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15 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.1, p. 015-032, jan./abr. 2009 Os métodos quantitativos no Ensino Superior: uma tipologia de representações Madalena Ramos Helena Carvalho Instituto Universitário de Lisboa Resumo É recorrente concluir-se que níveis mais elevados de autoconfiança dos alunos, relativamente às suas capacidades para interagir com a matemática, associados a uma maior utilidade percebida desta concorrem para os alunos terem representações positivas da disci- plina. Um dos objectivos deste artigo é averiguar se no contexto universitário se mantém esta tendência linear na relação entre as duas dimensões — afectiva e instrumental — estruturantes das re- presentações das disciplinas de métodos quantitativos. Um se- gundo objectivo consiste em perceber como é que os alunos de diferentes cursos (de áreas científicas distintas) geram as suas re- presentações relativamente a essas disciplinas. Foi aplicado um inquérito por questionário a uma amostra de alunos numa insti- tuição universitária. Para a definição dos padrões de representa- ções, foi usada a Análise de Correspondências Múltiplas e, para a identificação de factores explicativos dos perfis dos alunos, foi usada a Regressão Categorial. Os resultados evidenciam que o espaço das representações dos métodos quantitativos em contex- to universitário é um espaço marcado pela heterogeneidade, mas cuja complexidade ultrapassa essa tendência linear na relação entre a dimensão da utilidade e a dimensão afectiva. Outra das conclusões é a não sustentabilidade da tese que aponta (pelo menos em contexto não universitário) para a feminização da falta de autoestima e da autoconfiança para lidar com disciplinas dessa área científica. Conclui-se, ainda, que parece existir uma certa cultura de curso, na medida em que os cursos tendem a reflectir um padrão predominante de representações dos métodos quantitativos. Palavras-chave Representações dos métodos quantitativos — Tipologia de representações — Análise de Correspondências Múltiplas — Regressão Categórica (CATREG). Correspondência: Madalena Ramos Av. Forças Armadas 1649-026 – Lisboa – Portugal e-mail: [email protected]

Os métodos quantitativos no Ensino Superior: uma tipologia ... · Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.1, p. 015-032, jan./abr. 2009 15 Os métodos quantitativos no Ensino

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15Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.1, p. 015-032, jan./abr. 2009

Os métodos quantitativos no Ensino Superior: umatipologia de representações

Madalena RamosHelena CarvalhoInstituto Universitário de Lisboa

Resumo

É recorrente concluir-se que níveis mais elevados de autoconfiançados alunos, relativamente às suas capacidades para interagir com amatemática, associados a uma maior utilidade percebida destaconcorrem para os alunos terem representações positivas da disci-plina. Um dos objectivos deste artigo é averiguar se no contextouniversitário se mantém esta tendência linear na relação entre asduas dimensões — afectiva e instrumental — estruturantes das re-presentações das disciplinas de métodos quantitativos. Um se-gundo objectivo consiste em perceber como é que os alunos dediferentes cursos (de áreas científicas distintas) geram as suas re-presentações relativamente a essas disciplinas. Foi aplicado uminquérito por questionário a uma amostra de alunos numa insti-tuição universitária. Para a definição dos padrões de representa-ções, foi usada a Análise de Correspondências Múltiplas e, para aidentificação de factores explicativos dos perfis dos alunos, foiusada a Regressão Categorial. Os resultados evidenciam que oespaço das representações dos métodos quantitativos em contex-to universitário é um espaço marcado pela heterogeneidade, mascuja complexidade ultrapassa essa tendência linear na relaçãoentre a dimensão da utilidade e a dimensão afectiva. Outra dasconclusões é a não sustentabilidade da tese que aponta (pelo menosem contexto não universitário) para a feminização da falta deautoestima e da autoconfiança para lidar com disciplinas dessa áreacientífica. Conclui-se, ainda, que parece existir uma certa cultura decurso, na medida em que os cursos tendem a reflectir um padrãopredominante de representações dos métodos quantitativos.

Palavras-chave

Representações dos métodos quantitativos — Tipologia de representações— Análise de Correspondências Múltiplas — Regressão Categórica(CATREG).

Correspondência:Madalena RamosAv. Forças Armadas1649-026 – Lisboa – Portugale-mail: [email protected]

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.1, p. 015-032, jan./abr. 200916

Quantitative Methods in Higher Education: a typologyof representations

Madalena RamosHelena CarvalhoInstituto Universitário de Lisboa

Abstract

It is often concluded that higher levels of self-confidence in pupils inrelation to their ability to interact with mathematics, associated to theperception of the latter’s greater utility contributed for pupils makingpositive representations of this discipline. One of the objectives of thisarticle is to inspect if in the university context this linear trend ismaintained in the relation between the two dimensions — affectiveand instrumental — which structure the representations of the disci-plines of quantitative methods. A second objective consists inobserving how students from different courses (from different scientificareas) create their representations about these disciplines. Aquestionnaire was applied to a sample of students from a universityinstitution. The definition of patterns of representations was donethrough the use of Multiple Correspondence Analysis, and CategoricalRegression was employed to identify explaining factors in the students’profile. The results show that the space of the representations ofquantitative methods in a university context is marked byheterogeneity, with a complexity that goes beyond this linear trend inthe relation between the utility dimension and the affective dimension.Another conclusion is about the untenability of the thesis that points(at least in a non-university context) to the feminization of the lack ofself-esteem and self-confidence to deal with disciplines from thisscientific area. A further conclusion is that a course culture seems toexist, insofar as the courses tend to reflect a predominant pattern ofrepresentations of the quantitative methods.

Keywords

Representations of quantitative methods — Typology of representations— Multiple Correspondence Analysis — Categorical Regression (CATREG).

Contact:Madalena RamosAv. Forças Armadas1649-026 – Lisboa – Portugale-mail: [email protected]

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O fato de o progresso económico nassociedades actuais estar intimamente ligado aodesenvolvimento tecnológico contribui forte-mente para uma cada vez maior importânciadas competências em áreas como a matemáti-ca. Esse fenómeno, associado ao contínuoinsucesso escolar verificado nessa disciplina,tem preocupado educadores e governantes emmuitos países e, designadamente em Portugal,onde as taxas de insucesso na disciplina con-tinuam ainda a ter valores preocupantes.

Na investigação, o insucesso em mate-mática tem estado igualmente presente emmuitos estudos, nomeadamente na área dasCiências da Educação e da Psicologia, que sedebruçam sobre a questão da relação entre asrepresentações acerca da matemática e o de-sempenho dos alunos (privilegiando os doensino pré-universitário), invocando a importân-cia de determinados factores na estruturaçãodessa relação.

Uma das hipóteses que tem vindo a seranalisada aponta no sentido da autoconfiançados alunos, relativamente às suas capacidadespara obter bons resultados em matemática, apar da sua percepção acerca da utilidade des-sa disciplina influenciar de forma decisiva o seudesempenho, estando níveis mais elevados deautoconfiança e de percepção da sua utilidadeassociados a melhores resultados.

A par da identificação dos factores estru-turantes das representações dos alunos relati-vamente à matemática, neste estudo, é tambémavaliada a relação entre certas características in-dividuais como o género e a idade.

Um dos objectivos deste artigo é ampliara análise de algumas dessas hipóteses ao seg-mento dos estudantes universitários, tendo comoreferencial as disciplinas da área científica dosmétodos quantitativos1. Centramo-nos na explo-ração das representações que os alunos constro-em a propósito dessas disciplinas numa institui-ção universitária marcada pela diversidade deáreas científicas, mas nas quais a transversalidadeda disciplinas de métodos quantitativos — MQ —é uma constante2. Atribuímos particular enfoque

— e esse é sem dúvida um aspecto essencial — àarticulação das dimensões afectiva e instrumen-tal na estruturação das representações desses es-tudantes na perspectiva de identificar os múltiploscontornos que essa articulação pode assumir.

Um segundo objectivo passa por perce-ber como é que os alunos — de cursos de di-ferentes áreas científicas3 — geram as suas re-presentações relativamente a essas disciplinas.Poder-se-á falar numa dinâmica de grupo, nosentido em que dentro de cada curso se assis-te a uma socialização que desencadeie a par-tilha de representações similares?

Pretendemos, assim, com a resposta aessas questões, contribuir para a compreensãodo que é a interacção dos alunos universitári-os com as disciplinas de MQ, designadamentepor meio das suas representações, na perspec-tiva de potenciar a intervenção pedagógicajunto dos grupos que eventualmente detenhammaiores constrangimentos na interacção comessas disciplinas.

Factores da relação social eindividual com a matemática

Na perspectiva de que a relação entrepráticas e representações é contínua e iterativa,é legítimo pensar que, também no nível daaprendizagem e do desempenho em disciplinascomo a matemática, as representações sociaisdesempenham um papel importante. É nessesentido que apontam muitos dos estudos que têmexplorado os contornos dessa relação, ainda quereportados ao contexto pré-universitário. Autorescomo Haladyna; Shaughnessy; Shaughnessy

1. Consideram-se disciplinas da área científica dos MQ todas as discipli-nas leccionadas da responsabilidade do Departamento de Métodos Quan-titativos da universidade estudada, tais como: Matemática, Estatística,Estatística Aplicada, Métodos Quantitativos, Análise de Dados, ÁlgebraLinear, Métodos de Previsão, Sucessões Cronológicas, Econometria,Macroeconometria etc.2. Na universidade pesquisada, todos os cursos analisados têm no seuplano de estudos uma ou mais disciplinas da área científica dos MQ.3. Antropologia, Economia, Engenharia Informática, Engenharia de Tele-comunicações e Informática, Finanças, Gestão, Gestão de Recursos Hu-manos, Gestão e Engenharia Industrial, História, Informática e Gestão deEmpresas, Marketing, Psicologia Social e das Organizações, Sociologia eSociologia e Planeamento.

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(1983); Schoenfeld (1988; 1989); Kloosterman(1994; 1996); Mcleod (1985; 1992); e Reyes(1984); entre outros, demonstraram já amplamentea importância de variáveis do domínio afectivo naspráticas e, consequentemente, na construção dasrepresentações sobre a matemática.

Haladyna, Shaughnessy e Shaughnessy(1983), partindo da hipótese de que uma atitudepositiva pode ser um resultado escolar importan-te por si mesmo, mas que também pode estarpositivamente relacionada com o desempenho efazer aumentar a tendência para a opção por cur-sos com uma forte componente matemática, de-senvolveram um modelo de análise no qual aquestão mais ampla da motivação do aluno (e queinclui variáveis como a importância dada à maté-ria estudada, a autoconfiança na capacidade paraaprender e o fatalismo) surge associada às práticas.

Concluíram esses autores que a auto-confiança dos alunos relativamente às suascapacidades para obter bons resultados emmatemática, a par da sua percepção acerca daimportância da disciplina, influenciam de formadecisiva o seu desempenho, estando níveis maiselevados de autoconfiança e de percepção dasua utilidade associados a melhores resultados.

A par da importância da dimensão afec-tiva na construção das representações sociaisda matemática, também a utilidade atribuída aela — como componente da relação estabele-cida com a disciplina e, consequentemente,como factor estruturador das representações —tem sido um tópico analisado em numerososestudos (Fennema; Sherman, 1977; 1978;Kloosterman; Stage, 1992; Schoenfeld, 1989;Muis, 2004). Neles, fica demonstrada não ape-nas a importância da utilidade percebida damatemática, como também a sua associaçãocom as variáveis do domínio afectivo.

A tendência captada vai no sentido de umamaior utilidade percebida de a matemática estarassociada a representações mais positivas acerca dadisciplina. A percepção que os alunos têm da suautilidade pode ir de um extremo de não atribuiçãode qualquer importância, ao extremo oposto de aconsiderarem como fundamental para o futuro

pessoal e profissional. Se, para alguns, ela não temqualquer relevância prática para a sua vida, paraoutros, ao invés, a sua utilidade e a sua importân-cia é indiscutível, seja ao nível da prossecução deobjectivos de curto prazo — nomeadamente paraobter uma boa média no final do ano ou prosse-guir os estudos numa determinada área científica—, seja para a sua realização pessoal ou para o seufuturo profissional.

Assim sendo, neste estudo sobre as re-presentações dos MQ nos alunos universitários,para além dos factores que remetem para arelação afectiva com as disciplinas dessa áreacientífica, não poderíamos deixar de considerartambém os indicadores que medem a utilidadepercebida pelos alunos em termos da sua uti-lidade para o futuro pessoal, escolar e profis-sional. Sobretudo se se pensar que está emanálise um grupo cuja proximidade ao exercí-cio da profissão assume particular acuidade.

Se os alunos esperam vir a obter, no fu-turo, vantagens profissionais, decorrentes dascompetências adquiridas na aprendizagem dasdisciplinas de MQ, é de esperar, por exemplo,que o posicionamento face ao estudo e à ima-gem que sobre elas constroem seja diferente doque aconteceria se não perspectivarem nenhu-ma mais-valia do esforço de aprendizagem. Ouseja, a utilidade que cada um atribui à aquisi-ção de conhecimentos nessa área científica vai,muito provavelmente, condicionar a predispo-sição relativamente à interacção com essas dis-ciplinas e, em particular, o próprio empenho nasua aprendizagem.

Para além dos factores de ordem afectiva einstrumental, diversos autores chamaram tambéma atenção para a importância da relação entrerepresentações e características individuais como ogénero (Fennema; Sherman, 1978; Stage;Kloosterman, 1995; Kilpatrick; Silver, 2000;Fennema, 2000), a idade (Fredrick; Mishler; Hogan,1984; Walker; Plata, 2000) ou a autoconfiança emsi próprios (Schoenfeld, 1985; 1989; Reyes, 1984;McLeod, 1992; Kloosterman et al., 1996).

Fennema e Sherman (1978) e Fennema(1990; 2000), enquadrados pela questão das di-

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ferenças entre os géneros na aprendizagem ma-temática, relacionaram-nas com algumas variáveisafectivas, tendo concluído que a autoconfiançados rapazes na sua capacidade para aprender erasignificativamente mais elevada do que as dasraparigas, sendo também entre eles que maisimplantado se encontrava o estereótipo da mate-mática como um domínio masculino.

Também Fredrick, Mishler e Hogan(1984) e Walker e Plata (2000) chegam à idên-tica conclusão. Segundo eles, se a idade pare-ce ser um factor pouco importante, apesar deser possível detectar uma ligeira tendência paraos estudantes mais velhos tirarem uma maiorsatisfação do estudo da matemática e lhe atri-buírem mais utilidade, já no que diz respeito aogénero, é possível detectar uma tendência paraas raparigas terem representações mais negati-vas da matemática e serem menos confiantesem si próprias do que os rapazes.

Essa breve sistematização pretende evi-denciar a necessidade de, na análise das repre-sentações sociais que efectuámos — ainda quetransposta para o meio universitário e para umconjunto mais amplo de disciplinas, embora damesma área científica —, considerar um amploconjunto de variáveis que permitem avaliar apercepção dos alunos quanto às suas própriascapacidades, a autoconfiança, a utilidade e aimportância atribuída às disciplinas da área dosMQ, bem como algumas características do foroindividual, nomeadamente o género e a idade.Tendo em consideração as possíveis influênci-as desses diversos factores, agora com enfoqueno meio universitário, procurámos neste artigoresponder às seguintes questões:

1)Como é a relação dos alunos de uma institui-ção de ensino superior com as disciplinas daárea dos MQ (matemática, estatística, análise dedados, econometria, pesquisa operacional…) nasdimensões afectiva e instrumental?2)Que tipos de representações dos MQ se defi-nem a partir da relação entre as duas dimensões?3)Que perfis individuais estão associados aosdiferentes tipos de representações?

MetodologiaAmostra

É no âmbito da temática mais ampla darelação entre representações e desempenhos quesurge este estudo, cuja novidade decorre: 1) dapopulação-alvo escolhida [alunos universitários],uma vez que na maior parte das investigaçõessão os níveis de ensino pré-universitários oobjecto de análise; e ainda 2) na classificaçãodesses estudantes segundo uma tipologia derepresentações sociais dos MQ, a partir dainteracção entre indicadores do domínio afec-tivo e instrumental.

A população-alvo deste estudo é com-posta pelos alunos dos vários cursos de gradu-ação de uma universidade de Lisboa, cujo cur-rículo inclui disciplinas da área científica dos MQ.A amostra foi constituída por meio de um pro-cesso de amostragem multietápica, de forma aabranger alunos dos vários anos, dos várioscursos e dos vários turnos. Nos casos dos cur-sos em que existia mais do que uma turma porano curricular, seleccionámos aleatoriamente umaem cada um dos anos. Nos cursos com turnodiurno e nocturno e quando havia mais de umaturma, seleccionámos, também aleatoriamente,uma turma em cada turno e por ano curricular.

Após efectuada a selecção das turmas,foi aplicado um questionário em sala de aula atodos os alunos presentes. A recolha dos dadosteve lugar no primeiro semestre de 2005, ten-do-se obtido uma amostra de 1269 alunos quecontempla a diversidade existente na instituiçãoem termos de cursos, anos de curso, turnos,idades e condição perante a profissão.

Na amostra, as idades variavam entre os16 e os 69 anos e a idade média era de 23,3anos. A maioria dos estudantes era do sexofeminino (56,4%), oriunda de famílias com ha-bilitações elevadas (30,8% com Ensino Supe-rior e 23,4% com Ensino Secundário), fre-quentava cursos do turno diurno (83,5%) enão era trabalhador-estudante (73,6%), o queobviamente reflecte o perfil da população es-tudantil do instituto.

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Indicadores

No processo de construção social das re-presentações dos MQ, estão presentes diferentesaspectos: i) os que se prendem com a formacomo os alunos se relacionam afectivamentecom a disciplina; ii) os que derivam das expec-tativas e convicções acerca dos benefícios,directos ou indirectos, que podem advir dessetipo conhecimentos; e iii) os que reflectem a suaautoconfiança. No Quadro 1, estão sistematiza-dos os conteúdos específicos e os indicadoresassociados a esses diferentes aspectos e que per-mitiram a sua operacionalização.

Um dos indicadores da relação afectivamantida com as disciplinas de MQ é o sentimen-to nutrido por elas. Assim, foi pedido aos alunosque, de uma lista de várias palavras, escolhes-sem aquela que melhor definia os seus sentimen-tos para com as disciplinas dessa área científi-ca. Ainda no contexto da dimensão afectiva, foisolicitado que indicassem o seu grau de concor-dância (numa escala de 6 pontos) com um con-junto de proposições e que autoavaliassem osseus conhecimentos nessas disciplinas.

A utilidade percebida das disciplinas deMQ foi medida por meio do grau de concor-

dância (numa escala de 6 pontos) com diver-sas proposições e do grau de importância(numa escala de 10 pontos) que os alunos lhesatribuem no seu futuro profissional.

Preservando a individualidade de cadauma das dimensões — afectiva e instrumental —como factores estruturantes do sistema de re-presentações dos MQ, pretendemos sobretudoexplorar a multidimensionalidade relacional quecaracteriza esse ou qualquer outro sistema derepresentações. A complexidade sustentada pe-las inter-relações entre os múltiplos indicado-res que definem essas dimensões implica que sepreserve a multidimensionalidade de tipo estru-tural, quer na abordagem conceptual, quer nasua exploração analítica. Para justamente gerircom eficácia a análise da configuração relacionalque caracteriza o sistema de representações,privilegiámos a Análise de CorrespondênciasMúltiplas. Trata-se de um método de análisemultivariada adequado à gestão de múltiplosindicadores, sobretudo de natureza qualitativa(como os que estão descritos no Quadro 2) eque permite realizar análises estruturais.

Após identificados e definidos os váriostipos de representações, eles foram regredidosem função de uma série de factores, tidos

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como importantes para explicar a diferenciaçãodetectada. Para o efeito e dada a naturezacategorial de muitas das variáveis, foi usadauma Regressão Categorial (via optimal scaling).

Representações dos métodosquantitativos: utilidade percebidae relação afectiva

No que se refere aos sentimentos manifes-tados pelas disciplinas de MQ (Quadro 2), a ne-cessidade e o interesse são os que reúnem mai-or consenso (respectivamente 21,0% e 20,4%)4.Menos valorizados estão a incompreensão, a sim-patia e o aborrecimento. Se cerca de metade dosalunos (46%) apresentam escolhas que apontampara uma relação marcadamente passiva — neces-

sidade, obrigação e aceitação — com essas disci-plinas, ainda assim um terço (35,5%) associa-lhessentimentos como interesse e desafio.

Essa oscilação entre sentimentos que su-gerem estar-se perante uns alunos mais passivose outros mais pró-activos, no que se refere à ges-tão dos afectos na relação com os MQ, é susten-tada pelos níveis (médios) de concordância noque se refere à avaliação da sua autoestima(Gráfico 1). Se, por um lado, tendem a não sesentir descontraídos (M=2,4), por outro lado,também não se sentem desconfortáveis nem an-gustiados (M=2,8).

A associação entre os indicadores daautoavaliação (Quadro 3) apresentam correla-ções tendencialmente moderadas ainda que es-tatisticamente significativas5. Pode observar-se,e como seria de esperar, que quanto mais se-guros os alunos se sentem nessas disciplinas,mais descontraídos (R=0,510, p<0,01) e menosdesconfortáveis (R=-0,537, p<0,01) estão.

Das várias razões possíveis para obter umbom resultado nas disciplinas de MQ, todas pare-cem ser algo importantes, conforme se pode cons-

4. Alguns dos sentimentos que constavam da lista inicial acabariam pornão ser considerados na análise, dado o reduzido número de escolhas.5. Refira-se que foi usado um nível de significância máximo de 5%.

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tatar pelos valores médios representados no Grá-fico 2 (todos estão acima do ponto central da es-cala). Todavia, uma boa média no fim do curso éa razão que mais se destaca, com um valor médiode 4,2, registando as restantes justificações valo-res médios bastante próximos (entre 3,6 e 3,9).

Tal como foi observado por Fennema eSherman (1977; 1978), Fennema (2000),Schoenfeld (1989), Klooosterman e Stage, (1992),Muis (2004), noutros segmentos de ensino, tam-bém nos alunos do Ensino Superior, é atribuídaimportância às disciplinas de MQ, no que respeitaà sua utilidade, designadamente ao nível daconcretização de objectivos mais imediatos, comoseja ter boa média no final da licenciatura.

Da associação entre os vários aspectosjulgados importantes para se ter boas notas nasdisciplinas de MQ (Quadro 4), destaca-se a pre-paração para a área científica com o conseguiro emprego pretendido (R=0,623, p<0,01). Étambém importante constatar a existência decorrelações positivas e de intensidade médiaentre aspectos que relacionam as dimensõesutilidade e afectiva como, por exemplo, ter boamédia no final da licenciatura e agradar a mimpróprio (R=0,463, p<0,01).

No Gráfico 3, podemos observar a impor-tância atribuída pelos alunos às disciplinas de MQcomo ferramentas para o futuro profissional. Amaior concentração de respostas verifica-se nospontos mais elevados da escala (quase 50% en-tre os pontos sete e oito), o que leva a admitir queas competências que eles adquirem por meiodelas são consideradas por esses alunos comomuito importantes para o seu futuro profissional.Já havia ficado clara a importância atribuída aessas disciplinas para a prossecução de objectivosa curto prazo e fica agora, também evidente, apreponderância dos MQ como ferramenta essen-cial para o futuro emprego.

Representações dos métodosquantitativos: identificação deperfis distintos

Na perspectiva de identificar padrões derepresentações dos MQ no seio dos estudantesuniversitários, realizámos uma Análise de Corres-pondências Múltiplas (ACM). Para o efeito, explo-raram-se associações entre múltiplas variáveis (Qua-dro 5), tendo sido seleccionadas duas dimensões:eixos estruturantes do espaço das representações.

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Como podemos concluir pelo mapea-mento disponível no Gráfico 4, as variáveis queremetem para a relação afectiva com os MQcontribuem decisivamente para a estruturaçãoda dimensão 1, enquanto que as variáveis quese destacam na dimensão 2 são as que se pren-dem com a utilidade dos conhecimentos adqui-ridos nessas disciplinas. Os resultados da ACMmostram assim estar-se perante duas dimensõesquantitativa e substantivamente consistentes.

Analisando as posições relativas das múl-tiplas categorias dos diversos indicadores nasduas dimensões (Gráfico 5), podemos captar adiferenciação desencadeada por cada uma de-las. Assim, na dimensão 1, há a salientar a dis-posição dos sentimentos acompanhada poruma ordenação do nível de conhecimentos deMQ, no qual os sentimentos mais negativos seassociam a uma má autoavaliação de conheci-mentos, por oposição aos sentimentos positivose uma boa autoavaliação.

Já na dimensão 2, há que sublinhar a opo-sição entre as categorias que remetem para a gran-de importância de ter boas notas nas disciplinas deMQ para atingir objectivos pessoais e profissionaisa curto ou médio prazo e aquelas que remetempara uma posição mediana ou de não atribuição deimportância aos bons resultados nessas disciplinas.

A análise conjugada das duas dimensõespermitiu-nos perceber a configuração topológica

do espaço das representações sociais dos MQ eidentificar diferentes combinações, indicandoassim estar-se em presença de um espaço noqual coexistem representações distintas. Como oplano evidencia, tem-se no essencial quatroconfigurações cuja especificidade decorre daarticulação dos sentimentos — positivos nunscasos e negativos noutros — com a importânciaatribuída — em maior ou menor intensidade —ou mesmo não atribuída às disciplinas de MQ.

Podemos observar (1º quadrante) umaassociação privilegiada entre sentimentos posi-tivos — simpatia, desafio, interesse — comdescontracção, pouca angústia e pouca dificul-dade nessas disciplinas, sendo ainda de realçara proximidade com a categoria muito seguros.Em termos de conhecimentos de MQ, estamosperante um grupo com uma autoavaliação ele-vada. No que se refere à dimensão instrumen-tal, observamos a associação com as categori-as que remetem para a importância dos méto-dos quantitativos para o sucesso pessoal e parao futuro profissional.

Na vizinhança (2º quadrante), mas par-tilhando sentimentos negativos, como o aborre-cimento e relativamente próximo o sentimentode obrigação, apresenta-se outra configuração.Nesse caso, não são considerados importantesos resultados obtidos nos MQ nem para o suces-so pessoal nem para o futuro pessoal e profis-

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sional. Este é claramente o padrão que reflectemaior pessimismo e descrença.

Ainda com sentimentos marcadamente ne-gativos, define-se um outro grupo (3º quadrante)para os quais os MQ parecem gerar muita angús-tia, incompreensão, insegurança e, ainda, grandedificuldade na aprendizagem. Essa negatividade éreforçada pela autoavaliação expressa dos indiví-duos: consideram-se maus alunos. Não obstanteos sentimentos negativos que nutrem para comessas disciplinas, ainda assim e no que respeita àimportância que estas desempenham na formaçãopessoal e profissional, podemos perceber, pelo seuposicionamento face à dimensão 2 (dim 2<0),que estarão em análise indivíduos que paralela-mente lhe reconhecem muita importância.

Um último grupo que concilia os senti-mentos positivos com o reconhecimento daelevada importância das disciplinas de MQ, naaquisição de competências nas esferas pessoale profissional, define-se no 4º quadrante.

Estamos pois perante a clara articulação damáxima utilidade com as representações posi-tivas dos MQ. Nesse caso, as disciplinas de MQpautam-se por desencadearem sentimentos dedescontracção, de segurança. Em termos deautoavaliação, o seu posicionamento permiteinferir tratar-se de um grupo que tende a reco-nhecer-se pelo título de bom aluno.

Fica assim a evidência de que as repre-sentações dos alunos universitários em estudonão são intrinsecamente homogéneas. Muitopelo contrário, encontrámos diversas configu-rações cuja especificidade decorre justamenteda articulação entre sentimentos negativos oupositivos face às disciplinas de MQ, com osdiferentes níveis de importância que elas po-dem ter no sucesso pessoal e profissional.

Para além da presença de combinaçõesque reflectem uma certa tendência para a exis-tência do que poderíamos designar de relaçãolinear e positiva entre a dimensão da utilidade

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e a dimensão afectiva, os resultados da ACMdestacam ainda a presença de uma configura-ção na qual coexistem sentimentos negativoscom o reconhecimento de utilidade às discipli-nas de MQ. Isso significa que mesmo admitin-do menor autoconfiança, isso não obsta a queseja reconhecida utilidade a essas disciplinas.Qual o perfil destes e dos outros alunos quepartilham os diversos padrões de representa-ções é uma das questões que também privi-legiámos neste estudo.

Tipologia das representaçõessociais dos métodosquantitativos

Tendo sido identificados no plano da ACMdiferentes configurações nas representações soci-ais das disciplinas de MQ, e a preceder a análisedos perfis dos alunos que partilham cada tipo,passaremos em seguida a apresentar a formalizaçãoda tipologia. Para o efeito, realizámos uma Análi-

se de Clusters, tomando como referencial as duasdimensões estruturantes do espaço das represen-tações definidas, via ACM.

O Gráfico 6 apresenta a projecção dosquatro tipos6, sendo bastante evidente a corres-pondência entre a configuração topológica e atipologia obtida, na medida em que os quatro ti-pos têm na generalidade um posicionamento qua-se centroide nas subnuvens que traduzem cadauma das quatro configurações das representações.

Encontramos assim um grupo que deno-minámos de descrentes porque, para além denutrirem sentimentos negativos com essas dis-ciplinas, não lhes reconhecem qualquer impor-tância e, nesse ponto, são diferentes dos prag-máticos. Apesar de também estes partilharemsentimentos negativos, ainda assim estão cons-

6. A solução de quatro grupos sugerida pela leitura do plano da ACM foiconfirmada pela realização de uma Análise de Clusters Hierárquica, apóso que se seguiu a definição final por via do método k-médias, optimizandoassim a partição em quatro grupos (para mais desenvolvimentos técnicos,ver Carvalho, 2004).

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cientes de que têm de aprender e trabalharcom essas disciplinas, porque elas são impor-tantes na aquisição de certas competências,designadamente para o exercício da profissão.

Com sentimentos positivos, temos os alu-nos seguros e os convictos. No primeiro caso,são indivíduos seguros dos seus conhecimentos,da importância dessas disciplinas e dessa segu-rança resulta também a descontracção com queencaram a gestão delas. Os convictos não só ma-nifestam sentimentos positivos como lhes atribu-em muita importância. Estes se sentem semdúvida muito confiantes do seu sucesso.

É relevante notar que, dos quatro tiposde alunos inquiridos nessa instituição universi-tária, predominam os tipos de representaçõesmais favoráveis às disciplinas de MQ. Os segu-ros e os convictos são preponderantes (respec-tivamente, 38,5% e 27,1%). Em bem da verda-de, e enquanto intervenientes activos, quer doprocesso de aprendizagem desses alunos, querda contínua reestru-turação de algumas das dis-

ciplinas dessa área científica, poderíamos acres-centar que essa atitude favorável decorre emcerta medida da simultânea des-dramatização eresponsabilização que se procura realizar juntodos alunos.

Perfis dos alunos no espaçodas representações dosmétodos quantitativos

Definida a tipologia das representaçõessociais dos MQ, importava conhecer os perfisdos alunos associados a cada tipo. Existiriamfactores determinantes na estruturação das di-ferentes configurações de representações? Ainvestigação desenvolvida em contexto nãouniversitário aponta, designadamente, para ainfluência do sexo e da idade dos alunos.

Para o efeito, regredimos os quatro tiposde representações em função de variáveis maisdirectamente relacionadas com característicassociodemográficas dos alunos — como sexo,

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7. Refira-se que para essa análise não foram considerados os alunos do5º ano, dado serem uma minoria, o que é explicável pelo facto de serempoucos os cursos que incluíam um currículo de 5 anos.

idade e habilitações literárias dos pais — e devariáveis que contribuem para a definição doseu perfil como alunos dessa instituição univer-sitária — curso frequentado, ano de curso(aquando da realização do estudo) e turno. ARegressão Categorial (via optimal scaling) per-mitiu-nos concluir que só existe efeito signifi-cativo do sexo, do ano e do curso frequenta-do (Quadro 6), sendo o curso o factor commaior importância relativa (coef. Pratt=0,729)na explicação da variação dos tipos de repre-sentações dos MQ (após transformação).

A ideia de que a idade é um factor pou-co importante (Fredrick; Mishler; Hogan, 1984;Walker; Plata, 2000) é assim retomada nessecontexto universitário marcado, inclusive, poruma acentuada diversidade etária, dada a pre-sença de dois turnos (diurno e nocturno).

Conhecidas as variáveis analiticamentepertinentes para explicar a variabilidade dasrepresentações, procedemos à identificação dostraços determinantes dos perfis dos alunos e,para isso, realizámos outra ACM, mas comprojecção em suplementar das variáveis que seapresentam como significativas: sexo, curso eano que no momento frequentavam (Gráfico 7).

O sexo tem sido apontado ao longo dosanos como um potencial factor diferenciador(Fennema; Sherman, 1978; Stage; Kloosterman,1995; Kilpatrick; Silver, 2000; Fennema, 2000),quer no nível das representações, quer no níveldos próprios desempenhos, sendo habitualmen-te os alunos do sexo feminino a apresentaremmenor autoconfiança e representações mais ne-gativas, tendência que parece, no entanto, não sereproduzir nesses alunos universitários.

Como podemos ver no Gráfico 7, as alu-nas inquiridas são mais pragmáticas e convictas.A sua posição relativamente à dimensão afectiva— como aliás também a dos alunos do sexomasculino — reflecte, nesse caso, a inexistênciade associação.

Nesse contexto universitário, poderíamosassim concluir pela não sustentabilidade da tesede que os alunos do sexo feminino têm piorautoestima e representações mais negativas. Sena dimensão afectiva a partilha de sentimentosnegativos versus sentimentos positivos não dis-tingue os dois sexos, já na instrumentalidade dasdisciplinas de MQ vamos encontrar perfis comalgumas diferenças. Estas vão no sentido de elasconsiderarem essas disciplinas muito importan-tes, quer na prossecução de objectivos de cur-to prazo, quer para o seu futuro profissional.

Relativamente ao ano de curso e apesar de,tal como o sexo, ser um factor com uma impor-tância relativa pequena na variabilidade global(coef. Pratt=0,159), ainda assim verificamos quesão, sobretudo, os alunos nos dois primeiros anosque se posicionam entre os pragmáticos e osconvictos, enquanto os que já estão mais avan-çados nos seus cursos (3 e 4 anos7) estão entreos descrentes e os seguros. Esses últimos são osque tiveram até ao momento mais disciplinas deMQ, pelo que as suas respostas já evidenciam esseconhecimento da realidade. Se, de um lado, te-mos a autoconfiança e a segurança aliada à atri-buição de importância a essas disciplinas, dooutro, sobressaem os que não têm quaisquer ex-

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pectativas face aos benefícios que as disciplinasde MQ lhes possam (ainda) vir a proporcionar,sendo essa descrença reforçada pela negatividadedos sentimentos.

O curso é o factor que, nesse modelo, seafigura quantitativamente (coef. Pratt =0,729)mais influente na explicação dos vários tipos derepresentações desses alunos universitários.Podemos observar, no Gráfico 7, que existemcursos claramente associados a diferentes re-presentações, assim como existem outros quesão transversais à maioria dos tipos de represen-tações. Os alunos dos cursos de Sociologiaestão mais perto dos pragmáticos. A nossaobservação participante permite-nos referir quetendem a ser alunos que — apesar de não se-rem estas as disciplinas que mais os cativam —estão conscientes da importância dessas ferra-mentas para o seu futuro profissional. Nãoobstante o grau de dificuldade que sentem, e queos leva muitas vezes a ter de repetir avaliações,ainda assim o seu pragmatismo não vacila.

Na vizinhança, estão os convictos que vêmsobretudo do curso de Psicologia Social e dasOrganizações (PSO). São bons alunos efectivamente

e têm consciência disso. São disciplinas que elesreconhecem como tendo um papel central na suaformação, quer pela recorrente utilização das com-petências — que adquirem com a sua aprendiza-gem — ao longo do curso, quer pela importânciaque eles sabem que elas detêm no exercício da suaprofissão. Relativamente próximos dos alunos dePSO, estão também os alunos de Gestão de Recur-sos Humanos (GRH).

Associados aos seguros, detectamos umcluster que inclui os cursos de Finanças, Gestão eEngenharia Industrial (GEI), Informática e Gestãode Empresas (IGE), Engenharia de Telecomunica-ções e Informática (ETI) e que cruzam as áreas daGestão e das Tecnologias de Informação. Sãocursos para os quais a presença de disciplinas deMQ é inquestionável e os alunos que as frequen-tam tendem a geri-las sem grande dramatismo.Importa referir que, no acesso a todos esses cur-sos, a matemática é disciplina obrigatória, o que sede certa forma responsabiliza os alunos para aimportância dessa área de conhecimentos levando,inclusive, a partilharem sentimentos como o desa-fio e o interesse e até mesmo simpatia (recorde-seo mapeamento evidenciado no Gráfico 5).

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É o que não acontece por exemplo comalunos dos cursos de Marketing, já que estãomais próximos dos descrentes. Muitos dessesalunos, para além de verem as disciplinas daárea dos MQ como um aborrecimento, não lhesreconhecem qualquer utilidade. Os alunos deHistória e de Antropologia também partilham(sobretudo) de descrença, mas ainda assimestão a meio caminho entre descrentes e segu-ros. Poderíamos acrescentar, a propósito dessarelativa ambivalência das representações parti-lhadas pelos alunos de História e de Antropo-logia8, que esta transparece na performanceque eles adoptam como alunos e que se reflectequer na própria aprendizagem, quer quandoavaliamos o seu desempenho.

Relativamente aos alunos dos cursos deGestão de Empresas, de Economia e de Enge-nharia Informática, dir-se-ia serem alunos comum perfil médio, não estando por isso clara-mente associados a nenhum dos quatro tiposidentificados. São assim, e no contexto dessainstituição, os cursos mais heterogéneos noque se refere às representações que têm dasdisciplinas de MQ.

Da análise da associação do curso com asrepresentações, poderíamos sistematizar dois as-pectos. Parece existir uma certa cultura de grupo(no caso, curso) no que respeita à partilha derepresentações, nesse caso, dos MQ. Como seevidenciou, e à excepção (como acabámos dereferir) de Gestão de Empresas, de Economia e deEngenharia Informática, são diversos os cursosnos quais sobressai uma associação privilegiadacom um determinado tipo de representações,apontando assim para o que poderíamos desig-nar de sobreposição de um certo status quo.

No entanto, quando se sobe na hierarquia,no que se refere à organização dos cursos emáreas científicas, é também importante constatarque as três grandes áreas que atravessam essainstituição universitária — Ciências Sociais e Hu-manas (Sociologia e Sociologia e Planeamento,Psicologia Social e das Organizações, História eAntropologia), Ciências de Gestão (Gestão, Gestãode Recursos Humanos, Gestão e Engenharia In-

dustrial, Finanças e Marketing) e Ciências eTecnologias da Informação (IGE, ETI e Engenha-ria Informática) pautam-se pela tendência para amultiplicidade na partilha das representações. Sea pertença a um certo curso tende a reproduzira partilha de um certo tipo de representações,essa dinâmica não prevalece na área científica.

Conclusão

A análise conjugada das dimensões afectivae instrumental permitiu-nos aferir sobre a configu-ração topológica do espaço das representaçõessociais dos MQ em contexto universitário. Revelou-se um espaço marcado pela hetero-geneidade, nosentido em que nele coexistem representações dis-tintas, e pela prevalência de sentimentos positivos.

A especificidade das diferentes configu-rações de representações concretiza-se pelaarticulação entre sentimentos negativos nunscasos e positivos noutros, com os níveis deimportância que os alunos atribuem às discipli-nas de MQ, no que se refere às competênciasque por meio delas adquirem e que julgamreverter no seu sucesso pessoal e profissional.

Se, da análise dos padrões de representa-ções, ficou clara a reprodução também em meiouniversitário, do que identificámos como sendouma certa tendência linear na relação entre adimensão da utilidade e a dimensão afectiva (istoé, que a níveis mais elevados na percepção dautilidade dessas disciplinas correspondiam níveismais elevados de autoconfiança e gosto pelasdisciplinas), a articulação entre as duas dimen-sões não fica aí esgotada. Acresce a esse cená-rio, e ainda com base nos resultados da ACM,uma outra configuração de representações, naqual coexistem os sentimentos negativos com oreconhecimento de utilidade às disciplinas deMQ. Quer isso dizer que níveis menos elevadosde autoconfiança e gosto por essas disciplinaspodem de facto estar também associados a ní-veis elevados de utilidade.

8. Refira-se que esses são os cursos com o menor número de disciplinasnessa área: somente duas à data da aplicação do questionário.

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Dos factores disponíveis para caracterizaros perfis dos alunos que partilham padrões derepresentações tão distintos, concluímos que, noque se refere à sua inserção no espaço acadé-mico, os mais importantes foram o curso e o anofrequentado. Para uma caracterização maissociodemográfica dos alunos, apenas se reveloucomo factor significativo o sexo.

No que se refere à influência dessa variá-vel, os dados evidenciaram que ambos os sexostêm um posicionamento idêntico no que se refereà dimensão afectiva. Pelo que concluímos pelanão sustentabilidade da tese que aponta (pelomenos em contexto não universitário) para afeminização da falta de autoestima e da autocon-fiança nas capacidades para lidar com disciplinasdessa área científica. O que se conclui também, edaí a influência significativa, é que os alunos dosexo feminino apresentam maior responsabilizaçãono sentido em que atribuem níveis mais elevados

de importância ao sucesso na disciplina, na pers-pectiva de ter o retorno em termos do seu futu-ro pessoal e profissional.

Por último, e no que se refere à influência(e a mais significativa) do curso, sistema-tizámosduas conclusões. A evidência do que designámospor uma certa cultura de curso. Como foi dado aobservar, na sua quase generalidade, os cursostendem a reflectir um padrão predominante derepresentações dos MQ. Parece assim poder con-cluir-se que a socialização entre os pares desenca-deia a tendência para uma cultura mais homogéneano que se refere às representações dos MQ. Quan-do passamos para uma observação no nível da áreacientífica, fica evidente a transversalidade dospadrões de representações, ficando claro quequanto maior a amplitude da área científica, maisevidente se torna a heterogeneidade das represen-tações, sendo o caso mais paradigmático o da áreadas Ciências Sociais e Humanas.

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Recebido em 18.02.08

Aprovado em 21.11.08

Madalena Ramos, doutoramento em Educação, é investigadora da UNIDE/ISCTE. O estudo das representações sociais damatemática e a análise de dados aplicada às ciências sociais e humanas têm sido as áreas de investigação privilegiadas.

Helena Carvalho, doutoramento em sociologia, é investigadora do CIES/ISCTE. Investiga em métodos quantitativos emultivariados para variáveis categoriais. E-mail: [email protected]