túnel mal iluminado que

separa dois mundos bem conhecidos: de um lado, a Época Severiana (193-235), e do outro a

Época de Diocleciano e Constantino (284-337)1. Isto se deve, em geral, a ausência de

informações textuais confiáveis sobre esta fase da história romana, o que teve dois efeitos

historiográficos importantes.

Em primeiro lugar, desencorajou, até recentemente, o desenvolvimento de pesquisas

acadêmicas, sendo um período que foi, efetivamente, saltado, ou tratado apenas de forma

resumida, reiterando-se o profundo contraste entre as duas pontas do “túnel”. Em segundo

lugar, a representação do século III como uma “Idade das Trevas Romana” encorajou a

atribuição das mudanças observáveis entre o Principado e o Dominato a este curto período

que, de fato, pouco se sabe.

Sobre estas duas consequências historiográficas desenvolveram-se as abordagens que

analisam o século III a partir do sentido de “catástrofe” e “declínio”, o que permitiu que os

desenvolvimentos graduais e as transformações de longa duração fossem ignorados, e vistos

como rupturas.

Entretanto, esta etiqueta de “crise” é enganadora. Na tentativa de fazer sentido a este

período central da história romana é vital retermos um sentido de proporção. Em primeiro

lugar, é difícil defender a aplicação do termo “crise” a um período de cerca de meio século.

Em segundo, é usual aplicar este termo genericamente, e indiscriminadamente, a diferentes

transformações nas esferas econômica, militar, política e social, que não são totalmente

coincidentes.

Uma abordagem mais discriminada é necessária; uma que interrelacione os diferentes

elementos mapeados, inserindo-os no contexto dos desenvolvimentos subjacentes no Império

Romano. Devemos nos desvencilhar de conceitos como “crise”, “anarquia militar”, e mesmo

de “decadência romana” para entender este século em suas especificidades.

1 JONES, A.H.M. The Later Roman Empire, AD 284-602. v.1. Oxford, 1964. p. 23; MacMULLEN, Ramsay. Declin de Rome et corruption du pouvoir. Paris, 1991. p. 111; WATSON, Alaric. Aurelian and the Third Century. London & New York, 1999. p. 2.

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1. O legado de Augusto

As obras historiográficas, em geral, analisam este período apondo-lhe a etiqueta “crise

do século III”, cujo aspecto principal foi a “Anarquia Militar” – a profunda instabilidade

política do poder central. Esta, tradicionalmente, teve início com o assassinato do último dos

Severos – Alexandre Severo (222-235) – e terminou exatamente meio século depois, com a

morte de Carino (283-285), que abriu caminho para Diocleciano tomar o timão do Império

Romano.

Durante este meio século, mais de cinqüenta indivíduos foram aclamados imperadores,

destes apenas Claudio II, o Gótico (268-270) e Caro (282-283) não morreram pela espada. De

uma forma geral, estes imperadores foram alçados ao poder pelos oficiais de suas legiões,

estacionadas nas mais variadas regiões do Império, e contavam, geralmente, com a oposição

de outro imperador aclamado de forma semelhante em outra parte do Império. Enquanto a

rápida rotatividade dos imperadores é um fato indisputável, suas causas e seus significados

são um debate aberto aos pesquisadores.

Para melhor abordar este problema, é necessário entender a extensão da instabilidade

política que era parte inerente do sistema político do Principado que Otávio Augusto (27 a.C.-

14) legou ao Império Romano.

Nas convulsões das guerras civis que se seguiram ao assassinato de Júlio César (100-

44 a.C.), Otaviano (63 a.C-14) – o sobrinho-neto do falecido ditador e seu filho adotivo –,

habilmente se moveu entre as facções da nobilitas romana e, ao cabo de longas guerras civis,

se assenhoreou do domínio político da Res publica, tornando-se, de fato, o fundador do

Principado.

Entretanto, alguns dos membros da nobilitas tardo-republicana ainda nutriam

sentimentos pró-republicanos, e dos caminhos para o prestígio e poder pessoal que este

sistema abria; embora muitos dos antigos senadores tivessem morrido no decorrer das guerras

civis vencidas por Otaviano, primeiro contra Cássio e Bruto, e então contra Marco Antonio e

Cleópatra. Além disso, o populus ainda via o Senado como uma instituição de grande

prestígio. Para Otaviano, então, preservar esta instituição e ser o princeps Senatus era mais

vantajoso que acabar com ela, e basear seu poder apenas nos exércitos.

Após o assassinato de César, o Senado concedeu a Otaviano e Marco Antonio poderes

legais para acabar com seus assassinos. Mesmo após a morte de Antonio, Otaviano utilizou

estes poderes – em especial, o poder de censor – para purgar o Senado de membros

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indesejáveis e promover aqueles que lhe haviam sido leais à ordem senatorial – uma

atribuição que se tornou exclusiva do imperador2.

Deste modo, ele não apenas ganhou a lealdade dos administradores, como também

preservou as instituições tradicionais como forma de contrabalançar o poder dos exércitos.

Claramente, Otaviano era capaz de reorganizar o Senado como queria, não apenas porque ele

havia sido apontado como censor, mas também porque ele era o comandante dos exércitos, o

imperator das legiões. Os soldados que ele havia herdado de César transferiram sua lealdade

para o herdeiro de seu general, e lutaram a seu lado contra seus oponentes. Entretanto, caso

suas demandas não fossem satisfeitas eles poderiam se tornar descontentes com seu general, e

apoiar tentativas de outros líderes dispostos a satisfazê-los.

Em 27 a.C., Otaviano executou uma brilhante atuação. Esta começou quando ele

ofereceu sua resignação ao Senado, alegando que uma vez restaurada a Res publica, ele podia

então gozar de seu descanso enquanto que o Senado governaria em seu lugar. Os senadores,

entretanto, protestaram sonoramente que Roma continuava a requerer seus serviços como

princeps, o primeiro varão do Senado. Eles então lhe ofereceram o novo título de Augusto

mostrando-lhe o respeito quase religioso com o qual o viam3.

Desta forma, o controle de Augusto sobre os assuntos de Roma estava confirmado por

uma fonte legal de autoridade completamente diferente do exército. Assim, a forma de

governo romano conhecida pela historiografia como Principado passou a existir, um sistema

no qual o imperador usava a auctoritas conferida pelo Senado para contrabalançar as

ambições do exército, e utilizava sua potestas como imperator para pressionar o Senado

conforme sua vontade.

A opção de Augusto não escolher uma estratégia mais tradicional – aquela de se

colocar acima de seus soldados ao glorificar suas conexões com uma divindade – é um

testemunho eloqüente da persistência dos mores maiorum romanos. Tais escrúpulos não

tiveram Alexandre, o Grande, ou os monarcas helenísticos que se apresentavam ligados a

divindades4. Este estilo Helenístico de governo persistiu no Oriente nas dinastias fundadas

pelos sucessores de Alexandre, até que durante sua expansão Roma fosse incorporando cada

um desses reinos. Marco Antonio apropriou-se de algumas dessas tradições, quando propôs ao

Senado que deificasse o falecido Júlio César.

2 Dião Cássio I. II, 42. 3 Dião Cássio I. III, 1-17. 4 WALBANK, F.W. Monarchies and monarchic ideas. In. WALBANK, F.W. ASTIN, A.E. The Cambridge Ancient History. v. VII-1: The Hellenistic World. Cambridge, 1928. pp. 62-100.

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Para Augusto, entretanto, mesmo permitindo que seus súditos observassem suas

qualidades divinas – o que o ajudava em suas ambições gerais –, isto deslocaria o equilíbrio

que mantinha com o Senado – a Res publica era governada por homens, não deuses. Assim,

Augusto era cuidadoso em não ultrapassar as fronteiras entre homem e deus, pelo menos na

cidade de Roma5. Ele, não obstante, promoveu o culto dos deuses da gens Julia e de seu

genius em Roma. Além disso, se declarou um protegido de Apolo e dedicou um templo a

César em 29 a.C. Mas na capital, Augusto permitiu somente ao falecido, e deificado, César as

honras e o culto que os monarcas helenísticos estimularam para si.

Pelos próximos dois séculos, aproximadamente, os residentes da cidade de Roma

viam, certamente, o seu imperador como um ser mais que um simples humano. Entretanto,

apenas após sua morte o Senado podia deificá-lo e arrolá-lo entre os diui que compartilhavam

honras e sacrifícios do culto imperial. Um imperador que ignorasse esta etiqueta colocava sua

cabeça e memória post mortem em risco.

Por exemplo, tendo permitido chamar-se de dominus et deus, Domiciano (81-96)

obteve a hostilidade do Senado e acabou caindo assassinado6. Não obstante, templos para os

imperadores ainda vivos e familiares floresceram fora de Roma, especialmente entre os

provinciais do Oriente, que estavam acostumados a demonstrar sua lealdade deste modo7.

Reinventando o austero Senado como um contraponto a um potencialmente perigoso

exército em seus esforços para se equilibrar entre as duas instituições, Augusto também

limitou suas opções para sucessão. As lealdades pessoais que ligavam um exército a seu

comandante eram facilmente transferidas para um descendente direto do general. Não apenas

Augusto, como também Sexto Pompeu haviam herdado o exército de seus pais, e a obediência

dos soldados.

Dada sua dependência no exército, porque Augusto não instituiu uma verdadeira

dinastia? Da mesma forma em que desencorajavam o estilo helenístico de governo, os mores

maiorum também eram contrários à monarquia, e a uma linha dinástica. Pela co-regência com

um herdeiro, Augusto não poderia mais usar a máscara de princeps Senatus, pois tal honra

não era hereditária, mas um reconhecimento aos serviços e a autoridade de um varão ilustre.

A forma encontrada por Augusto foi escolher um membro de sua família – o filho de

sua esposa, Tibério –, o qual era um reconhecido comandante militar, o que colocaria o

exército a seu lado. Além disso, para assegurar o apoio dos senadores, Tibério percorreu o

5 Suet. Vita Augusti, 52-53. 6 Suet. Vita Domitiani. 13 7 RIVES, James B. Religion in the Roman Empire. London: Routledge, 2007. pp. 132 passim.

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cursus honorum. Desta forma, após a morte de Augusto, o Senado investiu Tibério com os

mesmos poderes republicanos que seu pai adotivo possuía – o poder de censor, imperium

maius sobre as legiões, que vieram a se somar ao poder tribunício que já possuía.

A solução de Augusto posicionou-o entre as tradições do passado e as necessidades do

presente. Ao desenvolver um estilo de governo que o apresentava como sendo mais que um

senador, mas menos que um rei, como mais que um homem, mas menos que um deus; além

de desenvolver uma sucessão a um homem que além de soldado era senador, Augusto criou

um sistema que definiu o papel imperial pelos próximos dois séculos.

Entretanto, na prática, a subsequente invocação do paradigma Augustano

constantemente reforçou o fato que o imperator adquiriu sua ascendência pessoal através de

vitórias militares numa sucessão de guerras civis e consolidou-a através de um programa de

expansão das conquistas, juntamente com o apoio do Senado.

Já no reinado de Tibério, a saudação militar imperator, pela qual os legionários de

Roma tradicionalmente cumprimentavam seus generais vitoriosos, se tornou um monopólio

imperial, e cada novo imperador datava o início oficial de seu reinado (dies natalis imperii) a

partir do momento de sua aclamação pelas tropas, não de quando o Senado ratificava seus

poderes.

Para dar vida ao paradigma, os imperadores constantemente representavam-se como

vitoriosos, sobrevalorizando a importância de suas vitórias. Estruturalmente, o legado de

Augusto perpetuou a violência e a guerra civil com a qual o Principado teve início. A morte

pacífica de um imperador em seu leito foi mais a exceção que a regra, mesmo na dinastia

Júlio-Claudiana.

Durante a dinastia dos Flávios (68-98), a legitimação do poder se desenvolvia a partir

da autoridade do Senado e do exército. Ambos, pelo poder das legiões e pela Lei de Império

de Vespasiano conferiram ao princeps o direito e o poder para exercer seu cargo servindo a

Res publica. Neste ponto, observamos a progressiva acumulação de poderes nas mãos do

imperador – então Imperator Caesar Augustus –, embora se mantivesse a estrutura legal que

Paul Veyne chamou de monarquia republicana8.

A este respeito, o século II – mais que o século III – deve ser visto como anômalo.

Esta anomalia se deve ao desenvolvimento de um sistema imperial que permitiu a perpetuação

das elites locais, as quais estabeleciam o elo entre o domínio romano e a população local, e a

supremacia romana sobre a periferia germânica e pártica.

8 VEYNE, Paul. O que um imperador romano? In. O Império Greco-Romano. São Paulo: Campus, 2008.

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Nesta situação, o papel e o poder dos imperadores aumentavam enquanto a utilidade e

a autoridade das instituições republicanas diminuíam. Simultaneamente, os reinos clientes se

converteram em províncias – e estas foram progressivamente romanizadas – e a cidadania

romana foi sendo estendida a largas parcelas da população do Império.

Entretanto, já no principado de Marco Aurélio (161-180) mudanças dramáticas e

irreversíveis se desenvolveram no relacionamento de Roma com os povos germânicos,

mostrava-se claro o crescimento da periferia germânica, e a partir daquele momento os

conflitos no limes Reno-Danubiano se tornaram, praticamente, intermitentes.

Durante os primeiros dois séculos de Império, era excepcional o imperador assumir o

controle pessoal da condução das campanhas militares. Com o crescimento das pressões

externas sobre o limes, e as incursões cada vez mais frequentes, profundas e devastadoras,

esperava-se do imperador não apenas prover as vitórias, como conduzir os soldados no campo

de batalha. Mesmo antes do final do século II, o imperador-filósofo Marco Aurélio foi

obrigado a despender cerca de metade do seu reinado em campanhas na região do Danúbio,

em dois grandes conflitos contra Quados e Marcomanos (em 166-172, e 177-180).

As qualidades militares e de liderança do imperador se tornaram mais importantes, e o

relacionamento mais próximo que mantinha com os oficiais do exército, a nível pessoal e

simbólico, assumiram uma grande significância. A esta época, sob a crescente pressão

externa, os alto-oficiais abertamente açambarcaram o direito de determinar quem era ou não

capaz de assumir esta responsabilidade. Neste novo ethos militar, a inexorável lógica do

legado Augustano propiciou séries de conflitos civis.

O fundamento da instabilidade política emergiu quando Cômodo (180-192) – filho de

Marco Aurélio – caiu assassinado em 192. Em poucos meses seu sucessor imediato, Pértinax,

foi assassinado pelos pretorianos. Estes, conscientes do alto preço que sua lealdade possuía,

leiloaram o cargo de imperador – o qual foi adquirido por um rico senador, Dídio Juliano. As

legiões das fronteiras rejeitaram o comprador, e as tropas da Britânia, do Danúbio, e do

Oriente aclamaram seus generais como imperador – Clódio Albino, Septímio Severo, e

Pescênio Níger, respectivamente.

Estes eventos demonstraram que (1) a lealdade das tropas podia ser comprada com um

abono no soldo; (2) o crescente sectarismo e rivalidade regionais entre as legiões do Império;

(3) o total enfraquecimento do Senado.

Após quatro anos de guerra civil, o vencedor foi Septímio Severo (193-211), o

candidato danubiano. Neste sentido, observa-se o desenvolvimento da influência do exército,

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e a progressiva militarização do cargo imperial, embora, conforme analisa Ana Teresa

Gonçalves9, o imperador também buscasse outras instâncias para legitimar seu poder.

“Um círculo vicioso”

Neste ambiente militarizado, a presença do imperador era requerida em qualquer lugar

que a situação militar exigisse, seja por inimigos internos ou externos. Contudo, ele não podia

estar em todos os lugares ao mesmo tempo. A grande dimensão do Império, e a crescente

fragmentação causada pela deterioração das condições militares e políticas, limitavam as

comunicações militares e dificultavam a movimentação das tropas e a logística militar.

Com a intensificação das pressões militares, o peso da dimensão geográfica do

Império aumentou a autonomia dos generais estacionados nas fronteiras. Em qualquer lugar

que o imperador não assumisse pessoalmente o papel de comandante, havia a chance de que

um general, que obtivesse sucesso ao repelir os invasores, pudesse ser encorajado por seus

oficiais a assumir as prerrogativas de imperador.

O usurpador então marcharia com seu exército ao encontro de seu rival, deixando para

trás uma pequena guarnição para proteger o limes contra os povos fronteiriços. Estes se

aproveitariam para efetuar incursões e razias. Se o comandante local obtivesse êxito poderia

ser, por sua vez, aclamado imperador. Assim desenvolvia-se um ciclo de guerras civis e

invasões estrangeiras.

Sexto Aurélio Victor, ao analisar a instabilidade política do século IV, nos diz que: Doravante, enquanto... [os imperadores] preferiam lutar entre si, eles lançaram o Estado (statum) romano como se estivesse em um precipício, e bons e maus homens, nobres e ignóbeis, e mesmo muitos dos bárbaros foram colocados no poder indiscriminadamente10.

Neste contexto, é ininteligível e equivocado tentarmos dividir aqueles que reclamaram

o poder imperial no século III entre “imperadores legítimos” e “usurpadores” baseados

somente no acidente histórico de que este ou aquele aspirante tenha recebido o

reconhecimento do Senado de Roma. Os argumentos que fundamentam tal distinção são

anacrônicos e desviantes. O reconhecimento pelo Senado nunca foi mais do que um dos 9 GONÇALVES, Ana Teresa. Propaganda no Período Severiano: A Construção da Imagem Imperial. São Paulo, 2002. (Tese em História Social, USP); A Noção de Monarquia Militar e o Governo Severiano. Phoinix, v. 10, 2004. pp. 41-62; Septímio Severo e a Consecratio de Pertinax: Rituais de Morte e Poder. História. v. 26, 2007. pp. 20-35; Os Severos e a Anarquia Militar. In: SILVA, Gilvan Ventura; MENDES, Norma Musco (Org.). Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e social. Rio de Janeiro/Vitória, 2006. pp. 175-192. 10 Aur. Vict. De Caes. 24, 9.

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mecanismos no complexo processo de legitimação imperial. Além disso, desde o século II,

sua significância decaiu de forma apreciável.

No século III, o Império simplesmente se tornou impossível de governar por apenas

um único homem que devia lidar com vários problemas, em um espaço geograficamente

extenso e plural. O dilema da necessidade da onipresença imperial resultou no

desenvolvimento da ideia de uma gestão dividida. A elevação de filhos como co-imperadores

se tornou a norma.

Embora um importante argumento desta co-gestão era designar a linha de sucessão,

também permitiu ao colégio imperial estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Outras

tentativas vãs foram feitas buscando-se uma solução mais sistemática: notavelmente durante o

reinado de Valeriano (253-260), e a Tetrarquia (293-311). O problema permaneceu sem

solução durante o século IV, até a completa divisão do império após a morte de Teodósio I,

em 395.

2. As transformações militares

A mudança no relacionamento entre Roma e a periferia germânica alterou de forma

significativa o balanço de poder estratégico, e o próprio contexto do poder imperial. Em

meados do século III, evidências arqueológicas testemunham um aumento da violência

provando que não apenas a região do limes, como também cidades e uillae mais ao interior do

território romano, iniciaram a construção de citas murarias; além da prática de enterrar

tesouros – muitos dos quais nunca foram recuperados. De forma crucial para o Império, esta

intensificação das pressões externas se deu simultaneamente em várias frentes.

O Império Persa

A mudança mais importante teve lugar no Oriente, onde, ironicamente, os sucessos

militares romanos acabaram por gerar o problema. As guerras de expansão de Septímio

Severo e de seu filho Caracala (211-217) humilharam o Império Parta, estendendo a soberania

romana sobre grande parte da Mesopotâmia.

Entretanto, a anexação da Osroena e do norte da Mesopotâmia acabou por estender

demais as linhas romanas de defesa e comunicação, dificultando a logística militar. Além

disso, criou um clima de tensão entre Roma e seus vizinhos orientais, que em breve foi

desastroso para o Império Romano.

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A consequência mais imediata destas campanhas foi a derrocada do regime pártico,

enfraquecendo o domínio central sobre os vice-reis regionais. Um destes, Ardashir (r. 226-

241), sátrapa de Fars (parte do atual Irã), aproveitou-se desta fraqueza do poder central para

fortalecer sua base local de poder. Ainda como consequência das campanhas de Caracala,

Ardashir sobrepujou completamente o antigo regime pártico, que foi substituído por sua

dinastia sassânida, fundando assim o novo Império Persa (226-651).

O surgimento desta nova e formidável força no Oriente logo gerou uma tensão

intolerável sobre os recursos econômicos e militares romanos. Desde a época de Augusto,

Roma achou no Império Parta um vizinho relativamente pacífico, e alvo de algumas

campanhas. Embora não necessariamente mais belicosos, os persas sassânidas eram

certamente mais implacáveis, melhor organizados e mais inclinados a tomar medidas que

assegurassem sua segurança e seus interesses. A defesa das províncias orientais do Império

Romano se tornou um exercício custoso, alterando o balanço do poder e drenando recursos

necessários em outros locais.

A falência do poder romano no Oriente estimulou a insegurança política interna do

Império. A guerra civil de 238 proveu a oportunidade para várias incursões externas,

incluindo uma invasão persa. A contra-ofensiva de Gordiano III (238-244) acabou por

encontrar a derrota nas mãos de Sapor I, filho de Ardashir. Em 244, Gordiano foi assassinado

e sucedido pelo seu prefeito do pretório Filipe.

O reinado de Sapor I (241-272) foram os anos mais difíceis do século III para o

Império Romano. Dotado de uma ideologia militarista, de base religiosa – zoroastrismo –,

Sapor tinha por objetivo recuperar a glória e o território do Império Aquemênida (c.550-331

a.C.).

O limes do Danúbio e a ameaça dos Godos

O Império Romano teria estado em melhor situação para lidar com estes problemas no

Oriente, se estes não coincidissem com uma apreciável intensificação das pressões externas

sobre o limes Reno-Danubiano, desde o mar Negro até a zona do Canal da Mancha. As

possibilidades de saque das regiões agrícolas provinciais e as cidades mal defendidas da

região do limes sempre representaram um forte atrativo para razias oportunistas.

As incursões esporádicas do século II deram lugar, durante o século III, a uma pressão

implacável de um novo tipo, geralmente exercida sobre várias frentes simultaneamente. Os

fatores mais importantes por detrás desta transformação eram as grandes migrações de povos

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do norte e leste europeu, e o desenvolvimento da periferia germânica, com a formação de

confederações de povos.

Desde finais do século II, e intensificando-se no século III, um grande contingente

populacional, em sua maioria formada por povos de origem germânica, que haviam migrado

anteriormente para o sul e para o oeste se chocaram com o limes romano, e eventualmente

penetrando no território romano. Esta maciça Völkerwanderung pressionou os povos que já

habitavam a região do limes romano. Os detalhes precisos sobre os motivos destas migrações,

as rotas que elas seguiram, a identidade dos migrantes não são ainda perfeitamente

conhecidas. Mas seu impacto sobre o Império Romano gerou uma da marcas mais

características da história da Antiguidade Tardia11.

Dentre estes povos, um dos mais significativos foram os Godos. Esta larga

confederação de povos germânicos chegou ao sul da atual Ucrânia em cerca de 230. Durante a

próxima década, uma grande seção destes se moveu da costa do mar Negro e ocupou o norte

do baixo Danúbio. Esta migração expulsou os antigos habitantes da área, e levou os Godos ao

conflito direto com os Romanos.

Após uma década de razias intermitentes, os godos e seus aliados lançaram uma

grande ofensiva sobre a região balcânica, a qual resultou na virtual aniquilação das legiões

romanas, e do imperador Décio (249-251). Esta vitória assinalou o início de um conflito que

durou séculos, e que terminou com a entrada dos godos no território romano, sob o regime de

federados, no século V. Enquanto isso, os godos orientais e seus aliados, que ocupavam a

Criméia, se lançaram aos mares e infligiram devastadoras razias nas regiões costeiras dos

mares Egeu e Negro.

Comprimidos entre o avanço dos godos e a província romana da Dácia estavam os

Carpos, um povo dácio que causou sérios problemas na década de 240. Filipe o Árabe (244-

249) os derrotou em 247, mas não foi capaz de restaurar o limes dácio completamente, e este

continuou a enfraquecer até o reinado de Aureliano (270-275), que evacuou definitivamente a

jóia da expansão do imperador Trajano (98-117).

Mais a oeste, a chegada dos vândalos aumentou a pressão sobre o médio Danúbio.

Durante o século III, este povo e seus vizinhos, os Sármatas, Quados e Marcomanos – entre

outros – repetidamente lançaram-se em incursões sobre o limes danubiano.

11 HEATHER, Peter. The Huns and the End of the Roman Empire in Western Europe. English Historical Review. v. 110, n. 435, Feb. 1995. pp. 4-41; WATSON, Alaric. Op. cit. pp.7-8.

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O limes do Reno

O limes renano sofreu de modo semelhante. Embora a pressão sobre o alto Reno tenha

iniciado no início do século III, as incursões de grande impacto se deram tardiamente na

região renana, quando comparada ao limes danubiano. Não obstante, quando esta

intensificação chegou, em meados da década de 250, foi devastadora. A Britânia, em

contraste, parece ter escapado levemente a esta época, permanecendo relativamente próspera e

sem grandes problemas até a morte de Aureliano.

Parcialmente sob o impacto das pressões internas, muitos dos povos que habitavam ao

longo das bordas romanas se uniram formando confederações. Embora permanecessem

politicamente livres, estas novas confederações provaram ser altamente efetivas a nível

militar, e sua presença na região do rio Reno representou um papel-chave no Baixo Império

Romano12.

Os alamanos, uma confederação de tribos que viviam na atual Baviera, apareceram

pela primeira vez em 213, quando o imperador Caracala lutou contra eles no alto Reno. A

situação se deteriorou drasticamente em meados do século, e em finais da década de 250 os

Alamanos representavam um perigo real à península itálica.

Ao norte, nesta mesma época, formou-se outra poderosa confederação de tribos no

baixo Reno: os Francos. A data mais segura que atesta a confederação dos francos é

controversa, embora se sustente sua existência já na década de 250. A ação dos francos se

dava através de pirataria e de razias, e se intensificaram no início do século IV.

A resposta romana

Assim, do deserto da Arábia até o mar do Norte, o Império Romano encarou uma

intensificação das hostilidades militares que atingiram seu pico nas décadas de 250 e 260. Os

recursos militares do Império eram escassamente adequados para defender a vastidão

territorial que demandava defesa.

A máquina militar romana foi desenhada para, primariamente, apresentar poderosas

ofensivas contra alvos específicos. Mesmo no século III as grandes ofensivas permaneciam

como a principal opção militar sempre que possível. Mas, inevitavelmente, a resposta do

Império a este aumento das pressões se tornou reativa e defensiva, e a contenção era, em

geral, o melhor que se poderia esperar.

12 MENDES, Norma Musco. Sistema Político do Império Romano do Ocidente: um modelo de colapso. Rio de Janeiro, 2002. PP. 117-134.

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O exército romano foi forçado a se adaptar a estas novas condições. E assim o fez

através de uma série de respostas pragmáticas a problemas individuais, que se sucediam para

evitar a iminente catástrofe no século III. Mas tais respostas não devem ser vistas como um

programa de reformas conscientemente implementado e premeditado.

Uma área na qual o império respondeu mudando a situação foi a reforma gradual do

próprio exército. Um aspecto significativo foi a profissionalização do comando do exército. O

monopólio virtual que a elite senatorial exerceu, tradicionalmente, sobre a estrutura de

comando deixou de existir durante o reinado de Galieno (253-268). Um exemplo é a carreira

do imperador Aureliano, oriundo de uma rede de soldados profissionais, e durante a década de

260 alcançou o topo da hierarquia, se aproveitando do divórcio entre as carreiras civil e

militar13.

Aurélio Vitor alega que esta situação resultou de um decreto imperial imposto pelo

imperador Galieno. Para o epitomista, este foi um ato infame de um imperador infame.

Nenhuma outra evidência atesta o chamado “edito de Galieno”14.

Outro aspecto importante foi a redução no tamanho das unidades táticas básicas.

Destacamentos, ou uexillationes, compostos de legionários e de tropas auxiliares, eram usados

há muito tempo. No contexto militar do século III, que requeria rápidos reforços de unidades

militares nas zonas fronteiriças, estes destacamentos, ao contrário de toda uma legião, se

tornaram a formação militar típica.

Duas outras transformações militares fundamentais se deram a partir da década de

260, ambas eram respostas naturais ao novo tipo de combate de marchas forçadas e conflitos

em muitos pontos do império. Um, foi o aumento da importância da cavalaria na estrutura do

exército romano foi refletido no número de comandantes de cavalaria.

O segundo desenvolvimento evolui a partir do primeiro. Nas décadas de 250 e 260, o

imperador Galieno criou uma força móvel de reserva baseada na cavalaria dálmata, e um

corpo de infantaria. Esta reserva estratégica, que foi originalmente baseada em Milão e que

prefigurou os desenvolvimentos do século IV, foi um elemento decisivo na manutenção do

Império frente às repetidas investidas bárbaras.

13 ALFÖLDY, Geza. A História Social de Roma. Lisboa, 1990. pp. 180 et seq. 14 Aur. Vict. De Caes. 33, 34

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3. Transformações sócio-políticas e culturais

A mudança no sentido de Romanidade

Desde o final do século II, o centro de poder no Império se tornou progressivamente

itinerante, uma vez que o imperador passava mais tempo em campanha nas fronteiras. Roma,

como a capital do Império, se separou da cidade do Lácio; nas palavras de Herodiano, Roma

estava em qualquer lugar que o imperador estivesse15.

Com a presença do imperador exigida nos Bálcãs e no Oriente, o centro estratégico do

Império se moveu progressivamente para o leste. Sua presença nas campanhas, em geral,

levava a elevação de seus acampamentos regionais como “capitais de fato”: cidades muradas

ligadas a uma rede de vias, com uma casa de cunhagem. Este processo culminou no final do

século III com o estabelecimento de uma série de capitais regionais sob a Tetrarquia, e,

finalmente, com a fundação de Constantinopla – a “Nova Roma” no Bósforo.

O aumento do significado estratégico e político destes centros regionais acabou

provendo sustentação para que imperadores rivais pudessem facilmente se lançar como

pretendentes ao poder imperial. Além disso, o aumento das bases regionais de poder, a

expensas do centro, permitiu que indivíduos mantivessem o poder político numa região

particular sem controlar o resto do Império. Esta descentralização política teve um profundo

impacto na estabilidade e mesmo na integridade do Império Romano no século III.

O declínio de Roma como o centro administrativo foi, ao mesmo tempo, um sintoma e

uma importante causa do declínio do poder do Senado. Embora os senadores continuassem a

ser os indivíduos mais poderosos e ricos, além de muitos serem membros do comitatus

imperial, o acesso ao imperador se tornava cada vez mais restrito.

Os papéis administrativo e consultivo do Senado não podiam ser representados, uma

vez que o centro decisório encontrava-se a quilômetros de distância do Capitólio. Como uma

inevitável consequência da prolongada ausência do imperador da cidade de Roma, as funções

do Senado como um órgão central do governo simplesmente perderam sua razão de existir.

Ao mesmo tempo, durante os séculos II e III, as oportunidades para o avanço pessoal

através das redes sociais que permeavam a administração imperial foram abertas para os

homens da ordem eqüestre. Por razão de sua virtual exclusão do poder militar, os senadores

logo foram retirados do centro do poder político, e sucessivamente imperadores-soldados

foram aclamados pelas legiões.

15 Herod. 1. 6,5

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A transformação na composição social do Senado reflete desenvolvimentos

fundamentais que tiveram lugar na estrutura social do Império Romano no século III. O

próprio termo romanus passou por uma mudança semântica, posto que o Império Romano

deixou de ser meramente um império governado por Roma, e se desenvolveu numa

comunidade mundial com a qual a população provincial poderia se identificar, ou não.

A isto denominamos o surgimento de uma Nova Romanidade – algo pouco estudado

pela historiografia – que permitiu ao Império Romano permanecer como um conceito político

seja para o Império Bizantino, seja para a Idade Média.

Um fator fundamental para esta mudança de perspectiva foi a difusão da cidadania

romana. Comparada com outras cidades-Estado da Antiguidade, ou mesmo para qualquer

período da História, Roma generosamente expandiu os direitos de cidadania aos povos que ela

conquistou. Este processo se iniciou com a incorporação dos povos itálicos durante a

República, e continuou durante a época imperial com a inclusão de contingentes de

provinciais.

Em 212, o imperador Caracala concluiu este processo ao estender a cidadania a todos

os habitantes livres do Império. Documentações textuais hostis a Caracala atribuem a este

gesto imperial o desejo de aumentar a receita taxando todos os cidadãos do Império. Se esta

foi, ou não, a motivação de Caracala, a constitutio Antoniniana – como este decreto ficou

conhecido – deve ser vista como uma culminação de um processo de longa duração.

A composição étnica do Senado também sofreu uma transformação paralela. Em

meados do século I, o Senado passou a admitir a elite provincial das regiões ocidentais.

Durante os séculos II e III, foram gradualmente incorporados ao Senado crescentes

proporções de elementos da elite norte-africana e das regiões de língua grega.

Este realinhamento do Senado é significativo, uma vez que reflete um realinhamento

mais profundo do Império como um todo. Não apenas estrategicamente, como econômica e

culturalmente, o centro de gravidade do Império estava se dirigindo para o leste.

Desenvolvimentos culturais e religiosos

A época da “Anarquia Militar” é, geralmente, retratada como uma “Idade das Trevas”

das artes, anunciando o fim da cultura clássica. Isto é muito simplista, como nos provam os

estudos de Henri-Irenéé Marrou16 e Jaś Elsner17. Largamente, devido às mudanças na situação

16 MARROU, Henri-Irénée. Decadência romana ou Antiguidade Tardia? Lisboa, 1979. 17 ELSNER, Jaś. Imperial Rome and Christian Triumph. Oxford/ New York, 1998.

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econômica, as grandes construções a nível local patrocinada pela ordem dos decuriões, ou

pelo poder imperial, que foram erigidas até a época Severiana, se tornam menos abundantes.

Inversamente, algumas outras expressões artísticas atingiram seu auge de produção

neste período: os mosaicos são extremamente refinados, e as artes do fabrico das moedas

(desenho, corte) foram aperfeiçoadas.

A retórica e a filosofia também floresceram. Um dos grandes sistemas de pensamento

da Antiguidade surgiu no século III, o Neoplatonismo, filosofia religiosa que foi exposta pelo

filósofo grego Plotino (c.204-270) em Roma, em meados daquele século. Promovida por seu

discípulo, Porfírio de Tiro (232-304), e contando dentre seus seguidores, no século IV, o

imperador Juliano (331-363), o Neoplatonismo exerceu uma influencia profunda no

desenvolvimento subsequente do pensamento pagão na Antiguidade Tardia18.

A religião no mundo romano abarcava uma ampla variedade de crenças e práticas

cultuais, e tinha dimensões sociais, políticas e culturais19. O culto de Dea Roma, a

personificação da cidade de Roma, e o culto imperial adquiriram, durante o século III, uma

ampla difusão pelo mundo romano, e adquiriu um forte significado social e político, e seus

sacerdotes gozavam de um prestígio considerável nas comunidades locais. Estes dois cultos

agiam como forças coesivas, provendo um lócus concreto de lealdade e identidade das

diferentes comunidades do Império em relação a Roma e ao imperador.

O culto das deidades locais persistiu, e mesmo se expandiu, em geral, parcialmente

assimilado ao panteão Greco-Romano. Em meados do século III, algumas religiões orientais

haviam adquirido um número considerável de seguidores pelo Império, incluindo a própria

Roma. Entre estas estavam os cultos egípcios a Ísis e Serápis, o culto anatólio de Cibele – a

Grande-Mãe –, e o Mitraísmo, um culto de origem indo-iraniana20.

18 Para uma análise ampla sobre Plotino e o Neoplatonismo, ver: GERSON, Lloyd P (Org.). Plotinus. Cambridge, 1996 (The Cambridge Companion). 19 Para uma introdução à religião no mundo romano, ver: BEARD, Mary. NORTH, John. PRICE, Simon. Religions of Rome. 2v. Cambridge, 1998; RIVES, James B. Op. cit. 2007. 20 Para uma análise geral sobre os cultos orientais no mundo romano, ver: TURCAN, Robert. Les cultes orientaux dans le monde romain. Paris, 1989. Sobre Ísis e Serápis, ver: TAKACS, Sarolta A. Isis and Sarapis in the Roman World. Leiden, 1995; MAGNESS, Jodi. The Cults of Isis and Kore at Samaria-Sebaste in the Hellenistic and Roman Periods. The Harvard Theological Review. v. 94, n. 2. Apr. 2001. pp. 157-177; NORRIS, Frederick W. Isis, Sarapis and Demeter in Antioch of Syria. The Harvard Theological Review. v. 75, n. 2. Apr. 1982. pp. 189-207. Sobre as Grandes-Mães, ver o esclarecedor: CORRINGTON, Gail Paterson. The Milk of Salvation: Redemption by the Mother in Late Antiquity and Early Christianity. The Harvard Theological Review. v. 82, n. 4. Oct. 1989. pp. 393-420. Sobre o mitraísmo, ver: BECK, Roger. The Mysteries of Mithras: A New Account of Their Genesis. Journal of Roman Studies. v. 88, 1998. pp. 115-128; Ritual, Myth, Doctrine, and Initiation in the Mysteries of Mithras: New Evidence from a Cult Vessel. Journal of Roman Studies. v. 90, 2000. pp. 145-180; KANTOROWICZ, Ernst H. Oriens Augusti. Lever du Roi. Dumbarton Oaks Papers. v. 17, 1963. pp. 117-177; MARTIN, Luther H. Roman Mithraism and Christianity. Numen. v. 36, Fasc. 1. Jun., 1989. pp. 2-15; NOCK, Arthur Darby. The Genius of Mithraism. The Journal of Roman Studies. v. 27, 1937. pp. 108-113.

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Este último, em particular, foi difundido em uma larga parcela da sociedade, em

especial os estratos militares. Mitra tinha uma forte filiação solar, sendo algumas vezes

denominado como Sol Inuictus Mitra, o “Sol Inconquistável” ou “Invencível”. Este nome

também estava associado a uma variedade de outras divindades que apresentavam elementos

solares, tais quais os cultos orientais e balcânicos.

Nenhuma destas religiões se arrogava como única e verdadeira. Elas coexistiam dentro

da estrutura religiosa do politeísmo Greco-Romano. Um pequeno número de religiões no

Império era, entretanto, monoteísta. Destas, o Judaísmo era a mais antiga e, a despeito das

duas guerras judaicas, respeitada.

Em relação aos cristãos, suas crenças religiosas eram incompatíveis com quaisquer

outras atividades religiosas, incluindo, por exemplo, aquelas do culto imperial. Devido à

integração das crenças e práticas religiosas com o mundo sócio-político imperial, este

afastamento voluntário tinha um profundo impacto na vida cotidiana destas comunidades.

De uma perspectiva pagã, a novidade cristã, seu forte proselitismo e sua grande

expansão pelo mundo romano, sua exclusividade e sua auto-segregação eram extremamente

suspeitas. Para as autoridades romanas, a recusa em participar das expressões religiosas de

lealdade ao Império, era uma questão grave. Os crescentes problemas que o mundo romano

confrontou no século III aumentaram a insegurança. Neste contexto, um sério confronto entre

os cristãos e o Império era quase inevitável.

As perseguições oficiais de meados do século III, e novamente na época da Tetrarquia,

foram marcadas por um grande grau de violência. O primeiro “perseguidor”, o imperador

Décio era um homem profundamente religioso, que atribuía o declínio da fortuna romana à

falta de observância religiosa dos cultos tradicionais.

Em 249, Décio exigiu que todos os cidadãos oferecessem sacrifícios e orações aos

deuses, para o bem do Império. Aqueles que se recusassem seriam obrigados pela força. Esta

perseguição cessou quando da morte de Décio, em 251; para ser retomada por Valeriano

poucos anos depois, às vésperas de sua campanha contra Sapor I.

Neste caso, ao contrário do de Décio, o edito foi dirigido aos cristãos. Em certo

sentido, as perseguições tiveram resultado inverso ao pretendido pelas autoridades. Ao invés

de suprimir o cristianismo, acabou por facilitar sua expansão devido aos autos de fé dos

mártires, o que contribuiu para sua grande expansão. Após a derrota de Valeriano frente ao

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exército persa, Galieno suspendeu as medidas persecutórias, iniciando o período conhecido

pela historiografia da Igreja como “Pequena Paz da Igreja”21.

4. A retórica do declínio

O mundo romano no século III era um lugar no qual as antigas certezas

desmoronavam ante o impacto de forças novas e inesperadas. Era acima de tudo um mundo

dominado por questões militares e, portanto, pelos exércitos. Os imperadores, aclamados

pelas legiões, eram quase exclusivamente homens de origem humilde promovidos mais pelo

mérito que pelo pertencimento a determinada ordem. Neste contexto, a elite senatorial perdeu

seus privilégios de acesso ao poder político, que progressivamente passava para as mãos dos

grandes soldados do período, homens como Aureliano, Diocleciano e Constantino.

Durante o século IV, quando a tradição literária sobre a qual o nosso conhecimento

deste período se baseia foi formada, as transformações políticas, econômicas e sociais do

século anterior foram vistas em termos de um drástico e lamentável declínio. Os autores e o

público leitor de suas obras pertenciam aos grupos educados dos uiri clarissimi e dos uiri

illustribus, que se identificavam com o ideário senatorial. Para tais escritores, na esteira da

tradição de Salústio e Tácito, era natural atribuir os males de seu próprio século à erosão da

dignidade e do poder senatorial, que passou para as mãos de rudes imperadores soldados.

De acordo com a perspectiva altamente conservadora, o século III foi representado

como um momento desastroso de despotismo arbitrário. Tais noções faziam parte de uma

ampla retórica do declínio que foi logo apropriada por autores pagãos e cristãos em suas obras

de polêmica.

Até recentemente, os historiadores preocupados com este período compartilhavam das

mesmas opiniões que os antigos, sendo a retórica do declínio pouco questionada. Este fator,

combinado com a falta de documentação escrita da época, permitiu o desenvolvimento de

análises que viam as transformações políticas, sociais, econômicas e culturais do século III,

sob o prisma de uma crise.

Nesta visão tradicional, a aparente estabilidade do século II soçobrou juntamente com

o modelo urbano de organização, preponderante na época do Principado. Após este período de

ruínas, surge o Dominato, com seu governo autocrático. Embora esta visão tenha passado

recentemente por várias críticas, persiste a caracterização dicotômica entre o “Alto Império” e

o “Baixo Império”, em cuja cesura estaria a “Crise do século III”. 21 Eus. HE. VII, 13.

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A crescente consciência desta retórica subjacente à documentação textual, junto a uma

análise sistemática de outros tipos de documentação, encorajou novas abordagens.

Atualmente, devemos observar que as complexas transformações sociais e políticas do

período, incluindo a diminuição da significação política do Senado, só podem ser entendidas

numa perspectiva de longa duração. O aumento das pressões externas e o seu efeito

desestabilizador sobre o sistema político não produziram, mas aceleraram tais

desenvolvimentos estruturais.

A tese convencional de uma catastrófica “Crise do século III” deveria ser abandonada.

Ao mesmo tempo, é vital não minimizarmos a gravidade da situação política e militar. Nas

décadas de 250 e 260 as incursões germânicas começaram a penetrar cada vez mais

profundamente no coração do mundo mediterrânico, e desde a ameaça de Aníbal – durante a

Segunda Guerra Púnica – Roma se encontrava numa posição vulnerável. Aparentemente, o

caráter implacável da ameaça germânica ao longo do limes Reno-Danubiano, e o surgimento

do Império Persa Sassânida, e posteriormente de Palmira no Oriente levaram a um ciclo de

devastação das defesas militares, invasões estrangeiras e guerra civil.

Na época em que Aureliano ascendeu ao poder, em 270, o efeito acumulado desta

situação de deterioração havia precipitado uma profunda, embora de curta duração,

fragmentação do Império Romano que ameaçou a sua integridade política e territorial. Neste

sentido mais restrito nos parece significativo falarmos de crise.

Entretanto, há algo que os historiadores parecem esquecer, a história do século III não

é a história do colapso do Império Romano, pelo contrário é um período no qual o mundo

romano se adaptou, se transformou, e lançou base para a estruturação de uma nova identidade

imperial, e um novo sistema político que duraria ainda mais dois séculos no ocidente, e que só

se reformaria no século VIII, no Oriente.

As questões do século III devem ser, deste modo, analisadas sob o prisma do

agravamento das tensões latentes na sociedade imperial romana. Principalmente, diante do

rompimento dos parâmetros inerentes ao sistema de domínio imperial: o parâmetro

tecnológico que impedia um grande crescimento da produção econômica, limites financeiros,

recursos materiais em processo de estagnação diante do final das guerras de conquista; baixa

demográfica – diminuição da mão de obra produtiva, e de soldados disponíveis –, política

externa marcada pelo avanço dos germanos e persas

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Capítulo III – Diocleciano e a Tetrarquia

1. Desenvolvimento de novas lógicas político-administrativas

Em meio a intrigas e assassínios comuns ao século III, Diocleciano assumiu o poder

imperial, em 284; encarou, por sua vez, os mesmos problemas que acossaram os imperadores

que o haviam recentemente antecedido.

O primeiro problema com que teve que lidar era a existência de outro imperador

legítimo, o filho de Caro (282-283), Carino (283-285), que era o irmão do assassinado

Numeriano (283-284). Certamente, Carino não estava disposto a dividir o poder imperial com

um usurpador, indispondo-se em uma guerra, no decorrer da qual acabou por ser executado

por seus próprios soldados1.

Em seguida, Diocleciano teve de lidar com as invasões germânicas ao longo do limes

Reno-Danubiano – as quais foram facilitadas pelo deslocamento de tropas, em decorrência de

seu conflito com Carino –, e com o recrudescimento da guerra contra os persas – a qual se

encontrava inconclusa desde a morte de Caro.

No caso da Gália, havia uma complicação extra: as revoltas relacionadas à opressão

fiscal, às destruições materiais, e ao desenvolvimento do regime de colonato – o movimento

bagáudico2

Durante os seguintes quinze anos, os exércitos romanos saíram-se vitorioso após séries

de campanhas desde a Britânia – onde o general Caráusio (287-293) se proclamou imperador

–, até o Egito e Mesopotâmia, instaurando um período de relativa estabilidade política no

Império Romano3.

Além das campanhas militares, havia outros problemas estruturais mais graves: o da

crise econômica, o do ordenamento administrativo, e o da legitimidade e estabilização do

poder imperial, de forma similar aos casos de Augusto e Severo que vimos anteriormente.

1 SHA Carus et Carinus et Numerianus X,1 2 SILVA, Gilvan. MENDES, Norma. Diocleciano e Constantino. In. _____. Repensando o Império Romano. Rio de Janeiro/Vitória, 2006. p.198 (nota 76). RODRIGUES GERVÁS, Manuel J. Propaganda política y opinión publica en los Panegíricos Latinos del Bajo Imperio. Salamanca, 1991; VAN DAM, R. Leadership and Community in Late Antiquity Gaul. Berkeley, 1985. 3 Sobre a Britânia sob Caráusio, ver: CASEY, P.J. Carausius and Allectus – Rulers in Gaul? Britannia. v. 8, 1977. pp. 283-301. Sobre o Egito na época da Tetrarquia, ver os estudos: KALAVREZOU-MAXEINER, Ioli. The imperial chamber at Luxor. Dumbarton Oaks Papers. v. 29, 1975. pp. 225-251; JOHNSON, Allan Chester. Roman Egypt to the Reign of Diocletian. Baltimore/Londres, 1936; WALLACE, Sherman LeRoy. Taxation in Egypt from Augustus to Diocletian. Princeton, 1938.

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Do ponto de vista administrativo, a ponto central era estabelecer uma ligação entre o

governo central – donde se originava as decisões – e os servidores locais – encarregados de

pô-las em prática –, principalmente no que concerne às ações relativas à manutenção do

Império.

Para tal, Diocleciano inicialmente reduziu o tamanho das províncias e incrementou seu

número, agrupando-as em dioceses sob a jurisdição de um uicarius (originalmente um

representante do prefeito do pretório), e nomeou vários prefeitos pretorianos, cada um deles

responsável por uma grande região do Império4.

Os servidores nesta hierarquia não só tinham acesso a seus superiores imediatos, como

também, em alguns casos, podiam se dirigir aos que ocupavam um escalão superior. Os novos

postos da administração civil foram ocupados em sua maior parte por indivíduos da ordem

eqüestre que haviam servido o exército5.

Quanto à crise econômica pela qual passava o Império, a inflação e a irregularidade

nos ingressos percebidos com os impostos. Eram estes, todavia, problemas de larga data. A

primeira medida executada por Diocleciano foi uma reforma monetária, instituindo novas

moedas valorizadas: o aureus, o argenteus, e o follis. Implementada em 294, acabou

engendrando uma contrapartida inflacionária notável na primeira parte de seu reinado6.

Uma medida que buscou barrar a onda inflacionária foi a tentativa de congelamento de

todos os preços mediante um edito publicado em 301 – o chamado Edito Máximo7. Mais êxito

teve a resolução dos problemas dos impostos e ingressos, através de uma pesada tributação

como testemunhou Lactâncio anos depois. Desde muito tempo, o exército satisfazia suas

4 ANDERSON, J.G.C. The Genesis of Diocletian's Provincial Re-Organization. Journal of Roman Studies. v. 22, 1932. pp. 24-32. BAYNES, Norman. Three Notes on the Reforms of Diocletian and Constantine. Journal of Roman Studies. v. 15, 1925. pp. 195-208; MacMULLEN, Ramsay. Imperial Bureaucrats in the Roman Provinces. Classical Philology. v. 68, 1964. pp. 305-316. 5 Piganiol, A. Histoire de Rome. Paris, 1949. p. 446; SILVA, G.V. MENDES, N.M. Op. cit. 2006. pp. 203-210. 6 ERIM, Kenan T., REYNOLDS, Joyce, CRAWFORD, Michael. Diocletian's Currency Reform; A New Inscription. Journal of Roman Studies. v. 61, 1971. pp.171-177; HENDY, Michael. Mint and Fiscal Administration under Diocletian, His Colleagues, and His Successors A.D. 305-24. Journal of Roman Studies. v. 62, 1972. pp. 75-82; MATTINGLY, H. The Mints of the Empire: Vespasian to Diocletian. Journal of Roman Studies. v. 11, 1921. pp. 254-264; SPERBER, Daniel. Denarii et Aurei in the time of Diocletian. Journal of Roman Studies. v. 56, 1966. pp.190-195; SUTHELAND, C.H.V. Diocletian’s Reform of the Coinage: a chronological note. Journal of Roman Studies. v. 45, 1955. pp. 116-118; Denarius and Sestertius in Diocletian’s Coinage Reform. Journal of Roman Studies. v. 51, 1961. pp. 94-97; The Roman Imperial Coinage. v. VI. Londres, 1967. p.6. 7 JONES, A.H.M. Inflation under the Roman Empire. The Economic History Review (New Series). v. 5, n. 3, 1953. pp. 293-318; MICHELL, H. The Edict of Diocletian: a study of price fixing in the Roman Empire. The Canadian Journal of Economics and Political Science / Revue canadienne d'Economique et de Science politique. v. 13, n.1, Feb. 1947. pp. 1-12; WEST, Louis C. Notes on Diocletian’s Edict. Classical Philology. v. 34. n.3, Jul. 1939. pp. 239-245.

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necessidades recorrendo ao imposto denominado annona militaris, que recaia sobre a

população local. Esta prática se converteu em imposto regular sob Diocleciano8

2. O Sistema Político da Tetrarquia

Do ponto de vista político, sinteticamente, punha-se diante de Diocleciano a seguinte

questão: de que forma a continuidade do poder imperial poderia ser assegurada após a morte

do Augusto reinante, sobre um território imenso como o do Império Romano?

De uma forma bem pragmática, a estratégia posta em ação pelo imperador foi a de

colocar em prática, de forma ordenada, as experiências de governo que vinham sendo

esboçadas desde meados do século III, no Império Romano.

Em curto prazo, a solução desenvolvida por Diocleciano para consolidar sua posição

foi o exercício colegiado do poder imperial – a partir da divisão do imperium, e da

competência administrativa com outros três colegas. Assim sendo, a partir de 293, passaram a

haver dois Augustos e dois Césares. Conforme a vigência deste arranjo, os Césares

sucederiam aos Augustos, em caso de morte ou abdicação.

O ponto fundamental deste sistema eram as ligações familiares estabelecidas entre os

Augustos e seus Césares, através de vínculos matrimoniais e laços de adoção. Criou-se assim

uma Casa Imperial, com todos os membros inscritos na gens Valeria.

Do ponto de vista religioso, ocorre um fenômeno dúbio, a contradição entre o novo e a

tradição. A novidade se relacionava à proteção especial de comites, deuses que eram

considerados, literalmente, os “acompanhantes”, os protetores dos quatro imperadores.

O tom tradicional se referia à escolha destas divindades, as quais advinham do panteão

clássico Greco-Romano, uma vez que figuravam em primeiro plano as divindades Júpiter –

sob cuja proteção especial se encontrava Diocleciano –, e Hércules – a divindade protetora de

Maximiano, também conhecido como Hercúleo –, os quais eram os antepassados míticos da

família imperial.

Neste sentido, observamos um ideário e mística imperiais faziam dialogar os esquemas

clássicos com os sistemas simbólicos que garantiam a aceitação universal e inquestionável do

soberano no Baixo Império Romano, no caso, a proteção divina de um comes.

8 SILVA, G. MENDES, N. Op. cit. 2006. p. 210 et seq.

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A este sistema político, usualmente, conferiu-se a denominação Tetrarquia. Por sua

vez, não era uma simples solução a priori “maquinada” por Diocleciano, sendo, antes disso,

resultante de um processo catalisado pelas pressões germânicas sobre o território da Gália.

O primeiro passo para este ordenamento foi dado quando Diocleciano elevou seu

colega ilírico Maximiano (286-305; 307-310) – inicialmente à dignidade de César, e, logo em

seguida – à dignidade de Augusto, em 286.

Certamente, conforme dissemos, este processo se baseou em ordenamentos políticos

pré-existentes durante o século III – como o caso do governo de Valeriano e Galieno, ou

mesmo a tripartição do Império entre Galieno, Tétrico e o Valabato9.

Em vista disto, organizou-se a partir do sistema simbólico próprio da época uma

explicação para a relação entre Diocleciano e Maximiano. Embora este possuísse a mesma

dignidade de Diocleciano, sendo seu irmão10 – frater –, sua autoridade era inferior à do

Augusto Sênior.

A simbologia do sistema pode ser estabelecida da seguinte forma: Diocleciano, o filho

de Júpiter, tinha como co-imperador Maximiano, o filho de Hércules, e, assim, descendente

de Júpiter.

Esta distinção apresentava como apanágio a união dos Augustos em torno da

concórdia e da unidade política. Não obstante os papéis estivessem bem delimitados: era

Diocleciano quem dirigia a política e Maximiano Hercúleo quem a levava a cabo. Por mais que os bens que nos cumulam o céu e a terra nos pareçam devidos à intervenção de diversas divindades, provêm não obstante das divindades soberanas, de Júpiter, senhor do céu, e de Hércules, pacificador da terra; da mesma forma, nas mais nobres empresas, ainda aquelas que se realizam sob o mandato imediato dos demais, Diocleciano é quem toma as iniciativas e tu [i.e. Maximiano] és quem as leva a cabo11.

Nesta passagem, o panegirista – Mamertino – aventou uma similitude existente entre o

mitologema de Hércules, e sua relação com Júpiter – isto é, a vontade deste em gerar o maior

dos heróis, aquele capaz libertar o mundo dos males12.

Representava-se, através da utilização da referência mitológica, a relação entre

Diocleciano e Maximiano. Este foi elevado à dignidade de Augusto para ajudar Diocleciano

em sua tarefa de reordenamento do Império Romano.

9 CIZEK, Eugen. L’Empereur Aurélien et son temps. Paris, 1994. pp. 103-122; WATSON, Alaric. Aurelian and the third century. London & New York, 1999. pp. 57-100. 10 Pan. Lat. II (10), 1,5; 4,1; 9,1-3; c.f. Lact. DMP VIII,1 11 Pan. Lat. II (10), 11,6. (Tradução nossa). 12 GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana. Rio de Janeiro, 2005. pp. 206.

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Segundo os autores da época, Maximiano era um homem com espírito guerreiro, que

executava prontamente os trabalhos imputados por Diocleciano13. Entretanto, no ano de 290,

inúmeras forças se alvoroçaram sobre o Império Romano, de uma forma que o sistema da

diarquia não podia mais controlá-las de forma efetiva.

A rebelião do general Caráusio na Britânia, em 287, não somente levava perigo à

Gália, como também, através de seus contatos com os povos do Baixo Reno, colocava em

risco o domínio diárquico sobre a região; a defesa do limes danubiano não podia também ser

negligenciada; e a leste o poderoso Império Persa sassânida organizava uma ofensiva.

Este foi o contexto no qual a decisão foi tomada, Diocleciano como imperador sênior,

e fonte última da lei e do imperium, reestruturou o governo imperial estabelecendo uma

tetrarquia, como forma de fazer frente às múltiplas frentes hostis.

Do ponto de vista militar, um dos primeiros reflexos da formação da Tetrarquia foi o

aumento do número soldados, o que exigia cada vez maiores quantidades de suprimentos,

obtidos através da taxação14, o que levou Finley15 a afirmar que: Para provê-lo [o exército] de alimentos, vestuários, armas e transporte, ampliou enormemente o sistema de contribuições compulsórias em espécie, que passou a incidir sobre a maior parte da população do Império.

Para Finley, o exército era a pedra angular da reorganização de Diocleciano, sendo

todos os esforços administrativos voltados a este garantidor da integridade do Império.

Entretanto, a crítica historiográfica atual16 refuta estas afirmações, defendendo a ideia

de que estes números são exagerados, uma vez que os imperadores se encontravam diante de

dificuldades de recrutamento, além da perda de efetivos nas guerras.

Neste sentido, as causas para o aumento da taxação repousariam na complexificação

político-administrativa, cujas variáveis seriam o fortalecimento da rede administrativa, a

corte, as pressões externas e as reformas militares implicaram na ampliação dos custos com a

13 Pan. Lat. II (10),5,3; Lact. DMP VIII,2 14 Lact. DMP VII,1-2. Para Lactâncio, a formação da Tetrarquia se relacionava ao desejo de Diocleciano em satisfazer sua avareza natural pela divisão do mundo romano para efeito de taxação. A taxação é conseqüência da necessidade do aumento de efetivos militares, capazes de fazer frente a tantas frontes de batalha. C.f. PARKER, H.M.D. The legions of Diocletian and Constantine. Journal of Roman Studies. v. 23, 1933. pp. 175-189; NISCHER, E.C. The Army Reforms of Diocletian and Constantine and Their Modifications up to the Time of the Notitia Dignitatum. The Journal of Roman Studies. v. 13, 1923. pp. 1-55. 15 FINLEY, M. Op. cit. 1991, p.169. 16 CORCORAN, S. Op. cit. 2006; GOLDSWORTHY, A. The Complete Roman Army. London, 2003; WILLIAMS, S. Diocletian and the Roman Recovery. London, 1985.

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complexidade político-administrativa e explicam a necessidade da reforma fiscal e

monetária17.

Os novos parceiros eram Constâncio (293-306) e Galério Maximiano (293-311): o

primeiro um general a quem se atribuía uma origem nobre – uma ascendência, possivelmente

forjada, do imperador Cláudio II, o Gótico (268-270)18 –, o segundo, um homem humilde ao

qual Lactâncio atribui uma ascendência bárbara19.

Da mesma forma que Diocleciano e Maximiano Hercúleo eram, como Augustos, filhos

de Júpiter e Hércules, Galério se tornou o filho de Diocleciano, e, por sua vez, Joviano,

enquanto Constâncio se tornou o filho de Maximiano, e Hercúleo.

Não obstante, a partir dos vestígios numismáticos, podemos rastrear que os Césares

não apenas se ligaram aos deuses protetores de seus pais, como também, eles próprios, se

associaram a outras divindades. No caso de Constâncio a Marte, e no caso de Galério ao Sol

Inuictus20.

Ambos os nobilissimi Caesari entraram na gens Valeria, a qual Diocleciano e

Maximiano pertenciam. A Casa Imperial tetrárquica encontrava-se reunida sob a autoridade

estrita do Augusto Joviano, Diocleciano, e pelo compromisso da pietas – o senso de dever

entre deuses e homem.

Como bem sintetizado por Norma Mendes e Gilvan da Silva21: O sistema tetrárquico, portanto, baseava-se em três princípios: a hierarquia, fixada pela antiguidade no cargo; a cooptação entre Césares no reconhecimento da preeminência dos Augustos e os vínculos familiares de adoção e casamento.

A nomenclatura Joviana e Hercúlea, além de invocar um direito divino legitimatório

do sistema político tetrárquico, permitia igualmente a Diocleciano se utilizar de motivos

mitológicos tradicionais, em suas representações, como forma simbólica que explicava a

realeza sagrada e o relacionamento e funções dos Augustos.

De forma esquemática, as relações entre os membros da Tetrarquia se desenvolviam

da seguinte forma:

17 MENDES, N. Op. cit. 2002. pp.135-165. 18 Pan. Lat. VII (6), 2,1; SHA Diuus Claudius VIII,3 19 Lact. DMP IX,1-3 20 ODAHL, Ch. Op.cit. 2004. p.55. 21 SILVA, G.V. MENDES, N.M. Op.cit. 2006, p.200.

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Esquema 1: O sistema da Tetrarquia22.

Os Panegíricos Latinos, especialmente os dedicados a Maximiano Hercúleo – o

Mamertini panegyricus Maximiano Augusto dictus, e o Genethliacus Maximiano Augusto –,

estabeleceram releituras dos mitos olímpicos, relacionando-os às ações de Maximiano e

Diocleciano.

Por exemplo, um dos temas mais recorrentes refere-se a Iuppiter Optimus Maximus

como o mantenedor do Império Romano, o deus que submeteu a antiga raça dos Titãs e

fundou uma nova raça dos Olímpicos23.

Através da escolha de Júpiter como seu “pai divino”, Diocleciano imputava-se a

responsabilidade pela derrota dos inimigos que se punham diante de si – fossem usurpadores,

bárbaros, ou persas –, afirmando sua legitimidade, e identificando-se como a fonte da

autoridade dos demais imperadores, além de ser o fundador de uma nova “Era de Ouro”24.

Por sua vez, a escolha de Hércules como o antepassado divino de Maximiano,

representava que Diocleciano revestiu seu colega de forma similar ao que Júpiter fez no mito

de Hércules, engendrou um herói para purgar o mundo dos homens25.

Assim, os governantes relacionaram-se diretamente ao panteão greco-romano e à

mitologia, como um modo de representação, propaganda e legitimação do novo sistema

político.

Afora a explicação da divisão de poderes, os epítetos Joviano e Hercúleo também se

relacionavam à afirmação do direito divino dos imperadores, e à reivindicação de que a

Tetrarquia seria o estilo ideal de governo porque refletiria a estrutura do cosmos26.

22 SUTHERLAND, C.H.V. Op. cit. 1966. p. 9 23 Pan. Lat. III (11), 3,4. 24 Pan. Lat. II (10), 1,5; 3,1; III,15,2-4; V,18,5 25 GRIMAL, P. Op. cit. 2005. pp. 205-221. 26 Ver o exemplo da Moeda 1, constante do Anexo.

JOVIANOS HERCÚLEOS

Diocleciano, Augusto Sênior, “filho” de

Júpiter

Maximiano, Augusto, “filho” de

Hércules

Galério, César, “filho” e genro de

Diocleciano

Constâncio, César, “filho” e genro de

Maximiano

Irmãos

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Era ideia comum no pensamento político-religioso greco-romano, desde o período

helenístico, que um governo estável reproduzisse na Terra o governo dos céus. Assim, nada

mais razoável que a explicação dada no panegírico de 289, no qual os poderes de Diocleciano

e Maximiano emanavam de “Júpiter, senhor do céu, e de Hércules, pacificador da terra”27.

Desta forma, a partir da releitura e da apropriação de temas tradicionais, fundamentou-

se um sistema político que refletia um cosmos no qual Júpiter reinava supremo (embora

auxiliado por outras deidades), que explicava suas relações de poder através de analogias com

a mitologia, e que via o deus Júpiter como a fonte última do poder dos imperadores.

Baseado em seu ideal de romanitas, Diocleciano confiava que seus súditos

continuassem devotados ao tradicional panteão greco-romano. Corolário desta devoção seria

justificação desta dominação carismático-tradicional baseada no apoio das divindades

acompanhantes.

A importância que a Tetrarquia atribuiu ao culto tradicional – em particular ao culto de

Júpiter e Hércules – é evidência de seus esforços em fortalecer o culto dos deuses protetores

da Res publica, como aventa Elizabeth Digeser: “Lealdade à Tetrarquia desta forma exigia

fidelidade ao culto tradicional”28.

Entretanto, a interpretação historiográfica corrente vai pouco além do estudo da

documentação textual, haja vista que um estudo acurado da documentação numismática –

aliás, subutilizada pelos pesquisadores – apresentaria a importância crescente dos cultos não

tradicionais dos romanos, como a vinculação entre os imperadores e o Sol Inuictus – a qual se

aprofundou no período de Aureliano, e encontrou a máxima expressão no período da Segunda

Tetrarquia (306-311).

Além disso, grande parte da historiografia relega a importância atribuída ao Genius

Populi Romani, o qual é o tema mais difundido na moedagem tetrárquica29, e representa o

máximo da valorização da romanitas pelos tetrarcas.

27 Pan. Lat. II (10), 11,6 28 DIGESER, E. Op. cit. 2000. p.30. Opinião próxima encontra-se em WILLIAMS, S. Op. cit. 2000. pp.69-70. 29 BERANGER, Jean. Le Genius Populi Romani dans la politique impériale. In. Principatus Études de notions et d’histoire politiques dans l’Antiquité gréco-romaine. Gèneve, 1973. p. 412; REES, Roger. Images and Image: A Re-Examination of Tetrarchic Iconography. Greece & Rome. v. 40. n. 2. Oct., 1993. pp. 181-200; SUTHELAND, C.H.V. Some Political Notions in Coin Types between 294 and 313. Journal of Roman Studies. v. 53, 1963. pp. 14-20.

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3. Atributos místicos e o caráter do poder imperial

Esta ênfase nos atributos divinos de legitimidade do poder imperial relaciona-se

diretamente com o desenvolvimento de um ideário e mística imperiais em torno de

Diocleciano e Maximiano que, na linguagem pomposa dos panegíricos, apresentavam-se

como co-participes da natureza divina de Júpiter e Hércules.

O exemplo mais interessante desta epifania entre os Augustos e os deuses é-nos

apresentado por Mamertino: Mas agora, tão logo como em uma e outra montanha dos Alpes luziu vossa divindade, sobre a Itália se difundiu uma luz mais brilhante e todos os que haviam levantado os olhos ficaram estupefatos ao mesmo tempo em que se perguntavam que deuses se alçavam nos cumes desses montes e se eles se utilizavam desses degraus para baixarem do céu à terra. Mas quando, à medida que ias te aproximando, as pessoas começaram a reconhecê-los todos os campos se encheram não somente de homens que haviam acudido correndo, como também rebanhos de animais que abandonavam seus pastos longínquos e os bosques; os camponeses corriam de uns a outros e anunciavam em todas as aldeias o que haviam visto: sobre os altares se acendiam fogueiras, se vertiam sobre elas incenso, se fazia sobre elas libações de vinho, se imolavam vítimas; em todas as partes havia danças e se ouviam palmas; o povo cantava aos deuses imortais cantos de louvor e gratidão; o povo invocava a Júpiter, não ao que nos legou a lenda, mas ao visível e presente; o povo adorava a um Hércules que não era um estrangeiro, mas o imperador 30.

Quando a Tetrarquia já era uma realidade consumada, um panegirista anônimo expôs

que a relação existente entre os quatro imperadores encontrava-se em perfeita harmonia

cósmica, e desta forma, refletia na Terra o arquétipo celeste: Ademais, independentemente dos interesses e do cuidado da República, esta majestade que aparenta com Júpiter e com Hércules aos príncipes joviano e hercúleo, exigia para eles algo semelhante ao que existe no universo inteiro e no mundo celeste. Pois este número de quatro, símbolo de vosso poder, é a força e a alegria de quanto há de maior: assim, os elementos são quatro, quatro as estações, quatro as partes do mundo divididas pelo duplo oceano, e os qüinqüênios regressam após uma quádrupla revolução dos céus, e são quatro os cavalos do Sol, e os dois brilhos do céu vêm a se adicionar Vésper e Lúcifer 31.

Com a adoção deste sistema, Diocleciano esperava evitar um perigoso interregno à

morte de um imperador, como ocorreu anteriormente, e exaltar o prestígio e a autoridade do

cargo imperial.

As reformas de Diocleciano impuseram uma administração muito mais estrita ao

Império, o que ocorreu paralelamente a um projeto de maior homogeneização, como bem 30 Pan. Lat. III (11), 10, 4-5. (Tradução nossa). 31 Pan. Lat. V (8), 4, 1-2. (Tradução nossa).

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apresentou Elizabeth Digeser: a legitimidade político-religiosa do sistema político repousava

na ideia de que a unidade e a paz dependiam do culto universal das deidades tradicionais32.

Tendo por objetivo estruturar legalmente seu reordenamento do Império Romano,

Diocleciano encarregou seus juristas de compilar as leis romanas, resultando em dois códigos

de leis entre 291-29533.

Os governantes romanos direcionaram, então, seus esforços para formar um governo

baseado na lei e na religião, cada vez mais centralizadas – cujo ideal era o do pius ciuis, o

cidadão piedoso que manteria o relacionamento correto com a lei romana e os deuses de

Roma34.

A pietas tradicional foi a base da tentativa de restituição do Império empreendida por

Diocleciano; reafirmando a relação correta de Roma com suas deidades protetoras, não apenas

para fortalecer a Tetrarquia e revigorar o sistema legal, mas também para mostrar a gratidão

pelos longos anos de reinado dos imperadores, prova contundente da fortuna, e da aprovação

das deidades.

Ao mesmo tempo, as celebrações públicas reuniam todos os cidadãos romanos para

celebrar o fim da desordem civil, render graças pelos privilégios e proteções que os deuses

garantiam, além de reconhecer abertamente as obrigações que a cidadania trazia. A pietas de

Diocleciano remetia-se para a fidelidade às antigas tradições da romanitas.

Neste sentido, as políticas delineadas no período da Tetrarquia desenvolveram as bases

de um sistema político baseado na ordem, na lei, e na pietas tradicional, a partir das quais se

buscou corrigir a realidade35.

No bojo desta preocupação em “ajustar a realidade”, ocorreu a Reforma Monetária de

294, a qual também apresentou disposições em favor do ideal da romanitas: impôs-se a

cunhagem de moedas com legendas exclusivamente em latim, o que obrigou as antigas Casas

de Cunhagem gregas, como a de Alexandria, a disseminar moedas com efígies imperiais e

legendas latinas.

Assim sendo, podemos fazer a seguinte síntese: a legitimidade da Tetrarquia

repousava na tradição romana, na pietas, nos cultos e costumes dos antepassados, na

providência divina, e no reforço do ideal de romanitas. 32 DIGESER, E. Op. cit. 2000. p.30; a mesma opinião encontra-se presente em: ODAHL, Ch. Op. cit. 2004. pp. 54-55. 33 DIGESER, E. Op. cit. 2000. p.14 passim; PIGANIOL, A. Op. cit. 1949. p. 445 34 DIGESER, E. Op. cit. 2000. pp. 23-28. 35 Conforme as disposições presentes no “Edito de Galério” – conservado por Lactâncio (Lact. DMP XXIV, 1-5) e por Eusébio de Cesaréia (Eus. HE VIII, 17) –, a partir do qual percebemos a preocupação existente na política tetrárquica em “amoldar” tudo “às leis antigas e às regras romanas” (Lact. DMP. XXIV, 1) tendo por objetivo principal a manutenção da ordem da Res publica.

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Neste sentido, os motivos de dominação – que se encontram vinculados às estratégias

individuais dos membros das elites – estabeleciam-se sobre um equilíbrio instável, logo, havia

a necessidade de se desenvolver uma crença na legitimidade dos imperadores, através da

difusão de uma série de discursos de poder (as cerimônias, os panegíricos, as moedas, as

estátuas...).

Seguindo esta linha de raciocínio, podemos observar as cerimônias e os panegíricos –

que eram pronunciados nestas cerimônias – como relacionados às redes de patronato,

fundamentais à estruturação do Império Romano, e às estratégias individuais para manutenção

e fortalecimento dos poderes na esfera local, e global. Pois, o objetivo de um orador eminente,

chamado a pronunciar um discurso laudatório perante o imperador, era receber benefícios

para si e para a sua cidade.

Seus pronunciamentos eram condizentes com o sistema de representações imperiais,

ou a forma como os imperadores queriam se apresentar, e desejavam ser vistos. Os

panegiristas enunciaram o ideário imperial, numa época em que a base legitimatória,

repousava cada vez mais nos atributos sagrados de poder.

Em torno desta realeza sagrada tetrárquica estabeleceu-se um conjunto de ritos,

cerimônias, atributos místicos e símbolos de poder, dentre os: Vossas túnicas triunfais, os fasces consulares, as cadeiras curuis, este séqüito esplendoroso de cortesãos [comitatenses], esta claridade que cinge vossa cabeça divina com um nimbo resplandecente, são os magníficos e augustíssimos ornamentos que se devem a vossos méritos36.

O panegirista se referiu, por um lado, aos símbolos tradicionais romanos que, desde o

período republicano, figuraram entre os atributos de poder: os fasces consulares e a cadeira

curul. Por outro lado, o Mamertino incluiu entre estes atributos de poder o comitatus, e o

nimbo resplandecente, este último símbolo denota a sacralidade do imperador, e sua natureza

superior à dos demais homens, conforme anunciou o próprio Mamertino dois anos depois –

no Mamertini panegyricus genethliacus Maximiano Augusto dictus: E logo disto, a virtude que está intimamente vinculada ao culto dos deuses, com quanta piedade vos trateis um ao outro! Que séculos, com efeito, viram nunca uma concórdia semelhante sobre o mesmo poder? Que irmãos, que gêmeos respeitam a igualdade de seus direitos sobre o patrimônio indiviso com tanta equidade como vós o fazeis na administração do mundo romano? Disto se infere com toda evidência que, se as almas dos demais homens são terrenas e perecíveis, as vossas, ao contrário, são celestiais e eternas. (...) Vossa alma imortal, ao contrário, está acima de todo poder, de toda fortuna, acima do próprio império. (...) Deste modo, vossa

36 Pan. Lat. II (10), 3, 2. (Tradução nossa).

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piedade vos duplica as vantagens e benefícios do poder divino: cada um de vós desfruta a vez de seu império e do de seu associado 37.

De forma semelhante, as cerimônias apresentam-se como discursos de poder, como o

“transcrito público”38 que pretendia reforçar o caráter sagrado e transcendente do poder

imperial cujos reflexos eram a submissão, principalmente, dos membros das elites – que eram

admitidos nas cerimônias –, como as adorationes39, conforme narradas por Mamertino: Que momentos aqueles, deuses bondosos! Que espetáculo o que ofereceu vossa piedade quando, em vosso palácio em Milão, aparecestes os dois aos que haviam sido admitidos a adorar vossas sagradas faces e quando a inesperada presença de vossa dupla divindade desconcertou as homenagens que de logo se dirigiam a uma só. Ninguém observou a hierarquia das divindades de acordo com o protocolo habitual: todos detiveram o tempo a adorar-vos, tardando em cumprir um duplo dever de piedade. Este ato de adoração, que havia permanecido de certo modo dissimulado no interior de um santuário, havia paralisado de estupor somente as almas daqueles cuja posição entre os dignitários dava acesso à vossa presença 40.

Isolados e exaltados como nunca anteriormente, os imperadores se cercaram de

atributos de um elaborado cerimonial de corte, provido de vestes e pedrarias, sendo uma

figura sagrada. O imperador não era mais o primus inter pares, exaltado pelo autor Flávio

Eutrópio41, mas um rei, alguém que demandava a adoratio. O imperador é destacado como

um dominus, não mais um princeps.

4. A “Grande Perseguição” e o fim da Primeira Tetrarquia

A “Grande Perseguição” é um ponto assaz controverso, e como bem salientou

Finley42, uma das razões da atribuição de juízos de valor sobre Diocleciano. Apresenta-se, por

sua vez, como a questão fulcral das obras que tratam o período tetrárquico.

37 Pan. Lat. III (11), 6, 3-7. (Tradução nossa). 38 SCOTT, James C. Domination and the Arts of Resistence; Hidden Transcripts. New Haven/London, 1990. 39 Sobre o ritual da adoratio, ver: STERN, H. Remarks on the "Adoratio" under Diocletian. Journal of the Warburg and Courtauld Institutes. v. 17, 1954. pp. 184-189. 40 Pan. Lat. III (11), 12,1-2. (Tradução nossa). 41 Eutr. IX, 26: “Diocleciano era de uma astuciosa disposição, com muita sagacidade e perspicaz entendimento. Ele estava disposto a satisfazer sua própria disposição à crueldade de tal modo que lançou o ódio sobre os demais; ele foi, porém, um príncipe muito ativo e capaz. Ele foi o primeiro a introduzir no Império Romano uma cerimônia que servia mais aos usos reais que à liberdade romana, dando ordens que ele deveria ser adorado, enquanto todos os imperadores antes dele foram apenas saudados. Ele colocou ornamentos de pedras preciosas em suas roupas e calçados, enquanto a distinção imperial anteriormente era somente o manto púrpura, nos demais hábitos era como os demais homens”. (Tradução nossa). 42 FINLEY, M. Op. cit. 1991, p. 170.

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Quais os motivos que levaram Diocleciano a iniciar uma perseguição, após décadas

sem mobilização por parte das autoridades imperiais? Pois, como bem salientaram Harold

Drake43 e Moses Finley: Cristãos ocupavam cargos públicos, e eram leais (ou tão indiferentes) ao Estado com qualquer outro grupo, não havia nenhuma grande pressão popular no sentido de eliminá-los, no sentido de torná-los bodes expiatórios da peste e da fome; em suma, não havia nenhum motivo político ou social visível para que Diocleciano, quase ao final de seu reinado, decidisse esmagar essa religião44.

Os motivos aduzidos por Finley se referem à pietas pagã, à qual se somava o orgulho

insultado do autocrata, pois conforme relatado por Lactâncio, servos cristãos ao fazerem o

sinal da cruz atrapalharam a ortopraxis sacrifical, tão cara à ritualística romana. Diocleciano

perdeu a calma e incentivado por Galério proclamou a “Grande Perseguição”45.

Ideias semelhantes foram outrora apresentadas por Piganiol, para o qual a política

religiosa de Diocleciano configurava-se em torno de uma “fidelidade às antigas tradições de

Roma, esta que se fazia dever de todos para com o Estado, o que explica a guerra que ele

declarou ao cristianismo”46.

Na década de 1970, A.H.M. Jones também aventa a questão da pietas de Diocleciano,

baseada em Iuppiter Optimus Maximus, patrono tradicional de Roma, como fonte para a

perseguição47. Todos aduzem à mesma passagem de Lactâncio: [Diocleciano] Se encontrava naquele tempo no Oriente, e como, por ser escrupuloso, era aficionado em esquadrinhar o futuro, se entregava a sacrificar animais para descobrir o porvir em suas vísceras. Com tal objetivo, alguns ministros do culto que criam no Senhor colocaram na fronte o signo imortal, ainda que assistissem o sacrifício. Feito isto, os demônios se puseram em fuga e os sacrifícios se viram perturbados. Começaram a temer os arúspices, pois não viam nas vísceras os sinais de costume e repetiam uma e outra vez os sacrifícios, como se estes tivessem sido vãos. Mas as vítimas sacrificadas, uma e outra vez, não davam resultado algum. Então o mestre dos arúspices, Tages, seja por haver suspeitado, seja por haver observado, declarou que o motivo dos sacrifícios não surtirem resultados era que pessoas profanas participavam nas cerimônias divinas. Então, furioso, [Diocleciano] ordenou que sacrificassem não somente os ministros do culto, como também todos os que se encontravam no palácio e, caso se negassem, que fossem obrigados a isto por força de flagelos. Da mesma forma, deu ordens escritas aos chefes das unidades militares para que se obrigasse também aos soldados a realizar os sacrifícios nefandos, sob pena de que aqueles que não obedecessem fossem expulsos do exército 48.

43 DRAKE, H.A. Op. cit. 2000, p. 141. 44 FINLEY, M. Loc. cit. 45 Ibidem. p. 171. 46 PIGANIOL, A. Op. cit. 1949. pp. 447-448. 47 JONES, A.H.M. Op. cit. 1970. pp. 35-37. 48 Lact. DMP X, 1-4. (Tradução nossa).

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André Aymard e Jeannine Auboyer49 também propuseram o enfoque sobre a relação

tensa entre os cristãos e o sistema político-religioso da Tetrarquia, pois, os cristãos eram

vistos como súditos não leais.

Esta falta de lealdade ia de encontro ao ideal restaurador de Diocleciano, que exigia a

disciplina dos súditos, a perseguição se justificaria pela insubordinação cristã às leis.

Recentemente, Carrié e Rousselle50 também sustentaram a hipótese concernente ao

desejo de Diocleciano em estabelecer uma coesão em torno dos valores tradicionais romanos,

principalmente no exército romano, o qual seria o locus privilegiado da depuração religiosa

efetuada pelo poder imperial.

Robin Lane Fox51, por sua vez, estabelece três elementos centrais que originaram a

“Grande Perseguição”, seriam eles: “o sucesso militar dos Imperadores; o tom moral e

religioso dos editos e da piedade pública; o apoio de intelectuais gregos (...)”. Neste sentido,

Diocleciano e Galério aproveitando-se da estabilidade política reiniciaram as perseguições.

Para Harold Allen Drake52, o motivo central da “Grande Perseguição” deve ser

procurado na ameaça em que consistiam os cristãos aos fundamentos da legitimidade do

poder imperial, pois a justificação do Dominato, desde finais do século III, tendia a se basear,

por um lado, no poder militar, e por outro, no favor dos deuses.

Partidária de um ponto de vista próximo ao de Lane Fox e de H.A. Drake, Elizabeth

Digeser aprofunda a questão da importância do que Fox denominou “intelectuais gregos”, dos

quais se destacam Porfírio – discípulo de Plotino –, e o governador da Bitínia, Hierócles,

autores de obras anticristãs no período que antecedeu à perseguição.

Para Digeser53, Hierócles e Porfírio fundamentaram teoricamente seja o arcabouço da

restauração do culto tradicional efetuada por Diocleciano, sejam quaisquer esforços do poder

imperial em eliminar os cristãos. As críticas de Porfírio e Hierócles se basearam na falta de

fundamentos do culto cristão, pois estes não cultuavam apenas o Deus Supremo, como

também, e pior que os politeístas, cultuavam um ser humano.

Embora o neoplatonismo de Porfírio se baseasse no culto do Deus Supremo, havia

espaços para a manutenção dos cultos tradicionais, considerados como menos importantes.

49 AYMARD, André. AUBOYER, Jeannine. Roma e seu Império. v.2. São Paulo: DIFEL, 1956. pp. 277-278. 50 CARRIÉ, J-M. ROUSSELLE, A. Op. cit. 1999. pp. 179-181. 51 LANE FOX, R. Op. cit. 1988. p. 592. 52 DRAKE, H.A. Op. cit. 2000. p.148. 53 DIGESER, E. Op. cit. 2000. p. 7 passim; Op. cit. 1998. pp. 129-146.

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Em vista disso, a filosofia mística de Porfírio era compatível à política da Tetrarquia,

baseada no culto tradicional, o qual não traria a união com o Deus Supremo transcendente

nesta vida ou exaltasse o lugar no céu após a morte (privilégio dos filósofos e sábios que

tiveram uma vida contemplativa). Mas, estando o Deus Supremo em tudo, o culto tradicional

podia refletir as verdades teológicas e, assim, ser uma forma do povo cultuar o Deus

Supremo.

Nesta visão, os deuses não seriam cultuados por si, mas por serem parte do Deus

Supremo que estava sendo cultuado desta forma. Os deuses cumpriam uma função para o

povo54. O Uno seria cultuado pelo múltiplo, o qual era, por sua vez, emanação do Uno.

Por esta perspectiva da historiografia anglo-saxônica, e caso partamos das disposições

presentes no Edito de Galério55, percebemos a preocupação existente na política tetrárquica

em amoldar tudo “às leis antigas e às regras romanas”56 tendo por objetivo principal a

manutenção da ordem da Res publica.

Os cristãos eram claramente vistos como avessos à conservação do Império Romano,

sobretudo pelo abandono dos cultos tradicionais, subsistindo neles um caráter subversivo,

pois não seguiam todas as leis e os costumes dos antepassados, escolhendo as leis que melhor

lhes apraziam: Entre as demais disposições que tomamos buscando sempre o bem e o interesse da República; procuramos, com o objetivo de corrigir e provir às antigas leis e à disciplina (normas) dos romanos, que também os cristãos que haviam abandonado à religião de seus pais retornassem aos bons propósitos. Com efeito, por motivos que desconhecemos se havia apoderado deles [os cristãos] uma obstinação e uma insensatez tais, que já não seguiam os costumes dos antigos, costumes que talvez seus mesmos antepassados houvessem estabelecido pela primeira vez, mas que ditavam a si mesmos, de acordo unicamente com seu próprio arbítrio e seus próprios desejos, as leis que deviam observar e atraíam pessoas de todo o tipo e dos mais diversos lugares57.

Por isso, a perseguição se legitimava sob o ponto de vista da política empreendida por

Diocleciano, a qual se baseou num reforço da romanitas, da identidade romana, frente às

infiltrações de cultos avessos à ordem estabelecida, como o caso do cristianismo, do

maniqueísmo, e outros.

Com apenas dois anos do início da perseguição, Diocleciano e Maximiano abdicam ao

imperium, e à dignidade de Augusto, em favor de seus Césares – Galério e Constâncio. Por

54 DIGESER, E. Op. cit. 2000. pp.6-20. 55 Lact. DMP XXXIV,1-5. 56 Lact. DMP XXXIV,1; Eus. VC VIII 17,6. 57 Lact. DMP XXXIV,1-2. (Tradução nossa). C.f. Eus. VC VIII 17,7.

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sua vez, novos Césares foram eleitos, Maximino Daia, subordinado diretamente a Galério, e

Severo, subordinado a Constâncio.

Entretanto, conforme vimos, o novo arranjo tetrárquico suscitava problemas

prementes, dos quais os principais foram a exclusão dos filhos de Maximiano e Constâncio –

Maxêncio e Constantino – do novo arranjo; e a vontade de Maximiano em manter-se como

governante.

Em curto prazo, estes problemas acabaram por minar o sistema político proposto da

Tetrarquia. Após a morte do Augusto Sênior, Constâncio, uma nova onda de instabilidade

política, e guerras civis, assolaram o Império Romano, ao término das quais emergiu

Constantino, o filho do César, como único imperador, e como principal patrono da perseguida

religião cristã.

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Capítulo IV – Constantino, uma proposta de micro-análise

1. A retomada da centralização do poder imperial (c.270-306) Toda narrativa histórico-biográfica é a construção de uma trajetória a partir de

vestígios documentais. Certamente que não podemos saber tudo sobre determinado indivíduo,

e mesmo os detalhes mais simples como o nascimento e a sua morte, às vezes podem ser mais

enigmáticos que outras porções de fatos nos quais esta pessoa tomou parte. É, pois, como

reconstruir um quebra-cabeça com peças faltando.

O nascimento de Constantino é uma peça faltando. O espaço deixado por esta peça,

entretanto, pode ser preenchido através de hipóteses – construções verossímeis – moldadas a

partir de vestígios documentais.

Sabemos que o local de origem de Constantino foi a cidade de Naisso, na Mésia

Inferior (Niš, na atual Sérvia), e que era o primogênito de Flávio Valério Constâncio (c.250-

306), um militar de origem ilírica que compunha o grupo dos generais beneficiados pelas

reformas de Galieno – assim como Caro, Diocleciano e Maximiano.

Segundo duas inscrições do período1, a data de nascimento de Constantino era 27 de

fevereiro. Para o ano de seu nascimento, entretanto, não temos a mesma certeza. Podemos

seguir por dois caminhos documentais possíveis para delimitá-lo: (1) partindo da Crônica de

Jerônimo2, do Breviário de Eutrópio3, e da narrativa de Sócrates Escolástico4, temos a data 27

de fevereiro de 272, posto que para os três Constantino morreu com 65 ou 66 anos, em 337, o

que nos leva a esta data.

Caso partamos (2) da Vida de Constantino de Eusébio de Cesáreia5 e do De

Caesaribus de Aurélio Victor6, teremos a data 27 de fevereiro de 274 ou 276;

1 CIL I2: 255, 258. 2 Jer. Chron. 337b: “Enquanto preparava-se para a guerra contra os Persas, Constantino morre em Ancyra numa Villa Publica próxima a Nicomédia com a idade de sessenta e seis anos; após ele seus três filhos foram saudados Augustos”. (Tradução nossa). 3 Eutr, X. 8: “Ele estava se preparando para a guerra contra os Partos, que estavam então causando distúrbios na Mesopotâmia, ele morreu na Villa Publica, em Nicomédia, no trigésimo primeiro ano de seu reinado, e no sexagésimo sexto de idade”. (Tradução nossa). 4 Soc. HE. I. 39,1: “Um ano se passou, o Imperador Constantino, tendo acabado de entrar em seu sexagésimo quinto ano de idade, foi acometido com uma doença; ele então partiu de Constantinopla, e se fez uma viagem até Helenópolis, onde ele buscou o efeito das estâncias de águas medicinais que são encontradas na vizinhança da cidade”. (Tradução nossa). 5 Eus. VC. I. 8,1: “Mas nosso imperador começou seu reinado no momento da vida no qual o macedônio [Alexandre] morreu, e ainda dobrou a extensão de sua vida, e triplicou a extensão de seu reinado”. Eus. VC. IV. 53, 1: “Estendeu seu reinado durante trinta e dois anos menos uns meses e breves dias, e o decurso de sua vida foi aproximadamente o dobro”. (Tradução nossa).

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Esta divergência documental provém dos discursos contemporâneos de representação

da imagem de Constantino. De uma forma geral, o imperador era simbolicamente retratado

seja na linguagem artística, seja nos panegíricos e nas obras históricas7 como mais jovem do

que possivelmente era naquele momento.

Outra questão que gera debates sobre as origens de Constantino era a condição de sua

mãe, Helena. Para o autor do Origo Constantini, Helena era uma mulher de origem humilde8,

sem maiores aprofundamentos sobre a questão.

As mesmas ressalvas não tiveram Jerônimo, Eutrópio e Zósimo. Para estes autores,

Helena, que era uma mulher de família humilde, não foi legalmente desposada por

Constâncio, sendo Constantino fruto de uma relação de concubinato9.

Seja qual for o estatuto legal da união entre os pais de Constantino, um ponto é certo:

Helena não provinha de uma linhagem nobre. Este fato, juntamente com a promoção de

casamentos endogâmicos entre os membros da Tetrarquia, fez com que Constâncio a

repudiasse, em favor de Teodora – enteada do imperador Maximiano Hercúleo –, quando era

seu prefeito do pretório em 28910.

Na época em que Constantino nasceu, seu pai estava servindo como protector –

guarda pessoal – do imperador Aureliano (270-275)11, sendo inclusive um dos generais do

Império Romano treinado sob a tutela do futuro imperador Probo – juntamente com os

também imperadores Caro e Diocleciano12.

A partir de 288, Maximiano, o imperador do ocidente, escolheu Constâncio para servir

como seu prefeito do pretório, e logo em seguida arrumou seu casamento com sua enteada.

Quando Diocleciano desenvolveu o sistema da Tetrarquia, Constâncio foi cooptado como

César de Maximiano, e Galério Maximiano foi elevado à dignidade de César de Diocleciano.

6 Aur. Vict. De Caes. 41,16: “E então, com seus filhos e o de seu irmão, Dalmácio, confirmados como Césares, ele viveu sessenta e três anos, metade dos quais assim, então os treze últimos eles governou sozinho, [por fim] ele foi consumido pela doença”. (Tradução nossa). 7 Eus. VC. II. 51,1; IV. 53,1; Pan. Lat. IV(10). 16,4; VI(7). 17,1; VII(6). 5,2-3; Lact. DMP XVIII.10; XXIV.4; XXIX. 5. 8 Anon. Vales. 2. 2: “Constantino, então, nascido de Helena, uma mulher de origem muito humilde, e criado na cidade de Naisso”. (Tradução nossa). 9 Jer. Chron. 306: “No décimo sexto ano de reinado Constâncio morreu em York, na Britânia; depois dele, seu filho Constantino, nascido da concubina Helena, tomou posse do império”; Eutr. X. 2: “Constantino, seu filho com uma mulher de origem obscura, foi feito imperador na Britânia (...)”; Zós. NH. II. 8,2: “Constantino nascido pelo imperador Constâncio do trato [carnal] com uma mulher nem legalmente desposada”. (Tradução nossa). 10 Pan. Lat. II (10). 11,4. 11 PLRE I. Fl. Val. Constantius 12. 12 SHA Vita Probi XXII,3: “Ele [Probo] fez muitas façanhas com suas próprias mãos e treinou os mais ilustres generais. Pois, do seu treinamento vieram Caro, Diocleciano, Constâncio, Asclepiodoto, Anibaliano, Leônidas, Cecropio, Pisoniano, Hereniano, Gaudioso, Ursiniano, e todos os outros que nossos pais admiraram e dos quais muitos príncipes surgiram”. (Tradução nossa).

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Assim, foi formada em 1º de Março de 293 a Primeira Tetrarquia, um sistema de

governo quadripartido governado por dois Augustos e dois Césares, e cimentado por laços

matrimoniais.

Para a trajetória de Constantino, esta dignidade à qual seu pai foi alçado foi de grande

importância. Com sua mãe repudiada, e seu pai como herdeiro do Império Romano,

Constantino partiu para a corte de Diocleciano estabelecida em Nicomédia, em meados da

década de 290.

Certamente, devemos ter em mente nesta decisão a natureza cautelosa de Diocleciano.

Por um lado, Constantino teve uma educação primorosa – baseada no currículo clássico de

latim, grego e filosofia13 –, e, por outro, era um refém, o que garantia a lealdade incondicional

de Constâncio.

Como o filho de um imperador-soldado, entretanto, as obrigações principais de

Constantino eram nos campos de batalha, e foi desta forma que ele atuou durante a Primeira

Tetrarquia, chegando à posição de tribuno de primeira ordem em 30514.

Neste período, Constantino lutou sob o comando direto de Diocleciano e Galério.

Eusébio de Cesaréia nos relata que viu Constantino pela primeira vez quando este viajou com

Diocleciano através da Palestina, no decurso de sua campanha no Egito. O próprio

Constantino disse que testemunhou as ruínas da Babilônia e de Mênfis15.

Isto nos leva a concluir que Constantino participou da campanha de Galério na

Mesopotâmia em 298, e, também, tomou parte da expedição de Diocleciano ao Egito,

provavelmente em 301-2. Assim sendo, ele possuía a educação própria ao filho de um César,

e uma grande experiência militar, tendo cerca de 30 anos.

Em 1º de maio de 305, Diocleciano abdicou ao poder, e forçou Maximiano Hercúleo a

fazer o mesmo. Este foi o maior teste pelo qual o sistema de Diocleciano passou: com estas

abdicações, os Césares foram elevados à dignidade de Augustos, e novos Césares foram

cooptados.

Constâncio e Galério ascenderam à dignidade de Augustos, Severo e Maximino Daia

foram elevados à posição de Césares. Ambos também eram soldados ilíricos, sendo

13 BARNES, T. D. Op. cit. 1981. pp. 73-75; CORCORAN, Simon. The Empire of the Tetrarchs. Cambridge, 2000. pp. 253-265 passim. 14 Lact. DMP XVIII, 10. 15 Anon. Vales. 2-3 ; OC 16 ; Eus. VC I. 12,1-2, I. 19,1 ; Pan. Lat. VI (7). 3,3 ; VII(6). 5,3 ; Lact. DMP XVIII, 10. Sobre a carreira de Constantino, ver: BARNES, T.D. Op. cit. 1982. pp. 41-2; DRAKE, H.A. Op. cit. 1976. pp. 15-25; Op. cit. 1999. LENSKI, Noel. The reign of Constantine. In. Age of Constantine. Cambridge, 2006. pp.59-90.

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Maximino um protector16. Estas escolhas preteriram os filhos de Constâncio e Maximiano

Hercúleo – e, em curto prazo, levou ao colapso da Segunda Tetrarquia17.

Afastado um arranjo dinástico favorável aos imperadores ocidentais, Galério gerou um

forte descontentamento, que foi alimentado pela escolha de seu sobrinho Maximino Daia

como seu César.

Além disso, Galério mantinha Constantino sob seu comando, o que deve ter

aumentado a tensão entre os Augustos. Deste período, a propaganda constantiniana

desenvolveu vários relatos sobre os riscos aos quais Galério expôs Constantino, como

perigosos combates contra os Sármatas, no limes danubiano; ou mesmo um combate

gladiatorial que Galério patrocinou entre Constantino e um leão18.

Em fins de 305, Constâncio pediu a Galério que seu filho fosse enviado para seus

territórios a fim de que lhe ajudasse nas campanhas contra os Pictos, na Britânia. Galério

resistiu muito, entretanto, acabou por permitir, à revelia, a ida de Constantino para junto de

seu pai.

Segundo os relatos, durante a madrugada Constantino efetuou uma fuga alucinada

pelas vias romanas – utilizando os cavalos públicos, que eram sacrificados a cada posto – e,

como os enviados de Galério não conseguiram detê-lo, Constantino seguiu ao encontro de seu

pai19.

Neste ponto, há dois caminhos documentais. Para Lactâncio, (1) Constantino

encontrou seu pai no leito de morte. O que nos levaria a pensar que Constantino se encontrou

com seu pai em York, na Britânia, em julho de 30620.

Caso sigamos, (2) o Origo Constantini e o Panegírico Latino de 310, ambos

confirmam que Constâncio estava em Boulogne (Bononia), no noroeste da Gália, quando se

encontrou com seu filho, e de lá partiram em campanha para a Britânia. Meses depois foi que

Constâncio acabou morrendo em York, com seu filho junto ao leito de morte21.

16 PLRE I Galerius Valerius Maximinus Daia 12 ; Fl. Val. Severus 30. 17 Para os filhos de Constâncio com Teodora, ver: PLRE I Flavius Dalmatius 6; Iulius Constantius 7; Fl. Hannibalianus 1. Para Maxêncio, o filho de Maximiano, ver: PLRE I M. Aur. Val. Maxentius 5; CULLHED, Mats. Conseruator Vrbis Suae. Stockhohm, 1994. Sobre a possibilidade de Constantino e Maxêncio terem sido originalmente os herdeiros, ver: BARNES, T.D. Op. cit. 1981. pp. 39-43; CULLHED, op cit 1994. 18 Anon. Vales. 3; Pan. Lat. VII (6). 3,3; Lact. DMP XXIV, 4; Eus. VC I. 20,1-2. 19 Anon. Vales. 4; Lact. DMP. XXIV, 3-9; Aur. Vict. Caes. 40. 2-3; Epit. 41. 2; Zos. II. 8,3; Eus. VC I. 21. 20 Lact. DMP XXIV. 8; Eus. VC I. 18,2 ; 21,1-2; Aur. Vict. Caes. 40. 3; Epit. 41. 2. 21Anon. Vales. 4; Pan. Lat. VII(6). 7,5.

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2. Aclamação de Constantino, e seu casamento com Fausta (306-307)

Constâncio Cloro, pouco antes de sua morte em York a 25 de julho de 306, conferiu

publicamente o imperium a seu filho primogênito Constantino na presença dos oficiais de seu

exército22 – esta data, posteriormente, foi reconhecida como o seu dies natalis imperii.

Esta era uma prática comum através da história romana, o exército dava sua

aquiescência ao novo imperador eleito como sucessor, e era natural para os oficiais

escolherem o filho do imperador, ainda mais um reconhecido soldado como Constantino.

Entretanto, isto não era condizente com o sistema colegiado da Tetrarquia. Da

perspectiva dos demais tetrarcas, e, na realidade, para muitos contemporâneos, Constantino

era um usurpador. Se seguirmos os vestígios documentais, observamos que a sua promoção

gerou um profundo ressentimento da parte de Galério.

Em seu Sobre a morte dos perseguidores, Lactâncio narra uma cena na qual Galério,

irado com a aclamação de Constantino, refletia se aceitava o busto laureado que lhe havia sido

enviado, ou se o lançava às chamas23. Certamente, tal ato caracterizaria uma declaração de

guerra, o que Galério não desejava.

Por um lado, as narrativas construídas por Eusébio de Cesaréia, por Lactâncio e pelos

panegiristas latinos24, nas quais Constantino foge das ameaças de morte de Galério, devem ser

problematizadas, uma vez que advêm de grupos pró-Constantino. Por outro lado, devemos

ponderar o desejo de Galério em estabelecer, ele próprio, um arranjo tetrárquico que lhe

favorecesse ao excluir os filhos de Maximiano Hercúleo – Maxêncio –, e de Constâncio Cloro

– Constantino –, e pressionar Diocleciano a aceitar seu sobrinho Maximino Daia como César.

Era publicamente reconhecido que o estado de saúde de Constâncio não era bom25,

neste sentido, caso Galério consentisse na escolha de Constantino como César da Segunda

Tetrarquia formada em 1º de Maio de 305, teria aberto caminho para que, logo após a morte

de Constâncio, um César favorável a Constantino fosse escolhido – destruindo sua primazia

no novo arranjo político.

22 Lact. DMP XXIV, 8; Pan. Lat. VI(7). 7, 3-4; Sóc. HE. I. 2,1; Sobre a data, ver: CIL I2 268-9. Sobre o rei Croco: Epit. XLI, 3. 23 Lact. DMP XXV. 1. 24 Lact. DMP XXIV, 4; Eus. VC I. 20,1-2; Pan. Lat. VII (6). 3,3. 25 O próprio Lactâncio expôs que a fragilidade da saúde de Constâncio era conhecida por todos: Lact. DMP. XX, 1-2.

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Em favor desta interpretação, Harold Drake26 apresenta uma hipótese bem

interessante. Galério já temia que as tropas de Constâncio transferissem seu apoio ao seu filho

convenientemente presente. Neste sentido, para Drake, Galério se resignou em fazer de

Constantino um César quando permitiu que partisse, pois o caráter agudo da doença de seu

pai não podia ser escondido, e o efeito da presença do filho do imperador – e experiente

soldado – sobre as tropas era bem previsível.

Assim sendo, a ira de Galério é compreensível não pela aclamação, mas pela traição

de Constantino e Constâncio; pois, ao receber a efígie de Constantino laureado, não como

César, mas como Augusto, Galério percebeu que o acordo não havia sido seguido à risca. Não

obstante, para manter a face de legitimidade do sistema, e evitar uma guerra civil, Galério

reconheceu apenas a dignidade de César, reorganizando a Tetrarquia, com ele e Severo como

Augustos, e Constantino e Maximino Daia como Césares.

Este rebaixamento de dignidade foi prontamente aceito por Constantino, que assim se

tornou um legítimo componente da Tetrarquia – posição que ele buscou enfatizar nesta fase

inicial de seu governo27. Desde 25 de julho de 306 até o início do ano de 307, as emissões

monetárias de Constantino se alinham ao tema principal da Tetrarquia – o GENIVS POPVLI

ROMANI (Gênio do Povo de Roma).

Nos três centros de cunhagem situados em seu território – Londres, Trier e Lyon –,

foram cunhadas 28 tipologias diferentes de moedas de bronze – extremamente comuns, uma

vez que o grau de raridade das mesmas varia entre S e R – referentes ao tema do Gênio do

Povo de Roma, com a efígie de Constantino no anverso. Nestas moedas, este imperador foi

representado com a titulatura FLAVIVS VALERIVS CONSTANTINVS NOBILISSIMVS

CAESAR (Nobilíssimo César Flávio Valério Constantino)28.

No mesmo período, das oficinas de cunhagem de Sérdica (atual Sófia, na Bulgária) e

Heraclea29 – territórios controlados por Galério – advêm dois exemplares desta mesma

tipologia de moeda com a efígie de Constantino, e a mesma fórmula onomástica. Estes

exemplares demonstram a posição legítima que Constantino gozava no interior da Tetrarquia,

uma vez que em todas as emissões do período que foram analisadas, a tipologia do GENIVS

26 DRAKE, H.A. In Praise of Constantine. Berkeley, 1976. p.18. 27 ILS 657, 682; Lact. DMP XXV. 1-5; Pan. Lat. VII(6). 8,2; VI (7). 5,3. 28 Segundo o RIC as seguintes moedas foram cunhadas entre 25 de julho de 306 e início de 307: RIC VI Londres 66(S), 67b(R), 71(R), 72(S), 73(R2), 87(R), 88b(C), 89b(C), 92(R), 94(R), 95(R), 97(R), 99(R); Treveri 659(R), 661b(R), 662(R), 663(R), 665c(R), 666(R), 666A(R), 667c(S), 668c(C), 669b(S), 670(R), 679(R3), 680(R3); Lyon 189(S), 190b(S), 191(R), 194b(S), 195(R), 196(R), 198(R), 199c(R); Serdica 20(R4), 26(R3); Nicomedia 42(R3), 45(R4), 49b(R); Antioquia 87b(R2), 94b(R2); Alexandria 63(R), 85(S). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 2, constante do Anexo. 29 RIC VI Serdica 26(R3); Heraclea 31(S).

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POPVLI ROMANI é compartilhada pelos tetrarcas – Severo, Galério, Maximino Daia e

Constantino.

Estas emissões referendavam a posição de Constantino enquanto Nobilissimus Caesar,

submetido diretamente a Severo e Galério, e igualado a Maximino. Além disso, demonstram a

posição ilegítima de Maxêncio, que em 28 de outubro de 306 havia tomado o poder em Roma,

e estabelecido sua soberania sobre a Itália e o Norte da África.

A ênfase neste tema tetrárquico – o único produzido nos centros de cunhagem de

Londres, Trier e Lyon, neste período –, denota o esforço de Constantino em se representar

como membro da Tetrarquia, afastando a sombra da usurpação, e revestindo-se de

legitimidade, com a anuência do Augusto Sênior Galério.

O aspecto simbólico Gênio do Povo de Roma, e sua importância enquanto símbolo

identitário romano no período da Tetrarquia, é um tema ainda pouco explorado e que requer

um espaço que não dispomos no presente trabalho. Cabe salientar a sua importância enquanto

corporificação da Res publica romana, e do programa de restauração posto em prática por

Diocleciano durante seu governo.

O ano de 307 apresentou um dos primeiros pontos críticos para Constantino, e no qual

foi obrigado a estabelecer escolhas perante um feixe de possibilidades, que poderiam levá-lo

ao sucesso, ou ao fracasso.

Após Galério ter cooptado Constantino, em poucos meses, iniciou-se um problema

ainda maior, que levou a Segunda Tetrarquia a perder o controle sobre a Itália e a África.

Maxêncio – o filho de Maximiano Hercúleo, outro candidato afastado do arranjo político da

Segunda Tetrarquia – aproveitou-se dos distúrbios da nova política fiscal proposta por

Galério30, e cooptou o corpo de Guardas Pretorianos, que acabaram por aclamá-lo imperador

com o arcaizante título de princeps31, em 28 de outubro de 306.

Ao mesmo tempo, Maxêncio convenceu seu pai, Maximiano Hercúleo, a deixar seu

retiro na Lucânia para reassumir a púrpura imperial, se juntando à sua causa32. Os pretorianos

e as coortes urbanas estavam desgostosos com sua situação desde que Diocleciano e Galério

reduziram-lhes a uma posição meramente cerimonial. Eles acabaram por ver Maxêncio como

o campeão de sua causa.

30 Lact. DMP XXVI. 2-6. Galério propunha que Roma e a Itália Suburbicária pagassem impostos, demonstrando que a Vrbs não era mais o centro do mundo, e que os privilégios gozados pelos romanos desde a expansão republicana estavam para acabar. 31 RIC VI 135, 137, 138, 140. Estas moedas foram cunhadas em fins de 306. 32 Lact. DMP XXVI. 2-3, 6-7; Zos. HN. II. 9,3; Anon. Vales. 6; Eutr. X. 2,3; Aur. Vict. De Caes. XL, 5; Epit. XL,2 ; 10-12; Jer. Chron. 307; Soc. HE. I. 2,1.

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O povo de Roma também aprovou o “usurpador”, afinal eles viram seus privilégios

tolhidos durante a Tetrarquia, e se iraram contra as disposições de Galério, que acabavam por

liquidar a posição prestigiosa de Roma33. Maxêncio, então, capitalizou a onda de

descontentamento na Itália; no entanto, faltava-lhe um mecanismo central para legitimar seu

poder, um exército.

Conforme o estudo do arqueólogo sueco Mats Cullhed34, Maxêncio alimentou o apoio

destes aliados ao promover um programa de revitalização da Vrbs: aumentou o tamanho e o

prestígio da Guarda Pretoriana; manteve os privilégios do populus romanus; e investiu num

programa obras públicas, como a restauração e construção de templos, expansão do Circus

Maximus, e a construção da maior Basílica Pública de Roma (Basílica de Maxêncio). Tudo

isto enquanto promovia sua imagem como o Conseruator Vrbis (Conservador de Roma) em

suas moedas, e inclusive dando a seu filho – por sua vez, neto de Galério – o nome de

Rômulo.

Embora este projeto de reviver a glória romana fosse central na afirmação de seu

poder nas áreas que governava, Maxêncio tinha um problema ainda maior, que era garantir a

aprovação dos demais tetrarcas, em especial seu sogro Galério, então Augusto Sênior.

Entretanto, o sistema político era uma Tetrarquia, não uma Pentarquia.

Poucos meses após a elevação de Maxêncio, Galério enviou em campanha o Augusto

do Ocidente, Severo, de Milão para Roma, com o objetivo de acabar com a usurpação de

Maxêncio. Quando Severo se aproximou dos muros de Roma, entretanto, teve uma terrível

supressa ao ver que seus soldados desertaram, dando seu apoio a Maxêncio. Duas explicações

são possíveis para este evento: (1) Maxêncio simplesmente comprou o apoio do exército a

peso de ouro; (2) quando se aproximaram de Roma, os soldados desertaram ao verem que seu

antigo Augusto, Maximiano Hercúleo, estava com Maxêncio.

Em face destas deserções, Severo fugiu para Ravena, no nordeste da península itálica,

uma cidade inexpugnável devido a seus pântanos circundantes. Maximiano seguiu para

negociar com Severo, que foi convencido a deixar a cidade com uma promessa de anistia.

Severo foi capturado, daí temos novamente duas opções a seguir: (1) ele foi enclausurado na

cidade de Tres Tabernae, ao sul de Roma; ou (2) simplesmente foi executado em Ravena35.

Nesta situação, o primeiro impulso de Maximiano e de Maxêncio foi o de buscar

aliados entre os governantes legítimos, e a escolha recaiu sobre Constantino, que era ligado 33 Lact. DMP XXVI,2-3; Aur. Vict. De Caes. XXXIX, 47. 34 CULLHED, M. Op. cit. 1994. 35 Pan. Lat. IX (12). 3,4 ; Zos. HN. II. 10, 1-2; Anon. Vales. 9-10; Lact. DMP XXVI. 4-11; Eutr. X. 3,4; Aur. Vict. De Caes. XL. 6-7; Epit. XL. 3; Jer. Chron. 307.

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por laços familiares com Maximiano. Deste período – entre 28 de outubro de 306 e a

primavera de 307 – as oficinas de cunhagem em Roma emitiram moedas a Constantino

(Nobilissimus Caesar), Maximiano (Senior Pius Felix Augustus) e Maxêncio (Princeps

Inuictus) em ouro, prata e bronze.

Um dos pontos centrais destas cunhagens foi relacionar Constantino à dinastia

Hercúlea – da qual seu pai “descendia” por ser filho adotivo de Maximiano Hercúleo –

através de uma tipologia compartilhada entre Constantino, Maximiano e Maxêncio, com a

legenda HERCVLI COMITI AVGVSTORVM ET CAESARVM NOSTRORVM (Ao

Hércules Acompanhante Divino dos Nossos Augustos e Césares)36.

Por se tratar de uma cunhagem cujo material base é o ouro, podemos argumentar que

estas moedas se destinaram aos grupos dominantes da Itália, como os pretorianos, os oficiais

do exército, e os senadores. Sendo seu objetivo principal apresentar a força da dinastia cujo

deus Hércules era o “acompanhante divino”, e lançava uma proposta de aliança entre os

governantes itálicos e Constantino.

Nas cunhagens de base prata – utilizada principalmente para o pagamento do soldo –

enfatizou-se o tema da VIRTVS MILITVM (Virtude dos soldados), compartilhado

igualmente entre os três imperadores37

Com o desaparecimento do Augusto Severo – na primavera de 307 –, vemos cessar a

produção de suas moedas no território imperial. Simultaneamente, observamos que as Casas

de Cunhagem de Lyon e Trier começaram a cunhar moedas com a efígie de Maximiano

Hercúleo como imperador38, e no verão de 307 a casa de Londres passou também a cunhar

moedas com sua efígie.

Entretanto, este aparecimento de Maximiano nas emissões de Constantino não foi

concomitante a um desaparecimento dos demais tetrarcas. Constantino apresentou uma

posição dúbia: por um lado, continuava a cunhar moedas com as efígies de Galério e

Maximino Daia, por outro cunhava moedas com a efígie de Maximiano. Apenas Maxêncio,

abertamente considerado um usurpador, não foi contemplado pelas emissões de Trier, Lyon e

Londres, neste período inicial.

36 Constantino: RIC VI Roma 139(R5); Maximiano: RIC VI Roma 137(R4), 138(R5); Maxêncio: RIC VI Roma 147(R4). 37 Constantino: RIC VI Roma 154(R), 155(R3); Maximiano: RIC VI Roma 156(R3), 157(R3); Maxêncio: RIC VI Roma 153(R2). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 3, constante do Anexo. 38 Após abdicarem do poder em 1º de Maio de 305, Diocleciano e Maximiano Hercúleo deixaram de usar o título imperator e passaram a ser apresentados nas moedas com a legenda DOMINO NOSTRO DIOCLETIANO (ou MAXIMIANO) BAEATISSIMO (ou FELICISSIMO) SENIORI AVGVSTO. Ao retomar o imperium, em fins de 306 Maximiano deixou de ser representado desta forma, passando novamente a ser chamado como imperador.

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No verão de 307, esta aproximação entre Constantino e Maximiano levou à

progressiva diminuição das emissões com o tema tetrárquico do Gênio do Povo de Roma39,

preferindo-se, por outro lado, apresentar o relacionamento entre estes dois imperadores e as

divindades, em especial, o deus Marte40 – para ambos –, e Hércules para Maximiano41.

No que se refere ao deus Marte, há um grande número de exemplares relacionando sua

imagem à efígie de Constantino. Os aspectos enfatizados nestas emissões foram MARS

VICTOR (Marte vitorioso), MARTI PACIFERO (Ao [deus] Marte Pacificador), e MARTI

PATRI CONSERVATORI (Ao [deus] Marte conservador da Pátria).

Devemos ter em vista que a representação do deus Marte se relaciona ao contexto de

guerra contra os bárbaros no qual Constantino estava imerso, em especial a ameaça dos

Francos e Bructeros na Gália42 – simbolizando, por conseguinte, o apoio deste deus que

permitiu a conservação da Pátria através das vitórias de Constantino.

Deste modo, as escolhas operadas por Constantino, no verão de 307, foram em prol do

aprofundamento de suas relações com Maximiano Hercúleo, o que foi formalizado pelo seu

casamento com Fausta. Este matrimônio, inserido no contexto da iminente invasão de Galério

à Itália, deve ser analisado como uma estratégia de Maximiano para fortalecer sua posição

frente à Galério, conformando um novo arranjo sob sua liderança.

Em contrapartida, Constantino era reconhecido em sua dignidade de Augusto43, como

membro da dinastia Hercúlea, possuindo uma natureza duplamente imperial – por ser também

filho de Constâncio –, conforme foi enfatizado no panegírico pronunciado na cerimônia de

casamento44. Constantino, assim, consolidava a sua posição como legítimo governante na

Gália, Península Ibérica e na Britânia.

Não obstante este caráter hercúleo que o panegirista anunciou durante o casamento,

existe nenhum exemplar monetário no qual Constantino apareça com Hércules, oriundo de

39 Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 2, constante do Anexo. As últimas emissões com este tema datam de 308, nas oficinas de Lyon e Trier; e 316 em Londres. Entretanto, o auge da cunhagem desta tipologia é entre fins de 306 e 308, com um retorno substancial entre 313 e 315. 40 Constantino: RIC VI Londres 92 (R), 94 (R), 95 (R); RIC VI Trier 724 (R), 725 (C2), 726 (C), 727 (C), 728(R), 729(R), 730 (C2), 731 (R), 732 (R2), 739 (R4), 740(R3), 741(R2), 742(R5); Maximiano RIC VI Londres 93 (R), 96 (R). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 4, constante do Anexo. 41 RIC VI Londres 91 (S). 42 Pan. Lat. VII (6). 10, 1-6; 11, 5; 12, 1. 43 A partir do outono de 307, Constantino passa a ser representado com o título de Augusto nas moedas cunhadas em seus territórios. 44 Pan. Lat. VI (7). 1, 1-5; 2, 5; 8, 1; 14, 3-7.

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seus centros de cunhagem. Por outro lado, mantinha-se a primazia de Marte45, e surgia

timidamente um dos principais temas numismáticos constantinianos, o deus Sol Invicto46.

Simultaneamente, passaram a ser cunhadas moedas com a efígie DIVO

CONSTANTIO PIO (Ao divino Constâncio, o Pio), nas Casas de Cunhagem de Trier,

Londres e Lyon47, demonstrando a preocupação de Constantino em relacionar a sua imagem

com a de seu pai Constâncio, então divinizado. Para o panegirista de 307, esta também foi

uma das saídas encontradas para glorificar o pouco conhecido Constantino, pois, em

contrapartida, havia muito que se louvar de seu pai Constâncio48.

Deste mesmo período, possuímos um exemplar de moeda com a efígie de Fausta. Uma

peça de prata que foi cunhada em Trier com a fórmula onomástica FAVSTAE

NOBILISSIMAE FEMINAE (À Nobilíssima Mulher Fausta), em cujo reverso apresenta-se a

legenda Venus Felix, com a deusa da fertilidade exibindo um orbis terrarum – símbolo de

poder – e uma palma – símbolo da vitória49.

A partir da análise do Panegírico de 307 e das moedas cunhadas no período, podemos

concluir uma posição ambígua de Constantino frente a qual grupo deveria apoiar. Enquanto

no discurso laudatório há uma ausência de menções seja a Maxêncio, seja a Galério – cujo

conflito era uma das causas desta aliança matrimonial –, nas moedas cunhadas em Lyon

observamos a coexistência de ambos os imperadores nas emissões constantinianas durante o

ano de 30750.

Entretanto, Galério desapareceu das emissões de Trier e Londres, o que foi simultâneo

à interrupção das emissões com a imagem de Constantino nos territórios controlados por

Galério e Maximino Daia (regiões do Oriente romano), situação que se manteve até a

Conferência de Carnuntum (em Novembro de 308).

A partir do que foi analisado na documentação de cultura material e na documentação

escrita, podemos interpretar que ao optar pela aliança com Maximiano Hercúleo –

formalizada pelo casamento com Fausta –, e assumir novamente o título de Augusto,

45 Cunhadas entre outono de 307 e fins de 308: RIC VI Londres 107(R), 108(S), 109(S); RIC VI Trier 772a(C), 773(S), 774(S), 775(S), 776(S), 777(S), 778(R), 779(R); RIC VI Lyon 260(S), 263(R). 46 Estas moedas foram cunhadas entre o outono de 307 e fins de 308: RIC VI Londres 101(R), 102(R). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 5, constante do Anexo. 47 RIC VI Londres 110(C); RIC VI Trier 789(C), 790(R); RIC VI Lyon 264(S), 265(R), 266(R), 267(R), 268(R), 269(S). Para exemplares destas tipologias, ver as Moedas 6 e 7, constante do Anexo. 48 Pan. Lat. VI (7) 3, 3; 5, 1-3; 14, 3. Ver: RODGERS, Barbara Saylor. The metamorphosis of Constantine. The Classical Quarterly. v.39. n.1., 1989. p.236. 49 RIC VI Trier 756(R4). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 8, constante do Anexo. 50 Maxêncio: RIC VI Lyon 256(R), 274(R); Galério: 247(C), 254(R), 272(R2), 277(S), 282(R)..

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Constantino se colocou contrário a Galério, e, por pouco tempo, favorável às pretensões de

Maxêncio.

Outro dado que corrobora com nossa argumentação foi o reconhecimento de

Constantino e Maximiano Hercúleo como cônsules do ano de 307, nos territórios de

Constantino, enquanto que nas demais regiões do Império, Severo – posteriormente Galério –

e Maximino Daia, haviam sido reconhecidos nessa dignidade.

O texto do panegírico nos deixa entrever a tentativa de reestruturação do governo

imperial a partir de uma aliança entre Constantino e Maximiano, na qual este administraria o

Império Romano, e aquele seria o lugar-tenente contra os germanos. Esta estrutura seria

legitimada pela autoridade do Augusto Sênior Maximiano – sua dinastia Hercúlea –, e pela

apropriação da memória de Constâncio Cloro, cujo exército era o esteio do poder imperial de

Constantino, e contraponto a qualquer investida de Galério contra as pretensões de ambos.

Neste sentido, nossa argumentação nos leva a refutar a visão historiográfica corrente a

qual defende que Constantino e Galério não romperam suas relações políticas. Tal posição foi

defendida, por exemplo, por Charles Matson Odahl51 e Noel Lenski52.

Por nosso lado, percebemos que uma micro-análise desta questão nos leva a inferir o

tipo de relacionamento figuracional que ocorria naquele período. Do lado de Constantino,

inicialmente, um duplo esforço pela manutenção de sua posição legítima no interior do

arranjo político, ao mesmo tempo em que cooptava – e era cooptado por – Maximiano como

aliado, fortalecendo sua posição enquanto governante nas Gálias. Do lado de Galério, a

tentativa de manter o controle do sistema político, evitando novas irrupções contrárias à sua

primazia como Augusto Sênior. Do lado de Maxêncio e Maximiano, a busca de um aliado

para contrabalançar o risco da invasão de Galério, ou, pelos menos, neutralizar um possível

inimigo.

O rompimento entre Constantino e Galério é um claro indício das tensões entre os

governantes da Tetrarquia, ao mesmo tempo em que evidencia as ações de Constantino

relacionadas aos mecanismos de legitimação política, poder militar e herança dinástica

hercúlea, e, secundariamente, o apoio de um deus – uma vez que Marte embora figure em

primeiro plano, não foi apresentado como um acompanhante divino (comes).

Em relação a este período, outro ponto a ser aprofundado é a questão da relação entre

Constantino e o Cristianismo no início de seu governo. Segundo Lactâncio:

51 ODAHL, Ch. Op. cit. 2004, pp. 88-89. 52 LENSKI, N. Op. cit. 2006, pp. 61-64.

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Uma vez imperador, Constantino Augusto, o primeiro [ato] que fez foi devolver aos cristãos seus cultos e seu Deus. Esta foi sua primeira medida de restauração da santa religião 53.

Com muita autoridade, T.D. Barnes54 argumentou que se deve creditar esta informação

de Lactâncio como verdadeira, uma vez que todas as evidências nos levam a afirmar que

Constantino apenas aprofundou a política de seu pai Constâncio55, o qual não perseguiu os

cristãos para além do primeiro edito – que ordenava a destruição das casas de culto.

Entretanto, não podemos afirmar a partir desta medida que Constantino fosse cristão,

visto que Maxêncio também ordenou o fim das perseguições em seus territórios56, sendo

considerado um tirano que só buscou angariar apoio com tal medida.

Neste ponto, a interpretação de H.A. Drake, para o qual Constantino, neste primeiro

momento, buscava cimentar o apoio com vários grupos políticos que pudessem legitimar seu

poder, nos parece ser a mais interessante.

No estágio atual das pesquisas sobre Constantino, não podemos afirmar

categoricamente uma conversão deste imperador antes de assumir o poder em 306. Todas as

evidências numismáticas do período, e o Panegírico de 307, apontam para a manutenção dos

caracteres simbólicos da Tetrarquia – como o Gênio do Povo de Roma, o desenvolvimento de

uma dinastia Hercúlea –, e do paganismo romano – como o deus Marte Conservador da Pátria

ou a deusa Vênus associada à imperatriz Fausta.

Em contrapartida, possuímos apenas os testemunhos tardios de Lactâncio e Eusébio de

Cesaréia, que datam da década seguinte. Isto contribui para manter a incógnita pairando sobre

estas primeiras ações de Constantino, e sobre quais grupos buscou se apoiar nas disputas pela

manutenção de poder entre 306 e 307.

53 Lact. DMP XXIV, 9. (Tradução nossa). 54 BARNES, T.D. Lactantius and Constantine. Journal of Roman Studies. v. 63, 1971. pp. 43-46. 55 Eus. HE. VIII. 13, 13-14. 56 Eus. HE. VIII. 14, 1: “Seu filho [de Maximiano], Maxêncio, que em Roma governava tiranicamente, no início fingiu estimar a nossa fé, no intuito de agradar e adular o povo romano e com este fito ordenou aos subordinados que suspendessem a perseguição contra os cristãos; simulou piedade a fim de aparentar maior capacidade de acolhimento e brandura que seus predecessores”.

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3. Conferência de Carnuntum e a morte de Maximiano (308-310)

Durante o ano de 307, Constantino continuou servindo como um César, garantindo a

supremacia romana sobre os germanos no limes renano. No início daquele ano, efetuou

operações contra os francos na região do Baixo Reno, as quais levaram à captura dos reis

Ascarico e Merogeso, que, após o triunfo de Constantino em Trier (Augusta Treuerorum),

foram lançados às bestas no anfiteatro da cidade57.

Novamente, em 308, ele efetuou outra campanha no Baixo Reno, contra os francos

bructeros, e construiu uma ponte sobre o rio perto de Colônia (Colônia Agrippinensium), para

facilitar a defesa do território ao permitir o rápido avanço das tropas para além-Reno58.

Entre 307 e 310, reiteradamente Constantino foi obrigado a fazer frente a incursões de

germanos no limes renano. Estas campanhas são refletidas nas emissões monetárias cujo tema

principal são as múltiplas atribuições do deus da guerra Marte nas moedas cunhadas em

Londres, Lyon e Trier59, e nos Panegíricos Latinos que glorificavam seus triunfos militares60.

Além das moedas com a efígie de Marte, outro aspecto enfatizado nas emissões

constantinianas é a figura de Constantino enquanto PRINCEPS IVVENTVTIS (Príncipe da

Juventude)61. Podemos relacionar esta legenda ao papel de campeão contra os germanos que

Constantino assumiu legitimamente após seu casamento com Fausta, conforme foi

apresentado pelo orador de 307. Juntamente com esta legenda, surge em Trier a legenda

VIRTVS MILITVM62, que também denota o aspecto militar e as campanhas contra os

germanos, esta, em geral, encontrava-se inscrita em moedas de prata utilizadas no pagamento

do soldo dos soldados.

Cabe salientar que, nestas emissões, Constantino ordenou a cunhagem de moedas

simultaneamente para os outros tetrarcas (Galério63 e Maximino Daia64) e para os

considerados usurpadores (Maximiano Hercúleo65 e Maxêncio66). As moedas de Galério são

57 Pan. Lat. VI (7). 10, 2; 11, 6; VII (6). 4,2; X (4). 16,5-6; Eutr. X. 3-2. 58 Pan. Lat. VI (7). 12, 1-13; X (4). 18, 1-19. 59 RIC VI Londres 107(R), 108(S), 109(S), 118(R), 119(R); Trier 772a(C), 773(S), 774(S), 775(S), 829(R), 830(S), 831(S), 834(S); Lyon 240(S), 241(S), 242(S), 243(S), 260(S), 263(R), 283(S), 294(S), 295(S), 296(S), 304(C). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 4, constante do Anexo. 60 Pan. Lat. VI(7); Pan. Lat. VII(6). 61 Entre 307 e finais de 308: RIC VI Londres 111(S), 112(S); Trier 733b(S), 734(C2), 735(S), 743(R2), 784(R), 785(S), 786(S), 787(S); Lyon 244(S), 245(S), 270(S), 273(R2). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 9, constante do Anexo. 62 RIC VI Trier 758(R2), 759(R4), 760 (R4), 764(R5), 765(R5). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 3, constante do Anexo. 63 Galério: RIC VI Trier 757(R3); Lyon 272(R2), 277(S), 282(R). 64 Maximino Daia: RIC VI Lyon 257(S), 261(R), 271(S), 275(S) 65 Maximiano Hercúleo: RIC VI Trier 761(R4). 762(R5); 766(C), 767(C), 768(C), 769(R), 772b(R)

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raríssimas, sendo os últimos exemplares deste imperador cunhados nos territórios de

Constantino.

Após o casamento de Fausta e Constantino, Maximiano retornou a Roma. Entretanto,

sua relação com Maxêncio rapidamente se deteriorou. Assistiu-se, em seguida, uma tentativa

de golpe de Maximiano contra seu filho, o que resultou em fracasso, pois os oficiais e a elite

senatorial de Roma se mantiveram fiéis a Maxêncio, levando o Augusto Sênior a pedir asilo a

seu cunhado Constantino67.

Este evento também significou o enfraquecimento do poder de Maxêncio,

principalmente no Norte da África, onde Maximiano gozava de muita popularidade, e possuía

muitos aliados. Em 308, após a quebra das relações entre pai e filho, Lucio Domício

Alexandre, vicário da África foi proclamado imperador em Cartago68. Em seguida, ele buscou

o apoio de Constantino conforme atesta uma inscrição do período, no que, entretanto, não

houve reciprocidade69.

Neste mesmo ano, assistiu-se um movimento de reaproximação dos tetrarcas. Um dos

dados que indicam tal tomada de posição foi o reconhecimento de Galério e de Diocleciano

como cônsules, exceto nos territórios controlados por Maxêncio.

Percebe-se que Galério tentou reordenar o governo imperial, apelando para a

autoridade moral de Diocleciano. Em novembro de 308, ele convenceu o Augusto Sênior a

presidir uma conferência na cidade de Carnuntum (atual Petronell, na Áustria), às margens do

rio Danúbio.

Constantino, que estava ocupado lutando contra os germanos na Gália, pessoalmente

não compareceu à conferência, se fazendo representar por Maximiano Hercúleo – que

também buscava manter seu próprio status como governante legítimo. Deste encontro em

Carnuntum decorreram as seguintes disposições70:

(1) Maximiano foi novamente retirado do cenário político – se tornando um

priuatus de Constantino –, e um antigo companheiro de armas de Galério, Licínio

(308-324), foi indicado para a dignidade de Augusto, no lugar deixado vago por

Severo;

66 Maxêncio: RIC VI Trier 772c(R2), Lyon 256(R), 274(R) 67 Lact. DMP XXVIII,1-4. 68 Zos. HN II. 12, 1-3; Aur. Vict. De Caes. XL. 17-19 ; Epit. XL. 2 ; ILS 674 (= CIL VIII :7004); 8936 (=CIL VIII: 22183). RIC VI Carthago 62(R4), 63(R5), 64(R4), 65(R4), 66(R5), 67(R5), 68(R4), 69(R5), 70(R4), 71(R4), 72(R3), 73(R4), 74(R5), 75(R4), 76(R5). 69 ILS 8936 (= CIL VIII: 22183). 70 Lact. DMP XXIX,1-2 ; Anon.Vales. 3 ; 6 ; Aur. Vict. De caes. XL. 8-9 ; Eutr. X. 3,3; 4,1 ; Pan. Lat. VI (7). 14,6; 15,1.

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(2) Maxêncio e Domício Alexandre tiveram todas as suas reivindicações

negadas, sendo considerados como inimigos da Res publica;

(3) Constantino foi novamente rebaixado à dignidade de César.

Do encontro de Carnuntum, embora Maximiano Hercúleo reprovasse as disposições

de Galério71, resultaram medidas de ordem e legitimidade à nova Tetrarquia composta em 308

por Constantino, Maximino Daia, Licínio e Galério.

Não obstante a fachada de reordenamento, a situação se manteve instável e as disputas

apenas foram arrefecidas. Formalmente rebaixado a César, Constantino continuou a cunhar

moedas com a titulatura de Augusto, e Maximiano desaparecia progressivamente de suas

emissões monetárias nos anos seguintes, enquanto surgiam as efígies de Licínio72

Entretanto, esta situação não se manteve por muito tempo. Após subjugar novamente

os francos no Baixo Reno, em meados de 309, Constantino foi informado que Maximiano

havia assumido a púrpura e convencido um grupo de oficiais de Autun (Augustodunum) a se

revoltar.

Rapidamente, Constantino partiu de Colônia (Colonia Agrippina) avançando para o

sul, até chegar em Autun; enquanto isso, Maximiano fugiu para Marselha (Massalia), cidade

que foi fortificada pelo imperador. Ao se aproximar de Marselha, Constantino conseguiu

demover os oficiais de seguirem Maximiano, e seu sogro foi-lhe entregue.

Ao invés de executá-lo por traição, Constantino perdoou Maximiano, que se tornou,

novamente, um priuatus em Arles (Arelatum)73. Uma possível explicação para este gesto

repousa no prestígio que Maximiano gozava na Gália, e do qual Constantino ainda tirava

proveito em se associar.

No entanto, num período entre o final do ano de 309, e o início de 310, novamente o

antigo Augusto Sênior tentou outro golpe para assassinar Constantino. Nesta situação, foi

importante o papel de Fausta, filha de Maximiano e esposa de Constantino. Segundo

Lactâncio, Maximiano estava novamente organizando um complô contra Constantino, e desta

vez buscou o apoio de sua filha para eliminá-lo.

Duas opções se puseram diante de Fausta naquele momento, ou ficava ao lado de seu

pai, que se encontrava sem apoio militar na Gália, e que poderia ser massacrado pelo exército

após a conjura. Ou ficava ao lado de Constantino, garantindo sua própria segurança, e a vida

de seu esposo com quem vivia havia três anos em Trier.

71 Lact. DMP XXXII, 1-3; Eus. HE VIII,13,15. 72 Em 309: RIC VI Trier 799(R5), 800(R4), 813(R4), 817(R2), 825(R3). 73 Lact. DMP. XXIX, 3-8; Pan. Lat. VI (7). 16, 1-2; 18, 2ss; 20, 1; Eutr. X, 3.

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Dentre estas duas escolhas principais, Fausta preferiu alertar seu esposo sobre o

estratagema que havia sido incitada a tomar parte74.

[Maximiano] Chama a sua filha Fausta e, entre súplicas e lisonjas, trata de induzi-la a trair seu esposo. Promete-lhe casá-la com outra pessoa de maior status, e lhe pede que faça com que o quarto onde dormem ficasse aberto, e que relaxasse a segurança. Ela lhe promete fazer deste modo, mas imediatamente comunica a seu esposo. Prepara-se um estratagema a fim de que o crime fosse descoberto: o imperador se faz substituir por um desprezível eunuco para que este morresse em vez dele. Maximiano se levanta à meia noite e vê que tudo está preparado para seu atentado. Os guardas que havia eram poucos e, ademais, estavam distantes. Disse-lhes que havia tido um sonho e que queria contá-lo a seu filho. Penetra com armas em punho e, após matar com uma estocada, começa a dar saltos de alegria orgulhando-se do que havia feito. De repente surge Constantino na parte oposta do cômodo com um pelotão de soldados armados. Foi retirado o cadáver da vítima do cômodo. O homicida capturado em flagrante se mantém imóvel e mudo de estupefação, como se fosse “dura pederneira ou um bloco de mármore de Marpesia”. Lança-lhe à face seu sacrílego crime. Por último, lhe concede a faculdade de eleger o tipo de morte, e “de uma alta viga pende o laço de sua feia morte”75.

Descoberto em flagrante, Constantino ordenou a prisão de Maximiano, e, segundo a

maior parte da documentação escrita, forçou-o a cometer suicídio76.

O complô e a morte de Maximiano eram, naturalmente, assuntos difíceis de serem

tratados publicamente. Ao mesmo tempo em que era do conhecimento de todos, era

necessário o uso dos termos corretos para lidar com a situação, tal como fez o autor anônimo

do Panegírico de 310, que foi dirigido a Constantino em julho daquele ano.

Esta prudência do orador o leva a justificar os atos de Maximiano através do fatum (da

fatalidade), e de sua desenfreada ganância77. Para Rodrigues Gervás78, a explicação para o uso

desta categoria estóica era a existência de partidários de Maximiano entre os ouvintes da

corte, como revela o episódio de Marselha.

Conforme nos lembra Noel Lenski79, a ligação dinástica de Constantino com a casa de

Maximiano Hercúleo – que durou três anos – perdeu todo o seu valor público, e a suspeita de

74 Lact. DMP. XXX, 1-2; Eutr. X, 3; Zos. HN II 11,1 75 Lact. DMP XXX, 1-2 (Tradução nossa). Zós. HN II 11,1, por seu lado, nos diz que Maximiano não foi levado ao suicídio, mas morreu em Tarso de uma enfermidade. 76 Pan. Lat. VII (6). 14,1-20,4; Lact. DMP XXIX, 3-8; Aur. Vict. De Caes. Xl. 21-22; Epit. XL; 4; Jer. Chron 308; Eutr. X. 3,2; Zos. HN II. 10-11; Eus. HE VIII. 13,15; Eus. VC I. 47,1 Oros. Hist. VII. 28.9. 77 Pan. Lat. VII (6). 14, 5. 78 RODRIGUES GERVÁS, Manuel J. Propaganda política y opinión publica en los Panegíricos Latinos del Bajo Imperio. Salamanca, 1991. p. 37. 79 LENSKI, Noel. Op. cit, 2006. p. 66.

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que Constantino era um bastardo – o que manchava a sua ancestralidade –, era um fato a ser

pensando.

O poder de Constantino que então se legitimava sobre o exército e a ligação com a

dinastia Hercúlea, abertamente seguiu um novo rumo a partir de então. Concordamos com B.

H. Warmington80, quando argumenta que o orador de 310 se concentrou sobre dois temas

principais: (1) a descendência de Cláudio Gótico81, e (2) a visão que Constantino teve de

Apolo82.

Em relação ao primeiro tema, o Panegírico de 310 é o primeiro documento

constantiniano a afirmar que Constantino possuía um parentesco com o imperador romano

Cláudio Gótico (268-270), sendo, por sua vez, o terceiro imperador de sua linhagem. Este

fato, o distinguiria dos demais imperadores, uma vez que ele nasceu imperador83, e seu

reconhecimento pelos demais tetrarcas nada adiciona a seu prestígio.

Embora haja uma clara menção à hereditariedade, Warmington84 não a enxerga de

forma plena neste panegírico, posto que: haja (1) uma clara menção à escolha de Constantino

por seu pai – o Divino Constâncio –, aprovada pelos outros deuses85; (2) se enfatize o papel

80 WARMINGTON, B. H. Aspects of Constantinian propaganda in the Panegyrici Latini. Transactions of American Philological Association. v. 104. 1974. p. 374. 81 Pan. Lat. VII (6) 2, 1-3: "1Começarei, pois, por este divo que está nas origens de tua família, desconhecido ainda, talvez, por muitos, mas perfeitamente conhecido pelos que te amam. 2Os laços de sangue te vinculam ao divino Claudio, teu avô, que foi o primeiro a trazer ao império romano a disciplina, relaxada e arruinada, e que, tanto na terra, quanto no mar, aniquilou as incontestáveis tropas dos godos, vomitadas pelos estreito do Ponto e pelas bocas do Danúbio. Oxalá, tivesse trabalhado durante mais tempo na restauração do gênero humano e não se tivesse convertido tão prontamente em companheiro dos deuses! 3Assim, pois, ainda que este dia felicíssimo que há muito pouco celebramos piedosamente, seja considerado como o dia de teu advento ao poder, porque foi o que pela primeira vez te adornou com a vestimenta que levas, é, não obstante, este ilustre fundador de tua linhagem o que te transmitiu teu domínio imperial” (Tradução nossa). 82 Pan. Lat. VII (6) 21, 3-7: “3No dia seguinte àquele no qual, informado desta agitação [dos germanos], havias feito dobrar os preparativos, te inteiraste de que todas aquelas turbulências haviam se acalmado e de que havia voltado à tranqüilidade tal qual a deixaras ao partir; a fortuna o presenteava com tudo, de forma que o feliz resultado de tuas coisas te fez pensar em levar aos deuses imortais as oferendas que lhes havias prometido no lugar em que te desviastes para ir ao templo mais belo do mundo, mas ainda ao deus que, como vistes, está presente ali. 4Pois, imagino, vistes, Constantino, a teu protetor Apolo acompanhado da Vitória, oferecer-te coroas de louro das quais cada uma te traz o presságio de trinta anos. Este é, com efeito, o número das gerações humanas que de todas as formas te devem, e que prolongarão tua vida para além da velhice de Nestor. 5E em verdade, ‘por que digo ‘creio’’? Tu viste o deus e te reconheceste sob os traços daquele a quem os cantos divinos dos poetas predisseram que estava destinado o império de todo o mundo.6Estimo que este reino chegou agora, posto que tu és, imperador, igual a ele, jovem, alegre, saudável e belíssimo. 7Com razão, pois, honrastes tu estes augustos templos com doações tão ricas que estes não sentem falta das antigas oferendas, e todos os templos parecem já chamar-te com seus votos, em especial o de nosso Apolo, cujas águas ardentes castigam os perjúrios que tu mais que ninguém deves detestar” (Tradução nossa). 83 Pan. Lat. VII (6) 2, 2- 3,1. 84 WARMINGTON, B. H. Op. cit. 1974. p. 375. 85 Pan. Lat. VII (6) 7, 4.

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do exército em sua aclamação86; (3) aceite a existência de um colegiado à frente da Res

publica87.

Antes dele, A.H.M. Jones88 interpretou o aparecimento de Cláudio Gótico como

antepassado de Constantino como uma reclamação de que ele era o único imperador legítimo,

uma vez que tornava pública uma herança dinástica aquém de Diocleciano e de suas

inovações políticas.

Recentemente, Charles M. Odahl89 encampou estes argumentos apresentados por

A.H.M. Jones, analisando que ao reposicionar sua ancestralidade imperial de Constâncio para

Cláudio Gótico, Constantino estava rejeitando o sistema tetrárquico e retornando à tradição

dinástica para determinar a legitimidade política. A aceitação por Galério, ou a elevação por

Maximiano se tornavam irrelevantes, pois Constantino reclamava um direito maior, o da

sucessão dinástica.

Este rompimento de Constantino com a ordem vigente na Tetrarquia, proposto por

Jones, foi refutado por T. D. Barnes90 que não viu nas atitudes de Constantino uma nuance

desrespeitosa para com seus demais colegas. Esta visão de Barnes foi reformulada por H.A.

Drake91, que embora observe que o orador, em seu discurso, não rompeu totalmente com a

Tetrarquia, argumenta que o Panegírico de 310 representa a vitória final do princípio

dinástico de legitimação sobre o sistema da Tetrarquia, reclamando a superioridade de

Constantino através de sua genealogia imperial.

Em relação ao segundo tema do panegírico – a visão de Apolo –, observamos duas

linhas historiográficas principais: a primeira que defende a associação Apolo-Sol Invicto, e a

segunda que nega esta associação

Este segundo ponto de vista é defendido por B. H. Warmington, segundo o qual não

devemos identificar o “novo e oriental Sol Invicto com o Apolo, na Gália acima de tudo um

deus da cura e o patrono das fontes de água”92. Sustenta, pois, que esta identificação é fruto

mais de um pensamento historiográfico pouco atento às peculiaridades do público alvo do

discurso, que uma mudança na atitude religiosa de Constantino.

86 Pan. Lat. VII (6) 8, 2-5. 87 Pan. Lat. VII (6) 1, 4. 88 JONES, A. H. M. Constantine and the conversion of Europe. [1948] Toronto, 2003. pp. 63-64. 89 ODAHL, Ch. M. Op. cit. 2004. pp. 94-95. 90 BARNES, T. D. Op. cit. 1981. pp. 36-37. 91 DRAKE, H.A. Op. cit. 1999. pp. 175-176. 92 WARMINGTON, B.H. Op. cit.1974. pp. 377-378.

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Outra autora que nega tal associação é Barbara Saylor Rodgers93, que propôs uma

hipótese bem interessante. Como Warmington, Rodgers não concorda que a visão de Apolo

deva ser interpretada como a relação de Constantino com o culto da divindade Sol Invicto,

mas que, por outro lado, o imperador foi representado como um novo Otávio Augusto –

hipótese da imitatio Augusti –, sendo a visão um paralelo com o esquema simbólico presente

na Eneida de Virgílio94.

Neste sentido, a proposta presente no panegírico reverbera o ideário augustano no qual

o governo do mundo pertence ao imperador – cujo status é semi-divino. Para Rodgers, este

orador anônimo não rompeu com o modelo tetrárquico, apenas retrabalhou-o, garantindo a

preeminência de Constantino.

Nesta mesma linha, Thomas Elliot95, encampando a hipótese da imitatio Augusti de

Rodgers, orientou seu estudo para os aspectos mais retóricos que religiosos do Panegírico de

310. Como em outras obras, Elliot propôs um olhar cristianizador da figura de Constantino,

não vendo traços legitimatórios pagãos neste panegírico – no caso, a associação Apolo-Sol

Invicto.

Inclusive, citando Barnes96, Elliot afirma que as moedas após 312 não refletiam a

devoção do imperador, apenas um vago monoteísmo solar, que era um peso morto da tradição

iconográfica97. Certamente, ao cristianizar excessivamente a figura de Constantino, Elliot se

afasta do aporte documental, e se lança no terreno mais da suposição que da pesquisa

científica.

A outra linha historiográfica defende a associação entre os deuses Apolo e Sol Invicto,

baseando-se, em geral, na análise dos dados da documentação numismática – o aumento

exponencial das emissões monetárias com a efígie do deus Sol Invicto.

Para Timothy Barnes98, este fenômeno demonstrava um realinhamento de Constantino

em relação à própria ideologia da Tetrarquia, uma vez que já Constâncio Cloro era

representado simultaneamente, enquanto César, como Hercúleo e sob a proteção do Sol

Invicto, convencionalmente identificado com Apolo.

Barnes, então, concluiu uma transição na representação da imagem de Constantino: se

nos primeiros anos de reinado as suas moedas apresentavam que seu patrono especial era o

93 RODGERS, B. S. Op. cit. 1989. pp. 238-239. 94 Virg. En. 6. 791. 95 ELLIOT, Thomas G. The language of Constantine’s Propaganda. Transactions of the American Philological Association. v. 120. 1990. pp. 349. 96 BARNES, T. D. Op. cit. 1981. p. 48. 97 ELLIOT. Th. G. Op. cit. 1990. p. 350. 98 BARNES, T. D. Op. cit. 1981. p. 36.

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deus Marte; em 310, entretanto, as emissões de Constantino trocam Marte pelo Sol – uma

mudança claramente conectada com a tentativa de golpe de Maximiano99.

Na nova situação política, esta mudança tinha claras vantagens. Uma vez que o Sol

Invicto era o deus protetor de seu pai, esta ênfase sobre o Sol Invicto demonstrava a posição

de Constantino como herdeiro de Constâncio. Além disso, para Barnes, a devoção a Apolo, o

patrono da cultura e de Otávio Augusto, apelaria para as partes civilizadas da Gália – e o

monoteísmo solar era menos hostilizado que o panteão pagão para os cristãos, que formavam

um setor influente dos súditos de Constantino100.

Contrariando esta posição de Barnes, Charles Odahl101 argumenta que ao se apresentar

como escolhido de Apolo, Constantino estava rejeitando a teologia política da Tetrarquia, e

orientando-se a um sincretismo solar, para definir seu patronato divino. Uma vez que Apolo

era costumeiramente associado com o Sol Invicto, Constantino reclamou esta fonte divina

suprema de poder para sua legitimação religiosa.

Assim, para Odahl, Hércules e Marte desapareceram das moedas de Constantino após

o ano de 310, sendo substituídos pelo universal deus Sol, que aparecia nos reversos segurando

o orbis terrarum. Ao usar a sucessão dinástica e o sincretismo solar para fortalecer sua

posição, Constantino estava quebrando seus laços com a ideologia tetrárquica e reclamando a

monarquia universal. Posição próxima a de Averil Cameron102.

Esta posição também é compartilhada por Noel Lenski103, para o qual o fato da visão

ter ocorrido próximo ao templo de Apolo, e aparentemente à luz do dia, foi interpretado por

Constantino como um sinal enviado pelo deus sol. Para Lenski não é surpreendente, então,

que, a partir de 310, Constantino começasse a divulgar a ideia de seu relacionamento especial

com Apolo ou com o deus Sol comum aos antigos imperadores, o qual era referido como Sol

Inuictus Comes.

Podemos resumir, então, as duas tendências historiográficas pelo enfoque pelo qual

analisaram esta questão do surgimento de Cláudio Gótico, e da aparição de Apolo a

Constantino, narradas no Panegírico de 310, e seu relacionamento com a morte de

Maximiano Hercúleo.

99 BARNES, T. D. Idem. 100 BARNES, T. D. Idem. 101 ODAHL, Ch. M. Op. cit. 2004. p. 95. 102 CAMERON, Averil. El Bajo Imperio. Madrid, 2001. p. 35. 103 LENSKI, N. Op. cit. 2006. pp. 66-67.

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101

Em primeiro lugar, há os historiadores que analisaram o panegírico a partir de seu

contexto de produção: uma oração feita por um orador gaulês, construída a partir de

categorias e esquemas simbólicos inteligíveis para sua audiência.

O segundo grupo de historiadores, por sua vez, analisou estas questões em uma

perspectiva mais global relacionando a mensagem do panegírico a outras documentações –

principalmente as moedas ao Sol Invicto –, e às disputas políticas em torno da legitimação de

Constantino.

Embora os autores que analisaram o Panegírico de 310 tenham enfatizado sua raiz

gaulesa – principalmente o aspecto curativo de Apolo, relacionado às fontes de águas –, eles

acabaram por se fechar numa análise do contexto local, desprezando as demais

documentações, o que empobrece a interpretação da dinâmica figuracional que se processava

naquele momento. Pois, ao analisarmos o Panegírico de 310 cotejando-o com a

documentação de cultura material é inegável a associação entre Apolo e o Sol Invicto que foi

aventada pelos autores da segunda tendência historiográfica que apresentamos.

A partir de meados de 310, inicia-se a cunhagem de uma grande quantidade de moedas

com a efígie do Sol Invicto104 nas três Casas de Cunhagem dos domínios de Constantino

(Trier105, Lyon106 e Londres107), movimento que se seguiu de forma ascendente até o ano de

313, e que foi ininterrupto até finais daquela década. Este movimento é bastante acentuado

nas oficinas localizadas em Londres, e em Trier, sendo de escala mais reduzida em Lyon108.

Este aumento acentuado de emissões monetárias com esta tipologia, juntamente com

as representações da imagem de Constantino apresentadas pelo autor do Panegírico de 310 –

que anuncia a identificação existente entre o imperador e Apolo109 –, nos leva a concluir a

existência de uma associação entre as imagens de Constantino e do Sol Invicto – identificado

no panegírico como o deus Apolo –, o seu “acompanhante divino”, em latim comes.

104 Para um exemplar desta tipologia, ver as Moedas 5 e 10, constantes do Anexo. 105 RIC VI Trier 865(S), 866a(S), 867(S), 868(S), 869(C), 870(C2), 871(C), 872(C), 873(C2), 874(C), 875(S), 876(S), 886(R), 887(R), 888(R), 889(R), 890(C2), 891(S), 892(S), 893(C2), 894(S), 895(R), 898(S), 899(S), 900(R). 106 RIC VI Lyon 307(C), 308(S), 309(R), 310(C), 311(R). 107 RIC VI Londres 116(R), 120(R), 121a(C2), 122(S), 123(R), 124(C), 125(S), 126(S), 127(R), 128(R2), 132(R2), 150(R), 151(R), 152(R), 153(C2), 154(R), 155(R), 156(R), 157(R), 158(R), 159(R), 160(R), 161(R), 162(R), 163(S), 164(S), 165(R), 165A(R), 166(S), 167(R), 168(R), 169(S), 170(R), 171(R), 172(R), 173(R), 174(S), 175(R), 176(R), 177(S), 178(R), 179(R), 180(R), 181(R), 182(R), 183(S), 184(S), 185(S), 186(S), 187(S), 188(R), 189(R), 190(R), 191(S), 192(R), 193(R2), 234(S), 235(R), 236(R), 237(S), 238(R), 239(R), 240(R). 108 No período entre meados de 310 e fins de 312, as oficinas de cunhagem de Lyon encontravam-se fechadas. 109 Pan. Lat. VII (6) 21, 5-6: “5(...)Tu viste o deus e te reconheceste sob os traços daquele a quem os cantos divinos dos poetas predisseram que estava destinado o império de todo o mundo.6Estimo que este reino chegou agora, posto que tu és, imperador, igual a ele, jovem, alegre, saudável e belíssimo”.

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Neste sentido, se apresenta de forma plena a aprovação de um Deus Supremo como

um mecanismo necessário à legitimação do poder imperial de Constantino. Na Antiguidade

Tardia, o prestígio do poder imperial foi redefinido, com a necessidade do imperador de

demonstrar o acesso a um patrono supremo, um “acompanhante divino”, o comes imperatori,

cujo favor, negociado pelo imperador protegia o Império Romano dos inimigos da Res

publica – sejam eles externos ou internos110.

Entretanto, discordamos de Barnes111 quando afirma que já Constâncio Cloro havia

sido representado sob a proteção do Sol Invicto, algo que não podemos afirmar a partir da

documentação escrita e da documentação numismática. Havia, sim, a ligação de Constâncio

com o deus Marte, enquanto o Sol Invicto teve tímidas aparições, antes de 305, apenas em

moedas de Galério cunhadas no Oriente.

Antes da morte de Maximiano, a legitimidade de Constantino estava assentada sobre o

poder militar – seu valoroso exército gaulês –; a ligação dinástica – o casamento com Fausta,

filha do Augusto Sênior –; de forma secundária, o apoio de uma divindade – o deus Marte –; e

a legitimidade enquanto César conferida pela Conferência de Carnuntum.

Após a morte de Maximiano, no entanto, a situação mudou. Embora Constantino

mantivesse o apoio do exército gaulês, os levantes de Maximiano Hercúleo demonstravam a

existência de setores do exército que poderiam se voltar contra o imperador; a ligação

dinástica deixava de existir – uma vez que o falecido imperador atentou contra a vida de

Constantino; e sua situação enquanto Augusto da Tetrarquia era reconhecida apenas em seus

territórios.

Neste contexto é que devemos interpretar o desenvolvimento do ideário e mística

imperiais durante os anos de 309 e 310: a busca por um patrono divino, e o surgimento de

uma herança dinástica, os quais legitimassem seu poder supremo.

Constantino não rompeu com a Tetrarquia, conforme afirmam alguns autores, e nem

seria capaz de tal ação – pois ele mesmo era membro legítimo deste sistema político –,

Constantino, por sua vez, buscou se realinhar dentro do jogo de poder, o que também não

exclui a crença pessoal do imperador neste “acompanhante divino”.

Mesmo o desenvolvimento da ligação com o Sol Invicto, não significou um

rompimento com o deus Marte, como erradamente afirmaram T.D. Barnes, Ch. Odahl e

Averil Cameron, as moedas com a efígie deste deus continuaram a ser amplamente difundidas

110 DRAKE, H.A. Op. cit. 1999. p. 61. 111 BARNES, T.D. Op. cit. 1981. p.36.

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no período112. Marte não era, contudo, um comes imperatori (“acompanhante divino do

imperador”), mas o conservatori patri (“conservador da pátria”).

Quanto à herança dinástica que se apresenta no Panegírico de 310, ela não deve ser

sobrevalorizada como fizeram alguns autores, pois claramente a imagem pública de

Constantino se manteve associada ao sistema político da Tetrarquia. Embora não emitisse

moedas com a efígie de Galério – o Augusto Sênior –, e de Maxêncio – considerado ilegítimo

pela conferência imperial –, Constantino iniciou um grande movimento de cunhagem de

moedas de bronze (folles) com as efígies de Licínio e Maximino Daia, com o antigo tema

tetrárquico do GENIO POPVLI ROMANI113, e moedas em ouro (solidus) com temas que

denotavam a supremacia tetrárquica114, e representavam o deus Júpiter associado a Licínio115,

nas casa de Trier e Londres.

Nesta situação, podemos concluir que durante o período entre fins de 308 e 310, os

mecanismos que legitimavam o poder imperial de Constantino começaram a se estruturar em

torno da manutenção da legitimidade tetrárquica – não obstante o rompimento com Galério –;

o fim da ligação dinástica com os Hercúleos – com a morte de Maximiano –, e o surgimento

de sua própria dinastia; o poder militar – assentado no vitorioso exército gaulês; e a ênfase no

ideário do acompanhante divino – com a relação entre Constantino e o Sol Invicto/Apolo.

4. A campanha itálica (311-312)

Este frágil equilíbrio da Segunda Tetrarquia, entretanto, se rompeu no ano de 311. No

início deste ano, o Augusto Galério, que sofria de uma doença incurável, emitiu o chamado

“Edito de Galério” que dava fim à “Grande Perseguição” aos cristãos (303-311), a qual havia

fracassado em seu objetivo de fazer os cristãos cultuarem os deuses da Tetrarquia, e prestarem

o culto imperial. Pouco tempo depois, Galério morreu116.

112 Segundo o RIC, para o período entre 310-313, foram cunhadas as seguintes moedas com a imagem do deus Marte: RIC VI Trier 854(R), 855(S), 856(S), 857(S), 858(C), 859(C2), 860(S), 861(C), 862(C2), 863(C), 864(S), 877(S), 878(S), 879(R), 880(R), 881(C), 882(S), 883(S), 884(C2), 885(R), 896(S), 897(S). 113 Constantino: RIC VI Londres 209a(R2), 212(S), 213(R); Maximino Daia: RIC VI Londres 209b(C2), 211(C); RIC VI Trier 844a(S), 845a(C), 846a(S), 848(R), 849a(R), 850a(S), 851a(S), 852(S); Licínio: RIC VI Londres 209c(C2), 210(R); RIC VI Trier 844b(R), 845b(C), 846b(S), 847(S), 849b(R), 850b(S), 851b(S), 853(S). 114 VBIQVE VICTORES: Constantino: RIC VI Trier 798(R5), 808(R5), 816(R3), 817a(R5); Licínio: RIC VI Trier 799(R5), 800(R4), 817c(R2); Maximino Daia: RIC VI Trier 817b(R4). 115 IOVI CONSERVATORI AVGVSTORVM: Licínio: RIC VI Trier 794(R5), 813 (R4). 116 Lact. DMP XXXIII. 1-35; Eus. HE VIII. 16, 1-17; Eus. VC I. 57, 1-3; c.f. Anon. Vales. 8; Aur. Vict. De Caes. XL. 9-13; Epit. XL. 4; Jer. Chron. 309; Eutr. X. 4,2.

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No entanto, seu sobrinho Maximino Daia continuou a perseguir os cristãos do Oriente

romano, renovando sua força. Deste período, data o escrito apócrifo Atos de Pilatos117, que foi

publicado por ordem do imperador, e que difamava os cristãos118.

No que se refere a Constantino, o Edito de Galério apenas afirmava a sua posição

frente às perseguições. Seu pai aplicou apenas o primeiro edito de perseguição – que obrigava

a demolição das casas de culto cristãs –; e Constantino, quando foi aclamado imperador,

proclamou a liberdade de profissão religiosa em seus domínios. No entanto, ainda não

podemos afirmar uma relação profunda de Constantino com o cristianismo neste período,

pois, conforme dissemos acima, Maxêncio também havia proclamado a tolerância aos cristãos

em seus territórios119.

A morte de Galério gerou uma profunda instabilidade política, de um lado, mantinha-

se o isolamento diplomático de Maxêncio – que não era reconhecido como membro da

Tetrarquia –, e, por outro, Licínio e Maximino Daia disputavam o controle dos antigos

territórios do recém-falecido Augusto.

Desde 310, Maxêncio passou a utilizar a morte de Maximiano Hercúleo como

justificativa para iniciar hostilidades contra Constantino. A despeito da ruptura de relações

entre pai e filho ocorrida em fins de 307, Maxêncio redescobriu sua pietas filial após o

falecimento de seu pai, e recomeçou a emitir moedas com a efígie deificada de seu pai, e

proclamando seu objetivo de vingar a sua morte120.

A resposta de Constantino foi a destruição sistemática das imagens de Maximiano – e

das de Diocleciano, pois ambos eram representados, em geral, juntos – e o apagamento de seu

nome das inscrições públicas, uma prática política comum no Império Romano denominada

damnatio memoriae121.

Enquanto isso, em Roma, a situação de Maxêncio estava cada vez mais deteriorada,

com antigos grupos que apoiavam seu governo se rebelando122. O que não o impediu de

iniciar os preparativos para o iminente conflito com Constantino, ciente de que ele,

certamente, poderia pedir o auxílio de Licínio que governava os Bálcãs, numa invasão à

Península Itálica.

117 Sobre os Atos de Pilatos e sua difusão por Maximino Daia, ver: BARNES, T.D. Op. cit. 1981. pp. 39-40; DRAKE, H.A. Op. cit.1999. pp. 170-172; JONES, A.H.M. Op. cit. 2003. p.69; ODAHL, Ch. M. Op. cit. 2004. p. 92, 119-120; LENSKI, N. Op. cit. 2006. p. 68. 118 Lact. DMP XXXVI. 3-XXXVII. 2; XLVIII. 4; Eus. HE VIII.16,1-17,11; Eus. VC I. 57, 1-3; CIL III: 12132 119 Lact. DMP XXIV. 9; Lact. Inst. Div. I. 1,13. Sobre Maxêncio: Eus. HE VIII. 14,1; Optat. I. 18. 120 Lact. DMP XLII. 1; ILS 647 (=CIL IX: 4516); CIL X: 5805; RIC VI Roma 243(R), 244(S), 246(R), 247(R), 248(S), 250(R2), 251(R), 253(R2), 254(R2), 255(R); Ostia 24(R3), 25(R2), 26(R), 30(S), 31(S). 121 Lact. DMP XXXIII. 1-4; Eus. HE VIII. 13, 15; Eus. VC I. 47,1. 122 Lact. DMP XLIV. 2; Aur. Vict. De Caes. XL. 18-19; 28; Zos. HN II. 14, 2-4.

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Neste ponto, Constantino foi obrigado a escolher qual dos dois Augustos do Oriente

ele deveria apoiar. Estrategicamente, a escolha de Licínio era mais cômoda que a de

Maximino Daia, pois: (1) Maximino era sobrinho de Galério, e imperador havia sete anos; (2)

Daia manteve a perseguição contra os cristãos; (3) conforme apresentou Barnes123, ao se

aproximar de Licínio, Constantino neutralizava qualquer aliança entre Licínio e Maxêncio –

que passariam a governar as províncias centrais do Império Romano; (4) e, derivado da

primeira, Licínio, caso governasse ao lado de Constantino, estaria numa posição subordinada,

uma vez que foi aclamado imperador dois anos depois, em Carnuntum.

Para Lactâncio esta aliança ocorreu, com Constantino prometendo em matrimônio sua

irmã Constância a Licínio. Maxêncio, por seu lado, teria aceitado uma aliança com Maximino

Daia, que embora distante geograficamente, buscava um aliado contra Licínio124.

Sobre este ponto, há um consenso historiográfico, tendo havido a formação de dois

blocos antagônicos: a aliança Constantino e Licínio contra a de Maxêncio e Maximino

Daia125. Contudo, estes pesquisadores se apoiaram, quase que exclusivamente, na obra Sobre

a morte dos perseguidores, de Lactâncio – a qual foi escrita entre meados de 313 e 315 – e

que reflete o contexto da Conferência de Milão, nos primeiros meses de 313. Uma análise

mais ampla e que privilegie também a documentação numismática nos leva a problematizar os

limites desta aliança entre Constantino e Licínio.

Para analisar esta questão devemos avançar um pouco no tempo, e considerar o

contexto entre a derrota de Maxêncio e a derrota de Maximino Daia, o período aproximado de

28 de outubro de 312 e 30 de abril de 313.

A despeito de todas as informações provenientes da documentação escrita, e da

interpretação historiográfica, Constantino não rompeu com Maximino Daia quando de sua

aliança com Licínio, novamente o imperador agiu estrategicamente. Neste período

considerado – cerca de seis meses –, Constantino manteve um jogo dúbio, por um lado

manteve um acordo com Licínio, e, por outro, ainda reconhecia Maximino Daia como

governante legítimo do Império Romano.

Este reconhecimento da legitimidade de Daia pode ser inferido a partir da análise das

moedas cunhadas no período, uma vez que entre fins de 312, e início de 313, emissões 123 BARNES, T.D. Op. cit. 1981. p. 41. 124 Lact. DMP XLIII. 1-4. Ver também: Zos. HN II. 14, 1. 125 BARNES, T.D. Op. cit. 1981. pp. 41; DRAKE, H.A. Op. cit.1999. pp. 177-178; ODAHL, Ch. M. Op. cit. 2004. p. 96; LENSKI, N. Op. cit. 2006. p. 68-69; ALENCAR, R. D. A construção da imagem do governante: uma análise das representações do Imperador Constantino (306-337 d.C). Goiânia, 2007 p.35; POHLSANDER, Hans. The Emperor Constantine. London, 2004. pp. 22-26; CAMERON, Averil. Constantine and the ‘peace of the Church’. In. MITCHELL, Margaret. YOUNG, Frances. The Cambridge History of Christianity. I: Origins to Constantine. Cambridge, 2006. pp.543.

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monetárias de Constantino com a efígie do Sol Invicto cunhadas em Roma, Aquiléia e

Ticinum apresentem também as efígies de Maximino Daia126 e Licínio127, além da escolha do

próprio Maximino para dividir o consulado de 313 com Constantino128.

Tal posição de Constantino só pode ser bem entendida a partir da observação micro-

analística das relações de força existentes entre os governantes. De um lado, a neutralidade de

Licínio era indispensável para o correto desenvolvimento da campanha da Itália – conforme

veremos adiante –, por outro, Constantino não poderia simplesmente romper com um

governante legítimo da antiga Segunda Tetrarquia como Maximino Daia, cuja situação com

Licínio era incerta.

Deste modo, podemos concluir que Constantino buscou a neutralidade frente aos

litigantes orientais; além disso, conseguiu manter Maxêncio na posição de governante

ilegítimo, o que era imprescindível para justificar a campanha da Itália.

Somente após a Conferência de Milão – com o casamento de Licínio com a irmã de

Constantino –, é que devemos observar o rompimento de relações entre Constantino e

Maximino Daia. No entanto, se tal rompimento só ocorreu após a Conferência de Milão, por

que autores como Lactâncio e Eusébio de Cesaréia remontam tal acontecimento ao período

anterior?

A hipótese principal para o deslocamento temporal deste rompimento diplomático

provém da necessidade de desvincular a imagem de Constantino da imagem de Maximino

Daia – o último perseguidor –, que por sua vez foi colocado ao lado do odiado usurpador

Maxêncio.

Neste esforço de desvinculação da imagem de Constantino deve ser analisada a

passagem de Lactâncio129, na qual se apresenta a descoberta de uma correspondência secreta

entre Maximino e Maxêncio, além de Maximino Daia ter sido representado como uma pessoa

que agia de forma enganadora.

Certamente, a representação de Constantino como um imperador escolhido por Deus,

desenvolvida por Lactâncio e Eusébio, não se enquadrava com a de um imperador que

manteve uma atitude neutra com aquele que estes autores consideravam o pior de todos os

tiranos. 126 RIC VI Roma 322b(S), 323b(S), 328b(S), 329b(R), 330b(R), 335b(C), 336b(C), 337b(S), 338b(R), 341(R), 344(R), 370(R), 373(R), 375(R); Aquileia 142(S); Ticinum 127(S), 130(C), 131b(R), 134(S). 127 RIC VI Roma 320(R2), 322c(S), 323c(S), 328c(S), 329c(S), 335c(R), 336c(C), 337c(S), 338c(R); Aquileia 143(R); Ticinum 131c(S), 135b(R). 128 SUTHERLAND, C.H.V. General Introduction. In. RIC. v. VI. Londres: Spink & Son, 1967. p. 34. 129 Lact. DMP XLIV. 10. “Uma Vez terminada esta duríssima Guerra, Constantino foi recebido com enorme satisfação pelo Senado e o Povo de Roma. Depois se inteirou da perfídia de Maximino, ao cair em suas mãos suas cartas e as efígies de ambos”.

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Se a relação de Constantino com Licínio e Maximino Daia foi dúbia, o mesmo não

pode ser visto em sua relação com Maxêncio, cujo conflito estourou no outono de 312.

Segundo os testemunhos documentais, Constantino agiu de forma audaciosa e rápida130.

Antes de esperar que suas relações com Maxêncio se deteriorassem completamente, ou que

este o atacasse, Constantino reuniu seus comandantes propondo uma campanha rápida com

um pequeno contingente que atravessou os Alpes131.

Não nos cabe aqui descrever a campanha em detalhes, ressaltamos que Constantino

rapidamente conquistou o norte da Península Itálica – Susa (Segusio), Turim (Augusta

Taurinorum), Milão (Mediolanum), Verona e Aquiléia132. E de lá, partiu para o confronto

final com Maxêncio às portas de Roma.

Inicialmente a tática de Maxêncio foi a mesma que empreendeu contra as invasões de

Severo e Galério: permanecer dentro dos muros de Roma, e esperar pelo cerco. A seu favor,

contava sua vitória sobre Domício Alexandre – que garantiu a normalidade dos suprimentos

que chegavam pelo porto de Óstia –, além disso, mandou destruir as pontes sobre o rio Tibre,

em especial a Ponte Mílvio, na Via Flamínia

Constantino levantou acampamento nesta via, e parecia que ele acabaria como seus

predecessores. Entretanto, diferente do que fez nas outras ocasiões, Maxêncio resolveu

enfrentar Constantino numa batalha campal, ordenando a construção de uma ponte de barcos

no local onde ficava a Ponte Mílvio.

Em 28 de outubro de 312133, no sexto aniversário de sua aclamação, ele deixou os

muros de Roma, encabeçando suas tropas pela Via Flamínia. Para a documentação da época, a

causa deste ato foi um protesto do povo de Roma durante os Jogos, e um oráculo que predizia

que “o inimigo de Roma morreria naquele dia”134.

Os dois exércitos se encontraram em Saxa Rubra135. Constantino conseguiu a vitória, e

pôs em fuga os remanescentes do exército de Maxêncio, que afluíram, junto com seu

comandante para a ponte de barcos, anteriormente construída, a qual não agüentou o peso e a

130 Pan. Lat. IX (12) 6,1-13,5. 131 Pan. Lat. IX (12). 5, 1-2; Zos. HN II. 15, 1-2. Estima-se que Constantino cruzou os Alpes com pouco mais de 40.000 soldados. 132 Para os detalhes sobre a campanha de Constantino, ver: Pan. Lat. IX (12). 5, 1-11, 4; X (4) 17, 3; 21, 1-27, 2; Aur. Vict. De Caes. XL. 20-22; Eus. HE IX. 9, 2-3; VC I. 37, 2. 133 Lact. DMP XLIV. 4; CIL I2: 274. 134 Lact. DMP XLIV. 8; Zos HN II. 16, 1; Pan. Lat. X (4). 27, 5-6. 135 Para Saxa Rubra Aur. Vict. De Caes. XL. 23. Para a margem do Tibre: Pan. Lat. IX (12). 16, 3-4; IV (10). 27, 5-6.

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turbulência e se partiu, lançando muitos, inclusive o próprio Maxêncio para dentro do

Tibre136.

No dia seguinte, o corpo de Maxêncio foi encontrado às margens do Tibre, de onde foi

retirado e degolado, sendo sua cabeça exposta no topo de uma lança que foi levada durante o

aduentus triumphalis de Constantino em Roma137. Prontamente, a propaganda constantiniana,

– panegíricos, histórias, inscrições – seguindo uma série de topoi retóricos retratou Maxêncio

não como um imperador rival vencido numa guerra civil, mas como um tirano cruel do qual a

cidade e o povo de Roma se alegravam por estarem livres138.

Assim como seu pai, Maxêncio também sofreu a damnatio memoriae, tendo suas

imagens e inscrições obliteradas. Outros projetos inacabados, como a “Basílica de Maxêncio”,

foram apropriados e completados por Constantino. Além disso, como medida punitiva,

Constantino acabou com a Guarda Pretoriana, e transferiu seus membros para o serviço no

limes do Reno.

Por fim, Constantino apresentou-se clemente perante muitos dos partidários de

Maxêncio139; inclusive escolheu o seu antigo prefeito do prefeito do pretório Caio Ceiônio

Rufio Volusiano como prefeito de Roma e como cônsul em 314140.

Talvez o aspecto mais trabalhado sobre a trajetória de Constantino seja o das

implicações religiosas que permeiam a campanha da Itália. Quer analisemos a documentação

cristã, quer analisemos a documentação pagã, e de cultura material, percebe-se um profundo

relacionamento com o plano divino na concretização da vitória de Constantino sobre

Maxêncio.

Cabe salientar que a documentação cristã atribui a esta campanha a conversão de

Constantino ao Cristianismo, através da aparição de um sinal divino ao imperador, o famoso

cristograma, que pela primeira vez foi relatado por Lactâncio e, posteriormente, por Eusébio

de Cesaréia141.

Este sinal se tornou o símbolo pessoal de Constantino, que referendava sua relação

direta com o Deus Supremo. Embora o símbolo tradicionalmente se remeta a Cristo (Χριστος),

pouca relação há entre Jesus e a religião de Constantino neste período. Olhando por este lado,

136 Pan. Lat. IX(12). 15, 1-17,3; X (4). 28, 1-29, 6; Anon. Vales. 12; Lact. DMP XLIV. 1-9; Eus. HE IX. 9, 2-8; VC I. 38,1-5; Zos. HN II. 15,3-16,4; Epit. XL. 7; Jer. Cron. 312; Eutr. X. 4,3; Aur. Vict. De Caes. XL. 23. 137 CIL I2: 274; Pan. Lat. IX (12). 16,2; 18,3-19,4; X (4). 30,4-32,5; Lact. DMP XLIV. 10-12; Eus. HE IX. 9,8-11; Eus. VC I. 39, 2-3; Anon. Vales. 12; Zos. II. 17, 1-2; Aur. Vict. De Caes. XL. 24-5. 138 Sobre a representação de Maxêncio como um tirano, ver: CULLHED, M. Op. cit. 1994; ESCRIBANO, Maria Victoria. Constantino y La rescissio actorum del tirano-usurpador. Gerión. 1998. pp. 307-338. 139 Pan. Lat. IX(12). 20,1-21,3. 140 ILS 692 (=CIL VI: 1140); PLRE C. Ceionius Rufius Volusianus. 141 Lact. DMP XLIV. 5-6; Eus. VC I. 28,1-32,3; Soc. HE I. 2,4-7; Soz HE I. 3,1-3; Philost. I. 6.

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devemos problematizar a tão falada conversão de Constantino, e nos permitir interrogar qual a

relação entre sua religião e os fundamentos da legitimidade do poder imperial.

Este símbolo, por sua vez, se tornou mais difundido em meados da década de 320,

sendo poucos os vestígios materiais relativos a esta difusão. O principal exemplo é um

medalhão de prata cunhado em Pavia (Ticinum) em 315, no qual o cristograma foi

representado no capacete do imperador142.

Cristão ou não, Constantino tinha que lidar com a questão cristã. Nos três meses após

a derrota de Maxêncio, nos quais Constantino permaneceu em Roma, temos relatos da

construção de igrejas cristãs, inclusive com a doação da casa da imperatriz Fausta, em

Latrão143, além de terminar a Basílica de Maxêncio – que foi guarnecida com uma estátua

colossal de Constantino –, a qual foi dada aos cristãos na década posterior.

Dentro desta política de relação amistosa com os cristãos, Constantino enviou cartas

para Anulino, procônsul da África, nas quais ordenava a restituição das propriedades cristãs

confiscadas durante a perseguição144. Além de manter correspondência com Ceciliano, bispo

de Cartago145.

Logo o imperador teve que lidar com seu primeiro problema com a Igreja Cristã, o

donatismo. Para resolvê-lo, Constantino convocou um concílio que se reuniu em Roma, e

outro em Arles (Arelatum) para julgar o mérito da questão. Em ambos a facção donatista saiu

derrotada.

Em Milão, Licinio selou formalmente sua aliança ao se casar com a meia-irmã de

Constantino, Constância. Além disso, os aliados acordaram em relação a uma política de

restauração das propriedades cristãs e de tolerância religiosa para todos os habitantes do

Império, o que seria conhecido como “Edito de Milão”, de 313.

A conferência de Milão foi breve, Licínio logo foi obrigado a partir para seus

territórios para enfrentar uma invasão de Maximino Daia, a qual foi contida em Andrinopla

(atual Erdine, na Turquia Européia). Neste momento, não foi apenas a Constantino que se

propagandeou a intervenção divina, uma vez que Lactâncio também afirma que Licínio teve a

visão de um anjo a lhe prescrever uma prece que foi recitada por seus soldados antes da

batalha146.

142 RIC VII Ticinum 36. 143 Opt. Mil. I, 23. 144 Eus. HE X. 5, 15-17. 145 Eus. HE X. 6. 146 Lact. DMP XLVI. 5-6. Esta oração é paralela a uma atribuída a Constantino por Eusébio: In. Eus. VC IV. 19-20.

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Maximino foi posto em fuga, retornando rapidamente a Anatólia. De lá, partiu para a

Cilícia esperando as tropas rivais, sendo novamente posto em fuga para Tarso, onde acabou

por se suicidar. Para evitar problemas dinásticos e legitimatórios, Licínio aniquilou os

remanescentes de sua família – inclusive a viúva de Galério, filha de Diocleciano –, e infligiu

a damnatio memoriae a Maximino Daia147.

147 Lact. DMP XLV.1-XLVII.6; XLIX.1-L.7; Zos. HN II. 17, 2-3; Aur. Vict. De Caes. XLI. 1; Epit. XL. 8; Jer. Chron. 311; Eutr. X. 4,4; Eus. HE IX. 9,1; X. 13-15; VC I 58,1-59,1.

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5. Imperador do Ocidente (313-315) Esta vitória pôs um fim definitivo ao sistema político da Tetrarquia, tal qual

estabelecido por Diocleciano vinte anos antes. Havia, naquele momento, apenas dois

governantes, ainda aliados, mas não tão firmemente presos a uma intrincada rede de governo

como a posta em prática por Diocleciano, o qual morreu por esta época148.

A paz interna reinou por um tempo no Império Romano, com Licínio guerreando

contra Sassânidas e Godos, e Constantino contra os Germanos, em 314. Este clima é bem

referenciado pelas moedas do período, nas quais as duas efígies são cunhadas em todas as

Casas de Cunhagens do Império, e por inscrições, que eram dirigidas a Constantino e Licínio,

os que trouxeram a libertas e a securitas.

No dia seguinte à Batalha da Ponte Mílvio, o vitorioso Constantino e suas tropas

entraram em triunfo em Roma. Através dos testemunhos contemporâneos, por mais pró-

Constantino que sejam, podemos inferir que o governo de Maxêncio produziu

descontentamento em algumas parcelas da sociedade romana – como os senadores, e o povo

de Roma. Por outro lado, a propaganda constantiniana foi prolífica ao proclamar que

Constantino era o vencedor sobre os bárbaros, era o LIberator Vrbis, e o restaurador da antiga

magnificência de Roma.

Ao se assenhorear da Itália, Constantino tratou seus novos súditos com liberalidade e

honrou os senadores com sua presença. Neste encontro, ele prometeu que restauraria muitos

dos privilégios ancestrais, e que membros da aristocracia senatorial de Roma passariam a ser

encorajados a ocupar novamente altos cargos.

Em contrapartida, o Senado concedeu honras a Constantino, dedicando-lhe uma

estátua de uma deidade149, e decretando que ele era o Augusto Sênior do colegiado

imperial150. No estilo de representação da República Romana, “o Senado e o Povo de

Roma”151 adotaram e honraram seu libertador.

Nos anos subsequentes, Constantino retornou a Roma para celebrar importantes

aniversários. Após as campanhas no limes do Reno ele visitou Roma de julho a setembro de

315, para celebrar o início de sua decennalia – seu aniversário de dez anos de aclamação

como imperador. Durante esta visita, o Senado e o Povo de Roma dedicou-lhe um magnífico

arco triunfal que comemorava sua vitória sobre Maxêncio. 148 NAKAMURA, Byron J. When did Diocletian die? New evidence for an old problem. Classical Philology. v. 98, n. 3, Jul. 2003. pp. 283-289. 149 Pan. Lat. IX (12). 25, 9. 150 Lact. DMP XLIV, 11. 151 Pan. Lat. IX (12). 19, 5.

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Nos seis longos painéis no novo friso que descrevem a campanha de Constantino na

Itália e suas atividades em Roma, através dos muitos painéis, medalhões, e estátuas

reutilizadas de outros monumentos imperiais anteriores, e através de epígrafes dedicatórias,

este arco era um discurso eloqüente sobre Constantino, algo como um “panegírico material”.

Como os panegiristas pronunciando discursos perante o imperador, como peticionários

apresentando petições ao imperador, através deste arco triunfal, o Senado e o Povo de Roma

louvava o imperador e esperava formar seu comportamento em relação à cidade.

O Senado e o Povo estavam, acima de tudo, demonstrando sua gratidão pela

restauração da paz. Pequenas epígrafes inscritas na arcada central do monumento louvavam

Constantino como o LIBERATORI VRBIS (“o libertador de Roma”), e o FVNDATORI

QVIETIS (“o fundador da quietude, ou da paz”)152.

Na parte superior do Arco, havia grandes estátuas de dácios em postura de cativos e

condoídos, com os olhos abaixados – estas esculturas, por sua vez, eram provenientes de

monumentos de Trajano, possivelmente de seu Fórum.

Em adição, os painéis no friso apresentavam diferentes formas de representação de

Constantino, desde o general até o cidadão. No painel do “Cerco de Verona”, Constantino foi

representado entre suas tropas, vestindo armadura e calças gaulesas; no painel da “Batalha da

Ponte Mílvio”, Constantino foi representado na companhia de deidades, trajando armadura e

uma espada na bainha esquerda.

Nos painéis do triunfo de suas tropas em Roma, e seu discurso ao povo no Fórum, ele

foi representado trajando um longo manto militar. Mas, no último painel do conjunto, no qual

foi esculpida a distribuição de moedas aos senadores e ao povo, Constantino foi representado

trajando a toga. Das roupas de guerra às vestes do cidadão; o homem general se tornou um

homem de paz em Roma.

Através da dedicação deste arco, o Senado romano alinhava Constantino com um

apropriado passado romano. Esta inscrição laudatória agradecia ao imperador por ter salvo a

República Romana de “um tirano e sua facção”. O modelo para tal comportamento

distintamente republicano era, certamente, o do primeiro imperador, Augusto, que séculos

antes em seu Res Gestae – o relato de seus feitos – enfatizou seu papel no final das guerras

civis, restaurando a paz, e devolvendo o poder ao Senado e ao Povo de Roma. A inscrição

principal do Arco possuía a função de um pequeno Res Gestae de Constantino, no qual ele era

aclamado como o salvador da Res publica da dominação da facção de Maxêncio.

152 Ver as Imagens 1 e 2 constantes do Anexo de Imagens.

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Entretanto, sob o aspecto religioso, esta inscrição é notavelmente descompromissada e

atribui a motivação de Constantino ao “impulso de uma divindade e à grandeza de sua

mente”. Em outra dedicatória o Senado e o Povo de Roma saudaram Constantino e Licínio

como libertadores e restauradores da securitas, e agradeceram-lhes pela libertação dos mais

atrozes tiranos.

Este mesmo tom ambíguo do ponto de vista religioso aparece no Panegírico Latino de

313, proferido em Trier para louvar as vitórias de Constantino em Roma e no Reno. Neste

panegírico nos encontramos perante uma divindade – que não tem um nome determinado –, e

cuja intervenção o orador roga para que continue conservando Constantino no poder por toda

a eternidade153. Neste panegírico começa a se traçar um dos mecanismos de legitimação que

se tornou central discurso constantiniano, o tema da providência divina, ou seja, a escolha de

Constantino pelo Deus Supremo para que governasse o Império Romano.

Durante os anos subsequentes, os magistrados de Roma saudaram Constantino como o

restaurador do gênero humano e da liberdade pública, o alargador do Império Romano, e o

fundador da segurança e da paz eternas. O tom conservador destas dedicações sugere que em

Roma, os conceitos políticos tradicionais eram enfatizados acima das filiações religiosas de

Constantino, sendo o papel do imperador o de reviver a antiga glória da Res publica romana.

No que se refere à difusão de suas representações a partir das moedas, podemos

observar pontos convergentes e divergentes em relação às representações de Constantino e de

Licínio.

Com a vitória sobre Maxêncio, Constantino passou a dominar os importantes centros

de cunhagem de Pavia (Ticinum), Aquiléia, Óstia e Roma, que se juntaram a Londres, Lyon,

Trier, e a recém reaberta oficina de Arles. No período compreendido entre finais de 312 e

meados de 315, séries de moedas em ouro e bronze foram cunhadas em homenagem ao seu

êxito militar na campanha italiana.

Neste sentido, dividiremos as moedas, em relação à tipologia de reverso, em dois

grupos: (1) os reversos com mensagens relativas à Constantino; (2) os reversos com imagens

de deuses.

153 Pan. Lat. IX (12) 26, 1;5: “Por isto, é a ti, supremo criador das coisas, que tens tantos nomes quantos são os povos cujas línguas quiseste que conservassem – de quem não podemos saber com qual nome desejas ser chamado –, quer sejas um poder e uma inteligência divinos que, dispersada pelo mundo, te mesclas com todos os elementos e te moves por ti mesmo sem receber o impulso de nenhuma força, quer sejas um poder situado acima de todos os céus, que contemplas esta obra de tuas mãos a partir dos mais altos cumes da Natureza, é a ti, repito, a quem rogamos e suplicamos que prolongues a existência de nosso príncipe [i.e. Constantino] até o fim dos tempos. (...) Faça, pois, que aquilo que foi de melhor dado ao gênero humano permaneça com ele por toda a eternidade e que Constantino viva na terra por todas as épocas”.

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Em relação ao primeiro grupo de moedas, observamos os mesmos lugares-comuns

retóricos presentes no Arco de Constantino, isto é, a representação de Constantino como o

libertador ou o restaurador de Roma154, o pacificador155, o ótimo príncipe156, o sábio157, que

trouxe a segurança158, e cuja vitória inaugurou um tempo de felicidade para o Império

Romano159.

Estas moedas foram cunhadas em todas as oficinas de cunhagem em seus territórios,

sendo o principal evento a ser comemorado no período em questão. Constantino era, pois,

representado como o fundador de um novo tempo de paz e prosperidade para a cidade de

Roma, e à Res publica, tal qual anteriormente fora Otávio Augusto.

Neste momento, centralizaremos nossa análise em duas tipologias monetárias que

demonstram as estratégias de propaganda de Constantino que visavam a (1) colocá-lo em pé

de igualdade com Licínio; e (2) colocar Constantino numa posição acima de Licínio.

Em relação ao primeiro ponto, as emissões monetárias que traziam a legenda SPQR

OPTIMO PRINCIPI foram cunhadas para Constantino160, para Licínio161 e, igualmente, para

Maximino Daia162, demonstrando as estratégias e escolhas de Constantino, em especial, seu

desejo de não se demonstrar favorável a qualquer um dos litigantes do Oriente.

Após a vitória de Licínio sobre Maximino, mantém-se a cunhagem desta tipologia, que

se remete a um voto do Senado e do Povo de Roma aos “ótimos príncipes” que trouxeram a

paz para a Res publica, colocando Constantino e Licínio em pé de igualdade no governo do

Império Romano, demonstrando a escolha diplomática de Constantino em se manter em paz

com seu colega oriental.

Por outro lado, já nas emissões deste período se evidenciam a proposta de Constantino

em se representar como superior a Licínio, e, neste caso, a tomada de Roma foi peça

fundamental para a propaganda constantiniana. 154 RIC VI Londres 269(R), 270(R), 271(R), 272(S), 273(S), 274(R); RIC VII Trier 22(R5), 23(R5), 24((R5), 25(R5). 26(R5); RIC VI Roma 303(R), 304(R), 312(R4); RIC VII Arles 13(R5), 33(R5), 34(R4); RIC VII Ticinum 31(R5), 32(R5), 39(R5). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 11, constante do Anexo. 155 RIC VI Roma 355(R), 356(C), 357(R), 358(R); RIC VII Roma 12(R2); RIC VII Ticinum 29(R5); RIC VII Trier 61(R4). 156 RIC VI Roma 345(S), 346(R), 347(R), 348a(C), 349a(C), 350a(C), 351a(R), 352(R2); RIC VI Óstia 69(R4); 94(C), 96(S), 98(S); RIC VI Ticinum 114 (R5); RIC VII Arles 7(R5), 8 (R4), 9(R5). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 12, constante do Anexo. 157 RIC VII Trier 62(R5), 63(R5), 64(R4), 65(R4); RIC VII Arles 1(R3), 3(R5); RIC VII Roma 16(R3) 158 RIC VI Londres 277(S), 278(R); RIC VI Aquileia 129(R5); RIC VII Trier 2(C2); 159 RIC VI Londres 245(R), 246(R), 247(R2), 248(S); RIC VI Roma 285a(R4); 353(R), 354(R); RIC VII Ticinum 25(R5), 34(R5), 40(R5). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 13, constante do Anexo. 160 RIC VI Roma 345(S), 346(R), 347(R, 348a(C), 349a(C), 350a(C), 351a(R), 352(R2); RIC VI Óstia 69(R4); 94(C), 96(S), 98(S); RIC VII Arles 7(R5), 8 (R4), 9(R5). Ver Moeda 12, constante do Anexo. 161 RIC VI Roma 348c(R), 349c(C), 350c(C), 351c(R); RIC VI Óstia 95b(S), 97b(S); RIC VII Arles 10(R5), 11(R5), 12(R5). 162 RIC VI Roma 348b(C), 349b(S), 350b(S), 351b(R); RIC VI Óstia 95a(C), 97a(S).

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O diferencial entre Constantino e Licínio são as moedas produzidas nas Casas de

Cunhagem do Ocidente, uma vez que estas oficinas constantinianas foram muito mais

criativas em produzir diferentes tipologias monetárias, em especial as séries nas quais

Constantino foi representado como o restaurador de Roma, como no exemplo da Moeda 11,

que foi cunhada em Londres após a vitória sobre Maxêncio.

Nesta moeda, Constantino aparece como um triunfador no anverso, enquanto que no

reverso foi representada a personificação de Roma entronizada, com um galho na mão direita

e um orbe na mão esquerda. Constantino venceu Maxêncio numa difícil campanha para

restaurar a liberdade aos romanos, e acabar com o tirano e sua facção. Novamente, entramos

no domínio dos conceitos político da Roma Republicana, cujo ideário se mantém como um

importante discurso para legitimar o poder do imperador.

No que se refere ao segundo grupo de moedas – as que possuem representações de

deuses –, observamos a manutenção do movimento de cunhagem de moedas com

representações do deus Marte e a intensificação das emissões de moedas com o Sol Invicto.

No período compreendido entre a vitória sobre Maxêncio e a comemoração da

decennalia, observamos a maior quantidade de emissões monetárias de Constantino nas quais

está representada a efígie do deus Marte163. Assim como nas emissões monetárias anteriores,

o deus Marte não se refere diretamente a Constantino, enquanto seu acompanhante divino,

mas ao caráter pacificador e libertador da campanha de Constantino e de sua vitória sobre

Maxêncio.

O mesmo ocorre em relação aos temas do reverso, a maior recorrência se mantém nas

legendas MARTI CONSERVATORI, o Marte guerreiro que conserva o Império Romano

através da virtus militar.

A novidade presente nestas emissões de Marte são os bustos presentes nos reversos

das moedas de Constantino cunhadas em Trier164, a Casa de Cunhagem que mais emitiu

moedas com representações de Marte. Neste caso, Constantino aparece como triunfador no

anverso, enquanto Marte tem seu busto armado representado no reverso.

163 RIC VI Londres 250(S), 251(S), 252(R), 253(C), 254(C2), 255(R), 256(R2), 257(R), 258(S), 259(R), 260(R), 261(S), 262(R2), RIC VII Londres 4(R4), 24(R4), 25(R3); RIC VI Trier 854(R), 855(S), 856(S), 857(S), 858(C), 859(C2), 860(S), 861(C), 862(C2), 863(C), 864(S), 877(S), 878(S), 879(R), 880(R), 881(C), 882(S), 883(S), 884(C2), 885(R), 896(S), 897(S) RIC VII Trier 15(R5), 49(R4), 50(R4), 51(R4), 52(R4), 53(R3), 54(R5), 55(R5), 61(R4), 68(R5), 69(R5); RIC VII Lyon 10(R2), 11(R4), 12(R3), 13(R4), 14(R5); RIC VI Ticinum 121(R), 122(R), 124a(S), 125(R), 126(R); RIC VII Ticinum 5(R), 6(R5), 11(R4), 12(R4), 18(R4), 19(R4), 23(R4); RIC VI Aquileia 139(R), 141(R); RIC VI Roma 283(R4), 305(R), 306a(R), 307(R), 308(R), 309(R), 310(R2), 311(R), 364(S), 365(S), 367(S); RIC VII Roma 6(R4), 9(R3), 10(R4), 12(R2), 25(R4); RIC VI Ostia 80(R3); 81(R3); RIC VI Siscia 216(R5). 164 Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 14, constante do Anexo.

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Entretanto, neste caso, não nos é possível afirmar uma mimese entre Constantino e

Marte, uma vez que a própria legenda MARTI CONSERVATORI, mantém o lugar comum

da virtus militar, assim como as legenda FVNDATOR PACIS e GAVDIVM

ROMANORVM.

Cabe, por fim, salientar que este foi o período de maior emissão de moedas com a

tipologia de Marte, conforme podemos observar pelo Gráfico I; movimento que terá seu fim

apenas no ano de 317, a partir do qual não se cunha mais moedas com a efígie do deus Marte,

o que se relaciona a um novo direcionamento estratégico de Constantino em relação à

legitimação dinástica.

Gráfico 1

Como vimos anteriormente, após a morte de Maximiano Hercúleo, começou a se

desenvolver um ideário e mística imperiais que relacionavam Constantino com o poder

militar, a herança dinástica de Cláudio Gótico e o apoio do “acompanhante divino” Sol

Invicto. Ao mesmo tempo, a campanha da Itália encontra-se envolta pela questão do

Cristianismo, com a aparição do Chi-Rho a Constantino, e a sua tão falada conversão.

Não obstante os dados da documentação escrita cristã – principalmente Eusébio de

Cesaréia –, os dados da cultura material caminham numa direção contrária a afirmação de

uma conversão incondicional de Constantino em fins de 312. Sobre esta questão, as emissões

monetárias com a efígie do Sol Invicto são fundamentais para questionarmos as formas de

representação do poder imperial, no período posterior à tomada de Roma.

Neste período, aprofunda-se o movimento de emissões de moedas com as tipologias

do Sol Invicto, não apenas as oficinas de cunhagens de Londres, Lyon e Trier, mas também

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Aquileia, Arles, Óstia, Roma e, principalmente, Ticinum passam a cunhar esses tipos de

moedas, com a legenda já corrente do SOLI INVICTO COMITI165.

Outra questão a ser observada neste período, é que as oficinas constantinianas

cunharam moedas do Sol Invicto com as efígies de Licínio166 – embora estas sejam mais raras

–, relacionando esta divindade com o imperador do Oriente, que em contrapartida também

cunhou moedas nas quais a efígie de Constantino era acompanhada no reverso pela imagem

do patrono da Tetrarquia, o deus Júpiter167.

De uma forma padronizada, o Sol Invicto foi apresentado como o “acompanhante

divino” do imperador, seu comes, sendo representado como um homem nu, vestido com uma

clâmide, segurando um orbe e com a mão direita erguida. Esta representação demonstra que o

acompanhante do imperador era um governante universal, que apoiava Constantino em suas

campanhas, conforme denota a legenda SOLI INVICTO COMITI.

Embora as emissões tenham mantido este padrão, houve alguns exemplares cunhados

em Ticinum que destoaram das demais cunhagens do período, em especial duas moedas de

ouro que apresentam o reverso RESTITVTORI LIBERTATIS (Ao restaurador da

Liberdade)168.

No primeiro exemplar – RIC VII Ticinum 31 (Moeda 16) –, Constantino foi

representado como um triunfador, uma vez que figurava laureado, e no reverso vemos

retratada uma cena na qual o Imperador (o próprio Constantino), em trajes militares, segura

um cetro de comando em sua mão esquerda, e está defronte a uma figura feminina

paramentada de forma militar, que se encontra sentada (a personificação de Roma), entre 165 RIC VI Londres 279(C2), 280(C2), 281(C2), 282(C), 283(R2), 284(S), 285(R2), 286(R), 287(R2); RIC VII Londres 5(R4), 6(R1), 7(R3), 8(S), 9(R4), 10(C3), 11(R2), 12(R5), 13(R3), 14(R4), 15(R3), 16(R5), 17(R2), 18(R3), 27(C2), 28(R4), 29(R4), 32(C2), 33(R4), 34(R5), 35(R3); RIC VII Lyon 1(S), 2(R1), 3(S), 4(R1), 5(C2), 6(R4), 7(C1), 8(R4), 9(R4), 15(C2), 16(R4), 17(R1), 18(R4), 19(R3), 20(C1), 21(R4), 22(R5), 23(R5), 24(R4), 25(R5), 26(R5), 27(R5); RIC VI Trier 865(S), 866a(S), 867(S), 868(S), 869(C), 870(C2), 871(C), 872(C), 873(C2), 874(C), 875(S), 876(S), 886(R), 887(R), 888(R), 889(R), 890(C2), 891(S), 892(S), 893(C2), 894(S), 895(R), 898(S), 899(S), 900(R); RIC VII Trier 39(R4), 40(R4), 41(R5), 42(R3), 43(R4), 44, 45(R4), 46(R4), 47(R4), 48(R5); RIC VI Aquileia 144(S); RIC VI Roma 316(S), 317(C), 318(C2), 319(S), 321(S), 322a(S), 323a(S), 324(R), 325(S), 326(R), 327a(S), 328a(S), 329a(S), 330a(R), 331(S), 332(C), 333(C), 334(R), 335a(C), 336a(C), 337a(S), 338a(R), 339(S), 340(S), 342(R), 343(C), 368(S), 369(S), 371(S), 372(S), 374(R), 376(S), 377(S); RIC VII Roma 1(R5), 2(C1), 18(R4), 19(C3), 20(R4). 27(C3), 28(R5), 29(R2), 30(C3), 31(R5), 32(R5), 33(C3), 34(R5); RIC VI Óstia 83(C), 85(S), 87(C), 89(C), 91(S), 93(R); RIC VI Ticinum 128(S), 129(S), 131a(C), 132(R), 133(S), 135a(R), 136(R); RIC VII Ticinum 1(R4), 2(R4), 3(S), 7(C1), 8(R2), 14(R5), 15(R5), 16(S), 20(R4), 21(R1). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 15, constante do Anexo. 166 RIC VII Londres 19(R5), 20(R5), 35(R3); RIC VI Aquileia 143(R); RIC VI Roma 320(R2), 322c(S), 323c(S), 328c(S), 329c(S), 335c(R), 336c(C), 337c(S), 338c(R); RIC VII Roma 3(R3), 4(S), 21(R5), 22(R3), 23(C3), 24(R5), 29(R2), 30(C3), 32(R5), 36(C1); RIC VI Óstia 84b(S), 86b(S), 90b(S), 92b(S), 95b(C), 97b(S); RIC VI Ticinum 127(S), 130(C), 131c(S) 135b(R); RIC VII Ticinum 4(R2), 9(S), 10(R4), 17(R2), 22(R4). 167 RIC VI Siscia 213(R5), 214(R4), 227c(S), 228b(R), 229(C), 230b(S), 231(S), 232b(C), 233(S), 234c(C); RIC VII Siscia 1(R5), 2(R5), 3(R2), 5(S), 6(R4), 7(R2), 12(R5); RIC VII Serdica RIC VI Tessalônica 44c(R3), 45(R3), 47b(C), 50b(C), 52b(R), 58(R), 61(C); RIC VII Tessalônica 1(R5). 168 Para estes exemplares de tipologia, ver as Moedas 16 e 17, constantes do Anexo.

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ambos há um orbe sobre o qual há duas interpretações: (1) ou está sendo entregue por Roma a

Constantino; ou (2) é entregue por Constantino a Roma.

Preferimos a primeira interpretação, uma vez que, conforme vimos anteriormente,

após campanha de Roma, o Senado referendou a posição de Constantino como Augusto

Sênior, além de saudá-lo como libertador, pacificador e restaurador da Res publica, sendo

mais uma instância a legitimar o poder imperial de Constantino.

O segundo exemplar em questão – proveniente da Bibliothèque Nationale de France

(Moeda 17)–, é um exemplo de efígie geminada, na qual Constantino era retratado conjugado

ao Sol Invicto. Esta moeda possui o mesmo reverso da anterior – da RIC VII Ticinum 31 –,

com Roma e Constantino frente a frente.

Por outro lado, o que chama mais atenção nesta moeda é a relação entre Constantino e

o Sol Invicto presente em seu anverso, Constantino foi retratado como um guerreiro heróico

laureado, empunhando uma lança e um escudo no qual está representado uma quadriga –

atributo de Apolo/Sol Invicto, e que também aparece no Arco de Constantino. Em

contrapartida, ao seu lado se encontra seu acompanhante divino, o Sol Invicto, com qual

Constantino compartilha o epíteto invictus.

As representações de Constantino e do Sol Invicto nesta moeda são um

desenvolvimento das estratégias de representação de sua imagem imperial desde o ano 310,

quando este aspecto solar começou a ser difundido. Neste contexto, o Sol Invicto, mais do que

o Deus cristão assume o papel de legitimar através do apoio divino a posição de Constantino

como imperador romano.

O relacionamento especial com o Sol Invicto foi um dos temas mais comuns das

emissões de Constantino entre 310 e 318, conforme atestam as múltiplas séries emitidas pelas

oficinas de Londres, Lyon, Trier, Aquiléia, Arles, Roma, Óstia e Ticinum.

Por outro lado, neste mesmo período, teríamos a primeira evidência de vinculação

entre Constantino e a religião cristã. Em seu famoso artigo de 1932, Andreas Alföldy169,

estabeleceu uma classificação fundamental destas tipologias, na qual o imperador aparece

com um capacete diferente daqueles do período da Tetrarquia, e mesmo posteriormente, e no

qual Alföldy identifica o monograma de Cristo.

O caráter oficial desta moeda não pode ser posto em dúvida, entretanto, a circulação

restrita deste medalhão comemorativo nos leva a concluir que seu impacto como meio de

propaganda era extremamente limitado. Ademais, o Chi-Rho é quase imperceptível para

169 ALFÖLDY, Andreas. The helmet of Constantine with the Christian Monogram. The Journal of Roman Studies. v. 22. 1932, pp. 9-23.

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considerarmos uma potencial conversão e expressão pública da imagem imperial de

Constantino como cristão.

Não obstante, é interessante notarmos que no mesmo ano em que Constantino se

apresenta num busto geminado com o Sol Invicto, o monograma de Cristo teria aparecido em

seu capacete, o que nos leva a problematizar as zonas de conflitos e os campos de contato

entre pagãos e cristãos, e a forma como Constantino trabalhou para o desenvolvimento de

uma política de tolerância, ao mesmo tempo em que sua expressão pública vinculava-o ao

culto do Sol Invicto..

Outra característica das emissões monetárias de Ticinum são os bustos nimbados de

Constantino, em especial uma moeda comemorativa de seu consulado no ano 315, na qual o

imperador aparece no anverso com os atributos de sacralidade de um dominus e no reverso

com os atributos de um magistrado romano – a cadeira curul, e o cetro –, e o orbis terrarum;

demonstrando a própria dualidade do poder imperial romano no Baixo Império, isto é, o

defensor da Res publica, por um lado, e o imperador sacralizado, por outro.

No caso das emissões monetárias em questão, havia duas formas de relacionar a

imagem de Constantino às divindades. No caso de Marte, este deus surge como o conservador

do Império Romano, ligado à virtus guerreira de Constantino e de seu exército gaulês. Já no

caso do deus Sol Invicto, observamos de forma plena a aprovação de um Deus Supremo como

um mecanismo necessário à legitimação do poder imperial de Constantino, em especial nas

moedas de busto geminado, na qual Constantino foi revestido pelos atributos do Sol Invicto.

Por conseguinte, este período posterior à vitória sobre Maxêncio marca, ao invés de

romper, o aprofundamento de vários aspectos da expressão pública de Constantino que

desenvolveu após a morte de Maximiano Hercúleo em 310. Em especial, a relação entre

Constantino e o culto ao Sol Invicto se tornou ainda mais difundida nas emissões monetárias,

ao mesmo tempo em que a tomada de Roma garantiu-lhe um arsenal de conceitos

republicanos e a imagem de libertador e restaurador da ordem.

Em relação a Licínio, este período de paz demonstra que Constantino buscou se

legitimar em seus novos domínios, dissipando o espectro de guerra civil que pairava sobre o

Império Romano, e, especialmente, sobre a Península Itálica desde 306. Não obstante,

Constantino buscou se representar numa posição acima da de Licínio, seja pelo título

honorífico de Augusto Sênior, seja pela ênfase de sua propaganda na libertação de Roma do

jugo dos tiranos.

Por fim, através das emissões monetárias do período não podemos confirmar os dados

colhidos na documentação escrita de origem cristã. A publicização de símbolos cristãos, como

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o Chi-Rho pintado nos escudos da narrativa de Lactâncio, ou o labarum de Eusébio de

Cesaréia, teria que esperar pelo menos até a década de 320 para surgiram nas moedas de

Constantino. Antes disso, no entanto, as emissões de Constantino passariam por outra

transformação, que marcam as novas escolhas deste imperador na segunda metade da década

de 310.

6. As Guerras contra Licínio (315-324)

Este clima de paz e concórdia entre Constantino e Licínio durou pouco tempo. Em

315, em um incidente pouco documentado, Constantino enviou seu cunhado Bassiano –

casado com sua irmã Anastácia – para ser aprovado por Licínio como César. Longe de

representar uma tentativa de reviver a Tetrarquia, a proposta pode ser vista como a tentativa

de Constantino em fortalecer o seu poder.

No entanto, Licínio, com a ajuda de Senécio, irmão de Bassiano, acabou por encorajar

seu co-cunhado a mudar de lado, voltando-se contra Constantino. Neste momento,

Constantino foi obrigado a confrontar Bassiano, e matá-lo; e exigiu que Licínio fizesse o

mesmo com Senécio. Porém, Licínio se recusou e profanou as estátuas de Constantino em

Emona (atual Liubliana, na Eslovênia), o limite administrativo entre os seus territórios170.

Isto se constituiu na razão para a Primeira Guerra entre os dois Augustos. Como vimos

anteriormente, Constantino passou o verão de 315 em Roma, comemorando sua

decennalia171, em seguida partiu para a Gália, e retornou à Itália no outono de 316,

preparando a campanha contra Licínio.

Em outubro de 316, Constantino avançou sobre a Panônia, tomando a sua capital

Siscia (atual Šišak, na Croácia). Enquanto isso, Licínio tomou posições em Cibalae (atual

Vinkovči, na Eslovênia), onde foi derrotado e posto em fuga para Sirmium (atual Sremska

Mitrovica, na Sérvia e Montenegro), cidade na qual deixou sua esposa, filho e tesouros172.

A esta altura, Licínio elevou à dignidade de Augusto o general Valente, ato que irou

Constantino que exigiu a execução deste terceiro Augusto. Pouco depois, Licínio foi

novamente derrotado nos campos de Andrinopla, fugindo para a cidade de Bizâncio173.

Constantino forçou-o a negociar uma paz desfavorável nos seguintes termos: Valente

foi executado; Constantino anexou a seus domínios parte dos Bálcãs até a Trácia; Crispo e

170 Anon. Vales. 5, 14-15; Zos. HN II. 18,1; Eus. HE X. 8, 5-7; Eus. VC I. 47,2. 171 Décimo aniversário de ascensão ao poder. 172 Anon. Vales. 16-17; Zos. HN II. 18,1-5; Eutr. X. 5; Aur. Vict. De Caes. XLI. 2,6; Epit. XLI. 5. Para a data 316, ver POHLSANDER, Hans A. The Emperor Constantine. London. 1995, LENSKI, N. Op. cit. 2006. 173 Zos. HN II. 18,5-19,3; Anon. Vales. 17-18; Epit. XL.2. Para Valente como Augusto, ver: RIC VII Cysicus 7; Alexandria 19.

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Constantino II – filhos de Constantino –, junto com Licínio II – filho de Licínio e Constância

– foram elevados à dignidade de César174.

A aclamação destes três Césares demonstra que o modelo instável de gestão colegiada,

como fora a Tetrarquia, foi repelido em favor de um modelo dinástico mais estável,

aprofundando as diretrizes de representação da imagem pública que Constantino seguiu desde

o início de seu reinado, e especialmente após 310, uma vez que os cinco governantes do

Império Romano, quatro descendiam diretamente de Constâncio Cloro.

Neste contexto, observamos o desenvolvimento de algumas formas de representação

de Constantino postas em prática nas emissões monetárias após a vitória na Primeira Guerra

contra Licínio (315-317); além do mais, devemos ressaltar que esta vitória granjeou-lhe o

domínio sobre as Casas de Cunhagem de Siscia e Tessalônica, os últimos centros de

cunhagem europeus que ainda não estavam sob seu domínio.

Sobre as emissões monetárias de Constantino, neste período, observamos dois

movimentos principais, por um lado, a expansão das emissões com a efígie do Sol Invicto; e

por outro, a cunhagem de série comemorativa entre os anos 317 e 318, que revelam os

mecanismos de legitimação política que estavam em jogo nas estratégias de representação da

imagem imperial.

Conforme vimos anteriormente, desde o ano 310, a imagem de Constantino passou a

ser ligada ao deus Sol Invicto, o seu “acompanhante divino”, relação que foi aprofundada

após a seu vitória sobre Maxêncio.

No período entre 316 e 318, as oficinas de cunhagem que faziam parte dos domínios

de Constantino emitiram uma série de moedas nas quais seus filhos, os Césares Crispo e

Constantino foram associados ao deus Sol Invicto. No anverso, ambos foram retratados como

Césares, laureados e no caso de Crispo como um soldado; enquanto que no reverso

reproduziu-se o padrão imagético do Sol Invicto, comum às moedas constantinianas desde

310.

A novidade, por sua vez, ficava por conta da legenda, pois além do padronizado SOLI

INVICTO COMITI, algumas moedas carregavam a legenda CLARITAS REIPVBLICAE, ou

seja, o Brilho da República, associado ao Sol Invicto175.

Uma das implicações destas legendas e efígie é que o Sol Invicto se tornou, neste

período, um deus dinástico de Constantino, uma vez que tanto ele quanto os seus filhos foram

174 Zos. HN II. 20,1-2; Anon. Vales. 18-19; Aur. Vict. De Caes. XLI. 6; Eutr. X. 5; Epit. XLI. 4; Jer. Chron. 317. 175 Ver as Moedas 18 e 19, constantes do Anexo.

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representados como acompanhados por esta divindade. Deste modo, legitimava-se através do

sagrado a dinastia que Constantino buscava forjar, uma vez que ele e seus filhos possuíam um

relacionamento privilegiado com esta divindade.

Não obstante, este período assistiu a outro movimento estratégico de Constantino, no

que se refere à afirmação de sua dinastia. Nos anos de 317 e 318, Constantino simplesmente

levantou a damnatio que recaia sobre a memória de Maximiano Hercúleo, reabilitando-a.

Numa série comemorativa que foi cunhada nas oficinas de Aquiléia, Arles, Roma,

Siscia, Tessalônica e Trier, Constantino buscou louvar as memórias dos ancestrais divinos de

sua família176. Além de Maximiano Hercúleo, nesta emissão, observamos a cunhagem de

moedas a Constâncio Cloro e a Cláudio Gótico, os três imperadores já falecidos que eram

antepassados de Constantino e de seus filhos.

No que se refere à titulatura dos divinos imperadores, observamos que os três

antepassados foram representados, principalmente, como Optimus Princeps, sendo que

Constâncio ainda foi louvado como Pius Princeps, e Maximiano como Senior Augustus, ou

seja, o título que seu falecido sogro possuía na época da Segunda Tetrarquia.

No que se refere às legendas de reverso das moedas temos dois tipos: (1) a legenda

REQVIES OPTMORVM MERITORVM – e suas variações de escrita –, que foi cunhada em

todas as seis Casas de Cunhagem em questão, e aos três imperadores, entre os anos de 317 e

318. Em segundo lugar, (2) temos a legenda MEMORIAE AETERNAE, cuja cunhagem

ocorreu apenas em Roma, entre os anos de 317 e 318.

Em relação às tipologias de anverso, as moedas possuem o mesmo tipo de efígie, na

qual o imperador em questão – seja Cláudio, Constâncio ou Maximiano – aparece velado e

laureado, voltado para a direita – conforme o exemplo da Moeda 20.

No que se refere às tipologias de reverso, nas séries que possuem a legenda REQVIES

OPTMORVM MERITORVM, sempre está exposta a imagem do imperador velado, sentado

numa cadeira curul com o braço direito levantado e um cetro na mão esquerda.

Diferentemente do contexto do Panegírico de 310, quando a imagem de Constantino

foi atrelada pela primeira vez a de Cláudio, o Gótico, nestas emissões observamos a difusão

desta relação de forma mais ampla, uma vez que o suporte numismático possuía um potencial

de difusão de idéias e propagandas muito mais amplo que o dos panegíricos.

176 Para uma análise pormenorizada desta série, ver: SILVA, Diogo Pereira da. Memória e legitimação: as tipologias monetárias dos divinos Cláudio Gótico, Constâncio Cloro e Maximiano Hercúleo (317-318). Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. n. 18, 2008. pp.279-286.

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Neste caso, Constantino louva Cláudio, o Gótico como OPTIMO IMPERATORI o

que dialoga com a legenda estereotipada do reverso, isto é, REQVIES OPTIMORVM

MERITORVM – “descanso pelos ótimos (grandes) méritos” 177.

Quanto à tipologia de anverso, o imperador aparece velado, o que denota que está

morto, pré-requisito para se tornar um diuus; enquanto a coroa de louros se relaciona aos

triunfos deste imperador. Neste plano, observamos as características próprias de um

imperador do século III, um imperador vitorioso que possui incontestáveis virtudes militares.

No que se refere ao reverso, o imperador aparece como um magistrado romano

(cadeira curul), com a mão direita levantada e o cetro – símbolos do comando –; da mesma

forma que no anverso, o imperador aparece velado.

Estas mesmas tipologias de anverso e reverso, e a mesma legenda de reverso, são

encontradas em moedas do pai de Constantino – Constâncio Cloro178 –, e de seu sogro

Maximiano Hercúleo179. As diferenças repousam principalmente na onomástica imperatória.

Enquanto para Constâncio predomina as legendas DIVO CONSTANTIO PIO PRINCIPI,

para Maximiano temos as legendas DIVO MAXIMIANO SENIORI FORTISSIMO

IMPERATORI.

Pelas diferentes onomásticas percebemos as diversas formas de apropriação da

imagem dos imperadores falecidos. De um lado, temos Constâncio cuja pietas e o status de

princeps são euforizados; de outro, temos Maximiano do qual se destaca a sua posição como

Senior na hierarquia do sistema político da Tetrarquia – uma vez que quando da’ abdicação de

305, tanto ele quanto Diocleciano assumiram a titulatura SENIOR IMPERATOR. Também

foi destacado o poder militar, através do adjetivo no superlativo Fortissimus.

Referente à outra legenda de reverso – MEMORIAE AETERNAE –, observamos que

este tipo de moeda foi cunhado apenas em Roma, logo, estamos perante a uma série

comemorativa especial que exibe características diferentes das moedas anteriormente

analisadas180. Inicialmente, a legenda MEMORIAE AETERNAE, é uma legenda em

177 RIC VII Trier 203(R4), 207(R4); Arles 173(R4), 176(R5); Roma 106(S), 109(R4); Aquileia 23(R3), 26(R4); Siscia 43(R3), 45(R5); Tessalônica 26 (R3). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 20, constante do Anexo. 178 RIC VII Trier 201(R5), 202(R4), 206(r4); Arles 175(R5), 178(R5

); Roma 105(R3), 108(R4); Aquileia 22(R4), 25(R5); Siscia 42(R3), 46(R5); Tessalônica 25(R4). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 21, constante do Anexo. 179 RIC VII Trier 200(R4), 204(R5), 205(R3); Arles 174(R4). 177(R4); Roma 104(R2), 107(R4); Aquileia 21(R4), 24(R5); Siscia 41(R3), 44(R5); Tessalônica 24(R4). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 22, constante do Anexo. 180 Maximiano Hercúleo: RIC VII Roma 110(R4), 113(R3), 117(R4), 120(R2), 123(R), 126(R4); Constâncio: RIC VII Roma 111(R), 114(R3), 118(R3), 121(R4), 124(R2), 127(R4); Cláudio Gótico: RIC VII Roma 112(R), 115(R5), 119(R3), 122(R2), 125(R2), 128(R4).

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nominativo que denota a permanência da memória dos imperadores, isto é, de seus grandes

feitos para o bem da Res publica.

Em segundo lugar, temos nos reversos a representação de dois animais profundamente

ligados ao poder político e militar. O leão cumpria uma função central nas representações do

poder no Oriente Próximo – como podemos observar nos relevos mesopotâmicos, nas

metáforas bíblicas, e outros –; neste caso, também percebemos as vinculações entre esta

imagem e o poder imperial.

Quanto à águia, ela é o atributo de Zeus/Júpiter, e personificação do poder imperial.

Além disso, a águia cumpria um papel central na cerimônia da consecratio pela qual o

imperador falecido se tornava um diuus. Segundo Simon Price181, a águia era responsável por

transportar a alma dos imperadores para o céu, daí sua importância nos relevos funerários, e a

soltura de uma águia após o ritual de cremação.

Consequentemente, as emissões monetárias do período tinham o claro objetivo de

honrar as memórias de Cláudio Gótico, Constâncio e Maximiano e, por conseguinte, glorificar

seus descendentes, e afirmar a legitimidade da sucessão até Constantino e seus filhos.

Neste sentido, esta série de emissões monetárias dos anos 317-318 tinham por objetivo

afirmar a existência de uma herança dinástica da família de Constantino sobre a de Licínio.

Estas séries de moedas de bronze, emitidas pelos principais centros de cunhagem de seus

domínios ocidentais (Trier, Arles, Roma e Aquiléia) e de seus novos domínios nas regiões

orientais (Siscia e Tessalônica), celebravam, assim, uma memória dinástica.

Estas moedas honravam os divinos Cláudio Gótico, Constâncio Cloro e Maximiano

Hercúleo e faziam lembrar aos antigos e novos súditos de Constantino de quais imperadores

descendia sua família – os grandes imperadores ilíricos que através de seus méritos militares

iniciaram uma época de restauração da ordem no Império Romano.

Neste caso, a estratégia discursiva de utilizar a imagem dos imperadores mortos

cumpria o papel de afirmação dinástica de Constantino sobre Licínio com o intuito de

esvaziar a legitimidade deste.

Interessante notarmos, através das emissões monetárias, que Licínio se refugiou nas

imagens de Júpiter, associando-se a este deus, enquanto que, após o período dos anos 317 e

318, observamos um movimento de declínio dos registros numismáticos relativos ao Sol

Invicto, o que nos leva a problematizar como esta cunhagem aos diui simboliza outro tipo de

ênfase nas estratégias legitimatórias de Constantino.

181 PRICE, Simon. From noble funerals to divine Cult: the consecration of Roman Emperors. In. CANNADINE, David. PRICE, Simon (Eds.). Rituals of Royalty. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. p. 61.

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Após a vitória sobre Maxêncio, conforme vimos anteriormente, um orador anônimo

louvou os feitos de Constantino nessa campanha, e lançou as bases do discurso da

providência divina, do apoio divino que se manifesta no mundo físico, e que garante a

supremacia e as vitórias de Constantino para todo o sempre.

Do ponto de vista da documentação escrita, este discurso se encontra impregnado nas

obras de Eusébio de Cesaréia (História Eclesiástica) e Lactâncio (Sobre a morte dos

perseguidores), as quais são datadas de meados da década de 310. Do ponto de vista pagão, tal

discurso aparece no Panegírico de Nazário, o qual comemora os quinze anos de reinado de

Constantino, e foi proferido em Roma, no ano de 321.

Nos autores cristãos – Lactâncio e Eusébio de Cesaréia –, observamos a atuação da

providência divina do Deus Supremo, a qual se encontra do lado de Constantino em sua

batalha contra Maxêncio, e foi fundamental para o seu triunfo.

Em Nazário, por outro lado, observamos a ação da providência divina se manifestando

através do apoio de um exército celestial que desce dos céus liderados pelo divino Constâncio,

e que lutaram ao lado de Constantino na campanha contra Maxêncio182.

Deste modo, em todos os relatos, Constantino não se movia num plano estritamente

humano, pois a mão do Deus Supremo estava sempre com ele.

Esta presença divina e esta intervenção sobrenatural das quais os contemporâneos dos

acontecimentos estavam convencidos, mas que até o momento escaparam a todo o testemunho

visual, se manifestaram, por fim, de forma sensível: uma vez comprovada a inviabilidade das

negociações entre Maxêncio e Constantino, e antes da campanha da Itália, ainda nas Gálias –

lugar no qual se deu a aparição de Apolo-Sol Invicto no ano 310 –, exércitos celestiais, cujos

combatentes eram prodigiosamente fortes e trajavam armas resplandecentes desceram das

nuvens, proclamando que seu destino era combater ao lado de Constantino. Tais tropas,

182 Pan. Lat. X (4) 14, 1-6: “Finalmente, correu de boca em boca por todas as Gálias que se deixaram ver exércitos que afirmavam terem sido enviados pelos deuses. Por mais que os seres celestiais não se deixem ver ordinariamente pelos olhos dos homens, porque a substância simples e imaterial de uma natureza sutil escapa a nossa visão grosseira e cega, entretanto, neste caso teus auxiliares consentiram em se deixar ver e ouvir, e não evitaram o contato dos olhos de mortais, mas que apenas depois de ter testemunho de seus méritos. Mas que beleza se diz era a sua! Que vigor o de seu corpo! Que impressionante o volume de seus membros! E que prontidão de suas resoluções! Flamejava não sei que temível fogo em seus escudos resplandecentes e suas armas celestiais brilhavam com uma luz aterradora; tinham, com efeito, vindo em tais condições que se poderia crer bem que eram teus. E estas eram suas palavras e as coisas que diziam a quem os escutava “Buscamos Constantino e viemos ajudar Constantino”. Certamente, as divindades têm também seu amor próprio e também os habitantes do céu são acessíveis à vanidade. Estes seres baixados do céu, estes enviados dos deuses estavam orgulhosos em combater a teu favor. À frente deles marchava, ao que creio, teu pai Constâncio que, abandonando a um filho maior que ele os triunfos terrestre, elevado já à classe dos deuses, guiava expedições divinas. E é, ademais, um precioso fruto de tua piedade que Constâncio, apesar de haver sido admitido ao céu, tenha sentido que, graças a ti, ele mesmo se engrandecia ainda mais”.

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segundo Nazário, eram comandadas pelo próprio divino Constâncio, e na batalha da Ponte

Mílvio lutaram lado a lado com as tropas de Constantino.

Tudo isto é como o final necessário de uma lenda progressiva, cujas etapas são fáceis

de seguir desde 310. Neste ano, Apolo-Sol Invicto aparece ao imperador, com a promessa de

uma vida longa e um reinado próspero. Em 313, se insistiu no tema das “inspirações divinas”

de Constantino, seja no Panegírico de 313, seja na inscrição do Arco de Constantino, em

Roma. No ano 321, no Panegírico de Nazário, o próprio Constâncio chefia as hostes

celestiais que auxiliam Constantino.

Nazário se vincula às propostas de representação de Constantino que vêm se

desenvolvendo de forma progressiva desde a virada de 310; para além disso, Nazário acaba

por apresentar uma explicação pagã a uma tradição de intervenção divina na campanha da

Itália, que tomou forma também no Sobre a morte dos perseguidores de Lactâncio e, em

menor escala, na História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia.

Entretanto, há divergências entre os relatos de Nazário e dos autores cristãos. Em

primeiro lugar, em Nazário, temos as hostes celestiais, enquanto que em Eusébio e Lactâncio

apenas há o exército de Constantino. Em Nazário, estas manifestações divinas tiveram lugar

nas Gálias, enquanto que em Lactâncio estas ocorreram na véspera da Batalha da Ponte

Mílvio.

Já Eusébio não narrou nenhuma manifestação divina a Constantino em sua História

Eclesiástica, tal qual fez posteriormente na Vida de Constantino, na qual também situou as

manifestações de Deus na Gália183.

Ao cotejarmos com documentação escrita, podemos observar que após a cunhagem de

317-318, há outra virada nas formas de representação da imagem de Constantino, a qual

aprofunda a importância da providência divina como um mecanismo para legitimar seu poder,

Constantino foi um imperador escolhido pelos soldados, que possui uma dinastia que

remonta a Cláudio Gótico e que conta com outros dois gloriosos imperadores na linhagem,

além disso, Constantino foi escolhido pelo Deus Supremo em sua providência para ser o

governante do Império Romano, e isto pode ser entrevisto pelos seus sucessos militares.

De forma exemplar, no ano 321, Nazário quis apresentar que desde sua ascensão ao

poder Constantino havia sido objeto de uma especial eleição divina, e para tal usa termos

ambíguos como deus ou diuinitas, que se referem a um Deus Supremo indeterminado.

183 Eus. VC I. 27-31.

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Também não podemos perder um ponto fundamental. O ano 321 situa-se após o

primeiro conflito entre Constantino e Licínio, no período que precedeu a definitiva ruptura e

posterior restauração da unidade do Império. Sobre este ponto é que devemos lançar nossa

objetiva, afinal as formas de representação do poder imperial são escolhas estratégicas, e

Constantino estava prestes a lutar sua última batalha pelo poder supremo no Império Romano,

e precisava legitimar sua proposta, e, deste modo, favorecer a posterior consolidação de sua

vitória.

Neste contexto, era de importância fundamental que Constantino fosse representado

como um imperador sobre-humano, que sempre teve a seu lado o Deus Supremo, o qual

interviu em várias situações e, assim como no passado recente, continuaria a ajudá-lo no

futuro. Outro tema fundamental foi a insistência em apresentar os quatro filhos de

Constantino que assegurariam a continuidade de sua dinastia.

O Panegírico de Nazário, assim como as emissões monetárias do período demonstram

as escolhas estratégicas de Constantino frente ao iminente conflito com Licínio, e demonstram

uma defesa de sua dinastia.

Além disso, há de se argumentar a interação com o Cristianismo sobre o transcrito

público de Constantino. Se em 312, as suas representações públicas não demonstram tal

relacionamento posto que, conforme observamos acima, Constantino continuou a emitir

moedas com as efígies do deus Marte e do Sol Invicto até o ano 318, da mesma forma, a partir

de década de 320, nenhum símbolo pagão foi emitido pelas Casas de Cunhagem de

Constantino, o que, por sua vez, é um indício de que devemos datar sua expressão pública

depurada das imagens dos deuses pagãos não no ano 312, como o querem alguns autores184,

mas no período que antecede a Segunda Guerra contra Licínio (323-324).

No entanto, interpretamos que tal fenômeno decorreu mais de um desenvolvimento

interno do ideário e mística imperiais em consonância com os mecanismos de legitimação

política – exército, dinastia e apoio de um Deus Supremo.

Por conseguinte, neste período ocorreu a consolidação destes três mecanismos de

legitimação do poder imperial de Constantino, e que se manteve pelo resto de seu reinado,

seja nos discursos numismáticos185, seja em Eusébio de Cesaréia.

Em 322, no ano seguinte ao do Panegírico de Nazário, Constantino estabeleceu

residência em Serdica (atual, Sófia na Bulgária), deixando ao César Crispo a função de

184 Ver Capítulo I – Discussão Historiográfica. 185 Ver Moeda 23 constante do Anexo.

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defender a Gália das investidas dos germanos186. Em seguida, Constantino iniciou uma

campanha contra os Sármatas que pilhavam as localidades danubianas, e cujo sucesso foi

propagandeado pelas moedas cunhadas no período187.

Certamente, as relações entre Licínio e Constantino tenderam a se deteriorar pelos

anos seguintes. Segundo a documentação cristã, o motivo para o rompimento das relações se

deu quando Licínio pôs em prática medidas persecutórios contra os cristãos do Oriente –

expulsão do serviço público, proibição de sínodos, execuções188.

No entanto, já em 321, Licínio se recusou a reconhecer um dos cônsules apontados

para o cargo, e em 322 se recusou a distribuir as moedas de Constantino que propagandeavam

as vitórias sobre os Sármatas. Em 323, Constantino avançou sobre os territórios de Licínio

para lutar contra uma invasão dos Godos, ação que levou à declaração de guerra, e a

preparação para o conflito aberto189.

Derrotado por terra190 e por mar191, Licínio – que, neste ínterim, havia nomeado como

co-Augusto Martiniano192 – iniciou negociações através de sua esposa Constância, que

convenceu o irmão a poupar a vida dele e de seu filho, em troca da abdicação de ambos. Esta

garantia foi logo quebrada por Constantino que em poucos meses o mandou executar e ao seu

filho. À sua irmã Constância restou se tornar uma cristã ardorosa193.

Em resumo, as escolhas estratégicas operadas por Constantino entre os anos 315 e

324, foram em prol do desenvolvimento de sua legitimação dinástica, conseguindo, ao cabo

de duas campanhas, eliminar Licínio e reunificar o Império nas mãos de um único Augusto, e

de uma única família, a qual possuía o apoio do Deus Supremo que por sua providência

permitiu a Constantino a conquista da autoridade máxima sobre o Império Romano.

186 Pan. Lat. X (4) 17. 1-2. 187 Zos. HN II. 21, 1-2; RIC VII Londres 289; Lyon 209, 212, 214, 219, 222; Trier 429, 435; Arles 257; Sirmium 48. Ver Moeda 24 constante do Anexo. 188 Jer. Chron. 320; Oros. VII. 28,18; Eus. HE X. 8,1-9,3; VC I. 49,2-54,1; II. 1,1-2,3; II. 66,1; Soc. HE I. 3,1-4; Soz. HE I. 7,1-4; Aur. Vict. De Caes. XLI. 3-5. 189 O único documento que afirma esta campanha é o Anon. Vales. 21-22. Interessante não haver testemunhos numismáticos ou epigráficos sobre a campanha contra os Godos. 190 Anon. Vales. 24-27; Zos. HN II. 22,3-23,1; II. 24,2-25,1; Aur. Vict. De Caes. XLI. 8; Eus. HE X. 9,4-6; Eus. VC II. 5. 191 As operações navais foram comandadas pelo César Crispo, ver: Zos. II. 23, 2-25,1; Anon. Vales. 25-27; Aur. Vict. De Caes. XL. 8; Eus. HE X. 9, 4-6; Eus. VC II. 6,1-18,1. 192 Anon. Vales. 25; Aur. Vict. XLI. 8,9; Epit. XLI. 5-6; Zos. II. 25,2; RIC VII Nicomedia 45-47; Cysicus 16. 193 Anon. Vales. 28-29; Zos. HN II. 18,1-2; II. 28,2; Jer. Chron. 323, 325; Epit. XLI. 7-10; Eutr. X. 6,1-3; Soc HE I. 4, 3-4; Soz. HE I. 7,5.

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7. As mortes de Crispo e Fausta Com a morte de Licínio, o Império Romano entrou em uma nova era. Constantino

unificou o poder em suas mãos, e garantiu sua dinastia no poder pelos próximos quarenta

anos. Quase imediatamente ele conduziu as profundas mudanças que deixaram a sua marca na

história Romana pelos próximos séculos.

Com a aquisição dos territórios do Oriente, Constantino entrou em contato direto com

a complicada política eclesiástica desta região, o que teve efeitos profundos nas relações entre

o cristianismo e o Império Romano.

A causa imediata foi a resolução da controvérsia dogmática surgida em Alexandria, no

Egito, e que convulsionava as igrejas do Oriente. Constantino, utilizando a experiência

adquirida quando lidou com o Donatismo, convocou um concílio ecumênico de bispos para

julgarem o mérito da questão da relação entre Pai e Filho na Trindade.

O Concílio de Nicéia I – como ficou conhecido – se colocou contra as idéias propostas

por Ario, e em seu lugar produziu o Credo Niceno, que reafirmou a co-eternidade e igualdade

entre Pai e Filho. O Arianismo foi declarado uma heresia, e Ario e seus bispos seguidores,

que recusaram a assinar o Credo, foram depostos e exilados por Constantino.

Uma das maiores mudanças foi sua escolha de refundar Bizâncio como sua capital

epônima de Constantinopla. Sua proximidade com o limes danubiano, sua defensibilidade, e

sua posição geopoliticamente estratégica tornavam-na o lugar ideal para ser a nova capital do

Império cujo centro de gravidade já se havia, há muito, deslocado para norte e leste.

A atividade de cunhagem de moedas se iniciou já em 326, inclusive com a emissão de

moedas com simbologias cristãs, em especial a Moeda 25 – RIC VII, Constantinopla 19 –, na

qual um labarum empala uma serpente, circundada pela legenda SPES PVBLICAE –

“Esperança Pública”194.

Em 11 de maio de 330, Constantino presidiu a cerimônia de dedicação de sua nova

capital195. Não devemos ver a fundação de Constantinopla como algo novo, também os

tetrarcas já haviam fundado capitais, na década de 290; entretanto, esta cidade representava

algo novo em escala e status – seja por suas construções monumentais, seja pelos privilégios

como distribuição de alimentos, um Senado próprio e uma Casa de Cunhagem.

Constantino ainda construiu e reformou vários templos, e no meio de seu Fórum erigiu

uma coluna de pórfiro com uma estátua sua na qual se especula ter sido representado 194 Ver a Moeda 25, constante do Anexo. 195 Ver a Moeda 26, constante do Anexo.

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enquanto Sol Inuictus196. Entretanto, de uma forma geral, os pesquisadores observam

Constantinopla com um olhar de triunfalismo cristão, a “Nova Roma” purgada do politeísmo,

e dirigida aos desígnios do Cristianismo.

Nesta época, entretanto, a despeito da tranqüilidade que a vitória sobre Licínio trouxe

para Constantino, além das comemorações de suas vicenais, intrincados problemas

aconteceram na família de Constantino.

Repentinamente, durante a comemoração de sua Vicennalia, seu filho Crispo, e sua

esposa Fausta, foram executados, e sofreram a damnatio memoriae. A razão da morte de

ambos permanece envolta pelos caminhos propostos pela documentação. Por um lado, temos

Eusébio de Cesaréia que nada fala sobre a questão, por outro temos Zósimo – um autor bem

posterior – que nos diz que Constantino matou Crispo ao ser enganado por Fausta, e depois a

matou.

No período entre a vitória de Licínio e sua morte, isto é, entre aproximadamente 324 e

326, Constantino atribuiu à sua mãe Helena e à sua esposa Fausta o título de Augusta, embora

também tenha conferido a Fausta o título Máxima, que lhe granjeava um prestígio maior que

o de Helena, a “rainha-mãe”. Em sua titulatura oficial Fausta assume o nome FLAVIA

MAXIMA FAVSTA AVGVSTA197, enquanto Helena assume o nome FLAVIA HELENA

AVGVSTA198.

Em Antioquia, entre 324 e 325, foi cunhada uma série de moedas comemorando a

elevação de ambas à dignidade de Augusta, como o seguinte follis, que representa a efígie de

Fausta com cabelos ondulados e presos, no anverso; e no anverso a titulatura completa da

imperatriz (Moeda 27).

Também deste período datam a esmagadora maioria das moedas com a efígie da

imperatriz, havendo dois tipos principais de cunhagem. Temos as legendas de reverso SALVS

REIPVBLICAE199 – saúde, salvação, prosperidade da Res publica –, e SPES REI

PVBLICAE200 – esperança da Res publica. Ambas as legendas têm a mesma imagem de

reverso, nela, Fausta aparece com duas crianças pequenas, uma em cada braço.

196 FOWDEN, Garth. Constantine’s porphyry column: earliest literary allusion.. Journal of Roman Studies. v. 81. 1991. p.119-131 197 Ver a Moeda 27, constante do Anexo. 198 RIC VII Londres 299(R2); Lyon 234(R2); Trier 458 (C1), 508(C3), 525(R2); Arles 278(R2), 299(R3), 307(R4), 324(R2); Roma 248(R5), 250(R5), 270(R3), 291(R); Ticinum 177(R5), 183(R5), 190(R2), 202(R), 209(R4). 199 RIC VII Londres 300(R1), Arles 277(R4), 298(R4); Trier 459(C1), 483(C2); Lyon 235(R2); Ticinum 182(R5); Sirmium 55(R1); Nicomédia 77(R5), 78(R5), 96(R3), 130(R3); Constantinopla 12(R3); Antioquia 68(R3); Alexandria 39(R3). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 28, constante do Anexo. 200 RIC VII Arles 279(R5), 285(R4), 300(R4), 308(R5); Trier 460(R2), 466(R5), 484(C1); Roma 271(R4), 292(R4), 293(R3), 294(R2); Ticinum 178(R5), 191(R3), 203(R1), 204(R5); Siscia 188(R4), 197(R3); Sirmium 61(R5); Cysicus 29(R1), 40(R1), 50(R1); Tessalonica 137(R5); Heraclea 80(R), 86(R2); Nicomédia 69a(R5), 97(R4),

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Numa clara pretensão dinástica, Fausta foi apresentada como a grande matrona que

garantia, através de sua prole, a esperança e a prosperidade eterna à Res publica. Forja-se,

assim, a imagem de uma mãe virtuosa, protetora, condizente com a dignidade ocupada.

As representações de Fausta na documentação numismática se relacionam a um

período de aprofundamento do princípio dinástico para a transmissão do poder legítimo do

imperador para seus descendentes. Neste contexto, o papel das imperatrizes Fausta e Helena

são óbvios para a legitimação e perpetuação da dinastia.

A sucessão dinástica enquanto um mecanismo de legitimação política se consolidou

no período do Baixo Império. Neste contexto, as mulheres proveram importantes ligações

matrimoniais capazes de legitimar a posição dos imperadores, e de aspirantes à dignidade

imperatória.

Apenas para exemplificar, o sangue dos descendentes de Constâncio Cloro (imperador

entre 293-306) – pai de Constantino (imperador entre 306-337) – manteve-se no poder para

além da morte dos descendentes diretos de Constantino, sendo possível mapeá-los até a

dinastia dos Teodosianos, sob o nome de Valentiniano III (imperador entre 425-455). Desta

forma, as imperatrizes proveram importantes ligações para legitimar a autoridade dos

imperadores.

Não obstante, a paz que parecia reinar no Império Romano reunificado de Constantino

foi rompida no ano de sua Vicennalia, no qual se assistiu um dos episódios mais intrigantes de

seu reinado. Sem quaisquer motivos precedentes, o imperador ordenou a sucessiva execução

de seu primogênito, e de sua esposa. Nossas fontes sobre o evento são fluidas, e tardias ao

acontecimento, posto que Eusébio de Cesaréia nada nos testemunhe diretamente sobre o

ocorrido, e nem toque nos nomes de Fausta e Crispo em sua Vida de Constantino.

Temos que recorrer à documentação escrita entre fins do século IV e o século VI.

Devido a execução de Crispo ser seguida imediatamente pela execução cruenta de Fausta,

estas fontes atribuem um cenário próximo ao de Hipólito e Fedra da mitologia grega: quando

os desejos amorosos de uma senhora são recusados, ela se vinga do rapaz reclamando ao pai

do jovem – que por sua vez é seu esposo – que foi estuprada. Num acesso de ira o pai do

rapaz o executa, mas, em seguida, descobre que era mentira de sua esposa e a mata.

Embora pudesse fazer o deleite de dramaturgos, esta cena nos parece muito pouco

provável e, em geral, provém de uma leitura pouco cuidadosa da documentação, em especial

na análise unilateral das obras históricas, em especial, a Nova História de Zósimo.

131(R3); Antioquia 69(R3); Alexandria 40(R2). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 29, constante do Anexo.

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Zósimo foi um aduocatus fisci201 na corte do imperador bizantino Anastácio I

(imperador entre 491-518). Historiador pagão e anticristão, Zósimo escreveu sua História

Nova na época em que estava na corte de Constantinopla (cerca de dois séculos após o

reinado de Constantino). Para Zósimo, as execuções de membros da família de Constantino

por sua ordem foram a causa principal de sua conversão à fé cristão, pois:

“a doutrina dos cristãos suprimia qualquer erro, e trazia a mensagem

segundo a qual os ímpios que tomavam parte nela estariam instantaneamente

purificados de qualquer falta”202.

Um dos argumentos que podemos construir para refutar este cenário se desenvolve em

torno de um panegírico de Juliano a Constâncio II, no qual o orador louva as virtudes morais

de Fausta203.

Como regra própria do gênero laudatório, que se cristalizou principalmente após o

período tetrárquico, temos o elogio incondicional do princeps. Desta forma, Juliano nunca

elencaria este tópico se ele causasse quaisquer constrangimentos a Constâncio II. Assim,

parece-nos lógico afirmar que Fausta não tentou seduzir seu enteado, ou que teve um

relacionamento adúltero com Crispo, como afirma Zósimo204.

Por nosso lado, levantamos outra hipótese, que se constrói a partir da micro-análise do

período, analisando não as escolhas de Constantino, mas de Fausta. A nosso ver, Fausta

desejava eliminar Crispo, e, desta forma, deixar o caminho aberto para que apenas seus filhos

herdassem o trono. A principal motivação repousaria nos interstícios da figuração da casa

imperial, e nas práticas sociais estratégicas.

Primeiramente, precisamos recuperar um personagem perdido que pode ser a pista

central para elucidarmos a questão, o filho de Licínio e Constância – Licínio César – também

executado em 326.

Edward Gibbon em seu History of the Decline and Fall of Roman Empire argumentou

que a esposa de Crispo, também chamada Helena, era filha, por sua vez, de Licínio

(GIBBON, 1994: 650). Nossas fontes sobre esta Helena são ainda mais escassas que sobre

201 Foc. Bibliotheca. XCVIII. 202 Zós. HN. II 29 3. 203 Jul. Or. I. 9b-d. 204 Zós. HN II 29, 1-3.

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Fausta, sendo a única menção oriunda de uma lei recolhida no Código Teodosiano, na qual se

atesta o nascimento de um filho deste casal em 322205.

Olhando em perspectiva as práticas de aliança entre os governantes comuns ao período

tetrárquico, nos parece natural que Constantino e Licínio tenham desejado estreitar seus laços

entre 312-313, ou após os conflitos de 321-322, através de uma união matrimonial entre seus

filhos. Isto nos parece razoável, e condizente com as práticas do período – como nas uniões

entre Constantino e Fausta, e Licínio com Constância.

Mesmo que esta conexão hipotética seja aceita, alianças matrimoniais não são garantia

de segurança, como confirma o próprio caso de Licínio e Constância. Este foi executado em

325, e logo em seguida o foram Licínio II e Crispo em 326. E, após todos estes, Fausta foi

violentamente executada.

Precisamos também recuperar que entre os anos de 321 e 326, o prestígio de Crispo

cresceu de forma estrondosa. O César tomou a frente das campanhas contra os germanos no

limes do Reno, e foi uma das figuras principais da vitória de Constantino sobre Licínio em

324, quando liderou uma pequena esquadra que derrotou uma poderosa armada estacionada

na Ásia Menor206. Por seu lado, após a derrota de seu pai, Licínio II foi exilado em

Tessalônica, onde permaneceu até ser executado em 326.

Se Constantino não matou seu sobrinho Licínio II em 324, porque o mataria em 326?

E Crispo que estava na Gália, cuja educação havia confiado ao retor cristão Lactâncio, e que

aparecia como um sucessor ideal do imperador, porque ele seria executado?

Muito possivelmente, Fausta temia pela segurança de seus filhos, afinal, Crispo era

mais velho cerca de 15 anos que seu segundo irmão, Constantino II. Além disso, Constantino

passou a viver a maior parte do tempo no Oriente, principalmente após o início da construção

de Constantinopla, em 325.

As províncias orientais foram, por sua vez, governadas por Licínio por catorze anos, o

que acabou por garantir aos licinianos uma vasta clientela, que poderia se associar a Licínio II

num golpe, se fossem felizes em obter o apoio de um aliado poderoso como Crispo,

governante de fato da parte ocidental do Império Romano.

Estabelecendo um cruzamento na documentação escrita, percebemos uma

convergência interessante no relato de Filostórgio207 com o de Eusébio de Cesaréia208.

205 CT 9.38.1: Nesta lei promulgada em 30 de outubro de 322, Constantino concedia um indulto a todos os presos, excetos os condenados por práticas mágicas (ueneficus), homicídio (homicidas) e adultério (adulteros), por ocasião do nascimento do filho de Crispo e Helena. 206 Anon. Vales. XXIII. 207 Filost. HE II, 4

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Enquanto o primeiro afirma que Constantino foi envenenado por seus irmãos que ficaram

chocados com a execução de Crispo; Eusébio relata que membros da família de Constantino

foram surpreendidos enquanto urdiam uma conjura contra o imperador, a qual foi revelada

por Deus, isto em finais da década de 310.

Interessante notarmos que entre os membros da própria família do imperador não

havia total submissão e apoio, o que acaba por dar sustentação à nossa hipótese de que

Constantino temia sim quaisquer tipos de conjuração, podendo desconfiar até mesmo de seu

primogênito.

Assim, se completaria a rastro das pistas, Fausta sopra um temor de conspiração contra

Constantino, na qual estariam em concurso os remanescentes orientais da facção liciniana, e

Crispo, o poderoso César que se encontrava em finais de 326 na cidade de Póla, no Ilírico –

atual Croácia. Esta conspiração colocava em risco a vida de Constantino, e por extensão a

vida de seus filhos gerados por Fausta.

Seguindo por esta linha de raciocínio, percebemos que Fausta acabou por construir seu

próprio cadafalso. Uma vez descoberto que ela criou as falsas suspeitas sobre Crispo,

Constantino não teve piedade, ordenando a execução de sua esposa209.

Neste sentido, podemos observar que as estratégias de representação da imagem do

poder imperial desenvolvidas por Constantino no período das guerras contra Licínio se

mantiveram após a unificação do Império Romano, em 324.

De uma forma ampla, Constantino passou a enfatizar, por um lado, o apoio da

Suprema Deidade – que, paulatinamente, acaba por ser associada ao Cristianismo após a

segunda metade da década de 320 –, e, por outro, a sua dinastia Flaviana. Estes dois discursos

se ligam ao apoio do exército, e garantem a legitimidade necessária para o governo de

Constantino e, posteriormente, para uma suave passagem de poder para seus sucessores – o

objetivo principal destes mecanismos de legitimação política.

208 Eus. VC I, 47,2 209 Zos. HN. II 29,3. Outros registros acerca da morte de Fausta encontram-se recolhidos em Eutr. X,6; Epit. XL. 11-12

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Conclusão Na historiografia, poucos imperadores romanos receberam tantas interpretações como

Constantino I (306-337). Conforme pudemos ver, estas análises enfocavam, principalmente,

as questões religiosas nas quais este imperador e o Império Romano sob seu governo estavam

inseridos – em especial, a chamada “cristianização do mundo romano”.

Nosso ponto de partida foi outro. Ao invés de analisarmos Constantino a partir de um

modelo explicativo pronto – de uma análise fechada que permite aos pesquisadores

defenderem quaisquer posturas, uma vez que saibam escolher bem a documentação a ser

analisada, escamoteando as demais –; buscamos o indivíduo que estava por detrás das

transformações e como suas escolhas estratégicas foram feitas.

Em primeiro lugar, recorremos a um referencial teórico-metodológico que permitisse

reinserir a trajetória individual na tessitura histórica. Neste sentido, nossa dissertação se

tornou um exercício de micro-análise, a partir do qual construímos paulatinamente as

explicações a partir dos conhecimentos advindos da documentação, sem nos deixarmos levar

pelas explicações que os próprios antigos deram posteriormente – e que muitos historiadores

aceitam de forma quase mimética.

Em segundo lugar, a análise do transcrito público nos permitiu construir outro modelo

explicativo para analisar como Constantino buscou legitimar seu poder imperial, quais foram

as suas ações sociais estratégicas e escolhas.

Certamente, as escolhas não surgem ao acaso, mas são respostas dadas a partir de um

feixe de possibilidades e de expectativas, sendo estas orientadas pelo ideário que determinado

grupo social possui. Constantino era um homem de seu tempo, não um homem extemporâneo,

suas escolhas se orientam dentro das possibilidades e do ideário e mística imperiais que se

desenvolveram desde o século III.

Neste sentido é que cunhamos o conceito “mecanismos de legitimação política”. Um

governante para se legitimar precisa se cercar de certos dispositivos teóricos ou práticos que

embasem o seu poder, sendo estes dispositivos/mecanismos produtos de processos históricos,

e sujeitos a transformações. Desde o início de seu reinado, Constantino buscou se cercar dos

mecanismos de legitimação, isto é, do poder militar, da herança dinástica e do apoio divino,

os quais tomavam formas nas suas expressões públicas, sejam pagãs, cristãs ou materiais.

Nossa abordagem nos permitiu observar através de uma lente como as escolhas de

Constantino se operaram em relação a estes mecanismos de legitimação. Inicialmente, ao

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tomar o poder Constantino contava com o auxílio das tropas de seu pai, e buscou se filiar à

Segunda Tetrarquia, aceitando se submeter às disposições de Galério.

Em seguida, abriu-se a Constantino a escolha entre se manter fiel a Galério, ou se aliar

a Maximiano Hercúleo. E o jovem imperador apresentou uma postura entre o rompimento

com Galério e o apoio a Maximiano; por um lado, casou-se com Fausta, por outro continuou

cunhando moedas com as efígies dos outros tetrarcas – exceto Galério.

Naquele período entre os anos 307 e 308, Constantino com apoio de Maximiano se fez

novamente Augusto, se filiava à dinastia Hercúlea – da qual seu pai fazia parte –, passou a

cunhar moedas com as efígies do Marte guerreiro, mas não desejava romper com o arranjo da

Segunda Tetrarquia, embora não cunhasse moedas com a efígie de Galério.

Esta situação se transforma poucos anos depois. Em 310, com Maximiano tentando

assassinar seu genro, e sendo executado, a imagem pública de Constantino sofreu a sua

principal transformação: a partir daquele momento, ele não se filiaria a nenhuma família

imperial, mas criou a sua própria dinastia.

A escolha de Cláudio, o Gótico reflete este contexto, as emissões ao Sol Invicto

também, a nova dinastia necessitava de uma deidade protetora. Entre os anos 310 e 318, o

“Sol Invicto Acompanhante Divino” se tornou um dos esteios da legitimidade de Constantino,

mais importante, inclusive, que a sua nova dinastia.

Durante quase um terço de seu reinado, o Sol Invicto foi a principal divindade honrada

nas imagens públicas de Constantino, de forma a termos mais imagens deste imperador

relacionadas a esta divindade, do que com símbolos cristãos.

Quando a questão era o conflito entre outros Augustos, Constantino sempre se

manteve neutro. Enquanto Licínio guerreava com Maximino Daia, o imperador do Ocidente

continuou emitindo moedas com as efígies de ambos os imperadores. Não obstante, a

documentação cristã posterior tenha tentado escamotear este fato.

A expressão pública de Constantino, deste modo, se orientava em relação aos fatos

que ocorriam, e aos quais ele deveria responder. Por conseguinte, apenas desta forma

conseguimos entender a importância de uma cunhagem aparentemente insignificante – como

a emissão em homenagem aos diui de sua família.

Apenas após o ano 318, que podemos dizer que a expressão pública de Constantino

teve seu último desenvolvimento. A partir daquele momento, os mecanismos de legitimação

política – exército, dinastia e providência do Deus Supremo – encontraram sua última

formatação.

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Cabe salientar, novamente, que estes mecanismos de legitimação não foram uma

criação de Constantino, seus rastros puderam ser seguidos no processo de transformação

estrutural do século III. Estes mecanismos são centrais para o entendimento das ações sociais

de Constantino, e para a análise do transcrito público deste imperador tal qual é apresentado

nos discursos pagãos, cristãos e, principalmente, na documentação de cultura material, como

as moedas.

Constantino, deste modo, se tornou o protótipo de imperador romano da Antiguidade

Tardia, uma vez que seu reinado ocorreu num período de transição e transformações na bacia

Mediterrânica. Constantino foi muito efetivo em suas escolhas estratégicas, lançando as bases

para o sistema de legitimação que permitiu à sua família governar, ininterruptamente, por

cerca de setenta anos o Império Romano.

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Anexos Anexo I – Imagens

Imagem 1 Arcada central ocidental do Arco de Constantino, com a epígrafe

LIBERATORI VRBIS (Ao libertador da Cidade, ou seja, de Roma). Disponível no site: <http://www.rome101.com/ArchConstantine/Trajan/pages/0309_0945WS.htm>, acessado

no dia 15 de dezembro de 2009.

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Imagem 2 Arcada central oriental do Arco de Constantino, com a epígrafe

FVNDATORI QVIETIS (Ao fundador da Quietude). Disponível no site: <http://www.rome101.com/ArchConstantine/Trajan/pages/0309_0946WS.htm>,

acessado no dia 15 de dezembro de 2009.

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Anexo II – Moedas

Moeda 1 Datação: Siscia, 285-293. AE / Antoninianus. Anverso: Diocleciano radiado, colgado, à direita

Legenda: IMP C C VAL DIOCLECIANVS P F AVG Desenvolvimento: Imp(erator) C(aesar) C(aius) Val(erius) Dioclecianus (P(ius)

F(elix) Aug(ustus). Tradução: Imperador César Caio Valério Diocleciano, o Pio, o Feliz, Augusto

Reverso: Júpiter segurando o orbe (direita) e o cetro (esquerda), à direita, recebendo uma Vitória de Hércules.

Legenda: IOV ET HERCV CONSER AVGG Desenvolvimento: Iov(i) et Hercu(li) Conser(vatorum) Aug(ustorum) Tradução: A Júpiter e Hércules, os conservadores dos Augustos

Exergo: XXΓ. Indicação: RIC VI Siscia 275.

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Moeda 2 Datação: Londres, verão de 307. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.

Legenda: FL VAL CONSTANTINVS NOB C Desenvolvimento: Fl(avius) Val(erius) Constantinus Nob(ilissimus) C(aesar). Tradução: Nobilíssimo César Flávio Valério Constantino.

Reverso: Gênio do Povo de Roma de pé à esquerda, cabeça com capacete em forma de torre, dorso coberto, segurando uma pátera (mão direita), e uma cornucópia (mão esquerda).

Legenda: GENIO POP ROM Desenvolvimento: Genio Pop(uli) Rom(ani) Tradução: Ao Gênio do Povo de Roma.

Exergo: PLN. Indicação: RIC VI Londres 88b.

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Moeda 3 Datação: Trier, verão 307. AR / Argentus. Anverso: Constantino laureado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS NOB C Desenvolvimento: Constantinus Nob(ilissimus) C(aesar). Tradução: Nobilíssimo César Constantino.

Reverso: Marte com capacete, de pé à direita, descansando sobre uma lança (mão direita), e segurando um escudo (mão esquerda).

Legenda: VIRTVS MILITVM Tradução: A virtude de ser soldado.

Exergo: PTR. Indicação: RIC VI Trier 636.

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Moeda 4 Datação: Londres, verão 307. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.

Legenda: FL VAL CONSTANTINVS NOB C Desenvolvimento: Fl(avius) Val(erius) Constantinus Nob(ilissimus) C(aesar). Tradução: Nobilíssimo César Flávio Valério Constantino.

Reverso: Marte com capacete, de pé à direita, descansando sobre uma lança (mão direita), e segurando um escudo (mão esquerda).

Legenda: MARTI PATRI CONSERVATORI Tradução: Ao [deus] Marte conservador da Pátria.

Exergo: PLN. Indicação: RIC VI Londres 95.

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Moeda 5 Datação: Londres, outono 307-308. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS P F AVG Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus). Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.

Reverso: Sol radiado, nu, exceto por uma clâmide sobre o ombro esquerdo, de pé à esquerda, segurando o globo (mão direita) e o chicote (mão esquerda).

Legenda: COMITI AVGG NN Desenvolvimento: Comiti Aug(ustorum) N(ostrorum) Tradução: Acompanhante dos nossos Augustos

Exergo: PLN / * Indicação: RIC VI Londres 101.

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Moeda 6 Datação: Trier, outono 307-Fins de 308. AE / Follis. Anverso: Constâncio laureado, velado, à direita.

Legenda: DIVO CONSTANTIO PIO Tradução: Ao Divino Constâncio, o Pio

Reverso: Altar com chama acesa, e coroa. Em cada lado uma águia. Legenda: MEMORIA FELIX Tradução: Memória Feliz

Exergo: PTR Indicação: RIC VI Trier 789.

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Moeda 7

Datação: Lyon, outono 307-Verão de 308. AE / Follis. Anverso: Constâncio laureado, à direita.

Legenda: DIVO CONSTANTIO PIO Tradução: Ao Divino Constâncio, o Pio

Reverso: Águia de pé à direita, cabeça elevada, e asas abertas. Legenda: CONSECRATIO Tradução: Consagração, Divinização.

Exergo: PLC Indicação: RIC VI Lyon 251.

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Moeda 8

Datação: Trier, c.307-308. AR / Argentus. Anverso: Fausta com cabelos ondulados e presos à direita.

Legenda: FAVSTAE NOBILISSIMAE FEMINAE Tradução: À Nobilíssima Mulher Fausta

Reverso: Vênus sentada à esquerda, segurando o orbe (direita), e a palma (esquerda). Legenda: VENVS FELIX Tradução: Vênus Feliz

Exergo: TR Indicação: RIC VI Trier 756.

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Moeda 9 Datação: Lyon, 308-310. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, colgado, encouraçado à direita.

Legenda: IMP CONSTANTINVS P F AVG Tradução: Ao Divino Constâncio, o Pio, o Feliz Augusto

Reverso: Príncipe de pé, à direita, em vestes militares, segurando o globo (esquerda) e o cetro (direita)

Legenda: PRINCIPI IVVENTVTIS Tradução: Ao Príncipe da Juventude.

Exergo: PLC Indicação: RIC VI Lyon 244.

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Moeda 10

Datação: Trier, c.310-313. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.

Legenda: IMP CONSTANTINVS AVG Desenvolvimento: Imp(erator) Constantinus Aug(ustus). Tradução: Imperador Constantino Augusto.

Reverso: Sol radiado, nu, exceto por uma clâmide sobre o ombro esquerdo, de pé à esquerda, segurando o globo (mão esquerda) e erguendo a mão (direita).

Legenda: SOLI INVICTO COMITI Tradução: Ao Sol Invicto Acompanhante Divino.

Exergo: PTR. Indicação: RIC VI Trier 870.

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Moeda 11

Datação: Londres, 312-313. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.

Legenda: IMP CONSTANTINVS P F AVG Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus). Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto..

Reverso: Roma com capacete, sentada à esquerda, segurando um galho(mão direita) e um orbe (mão esquerda). Estrela à esquerda.

Legenda: ROMAE RESTITVTAE Tradução: À Roma Restaurada.

Exergo: PLN. Indicação: RIC VI Londres 272

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Moeda 12

Datação: Roma, 312-313. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.

Legenda: IMP CONSTANTINVS P F AVG Desenvolvimento: Imp(erator) Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus). Tradução: Imperador Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.

Reverso: Estandarte de legião encimado por uma águia, entre duas vexilla. Legenda: SPQR OPTIMO PRINCIPI Desenvolvimento: S(enatus) P(opulus)Q(eu) R(omanus) Optimo Principi Tradução: Do Senado e Povo de Roma ao Ótimo Príncipe.

Exergo: R P. Indicação: RIC VI 349a.

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Moeda 13

Datação: Roma, 315. AV / Solidus. Anverso: Constantino laureado, armado, encouraçado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS AVG Desenvolvimento: Constantinus Aug(ustus). Tradução: Constantino Augusto.

Reverso: Duas Vitórias depositando um escudo com a inscrição VOT X, sobre um cipo.

Legenda: VICTORIAE LAETAE PRINC PERP Desenvolvimento: Victoriae Laetae Princ(ipi) Perp(eti) Tradução: Vitórias Alegres do Príncipe Perpétuo.

Exergo: PR. Indicação: Cohen 641, Depeyrot 18/2.

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Moeda 14 Datação: Trier, c.310-313. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS P F AVG Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus). Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.

Reverso: Busto de Marte com capacete e encouraçado, à direita. Legenda: MARTI CONSERVATORI Tradução: Ao [deus] Marte consevador

Exergo: Inexiste Indicação: RIC VI Trier 884.

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Moeda 15

Datação: Ticinum, 312-313. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS P F AVG Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus). Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.

Reverso: Sol radiado, nu, exceto por uma clâmide sobre o ombro esquerdo, de pé à direita, segurando o globo (mão esquerda) e erguendo a mão (direita).

Legenda: SOLI INVICTO COMITI Tradução: Ao Sol Invicto Acompanhante Divino.

Exergo: S T. Indicação: RIC VI Ticinum 131a.

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Moeda 16

Datação: Ticinum, outono 315. AV / Solidus. Anverso: Constantino laureado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS P F AVG Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus). Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.

Reverso: Roma entronizada, à direita, segurando um cetro (mão esquerda), entregando ou recebendo um globo ao imperador, de pé à esquerda, em trajes militares, segurando um cetro (mão esquerda).

Legenda: RESTITVTORI LIBERTATIS Tradução: Ao restaurador da liberdade.

Exergo: SMT. Indicação: RIC VII Ticinum 31.

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Moeda 17

Datação: Ticinum, outono 315. AV / Solidus. Anverso: Constantino laureado, colgado e encouraçado, à esquerda, empunhando uma lança (mão direita), e um escudo (mão esquerda). Atrás, Sol Invicto radiado à esquerda.

Legenda: INVICTVS CONSTANTINVS MAX AVG Desenvolvimento: Invictus Constantinus Max(imus) Aug(ustus). Tradução: Invicto Constantino, o Máximo Augusto.

Indicação: Bibliothèque Nationale de France, Paris. In. LENKI, N. 2006.

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Moeda 18

Datação: Trier, 317-318. AE / Follis. Anverso: Crispo laureado, colgado, encouraçado, à direita.

Legenda: FL IVL CRISPVS NOB CAES Desenvolvimento: Fl(avius) Iul(ius) Crispus Nob(ilissimus) Caes(ar) Tradução: Nobilissímo César Flávio Júlio Crispo.

Reverso: Sol radiado, nu, exceto por uma clâmide sobre o ombro esquerdo, de pé à direita, segurando o globo (mão esquerda) e erguendo a mão (direita).

Legenda: CLARITAS REIPVBLICAE Tradução: Claridade (Brilho) da República

Exergo: BTR. Indicação: RIC VII Trier 176.

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Moeda 19

Datação: Arles, 318. AE / Follis. Anverso: Constantino II como César, laurado e colgado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS IVN NOB C Desenvolvimento: Constantinus Iu(e)n(is) Nob(ilissimus) C(aesar) Tradução: Nobilíssimo César Constantino o Jovem

Reverso: Sol de pé à esquerda, segurando um orbe (mão esquerda), mão direita erguida. Legenda: CLARITAS REIPVB Desenvolvimento: Claritas Reipub(licae) Tradução: Claridade (ou brilho) da República

Exergo: S*A Indicação: RIC VII Arles 166.

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Moeda 20

Datação: Siscia, 318. AE / Follis. Anverso: Imperador velado e laureado, à direita.

Legenda: DIVO CLAVDIO OPTIMO IMP Desenvolvimento: Divo Claudio Optimo Imp(eratori) Tradução: Ao divino Imperador Cláudio, o Ótimo.

Reverso: Imperador velado sentado em uma cadeira curul, à esquerda, com o braço direito erguido, e segurando um cetro com a mão esquerda.

Legenda: REQVIES OPTIMORVM MERITORVM Tradução: Descanso pelos ótimos méritos.

Exergo: SIS Indicação: RIC VII Siscia 43.

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Moeda 21

Datação: Trier, 318. AE / Follis. Anverso: Imperador velado e laureado, à direita.

Legenda: DIVO CONSTANTIO OPT IMP Desenvolvimento: Divo Constantio Opt(imo) Imp(eratori) Tradução: Ao divino Imperador Constâncio, o Ótimo.

Reverso: Imperador velado sentado em uma cadeira curul, à esquerda, com o braço direito erguido, e segurando um cetro com a mão esquerda.

Legenda: REQVIES OPT MER Desenvolvimento: Requies Opt(imorum) Mer(itorum) Tradução: Descanso pelos ótimos méritos.

Exergo: PTR Indicação: RIC VII Trier 206.

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Moeda 22

Datação: Tessalônica, 317-318. AE / Follis. Anverso: Imperador velado e laureado, à direita.

Legenda: DIVO MAXIMIANO OPTIMO IMP Desenvolvimento: Divo Maximiano Optimo Imp(eratori) Tradução: Ao divino Imperador Maximiano, o Ótimo.

Reverso: Imperador velado sentado em uma cadeira curul, à esquerda, com o braço direito erguido, e segurando um cetro com a mão esquerda.

Legenda: REQVIES OPTIMORV MERITORVM Desenvolvimento: Requies Optimorum Meritorum Tradução: Descanso pelos ótimos méritos.

Exergo: TSΓ Indicação: RIC VII Tessalõnica 24.

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Moeda 23

Datação: Constantinopla, c.326-327. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS AVG Desenvolvimento: Constantinus Aug(ustus). Tradução: Constantino Augusto.

Reverso: Portão de campo com duas torres. Estrela acima. Legenda: PROVIDENTIAE AVGG Desenvolvimento: Providentiae Aug(ustorum) Tradução: Providência dos Augustos

Exergo: CONS Indicação: RIC VII Constantinopla 7.

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Moeda 24

Datação: Arles, c.322-323. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS AVG Desenvolvimento: Constantinus Aug(ustus). Tradução: Constantino Augusto.

Reverso: Vitória avançando à direita, segurando um troféu (mão direita), e uma palma (mão esquerda), pisoteando um cativo.

Legenda: SARMATIA DEVICTA Tradução: Sarmatia submetida.

Exergo: S*AR. Indicação: RIC VII Arles 257.

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Moeda 25

Datação: Constantinopla, c. 327. AE / Follis. Anverso: Constantino laureado, à direita.

Legenda: CONSTANTINVS MAX AVG Desenvolvimento: Constantinus Max(imus) Aug(ustus). Tradução: Constantino, o Máximo Augusto.

Reverso: Estandarte encimado pelo Chi-Rho, empalando uma serpente. Legenda: SPES PVBLICA Tradução: Esperança Pública

Exergo: CONS Indicação: RIC VII Constantinopla 19.

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Moeda 26

Datação: Constantinopla, 11 de Maio de 330. AR / Argentus. Anverso: Constantino com diadema, à direita.

Legenda: Inexistente. Reverso: Constantinopla sentada à direita, velada, com coroa torreada, segurando um cetro e a cornucópia, pé sobre a proa de um navio.

Legenda: D N CONSTANTINVS MAX TRIVMP AVG Desenvolvimento: D(ominus) N(ostrus) Constantinus Max(imus) Triump(hator)

Aug(ustus) Tradução: Nosso Senhor Constantino, o Máximo, o Triunfador Augusto

Exergo: MCONSε. Indicação: Cohen 135.

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Moeda 27

Datação: Antioquia, c. 324-325. AE / Follis Anverso: Fausta com cabelos ondulados e presos, gargantilha e manto, à direita.

Legenda: Inexistente. Reverso: Estrela de oito pontas, e um crescente.

Legenda: FLAV MAX FAVSTAE AVGUSTAE Desenvolvimento: Flav(iae) Max(imae) Faustae Augustae Tradução: À Flávia Máxima Fausta Augusta.

Exergo: SMANTA Indicação: RIC VII Antioquia 56

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Moeda 28 Datação: Constantinopla, c. 325-326. AE / Follis. Anverso: Fausta com cabelos ondulados e presos, manto, à direita;

Legenda: FLAV MAX FAVSTA AVG Desenvolvimento: Fl(avia) Max(ima) Fausta Aug(usta). Tradução: Flávia Máxima Fausta Augusta.

Reverso: Fausta de túnica longa, cabelos soltos, de pé à esquerda. Segurando uma criança pequena em cada braço.

Legenda: SALVS REIPVBLICAE Tradução: Saúde (ou prosperidade) da República.

Exergo: CONS Indicação: RIC VII Constantinopla 12.

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Moeda 29 Datação: Constantinopla, c. 324-325. AE / Follis. Anverso: Fausta com cabelos ondulados e presos, gargantilha e manto, à direita;

Legenda: FLAV MAX FAVSTA AVG Desenvolvimento: Fl(avia) Max(ima) Fausta Aug(usta). Tradução: Flávia Máxima Fausta Augusta.

Reverso: Fausta de túnica longa, cabelos soltos, de pé à esquerda. Segurando uma criança pequena em cada braço.

Legenda: SPES REIPVBLICAE Tradução: Esperança da República.

Exergo: SMKΓ Indicação: RIC VII Cysicus 49.

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