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Universidade Católica Portuguesa
Instituto de Estudos Europeus
Os oceanos e mares europeus como móbil darelevância da União Europeia no mundo global
do século XXI: a capacidade performativada Política Marítima Europeia
Dissertação de Mestrado
Dominante: Político-administrativa
Orientador: Professor Doutor Ernâni Rodrigues LopesProfessor Doutor Ernâni Rodrigues Lopes
Mestranda: Maria Fernandes TeixeiraMaria Fernandes Teixeira
Lisboa, 30 de Setembro de 2009
Universidade Católica Portuguesa
Instituto de Estudos Europeus
Os oceanos e mares europeus como móbil da relevância da União
Europeia no mundo global do século XXI: A capacidade performativa
da Política Marítima Europeia Dissertação de Mestrado Dominante: Político-administrativa Número total de palavras: 48 554 Orientador: Professor Doutor Ernâni Rodrigues Lopes Mestranda: Maria Fernandes Teixeira
Lisboa, 30 de Setembro de 2009
Agradecimentos
Ao terminar este trabalho não posso deixar de agradecer, primeiramente e de uma forma
muito especial, ao Professor Ernâni Lopes, por me ter concedido o privilégio de
aprender com a sua imensa sabedoria, cultura e capacidade intelectual. Não sei se estive,
estou ou estarei alguma vez à altura das suas expectativas, mas fiz o meu melhor e
posso dizer que, da minha parte, valeu a pena todo o esforço. Foi uma profunda honra.
Gostaria também de agradecer à Professora Maria José Relvas Mesquita, pela ajuda na
compreensão das questões jurídicas relacionadas com o direito do mar e o direito da
União Europeia.
Por fim, quero deixar uma palavra de agradecimento e afecto a toda a minha família
que, longe ao perto, soube dar o seu apoio; e em particular a duas pessoas que
estiveram, e estão, sempre presentes. Sem a sua paciência, motivação e disponibilidade
esta tese não seria seguramente a mesma. À minha mãe, ao Jorge, por tudo.
GLOSSÁRIO
CCS – Carbon capture and storage (sequestro e armazenamento de carbono)
CE – Comissão Europeia
CIA – Central Intelligence Agency (serviços de inteligência norte-americanos)
DG MARE – Direcção-Geral dos Assuntos Marítimos (da Comissão Europeia)
DS – Desenvolvimento sustentável
EMAM – Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (entidade da República
Portuguesa)
EUA – Estados Unidos da América
FAO – Food and Agriculture Organization (da ONU)
IMO – International Maritime Organization (da ONU)
MIF – Maritime Industry Forum
ONU – Organização das Nações Unidas
PAC – Política Agrícola Comum
PCP – Política Comum de Pescas
PESC – Política Externa e de Segurança Comum
PIB – Produto Interno Bruto
PME – Política Marítima Europeia
R&D – Research and development (tradução exacta da sigla inglesa); investigação e
desenvolvimento
RU – Reino Unido
SRI – Sistema de relações internacionais
TJCE – Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
UE – União Europeia
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
ZEE – Zona Económica Exclusiva
Índice
a) Resumo _________________________________________________________1
b) Objecto ________________________________________________________2
c) Método ________________________________________________________2
PARTE I – INTRODUÇÃO _____________________________________________4
1. O mar na Europa ________________________________________________5
1.1. Aspectos geográficos __________________________________________5
1.2. Aspectos económicos __________________________________________6
1.3. Aspectos políticos e geoestratégicos ______________________________7
1.4. Aspectos ambientais __________________________________________9
PARTE II – MODELO TEÓRICO DA POLÍTICA MARÍTIMA EUROPEIA __11
2. A Política Marítima Europeia – Fundamentos _______________________ 11
2.1. Significado político-estratégico ________________________________11
2.2. Questões metodológicas ______________________________________14
2.2.1. O modelo teórico implícito ___________________________________14
2.2.2. A estrutura da Política Marítima Europeia _______________________17
2.3. A PME versus outras políticas sectoriais da União Europeia ________25
2.3.1. A PME e a Política Comum de Pescas __________________________25
2.3.2. Política Marítima Europeia versus Política Agrícola Comum ________28
2.3.3. A PME e a Política Industrial da UE ____________________________32
2.4. Aspectos conceptuais ________________________________________36
2.5. A Política Marítima Europeia – questões jurídicas específicas ______38
2.5.1. As questões marítimas nos tratados fundadores ___________________38
2.5.2. A Política Marítima Europeia e o Tratado de Lisboa _______________40
2.5.2.1. Matérias de competência exclusiva __________________________42
2.5.2.2. Subjectividade do conceito de “recursos biológicos do mar” ______42
2.5.2.3. A PME enquanto competência partilhada _____________________48
2.5.2.4. O princípio da subsidiariedade – constrangimentos ______________49
2.5.3. Cooperação reforçada e PME _________________________________55
2.6. Génese e fundamento estratégicos ______________________________56
2.6.1. Razões para uma génese “tardia” da política marítima europeia _______56
2.6.2. A PME como resposta estratégica aos desafios da globalização _______58
2.6.3. A importância de uma postura pró-activa: o terrorismo e a fachada
atlântica _______________________________________________________66
2.6.4. A importância de uma postura pró-activa: a Política Marítima Europeia
como resposta estratégica ao desafio das alterações climáticas e do
desenvolvimento sustentável _______________________________________68
2.6.5. A necessidade de garantir a sustentabilidade do ambiente marinho europeu
versus a premência de assegurar a competitividade europeia no mundo global 73
2.7. Potencialidades da PME e dos oceanos e mares europeus __________76
2.7.1. Constrangimentos da Política Marítima Europeia _________________78
2.7.2. Organização em cluster: vantagens ____________________________79
2.7.2.1. A noção de cluster aplicada ao sector marítimo: a inovação como móbil
da mudança ____________________________________________________81
2.7.2.2. A criação de um hypercluster marítimo europeu: vantagens e
dificuldades ____________________________________________________84
PARTE III. ANÁLISE POLÍTICO-ESTRATÉGICA _______________________87
3. Introdução _____________________________________________________87
3.1. Algumas políticas marítimas nacionais __________________________89
3.1.1. No contexto europeu ________________________________________89
3.1.2. A política marítima da Holanda _______________________________97
3.1.2.1. Impacte económico do cluster ______________________________100
3.1.2.2. Medidas políticas ________________________________________102
3.1.2.3. Análise crítica: Síntese ___________________________________104
3.1.3. A política marítima de França _______________________________107
3.1.3.1. Enquadramento político-administrativo ______________________107
3.1.3.2. Enquadramento teórico da política marítima francesa ___________109
3.1.3.3. Contexto socioeconómico _________________________________109
3.1.3.4. Economia marítima francesa: debilidades e desafios ____________110
3.1.3.5. Política marítima francesa: uma abordagem moderna dos assuntos do
mar __________________________________________________________111
3.1.3.6. Pressupostos essenciais e áreas-chave ________________________112
3.1.3.7. Três medidas concretas ____________________________________113
3.1.3.7.1. Medida complementar: investir nos recursos humanos __________116
3.1.3.8. Apoio institucional _______________________________________116
3.1.3.9. Análise crítica ___________________________________________117
3.1.3.9.1. Análise Crítica: Síntese __________________________________117
3.1.4. A condução política dos assuntos do mar em Portugal _____________119
3.1.4.1. A Estratégia Nacional para o Mar ____________________________120
3.1.4.1.1. Pilares estratégicos ______________________________________121
3.1.4.1.2. Acções e medidas concretas ______________________________122
3.1.4.1.3. Análise crítica _________________________________________124
3.1.4.1.4. Análise crítica: Síntese ___________________________________126
3.1.4.2. O hypercluster do mar ____________________________________128
3.1.4.2.1.Componentes do hypercluster do mar _______________________133
3.1.4.3. Relatório “O Oceano – Um Desígnio Nacional para o Século XXI” _141
3.2. A política marítima dos Estados Unidos da América _____________145
3.2.1. Introdução _______________________________________________145
3.2.2. Princípios orientadores e pressupostos teóricos ___________________146
3.2.3. O papel dos decisores políticos _______________________________148
3.2.4.A importância da ciência e do conhecimento _____________________149
3.2.5. A educação _______________________________________________150
3.2.6. Desafios e oportunidades prementes ___________________________151
3.2.7. Modelo de financiamento ___________________________________152
3.2.8. Aspectos geopolíticos relevantes ______________________________153
3.2.9. Análise crítica: Síntese ______________________________________154
3.3. Experiências nacionais europeias e norte-americana:
lições a tirar __________________________________________________ 157
3.4. Condições políticas e estratégicas da Política Marítima Europeia ___160
3.4.1. A capacidade de acção da Comissão Europeia ___________________160
3.4.2. O papel do Conselho Europeu ________________________________161
3.4.3. Capacidade de conciliação de interesses dos diferentes sectores ligados ao
mar __________________________________________________________164
PARTE IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS _______________________________167
4.1 Leitura prospectiva ____________________________________________167
4.1.1. Cenário 1 ________________________________________________169
4.1.2. Cenário II ________________________________________________172
4.1.3. Cenário III _______________________________________________174
4.2. Síntese da análise prospectiva ________________________________175
4.3. Conclusões ___________________________________________________176
Bibliografia
Anexos
a) Resumo
A presente tese tem início com uma parte introdutória, na qual se procura fazer uma
caracterização da realidade europeia no que respeita ao peso económico, apresentação
geográfica, condições políticas e geoestratégicas e constrangimentos ambientais dos
seus mares e oceanos.
Em seguida, analisamos o modelo teórico da Política Marítima Europeia, abordando as
questões metodológicas, conceptuais e jurídicas subjacentes à mesma. Incluiremos,
neste âmbito, uma análise comparativa da Política Marítima Europeia com algumas
políticas sectoriais da União Europeia, a saber, a Política Agrícola Comum, a Política
Comum de Pescas e a Política Industrial.
Equacionaremos ainda a génese e fundamento estratégicos da política em análise, bem
como procuraremos sintetizar as suas potencialidades e constrangimentos, destacando
em particular a utilidade da aplicação do conceito de cluster ao sector marítimo. Nesta
parte, procuramos igualmente analisar a forma como a Política Marítima Europeia
preconiza a resposta aos principais desafios da actualidade, como sejam a globalização,
as alterações climáticas, o desenvolvimento sustentável num mundo cada vez mais
exigente em termos de competitividade económica e concorrência comercial
internacional.
Na terceira parte deste trabalho, apresentaremos as políticas marítimas de vários países
europeus, dando especial destaque aos casos da Holanda, França e Portugal. No plano
extra-europeu, apresentamos o exemplo dos Estados Unidos da América.
Esta parte é ainda completada por uma breve análise das condições de acção da
Comissão Europeia e do papel do Conselho Europeu, no domínio da política marítima.
Serão igualmente abordados os interesses sectoriais em jogo e a forma como estes
podem condicionar o sucesso da Política Marítima Europeia.
A quarta e última parte da presente tese procede a uma análise prospectiva,
apresentando alguns cenários possíveis de evolução do papel geopolítico da Europa no
Mundo, em função da importância concedida ao sector marítimo europeu, determinante
para a sua afirmação económica, social e cultural. São, por fim, apresentadas as
conclusões a que a investigação realizada permitiu chegar.
1
b) Objecto
A presente tese pretende estudar os oceanos e mares da União Europeia, enquanto factor
estratégico para o desenvolvimento económico e a afirmação geopolítica da Europa no
mundo globalizado e altamente competitivo do século XXI. Nesse âmbito, analisaremos
o instrumento político definido pela União para a condução desta área – a Política
Marítima Europeia1 –, procurando averiguar as suas condições de exequibilidade e de
sucesso, tendo em conta a realidade de partida, o contexto internacional e os diversos
constrangimentos e interesses em jogo no seio da União a 27.
c) Método
Para estudar o objecto acima descrito – os oceanos e mares da União Europeia enquanto
factor estratégico para o desenvolvimento económico e a afirmação geopolítica da
Europa no mundo globalizado e altamente competitivo do século XXI – procurámos
conhecer as condições vigentes e os instrumentos disponíveis para a concretização de tal
desígnio.
Assim, assentámos a nossa análise no documento estratégico da União Europeia, a
Política Marítima Europeia (PME), no sentido de perceber o potencial deste instrumento
político. Neste contexto, atentámos, em primeiro lugar, nas suas condições intrínsecas,
inerentes ao modelo teórico subjacente. Tentámos, nomeadamente, verificar a
capacidade de resposta da PME aos principais desafios da actualidade, como sejam a
globalização, as alterações climáticas e a necessidade de manter o difícil equilíbrio entre
a preservação do meio ambiente e o fomento da competitividade económica da Europa.
Estudámos igualmente as condições políticas e sociais da União Europeia para
implementar a referida política. Procurámos, neste contexto, conhecer as realidades
nacionais europeias2, de modo a avaliar as condições de partida e aferir o grau de
consciencialização política dos Estados-membros em relação ao potencial económico e
geopolítico do sector marítimo e à importância da existência de uma acção concertada
ao nível comunitário neste domínio.
Considerámos ainda o exemplo dos Estados Unidos da América (EUA), enquanto
grande potência económica e marítima, a nível mundial. 1 Comissão Europeia, COM(2007) 575 final, 10.10.2007. Ver Anexo A. 2 Por contingências de espaço e de tempo não nos é possível fazer uma apresentação e análise exaustiva das políticas marítimas de todos os Estados-membros, pelo que seleccionámos aquelas que nos parecem mais relevantes para efeitos da presente tese.
2
Por fim, procedemos a uma breve análise prospectiva, equacionando os cenários
possíveis face a diversos graus de actuação e empenho, por parte da União e dos seus
Estados-membros, no desenvolvimento e exploração das inúmeras potencialidades dos
seus oceanos e mares, ainda por descobrir.
Em síntese, consideramos que o nosso trabalho assenta na seguinte pergunta de partida:
Quais os cenários de evolução futura, em termos de eficácia, da Política Marítima
Europeia enunciada em 10 de Outubro de 20073?
3 Como referido acima, vide Comissão Europeia, COM(2007) 575 final, 10.10.2007 (Anexo A).
3
PARTE I – Introdução
Quase três quartos da superfície do planeta Terra (71%) são cobertos por água. Entre
esta contam-se cinco oceanos e um extenso conjunto de mares, rios, lagos e outros
cursos de água.
Além de ser indispensável à sobrevivência humana, a água, em particular na forma de
oceano, foi desde sempre essencial para o desenvolvimento humano.
Hoje, a importância dos oceanos é tão ou mais determinante4. Além de ser a fonte de
parte significativa de recursos alimentares, é uma “auto-estrada” essencial à passagem
de um elevado volume de mercadorias e géneros na rota do comércio internacional,
cada vez mais intenso e globalizado. Os transportes marítimos movimentam 342 743
milhões de euros por ano (sem incluir os transportes turísticos), sendo a área mais
rentável das actividades ligadas ao mar, enquanto o comércio marítimo representa 6 840
milhões de euros.
Sectores mais tradicionais como a pesca têm ainda hoje uma importância significativa
(o volume de negócios a nível mundial ronda os 55 983 milhões de euros), mas
indústrias afins tendem a afirmar-se com maior pujança – é o caso do sector da
transformação de peixe e produtos do mar, que em todo o mundo movimenta 79 859
milhões de euros. E áreas relativamente recentes, como a da aquacultura, também já
transaccionam, por ano, 23 876 milhões de euros.
A importância do mar revela-se igualmente numa série de actividades a ele associadas:
o volume de negócios dos portos é de 25 017 milhões de euros; a construção naval
movimenta 37 746 milhões de euros e o sector dos equipamentos marítimos 72 871
milhões de euros.
Uma outra actividade de extrema relevância é a do turismo ligado ao mar. As zonas
costeiras são particularmente apetecíveis para a constituição de espaços ou actividades
turísticas e de lazer e o próprio mar é, em si, um espaço turístico por excelência. Só o
segmento dos navios e cruzeiros movimenta em todo o mundo 12 000 milhões de euros;
e as actividades turísticas marítimas são o segundo sector de actividade mais rentável
dentro das actividades ligadas ao mar – estima-se que o seu volume de negócios ascenda
a 168 189 milhões de euros.
4 Todos os números que apresentaremos nesta parte inicial da introdução foram retirados do estudo Douglas-Westwood, 2005;
4
Além disso, o oceano apresenta potencialidades ainda por explorar de modo cabal,
nomeadamente no que respeita ao aproveitamento de novas formas de energia, ao
combate às alterações climáticas e à descoberta de novas soluções para o campo da
medicina.
A extracção de offshores de petróleo e gás movimenta 91 146 milhões de euros, mas o
sector das energias renováveis começa a desenvolver-se (apresenta um volume de
negócios de 128 milhões de euros). O apoio concedido à investigação e
desenvolvimento (R&D) nesta área (10 629 milhões de euros em todo o mundo), bem
como o investimento na educação e formação (1537 milhões de euros), nas tecnologias
da informação marítimas (3570 milhões de euros), nas telecomunicações submarinas
(1126 milhões de euros) e na inspecção marítima (2013 milhões de euros) são exemplos
do muito que os mares e os oceanos ainda têm por descobrir.
Este potencial inexplorado estende-se igualmente à medicina e à farmacologia. O
negócio das algas marinhas movimenta já 5988 milhões de euros e o sector da
biotecnologia marinha 2190 milhões de euros. Mas estas são cifras que, ao que tudo
indica, tenderão a crescer no futuro.
1. O mar na Europa
1.1. Aspectos geográficos5
O território marítimo da União Europeia (UE) é muito maior do que o seu território
terrestre. A Europa tem 68 mil quilómetros de orla costeira, sendo esta três vezes mais
extensa que a orla costeira dos Estados Unidos e quase duas vezes mais extensa que a da
Rússia. Possui dois oceanos (o Atlântico e o Árctico) e quatro mares (o Mediterrâneo, o
Báltico, o Mar do Norte e o Mar Negro) no seu “interior”. Tal significa que mais de dois
terços das fronteiras da UE são marítimas.
Além disso, a Europa6 possui inúmeras ilhas e, devido às suas regiões ultraperiféricas, a
União está também presente no Oceano Índico e no Mar das Caraíbas. A presença do
mar na vida dos europeus é, pois, quase constante. Nenhum cidadão comunitário vive a
5 Os números apresentados neste subcapítulo foram retirados de Comissão Europeia, Factos e Números Marítimos; disponível em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/pdf/facts_fig_060607_pt.pdf (última consulta em 12.09.2009). 6 Por uma questão de simplificação, ao longo deste trabalho utilizaremos o termo “Europa” como sinónimo de União Europeia;
5
mais de 700 quilómetros da costa e quase metade vive a 50 quilómetros da costa, quase
sempre em zonas urbanas situadas ao longo desta.
1.2. Aspectos económicos
Como refere o Livro Verde que deu origem à política marítima da UE7, 3% a 5% do
produto interno bruto (PIB) europeu são gerados pelas indústrias e serviços do sector
marítimo e as regiões marítimas representam mais de 40% do PIB comunitário. A
preponderância económica dos mares e oceanos europeus é, de resto, visível em vários
outros itens. Quase 90% do comércio externo da UE e mais de 40% do comércio interno
assentam no transporte marítimo. Os transportes marítimos europeus movimentam 151
137 milhões de euros, o que significa que representam 44% do volume de negócios
mundial neste segmento; o comércio marítimo europeu é igualmente uma fatia
importante do volume de negócios mundial (2736 milhões de euros, o equivalente a
40%).
Anualmente 3,5 milhões de toneladas de carga e 350 milhões de passageiros passam
pelos 1200 portos comunitários. O volume de negócios que estes obtêm por ano
representa 42% do total alcançado em todo o mundo. A União é também forte no sector
dos minerais e agregados, no qual é responsável por 1344 milhões de euros (49% do
volume de negócios mundial), e tem uma posição de liderança indiscutível no promissor
sector das energias renováveis (movimenta 121 milhões de euros, que equivalem a
94,5% do total mundial). O investimento na investigação e desenvolvimento das
actividades ligadas ao mar é igualmente relevante na Europa, onde reside 30% do
volume de negócios associado a esta área (3273 milhões de euros), o mesmo ocorrendo
no segmento das tecnologias marítimas, que fazem movimentar 1382 milhões de euros
todos os anos, o que corresponde a quase 39% do volume de negócios anual mundial.
Por seu turno, o segmento da inspecção marítima na Europa equivale a perto de 27% do
total gasto nesta área no mundo, enquanto as telecomunicações submarinas na UE são
responsáveis por 185 milhões de euros (16% do valor mundial).
Em sectores tradicionais, como o das pescas e da transformação de peixe e produtos do
mar, a capacidade económica da UE é menos preponderante (as pescas europeias são
responsáveis por apenas 8,5% do volume de negócios das actividades piscatórias em
todo o mundo; e a indústria da transformação de peixe e afins da UE representa 10% do
7 European Commisson, COM (2006) 275, 07.06.2006.
6
total mundial). A aquacultura marinha (uma área que se estima venha a ser
preponderante no futuro: em 2030 deverá fornecer mais de metade do peixe consumido
por toda a população mundial) é já mais forte na União, movimentando 3483 milhões de
euros, o que significa quase 15% do volume de negócios mundial.
Por fim, importa ressaltar que outro sector em que a União se destaca é o do turismo
ligado ao mar. As actividades turísticas marítimas no espaço comunitário fazem
transaccionar 71 812 milhões de euros, o equivalente a mais de 42% do total mundial8.
Tal dever-se-á ao facto de se calcular que 63% dos turistas europeus preferem o mar
como destino de férias. E não faltam opções para esse tipo de turismo na União: existem
14 mil zonas balneares, 97% das quais cumprem os requisitos fixados pela directiva
comunitária sobre as águas balneares. Estão igualmente contabilizadas 3 mil marinas e
um milhão de ancoradouros em toda a UE.
Não obstante a beleza e potencial das zonas costeiras, estas têm também um risco
associado, nomeadamente de erosão e cheias, não despiciendo. A UE alocou já 5,4
milhões de euros ao combate a estes fenómenos naturais para o período entre 1990 e
20209 10.
1.3. Aspectos políticos e geoestratégicos
Tendo em conta as cifras acima apresentadas, é notória a importância do mar para a
economia comunitária. Contudo, a necessidade de implementação de uma política
marítima europeia não se prende apenas com o factor económico. Outros fenómenos
político-sociais devem ser considerados, não só pelo seu impacte na economia, como
pela influência no bem-estar e paz social. O terrorismo, de base islâmica, é um
fenómeno ao qual a Europa está particularmente vulnerável e ao qual terá de aprender a
responder11. O combate a este fenómeno exige um reforço dos mecanismos de
vigilância e defesa, sejam estes terrestres ou marítimos. Tendo a UE uma costa tão
extensa, o reforço de meios na orla marítima é particularmente importante. O papel das
Marinhas, a necessidade de acções concertadas, a cooperação e o intercâmbio de
informação entre os Estados-membros é crucial. Embora já ocorra em diversos casos,
esta é sem dúvida uma área onde a existência de uma política marítima europeia pode
ser uma mais-valia. 8 Cifras económicas retiradas de Douglas-Westwood, 2005. 9 Vide Comissão Europeia, Factos e Números Marítimos. 10 Vide Anexo D, sobre o peso dos vários subsectores da economia do mar da União Europeia. 11 Vários autores têm abordado esta questão. Ver, por exemplo, Silva, 2007; e Aguiar, 11.09.2004.
7
A União deve ainda estar atenta a outros fenómenos crescentes, como a imigração
ilegal, o tráfico ilegal de armas, seres humanos, drogas e de mercadorias. Embora haja
Estados particularmente vulneráveis a estas situações, como a Espanha, a Grécia ou
mesmo Portugal, estas são realidades que devem preocupar toda a União e requerem
uma acção conjunta, pois o seu impacte, na economia, na organização comunitária e na
paz social, é considerável e faz sentir-se muito para além das fronteiras do país por onde
chega, em particular dada a natureza do mercado interno comunitário.
Além dos aspectos relacionados com a segurança, importa considerar as mudanças
geopolíticas em curso nos últimos anos. Como é sabido, assistimos a uma repolarização
do Mundo, que tenderá a desviar o seu centro geopolítico para o Oriente, onde se
concentram os grandes centros de produção (China e Índia). O ritmo de crescimento
destes países emergentes deverá fazer com que adquiram forte relevância mundial num
futuro relativamente próximo, o que, por consequência, deverá levar a uma redefinição
do papel e peso geoestratégico da Europa, e também da actual potência económica
mundial, os Estados Unidos da América. A evolução do processo da globalização na
viragem do século XX para o século XXI deverá implicar uma “reorganização” do
mapa geopolítico mundial, mas também uma intensificação do comércio internacional;
e este, como vimos, faz-se em grande parte por mar.
Tal significa que, como em outras globalizações, nesta os oceanos terão um papel
relevante, podendo ser alvo de importantes modificações. Peter Jacques, por exemplo,
considera que as transformações que os oceanos do mundo12 estão a vivenciar são tais
que a “humanidade não tem memória colectiva, experiência ou conhecimento holístico”
de semelhantes. O autor julga existir “evidência significativa” para afirmar que a
“economia global em expansão” está intimamente relacionada com essas
transformações, que serão não só de índole ecológica/ambiental, como também social13.
É justamente neste âmbito que consideramos essencial a implementação de uma
verdadeira e eficaz política marítima europeia, que permita à Europa afirmar-se como
potência mundial do século XXI e não se deixar resignar pela pujança das economias
emergentes do Oriente. As motivações devem ser, portanto, em nosso entender,
económicas, mas mormente geopolíticas, entendendo-se as primeiras como cruciais na
12 O conceito usado, em inglês, é de difícil tradução, em termos exactos, para a língua portuguesa e tem porventura uma maior abrangência; trata-se de “world ocean”. 13 Jacques, 2006; p 3.
8
medida em que são potenciadores e indispensáveis às segundas. Não obstante, existem
outros aspectos relevantes a considerar.
1.4. Aspectos ambientais
Desastres ecológicos, como os potenciados pelo Erika ou pelo Prestige, são a face mais
visível da importância de se considerarem as questões ambientais no âmbito de uma
política marítima europeia. O impacte na paisagem, nos ecossistemas marinhos, na
economia e na saúde humana destes desastres é considerável e duradouro14.
A vulnerabilidade das zonas costeiras, associada à sua importância social (número de
europeus que vivem junto a esta) e económica (turismo, capacidade produtiva das
regiões marítimas, etc., como referido acima), é um aspecto igualmente importante.
Por outro lado, é inevitável considerar a questão da poluição e, associada a todas estas, a
questão actualmente mais presente nas agendas públicas e políticas – o aquecimento
global e as alterações climáticas. Os efeitos devastadores (uma vez mais, com sérias
implicações socioeconómicas) que estas podem ter estão já à vista, pelo que se torna
fundamental que a Europa continue a adoptar medidas para combater as alterações
climáticas, ao mesmo tempo que investe na investigação e no desenvolvimento
tecnológico de formas inovadoras de encontrar alternativas energéticas amigas do
ambiente e meios de minorar os efeitos das alterações climáticas. Encaramos este
investimento como um imperativo, ético e social, de futuro, mas também pelo seu
eventual potencial económico, como exporemos abaixo.
Não menos importante, é o facto de a Europa exercer uma magistratura de influência
nos fóruns internacionais, com o objectivo de convencer outros países, nomeadamente
os EUA e as potências emergentes como a China (altamente poluidoras), a adoptar o
caminho do desenvolvimento sustentável.
Em suma, verificamos que uma abordagem das questões marítimas exige a consideração
de vários campos, todos eles relevantes e também intrinsecamente relacionados entre si.
Aqui reside, pois, a complexidade de definir uma política marítima europeia, mas
também a razão primeira da sua inequívoca necessidade. Os mares são, por natureza,
globais e, ao mesmo tempo, espaços privilegiados da globalização.
14 Sobre o extremamente significativo impacte deste tipo de desastres e também de outras formas de poluição menos “espectaculares”, mas igualmente relevantes, vide Marques, 2003.
9
Aspectos geopolíticos
Aspectos ambientais
Aspectos económicos
Gestão Aspectos dos Geográficos
Mares e Oceanos
10
PARTE II – MODELO TEÓRICO DA POLÍTICA MARÍTIMA EUROPEIA
2. A Política Marítima Europeia – Fundamentos
2.1. Significado político-estratégico
Os objectivos da Política Marítima Europeia são cinco: 1) maximização da utilização
sustentável dos oceanos e mares; 2) construção de uma base de conhecimentos e
inovação para a política marítima; 3) maximização da qualidade de vida nas regiões
costeiras; 4) promoção da liderança europeia nos assuntos marítimos internacionais; 5)
promoção da visibilidade da Europa marítima15. Estes objectivos espelham a
abrangência da presente política, que, como é visível, pretende produzir efeitos ao nível
da economia, da política externa, do conhecimento e inovação, do ambiente e do
desenvolvimento sustentável e ainda dos condicionantes sociais.
Do ponto de vista teórico, poderíamos dividir estes objectivos em dois tipos: objectivos
micro, que dizem respeito a questões concretas relacionadas com políticas económicas,
sociais, ambientais, científicas e de educação; neste grupo se inseririam os três
primeiros objectivos. Já num plano macro integraríamos os objectivos 4 e 5, relativos a
questões geopolíticas e geoestratégicas. A estes objectivos estão subjacentes objectivos
estruturais da União Europeia, nomeadamente os definidos pela Estratégia de Lisboa.
15 Comissão Europeia, SEC(2007) 1280, 10.10.2007, p 2. Vide Anexo C.
11
A análise dos vários documentos produzidos em torno da Política Marítima Europeia
(livro verde, livro branco, livro azul, etc.), bem como dos discursos oficiais permite
concluir que dois fenómenos globais motivaram esta acção ao nível comunitário: a
globalização e as alterações climáticas (sendo visível que a primeira tem uma relevância
largamente destacada). O significado político e geoestratégico da PME resulta, em
suma, de uma visão orientada para o futuro assente em duas asserções essenciais:
partindo da consciência do enorme potencial dos oceanos ainda por explorar e do seu
valor estratégico enquanto veículo de comunicação, com uma política marítima
europeia que aproveite estes valores, ainda incalculáveis, a União pretende não só
aumentar a sua visibilidade e relevância na cena política internacional, como garantir o
seu papel de liderança económica, invertendo a tendência actual da velha Europa, em
declínio perante a ascensão dos países emergentes e a sua perda de competitividade
crescente.
Esta matriz, assente essencialmente em dois pilares – geopolítico e económico –
condiciona toda a estrutura da PME, sendo que, dada a sua abrangência, são múltiplas e
muito diversas as áreas implicadas.
A interdependência relacional dos objectivos da PME, e também a sua relação
hierárquica (objectivos macro sobre objectivos micro), está patente nos discursos sobre
12
a PME16 do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. Nestes, o responsável
assinalou as vantagens da PME para a economia e o emprego, o comércio internacional,
a globalização e para a problemática da dependência energética da Europa, além do seu
valor político e geoestratégico. Na verdade, ao falar de uns está a referir os restantes
aspectos, pois, na nossa perspectiva, será a capacidade da Europa para resolver o seu
problema energético, para tirar proveito das suas auto-estradas marítimas e dos seus
portos – essenciais ao comércio internacional, aos países emergentes e à globalização –,
para fazer face às alterações climáticas e para exercer um papel de liderança nos
domínios da inovação e tecnologias ligadas ao mar, sempre numa lógica de
desenvolvimento sustentável, que irá determinar a relevância geopolítica da União
Europeia do futuro mapa-mundo.
Em termos geopolíticos, importa ainda assinalar dois aspectos importantes: por um lado,
a gestão da relação, “especialmente delicada” mas “essencial”, como a classifica o
Professor Êrnani Lopes17, entre a UE e os Estados Unidos da América. E, por outro, o
posicionamento (ou reposicionamento) da Europa face à interacção EUA/China, duas
potências extra-europeias, cuja relevância no sistema de relações internacionais é
evidente e tem sido crescente, motivando um processo de recomposição do poder
político, económico e militar à escala global.
Assim, outra característica essencial da PME é a intricada relação entre os seus
objectivos e áreas componentes. Tal como nos oceanos, tudo está interligado.
Compreender esta realidade, sem descurar a complexidade e dificuldade da presente
empresa, é um passo para o sucesso.
Salientamos, no entanto, que os objectivos macro desta política são, no plano teórico,
deveras ambiciosos e de difícil realização, o que é visível não só pela sua própria
definição, mas também pelas condições e instrumentos de concretização da Política
Marítima Europeia, como veremos à frente.
16 Vide, por exemplo, o discurso do Presidente da Comissão Europeia, Dr. José Manuel Durão Barroso, sobre a Política Marítima Europeia, durante a Conferência Ministerial realizada em Lisboa na mais recente da Presidência Portuguesa da União Europeia (Anexo F). E também o seu texto sobre “Uma Visão Europeia para os Oceanos e os Mares” (Barroso, Janeiro/Junho de 2006, p 11). Neste último, Durão Barroso inicia desta forma o seu artigo: “Os oceanos não são apenas importantes do ponto de vista estratégico e geopolítico. Eles são também determinantes para a economia europeia (...)”. 17 Lopes, 03.12.2003, p 10.
13
2.2. Questões metodológicas
2.2.1. O modelo teórico implícito
O texto da Política Marítima Europeia postula uma abordagem integrada dos assuntos
dos mares na Europa, no âmbito da qual todos os mais diversos assuntos e questões
relacionadas com esta área devem ser tratadas de forma articulada. Os actores
comunitários consideram que é esta “abordagem integrada e intersectorial” que
permitirá à Europa responder aos desafios da “globalização e da competitividade, das
alterações climáticas, da degradação do ambiente marinho, da segurança marítima, da
protecção do transporte marítimo e da segurança e da sustentabilidade energéticas”18.
Encontramos, pois, logo aqui, um exemplo da complexidade – e porventura da
dificuldade de implementação –, da Política Marítima Europeia. Como é visível, esta
inclui a coordenação de matérias tradicionalmente entregues a ministérios ou direcções-
gerais muito distintas, desde a economia ao ambiente, passando pela administração
interna e pelos transportes, a indústria, a educação e a saúde.
Como explicam os diversos textos basilares da Política Marítima Europeia, esta
abordagem “integrada” e “holística” dos mares e oceanos europeus pretende ser mais do
que uma mera compilação das políticas sectoriais existentes e visa promover uma
abordagem intersectorial, multidisciplinar. Tendo como pilares a Estratégia de Lisboa e
uma gestão dos mares baseada nos ecossistemas e no mais desenvolvido conhecimento
científico do momento, a Política Marítima Europeia pretende introduzir uma nova
visão e estratégia para as áreas da energia, transportes, portos, turismo, emprego no
sector marítimo, gestão dos recursos haliêuticos e dos ecossistemas marinhos,
investigação científica e desenvolvimento tecnológico, vigilância, gestão de informação
e conhecimento, ordenamento espacial marítimo, poluição e desenvolvimento
sustentável, posicionamento na cena internacional, relacionamento com países terceiros.
A título exemplificativo, alguns dos objectivos traçados no plano de acção são
constituir/alcançar: um espaço de transporte marítimo europeu sem barreiras; uma
estratégia europeia de investigação marinha; políticas marítimas nacionais integradas a
elaborar pelos Estados-Membros; uma rede integrada de vigilância marítima; um guia
para o ordenamento do espaço marítimo pelos Estados-Membros; a eliminação da pesca
pirata e das práticas destrutivas de arrasto pelo fundo no mar alto; a promoção de uma
18 Comissão Europeia, COM(2007) 575 final, 10.10.2007, pp. 2 e 3 (Anexo A).
14
rede europeia de clusters marítimos; uma revisão das isenções previstas na legislação
laboral da UE para os sectores do transporte marítimo e da pesca; uma rede europeia de
observação e de dados sobre o meio marinho; uma estratégia para atenuar os efeitos das
alterações climáticas nas regiões costeiras19.
De notar que esta forma de abordagem dos assuntos do mar, integrada, holística e
baseada nos ecossistemas, é defendida internacionalmente por diversos autores e
políticas marítimas nacionais (como veremos mais à frente), está em linha com a visão
integradora referida e, sobretudo, com a natureza dos oceanos e mares. Na verdade,
consideramos que esta visão holística é a mais adequada à gestão de um espaço, por
natureza, sem fronteiras20.
O modelo teórico proposto para a Política Marítima Europeia é, assim, um modelo que
pretende romper com os cânones tradicionais de abordagem sectorial e ter em conta as
interacções existentes entre as diversas áreas21. Para o efeito, esta política assenta num
plano de acção concreto22.
Por fim, importa referir que a presente política marítima pretende pautar-se pelo
princípio da subsidiariedade, nomeadamente por esta matéria ser, na generalidade, de
competência partilhada entre os Estados e as instâncias comunitárias. Entendemos, no
entanto, que tal facto é um forte condicionador da capacidade de implementação e de
sucesso desta estratégia política. Analisaremos em detalhe esta questão mais à frente.
19 Um Mar de Oportunidades: A Comissão Propõe Uma Política Marítima Integrada para a UE, IP/07/1463, 10.10.2007; e Comissão Europeia, SEC(2007) 1278/2, 10.10.2007. Ver Anexo B. 20 Esta abordagem parece, de resto, seguir a tendência mundial neste campo, da qual autores como Borgese têm feito apologia. Ver Borgese, 1999. 21 Comissão Europeia, COM(2007) 575 final, 10.10.2007, p 3, 2.º parágrafo; “Seja a que nível for, a compartimentação na elaboração das políticas e na tomada de decisões deixou de ser adequada. É necessário compreender as interacções e tê-las em consideração, é necessário desenvolver instrumentos comuns, identificar e aproveitar sinergias e evitar ou resolver os conflitos”. Vide Anexo A. 22 Comissão Europeia, SEC(2007) 1278/2, 10.10.2007 (Anexo B).
15
16
Segurança e defesa:
- vigilância das fronteiras marítimas;
- cooperação e partilha de
dados.
Relações Externas: - países 3.ºs; - vizinhos;
- liderança e afirmação EU nos fora
internacionais; - aumento visibilidade
marítima da EU. .
Economia: - desenvolv.º clusters e centros regionais de
excelência; - turismo sustentável e
de qualidade; - + info economia
mar;
Emprego marítimo: - formação e melhores
condições laborais; - carreiras, estabilidade;
- atracção melhores/ jovens;
- melhoria legislação;
Portos: - legislação ambiental;
- estímulo potencial turístico cidades
portuárias; - infra-estruturas.
Inovação: - investigação
científica; - desenv.
Tecnológico; - partilha boas
práticas e informação
Pescas: - protecção r. haliêuticos; - redução
devoluções e capturas
indesejadas; - red. práticas
destrutivas pesca
Energia: - recursos offshore;
- investigação; - investimento
no fim da dependência energética da
UE.
Transportes: - rede e
transportes marítimos; Ambiente:
- alt. climáticas; - melhoria condições
navios; inovação,
sofisticação.
- promoção DS; - poluição e fim de vida navios; - ord.º. espacial marítimo; - gestão i. zonas costeiras; -- novas técnicas: CCS.
POLÍTICA
MARÍTIMA EUROPEIA
2.2.2. A estrutura da Política Marítima Europeia
Sendo, como referido, uma política definida pela Comissão Europeia num domínio em
que os tratados não lhe conferem competência exclusiva (a não ser num pequeno
segmento desta23, como veremos), a capacidade de intervenção é necessariamente
limitada. Assente ainda no princípio da subsidiariedade, como exige a letra dos tratados,
a Política Marítima Europeia insere-se, pois, num domínio de intervenção por
justaposição, que visa complementar e auxiliar as acções dos Estados-membros nesta
matéria.
Embora em outras alturas da história da construção europeia o caminho para uma maior
integração se tenha trilhado desta forma, há que reconhecer as dificuldades do mesmo,
em particular numa área em que os Estados-membros têm interesses muito diversos. No
âmbito da referida abordagem integrada, a Comissão Europeia propõe-se utilizar
instrumentos políticos horizontais e transectoriais ou de coordenação das políticas
sectoriais existentes. Um dos objectivos da Comissão é conseguir, no domínio
marítimo, uma melhor regulamentação e por isso pretende avançar com três
instrumentos horizontais de planificação específicos: nos domínios da vigilância
marítima24, do ordenamento do espaço marítimo europeu25 e da informação26.
Se a primeira medida é, à partida, uma proposta que interessa a todos os Estados
comunitários, marítimos ou continentais, no sentido em que os efeitos nefastos de um
deficiente controle das actividades ilegais por via marítima repercutem-se em todo o
espaço comunitário e não apenas nos Estados costeiros onde efectivamente ocorrem
23 A conservação dos recursos biológicos do mar. 24 A Comissão pretende criar uma rede europeia de vigilância marítima, no âmbito da qual se propõe “promover o reforço da cooperação entre as guardas costeiras dos Estados-membros e os serviços adequados” e promover uma “maior interoperabilidade do sistema de vigilância, através da congregação dos actuais sistemas de vigilância e de localização utilizados para garantir a segurança marítima e a protecção do transporte marítimo, a protecção do ambiente marinho, o controlo das pescas, o controlo das fronteiras externas e outras actividades de fiscalização do cumprimento da legislação”. Comissão Europeia, COM(2007) 575 final, 10.10.2007, p 6 (Anexo A). 25 A Comissão Europeia pretende promover o ordenamento do espaço marítimo e a gestão integrada das zonas costeiras e, nesse sentido, propunha-se elaborar, ainda em 2008, “um guia para promover um maior ordenamento do espaço marítimo por parte dos Estados-membros”; idem, ibidem, p 7. Na verdade, o Roteiro para o Ordenamento do Espaço Marítimo: Definição de Princípios Comuns na UE [COM(2008) 791 final, 25.11.2008] foi lançado em 25 de Novembro de 2008. Sensivelmente na mesma altura, em Outubro de 2008, a Comissão produziu também um relatório sobre os aspectos legais do ordenamento do espaço marítimo [Vários, October 2008]. As recomendações para esta área são aguardadas no final de 2009. 26 Ainda em 2008, a Comissão pretendia encetar trabalho com vista “à criação de uma rede europeia de observação e de dados sobe o meio marinho” e promover “uma cobertura cartográfica multidimensional das águas dos Estados-membros, a fim de melhorar o acesso a dados de alta qualidade”; Comissão Europeia, COM(2007) 575 final, 10.10.2007, p 7. A consulta pública da proposta de criação da EMODNET [European Marine Observation and Data Network] terminou em Junho de 2009.
17
(embora o impacte seja muito maior nestes), as outras medidas não serão tanto de
interesse geral. A importância e atenção concedidas ao ordenamento do território
marítimo interessará sobretudo aos Estados costeiros, que daí poderão tirar maior
proveito, nomeadamente para o sector do turismo. Além disso, aqui coloca-se sobretudo
uma questão de falta de consciencialização para a importância de tal acção, mesmo nos
Estados costeiros, como poderemos verificar pela análise das políticas nacionais de
alguns países. E, neste domínio, a capacidade de intervenção da Comissão será de facto
limitada, na medida em que as suas orientações só poderão ser aplicadas por vontade
efectiva dos Estados.
Já no campo da informação e recolha de dados, a problemática coloca-se também no
domínio do interesse díspar dos Estados-membros neste investimento. Tal beneficiará
em particular a países com capacidade tecnológica e interesse na exploração e
conhecimento dos recursos do mar.
E, como também assinala a Comissão, a política marítima europeia necessita de uma
“sólida base financeira”27, o que ainda não é certo que esta política venha a ter,
particularmente num momento de dificuldades e instabilidade económica e financeira.
Assim, atentemos, em seguida, sobre as propostas da Comissão Europeia, de modo a
podermos avaliar do seu impacte e exequibilidade. Uma análise do Plano de Acção da
Política Marítima Europeia28 permite desde logo verificar o atraso na implementação de
algumas medidas, várias programadas para o ano de 2008. Este é, de resto, um problema
crónico, ao nível nacional e comunitário, que dificulta e pode mesmo comprometer o
sucesso da Política Marítima Europeia, bem como de outras.
Para efeitos da análise que pretendemos efectuar, utilizaremos o quadro de medidas que
consta do referido Plano de Acção29.
27 Idem, ibidem, p 4, último parágrafo. 28 Comissão Europeia, SEC(2007) 1278/2, 10.10.2007. 29 Idem, ibidem, pp. 37 a 42. (Anexo C)
18
MEDIDA NATUREZA INTERESSE
P/ EM
CAPACIDADE
DE
EXECUÇÃO
EFICÁCIA/
IMPACTE
GLOBAL
Actuação visando
a integração dos
assuntos
marítimos em
toda a EU
Orientadora/
Indicativa
Médio
menos;
Díspar
Difícil Elevada
Eliminação dos
obstáculos
legislativos
Orientadora/
Indicativa
Médio
menos;
Díspar
Difícil Elevada
Intercâmbio das
melhores práticas
Orientadora/
Indicativa
Médio; díspar Fácil Mediana
Actividades de
vigilância
Orientadora e
performativa
Elevado;
díspar (-)
Difícil (-) Muito
elevada
Ordenamento
espacial marítimo
e gestão integrada
das zonas
costeiras
Orientadora Médio alto;
díspar (+)
Difícil Muito
elevada
Rede Europeia de
observação e de
dados do meio
marinho
Orientadora Médio; díspar Mediana Mediana a
elevada
Desenvolvimento
de clusters
multissectoriais e
centros regionais
de excelência
marítima
Orientadora a
performativa
Elevado;
díspar
Difícil (-) Muito
elevada
Transporte
marítimo
Orientadora a
performativa
Muito
elevado;
Difícil Muito
elevada
19
díspar
Promoção do
emprego para
trabalhadores
marítimos
Orientadora a
performativa
Médio
menos;
Mediana Média alta
Qualificação dos
trabalhadores
marítimos
Orientadora Médio
menos; díspar
Difícil Elevada
Exclusão das
profissões
marítimas da
legislação social e
em matéria de
condições trabalho
na EU
Orientadora a
performativa
Médio
menos; díspar
Mediana Mediana
Política portuária Orientadora Média; dispar Difícil Elevada
Poluição
atmosférica por
navios
Orientadora a
performativa
Média menos;
díspar
Difícil Média alta
Desmantelamento
de navios
Orientadora Média menos;
díspar
Mediana Média alta
Acção relativa às
infra-ests. e
recursos
energéticos
baseados no meio
marinho
Orientadora Elevada;
díspar
Difícil Elevado
Acção p/
desenvolver
situação dos
pescadores no mar
Orientadora Média, díspar Mediana Média alta
Reforçar
abordagem
Orientadora Média, díspar Mediana Elevada
20
baseado nos
ecossistemas à
PCP
Política p/
eliminação
progressiva das
devoluções nas
pescas
Orientadora Média menos;
díspar
Mediana Média alta
Acção p/
eliminar pesca
ilegal
Orientadora Média alta;
díspar
Mediana Média
Acção no
âmbito das
práticas
destrutivas da
pesca
Orientadora Média menos;
díspar
Mediana Média alta
Investigação
marinha e
marítima
europeia
Orientadora Média alta;
díspar
Mediana Elevada
Disponibilização
info. s/ projectos
UE em regiões
costeiras e seu
financiamento
Orientadora a
performativa
Média baixa Fácil Média
Promoção da
participação de
regiões ultra-
periféricas e
ilhas
Orientadora Média, dípsar Mediana Mediana
Acções c/ vista
mitigação
efeitos
Orientadora
a
performativa
Médio alto;
mto díspar
Difícil Mto elevada
21
alterações
climáticas
Turismo
marítimo
sustentável
Orientadora Médio; díspar Difícil Elevada
Melhoria dos
dados
socioeconómicos
à disposição dos
sectores e
regiões
marítimas
Orientadora a
performativa
Média alta Mediana Média alta
UE nos fóruns
internacionais e
relação c/
parceiros
Orientadora a
performativa
Média baixa;
díspar
Difícil Elevada
Inclusão dos
objectivos da
PME no diálogo
c/ países 3.ºs q
partilham
mares de
dimensão
regional
Performativa Média baixa; Mediana/difícil Elevada
Relatório s/ ?s
UE Oceano
Ártico
Orientadora Média baixa;
díspar
Fácil Mediana
Acção p/
protecção do
alto-mar
Orientadora Baixa; díspar Difícil Elevada/mto
elevada
Dia Marítimo
Europeu,
relatório anual,
Performativa Mediano Fácil Baixa
22
prémios e
campanhas de
sensibilização
Atlas europeu
dos mares
Performativa Médio baixo,
díspar
Fácil Baixa
Disponibilização
de informação
ao público sobre
propostas da
Comissão
acerca assuntos
marítimos
Performativa Médio baixo Fácil Baixa
A análise do quadro acima permite retirar algumas conclusões gerais. A primeira é que
a maioria das medidas propostas pela Comissão Europeia são de natureza orientativa.
Tal nada tem de invulgar, uma vez que se aplica a esta política o princípio da
subsidiariedade e nos encontramos numa matéria de competência partilhada entre as
instâncias comunitárias e os Estados-membros, sobre a qual prevalece a soberania
destes últimos. Mas, se a este facto associarmos outros (como a disparidade de
interesses dos Estados-membros em relação aos assuntos do mar, os diferentes graus de
desenvolvimento, atenção política e de sensibilização pública relativamente a esta área,
nos diferentes países da União), verificamos que o impacte da PME, tendo em conta os
objectivos a que esta se propõe, pode ser reduzido. Por exemplo, é possível concluir,
pela observação do quadro acima, que grande número das acções em que a Comissão
apresenta de facto capacidade performativa tem um impacte global baixo. Outras
conclusões decorrentes da análise do referido quadro corroboram esta tese. Por
exemplo, é possível verificar que, na larga maioria dos casos, o interesse das medidas
para os diversos países da União Europeia é diferente. Sendo obviamente subjectiva30 e
generalista a classificação que aqui fazemos, esta é indicativa das dificuldades que se
apresentam à União nesta matéria. Não são, de resto, inesperadas, pois como veremos a
União apresenta hoje, além de um conjunto já vasto de 27 Estados, um equilíbrio entre
30 Neste caso, a nossa interpretação parte de dois pressupostos, que naturalmente podem alterar-se e evoluir: por um lado, a fraca autonomia e capacidade de acção da Comissão Europeia e, por outro, a dificuldade de conciliação de interesses ao nível do Conselho nesta matéria.
23
Estados continentais e Estados marítimos que torna mais difícil a assunção dos assuntos
marítimos como uma prioridade.
Já quando atentamos sobre a relação entre o nível de exequibilidade da medida e a sua
eficácia e impacte para o conjunto comunitário, verificamos que também esta correlação
é inversamente proporcional e desfavorável para a União e a sua política marítima. De
facto, as medidas de fácil execução são as que menor interesse têm para o alcance dos
objectivos da presente política, enquanto aquelas que realmente podem ser
determinantes, em termos da concretização da PME, são as de mais difícil
implementação.
Outro aspecto a ter em conta prende-se com o facto de os interesses dos Estados-
membros não serem, na generalidade, coincidentes com os interesses da União ou, pelo
menos, o interesse para o conjunto comunitário ser quase sempre superior à importância
para o país comunitário, a título individual.
Em suma, podemos concluir pela existência de dois tipos de incompatibilidades
genéricas – a incompatibilidade entre os interesses dos Estados-membros e os interesses
comunitários; e a incompatibilidade entre os meios disponíveis e a envergadura da
acção. A Comissão Europeia, como autora e promotora da Política Marítima Europeia,
tem a sua capacidade de acção fortemente limitada pela esfera de soberania dos Estados,
o que explica o facto de a maioria das acções concretas propostas serem de natureza
orientativa e visando, nomeadamente através de estudos e recomendações, o suporte às
decisões dos Estados. Estas revelam-se, por isso, débeis face aos objectivos que se
pretendem alcançar com a PME, em particular os de natureza política e geoestratégica.
É verdade que, conceptualmente, o facto de estarmos num domínio de competência
partilhada e de ser exigível uma tomada de decisão e de acção conjunta entre Estados e
União não constitui à partida uma limitação à prossecução aos objectivos genéricos da
Política Marítima Europeia. Mas, como veremos, na prática, os interesses individuais
dos Estados, bem como outros condicionantes, do tipo social e económico, colocam
vários entraves à prossecução dos referidos objectivos.
24
2.3. A PME versus outras políticas sectoriais da União Europeia
Em termos de enquadramento, consideramos relevante estabelecer, de um modo
genérico, um paralelo entre a Política Marítima Europeia e outras políticas sectoriais da
União Europeia, nomeadamente a Política Industrial, a Política Comum de Pescas e a
Política Agrícola Comum (PAC). Procederemos a uma breve descrição das principais
características e evolução destas políticas, procurando encontrar pontos de consonância
com a PME, com vista a tirar partido da experiência de implementação destas três
políticas, todas mais antigas do que Política Marítima Europeia. A identificação de
pontos comuns e de erros passados nas referidas políticas poderá constituir uma base
para a antecipação de alguns problemas ou obstáculos, que previsivelmente possam vir
a surgir no decurso da execução da PME.
2.3.1. A PME e a Política Comum de Pescas
Como veremos à frente, o objectivo de estabelecer um mercado comum de pescas
consta dos tratados fundadores e é corroborada por textos comunitários subsequentes31.
É, aliás, uma das razões da atribuição de competência exclusiva a uma ínfima parte da
PME (a conservação dos recursos biológicos do mar) e sempre esteve patente na
história da construção europeia, a par com outro objectivo igualmente difícil de cumprir
– o do estabelecimento de um mercado agrícola comum32. As primeiras medidas
comuns para a área das pescas surgiram em 1970 (com um acordo sobre a igualdade de
acesso dos pescadores da UE às águas de um Estado-membro, embora havendo
exclusividade para os pescadores nacionais nas zonas costeiras), tendo a Política
Comum de Pesca (PCP) nascido em 1983. Esta política sofreu uma reforma em 2002,
embora, como é do conhecimento geral, as questões das quotas de pescado e das
limitações impostas aos navios e embarcações tenham sido sempre, ao longo dos anos,
motivo de forte contestação social nos vários países-membros, e porventura a
explicação para o lento avanço nesta área.
31 A alínea e) do artigo 3.º do Tratado CE prevê o estabelecimento de uma “política comum no domínio da agricultura e das pescas e a Comunicação da Comissão ao Conselho de 27 de Outubro de 1992 [European Commission, SEC/92/1990 final, 27.10.1992] final utiliza a expressão “mercado comum de pescas”. 32 A expressão exacta “mercado comum para os produtos agrícolas”, intimamente ligada com o objectivo do mercado interno, surge no ponto 4 do artigo 32.º do Tratado CE.
25
Mais recentemente, a Comissão lançou, em Abril de 2009, o Livro Verde sobre a
Reforma da Política Comum de Pescas33, que se encontra em consulta pública até 31 de
Dezembro de 2009. Este documento aponta várias falhas à Política Comum de Pescas
até agora levada a cabo (criticando-se, nomeadamente, a falta de vontade política, a
abordagem de curto prazo e os deficientes processos de decisão, que não
responsabilizam a indústria pesqueira34). O presente Livro Verde apresenta como
preocupação dominante a sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a sua preservação,
continuando a abordar a questão da limitação das pescas35. Outro dado interessante
prende-se com o facto de, passados cerca de 50 anos desde os tratados fundadores, que,
como referido, já postulavam a intenção de se definir um mercado comum de pescas, a
Comissão continuar, hoje, a colocar a questão sobre se estas decisões (acerca dos limites
de pesca) devem ser inteiramente da competência dos Estados ou deverá haver lugar a
uma intervenção comunitária ou ao nível das regiões marinhas36. Este facto evidencia o
lento processo de integração que caracteriza a construção europeia e a PCP em
particular37 e também a sua inconstância, patente nos sucessivos avanços e recuos38.
Para compreender o ritmo lento e hesitante a que se tem processado a evolução no
domínio das pescas comunitárias importa também ter em atenção as evoluções paralelas
que se fizeram, em termos de acordos internacionais, nomeadamente os que levaram à
definição da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, que, ao estabelecer o conceito
de Zona Económica Exclusiva, assumia uma posição doutrinária contrária ao espírito
33 European Commission, COM(2009) 163 Final, 22.04.2009; Disponível em http://ec.europa.eu/fisheries/reform/docs/refrorm/com2009_0163_en.pdf (última consulta em 12.09.2009). 34 Idem, ibidem, p 8. 35 Sobre os principais objectivos da reforma da Política Comum de Pescas vide o discurso do Comissário para as Pescas e Assuntos Marítimos, Joe Borg, no Comité de Pescas do Parlamento Europeu; Borg, 01.09.2009, disponível em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/speeches/speech010909_en.html (última consulta em 12.09.2009). 36 Comissão Europeia, COM(2009) 163 Final, 22.04.2009, p 9, 4.º ponto do quadro apresentado; e p 15, 2.º ponto do primeiro quadro. 37 A Professora Maria Eduarda Gonçalves escrevia, já em 1981, sobre a paralisação que os Estados-membros, em virtude dos seus interesses múltiplos e concorrentes, terem vindo a dificultar a construção de um modelo comunitário de gestão dos recursos haliêuticos, citação que nos parece ainda actual nos dias de hoje. Vide Gonçalves, 1981, p 19. 38 As dificuldades de estabelecimento de um regime comunitário para as pescas e territórios marítimos dos Estados-membros fizeram-se sentir desde o início, como explica a Professora Maria Eduarda Gonçalves, não tendo sido possível ir mais além por incompatibilidade dos interesses dos então Estados-membros (no início das negociações apenas os seis fundadores), situação que se veio a tornar ainda mais complexa com a adesão, em 1970, de países com grandes interesses no domínio das pescas (nomeadamente o Reino Unido e a Dinamarca). Idem, ibidem, pp. 39 a 50.
26
comunitário39. Mas, seria também esta evolução internacional do direito do mar que
instigaria as Comunidades a forçar o estabelecimento de uma Política Comum de
Pescas40.
Seguidamente, importa fazer notar que, embora só a conservação dos recursos
biológicos do mar seja formalmente uma competência exclusiva da União, em relação
às pescas a posição da Comunidade tem sido ambígua. Na verdade, apesar de nunca se
ter concretizado a comunitarização desta área, a UE “concluiu acordos bilaterais de
pesca com determinados Estados e a Comissão participou, activamente, nas negociações
destinadas a rever as convenções que criaram as organizações haliêuticas regionais,
procurando que a CEE fosse autorizada a participar naquelas, como parte contratante”,
como assinala a Professora Maria Eduarda Gonçalves41.
Contudo, terá sido sobretudo a assinalável diferença de regimes, dependência e
dimensão dos sectores das pescas dos vários países-membros que explicará porventura
de forma mais cabal as dificuldades de evolução para uma gestão comunitária das
pescas42. Ora, esta mesma heterogeneidade se verifica em relação à Política Marítima
Europeia, o que, na nossa perspectiva, deverá constituir motivo de grande preocupação
e atenção, por parte das instituições comunitárias. Tal como aconteceu com o mercado
comum de pescas, a PME corre o risco de não passar de uma predisposição teórica,
postulada em papel, mas que efectivamente nunca será de facto e plenamente
concretizada (com a agravante de que a PME não constitui um objectivo postulado nos
tratados fundadores e directamente relacionado com a intenção primordial de
constituição plena do mercado interno). Sendo uma política partilhada/concorrente, tal
como a PCP, esta poderá vir a sofrer a mesma falta de “solidariedade” e de “coesão”
39 Idem, ibidem, pp. 77 e 78. A Professora Maria Eduarda Gonçalves assinala ainda que nenhum dos Estados-membros era excedentário em termos de recursos haliêuticos e todos tinham condições geográficas distintas e, consequentemente, problemas sociais, regionais e de dimensão diversa (uns tinham costas externas sobre o oceano, outros eram estados ribeirinhos de mares fechados ou semifechados). 40 Idem, ibidem, pp. 80 e 81. 41 Idem, ibidem, p 86, parágrafo 1.º. Ver também p 89. Como assinala a autora, a negociação de acordos externos entre países terceiros e a União fazia-se sempre no pressuposto de que cabia às Comunidades conservar os recursos biológicos dos seus mares. Contudo, a falta de acordo interno, ao nível comunitário, no domínio das pescas acabou por toldar a actividade externa da UE. 42 Idem, ibidem, p 141. Note-se que, já em 1981, tendo a Comunidade um número deveras mais reduzido de membros, a autora assinalava a diversidade dos problemas nos sectores nacionais da pesca. “Ora predominam as actividades costeiras, ora as actividades longínquas, ora meios tecnologicamente avançados, ora técnicas artesanais, e a importância da pesca, no conjunto das economias nacionais, varia de país para país”.
27
que se verificou na PCP, quando muitas das iniciativas da Comissão esbarraram na falta
de consenso no Conselho43.
Mas, se esta questão é relevante, não nos parece de menor importância o facto de o
estabelecimento desta política nos dias de hoje contradizer, em nosso entender, o
espírito da Política Marítima Europeia. Esta última baseia-se numa perspectiva holística
e integrada das questões marítimas, por contraposição à abordagem fragmentada e
multi-sectorial até recentemente preconizada. Ora, as pescas são uma parte fulcral e
inequívoca da política marítima. A própria PME dedica alguns capítulos às questões das
pescas, nomeadamente ao papel dos pescadores, à protecção dos recursos haliêuticos
(abordando especificamente as questões das devoluções, da pesca destrutiva e ilegal, da
necessidade de encontrar um enquadramento laboral adequado para os pescadores)44.
Outra questão abordada tanto na PME como no Livro Verde para a reforma da Política
Comum de Pescas é a aquacultura, exemplo de que poderá haver duplicação de esforços
desnecessária. Tal justificaria, em nosso entender, a integração da PCP na PME. É certo
que a tradição histórica da União Europeia em relação às pescas e o objectivo último de
construir um mercado comum de pescas explicam, por um lado, esta abordagem isolada
do assunto. Mas a evidência actual vai no sentido de demonstrar a vantagem da
abordagem integrada e sistémica dos assuntos do mar45. Esta visão é também a mais
consonante com o conceito de hypercluster marítimo europeu, que preconizamos e
apresentaremos mais à frente.
2.3.2. Política Marítima Europeia versus Política Agrícola Comum
O primeiro aspecto a ressaltar numa análise comparativa da PME e da Política Agrícola
Comum (PAC) é que esta última é porventura o maior exemplo da dificuldade de
estabelecimento de uma política comum em domínios onde os Estados-membros têm
interesses, preponderância e capacidade de acção muito diferentes. A PAC é uma das
mais importantes políticas da União, à qual foram e são alocadas um volume
considerável dos recursos comunitários (ainda em 2008, superava os 40% do orçamento
comunitário). Esta política é também uma das mais antigas ambições da construção
europeia. O artigo 33.º, ponto 1 do Tratado CE assume que a PAC tem por finalidade
43 Idem, ibidem, pp. 142 e 143. 44 Comissão Europeia, SEC(2007) 1278/2, 10.10.2007, pp. 14 e 15, 20 a 22. 45 Já em 1981 a Professora Maria Eduarda Gonçalves defendia a integração da Política Comum de Pescas, dado o seu carácter não autónomo, numa política mais abrangente, que designou como política comunitária do mar. vide Gonçalves, 1981, pp. 185 e 186.
28
“incrementar a produtividade da agricultura, fomentando o progresso técnico,
assegurando o desenvolvimento racional da produção agrícola e a utilização óptima dos
factores de produção, designadamente da mão-de-obra; assegurar, deste modo, um nível
de vida equitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento do rendimento
individual dos que trabalham na agricultura; estabilizar os mercados; garantir a
segurança dos abastecimentos; assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos
consumidores europeus”, nomeadamente mediante a organização comum dos mercados
agrícolas e o respeito pelos princípios fixados na Conferência de Stresa, em 1958:
unicidade dos preços, solidariedade financeira e preferência comunitária.
Como é patente, a generalidade destes objectivos está por cumprir, na actualidade.
Considera-se cumprido o objectivo primeiro da PAC, de garantir a auto-suficiência da
UE em termos de produtos agrícolas, mas rapidamente se tornou necessário lidar com
outros problemas, como a criação de excedentes da produção agrícola europeia. A PAC
sofreu, por isso, sucessivas reformas (em 199246, a reforma MCSharry; no ano 200047 a
Agenda 2000; e uma última reestruturação deste instrumento político foi acordada em
200348). As alterações produzidas pela reforma da PAC em 2003 podem ser sintetizadas
em: um pagamento único por exploração para os agricultores da UE,
independentemente da produção; a subordinação deste pagamento ao respeito por
normas em matéria de ambiente, segurança dos alimentos, saúde animal e vegetal e
bem-estar dos animais (“ecocondicionalidade”); uma política de desenvolvimento rural
reforçada, através de uma redução dos pagamentos directos às grandes explorações a
fim de financiar a nova política na matéria (“modulação”); um mecanismo de disciplina
financeira para limitar as despesas de apoio ao mercado e as ajudas directas entre 2007-
2013. A reforma compreende ainda uma revisão da política de organização comum dos
mercados da PAC (o tabaco, o lúpulo, o algodão, o azeite e o açúcar)49. Em Agosto de
2009 encontrava-se em fase de finalização a reforma do mercado do vinho50.
Após a reforma de 2003, têm vindo a ser preconizadas alterações pontuais à PAC. O
“exame de saúde à PAC”, realizado em Novembro de 2008, permitiu alcançar, no
Conselho, uma série de acordos em torno de diversas áreas. Entre as mudanças
resultantes destes acordos contam-se a alteração do regime de quotas leiteiras, com vista 46 Sobre esta reforma ver também Cunha, 2004, pp. 29 a 41, 46 a 60. 47 Idem, ibidem, pp. 83 a 132. 48 Idem, ibidem, pp. 133 a 183. 49 Ver definição de PAC no Glossário oficial da União Europeia, disponível http://europa.eu/scadplus/glossary/agricultural_policy_pt.htm (última consulta em 12.09.2009). 50 Regulamento 479/2008 do Conselho, de 29 de Abril de 2008.
29
à sua eliminação completa em 2015; a dissociação das ajudas, deixando a generalidade
das ajudas aos agricultores de estar ligadas a um determinado produto/produção; a
transferência da dotação das ajudas directas para o fundo de desenvolvimento rural;
eliminação do sistema de retirada de terras da produção, deixando de ser obrigatório o
regime de pousio vigente; a condicionalidade, estando as ajudas aos agricultores
dependentes do respeito das normas ambientais, qualidade dos alimentos e bem-estar
animal, entre outras51.
Duas características gerais do processo de evolução da PAC que importa ressaltar são o
atraso sucessivo na implementação de várias das medidas preconizadas (p. e., o alcance
das várias reformas da PAC foi sempre menor do que o inicialmente pensado) e, tal
como já verificado na PCP, o carácter intermitente, altamente politizado e inconstante
desta, derivada da própria natureza dialéctica do processo de construção europeia e do
facto de nos encontrarmos, também neste caso, num domínio de competência
partilhada/concorrente52.
Outra característica que importa assinalar são os elevados custos desta política,
sobretudo por comparação com os resultados alcançados53. Não obstante, é inegável que
esta política recebeu apoios financeiros muito avultados, o que, como assinala o Dr.
Arlindo Cunha, fez a PAC “beneficiar de uma situação verdadeiramente privilegiada”54,
sobretudo nas suas primeiras décadas de existência, algo de que duvidamos que a PME
venha a beneficiar.
Igualmente dominante neste processo é a heterogeneidade das condições de partida, ou
seja, as realidades agrícolas dos vários Estados-membros55 (uma vez mais, como
acontece na PCP e na PME), o que se traduziu em duras negociações no Conselho56,
posições e decisões desequilibradas para alguns países57, falta de solidariedade e de
equidade58, sobretudo derivada das posições dominantes da França e da Alemanha59.
51 Vide Health Check of the CAP, disponível em http://ec.europa.eu/agriculture/healthcheck/before_after_en.pdf (última consulta em 12.09.2009), e Regulamentos 72/2009, 73/2009 e 74/2009 do Conselho, de 19 de Janeiro de 2009, e Decisão 2009/61/CE, do Conselho, de 19 de Janeiro de 2009, disponíveis em http://eur-lex.europa.eu/JOHtml.do?uri=OJ:L:2009:030:SOM:PT:HTML (última consulta em 12.09.2009). 52 Cunha, 2004, pp. 13 a 23. 53 Idem, ibidem, ver gráfico e quadro p 23 e p 49, respectivamente. 54 Idem, ibidem, p 278. 55 Idem, ibidem, p 277. 56 Vide, p. e., idem, ibidem, pp. 76 e 77, pp. 121 a 125, pp. 145 a 151. 57 Veja-se a este propósito o valor do financiamento concedido por cada Estado-membro para a PAC. Idem, ibidem, p 98 (quadro). 58 Idem, ibidem, pp. 112 a 116. O autor explica as disparidades existentes no seio da PAC, em particular o desequilíbrio Norte/Sul, claramente favorável aos primeiros, pela natureza gradual do processo de
30
Assinale-se ainda o papel que as organizações profissionais ligadas ao sector tiveram na
modulação da PAC, ao longo das suas várias fases. A pressão que certos grupos
lograram fazer sobre os negociadores não foi despicienda, tendo produzido efeitos
práticos em vários momentos60. Esta experiência não deve ser descurada na
implementação da PME, até porque também neste sector os grupos profissionais e
demais organizações são em elevado número e deveras heterogéneos (cfr. pp. 164 e
165).
Além disso, a PAC foi influenciada pelo contexto internacional, com a integração dos
produtos agrícolas na Organização Mundial do Comércio a partir da Ronda do Uruguai
(em 1995)61, pela crescente internacionalização de vários bens agrícolas e, claro, pela
globalização, que evidencia e intensifica a forte concorrência dos Estados Unidos e das
potências emergentes com mão-de-obra barata e grandes produções agrícolas.
Um último traço que nos parece ser definidor da PAC é a sua imagem pública negativa,
em particular entre os sectores profissionais, traduzida nas inúmeras manifestações de
agricultores europeus62. O imobilismo, a resistência à mudança e a defesa da tese da
evolução na continuidade, que ditaram reformas em alguns aspectos limitadas, levaram
a que a PAC apresente ainda hoje deficiências por resolver63 64. Evitar esta carga
construção europeia e pelo facto de alguns alargamentos se terem verificado já depois do início da PAC. Contudo, assinala também que, pela posição dominante no Conselho dos países a quem o sistema vigente era favorável, e em particular devido à força do eixo franco-alemão, a PAC nunca assumiu a sua função redistributiva, que o autor considera constituir a sua lógica fundacional. Ver também pp. 261 a 263, sobre a solidariedade financeira, ou a falta desta, na PAC. 59 Idem, ibidem, p 149. 60 Vide, p. e., idem, ibidem, pp. 100 e 101; e p 163. 61 Idem, ibidem, pp. 192 e 193. 62 Não obstante o último Eurobarómetro sobre o que os europeus pensam da PAC, realizado no final de 2007 ser, no geral, favorável à acção da União nesta matéria verificamos que os inquiridos mostram-se sobretudo favoráveis às alterações introduzidas na reforma de 2003 (alteração do sistema de pagamento aos agricultores, novo sistema de preços, subvenções, preocupação com bem-estar animal, desenvolvimento rural, etc.). Relatório disponível em http://ec.europa.eu/agriculture/survey/fullreport_en.pdf (última consulta em 12.09.2009). 63 Cunha, 2004, p 230. O Dr. Arlindo Cunha aponta como falhas a falta de um maior equilíbrio do binómio rural-urbano (ver também pp. 247 a 261), uma melhor repartição dos apoios aos agricultores, produções, regiões e países e uma maior valorização da componente multifuncional da agricultura. O autor assinala igualmente que a agricultura europeia detém ainda, em algumas áreas, níveis de protecção elevados, o que terá de acabar de acordo com as regras do comércio internacionais, ao qual urge que a União se adapte, por forma a ser capaz de competir no sistema internacional altamente concorrencial. Vide também pp. 230 a 237. 64 O Dr. Santos Varela, por seu turno, assinala a necessidade de outro tipo de ajustamentos na PAC, que apontem, nomeadamente, para uma agricultura de precisão, mais ecológica e preocupada com o desenvolvimento sustentável, mas que em simultâneo tire partido da inovação tecnológica. O autor defende, por outro lado, um ajustamento conjuntural que seja capaz de conter as descidas “injustas” dos preços agrícolas e preconize um comércio justo, na linha de pensamento que tem em conta que a empresa agrícola europeia é essencialmente de carácter familiar e que a natureza descentralizada e regional da agricultura europeia constitui um importante factor de coesão social, económica e ambiental. Vide Varela, 2007, pp. 307 a 314.
31
negativa na PME parece-nos fundamental, até porque é já hoje fraca a consciência
marítima dos europeus.
Mas, importa ressalvar que houve de facto uma evolução na abordagem das questões
agrícolas, nomeadamente pela consideração destas numa perspectiva mais abrangente,
que tem em conta o carácter multifuncional da agricultura (começam a ser abordadas as
questões da segurança e qualidade alimentar, do bem-estar animal, do uso sustentável
do meio rural e da utilização dos solos rurais para fins não agrícolas). Estas
características enformam o novo modelo agrícola europeu (em evolução para o conceito
de política agrícola e rural comum), defendido por Arlindo Cunha65, que nos parece
estar em consonância com a abordagem holística e baseada nos ecossistemas que
verificamos estar na base do modelo teórico da Política Marítima Europeia.
2.3.3. A PME e a Política Industrial da UE
Ao analisarmos a PME e a Política Industrial verificamos dois vectores comuns às
mesmas: primeiro, a perspectiva de abordagem horizontal e integrada das questões
ligadas a cada uma das respectivas áreas; segundo, o facto de ambas serem estratégias
políticas destinadas a responder às mudanças e constrangimentos colocados à Europa
pela dinâmica da globalização.
Em relação ao primeiro ponto, no caso da Política Industrial da UE, tal é visível, por
exemplo, na Comunicação Aplicar o Programa Comunitário de Lisboa: Um
Enquadramento Político para Reforçar a Indústria Transformadora da UE – Rumo a
Uma Abordagem Mais Integrada da Política Industrial66 ou na Comunicação Alguns
Aspectos Fundamentais da Competitividade da Europa – Rumo a Uma Abordagem
Integrada67, de certo modo também já subjacente na primeira Comunicação sobre uma
Política Industrial na Europa Alargada, de 200268. Actuando, tal como a PME, num
domínio de competência não exclusiva69 70, a Política Industrial visa completar a acção
dos Estados-membros com medidas transectoriais dinamizadoras da indústria
65 Cunha, 2004, pp. 272 a 276. Ver também pp. 277 a 284. 66 Comissão Europeia, COM(2005) 474 final, 05.10.2005. 67 Comissão Europeia, COM(2003) 704 final, 21.11.2003. 68 Comissão Europeia, COM(2002) 714 final, 11.12.2002. 69 Artigo 157.º do Tratado CE. 70 O economista Jean-François Jamet atribui a dificuldade de criação de uma Política Industrial comunitária a questões de tradição, na medida em que coexistem regimes muito distintos, p. e., a França segue uma linha de apoio público à indústria e à investigação feita no seio ou para esta, enquanto a Alemanha assume esta visão intervencionista de forma mais moderada e países de tradição liberal, como o Reino Unido e a Irlanda, tendem a rejeitar esta política. Vide Jamet, 16 Janvier 2006, pp. 3 e 4.
32
comunitária, em áreas como o combate à contrafacção e a defesa dos direitos de
propriedade intelectual; acessibilidade ao mercado e competitividade das empresas;
energia e questões ambientais; simplificação legislativa; melhoria das qualificações de
vários sectores; gestão das mudanças estruturais necessárias ao nível da indústria
europeia; e investir na investigação e tecnologias.
A Política Industrial assenta as suas bases nos pressupostos do cumprimento da
Estratégia de Lisboa (e também dos objectivos definidos na Cimeira de Gotemburgo,
em 2001) e do desiderato último da conclusão plena do mercado interno comum. Estes
são, de um ponto de vista genérico, também pontos de consonância com a PME.
O outro aspecto em comum entre as duas políticas é, como referido, o facto de ambas
terem como objectivo final responder aos desafios colocados pela emergência de novos
mercados e economias altamente competitivas, nomeadamente na China e na Índia, em
suma, permitir à Europa adaptar-se às novas condições do mundo globalizado em que
vivemos71.
As questões ambientais, energéticas, as alterações climáticas e o desenvolvimento
sustentável são também preocupações de ambas as políticas, denotando uma crescente
sensibilização dos agentes políticos da União Europeia para estes problemas,
verdadeiramente globais e transversais.
Por outro lado, dada a multiplicidade de sectores/subsectores abrangidos pela Política
Industrial, também nesta área, e tal como na PME, a acção transectorial tem sido
complementada por iniciativas dirigidas a subsectores específicos, como sejam os da
indústria farmacêutica, da indústria química, a produção aeroespacial, a área da
biotecnologia ou das tecnologias da comunicação e informação, entre outras.
Igualmente um ponto de encontro entre as duas políticas (embora neste caso apenas
mais no sentido revelador de que a PME segue apenas um caminho consistente e já
experimentado) é o facto de o conceito de cluster ser também aplicado na Política
Industrial para alguns subsectores, como seja o da indústria aeroespacial e da própria
indústria marítima. Entendemos, contudo, que na PME seria mais adequado a aplicação
do conceito de hypercluster, conforme explicaremos adiante, e que o fomento da
organização em cluster (ou hypercluster) não recebe, na Política Marítima Europeia, a
importância devida (cfr. 79 a 86 e 131).
71 Wijnolst, 2006; p 12. Ver também, a propósito dos objectivos de adaptação à globalização da Política Industrial da União Europeia, as comunicações da Comissão Europeia COM(2002) 714 final, 11.12.2002; COM(2004) 274 final, 20.04.2004.
33
Salientamos que o estabelecimento de um paralelo entre estas duas políticas da UE é
importante, tendo em conta as semelhanças acima descritas, pelo estádio de
implementação mais avançado da Política Industrial. Tal poderá permitir tirar algumas
conclusões, sendo uma delas desde logo a relevância de se efectuarem avaliações
intercalares à aplicação da estratégia delineada, como a que foi feita à Política Industrial
em 200772. De notar que esta análise intermédia concluiu que se registaram “progressos
significativos”73 na maioria das iniciativas lançadas em 2005, que muitas destas já
surtiram efeito e que, “em suma, os desenvolvimentos económicos recentes e as
experiências e resultados relativos aos pilares essenciais da Política Industrial de 2005
demonstram que não há necessidade de introduzir nenhuma mudança fundamental nesta
política”74. Não obstante, os relatores da referida avaliação também alertam para novas
realidades e desafios e estabelecem uma nova tabela de prioridades em relação às
iniciativas previstas em 2005. “Embora o modelo geral da Política Industrial de 2005
ainda se afigure apropriado, alguns desafios persistem e outros ganharam nova
importância. A globalização, a evolução tecnológica e as alterações climáticas
pressionam a nossa economia do ponto de vista da competitividade, obrigando-a a
adaptar-se”75, alertam os autores do relatório da Comissão Europeia.
Para além da avaliação feita pelas instâncias oficiais, importa também atentar sobre a
análise feita por peritos externos, como Jean-François Jamet, que assinala a perda de
competitividade da indústria europeia, por comparação à norte-americana. Na opinião
deste economista, tal fica a dever-se ao fraco desenvolvimento do sector das altas
tecnologias na Europa. A mesma perda de preponderância verifica-se na área da
investigação, nomeadamente da investigação aplicada, verificando-se aqui já países
emergentes como a China, a ganhar relevância neste domínio76 (como veremos à frente
não é só nestas áreas que a União está a perder competitividade, quer para os EUA quer
para as potências emergentes, o que deverá ter reflexos gravosos no desenvolvimento da
economia do mar, mas também da economia europeia em geral, com forte impacte no
bem-estar social e no padrão de vida dos cidadãos comunitários). O autor aponta ainda
várias “falhas” na acção da União em matéria de Política Industrial, mas, para efeitos da
72 Comissão Europeia; COM(2007) 374 final de 04.07.2007. Esta pode ser consultada em http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!DocNumber&lg=pt&type_doc=COMfinal&an_doc=2007&nu_doc=374 (última consulta em 12.09.2009). 73 Idem, ibidem, p 5. 74 Idem, ibidem, p 7. 75 Idem, ibidem. 76 Jamet, 16 Janvier 2006, p 2.
34
presente tese, destacamos apenas duas que nos parecem particularmente relevantes: a
desadequação do orçamento atribuído à investigação nesta área face às necessidades
perspectivadas, e a previsível falta de apoio político, por parte do Conselho, a algumas
acções da Comissão77. Estes são dois problemas que previsivelmente se poderão vir a
colocar no quadro de execução da PME, pelo que lhes damos particular ênfase.
Igualmente pertinente parece-nos a observação feita pelos autores Carlos Balsas e John
R. Mullin, para quem “a definição e implementação de uma Política Industrial comum
na União Europeia enfrenta algumas dificuldades até porque, tradicionalmente, as
políticas económicas se baseavam sobretudo na premissa de que os diferentes Estados-
membros competiam entre si (como se de empresas se tratassem) e o crescimento
económico se centrava na captura dos mercados vizinhos”. No entanto, continuam os
autores, é “importante acentuar que à medida que a UE consolidar a sua integração, os
Estados-membros terão, sobretudo, que aprender a equacionar e resolver problemas em
conjunto”78.
No sector marítimo, há vários subsectores, sobretudo em alguns países, com grande
capacidade de exportação e fortemente internacionalizados. Contudo, é notória esta
visão concorrencial de lógica interna noutros subsectores, como por exemplo o dos
portos, onde a referida visão de conjunto e uma lógica de concorrência
internacional/extracomunitária seriam porventura mais adequadas.
77 Idem, ibidem, p 7. 78 Balsas e Mullin, 2000, p 95.
35
2.4. Aspectos conceptuais
A leitura do documento da Política Marítima Europeia permite perceber que a Comissão
defende uma actuação generalista, baseada em instrumentos transversais de
planeamento e orientação, em linha de conta com os seus poderes de actuação nesta
matéria. De assinalar o esforço de planificação concreta, com datas e objectivos bem
definidos, que embora em alguns casos não sejam exequíveis no tempo previsto,
revelam uma preocupação em levar, de facto, à prática o modelo teórico definido. Outro
aspecto importante, em termos conceptuais, é a proposta de avaliação das medidas, uma
vez implementadas, bem como o esforço de audição sistemática dos envolvidos, desde
sempre chamados a participar neste processo, de resto como vem já sendo hábito no
modus operandi da Comissão Europeia.
Como já referido, verificamos que esta política defende uma abordagem integradora e
intersectorial, baseada nos ecossistemas, o que pressupõe uma visão global, por
contraposição à visão parcelar até agora em voga, mais coincidente com a própria
natureza dos oceanos e mares79.
Neste sentido, apenas nos parece limitador o facto de se utilizar e defender nesta política
o conceito de cluster marítimo, quando na verdade julgamos mais consonante com a
natureza desta área o conceito de hypercluster80, em particular porque falamos da
Europa e de um conjunto de países e não de um território ou país individual. Este é, na
nossa óptica, um conceito mais abrangente, em linha de conta com os restantes, que
definem em termos conceptuais a Política Marítima Europeia (abordagem integradora e
intersectorial, baseada nos ecossistemas) e mais condizente com uma matéria que inclui,
na verdade, múltiplos subsectores (p. e., armadores, estaleiros, fabricantes de
componentes, autoridades portuárias, companhias de serviços, instituições de
investigação, instituições de formação, autoridades nacionais, organizações de
79 No documento sobre o impacte da Política Marítima Europeia, encontramos a justificação para esta mudança estrutural ao nível da abordagem dos assuntos do mar. “A grande maioria dos interessados está de acordo quanto ao facto de a União Europeia não poder continuar a gerir a sua política para os oceanos e mares através de uma série de políticas sectoriais estanques. O processo de tomada de decisão é lento, as sinergias potenciais não são aproveitadas e ninguém dispõe da autoridade necessária para resolver conflitos intersectoriais, fazer face aos efeitos cumulativos ou ter uma visão de conjunto. O comércio comunitário e a competitividade dos portos da União Europeia encontram-se ameaçados pela extrema lentidão do processo de planeamento, o crescimento intensivo e rápido das actividades económicas nas regiões costeiras e no mar põem em perigo o ambiente marinho, os europeus estão a abandonar as profissões marítimas, os dados recolhidos sobre o ambiente marinho, as actividades marítimas de origem humana e a saúde da economia costeira são fragmentados e em grande medida inacessíveis (...)”; Comissão Europeia, SEC(2007) 1280, 10.10.2007, p 2. Vide Anexo C. 80 A explanação deste conceito e a justificação para a sua utilização, em detrimento do conceito de cluster, é feita na p 133 da presente tese.
36
comércio, entre outros), diversos sectores (p. e., pescas, turismo, construção naval,
indústrias ligadas ao mar, etc.) e é ainda transversal a várias nações e áreas (economia,
ambiente, finanças, entre outras). A análise das políticas marítimas nacionais de vários
países, que apresentamos na terceira parte da presente tese, elucida-nos sobre a
diversidade destas e aponta, justamente por isso, para a necessidade de se aplicar, no
caso europeu, um conceito mais abrangente que o de cluster. Em nosso entender, a
implementação da Política Marítima Europeia pode ser um primeiro passo importante
no sentido da criação de um hypercluster marítimo europeu, contudo, tal exige que a
própria lógica preconizada (de vários clusters regionais e multissectoriais e não de um
grande e único hypercluster do mar europeu) seja alterada. Por outro lado, como
assinalam vários autores81, diversos factores, nomeadamente a capacidade de integração
das empresas europeias, serão determinantes para o sucesso deste hypercluster.
Acrescentaríamos que, no caso vertente, o empenhamento político dos vários Estados-
membros da União Europeia será igualmente determinante. As vantagens da
organização em cluster serão apresentadas de forma mais detalhada à frente (cfr. 79 a
83).
81 Como por exemplo, Porter, Wijnolst, Jenssen e Sødal.
37
2.5. A Política Marítima Europeia – questões jurídicas específicas
Neste capítulo, pretende analisar-se a natureza jurídica da Política Marítima Europeia,
que, como já referido, é, na generalidade, de competência partilhada e implica a
aplicação do princípio da subsidiariedade na sua implementação. Este será porventura
um dos grandes obstáculos ao sucesso desta política, dada a diversidade de interesses
em jogo na União a 27.
Importa ainda perceber a evolução do “subsector” desta área que se inclui nos domínios
de competência exclusiva da União Europeia, como claramente estipula o Tratado de
Lisboa82. Há aspectos importantes e não totalmente claros, passíveis de gerar
conflituosidade na sua interpretação e aplicação, dado o potencial interesse dos recursos
em questão.
2.5.1. As questões marítimas nos tratados fundadores
O Tratado da Comunidade Europeia (CE) determina, logo no seu artigo 3.º, alínea e), o
estabelecimento de “uma política comum no domínio da agricultura e das pescas”.
Estamos, neste caso, a julgar pela letra do tratado, perante uma política comum e não
em face de uma competência exclusiva das comunidades europeias. Contudo, a
dificuldade em definir as fronteiras entre as competências dos Estados e das
comunidades, que sempre se verificou ao longo da história da construção europeia,
levou o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) a intervir por diversas
vezes. Foi esta instituição que clarificou o estatuto dos recursos biológicos do mar,
atribuindo a obrigação da sua conservação exclusivamente às Comunidades, através das
suas decisões83. É particularmente emblemático o caso que opôs a Comissão ao Reino
Unido, tendo o TJCE decidido84 que, terminado o período de transição, e de acordo com
o artigo 102.º do Acto de Adesão de 1972, o Reino Unido (tal como todos os Estados-
membros) não tem qualquer poder para agir unilateralmente no domínio da conservação
dos recursos biológicos do mar. O Tribunal baseia-se nos artigos 5.º85 e 7.º86 do Tratado
82 Dado ter já sido aprovado e em avançado estado o processo de ratificação do Tratado de Lisboa, decidimos considerar, para o presente trabalho, este texto, tendo em conta que se perspectiva que o mesmo seja o tratado enquadrador de toda a actividade da União no futuro próximo. 83 Ver acórdãos de 14.07.1976, Kramer et el/Ministério Público, TJCE, 3/76, 4/76 e 6/76, Rec. p. 1279; de 05.05.1981, Comissão/Reino Unido, TJCE, 804/79, Rec. p. 1045. Ver também Aviso do TJCE 2/91. 84 Acórdão disponível em http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEXnumdoc&lg=en&numdoc=61979J0804#SM (última consulta em 12.09.2009). 85 “Os Estados-membros tomarão todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do presente Tratado ou decorrentes de actos das instituições da Comunidade. Os Estados-membros facilitarão à Comunidade o cumprimento da sua missão. Os Estados-
38
CE, bem como no artigo 43.º, parágrafo 2.º, subparágrafo 387, e ainda na decisão do
Conselho de 25 de Junho de 197988, para determinar que “os poderes para adoptar,
como parte da política comum de pescas, medidas relativas à conservação dos recursos
do mar pertence total e definitivamente à Comunidade, não estando os Estados-
membros a partir de então mais autorizados a exercer poderes de conservação em águas
sobre a sua jurisdição”89. Mas já antes, em 1976, num caso despoletado por pescadores
holandeses devido ao facto de o Governo lhes ter imposto limites à pesca ao abrigo de
um outro acordo internacional (a North East Atlantic Fisheries Convention), o TJCE
alegou, com base no artigo 210.º90 do Tratado CE, e no Acto de Adesão de 1972 (artigo
102.º) que os Estados-membros não poderiam tomar medidas que limitassem de alguma
forma a actuação da Comissão ou desrespeitassem as disposições dos tratados
comunitários91. Além disso, o Tribunal determinou que os Estados-membros devem
facilitar a participação da Comissão em tais acordos internacionais92.
Em suma, como explica Joel Rideau, algumas competências exclusivas terão sido
atribuídas às Comunidades através de uma interpretação construtiva dos tratados
fundadores feita pelo TJCE, baseando-se na obrigação de agir das instituições
comunitárias, encarada como uma obrigação de resultado93. Nestes casos, e tal como
terá acontecido com a conservação dos recursos biológicos do mar, os Estados deixam
de estar autorizados a intervir nesses domínios a partir do momento em que entram em
vigor os tratados ou que expira o período transitório (ou o período derrogatório especial,
quando existe) disposto no Acto de Adesão do Estado-membro.
O mesmo autor acrescenta que houve várias tentativas para definir de forma clara,
nomeadamente no Tratado da União Europeia, as competências exclusivas e as
membros abster-se-ão de tomar quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do presente Tratado”. 86 “No âmbito da aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. O Conselho, sob proposta da Comissão, e após consulta da Assembleia, pode adoptar, por maioria qualificada, toda e qualquer regulamentação tendo em vista proibir estas discriminações”. 87 “O Conselho, sob proposta da Comissão, e após consulta da Assembleia, deliberando por unanimidade durante as duas primeiras fases e, daí em diante, por maioria qualificada, adoptará regulamentos ou directivas, ou tomará decisões, sem prejuízo das recomendações que possa formular”. 88 Versa sobre medidas provisórias acerca das quotas de pesca permitidas aos Estados-membros. 89 Acórdão de 05.05.1981, Comissão/Reino Unido, TJCE, 804/79, Rec. p. 1045, sumário, ponto 1. 90 “A Comunidade tem personalidade jurídica”. 91 Acórdão de 05.05.1981, Comissão/Reino Unido, TJCE, 804/79, Rec. p. 1045, sumário, ponto 4. Disponível em http://eurlex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEXnumdoc&lg=en&numdoc=61976J0003 (última consulta em 12.09.2009). 92 Idem, ibidem, Summary, ponto 3. 93 Rideau, 1999, p 473, 3.º parágrafo.
39
competências partilhadas, mas só muito recentemente tal veio a ficar disposto na letra
de um tratado94.
Anteriormente, as competências exclusivas da União apenas foram elencadas numa
Comunicação da Comissão ao Conselho de 27 de Outubro de 199295. Nestas constava a
“conservação dos recursos da pesca”, com base no referido artigo 102.º do Acto de
Adesão de 1972, e tendo em vista o estabelecimento de um mercado comum de pescas,
à semelhança do preconizado para a agricultura. Neste documento, a Comissão
reconhece que não é fácil definir as fronteiras entre competências exclusivas e
competências partilhadas, mas justifica a consideração destas seis áreas96 como
atribuições exclusivas das Comunidades com o conceito basilar da liberdade de
circulação e com o objectivo último da construção do mercado interno comum97.
2.5.2. A Política Marítima Europeia e o Tratado de Lisboa
É, pois, no Tratado de Lisboa98 que as políticas de competência exclusiva da União
Europeia ficam bem definidas e devidamente elencadas. São cinco as áreas de
competência exclusivamente comunitária, de resto uma “herança” do Tratado que
instituiria uma Constituição para a Europa, que não chegou a entrar em vigor, como é
do conhecimento geral.
De acordo com o título I do Tratado Reformador, intitulado “As categorias e os
domínios de competências da União”, e mais concretamente com o ponto 1 do artigo 2.º
“Quando os Tratados atribuam à União competência exclusiva em determinado
domínio, só a União pode legislar e adoptar actos juridicamente vinculativos; os
próprios Estados-membros só podem fazê-lo se habilitados pela União ou a fim de dar
execução aos actos da União”99.
Assim, e já de acordo com o artigo 3.º do novo tratado, a União detém competência
exclusiva em cinco domínios: “a) União aduaneira; b) Estabelecimento das regras de 94 No Tratado de Lisboa, se este vier a entrar em vigor. 95 Comissão Europeia, SEC/92/1990 final, 27.10.1992, p 7; disponível em http://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=188978:cs&lang=pt&list=188860:cs,188978:cs,188975:cs,188974:cs,188964:cs,&pos=2&page=1&nbl=5&pgs=10&hwords (última consulta em 12.09.2009). 96 A remoção de barreiras para a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais; a política comercial comum; regras gerais de concorrência; a organização de um mercado agrícola comum; a conservação dos recursos da pesca; elementos essenciais da política de transporte. 97 Comissão Europeia, SEC/92/1990 final, 27.10.1992, pp. 8 e 9. Nestas assinala-se que a exclusividade atribuída a certas áreas não se deve à área em si, mas ao imperativo da liberdade de circulação, não sendo por isso uma tentativa de ocupação do terreno nacional, por parte do legislador comunitário. 98 Vide nota de rodapé 82. 99 Este artigo tem exactamente a mesma redacção que o equivalente do chamado Tratado constitucional, o n.º1 do Artigo I-12.º.
40
concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno; c) política monetária
para os Estados-membros cuja moeda seja o euro; d) conservação dos recursos
biológicos do mar, no âmbito da política comum de pescas; e) política comercial
comum”.
No ponto 2 deste mesmo artigo, o Tratado determina que “a União dispõe igualmente de
competência exclusiva para celebrar acordos internacionais quando tal celebração esteja
prevista num acto legislativo da União, seja necessária para lhe dar a possibilidade de
exercer a sua competência interna, ou seja susceptível de afectar regras comuns ou de
alterar o alcance das mesmas”.
O Tratado de Lisboa elenca ainda os domínios em que a UE tem competência partilhada
com os Estados-Membros, no ponto 2 do artigo 4.º. A lista é, neste caso, mais extensa e
inclui áreas que, directa ou indirectamente, estão relacionadas com a Política Marítima
Europeia, tais como ambiente, energia, transportes, redes transeuropeias, investigação e
desenvolvimento tecnológico. Destacamos, no entanto, a alínea que, para efeitos do
nosso trabalho, mais interessa: a d) agricultura e pescas, com excepção da
conservação dos recursos biológicos do mar.
Verificamos, pois, que a competência exclusiva da UE no âmbito da futura política
marítima europeia será muito limitada. Na verdade, apesar de haver uma longa tradição
na UE, de tratar as questões da pesca em conjunto, e de logo nos tratados fundadores e
nos actos subsequentes que concederam carácter exclusivo aos recursos biológicos do
mar haver subjacente a intenção de se passar para o domínio supra-estadual o mercado
das pescas100, parece evidente que os Estados resistem em passar essa matéria apenas
para o nível comunitário, de resto como tem acontecido com o mercado agrícola
comum, que é igualmente uma pretensão antiga.
Porventura, as dificuldades em alcançar consenso ao nível da política das pescas podem
ser semelhantes às que se virão a verificar na implementação da Política Marítima
Europeia, se tivermos em consideração que os interesses em causa são semelhantes e os
meios de acção ao alcance das instituições comunitárias débeis.
100 Note-se que a referida Comunicação da Comissão sobre o princípio da subsidiariedade [European Commission, SEC/92/1990 final, 27.10.1992] define como competência exclusiva “a conservação dos recursos da pesca (artigo 102.º do Acto de Adesão de 1972) e a organização comum do mercado das pescas por analogia ao da agricultura”.
41
2.5.2.1. Matérias de competência exclusiva
Da análise do texto do Tratado Reformador, verificamos, pois, que a alínea d), relativa à
“conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum de pescas”,
é a única competência exclusiva da UE que não tem uma ligação directa ao objectivo da
construção do mercado interno e da União Económica e Monetária.
Numa interpretação mais lata, poderíamos considerar que esta área é do domínio supra-
estadual porque a União promove a coesão territorial e a igualdade entre os Estados,
pelo que havendo Estados que não dispõem de território marítimo e recursos biológicos
do mar, tornava-se essencial salvaguardar que o património, que no fundo a todos
pertence, é devidamente preservado. O próprio valor económico destes recursos pode
justificar esta opção política. Mas a evolução do direito do mar, ao nível mundial, tem
caminhado no sentido oposto, de conceder mais responsabilidade aos Estados sobre as
suas águas territoriais e inclusive sobre o fundo do mar. A UE e os seus países-membros
têm, em particular no quadro nas Nações Unidas101, acompanhado esta tendência, pelo
que seria estranho que internamente se adoptasse outra filosofia/estratégia.
Em suma, a razão para que esta área, e não outras afins, seja de competência exclusiva
da UE é essencialmente histórico-ideológica, estando intrinsecamente ligada aos
pressupostos basilares fundacionais da União Europeia. Prende-se, como vimos, não
com a sua natureza, mas com a sua implicação geral na concretização do objectivo da
liberdade de circulação e também, tendo em conta a argumentação do TJCE, a
necessidade de assegurar o respeito pelos princípios da igualdade e da não
discriminação.
2.5.2.2. Subjectividade do conceito de “recursos biológicos do mar”
Para além da questão acima referida, importa ainda ter em conta que poderá não ser
fácil delimitar o âmbito de acção da UE neste campo, atendendo à latitude da expressão
“recursos biológicos do mar”. Incluímos nesta campo apenas os recursos piscícolas ou
também as algas e demais espécimes marinhas, que já hoje, e porventura ainda mais no
futuro, são matérias-primas importantes para a biomedicina e a farmacologia? Importa
também saber se os hidrocarbonetos, os compostos gasosos, os minerais e as
nanopartículas, que são ou poderão vir a ser identificadas no ambiente marinho, são
101 Ver United Nations Organization, 10.12.1982; disponível em http://www.un.org/Depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf (última consulta em 12.09.2009).
42
considerados recursos biológicos do mar. A diversidade de elementos marinhos,
conhecidos e por conhecer, que podem ser designados recursos biológicos do mar
ilustra bem o potencial de subjectividade e de conflituosidade que este conceito encerra.
Na verdade, não foi possível, ao nível da documentação oficial das instâncias
comunitárias, encontrar uma definição do conceito, o que evidencia uma lacuna que
poderá revelar-se gravosa no futuro. Na verdade, é preciso ter em conta que, como é
assinalado no próprio documento da Política Marítima Europeia, há já hoje sinais que
perspectivam um grande potencial para áreas e recursos do mar que actualmente não são
bem conhecidos pela ciência. É o caso dos hidrocarbonetos, de algumas algas ou de
componentes específicos destas, que podem mostrar-se promissores, por exemplo, na
produção de fontes de energia limpas. Se esta perspectiva se vier a concretizar
estaremos perante um recurso de elevadíssimo valor económico, que os Estados
quererão porventura controlar e explorar a título individual, como já hoje acontece com
o petróleo e o gás. Ora, se o conceito de recurso biológico do mar não estiver devida e
atempadamente definido, poderemos vir a presenciar uma contenda entre as instituições
comunitárias e os Estados-membros, pela soberania e poder sobre esses mesmos
recursos.
Uma interpretação restritiva do mesmo levaria a encarar os recursos biológicos do mar
como apenas os peixes, tendo em atenção a letra do tratado. Este refere especificamente
como competência exclusiva da União a “conservação dos recursos biológicos do mar,
no âmbito da política comum de pescas”. Contudo, importa ter em conta que, em caso
de contencioso, caberá ao TJCE decidir sobre a latitude do conceito. E, como a
jurisprudência o prova, em muitas circunstâncias o Tribunal tem optado por fazer uma
interpretação construtiva das disposições dos tratados, favorável à Comissão102. Aliás, é
de salientar que as instituições deixam de utilizar a expressão “recursos da pesca”,
patente na Comunicação da Comissão SEC/92/1990 final, e adoptam a expressão
“recursos biológicos do mar” por influência do próprio Tribunal. Uma vez mais,
prevalece a interpretação construtiva do TJCE, dado que é esta a expressão utilizada
pelo Tribunal nos vários casos acima referidos, que determinaram a atribuição da
competência exclusiva à União no domínio dos recursos biológicos do mar. Na senda
deste histórico, também não seria despiciendo considerar a possibilidade de o TJCE vir 102 Sobre a interpretação jurisprudencial construtiva ver Rideau, 1999, pp. 501 e 502. Importa, no entanto, fazer notar também que há igualmente exemplos de interpretações restritivas por parte do TJCE, em relação aos poderes da Comissão, como o famoso caso Keck/Mithouard (Acórdão de 24.11.1993, TJCE C-267/91 e C-268/91) exemplifica.
43
a fazer uma interpretação construtiva do conceito de recursos biológicos do mar, tendo
em atenção que, à luz da referida comunicação da Comissão, estes são considerados
competência exclusiva não per se, mas porque a União tem por obrigação garantir as
liberdades fundamentais dos cidadãos da UE. Esta linha interpretativa poderia ainda
basear-se no pressuposto de que os tratados fundadores estabelecem o objectivo de
constituição de um mercado comum de pescas, o que presume e exige a conservação
dos recursos biológicos marinhos (e, aqui sim, todos e não apenas o pescado, na medida
em que todos são fundamentais ao equilíbrio do ecossistema).
Contudo, há autores que, baseando-se na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar e no estabelecimento das zonas económicas exclusivas (ZEE) efectuado no
seguimento desta, fazem uma interpretação mais restritiva dos poderes sobre os recursos
existentes nestas zonas. Veja-se, por exemplo J. Alveirinho Dias, que, a propósito de
Portugal (que detém uma das maiores ZEE da União Europeia), escreve que “de acordo
com as normas de direito internacional, Portugal tem direitos soberanos sobre a ZEE e
sobre a Plataforma Continental (no conceito jurídico) para prospectar e explorar,
conservar e gerir todos os recursos naturais vivos e não vivos, do fundo do mar e do seu
subsolo, e das águas sobrejacentes, bem como sobre todas as outras actividades que
tenham por fim o estudo e a exploração económica da zona, tais como produção de
energia a partir da água, das correntes e do vento”103. Interpretação semelhante da
Convenção das ONU faz Maria Eduarda Gonçalves, que fala quer em “soberania plena
dos Estados costeiros sobre um mar territorial” quer em “direitos soberanos de carácter
funcional” “para fins de exploração, gestão e conservação dos recursos” na ZEE
respectiva e na plataforma continental. De acordo com a autora, e à luz da referida
convenção, apenas são considerados comuns os fundos marinhos situados para além dos
limites da jurisdição nacional, a chamada Zona Internacional, onde, (e apenas aqui), os
recursos minerais são considerados património comum da Humanidade104. A autora
assinala ainda que, ao abrigo da referida convenção internacional, o Estado é soberano
até na autorização de projectos de investigação realizados por estrangeiros nas suas
águas, sendo legítimo que o faça em função da “satisfação dos interesses locais,
103 Dias, Outubro 2004, p 4. O autor salienta igualmente que Portugal detém o mesmo tipo de soberania (total) sobre os recursos minerais (onde se incluem os hidrocarbonetos) da área marítima sobre jurisdição nacional. Vide idem, ibidem, p 17. 104 Gonçalves, 1985, pp. 7 e 8.
44
utilizando o seu consentimento como instrumento da obtenção de contrapartidas nos
domínios económico e financeiro, científico e tecnológico105.
Importa ainda referir que a União Europeia ratificou a Convenção em Abril de 1998,
mas desde o início das negociações desta tentou marcar a sua posição, evitando a
designação ZEE e preferindo falar numa grande zona costeira comunitária, bem como
assinalando o seu papel na conservação dos recursos biológicos do mar, em nome e em
favor de todos os Estados-membros e de toda a Humanidade, malgrado a posição dos
seus Estados-membros também não ter sido unânime em relação ao estabelecimento do
conceito de ZEE106.
Assinalamos também os potenciais conflitos de interesse que poderão vir a existir
dentro da própria União, entre Estados-membros. Um exemplo desse facto é o caso do
estabelecimento da ZEE (que, por uma questão de evitar melindres com as instituições
comunitárias acabou por se designar zona ecológica e de protecção das pescas) da
Croácia e a oposição que, na altura, a UE demonstrou ao então Estado candidato a
membro da União, em grande parte por influência da Itália, principal potência no Mar
Adriático (e também da Eslovénia). Como explica Davor Vidas107, este exemplo
evidencia não só o conflito latente nos binómios direito internacional/direito
comunitário, poderes nacionais/poderes regionais e/ou comunitários, como ainda os
conflitos latentes potenciais entre Estados-membros que partilhem territórios marítimos
comuns. É de notar que este diferendo, que opôs a Croácia, a Itália e a Eslovénia
durante anos, apenas se resolveu porque a Croácia abdicou dos seus direitos plenos
sobre a sua zona marítima (dando condições especiais ao membros da União nesta), na
medida em que tinha um interesse maior: a entrada na União. Outro aspecto relevante a
salientar é a natureza e proporções políticas que o caso tomou, tanto ao nível da UE
como dos países em questão; e ainda o facto de, não obstante reconhecer a legitimidade
jurídica da Croácia em estabelecer uma ZEE e de afirmar claramente que nada de ilegal
havia nessa pretensão, ao abrigo do direito internacional e da Convenção da ONU sobre
105 Idem, ibidem, pp. 13 e 14. Embora estas considerações tenham sido escritas há mais de 20 anos, faz-se notar que pressupõem já o reconhecimento do enorme potencial económico por explorar dos oceanos. 106 Vide Gonçalves, 1981, pp. 67 a 72; 80 e 81. Ver também pp. 107 a 109, onde a autora refere a “Cláusula CEE” que a Comunidade fez questão de introduzir na Convenção, por forma a garantir os seus poderes sobre certos domínios. De notar, contudo, que a UE participa na Convenção apenas como uma parte especial, na medida em que só a pode cumprir parcialmente e que os Estados-membros da UE são também signatários da Convenção a título individual, porquanto existem diversas matérias objecto do referido texto da ONU que são da sua competência exclusiva. 107 Vidas, 10.12.2008.
45
o Direito do Mar, a União acabar por fazer prevalecer a sua posição, subjugando assim a
lei a critérios políticos.
Esta situação concreta levanta, do ponto de vista teórico, a problemática do primado do
direito internacional sobre o direito comunitário, por analogia com o primado do direito
comunitário sobre o direito nacional, que poderá muito bem colocar-se no quadro de
uma eventual futura disputa pelos recursos biológicos do mar. Aquele pode, não
obstante, ser limitado pelo chamado direito comunitário derivado. Esta questão é
abordada pela Professora Maria Eduarda Gonçalves, que defende que, se a UE se
constitui como parte da Convenção da ONU, o seu conteúdo assumirá a qualidade de
direito comunitário108.
Já Joel Rideau faz uma análise menos linear do problema em questão. O autor baseia-se
na jurisprudência do TJCE para assinalar a ambiguidade e complexidade da relação
entre o direito internacional e o direito comunitário, e a hierarquia subjacente109. Em
primeiro lugar, a situação varia, segundo o autor, em função de se tratarem de
convenções/acordos internacionais assinados pelos Estados-membros antes ou depois da
sua adesão à União. Ora, constata-se que há, em relação à Convenção das Nações
Unidas sobre Direito do Mar situações diferentes, (na generalidade, os Estados-
membros mais antigos ratificaram a Convenção da ONU após a sua adesão à UE e os
novos países-membros já faziam parte da referida Convenção quando entraram na
União). No caso de acordos concluídos antes da adesão à União, a sua aplicação rege-se
pelo artigo 307.º do Tratado CE110 111. No segundo caso, os Estados-membros têm de ter
em conta o acervo comunitário, e nomeadamente as competências que lhe pertencem
108 Gonçalves, 1981, p 93. 109 Rideau, 1999, pp. 199 a 234. 110 Este artigo tem a seguinte redacção: “As disposições do presente Tratado não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de Janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados que aderem à Comunidade, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados-membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro. Na medida em que tais convenções não sejam compatíveis com o presente Tratado, o Estado ou os Estados-membros em causa recorrerão a todos os meios adequados para eliminar as incompatibilidades verificadas. Caso seja necessário, os Estados-membros auxiliar-se-ão mutuamente para atingir essa finalidade, adoptando, se for caso disso, uma atitude comum. Ao aplicar as convenções referidas no primeiro parágrafo, os Estados-membros terão em conta o facto de que as vantagens concedidas no presente Tratado por cada um dos Estados-membros fazem parte integrante do estabelecimento da Comunidade, estando, por conseguinte, inseparavelmente ligadas à criação de instituições comuns, à atribuição de competências em seu favor e à concessão das mesmas vantagens por todos os outros Estados-membros”. No âmbito do Tratado de Lisboa, este artigo passa a ser o artigo 351.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 111 Sobre esta realidade, vide alguma jurisprudência conhecida em Rideau, 1999, pp. 212 a 216.
46
exclusivamente e as que são partilhadas com as Comunidades, quando assumem
responsabilidades no quadro de convenções internacionais112.
Do ponto de vista genérico, o TJCE tem permitido às Comunidades aplicar o princípio
do controle dos acordos internacionais, quer de forma directa (preventiva) quer indirecta
(a posteriori), ao abrigo do artigo 300.º do Tratado CE113. Contudo, como assinala
Rideau, ambas as situações são de difícil execução, em particular nos casos de controlo
indirecto, nomeadamente pelo disposto na Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. Não obstante, nestes casos, a União pode fazer uso do artigo 231.º do Tratado
CE, que prevê a possibilidade de anulação de um acto impugnado114.
Mas, uma vez mais, a jurisprudência não tem sido linear e, ao abrigo do ponto 7 do
artigo 300.º do Tratado CE115 o Tribunal tem considerado que os acordos internacionais
vinculam a União116.
Em resumo, face a todas as possibilidades interpretativas equacionadas, pode concluir-
se facilmente que a subjectividade do conceito “recursos biológicos do mar” e a
existência de acordos internacionais a que os Estados-membros e a União estão
vinculados podem tornar muito difícil a resolução de uma eventual disputa judicial pelo
poder sobre os referidos recursos.
112 Idem, ibidem, p 217. 113 No âmbito do Tratado de Lisboa, este artigo é substituído pelo Artigo 218.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, figurando com uma redacção ligeiramente diferente. 114 No Tratado de Lisboa, este passa a ser o artigo 264.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 115 Este ponto tem a seguinte redacção: “Os acordos celebrados nas condições definidas no presente artigo são vinculativos para as instituições da Comunidade e para os Estados-membros”. 116 Rideau, 1999, pp. 222 e 223. De notar, contudo, que, caso o Tratado de Lisboa venha a entrar em vigor, há algumas alterações neste campo. O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia dedica um capítulo aos acordos internacionais (Título V, que inclui os artigos 216.º a 219.º).
47
2.5.2.3. A PME enquanto competência partilhada
Face ao exposto, percebemos que a Política Marítima Europeia é, na sua quase
totalidade, uma matéria de competência partilhada, tal como, de resto, a maioria das
áreas vertidas nos tratados. Segundo Joel Rideau, este conceito deve ser entendido como
permitindo aos Estados-membros agir nas áreas e na medida em que a Comunidade não
exerceu as suas competências com vista a cumprir os objectivos dos tratados. O autor
acrescenta ainda que, em alguns casos, esta noção de competência partilhada não
implica uma substituição da Comissão pelo Estado, mas uma acção de
complementaridade ou paralela de uma e de outro. Esta última interpretação do conceito
de competência partilhada foi por diversas vezes aplicada pelo TJCE em matérias de
política externa e de segurança comum (PESC), nomeadamente no caso de acordos
internacionais117.
No Tratado de Lisboa consta uma Declaração sobre a delimitação de competências118
que dedica um parágrafo às competências partilhadas. Neste salienta-se que os Estados
podem actuar quando a União não o tenha feito ou tenha decidido não agir119.
Assim, e face a estas disposições, é notória a dificuldade de definir a esfera de acção de
cada actor (Estado-membro e União), o que nos leva ao pressuposto de que a execução
com sucesso da Política Marítima Europeia exige que os Estados-membros e a
Comissão Europeia estejam de acordo. Esta questão não é de menor importância,
atendendo a que a presente política pretende alterar procedimentos de forma estrutural e
toca muitas e diversas áreas, como já tivemos oportunidade de expor.
Além disso, de acordo com o definido nos tratados, e como veremos à frente, todas as
mudanças a operar nestas áreas terão de ser efectuadas aplicando o princípio da
subsidiariedade. Em suma, a acção da UE neste domínio passa essencialmente por
recomendar “aos Estados-Membros que dêem mais passos no sentido de adoptarem uma
abordagem mais integrada da governação, e convida-os a elaborarem as suas próprias
políticas marítimas integradas nacionais, com base numa série de princípios comuns e
117 Rideau, 1999, pp. 475 e 476. 118 Ver Conselho da União Europeia 2007 C 306/ 02, 17.12.2007, ponto 28, pp. 256 e 257. 119 Idem, ibidem. “Quando os Tratados atribuam à União competência partilhada com os Estados-membros em determinado domínio, os Estados-membros exercem a sua competência na medida em que a União não tenha exercido a sua ou tenha decidido deixar de a exercer. Esta última situação ocorre quando as instituições competentes da UE decidem revogar um acto legislativo, designadamente para melhor garantir o respeito constante dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. O Conselho, por iniciativa de um ou mais dos seus membros (representantes dos Estados-membros) e de harmonia com o artigo 208.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pode solicitar à Comissão que apresente propostas com vista à revogação de actos legislativos.”
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trabalhando em estreita cooperação com as respectivas partes interessadas, e sobretudo
as regiões costeiras”, como refere o Plano de Acção da Política Marítima Europeia120.
O seu papel, como se lê mais adiante no mesmo documento, caracteriza-se por emitir
“um conjunto de directrizes sobre os princípios comuns e o envolvimento das partes
interessadas nas políticas marítimas” e a elaborar posteriormente um relatório sobre as
acções dos Estados-Membros121. Na verdade, e ainda no mesmo texto da UE,
reconhece-se a necessidade de consenso alargado para que a Política Marítima Europeia
possa ser implementada122.
2.5.2.4. O princípio da subsidiariedade – constrangimentos
Atentemos, em primeiro lugar, na definição de princípio da subsidiariedade à luz dos
textos orientadores da União Europeia. Trata-se de um princípio123 segundo o qual a
União só deve actuar quando a sua acção seja mais eficaz do que uma acção
desenvolvida a nível nacional, regional ou local – excepto quando se trate de domínios
da sua competência exclusiva – estando intimamente ligado aos princípios da
proporcionalidade124 e da necessidade125.
Este conceito começou por ser introduzido, ainda que de forma ténue, pelo Acto Único
Europeu126, e acabou por ser consagrado de forma clara no Tratado da União
Europeia127. Como é sabido, o conceito foi introduzido como resposta aos receios de
alguns Estados-membros em relação à crescente assunção de poderes e funções por
120 Comissão Europeia, SEC(2007) 1278/2, 10.10.2007, p 6; disponível em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/pdf/ActionPaper/action_plan_pt.pdf (última consulta em 12.09.2009). 121 Idem, ibidem. 122 Idem, ibidem; “Uma política marítima para a Europa requer um acordo sobre várias disposições comuns a nível europeu. Esta política só concretizará as suas potencialidades se forem também adoptados acordos análogos pelos Estados-Membros, em linha com o princípio da subsidiariedade, para proporcionar uma melhor coordenação de todos os assuntos relacionados com o mar”. 123 Ver definição oficial no Glossário da União Europeia, em http://europa.eu/scadplus/glossary/subsidiarity_pt.htm (última consulta em 12.09.2009); ver também artigo 5.º do Tratado CE. 124 Determina que a actuação das instituições deve limitar-se ao que é necessário para atingir os objectivos dos tratados. Por outras palavras, a intensidade da acção deve estar relacionada com a finalidade prosseguida. Ver definição oficial no Glossário da União Europeia, em http://europa.eu/scadplus/glossary/proportionality_pt.htm (última consulta em 12.09.2009). 125 Determina que acção da União não deve exceder aquilo que seja necessário para alcançar os objectivos do Tratado. Ver referência a este princípio na definição do princípio da subsidiariedade, constante no oficial no Glossário da União Europeia, em http://europa.eu/scadplus/glossary/subsidiarity_pt.htm (última consulta em 12.09.2009). 126 Faz-se notar que embora anteriormente já outros tratados incluíssem a ideia, esta ainda não era designada como tal. Veja-se, p.e. o artigo 5.º do Tratado CECA, artigos 94.º, 95.º, 86 e 308.º do Tratado CE. 127 Artigo 2.º, último parágrafo, do Tratado da União Europeia. Este remete para o artigo 5.º do Tratado CE.
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parte das instituições comunitárias, nomeadamente da Comissão Europeia128. Para
alguns autores a sua introdução foi negativa, nomeadamente por ser um conceito
eminentemente político, pelas dúvidas de interpretação que gera e pela auto-limitação
do direito de iniciativa da Comissão Europeia que provocou em alguns momentos da
história da União129.
Estas questões levaram o Conselho e o Parlamento, em 1993, a adoptar a Comunicação
da Comissão sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade130, que viria a ser
anexada ao Tratado CE pelo Tratado de Amsterdão. Neste documento são definidos e
distinguidos os poderes da Comunidade, os poderes partilhados e as competências
exclusivas dos Estados, sendo apresentada, pela primeira vez, “listas” de competências e
é postulado que a acção da Comissão, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, deve
sempre ser norteada pela necessidade de acção e pelo princípio da proporcionalidade131.
Não obstante, a Comunicação também assinala que os tratados concedem aos Estados a
obrigação de facilitar a acção da Comissão e que o princípio da subsidiariedade não
pode ser uma limitação à capacidade de acção desta instituição comunitária.
Como bem se assinala no documento, a principal dificuldade de aplicação do princípio
em apreço ocorre nos domínios de competência partilhada. Para o efeito, a Comissão
propõe a realização de dois testes: o teste da eficiência comparada (verificação dos
meios, inclusive financeiros, aos dispor dos Estados para levar a cabo a acção) e o teste
do valor acrescentado (verificação da efectividade da acção da Comissão)132. No
referido documento salienta-se que tal avaliação é necessariamente imprecisa e por isso
é importante que seja complementada com outros instrumentos, aplicados em função da
sua adequação a cada uma das áreas em questão, como sejam medidas legislativas,
acções conjuntas, medidas de apoio ou complementares. Assinala-se, no entanto, que a
regulação por via legislativa deve ser utilizada apenas a título excepcional133, devendo
prevalecer as máximas “de minimis”, “do less, do better”, bem como a aplicação do
princípio da transparência e a prossecução de uma actuação descentralizada e mais
participada.
128 Rideau, 1999, p 505. 129 Idem, ibidem, pp. 514 a 516. 130 Comissão Europeia, SEC/92/1990 final, 27.10.1992. 131 Idem, ibidem, pp. 1, 4 e 5 do anexo. 132 Idem, ibidem, p 10. 133 Idem, ibidem, p 15, último parágrafo.
50
Já no Tratado da União Europeia modificado pelo Tratado de Lisboa o artigo dedicado
ao princípio de subsidiariedade é mais extenso e preciso134, remetendo mesmo para um
protocolo específico sobre a aplicação deste princípio e do seu “princípio-irmão”, o
princípio da proporcionalidade135, sugerindo a sua leitura uma preocupação em
salvaguardar os interesses e poderes dos Estados.
Não obstante os constrangimentos jurídicos, os autores da Política Marítima Europeia
acreditam que o princípio da subsidiariedade não será um entrave à implementação da
mesma. No documento em que são apresentadas as conclusões da consulta pública
levada a cabo na sequência do lançamento do Livro Verde sobre a Política Marítima
Europeia, os relatores comunitários sustentam a tese de que, dada a elevada participação
no processo de consulta e o grande interesse dos diversos intervenientes do sector na
existência de uma abordagem holística e integrada dos assuntos do mar, o princípio da
subsidiariedade não constituirá um problema. No documento afirma-se mesmo que
“subsidiariedade significa responsabilidade” e salienta-se que uma estratégia mais
centralizadora não seria bem aceite136.
134 Artigo 5.º da versão consolidada do Tratado da União Europeia, disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0013:0045:PT:PDF (última consulta em 12.09.2009). Tem a seguinte redacção: “A delimitação das competências da União rege-se pelo princípio da atribuição. O exercício das competências da União rege-se pelos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. 2. Em virtude do princípio da atribuição, a União actua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados-membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objectivos fixados por estes últimos. As competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados-membros. 3. Em virtude do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a União intervém apenas se e na medida em que os objectivos da acção considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo contudo devido às dimensões ou aos efeitos da acção considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União. As instituições da União aplicam o princípio da subsidiariedade em conformidade com o Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Os Parlamentos nacionais velam pela observância deste princípio de acordo com o processo previsto no referido Protocolo. 4. Em virtude do princípio da proporcionalidade, o conteúdo e a forma da acção da União não devem exceder o necessário para alcançar os objectivos dos Tratados. As instituições da União aplicam o princípio da proporcionalidade em conformidade com o Protocolo relativo à aplicação dos princípios de subsidiariedade e proporcionalidade.” 135 Protocolo Relativo à Aplicação dos Princípios da Subsidiariedade e Proporcionalidade e da Proporcionalidade disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2007:306:0150:0152:PT:PDF (última consulta em 12.09.2009). Este documento determina que, antes de propor um acto legislativo, a Comissão deve sempre proceder a “amplas consultas” e, aquando da apresentação da sua proposta, deve fundamentar a sua acção relativamente aos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. É dado um papel de relevo aos parlamentos nacionais na aplicação do princípio e são igualmente estabelecidas as condições segundo as quais os Estados-membros podem contestar a iniciativa de acção da Comissão ao abrigo dos referidos princípios, bem como os passos seguintes. Se por maioria de 55% do Conselho ou por maioria de votos expressos no Parlamento Europeu o legislador comunitário considerar que a proposta não respeita o princípio da subsidiariedade esta não pode ser prosseguida. 136 Comissão Europeia, COM(2007) 574 final, 10.10.2007, p 3. “Embora a noção de abordagem integrada seja amplamente consensual, há quem estabeleça uma distinção entre a abordagem e os instrumentos, apelando a que o desenvolvimento de uma abordagem integrada não leve a União Europeia a
51
Isto apesar de, num outro documento se admitir alguns constrangimentos derivados dos
múltiplos interesses em coexistência. No Livro Verde da PME, a União reconhece a
complexidade do assunto, ao dizer que a “natureza global dos oceanos faz com que as
relações entre países sejam, ao mesmo tempo, complementares e concorrenciais”. A
propósito acrescenta: “Esta aparente contradição é ilustrativa do motivo pelo qual a
natureza global dos oceanos representa um tão grande desafio para os decisores
políticos”137.
Outro desafio/constrangimento identificado é a “multiplicidade dos intervenientes”
existentes aos mais diversos níveis: comunitário, nacional, regional e local. Embora o
referido documento da UE não o identifique, acrescentaríamos um outro nível/tipo de
interveniente – o sectorial, já que muitas vezes são estes níveis de interesses que mais
dificultam uma abordagem global das questões dos oceanos e mares.
Em suma, concluímos, uma vez mais, que se verifica uma desproporcionalidade entre os
meios que a Comissão tem aos seu dispor (competência partilhada/princípio da
subsidiariedade/competência exclusiva sobre domínio reduzido e subjectivo da PME) e
os fins que pretende atingir (cinco objectivos da Política Marítima Europeia). Fazendo
alusão ao tradicional esquema dos pilares da UE, verificamos que apenas o domínio da
conservação dos recursos biológicos do mar pertence ao primeiro pilar (onde a
capacidade de iniciativa e de decisão dá à Comissão um papel de relevo e se torna mais
fácil a sua acção), sendo a larga maioria das restantes áreas da PME pertencentes aos
domínios de decisão intergovernamental, nos quais o peso decisório do Conselho é
particularmente relevante.
Esta mesma limitação é reconhecida pelo Professor Mário Ruivo, quando refere que
“cabe aos Estados-membros assegurar que os Assuntos do Oceano sejam reconhecidos
como uma das políticas estruturantes da União Europeia, intervindo de forma decisiva
nos órgãos da UE”138.
Importa ainda assinalar que a PME, enquanto política comum no domínio dos assuntos
marítimos, constitui, em si, um passo em frente no sentido da integração europeia.
Todavia, persistem dúvidas sobre a existência de meios capazes de permitir a sua plena
concretização. O princípio da subsidiariedade e o próprio facto de estarmos, na regulamentar ou centralizar demais. Numerosos são aqueles que não querem que uma política integrada venha a alterar as competências existentes”. 137 European Commission, COM(2006) 275 Final Volume II Annex, 070.06.2006, p 6. 138 Ruivo, Julho/Dezembro de 2006, p 59.
52
generalidade, num domínio de competência partilhada podem ser condicionantes da
Política Marítima Europeia, na medida em que limitam a actuação das instâncias
comunitárias. No entanto, como já vimos, uma actuação mais centralizadora não seria
bem aceite pelos Estados, para os quais tal significaria muito provavelmente uma perda
de soberania, na medida em que estamos a falar, em muitos casos, de territórios
nacionais, ainda que marítimos.
Consideramos, contudo, que em várias áreas marítimas a actuação ao nível da União
Europeia tem vantagens em relação à acção dos Estados isoladamente e por isso
julgamos que, se a UE conseguir evidenciar junto dos países-membros a vantagem desta
sua acção, haverá benefícios globais e a longo prazo para todos. Nos domínios da
segurança e defesa dos mares, da promoção da inovação e conhecimento e do combate à
poluição, por exemplo, (para não referir a questão mais importante, que será
desenvolvida à frente, da posição geoestratégica da Europa no novo sistema de relações
internacionais determinado pela globalização) a actuação ao nível comunitário apresenta
amplas vantagens. O principal problema residirá no interesse, díspar, para os diferentes
países-membros da União, destas questões e também da percepção política da
importância desta temática, em termos geoestratégicos, que provavelmente se fará
também em momentos diferentes por parte dos diversos chefes de Estado e de Governo
dos países-membros.
53
54
2.5.3. Cooperação reforçada e PME
Face aos limites que as condições actuais impõem à efectiva concretização da PME e
também tendo em conta as dificuldades conhecidas no cumprimento dos objectivos
traçados para as principais políticas comuns experimentadas no seio da União
(referimo-nos, em particular, à PAC e à Política Comum de Pescas) consideramos que
poderia ser útil a utilização de um outro dispositivo previsto nos tratados – a cooperação
reforçada.
O conceito de cooperação reforçada139 foi introduzido pela revisão acordada em
Amsterdão do Tratado da União Europeia, no que se refere à cooperação judiciária em
matéria penal, e também no Tratado que institui a Comunidade Europeia. Com o
Tratado de Nice operou-se uma evolução importante neste conceito, na medida em que
deixou de ser possível a um Estado-membro que não queira participar numa cooperação
reforçada bloquear a sua concretização. Com o Tratado de Lisboa o assunto passa a ser
referido no Título IV, artigo 20.º do Tratado da União Europeia. E embora assinale que
esta solução é adoptada como “último recurso”, o referido tratado admite-o quando o
Conselho considera que “os objectivos da cooperação em causa não podem ser atingidos
num prazo razoável pela União no seu conjunto”140. Na nossa perspectiva, tal poderá vir
a ser o caso em relação à Política Marítima Europeia. Considerando a experiência, de
modo genérico positiva, da cooperação reforçada ao nível da união monetária, e também
o facto de, à partida, ser possível cumprir os requisitos mínimos para o estabelecimento
de uma cooperação reforçada141, julgamos que esta proposta deve ser considerada. Em
particular países com um nível de desenvolvimento elevado do seu cluster marítimo
e/ou países com maior consciência da importância da economia do mar poderiam dar
um primeiro passo na constituição de um hypercluster marítimo europeu e de um
139 Ver definição oficial do conceito pela União Europeia em http://europa.eu/scadplus/glossary/enhanced_cooperation_pt.htm (última consulta em 12.09.2009). “A cooperação reforçada permite uma cooperação mais estreita entre os países da União que desejem prosseguir o aprofundamento da construção europeia, no respeito pelo enquadramento institucional da União. Os Estados-Membros interessados podem, assim, avançar com ritmos e/ou objectivos diferentes. No entanto, a cooperação reforçada não permite alargar as competências previstas pelos Tratados. Além disso, a cooperação reforçada só pode ser instaurada em último recurso, ou seja, quando se estabelecer no Conselho que os seus objectivos não podem ser atingidos, num prazo razoável, através da aplicação das disposições pertinentes dos Tratados.” 140 Tratado da União Europeia, Artigo 20.º, ponto 2. 141 Idem, ibidem. O tratado exige um mínimo de nove Estados disponíveis para encetar uma cooperação reforçada. Tendo em conta o número de Estados marítimos da União, julgamos que não deverá verificar-se uma grande dificuldade na reunião desse número mínimo de países.
55
espaço marítimo europeu sem barreiras. Os resultados económicos desta experiência142
poderiam, numa segunda fase, levar outros Estados a aderir. Tal abordagem teria a
vantagem de tornar mais fácil a concretização do hypercluster e do espaço marítimo
comum, dado o menor número de países, empresas e organizações envolvidas.
2.6. Génese e fundamento estratégicos
A Política Marítima Europeia começou a ser delineada durante a primeira presidência
da Comissão Europeia de Durão Barroso, que criou uma direcção-geral específica para
os assuntos dos mares143. Assim, só muito recentemente nasceu esta política, que apenas
em 2008 iniciou de facto a sua implementação.
Importa, portanto, perceber o que originou esta preocupação com os mares e oceanos
europeus, quando esta matéria nunca antes havia merecido particular atenção por parte
das instâncias comunitárias.
2.6.1. Razões para uma génese “tardia” da Política Marítima Europeia
Em cinquenta anos de história da construção europeia, só muito recentemente a União
Europeia adoptou uma política marítima própria. O trabalho de preparação desta política
integrada vinha-se fazendo há alguns anos (com a redacção do livro verde, o processo
de consulta pública, etc.), mas só em Outubro de 2007 a Comissão Europeia apresentou
“Uma política marítima integrada para a União Europeia” (COM(2007) 575 final de 10
de Outubro), que viria a merecer o aval do Conselho Europeu de Dezembro de 2007
(ponto 58 das conclusões da reunião do Conselho de 14 de Dezembro de 2007).
Tendo em conta os objectivos de manutenção da paz e reconstrução social e económica
no continente que estiveram na origem da União (primeiro, CECA – Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço, em 1952 –, e depois a Comunidade Europeia de Energia
Atómica e a Comunidade Económica Europeia, em 1958), bem como o grupo dos seis
países fundadores, onde se encontrava um “equilíbrio justo” entre países continentais e
países marítimos, não surpreende que as questões marítimas não tenham sido uma
preocupação primeira.
Contudo, com os alargamentos efectuados até à constituição da União a 15, a UE
incorporou no seu seio um vasto leque de países com forte ligação marítima – 142 Vide as vantagens e projecções para os clusters, marítimos e não só, feitas por vários autores, nomeadamente Porter, Wijnolst, Jenssen e Sødal. 143 A DG MARE. Site oficial em www.ec.europa.eu/maritimeaffairs (data da última consulta: 26.09.2009).
56
Inglaterra, Irlanda, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Grécia. Neste
sentido, é difícil compreender por que as questões marítimas nunca foram, durante
aquelas décadas, tidas como relevantes (à excepção das pescas, mas por razões
sobretudo comerciais). A especial atenção dada aos aspectos económicos, em particular
à conclusão do mercado interno, bem como à Política Agrícola Comum, podem ajudar a
explicar esta realidade. Outra explicação, aventada pela Professora Maria Eduarda
Gonçalves, prende-se com o facto de, nos primeiros tempos da construção europeia, os
Estados-membros terem grande parte das suas actividades marítimas em zonas situadas
para além dos espaços sob a sua soberania ou jurisdição. Além disso, defende a referida
autora, os países atribuíam grande importância à navegação civil e comercial, bem como
à exploração de recursos minerais e “não pareciam dispostos a renunciar aos seus
poderes exclusivos de regulação no que se refere a tais utilizações”144.
A pesca também não foi considerada prioritária nos primórdios das Comunidades,
contudo, a disposição do Tratado de Roma que equiparava os produtos da pesca aos
produtos agrícolas, e a natureza económica desta actividade levaram à iniciativa tomada
na década de 60 com vista ao estabelecimento de um Política Comum de Pescas, como
já referido145.
Por outro lado, o facto de alguns Estados-membros marítimos não darem eles próprios a
devida atenção aos seus territórios marítimos, como é o caso de Portugal, pode ser
justificação e a razão mor pela qual este assunto nunca mereceu ser discutido com
exaustão em Bruxelas.
Curiosamente, é quando a União se expande a Leste (em 2004) e intensifica o seu
“pendor continental”146 que as questões marítimas começam a ganhar peso no seio
comunitário.
Com efeito, a consulta pública que deu início ao processo de definição desta política foi
lançada em Junho de 2006, com a apresentação do Livro Verde para uma futura Política
Marítima Europeia, uma das principais prioridades do Comissário Europeu para os
Assuntos Marítimos, Joe Borg, desde que fora nomeado em 2004. Até então, além da
Política Comum de Pescas, pouco mais havia em termos de gestão estratégica europeia
dos mares e seus recursos. Além disso, a Política Comum de Pescas, não obstante a sua
144 Gonçalves, 1981, p 39. 145 Idem, ibidem. 146 Em 2004, aderiram à União Europeia dez países: a Polónia, a República Checa, a Hungria e a Eslováquia(ex-repúblicas soviéticas), a Eslovénia (uma antiga república jugoslava), Chipre e Malta (duas ilhas mediterrânicas). Em 2007, entraram para a UE a Roménia e a Bulgária.
57
“antiguidade” (1983) e da sua reforma (em 2002), endereçava questões específicas
relacionadas com a gestão de frotas e de stocks de peixes, revelando só mais
recentemente uma preocupação premente com os limites de captura e a conservação dos
recursos haliêuticos.
Esta génese tardia da PME poderia porventura explicar-se por uma necessidade de
criação de um contrapeso ao pendor continental que a UE ganha com as referidas
adesões. Pode ainda relacionar-se com o binómio alargamento/integração e, assim,
interpretar-se a PME como uma resposta estratégica aos alargamentos de dimensão e
complexidade únicas que ocorreram em 2004 e 2007 (embora este último já tenha
ocorrido depois de estar em marcha o processo de execução da PME, é sabido que se
perspectivava anteriormente).
Consideramos, no entanto, que a explicação mais plausível está relacionada com o
contexto mundial, no qual a emergência de novas potências económicas, a perda de
competitividade da Europa e a intensificação do comércio internacional, provocam
profundas alterações no sistema de relações internacionais e colocam diversos e
exigentes desafios à Europa, crescentemente a perder competitividade, a agudizar o seu
problema demográfico, com o chamado “duplo envelhecimento”147 e a ver-se a braços
com dificuldades para sustentar o seu modelo social.
É, pois, em nosso entender, este fenómeno relativamente recente, que se generalizou
designar de “globalização competitiva”, que explica a quase súbita atenção dada aos
assuntos marítimos, quando a história e evolução da União Europeia nada o fariam
prever.
2.6.2. A PME como resposta estratégica aos desafios da globalização
A globalização é um processo complexo, que envolve diversas dimensões e cujas
origens não são consensuais. Existem diversas definições, teorias e escolas acerca da
globalização148. Contudo, esta discussão conceptual não se insere no âmbito da presente
tese, pelo que assumiremos, para efeitos da mesma, que a Europa e o Mundo enfrentam
actualmente os desafios colocados por o que vários autores designam de “globalização
competitiva”.
Trata-se da terceira vaga de globalização (depois da que ocorreu com a expansão
lançada pelos portugueses e espanhóis no século XV, designada globalização comercial;
147 Resultante do aumento da esperança média de vida da população e da quebra da natalidade. 148 Ver Kutting, 2004, pp. 3 a 63.
58
e da que ocorreu no século XIX, com a expansão de capitais, a globalização financeira).
Esta distingue-se das precedentes pela sua escala, origem e direcção. Na realidade,
considera-se como muito relevante nesta globalização o facto de, pela primeira vez, se
estar a assistir a um fenómeno que ocorre verdadeiramente à escala mundial, afectando
todos os países e sociedades, sem excepção, embora obviamente de formas e em
dimensões diferentes. Além disso, também pela primeira vez, ocorre uma globalização
que não parte da Europa ou do Ocidente para o resto do Mundo, mas antes verifica-se
em direcção contrária. Esta globalização, que se caracteriza nomeadamente por uma
intensificação dos fluxos de comércio mundial e pelo aumento da competitividade
económica, ocorre porque a Europa, como forma de compensar a sua maturação e
permitir a continuidade de crescimento das suas economias, começou a expandir-se
além-fronteiras. Hoje, justamente sente os efeitos do desenvolvimento económico, a um
ritmo extraordinariamente acelerado, de grandes economias emergentes, como a Índia e
a China, para onde foram feitas inúmeras deslocalizações de empresas europeias.
Fortemente arreigada a modelos de protecção social e regimes laborais rígidos, com
fortes sinais de perda de vitalidade económica e, principalmente, demográfica, a Europa
corre o risco de ser extremamente prejudicada por esta vaga de globalização, que deverá
provocar uma repolarização do Mundo, deslocando o centro económico mundial para
Oriente e tornando desta forma a Europa numa periferia do novo mapa geopolítico
mundial. Agregada a essa situação periférica estará naturalmente uma perda da
qualidade de vida e do poder económico dos seus cidadãos149.
Este é, em traços gerais, o quadro que a União enfrenta actualmente. Associado ao
terrorismo e às alterações climáticas, como referido acima, será porventura o maior
desafio a que terá de responder no século XXI.
Não obstante a actual crise económico-financeira mundial – os efeitos da recessão nos
Estados Unidos da América estão a ter repercussões em todo o Mundo, estando ainda
por apurar a dimensão dos mesmos, em particular no desenvolvimento das grandes
nações emergentes como a China –, poder vir a alterar os cenários que se parecem estar
a delinear na ordem económica mundial, importa assinalar que, em qualquer dos
contextos, a Europa não parece ter um futuro favorável. E, se pretende inverter a
tendência mundial de repolarização dos centros de poder, os seus Estados-membros têm
de admitir que só no quadro da União tal será possível.
149 SaeR, 2003, pp. 65 a 67.
59
Esta perspectiva não implica, em nosso entender, uma perda de soberania inequívoca e
total dos Estados-membros nem uma visão federalista da Europa. No entanto, até pela
dimensão das potências emergentes – Índia e China – se percebe que nenhum Estado
europeu, por maior que seja, tem capacidade para sozinho fazer face a estas grandes
nações, em ascensão económica e plenas de vitalidade demográfica. Aliás, mesmo
colocando-se globalmente como uma potência regional, a União terá dificuldades em
afirmar-se. A China detém 1 319 983 milhões de habitantes150, a Índia 1 123 219
milhões de habitantes151 e a União Europeia tem 500 milhões de habitantes152. Em
termos demográficos, em 2008 a UE apresentava uma taxa de nascimentos de 10,9 por
mil habitantes153. Embora esta cifra revele um aumento em relação a 2007, a China
tinha no mesmo ano uma taxa de nascimentos de 13,71 por mil habitantes154 e a Índia de
22,22155. Em relação à actual potência mundial, os Estados Unidos, a posição da União
é menos desequilibrada, mas ainda assim desfavorável: os EUA têm 303,824,640
milhões de habitantes e uma taxa de nascimento de 14,18 por mil habitantes156 157.
Parece-nos, pois, evidente que os países-membros da União devem utilizar a força e
capacidade ímpares, que lhes advém de serem, na generalidade, Estados-nação com
história, experiência, cultura e estruturas sociais e políticas, no geral, coesas, estáveis e
fortes, para congregarem esforços no sentido de constituir uma União forte e capaz de
retirar partido das especificidades da globalização competitiva.
Entre as características peculiares da nova vaga de globalização conta-se ainda a
desmaterialização do espaço. Ao contrário do que sucedeu nas anteriores globalizações,
a presente vaga não exige a existência de um centro hegemónico nem a constituição de
poderio de tipo imperial. Actualmente, a mobilidade é outra das características
dominantes, pelo que o espaço perde relevância face às redes de comunicação e 150 Dados estatísticos de 2007 extraídos do site oficial da Organização Mundial do Comércio. Disponíveis em http://stat.wto.org/CountryProfile/WSDBCountryPFView.aspx?Language=E&Country=CN (última consulta em 12.09.2009). 151 Idem, ibidem, Disponível em http://stat.wto.org/CountryProfile/WSDBCountryPFView.aspx?Language=E&Country=IN (última consulta em 12.09.2009). 152 Estatísticas relativas a 2009, extraídas do site oficial do Eurostat/ Gabinete de Estatísticas da União Europeia. Disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/3-03082009-AP/EN/3-03082009-AP-EN.PDF (última consulta em 12.09.2009). 153 Idem, ibidem. 154 Dados de 2008. Fonte: World Factbook da CIA/EUA. Disponível em https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/ (última consulta em 12.09.2009). 155 Idem, ibidem. 156 Idem, ibidem. 157 Decidimos, para este efeito, não apresentar as estatísticas económicas dos países/blocos regionais em análise, por entendermos ser mais relevante efectuar uma análise comparativa das condições de partida que, de futuro, condicionarão o desenvolvimento económico dos mesmos.
60
organização, que muitas vezes são virtuais, e à flexibilidade e capacidade de adaptação
às novas realidades. Em suma, as noções de espaço, centro, território, ideologia e
estabilidade, características dos modelos conceptuais de organização tradicional, dão
hoje lugar às de rede, mobilidade, dinamismo, rapidez, mudança, informação,
modernidade e competitividade158.
A Europa não tem, como já foi referido, vantagem em muitas das condicionantes da
nova ordem mundial e do sistema de relações internacionais em definição por força da
globalização competitiva, mormente nas vertentes económica e demográfica. Pensamos,
contudo, que terá alguma vantagem no conhecimento e capacidade de liderança, que lhe
facilitarão a adaptação aos novos conceitos dominantes. E é neste contexto que o mar
pode fazer a diferença. Se se assumir como um espaço regional capaz de se organizar
em rede, tirando partido das capacidades inovadoras e de primazia dos seus Estados-
membros em algumas áreas; se estabelecer pontes com os restantes centros estratégicos
mundiais, antecipar os constrangimentos e preparar as respostas adequadas aos desafios
que poderão tolher o desenvolvimento económico mundial, porventura a Europa
conseguirá evitar cingir-se a uma zona periférica e sem relevância na nova ordem
mundial.
Importa notar que, até agora, a União e os seus Estados-membros pouco mais têm feito
do que tentar travar ou minimizar os efeitos nefastos da globalização. Veja-se a
imposição de quotas para a entrada de têxteis chineses no mercado comunitário, que
mais não foi do que uma solução de adiamento do problema.
Aquilo que defendemos é que, em vez de estar a responder a situações de emergência e
a dar respostas meramente reactivas, por inerência mal estudadas, a União deve tentar
“antecipar” os problemas e planear estrategicamente as respostas adequadas.
Esta diferença entre uma postura reactiva e uma atitude pró-activa passa, em nosso
entender, por procurar espaços de actuação inexplorados. São estes espaços que darão à
União capacidade de regeneração e a necessária força para se adaptar à mudança. E
muitos desses espaços inexplorados, ou em fase inicial de potencialização, encontram-se
no mar; estão, aliás, muitos deles identificados nos documentos definidores da Política
Marítima Europeia. A criação das auto-estradas do mar e de um espaço europeu de
transporte marítimo europeu sem barreiras, a constituição de centros regionais de
excelência marítima, a investigação das potenciais vantagens do CCS (sequestro e
158 SaeR, 2003, pp. 70 a 72.
61
armazenamento de carbono no fundo do mar) e de novas fontes de energia são algumas
das áreas de futuro apontadas nos textos fundadores da Política Marítima Europeia159.
159 Sobre as inúmeras potencialidades dos recursos do mar profundo vide Santos, Julho/ Dezembro 2006.
62
ÁREAS DE FUTURO
Biomedicina, biofarmacologia
Energias renováveis; Energias offshore
(ondas, hidratos de metano)
Biotecnologia marinha (CCS, exploração de hidrocarbonetos,
extracção de minerais, etc.)
Telecomunicações submarinas (investigação ocenanográfica,
etc.)
Aquacultura (em alto-mar)
NOTA: De acordo com um estudo realizado para o Irish Marine Institute (Douglas-Westwood, 2005), os
sectores com maior potencial de crescimento são os dos cruzeiros, portuário, aquacultura, energias
renováveis, telecomunicações submarinas e biotecnologia marinha. No entanto, neste caso quisemos
assinalar as áreas com potencial ainda por explorar ou não totalmente aproveitado, e não tanto as de maior
potencial económico conhecido.
63
Se investir na investigação, recolha de dados/informação e alocar tecnologia a estas
áreas, a União tem condições para retirar proveito do grande potencial, ainda
inexplorado, do seu extenso território marítimo. Tal atitude é, de resto, defendida por
vários autores160.
De notar que, no fundo, trata-se de a Europa aplicar os seus pontos fortes, como sejam o
facto de deter uma mão-de-obra com um alto grau de instrução, especializada e
desenvolvida, com grandes capacidades científicas e técnicas, de possuir riqueza
acumulada e estruturas e equipamentos que permitem o aproveitamento desses recursos
humanos. Contudo, mesmo neste campo a Europa tem de mudar a sua forma de
intervenção rapidamente, sob pena de perder o lugar cimeiro161 162. A sofisticação
cultural, a criatividade que advém dos regimes democráticos, o seu grau de coesão
social (ainda razoável), e também a capacidade de pensar globalmente sobre as
mudanças em curso, são outras grandes forças que a Europa detém e, em certos casos,
quase em “exclusivo”.
160 O Professor Mário Ruivo defende um forte investimento na vertente científica, na investigação e na tecnologia ligadas ao mar. Aliás, chegou a endereçar uma crítica ao Livro Verde para Uma Política Marítima Europeia, por este reconhecer “a importância da informação e dos dados científicos como base para fins de gestão e desenvolvimento”, mas não expressar adequadamente “o valor determinante do conhecimento e da actual capacidade operacional da investigação oceanográfica”. (Ruivo, Julho/ Dezembro de 2006, p 58). Vide também Dias, Outubro 2004, p 31 (último parágrafo) e p 39. 161 As estatísticas disponíveis neste campo não permitem uma comparação exacta da realidade nos países emergentes face à União Europeia. Contudo, e embora a União apresente, ainda, nos sectores da educação e desenvolvimento científico uma posição relevante, é importante ter em conta que a China e a Índia têm evoluído muito nos seus indicadores educacionais e científicos, nos últimos anos, denotando também uma consciencialização da importância do capital do conhecimento para o desenvolvimento económico. De acordo com o Centro de Estatísticas da UNESCO, a China tinha, em 2006, 926 investigadores por 1 000 000 de habitantes e gastava 1,4% do seu PIB em investigação e desenvolvimento (R&D) e 1,9% do PIB em educação. Já a Índia tinha, em 2000, 111 investigadores por 1 000 000 de habitantes e gastava 0,7% do seu PIB em R&D e 3,2% do PIB em educação (note-se que estes dados estarão, contudo, desactualizados). Já de acordo com o Eurostat, a União Europeia gastou, em 2007, 1,85% do PIB em R&D; tinha, em 2007, 13,4/por mil habitantes dos seus jovens entre os 20 e os 29 anos licenciados nas áreas da ciência e da tecnologia; e 78,5% dos jovens europeus entre os 20 e os 24 anos tinham completado pelo menos o ensino secundário, em 2008. 162 Autores como o Professor Êrnani Lopes têm alertado para o atraso tecnológico e outras debilidades da Europa, expressas na metáfora da Europa “velha, rica, gorda e impotente”. Contudo, o autor assinala a expressão tecnocrática da Europa como um possível cenário de resposta à situação actual. Vide Lopes, 19.05.2004. Também o ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Vítor Martins, assinala como uma das mais gravosas barreiras da Europa em termos de desempenho a “barreira educacional e cultural”, a qual descreve como a dificuldade de a Europa, apesar da sua “supremacia em termos de índices educacionais e culturais”, materializar esse capital, ou seja, ultrapassar aquilo que o autor chama de “gap considerável entre o ‘saber’ e o ‘saber fazer’”. Vide Martins, Outubro 1999/Março 2000, p 12.
64
65
2.6.3. A importância de uma postura pró-activa: o terrorismo e a fachada atlântica
Em suma, e face ao exposto, consideramos que a Europa deve focar-se, não em
responder reactivamente aos problemas imediatos colocados pela globalização, mas sim
na sua preparação para o futuro. Neste âmbito, deve ter em conta dois outros grandes
fenómenos, que muito provavelmente irão influenciar o curso desta globalização – o
terrorismo e as alterações climáticas (cfr. pp 68 a 72).
Ao contrário do que se possa pensar, o fenómeno da globalização despoleta ainda mais
ressentimentos e ódios, por parte das sociedades que se sentem excluídas ou dominadas
pelo processo de globalização. Assim, a UE tem de preparar-se para lidar com estes
fenómenos de violência, que também adoptam os instrumentos da globalização, como a
mobilidade, a ausência de centro ou localização fixa, para dificultar a sua eliminação.
Nesse sentido, embora não seja suficiente, a medida proposta, de criar uma rede de
vigilância marítima163, e eventualmente uma força de defesa marítima europeia, podem
ser relevantes.
Consideramos igualmente que a Europa deve valorizar o seu espaço marítimo, e em
particular a sua fachada atlântica, como móbil para a afirmação geopolítica. A
valorização deste território deve, naturalmente, ser feita do ponto de vista comercial,
uma vez que, como vimos logo na introdução, o peso económico dos transportes
marítimos é substancial e as grandes potências emergentes precisam das “auto-estradas
do mar” para fazer chegar os produtos aos seus mercados por excelência, sendo um
deles o comunitário.
Mas a importância da fachada atlântica para a Europa não se cinge à questão comercial
– aquela é essencial para estabelecer a ponte, quer com o seu principal parceiro e aliado,
os Estados Unidos164, quer com os países latino-americanos e o continente africano. A
163 De notar que neste campo a UE encontra-se ainda numa fase de trabalho e discussão, nomeadamente devido à dificuldade de conseguir a interoperabilidade entre os vários sistemas de vigilância marítima utilizados no espaço comunitário e a dificuldade de criar um esquema de cooperação comunitário, em consequência dos diferentes estádios de interligação existentes entre os diversos países. Vide documento de trabalho sobre os sistemas de vigilância marítima; European Commission/ Joint Research Centre Ispra, 14 June 2008, disponível em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/pdf/maritime_policy_action/maritime-surveillance_en.pdf (última consulta em 12.09.2009). Vide também estudo acerca dos aspectos legais sobre tratamento e utilização de dados resultantes da vigilância marítima; Vários, October 2008, disponível em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/studies/legal_aspects_maritime_monitoring_en.pdf (última consulta em 12.09.2009). 164 Segundo Neto da Silva, as economias europeia e norte-americana estão e vão continuar a estar, no futuro, altamente integradas e vai ser nestas e entre estas que continuarão a verificar-se os maiores fluxos de capitais, investimentos, trocas e riquezas. Em sua opinião, “o futuro da Europa está dependente e directamente ligado à qualidade das suas relações comerciais e de investimento com os EUA”. Silva, 2007, p 56.
66
Europa não deve esquecer e descurar as ligações históricas que tem com estes países,
não só porque destas regiões se espera que venham a emergir igualmente algumas
potências de relevância internacional no futuro, como o Brasil e Angola, mas também
porque a influência estratégica destas regiões do Globo ajudará igualmente a determinar
quem será líder no novo mapa geopolítico. Aliás, a China já hoje evidencia uma forte
presença no continente africano, o que indicia a percepção desta mesma realidade.
O Plano de Acção da Política Marítima Europeia faz referência à importância de a UE
ter uma posição una nos fóruns internacionais relacionados com o mar, de assumir
nestes um papel de liderança e de destaque; e assinala também a necessidade de se
estabelecerem relações de vizinhança com os países terceiros que partilham mares com
a Europa. A ajuda ao desenvolvimento de países pobres como forma de aumentar a
visibilidade da Europa é igualmente referida. No entanto, no âmbito da valorização da
fachada atlântica como instrumento geopolítico, tais medidas poderão ser insuficientes.
Sobretudo porque, como o documento assinala, a União tem antes de resolver um
“problema interno”, que resulta da fraca identidade marítima dos povos europeus (ver
parte III). E as acções propostas – celebração do Dia Marítimo Europeu, elaboração do
Atlas Europeu dos Mares e disponibilização ao público de informação sobre assuntos
marítimos – parecem pecar por desadequadas, em relação à dimensão, estrutural, do
problema em causa.
Embora não estejam directamente ligados a esta questão, julgamos que os esforços de
“conquista” de soberania sobre os seus territórios marítimos do fundo do mar, que estão
a ser levados a cabo por vários países, incluindo Portugal, podem ser um motor para o
florescimento do interesse pelo mar e para a consciencialização da sua importância, em
vários países. Não descuramos que o interesse primeiro neste caso é económico, e
também político, mas admitimos que se possa, por essa via, produzir uma sensibilização
social de monta em diversos países que têm dado pouca importância aos seus territórios
marítimos, mormente Portugal. De resto, esta consciência global da importância dos
mares por parte da sociedade civil é uma condição essencial. Sem um enquadramento
cultural e social propícios, a Europa não poderá afirmar-se mundialmente como um
player decisivo na economia marítima global.
Importa assinalar que alguns líderes europeus denotam, pelo menos nos seus discursos,
terem compreendido o papel crucial da Política Marítima Europeia como instrumento de
resposta aos desafios futuros. O discurso do presidente Durão Barroso, proferido em
Lisboa perante os ministros da UE a propósito da então recém-lançada Política
67
Marítima Europeia, é significativo165. Neste, o presidente da Comissão Europeia faz
referência à importância da referida política, não só do ponto de vista comercial e
económico, como recorda o papel essencial dos mares na premente e melindrosa
questão energética. Refere ainda o sector do turismo, como forma de reforço da
competitividade e de combate aos problemas do emprego; a necessidade de proteger o
ambiente, em particular os ecossistemas marinhos, e promover o desenvolvimento
sustentável; a importância da ciência, da investigação e da tecnologia; e não deixa de
referir o papel dos mares na política externa da União. A revitalização da cultura
marítima europeia através do apelo ao papel dos mares na resolução de problemas
concretos e que afectam directamente o quotidiano dos cidadãos parece ser uma
estratégia interessante e potencialmente eficaz. Podemos estabelecer aqui um paralelo
com o mercado de emissões, também aparentemente eficaz pelo seu pendor pragmático
na abordagem de uma questão global e de difícil consenso. Contudo, importa que exista,
de facto, uma estratégia para concretizar a revitalização da cultura, identidade e
consciência marítimas dos povos europeus.
2.6.4. A importância de uma postura pró-activa: a Política Marítima Europeia
como resposta estratégica ao desafio das alterações climáticas e do
desenvolvimento sustentável
Como afirma J. Alveirinho Dias, “é actualmente aceite pela generalidade da
comunidade científica que está em curso uma modificação climática global,
provavelmente sem precedentes nos 4,6 biliões de anos de história da Terra”166. Este é,
como acrescenta o mesmo autor, “um problema complexo, mas intimamente
relacionado com o funcionamento do sistema climático terrestre, no qual o oceano
desempenha um papel altamente regulador”167, sendo que só nos últimos anos se
começou a dar maior importância ao estudo e conhecimento das interacções oceano-
atmosfera e, não obstante, não há ainda uma consciência global da importância deste
tema nem do papel dos oceanos na questão das alterações climáticas168.
165 Ver anexo F. 166 Dias, Outubro 2004, p 31 (último parágrafo). 167 Idem, ibidem, p 32 168 Idem, ibidem, p 39. “É imprescindível que os diferentes sectores da sociedade adquiram consciência de que o Homem é profundamente dependente, praticamente a todos os níveis, do oceano. Só através dessa consciencialização será possível obter os meios financeiros adequados e a vontade política firme para se desenvolver uma política consequente de investigação científica, para construir sistemas integrados de informação, para implementar sistemas de monitorização adequados e para formar técnicos devidamente preparados, capazes e eficazes”.
68
As alterações climáticas estão já hoje a ter um forte impacte económico e social em todo
o Mundo. Na Europa, desde 1998, as cheias já provocaram 700 mortes, cerca de meio
milhão de deslocados e pelo menos 25 mil milhões de prejuízos económicos (uma vez
que esta cifra contempla apenas as perdas que estavam cobertas por seguro)169. Os seus
efeitos nos oceanos e nos ecossistemas marinhos são múltiplos (alterações na circulação
do oceanos, aumento da sua acidificação, alterações na salinização e oxigenação, com
efeito directo nas espécies marinhas, nomeadamente haliêuticas, prevendo-se a extinção
de várias, aumento do nível do mar, etc.), as consequências na vida humana são de vária
ordem (económica, de saúde, social; previsível alteração das rotas de transporte
marítimo, nomeadamente no Árctico; diminuição do número e variedade de stocks de
peixe disponíveis, com impacte quer na saúde humana quer na indústria da aquacultura,
uma vez que a base de alimentação daquele pescado é peixe; impacte negativo na
agricultura derivado da instabilidade climática e contaminação dos solos; erosão,
desertificação; prejuízos económicos derivados de eventos climáticos adversos, com
particular impacte nas habitações, estruturas portuárias e actividades ligadas ao mar
como a náutica de recreio e o turismo marítimo; impacte na indústria offshore; entre
outros170) e têm vindo a ser salientados por vários investigadores171. Embora a
verdadeira resposta pró-activa devesse ter começado a ser pensada há vários anos172,
julgamos que a Europa ainda poderá ter um papel de liderança nesta matéria, até por
força da inacção das outras grandes potências, nomeadamente os Estados Unidos173 e a
169European Commission, SEC(2009) 386, 01.04.2009, p 2. 170 Vide Comissão Europeia, COM(2009) 147 final, 01.04.2009, pp. 4 e 5. Sobre o impacte específico das alterações climáticas nas zonas costeiras vide European Commission, SEC(2009) 386, 01.04.2009, pp. 3 e 4. 171 Vide apresentações dos conferencistas da Seas at Risk Climate & Oceans Conference, que teve lugar em Bruxelas a 5 de Novembro de 2008, disponíveis em http://www.seas-at-risk.org/n2_more.php?page=150&KT_back=-1 (última consulta em 12.09.2009) e também a compilação das apresentações dos especialistas participantes na Impacts of Climate Change on the Maritime Industry International Conference, que se realizou na Suécia de 2 a 4 de Junho de 2008, disponíveis em http://portals.wmu.se/community/Conferences/ICCMI2008/tabid/1063/Default.aspx (última consulta em 12.09.2009). 172 Malgrado a participação da União Europeia e dos seus Estados-membros nos fora internacionais que procuram reduzir o impacte das alterações climáticas no Mundo, o documento estratégico da UE sobre alterações climáticas começou a ser preparado em Abril de 2009 [Comissão Europeia, COM(2009) 147 final, 01.04.2009]. Este inclui também três anexos especificamente dedicados à saúde, à agricultura e à abordagem do problema nas zonas costeiras e marinhas. Este último intitula-se Document Accompanying the White Paper Adapting to Climate Change: Towards a European Framework for Action, Climate Change and Water, Coasts and Marine Issues [European Commission, SEC(2009) 386, 01.04.2009]. 173 Embora a administração de Barack Obama tenha demonstrado vontade de alterar a política norte-americana neste campo, é prematuro avaliar o alcance desta manifestação pública, até pelas exigentes transformações necessárias e pelo impacte na economia dos EUA de tal inflexão.
69
China, neste campo. De notar que, pelo menos no plano teórico, haverá já uma
consciência das instâncias comunitárias acerca da vantagem desta visão estratégica174.
Criar formas de minorar o aquecimento global, através por exemplo da captura e
armazenamento do carbono (CCS)175, promover investigação e/ou desenvolver
tecnologias que permitam encontrar fontes energéticas alternativas, conceder carácter
prioritário ao reordenamento dos territórios marítimos, organização dos transportes
marítimos176 e dos portos177 em função das novas realidades ambientais, definir
mecanismos de resposta a cheias e outras catástrofes naturais são não só uma
inevitabilidade, devido ao impacte das alterações climáticas a curto/médio prazo, como
poderão também ser formas de afirmação económica da Europa, no futuro.
Como é sabido, os fenómenos climáticos adversos verificam-se em todo o Mundo e a
necessidade de novas fontes de energia é igualmente comum a todos os países,
mormente aos que não pretendem ver o seu pujante poderio económico travado por essa
razão178. O investimento nestas áreas de futuro pode ser, portanto, a “porta” para um
lugar cimeiro, da Europa, no cenário geopolítico das próximas décadas.
174 No referido Livro Branco lê-se: “O reforço da resiliência da UE aos impactos das alterações climáticas constitui igualmente uma oportunidade de investimento numa economia menos dependente do carbono, promovendo, por exemplo, a eficiência energética e a penetração dos produtos verdes. Trata-se de um dos principais objectivos do Plano de Relançamento da Economia Europeia, que resume a resposta da UE à crise económica e conduzirá à emergência de uma economia criativa, baseada no conhecimento. Simultaneamente, a UE poderá facilitar as mudanças estruturais através da modernização da infra-estrutura europeia e reforçar a competitividade da sua economia”. Comissão Europeia, COM(2009) 147 final, 01.04.2009, p 4, parágrafo 1.º. 175 Vide apresentação de David Johnson, sobre os riscos e potencialidades do CSS, onde o autor assinala que, a comprovar-se o benefício e segurança de utilização desta técnica, a sua exploração comercial poderia ter um impacte económico positivo nos seus custos. Apresentação disponível em http://portals.wmu.se/community/Conferences/ICCMI2008/tabid/1063/Default.aspx (última consulta em 12.09.2009). 176 Vide plano da Organização Marítima Internacional para a redução das emissões de CO2 dos navios. Shipping, World Trade and the Reduction of CO2 Emissions. International Chamber of Shipping, 2009, disponível em http://www.imo.org/includes/blastDataOnly.asp/data_id%3D26043/CO2Flyer.pdf (última consulta em 12.09.2009). 177 Vide, p. e., programa ambiental do porto de Estocolmo (Suécia). 178 Veja-se, a título de exemplo, o estudo sobre o impacte económico das alterações climáticas nas zonas costeiras da União Europeia. Policy Research Corporation/ MRAG, 2009. Disponível em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/climate_change/report_en.pdf (última consulta em 12.09.2009). Ver também sumário executivo e relatórios nacionais, disponíveis em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/climate_change_en.html (última consulta em 12.09.2009).
70
Função geopolítica/ estimulador da relevância geopolítica da UE
Contrapeso às
medidas de
desenvolvi/to
económico
Resposta
Alterações
Climáticas
Nova área de desenvolvi/to económico
TRIPLO
PAPEL
71
Por fim, para que a Europa assuma o combate às alterações climáticas e o
desenvolvimento sustentável como prioridades, que alterarão o seu futuro muito
provavelmente também em termos de desenvolvimento económico, é preciso uma visão
política consideravelmente distinta da actual. Por essa razão, vários autores referem a
necessidade de liderança política forte, encabeçada por e que valorize as elites do
conhecimento. E há peritos que consideram que esse papel deverá caber às novas
gerações179.
Todavia, não podemos descurar o facto de que vários Estados-membros têm tido uma
posição ambígua em relação à UE, oscilando entre a valorização da integração e a
prevalência da visão nacionalista/individualista. E, sabendo-se que muitas das soluções
para encontrar novas formas de energia limpas e combater o aquecimento global
poderão passar por recursos que se encontram nos ecossistemas marinhos, a
subjectividade e falta de clareza do conceito de recursos biológicos do mar pode ter
consequências negativas, no futuro, pelas razões jurídicas acima referidas e motivado
por eventuais necessidades políticas (afirmação da soberania/ resposta à contestação
social e a ciclos eleitorais) e económicas (exploração individual dos recursos biológicos
do mar pelo seu enorme potencial económico/comercial; possível solução para
compensação de défices financeiros) dos países.
179 Oliveira, Branco, Fassbbender, 2005. p 353. “A actividade económica que a Europa venha a desenvolver no futuro deverá ser determinada pelos seus valores, pelas suas atitudes e pela sua visão estratégica. O desafio consiste em traçar um novo e ambicioso plano assente em ideias e líderes de todas as gerações, mas sobretudo das mais novas. Neste sentido, este trabalho também pode ser encarado como um apelo, lançado de forma consciente, num momento em que a Europa não se encontra numa via de desenvolvimento satisfatória (nem sustentável) e em que o mundo não está em equilíbrio. É necessária uma reconstrução em múltiplas frentes que, a ter em conta a posição histórica da Europa, deverá desempenhar um papel activo na sua renovação”.
72
2.6.5. A necessidade de garantir a sustentabilidade do ambiente marinho europeu
versus a premência de assegurar a competitividade europeia no mundo global
A dificuldade em alcançar o equilíbrio entre estes dois vectores essenciais da Política
Marítima Europeia – protecção do meio ambiente marinho e garantia da
competitividade da UE – é semelhante à dificuldade inerente à questão sistémica geral,
premente para a Europa, da articulação entre competitividade (imposta pela
globalização) e solidariedade (exigida pelo modelo social europeu)180. Ao nível dos
assuntos marítimos, esta dificuldade ficou bem patente nas conclusões da consulta
pública181. Mas, uma vez mais, a diferença de postura far-se-á entre adoptar uma atitude
reactiva, de emergência, ou uma postura pró-activa. Obviamente, tomar a dianteira em
áreas inovadoras, quer do ponto de vista tecnológico quer legislativo, pode ser
desvantajoso a curto prazo. No entanto, existe uma forte probabilidade de, a longo
prazo, este investimento trazer uma vantagem competitiva à Europa.
Trata-se, no fundo, como afirma Tiago Pitta e Cunha, de compreender que as alterações
climáticas e o desenvolvimento sustentável vão moldar fortemente o desenvolvimento
dos próximos anos e, nesse contexto, os oceanos ganharão uma “importância sem
precedentes”. Ora, como acrescenta este especialista, só dando o devido valor aos
oceanos podemos fazer as escolhas acertadas (daí a importância da identidade marítima
europeia referida acima). “(...) Para investir no potencial do mar vamos necessitar fazer
escolhas de valor, tomar opções financeiras e canalizar para a exploração deste recursos
elevados fundos que, de outra forma, poderíamos utilizar noutro destino”, frisa o
perito182.
Nas conclusões da consulta pública do Livro Verde da PME, já é reconhecido, quer que
é essencial investir na investigação e inovação183 quer que a protecção do meio
ambiente marinho é fundamental para áreas económicas tão importantes como o
180 Vide Lopes, 18.11.2000, p 35. 181 “Muitos interessados consideram que a União Europeia deve promover medidas destinadas a proteger o ecossistema mundial, incluindo no alto mar. Em relação a este aspecto, a maioria dos interessados concorda com a necessidade de adoptar regras e normas multilaterais e de assegurar a sua aplicação e execução. As opiniões divergem, porém, quanto à forma de alcançar este objectivo. Alguns interessados insistem em elaborar normas apenas num contexto multilateral e opõem-se a que a União Europeia tome a iniciativa de o fazer primeiro. Contudo, um grande número de interessados considera que a União Europeia tem um importante papel a desempenhar, mostrando o caminho a seguir. Todos estão de acordo quanto às vantagens de a União Europeia dar o bom exemplo. No entanto, os interessados cuja competitividade depende da existência de condições de concorrência equitativas opõem-se a que a União Europeia tome medidas reguladoras se as mesmas não forem simultaneamente adoptadas pelos organismos internacionais”. Comissão Europeia, COM(2007) 574 final, p 5. 182 Cunha, Janeiro/Junho de 2006, p 36. 183 Comissão Europeia, COM(2007) 574 final, pp. 6 e 7.
73
turismo184 e a pesca185. Marcelo de Sousa Vasconcelos, ex-presidente da Agência
Comunitária de Controlo da Pesca, alerta para o “quase esgotamento” dos recursos
piscícolas, critica a visão parcelar e demasiado centrada no elemento produtivo da
Política Comum de Pescas e salienta a urgência de uma Política Marítima Europeia que
seja “ecologicamente sustentável”186.
Outro aspecto relevante prende-se com o facto de a União defender um investimento na
qualidade, quer dos recursos humanos ligados ao sector (o que exige investimento na
formação187) quer dos serviços oferecidos188.
Depois, importa aproveitar a consciencialização para a intricada relação entre estes dois
pólos – ambiente/economia – que já se vem fazendo, por exemplo, há mais tempo
noutras áreas, como a indústria. Tem vindo também a ser crescente, não só ao nível da
União, mas também por exemplo da ONU e da OMC, a consciência da dimensão
verdadeiramente internacional/global das questões ambientais, nomeadamente da
poluição189.
Na senda do que já referimos acima acerca do potencial económico da resposta às
alterações climáticas e, no fundo, à generalidade dos desafios ambientais, parece-nos
relevante considerar o conceito do utilizador-pagador e a iniciativa do mercado comum
de emissões190. A vertente económica aliada à questão ambiental, como é o caso, parece
estar a dar bons resultados, nomeadamente porque assegura a equidade, ao permitir aos
184 De notar que várias e extensas zonas costeiras da União são altamente dependentes do turismo e que em algumas regiões, nomeadamente a mediterrânica, o turismo costeiro tem um elevado peso económico. Vide CSIL Centre for Industrial Studies, Touring Servizi, [PE 397.260], 2008, pp. 2 a 28. O mesmo estudo conclui também que tem vindo a crescer a consciência geral e pública sobre a necessidade de preservar o património natural dessas zonas e de promover um turismo sustentável. Contudo, o estudo assinala que as regiões costeiras e o turismo marítimo são particularmente vulneráveis às alterações climáticas e uma das principais ameaças/desafios que estas regiões (costeiras e insulares) terão de enfrentar é a reconfiguração do turismo devido às alterações climáticas. Idem, ibidem, pp. 74 a 76. Disponível em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/studies/coastal_tourism/pt.pdf (última consulta em 12.09.2009). 185 Comissão Europeia, COM(2007) 574 final, p 9 . 186 Vasconcelos, Julho/ Dezembro de 2006, pp. 41 a 50. 187 De notar que a União Europeia já dispõe, em alguns dos seus Estados, escolas especificamente dedicadas à formação de recursos humanos para o sector marítimo, o que deve ser aproveitado e potenciado. Vide, p. e., a World Maritime University, que embora criada sob os auspícios da IMO da ONU, está sedeada na Suécia (vide www.wmu.se) 188 “Os interessados reconhecem igualmente que as prestações internacionais e internas da União Europeia nos sectores marítimos devem partir da vontade de fornecer uma qualidade elevada – e não preços mais baixos”. Comissão Europeia, COM(2007) 574 final, p 7. 189 Vide o exemplo maior do Relatório Brundtland, United Nations Organization, Annex to document A/42/427, 1987. Ver também Rodrigues, Outubro 1990, pp. 9 a 11. 190 Sobre o mercado de emissões de carbono vide o site http://www.icapcarbonaction.com/ (última consulta em 12.09.2009). Vide também as iniciativas da União Europeia acerca do sistema de comercialização de gazes com efeito de estufa no espaço comunitário, em http://ec.europa.eu/environment/climat/emission/index_en.htm (última consulta em 12.09.2009).
74
países menos desenvolvidos tirar partido dos seus recursos naturais e do seu estado de
desenvolvimento industrial, ao mesmo tempo que estimula a inovação tecnológica.
Estes conceitos altamente inovadores têm, em nosso entender, amplas vantagens e a sua
filosofia pode ser aplicada à PME. Consideramos que a vertente económica desta
política deve ter um peso relevante, não no sentido de que seja mais importante do que
as vertentes ambiental ou cultural e educacional também referidas na PME, mas na
medida em que a vertente económica, se devidamente explorada, evidenciará de forma
mais clara a vantagem, política e social, de ser concedida prioridade à PME. Desta
forma, impulsionaria o desenvolvimento das vertentes cultural, ambiental e educacional.
É verdade que há aqui uma relação bidireccional de interdependência, visto que se, por
um lado, a evidência do potencial económico do sector marítimo para toda a sociedade
levará a um maior apoio político e social a esta área, por outro, o desenvolvimento
económico carece desse apoio político e social, como condição de partida. Esta é, pois,
a razão por que considerarmos que há um importante trabalho a desenvolver, na
dimensão cultural/comunicacional, de sensibilização da opinião pública. O exemplo do
cluster do Reino Unido neste campo pode ser um bom ponto de partida, na medida em
que este soube recorrer de todos os meios comunicacionais e promocionais hoje ao
dispor e utilizar uma linguagem jovem, moderna e apelativa para passar a mensagem do
importante papel dos mares para o país (cfr. 91 a 93).
75
2.7. Potencialidades da PME e dos oceanos e mares europeus
Um estudo da Comissão Europeia de 2001191 apontava já para uma produção total do
cluster marítimo europeu192, em 1997, de 159 mil milhões de euros e de um valor
acrescentado directo na ordem dos 70 mil milhões de euros (o equivalente a 1 por cento
do PIB europeu em 1997). Os efeitos na economia em geral eram também então
considerados relevantes: o valor acrescentado adicional rondava os 41 mil milhões de
euros, em 1997193. O sector da armação/ marinha mercante é o mais preponderante,
gerando individualmente 302 mil empregos directos e 305 mil postos de trabalho
indirectos, além de um valor acrescentado de 15,7 mil milhões de euros, cifra que no
entanto os autores Wijnolst, Jenssen e Sødal consideram subestimada194. Este estudo
teve contudo o mérito de evidenciar as disparidades entre os países-membros da UE,
bem como a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre esta área195.
Além da potencialidade económica deste sector, que, em parte, justifica a existência da
Política Marítima Europeia, há que assinalar como aspectos positivos deste documento
estratégico o reconhecimento da importância, quer desta área quer de uma intervenção
integrada, holística e baseada nos ecossistemas. No plano político, há também o
reconhecimento de que os assuntos marinhos necessitam de uma abordagem conjunta.
Contudo, estes pressupostos teóricos (embora seja abusivo considerar teórico cifras tão
expressivas ao nível económico) dependem em grande medida da capacidade de
implementação prática e da real vontade política de execução da PME196.
O mesmo raciocínio estabelecemos quando consideramos como positivo o facto de a
PME colocar ênfase no papel do conhecimento dos mares e oceanos, bem como na
qualificação dos recursos humanos ligados ao mar. Esta visão é crítica para o sucesso da
PME, como têm assinalado vários autores, nomeadamente o Professor Mário Ruivo, 191 Policy Research Corporation/ Institute of Shipping Economics and Logistics, 2001. 192 Utilizamos aqui a expressão “cluster marítimo europeu”, na medida em que é a usada pelos autores a que nos referimos nesta parte. Ressalvamos, no entanto, que julgamos que seria mais correcto recorrer à expressão “economia marítima europeia”, na medida em que ainda hoje não está formalmente constituído um verdadeiro cluster marítimo europeu. 193 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, pp. 73 e 74. 194 Idem, ibidem, p 76. Neste capítulo (pp. 72 a 83) podem ser encontradas diversas cifras acerca da produção, por sector e por país, em 1997, da economia marítima. 195 Idem, ibidem, pp. 82 e 83. Os autores afirmam mesmo: “Obter dados estatísticos correctos deve ser uma das prioridades para os diversos sectores e países, se o cluster marítimo europeu pretende ter maior influência política na Europa”. Os autores assinalam ainda que, apesar das cifras de cariz económico, estas não permitem mensurar e evidenciar alguns “aspectos estratégicos” do cluster marítimo europeu, como a importância da Europa no Mundo ou o bem-estar social proporcionado às suas populações, para as quais o cluster marítimo também contribuiu e contribuirá certamente. 196 No Resumo da Avaliação de Impacto da PME estão elencados os benefícios esperados, a longo e a curto prazo. Contudo, consideramos que estes dependem muito das condições de exequibilidade da PME. Comissão Europeia, SEC(2007) 1280, 10.10.2007, p 3. Vide Anexo C.
76
que desde há anos tem vindo a alertar para a importância da oceanografia, para a
necessidade de haver uma maior adequação dos recursos de investigação às áreas do
conhecimento do meio marinho prioritárias e para a importância de colmatar as
deficiências em termos de formação dos recursos humanos197 198. A este propósito
citamos também a Professora Maria Eduarda Gonçalves, que assinala o facto de a
exploração dos recursos do oceano depender essencialmente da capacidade de
conhecimento desse mesmo meio199 200.
Assim, como já referimos acima, existem vários indicadores que apontam para um
enorme potencial por explorar nos oceanos e mares e é positivo que a PME preveja o
investimento no conhecimento, na investigação científica, no desenvolvimento
tecnológico e na qualificação dos recursos humanos ligados ao mar201 (esta uma
condição prévia essencial para o desenvolvimento das áreas tecnológicas, científicas e
do conhecimento dos mares, que, por sua vez, são em nosso entender uma condição
prévia para o desenvolvimento económico de alguns sectores da economia do mar). A
todas estas áreas estão subjacentes, contudo, duas outras condições prévias, uma
determinante – vontade política – e outra complementar: cultura/consciência
marítima/“maritimidade” (condição social e cultural).
197 De notar que o Professor Mário Ruivo se referia essencialmente à realidade portuguesa, contudo podemos verificar, pelo estudo de algumas realidades nacionais descritas na parte II deste trabalho, que estas lacunas se verificam igualmente noutros países marítimos. Uma segundo conclusão relevante é a actualidade dos alertas que o Professor fez em 1990, aquando do seu estudo sobre o perfil nacional em ciências do mar. Vide Ruivo, 1990, p 60. 198 Sobre a importância da oceanografia e a investigação marinha ver também Dias, 2004, embora este autor (especialista em Geologia Marinha) se refira igualmente apenas ao caso português; Guerreiro, Julho/ Dezembro 2006; Brito, Julho/ Dezembro 2006; e Tasso, Julho/ Dezembro 2006, 199 Gonçalves, 1985, p 8. “O exercício efectivo dos direitos de exploração, bem como o cumprimento das inerentes responsabilidades de gestão e conservação dos recursos e de protecção do ambiente marinho (...) dependem, entre outros factores, da disposição de uma base adequada de conhecimentos científicos sobre os recursos e o ambiente e sobre o impacto nestes das diferentes utilizações marinhas. Estas pressupõem o acesso a tecnologias apropriadas. A participação nas actividades de investigação científica e marinha e o desenvolvimento e utilização de tecnologias marinhas não são, por sua vez, independentes do nível das capacidades científicas e tecnológicas”. 200 Refira-se que a Comissão Europeia se encontra a estudar a implementação futura de uma rede europeia de observação e recolha de dados sobre o meio marinho, a EMODNET. Vide http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/emodnet_en.html (última consulta em 12.09.2009). 201 Um estudo da União Europeia sobre o emprego nos sectores ligados ao mar em 2006 salientava que a capacidade de sobrevivência/desenvolvimento do sector marítimo vai depender da sua capacidade para investir na formação e qualificação dos seus recursos humanos. Assinalamos também que, de acordo com este estudo, o sector emprega 5 milhões de pessoas, 1,9 milhões dos quais nas actividades marítimas tradicionais. Igualmente notório parece-nos o facto de o documento fazer a apologia da promoção dos clusters marítimos, tanto ao nível dos Estados-membros como europeu, nomeadamente porque a organização em cluster promove a cooperação entre empresas e subsectores e facilita a formação e evolução dos recursos humanos. Vide ECOTEC, C3135, September 2006. Disponível em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/studies/employment/main_report.pdf (última consulta em 12.09.2009).
77
Verificamos, pois, que muitas destas potencialidades, do ponto de vista teórico,
dependerão da capacidade de execução prática dos mesmos, o que nos conduz à análise
dos constrangimentos desta política.
2.7.1. Constrangimentos da Política Marítima Europeia
Já nos referimos acima aos constrangimentos de ordem jurídica da PME, relacionados
com o facto de, na sua larga maioria, esta ser uma competência partilhada entre os
Estados-membros e as instituições comunitárias. Referimos igualmente os riscos
potenciais da ambiguidade do conceito de recursos biológicos do mar e da possível
sobreposição de funções na área das pescas, entre a PME e a Política Comum de Pescas.
Outro aspecto importante a considerar prende-se com a desproporcionalidade entre os
meios e os fins da PME, o que está intimamente ligado com o enquadramento jurídico
referido, mas também com a própria estrutura da PME, conforme descrito acima, e com
as condições políticas. A dimensão da vontade política, factor determinante à
implementação e sucesso da PME, deverá ser, de facto, um dos potenciais
constrangimentos mais relevantes. No entanto, analisaremos esta questão mais à frente,
quando atentarmos sobre as condições de acção da Comissão e do Conselho Europeu
(cfr. 160 a 164).
Nesta fase, consideramos particularmente relevante assinalar aquele que nos parece ser
um importante potencial constrangimento da PME. Referimo-nos à proposta de
desenvolvimento de clusters multissectoriais e de centros regionais de excelência
marítima202. No Plano de Acção da PME, este tema ocupa quatro parágrafos. Não
obstante ser reconhecida a vantagem da organização em cluster e a sua especial
aplicabilidade com condições de sucesso ao sector marítimo203, a Comissão cinge-se a
uma postura que considera a definição de uma política marítima integrada como
condição de sucesso para o florescimento desta forma de organização204.
202 Comissão Europeia, SEC(2007), 1278/2, 10.10.2007, pp. 11 e 12 (ponto 4.1). 203 Idem, ibidem. “Os clusters funcionam especialmente bem em muitas actividades comerciais marítimas, uma vez que as suas actividades (como por exemplo o transporte marítimo, a construção naval e os portos) estão muitas vezes inter-relacionadas. As vantagens são numerosas e vão desde o aumento da sensibilização para a evolução dos mercados, passando por melhores relações entre a investigação e o desenvolvimento tecnológico, até ao reforço do emprego graças a uma formação direccionada e uma melhor mobilidade”. 204 Idem, ibidem. “O desenvolvimento de uma política marítima integrada, que crie as condições correctas de enquadramento para clusters marítimos integrados, pode ajudar [os clusters] a tornarem-se motores de criação de valor e de prosperidade”.
78
Apesar de a UE defender, do ponto de vista genérico, a potencialidade dos clusters205,
consideramos manifestamente reduzida e limitada a abordagem e importância dada à
aplicação deste conceito ao sector marítimo206. Na verdade, como veremos, vários
autores têm exposto as vantagens deste modelo organizativo, quer em termos gerais
quer especificamente no sector marítimo.
2.7.2. Organização em cluster: vantagens
Julgamos relevante assinalar o conhecimento existente em relação às vantagens
económicas dos clusters e, em particular, da aplicação deste conceito ao sector
marítimo. Nesse sentido, remetemos desde logo para Michael Porter207, que defende que
a competitividade de uma nação depende da capacidade da sua indústria para melhorar e
inovar (seja através de nova tecnologia ou da descoberta de novas formas de
empreender os processos). Para o autor, a concorrência interna forte, consumidores
exigentes e fornecedores agressivos são benéficos, na medida em que desafiam as
empresas a fazer melhor. A informação é considerada por Porter como algo crucial no
processo de inovação, advindo esta, em regra geral, da investigação ou de um estudo do
mercado. Mas a inovação, concluiu o autor norte-americano, resulta quase sempre de
um “esforço pouco comum” e/ou de “outsiders” do sector, até porque, em particular em
empresas bem sucedidas, a resistência à mudança é muito grande. O autor põe também a
tónica na produtividade e na taxa de crescimento dessa produtividade, mas mais ainda
nas condições dadas pela nação onde determinada indústria está sedeada. Porter chama-
lhe o “diamante da vantagem nacional”, que é constituído por quatro determinantes: as
condições factoriais (que incluem a posição do país em termos de factores de produção,
como a mão-de-obra qualificada ou infra-estruturas); as condições de procura
(condições do mercado doméstico para a indústria em questão); as indústrias de
suportes e afins (a existência no país de origem desse tipo de indústrias e sua capacidade
de competir internacionalmente); e uma estratégia firme, estrutura e rivalidade. O autor
dá o exemplo da indústria italiana de produção de cerâmica para demonstrar que é a
combinação destes vários vectores que fazem a diferença e permitem que adquira
205 Vide European Commission, COM(2008) 652, 17.10.2008; e European Commission SEC(2008) 2637, 17.10.2008. 206 É, contudo, de referir que, no âmbito do desenvolvimento dos clusters multissectoriais marítimos, a Comissão propunha-se, no referido Plano de Acção da PME, a elaborar um estudo sobre os clusters marítimos europeus. Esse estudo foi de facto realizado em Novembro de 2008 (a sua realização no Plano de Acção estava prevista para Outubro de 2007). Vide Policy Research Corporation, 2009. 207 Porter, March/April 1990.
79
capacidade de competir internacionalmente. Porter assinala, também com um exemplo
italiano, desta vez da indústria de calçado, a vantagem da proximidade geográfica e da
interligação entre várias empresas relacionadas entre si e todas elas altamente
competitivas – é a noção de cluster. Segundo este especialista norte-americano, a
proximidade geográfica promove a concorrência e estimula a inovação e o progresso.
Na sua opinião, a nação que fomenta o “diamante” consegue promover não uma
indústria mas um cluster de indústrias altamente competitivas, organizando-se vertical
(comprador-vendedor) ou horizontalmente (consumidores, tecnologia, canais). Entre as
vantagens do cluster encontradas por Porter no seu estudo estão o facto de as indústrias
que o compõem serem cooperantes e se suportarem umas às outras, haver efeitos de
dinamização, catalizadores, spin offs, além do estímulo à investigação e inovação e o
efeito facilitador da introdução de novas e diversas estratégias e metodologias. Para
Porter, “o cluster é um veículo para manter a diversidade e ultrapassar a inércia, a
inflexibilidade e o comodismo entre rivais que desacelera ou bloqueia a melhoria/o
crescimento competitivo”208. O autor salienta ainda que o papel dos governos no apoio
às empresas não deve ser o tradicional; na sua óptica, o Governo deve funcionar como
“catalizador e desafiador”, podendo para tal tomar medidas que pareçam nefastas às
empresas, desde que criem o ambiente necessário para que as empresas adquiram a sua
vantagem competitiva209.
No entanto, como assinala Porter, é às empresas que cabe lutar por conseguir alcançar a
sua vantagem competitiva e só estas o podem fazer realmente, investindo na inovação,
estando atentas aos sinais do mercado e à evolução do sector, vendo na concorrência
uma vantagem, internacionalizando-se de forma selectiva e fazendo alianças criteriosas
e, de extrema importância, detendo capacidade de liderança210.
208 Idem, ibidem, p 87 209 Idem, ibidem, pp. 87 a 89. Entre as medidas defendidas por Porter no âmbito da intervenção dos governos estão políticas antitrust, ajuda à eliminação das barreiras internacionais, estímulo do mercado interno, entre outras. 210 Idem, ibidem, pp. 89 a 91.
80
2.7.2.1. A noção de cluster aplicada ao sector marítimo: a inovação como móbil da
mudança
O modelo de Porter pode ser aplicado ao sector marítimo, embora Wijnolst, Jenssen e
Sødal chamem a atenção para o facto de a relevância do aspecto geográfico na
concretização do cluster defendida por Porter poder não ser taxativamente transponível
aos clusters marítimos (dando como exemplo o cluster marítimo da Noruega211). Estes
autores defendem, de resto, que a Europa se organize como um “vasto cluster
continental” no domínio marítimo212. E há mesmo autores que consideram que os
clusters são a única forma de evitar que uma empresa, ou uma nação, se torne obsoleta
no mundo global213.
Wijnolst, Jenssen e Sødal questionam se poderá dizer-se que existe um cluster marítimo
europeu. Ressalvando que faltam dados concretos sobre o grau de integração das
empresas europeias deste ramo, assinalam que há uma grande indústria marítima na
Europa, com várias empresas de peso.
No entanto, é de destacar que estes autores consideram que, mais do que existir ou não
um cluster marítimo europeu, é essencial que exista uma política comum para o sector.
Na opinião destes especialistas, em vez de manter a concorrência baseada no preço, a
Europa deve dar prioridade a uma estratégia de diferenciação inovadora e também à
produção em larga escala, em alguns subsectores, o que exigirá das empresas europeias
uma maior articulação e integração. Embora reconheçam a falta de dados que permitam
tirar conclusões mais sólidas – e assinalem que a Europa apresenta assimetrias que
podem dificultar a integração das suas empresas e que exigem uma intervenção
política/pública global214 –, os autores consideram que a Europa beneficiaria de uma
organização em cluster de base continental215. Estes apontam seis vantagens da
organização em cluster: os reduzidos custos de transação na cooperação entre empresas;
utilização de complementaridades; possibilidade de tirar partido do mecanismo de
substituição e da concorrência local; acesso facilitado a trabalho experiente e
especializado; difusão do conhecimento e experiências adquiridas através da rede
211 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, pp. 84 e 85. 212 Idem, ibidem, p 86. 213 Vide Lagendijk, 2000, pp. 165 a 191. Também o Almirante Nuno Vieira Matias defende, para Portugal, a aplicação do conceito de cluster ao sector marítimo, como forma de inverter a tendência de definhamento da generalidade das suas actividades. Vide Matias, Julho/ Dezembro de 2006. 214 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, p 100. 215 Idem, ibidem, pp. 85 e 86.
81
estabelecida; benefício da atmosfera cultural e social criada216. Além disso, sugerem
uma estratégia pública baseada no conhecimento, de modo a que esta seja realmente
benéfica para o desenvolvimento do cluster217.
Outro aspecto relevante é o facto de Wijnolst, Jenssen e Sødal apontarem a inovação218
como o principal benefício/outcome do cluster, ao permitir gerar novos produtos e/ou
novas formas de produção que promovem a eficiência e conferem vantagem
competitiva à empresa ou empresas em causa. Estes peritos assinalam ainda que, com a
globalização, a inovação é cada vez mais importante, aliás, na senda do que já preconiza
a Estratégia de Lisboa e em linha com o acima referido219.
Esta abordagem parece-nos, de facto, a considerar. Embora não concordemos com a
utilização do conceito de cluster, na medida em que entendemos mais adequada à
natureza do sector marítimo a aplicação do conceito de hypercluster, julgamos de
extrema relevância que a PME pudesse assentar a sua estrutura teórica neste conceito.
Em suma, pensamos que deveria prevalecer uma visão primariamente baseada no
conceito de cluster/hypercluster220, contrariamente à tese preconizada na PME, de que
uma política marítima integrada seria a base de sustentação para o desenvolvimento dos
vários clusters marítimos regionais e/ou multissectoriais. O modelo proposto
potenciaria, em nosso entender e tendo em conta as projecções dos autores acima
referidos, a inovação e, em consequência, o desenvolvimento económico do sector do
216 De notar que estes autores apresentam também um modelo de benchmarking aplicável ao sector marítimo – o Global Maritime Benchmarking – e nove indicadores que permitem avaliar a evolução e robustez de um cluster marítimo (inspirado no modelo de Porter). Idem, ibidem, pp. 102 a 171. É igualmente proposto pelos autores um conjunto de sete factores facilitadores (enablers) do cluster; idem, ibidem, pp. 172 a 174. 217 Idem, ibidem, pp. 100 e 101. Os autores reconhecem que é ingénuo pensar que a investigação dará todas as respostas acerca dos mecanismos políticos certos a adoptar no apoio aos clusters; assumem que é difícil definir instrumentos políticos para o efeito, mas assinalam que uma intervenção pública errada pode comprometer o sucesso do cluster e, por isso, sugerem que as políticas sejam definidas em função dos sinais do mercado e se revelem robustas. 218 De notar que vários autores, como Ziman (2000) e Freeman e Louçã (2004), assinalam o papel da inovação na evolução dos sistemas sociais. Também o Professor Êrnani Rodrigues Lopes defendeu, numa conferência que proferiu na Sociedade de Geografia de Lisboa, intitulada “Portugal e a União Europeia”, que será preciso um processo de descontinuidade em relação ao modelo vigente. “É necessário, ao nível dos cidadãos, das elites europeias e dos dirigentes políticos, um movimento de fundo de sobressalto e breakthrough, que origine, desencadeie e sustente um processo inovador, criativo e sustentadamente assumido de reinvenção da construção europeia [que, em lugar de políticas de preservação do passado, lance estratégias de resposta aos desafios do futuro; p. e., em vez da fixação do preço político do leite e do trigo, concentre esforços e recursos na inovação tecnológica e nos efeitos económicos e sociais da sociedade do conhecimento]. De outro modo, um cenário de estagnação/decadência consistente a longo prazo irá ganhando contornos progressivamente mais realistas”. Lopes, 03.12.2003, p 11. 219 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003; pp. 92 a 95; p 191. 220 Por uma questão de simplificação, neste ponto, não diferenciamos entre cluster e hypercluster. Essa clarificação é feita abaixo. Vide p 131 da presente tese.
82
mar europeu de forma mais célere, consistente e evidente do que o modelo teórico
actualmente preconizado pelas instâncias comunitárias.
83
2.7.2.2. A criação de um hypercluster marítimo europeu: vantagens e dificuldades
No estudo recente que realizou sobre os clusters marítimos europeus221, de resto deveras
exaustivo, a Comissão Europeia segue a linha de abordagem preconizada já na PME e
expõe as dificuldades inerentes a uma uniformização dos clusters marítimos europeus
ou de criação de um grande cluster marítimo europeu. Desde logo, um dos obstáculos é
o facto de os clusters marítimos existentes terem composições diversas. Quase todos
incluem os sectores tradicionais, mas a integração de áreas como turismo e lazer é
variável. Depois, existem clusters regionais e clusters nacionais (como veremos em
seguida) e tanto encontramos, na Europa, modelos de organização bottom-up (neste
estudo é dado o exemplo da Noruega, também analisada), como modelos top down (o
caso da Alemanha) ou ainda mistos (o exemplo da Holanda)222. Os autores do estudo
assinalam ainda que os clusters são uma construção recente (com cerca de 15 anos),
pelo que a aferição do seu real impacte no desenvolvimento económico não se afigura
fácil nem evidente223.
Por estas razões, a Comissão recomenda, entre outras acções, que se continue a
monitorizar e recolher dados sobre a produtividade dos clusters marítimos europeus
existentes e se crie uma plataforma que facilite a partilha de boas práticas nesta área224.
Em suma, diríamos que a atitude da Comissão em relação aos clusters marítimos
europeus oscila entre o entusiasmo e a prudência, não obstante os resultados
evidenciados pelo estudo realizado. Os autores observaram o desempenho de todos os
clusters europeus em três áreas (sectores marítimos tradicionais225; turismo e lazer
marítimo e costeiro226; pescas227). Cada uma destas áreas foi analisada do ponto de vista
do valor produtivo, do valor acrescentado e da capacidade de geração de emprego. Em
função dos resultados, os vários clusters foram classificados com um sistema de estrelas
(numa escala de 0 a 3 estrelas). Para esta classificação contavam três indicadores:
dimensão (em termos de valor acrescentado e capacidade empregadora); grau de
especialização; e grau de concentração (taxa de emprego no sector versus taxa de
221 Policy Research Corporation, 2009. Este trabalho é composto por cinco partes, disponíveis em http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/clusters_en.html (última consulta em 12.09.2009). Sobre o estado de desenvolvimento da política de clusters em vários países europeus veja-se também Cluster Policy in Europe. A Brief Summary of Cluster Policies in 31 Countries, January 2008. 222 Idem, ibidem, p 15. 223 Idem, ibidem, p 17. 224 Idem, ibidem, p 18. 225 Marinha mercante, construção naval, equipamento naval, serviços marítimos, portos de mar, embarcações de recreio, offshore, Marinha, navegação fluvial, reparação naval e afins. 226 Turismo nas zonas costeiras e turismo de cruzeiro. 227 Pescas, indústria de transformação de pescado e aquacultura.
84
emprego global da região)228. Foi ainda realizada uma análise SWOT, que comparou os
clusters marítimos organizados segundo o modelo bottom up e os estruturados em
modelo top down229.
Os resultados evidenciam que a organização em cluster fomenta a investigação, a
especialização e o outsourcing230. São igualmente referidas as expressivas cifras do
emprego, volume de negócios e valor acrescentado dos vários sectores marítimos.
Concluiu-se que os sectores mais preponderantes em termos de valor acrescentado
gerado são a marinha mercante, portos, Marinha, construção naval e equipamento naval;
e que as regiões europeias mais relevantes em termos marítimos (com mais estrelas
atribuídas segundo a classificação acima referida) são as do Norte ocidental, para os
sectores marítimos tradicionais, e as do Sul da Europa para a área do turismo e lazer. No
caso das pescas, verificam-se casos de sucesso um pouco por toda a Europa, sem que
seja possível encontrar um padrão regional231.
Para evidenciar as vantagens da organização em cluster remetemos ainda para o modelo
de seis passos de desenvolvimento de um cluster de Isaken e Hauge. Salientamos em
particular o facto de estes peritos considerarem que um cluster tem uma forte
capacidade de renovação e de permanecer activo durante décadas, se for capaz de evitar
o conformismo ou a especialização rígida232.
No entanto, há aspectos menos positivos a considerar. Tal como assinalam os autores
Wijnolst, Jenssen e Sødal, vários factores influenciarão o sucesso da implementação do
conceito de cluster. Um deles é o crescimento económico, uma vez que o comércio
internacional, um dos mais importantes motores da economia marítima, depende
grandemente do ritmo a que cresce a economia global. A crise económica e financeira
mundial que vivemos pode condicionar a implementação da Política Marítima Europeia,
como está já a condicionar e a reflectir-se nas previsões de crescimento de inúmeros
sectores, tanto mais que motivou intervenções políticas sem precedentes, nos Estados
Unidos da América, Reino Unido e em vários outros Estados europeus. A adopção de
medidas proteccionistas (que, apesar de tudo, no contexto da referida crise, parece até
agora ter sido possível evitar) pode ter um forte impacte no comércio internacional e nas
economias marítimas dos vários países (o mesmo podendo acontecer por razões de
228 Policy Research Corporation, 2009. Executive Summary, pp. 7 e 8. 229 Idem, ibidem, Report on Results, pp. 34 e 35. 230 Idem, ibidem, p 32. 231 Idem, ibidem, p 37. 232 Isaken, Hauge, 2002.
85
segurança, no seguimento de guerras ou ataques terroristas)233. Em suma, o ambiente
político vigente é a chave para o sucesso ou insucesso das economias marítimas234.
Face ao exposto, reconhecemos a dificuldade e complexidade inerentes à construção de
um cluster/hypercluster marítimo europeu (de base “continental”/comunitária). Mas não
podemos deixar de assinalar as inúmeras vantagens, referidas por vários autores e
comprovadas em estudos, deste modelo organizativo. Por outro lado, consideramos que
a existência de padrões de excelência, como os referidos acima, em algumas regiões da
Europa, bem como a existência de empresas europeias que são líderes mundiais em
alguns sectores de actividade marítima, podem constituir uma sólida base de partida
para a constituição do referido cluster/hypercluster marítimo europeu.
233 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, p 22. 234 Idem, ibidem, p 36.
86
PARTE III – ANÁLISE POLÍTICO-ESTRATÉGICA
3. Introdução
Para compreendermos melhor o interesse da existência de uma política marítima
europeia e, sobretudo, para perspectivarmos as suas condições de sucesso, temos
necessariamente de conhecer as condições de partida. Assim, em seguida
apresentaremos, de forma sumária, as políticas marítimas nacionais desenvolvidas por
algumas das principais potências marítimas europeias, destacando em particular os
exemplos da Holanda, de França e de Portugal. Apresentaremos igualmente o exemplo
norte-americano, por os EUA serem, ainda, a potência económica mundial e também
um país com uma forte vertente marítima, com o qual a Europa poderá eventualmente
aprender algo, em termos de política marítima235.
Mas, antes de partirmos para as políticas nacionais, há algumas condições de partida
genéricas que importa assinalar. Referimo-nos à falta de dados sobre a economia
marítima, na Europa e nos diferentes países individualmente, o que dificulta, quer a
chamada de atenção dos políticos para a importância desta área quer a
consciencialização, da classe política e da opinião pública em geral, acerca da
relevância económica, social e estratégica dos mares236.
Outro aspecto que nos parece significativo é o facto de não existir uma noção de
conjunto e da vantagem de se considerar o sector marítimo europeu de forma global.
Isto, não obstante os números referidos acima e algumas tentativas nesse sentido.
Destacamos, neste contexto, a iniciativa de criação, em 2005, da European Network of
Maritime Clusters, embora inclua um número reduzido de países (actualmente integra
11 países: Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Holanda, Noruega, Polónia,
235 Policy Research Corporation, 2009, p 21. Neste documento são apresentados, de forma sucinta, os clusters do Dubai e de Singapura, que se destacam sobretudo pela sua dimensão e ambição, bem como pelo facto de serem de gestão estatal. 236Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003; p 72. Os autores dão como exemplo um estudo promovido pela Comissão Europeia em 2001 [Policy Research Corporation, Institute of Shipping Economics and Logistics, 2001] que, não obstante o rigor com que fora realizado, não apresentava dados para uma série de sectores em inúmeros países (estando, neste caso, apenas em causa os 15 então Estados-membros da União Europeia e a Noruega, também incluída no estudo). Embora tenham já passados alguns anos sobre a data de realização deste estudo, estamos em crer que a situação não se alterou de forma considerável, em particular no que diz respeito ao efeito performativo que o conhecimento dos resultados económicos do sector marítimo deveria ter. Salientamos, no entanto, que a DG MARE tem levado a cabo, nos últimos anos, vários trabalhos que vêm permitindo um melhor conhecimento da realidade marítima europeia.
87
Espanha, Suécia e Reino Unido)237. O objectivo desta estrutura constituída por
organizações marítimas destes países é permitir a troca de experiências e reforçar o
desenvolvimento dos clusters marítimos dos vários países, e na Europa em geral. Na
verdade, esta apoiou desde o início a criação de uma política marítima europeia e
defende uma maior integração dos clusters marítimos dos diferentes países da Europa, a
um nível mais alargado (europeu)238.
O Maritime Industry Forum (MIF)239, criado pela primeira vez em 1992 (por iniciativa
da Comissão Europeia) e relançado depois em 2000, já sob a tutela de representantes da
indústria marítima europeia, é outro exemplo da existência de alguma vontade,
consciência e necessidade de congregação de esforços ao nível comunitário para dar
força ao sector marítimo. De notar que a missão desta estrutura define-se da seguinte
forma: “Permitir a existência de uma plataforma de comunicação permanente entre a
Comissão e a indústria, particularmente as pequenas e médias empresas; potenciar a
criação de sinergias entre as actividades marítimas e os vários sectores; dar contributos
para o debate político e apoiar o processo de tomada de decisão; melhorar o
envolvimento dos Estados-membros nas políticas marítimas; manter o Parlamento
Europeu a par dos desenvolvimentos e problemas das indústrias marítimas e envolver os
deputados do Parlamento Europeu, quando necessário; manter e promover um cluster
marítimo europeu competitivo, que inclua o know how marítimo; promover a
visibilidade das indústrias marítimas na opinião pública”240.
Outra estrutura interessante neste campo é a WaterborneTP241, uma plataforma
tecnológica europeia gerida e composta por representantes de diversos
sectores/subsectores marítimos e que inclui também participantes da Comissão e dos
Estados-membros. Esta tem produzido alguns documentos orientadores relevantes no
domínio da definição das prioridades em termos de investigação e desenvolvimento
tecnológico marítimos242.
237 Para mais informações consultar o site oficial desta estrutura, em http://www.european-network-of-maritime-clusters.eu/ (última consulta em 12.09.2009). 238 Wijnolst, 2006, p 5. 239 Site oficial: www.mif-eu.org (última consulta em 12.09.2009). 240 Traduzido do site oficial do MIF, disponível em http://www.mif-eu.org/bal_ims_controler.php?menu=ZWczaGAybGhmMmwyM2k1aA%3D%3D=&page=1&reset=search&letter=&window_close=all (última consulta em 12.09.2009). 241 Site oficial: www.waterborne-tp.org (última consulta em 12.09.2009). 242 Veja-se The Waterborne Implementation Route Map 2007, Waterborne Strategic Research Agenda (2003) e a Waterborne Stakeholders Medium and Long Term Vision with Horizon in 2020 (2005).
88
Demonstração clara da falta de visão e consciência em relação à importância do cluster
marítimo europeu reside no facto do European Cluster Observatory, financiado pela
Comissão Europeia para recolher e apresentar informação sobe clusters, nas diversas
áreas e países, da União, não fazer referência à noção de cluster marítimo europeu243,
mas antes aos vários clusters nacionais. A informação disponível é ainda parca e é
referido o sector das pescas isoladamente, o que nos parece uma perspectiva redutora,
tendo em conta todas as potencialidades dos mares e oceanos, como até agora já foram
evidenciadas.
Assim, existem algumas organizações de carácter mais global que denotam o despertar
das estruturais empresariais/industriais e da sociedade civil para a importância dos
assuntos marítimos e, em particular, do conceito de cluster marítimo. No entanto, estas
são recentes e/ou a sua capacidade de intervenção/influência tem-se revelado diminuta,
quer em termos sociais quer políticos.
Apresentadas, genericamente, as condições de partida no que respeita à consciência da
necessidade de uma visão integrada dos assuntos marítimos europeus, atentemos agora
sobre o grau de desenvolvimento e atenção dada às questões marítimas em alguns
países.
3.1. Algumas políticas marítimas nacionais
3.1.1. No contexto europeu
Na Europa, vários países com ligação estreita ao mar desenvolveram desde cedo uma
estratégia política e económica para retirar maior proveito deste meio natural que lhes
rodeava as fronteiras.
O Norte da Europa é, neste campo, um exemplo e um caso particularmente interessante,
não só pelo seu pioneirismo mas também pela capacidade de recuperação e
ultrapassagem das dificuldades que estas nações foram capazes de ter quando crises,
como a provocada pelo choque petrolífero de 1973, abalaram o sector marítimo.
Estudaremos em detalhe o caso da Holanda, paradigmático pelo pioneirismo na
aplicação da noção de cluster no sector marítimo, mas antes apresentaremos
sucintamente os exemplos de outros Estados europeus comunitários. A Dinamarca244
teve um percurso semelhante ao da Holanda (e também da Noruega) no domínio 243 Vide www.clusterobservatory.eu (última consulta em 12.09.2009). 244 Sobre o cluster marítimo da Dinamarca ver SaeR, Fevereiro de 2009, pp. 116 a 118.
89
marítimo. Adoptando igualmente o conceito de cluster (constituído no seu caso por dez
subsectores: armadores, estaleiros, fabricantes de componentes, autoridades portuárias,
companhias de serviços, instituições de investigação, instituições de formação,
autoridades nacionais, organizações de comércio e financiamento, e seguros), a
Dinamarca constituiu um órgão agregador e dinamizador da actividade do cluster
(embora outras associações tenham também um papel relevante no desenvolvimento do
cluster245). Trata-se do Centro de Desenvolvimento Marítimo da Europa, criado em
1999, com o objectivo de promover a inovação e a cooperação no cluster, bem como
divulgar a sua imagem, coordenar o transporte marítimo dinamarquês de curta distância
e a rede de auto-estradas do mar. Esta estrutura teve ainda um papel importante nos
fóruns internacionais e na promoção do sector além fronteiras. De notar que o cluster
marítimo representava, em 1999, cerca de 7 por cento do valor de produção da
economia dinamarquesa e 3 por cento dos empregos directos. A sua marinha mercante é
uma das mais potentes ao nível europeu; os armadores dinamarqueses operam 3 por
cento da tonelagem mundial, controlam, através de operações diversas, cerca de 7 por
cento dessa tonelagem e transportam 10 por cento das mercadorias do comércio
mundial; além disso, possuem várias empresas de armadores de dimensão internacional,
nomeadamente a empresa líder mundial de transporte contentorizado, cifras para as
quais a ajuda governamental, em particular na criação das condições infra-estruturais
necessárias, muito terá contribuído246. As entidades estatais (personificadas na
Autoridade Marítima Dinamarquesa, a funcionar na dependência do Ministério da
Economia e Assuntos Comerciais247) promoveram também as áreas da investigação,
desenvolvimento e tecnologia, nomeadamente através da criação, em 2005, do Danish
Maritime Trust Fund248. As preocupações com a saúde, o ambiente e a segurança
constituem outras das actividades centrais da Autoridade Marítima Dinamarquesa249. O
país é igualmente forte nos domínios da construção naval e da exploração offshore de
petróleo e gás natural.
Já na Finlândia250 a primeira abordagem das empresas do sector marítimo com vista à
implementação do conceito de cluster, através de um estudo realizado junto das
245 Wijnolst, 2006, p 69. O autor refere também a Association for Promotion of The Danish Shipping e a Danish Society for Naval Architecture and Marine Engineering. 246 Wijnolst, 2006, p 65 e pp. 75 a 79. 247 Idem, ibidem, pp. 71 e 72. 248 Idem, ibidem, p 69. 249 Idem, ibidem, p 74. 250 Sobre o desenvolvimento marítimo da Finlândia consultar SaeR, Fevereiro de 2009, pp. 118 a 120.
90
principais empresas do sector, foi feita em 2003. Nessa altura, foram identificadas nove
áreas principais para o cluster (companhias de transporte marítimo, empresas associadas
ao transporte marítimo, portos, operadores portuários e indústrias relacionadas,
associações e grupos de interesses, sector público251, áreas associadas252, estaleiros de
construção e reparação, e subcontratantes dos estaleiros). O referido estudo reputou-se
de extrema importância, ao ter permitido compreender e dar a conhecer a dimensão e
potencialidades do cluster marítimo finlandês que, já em 2001, só através dos sectores
da construção naval, transporte marítimo, portos e empresas associadas apresentava um
volume de negócios da ordem dos 11,4 biliões de euros. As empresas componentes do
cluster compreendem que precisam de melhorar as ligações entre si e de continuar a
investir na inovação, na tecnologia e na qualidade, ao mesmo tempo que fomentam a
imagem do comércio marítimo, essencial ao desenvolvimento do cluster. Virado mais
para a economia nacional, o cluster finlandês centra-se sobretudo nas rotas do Mar
Báltico. No entanto, tem dimensão mundial nas áreas da construção naval (em particular
de navios cruzeiro, ferries, e quebra-gelo) e das tecnologias navais. De assinalar ainda o
facto de o dinamismo do cluster finlandês ter permitido criar oportunidades de negócio
nas áreas financeira e seguradora.
Nesta abordagem breve a algumas políticas marítimas europeias, e nomeadamente
àquelas que seguiram o conceito de cluster, não poderíamos deixar de referir o caso do
Reino Unido253. Este país líder no sector marítimo europeu, constituiu o seu cluster – o
Sea Vision UK – em 2003. Teve a particularidade de todo o processo de criação do
cluster ter sido acompanhado de uma campanha nacional de sensibilização para o
conhecimento do mar, dirigida à opinião pública em geral e aos jovens em particular254.
Na verdade, os objectivos gerais deste cluster são relativamente diferentes dos da
generalidade de outros clusters europeus. No caso britânico, a principal preocupação
prendeu-se com a imagem e visibilidade do cluster e do sector marítimo. Promoção e
sensibilização são palavras-chave do Sea Vision UK. “Aumentar a atenção e a
251 Neste sector incluem-se as áreas da formação, investigação e desenvolvimento, administração, entre outras. 252 Tais como finanças, seguros, classificação. 253 Sobre o cluster marítimo do Reino Unido remetemos para SaeR, Fevereiro de 2009, pp. 124 a 126; e Wijnolst, 2006, pp. 93 a 103. 254 SaeR, Fevereiro de 2009, p 125. De notar que os autores salientam a importância da fortíssima campanha de promoção do conhecimento dos mares junto das camadas mais jovens, bem como da cativação destas para as profissões ligadas ao sector marítimo. “É notável o esforço feito, permanentemente, no desenvolvimento da ideia da maritimidade do Reino Unido, na imagem e visibilidade do mar e na captação de jovens para as diversas carreiras profissionais do mar, civis e militares”.
91
compreensão do valor do mar e das actividades marítimas que contribuem para a
economia e a sociedade [britânicas]; e, através disso, atrair os jovens, não só porque
estes são a população futura que poderá manter o cluster, mas também porque o cluster
precisa do seu envolvimento e entusiasmo, para que se interessem por uma ou outra
carreira no sector marítimo” são alguns dos objectivos assumidos pelos responsáveis
britânicos255. Eliminar a imagem negativa vigente em relação às actividades ligadas ao
mar foi outra das preocupações do cluster. Exemplo desse investimento continuado na
visibilidade e reputação do cluster e na atracção das gerações mais jovens é o site256 da
estrutura, visivelmente diferente das demais espaços institucionais na Internet de
estruturas homólogas de outros países. Neste site, imagens apelativas, com impacto e
atraentes, sobe o mar e as suas diversas actividades, sucedem-se, juntamente com frases
curtas que dão conta dos “feitos” do Reino Unido em diversas áreas da economia
marítima. As mensagens-chave257 são também transmitidas com grande eficácia e
precisão, ao mesmo tempo que se promovem uma série de acções originais e igualmente
apelativas para os mais jovens258. O cluster britânico tem 14 componentes (marinha
mercante; marinha de recreio e construção de embarcações de recreio; equipamento
marítimo; marinha de guerra; portos; tecnologia submarina; agências ambientais;
exploração e produção de petróleo e gás; construção, reparação e classificação de
navios; escolas superiores de ensino náutico; institutos e sociedades profissionais;
sindicatos; pesca comercial; associações e clubes de serviços voluntários); a sua
heterogeneidade e a inclusão de alguns subsectores ditos “não tradicionais” nos clusters
marítimos é uma das marcas distintivas do cluster britânico. A sua produção representa
5 por cento do PIB do Reino Unido, oferecendo emprego a 254 mil pessoas. Outra das
características do Sea Vision UK é o facto de, apesar de ter uma dimensão nacional
(sendo liderado pela Chamber of Shipping), a sua aplicação prática ficar a cargo de
255 Wijnolst, 2006, p 94; ver também p 95. 256 www.seavisionuk.org (última consulta em 12.09.2009). 257 http://www.seavisionuk.org/about_sea_vision/core_messages.cfm (última consulta em 12.09.2009). As mensagens são três: “Our seas are vital to trade, energy, defence, leisure and the environment”; “The UK maritime sector makes a major contribution to our economy and quality of life”; “Our maritime sector industries are modern and high-tech and offer excellent career opportunities”. 258 P. e., concurso de fotografia sobre o mar, produção de uma revista dirigida ao público jovem com informação sobre as carreiras e oportunidades existentes no sector marítimo; realização de diversas actividades com escolas, com vista ao estabelecimento de ligações entre as escolas/alunos e as empresas, neste caso do sector marítimo (p. e., por meio de patrocínios às actividades escolares, envolvimento de pessoas do meio empresarial nos currículos e órgãos de decisão escolares, etc.).
92
estruturas locais e regionais259. Outra das especificidades deste cluster é o investimento
feito, ao que tudo indica com bons resultados, na promoção da formação contínua e da
qualificação dos profissionais ligados ao mar. Para o efeito, têm sido particularmente
relevantes dois grupos constituídos no âmbito do cluster: a Maritime Skills Alliance e a
Science, Engineering, Manufacturing Technologies Alliance260.
De notar que até países ditos continentais da União Europeia têm uma importante
presença no sector marítimo. Um caso relevante a mencionar é o da Alemanha, que, na
região Norte, contém o maior cluster marítimo da Europa, em dimensão, densidade e
variedade. O cluster marítimo da Alemanha do Norte261 é composto por seis sectores
(marinha mercante, construção naval civil, construção naval militar, portos,
equipamento marítimo civil e militar, marinha de recreio, incluindo construção de
embarcações de receio). Uma das suas peculiaridades prende-se com o facto de o
Governo ter uma forte intervenção e mesmo um papel de dinamização e coordenação
importante262. O sector marítimo alemão retirou grandes vantagens competitivas da
percepção prospectiva da mais-valia do transporte marítimo, criando assim uma das
maiores frotas marcantes do mundo (tal ficou a dever-se também a uma reposição de
vários navios sob bandeira alemã após a introdução de um sistema fiscal do tipo
holandês263). Os armadores alemães granjearam posição mundial na área do transporte
de carga contentorizada (a Alemanha detinha mais de mil navios porta-contentores, em
2006, a maior frota do mundo deste segmento) e também de navios de outros tipos.
Aliada a este sector, desenvolveu-se uma forte área de construção naval, que inclui a
construção e reparação de navios de tipologia e complexidade muito variada. A
Alemanha é ainda forte na produção de componentes para navios. A capacidade
exportadora da indústria marítima é igualmente assinalável. Em 2005, a indústria de
produção de navios alemã gerou 6,1 mil milhões de euros e apresentou uma taxa de
exportação de 50%. Já no sector dos fornecedores de equipamentos o volume de
negócios, nesse mesmo ano, cifrou-se em 8,3 mil milhões de euros, dos quais 66%
corresponderam a exportações. Conjuntamente, estes dois sectores empregavam à data
100 mil pessoas. Aliás, o investimento na investigação e no desenvolvimento de novas 259 Wijnolst, 2006, pp. 99 a 101. Exemplos: Maritime London, Marine South West, Mersey Maritime, Marine South East. 260 Idem, ibidem, pp. 101 a 103. 261 Sobre o cluster marítimo da Alemanha do Norte consultar SaeR, Fevereiro de 2009, pp. 120 a 122; e Wijnolst, 2006, pp. 29 a 38 (entrevista com o secretário de Estado dos Assuntos Marítimos alemão em 2006, Georg Wilhelm Adamowitsch). 262 Wijnolst, 2006, pp. 34 e 35. 263 Idem, ibidem, p 29.
93
tecnologias constitui outra das características do cluster alemão, que detém hoje uma
forte posição no sector da inovação tecnológica aplicada à electrónica naval, à robótica
submarina e a novas formas de propulsão. A Alemanha também tem apoiado a
investigação e inovação nesta área tendo, com a aprovação da União Europeia,
concedido um subsídio de 20% para a promoção da aplicação de inovações industriais
ao sector da construção naval, que totalizava 60 milhões de euros para o período 2006-
2009. Isto além de o sector marítimo beneficiar de uma pequena fatia do orçamento de
23 milhões de euros dedicado à investigação e desenvolvimento (R&D). No sector
marítimo, a prioridade da Alemanha é claramente a qualidade e a inovação, em
particular no segmento dos equipamentos e algum tipo de navios264. A Alemanha dá
igualmente particular importância à segurança marítima, consciente dessa necessidade,
tendo em conta que 85% das suas exportações seguem por via marítima para os países
de destino, e também que detém já alguns avanços neste domínio, nomeadamente ao
nível de satélites e submarinos apetrechados com a mais alta tecnologia.
O caso alemão apresenta ainda uma particularidade curiosa: o cluster marítimo foi
organizado essencialmente por iniciativa governamental, ao contrário do que aconteceu
na maioria dos restantes países europeus. Igualmente característico é o investimento
alemão na educação, havendo mesmo metas estabelecidas em termos de formação de
engenheiros e profissionais ligados às tecnologias marítimas265.
Por outro lado, importa referir a igualmente exemplar estrutura portuária e a sua
articulação com o sector marítimo, de que são exemplo os portos de Hamburgo e
Bremen. Os sectores dos portos e transportes marítimos geravam, em 2005, 100 mil
postos de trabalho.
Espanha266 merece também uma referência, ainda que seja um cluster muito recente.
Na verdade, a Associação do Cluster Marítimo Espanhol foi constituída em Outubro de
2007. Nessa altura, foram identificados oito sectores integrantes do cluster (transporte
marítimo, portos, construção naval, pesca, aquacultura, náutica desportiva e de recreio,
investigação científica e organismos de formação), sendo que destes os domínios da
construção naval e indústrias afins, pescas, aquacultura e náutica desportiva e de recreio
são os mais relevantes. De notar que, no caso espanhol, embora não seja possível avaliar 264 Idem, ibidem, p 32. O secretário de Estado Georg Wilhelm Adamowitsch assume de forma clara que há segmentos, nomeadamente o da produção de grandes navios ou porta-contentores, nos quais a Alemanha considera que não vale a pena competir com países que são mais eficientes na sua produção, como o Japão, a Coreia ou a China. 265 Idem, ibidem, p 38. 266 Sobre o desenvolvimento marítimo de Espanha consultar SaeR, Fevereiro de 2009, pp. 126 a 133.
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resultados devido à curta existência da experiência, os autores portugueses salientam o
rigor com que foi feito o planeamento dos objectivos e missão do sector. Além disso, os
peritos portugueses falam, e apenas neste caso, em hypercluster e não em cluster, e
apresentam detalhadamente o caso do hypercluster da Galiza (o único da fachada
Atlântica da Península Ibérica e o maior de Espanha). No caso da Galiza267, são
identificadas três grandes áreas: pesca e aquacultura; marinha mercante e portos;
construção naval e equipamentos. Em relação ao primeiro segmento de actividade, a
Galiza é a maior comunidade autónoma de Espanha no sector dos produtos de pesca e
seus derivados, contribuindo largamente para o sétimo lugar que o país vizinho detém,
ao nível mundial, na exportação destes produtos. É também na Galiza que se localiza o
maior armador espanhol; e só esta comunidade tem 122 portos e instalações portuárias.
Em particular, detém cinco portos de interesse geral – Vigo, Corunha, Ferrol, Vila
Garcia e Marin – sendo o Porto de Vigo o mais importante, facto pelo qual se encontra
actualmente numa importante fase de ampliação e reestruturação. Importa ainda apontar
a construção naval, tanto a civil como a militar, como área crucial para o sector
marítimo galego. Aliás, a sua pujança e papel de liderança pode verificar-se pelo facto
de ter sido criado o Cluster do Sector Naval Galego. De assinalar ainda o facto de a
Galiza ter vindo a investir em novas áreas, como a biotecnologia, detendo já diversas
empresas aí sedeadas e mão-de-obra altamente qualificada a trabalhar, nomeadamente,
na pesquisa de novos fármacos de origem marinha.
Itália268, por seu turno, fundou em 1994 a Federazione del Mare, que alberga grande
parte das organizações representantes dos diversos subsectores marítimos italianos.
Números de 2004 indicam que este cluster contribui para 2,7% do PIB italiano e
representa 4,7% das exportações, além de oferecer 1,6% dos postos de trabalho
existentes em Itália. No total, o cluster marítimo italiano gerou, em 2004, 36,5 milhões
de euros, sendo que destes 31 995 milhões são fruto das actividades de logística e
serviços portuários; transporte marítimo; construção naval e construção de embarcações
de lazer (mais actividades de turismo relacionadas); e pescas. Além do evidente peso do
cluster marítimo no PIB italiano, é igualmente assinalável a capacidade empregadora do
sector marítimo. Em 2004, o cluster gerava 122 386 empregos directos, sendo os
subsectores das pescas (46 286 postos de trabalho), do transporte marítimo (26 300) e
das actividades e serviços portuários (26 048) os que requeriam mais mão-de-obra. A
267 Sobre o hypercluster marítimo da Galiza consultar SaeR, Fevereiro de 2009, pp. 127 a 133. 268 Vide Wijnolst, 2006, pp. 53 a 63.
95
capacidade do cluster para gerar trabalho indirecto é ainda mais notável (211 224 postos
de trabalho indirectos, em 2004). Outro facto de monta é que este é o segundo sector
com mais elevado valor acrescentado por posto de trabalho em Itália (101 mil euros,
apenas superado pelo sector das telecomunicações).
De salientar igualmente os efeitos multiplicadores269 gerados pela elevada interligação
existente entre os diferentes componentes do cluster e deste com outros sectores de
actividade (banca, finanças, seguradoras270). A flexibilidade das redes existentes entre
os diferentes subsectores do cluster é outra característica relevante. Algumas regiões,
como La Spezia, Viareggio e Massa Carrara, ou Gaeta e Argentario, são bons exemplos
de redes, muitas vezes informais, onde circulam conhecimento, dados profissionais e se
geram iniciativas, resultado de uma boa articulação entre empresas (neste caso da
construção naval e do sector das embarcações de recreio) que permite o
desenvolvimento de um bom modelo de produção e o fomento do crescimento
económico. Em suma, o cluster marítimo italiano tem um peso relevante na produção da
riqueza nacional e na criação de empregos, importância que foi crescendo até pelo efeito
compensador sobre a quebra decorrente da desindustrialização do país. O peso deste
sector é também notório pelo volume de importações e exportações italianas que usam o
mar como via de circulação (tanto 80% das importações como 80% das exportações).
Apresentadas, genericamente, a situação da economia e política marítimas em vários
países europeus, exporemos agora com maior detalhe os casos da Holanda, França e
Portugal271, seguindo-se depois a apresentação de um exemplo extra-europeu, o dos
Estados Unidos da América. Para estes países sistematizaremos, no final de cada
apresentação, os pontos fracos e os pontos fracos das suas políticas marítimas, de modo
a facilitar a análise, que se pretende global, da realidade marítima na Europa e também
na maior potência económica mundial.
269 Ver Anexo E. 270 Sendo o cluster marítimo italiano um sector de investimento intensivo, a banca e o sector segurador e financeiro em geral desempenham um papel importante. Só o valor total gasto pelo cluster marítimo em serviços de seguradoras contabilizou, em 2004, 250 milhões de euros e o investimento financeiro requerido pelos sectores dos serviços e da indústria do cluster marítimo totalizou 494 milhões de euros. Vide Wijnolst, 2006, p 61. 271 De notar que a opção pela apresentação do caso português prende-se não com o facto de ser um exemplo de sucesso, ao nível da gestão dos assuntos do mar, mas por se tratar do nosso país e merecer, por isso, em nosso entender, um destaque especial.
96
3.1.2. A política marítima da Holanda
A escolha da Holanda, por definição o país roubado ao mar, deve-se não só ao facto de
esta ser indubitavelmente uma nação com uma intrínseca ligação ao mar, mas também
pelo seu pioneirismo na construção e implementação do conceito de cluster. O cluster
marítimo holandês é, de resto, deveras desenvolvido e completo, pelo que julgamos de
extrema relevância fazer aqui uma breve descrição do seu funcionamento.
Para o efeito, utilizamos como principal base bibliográfica o livro European Maritime
Clusters: Global trends, Theoretical Framework, The cases of Norway and The
Netherlands, Policy Recommendations272. Em primeiro lugar, importa desde logo
esclarecer que, ao contrário das bases de apoio utilizadas para estudar e compreender as
políticas marítimas dos demais países europeus referidos na presente tese, no caso
holandês baseamo-nos num livro que tem um objecto mais amplo: os clusters
marítimos, a sua dinâmica e viabilidade a longo prazo, bem como as medidas políticas
que podem reforçar a sua presença e desenvolvimento. Embora dediquem uma boa parte
a analisar o modelo teórico dos clusters, é precisamente no caso holandês (e também no
norueguês273) que os autores se baseiam para demonstrar de forma prática e real o
funcionamento dos clusters marítimos.
O cluster marítimo holandês representa 3% do produto interno bruto e 5,5% das
exportações holandesas274. Este cluster apostou fortemente nas exportações e numa
nova política para os navios (introduzida em 1996), que tem sido importada por
diversos países europeus e contribuído de forma significativa para recuperar o uso de
bandeiras europeias nos navios. Entre 1997 e 2002, o cluster marítimo cresceu 20%,
suplantando vários sectores industriais da economia holandesa275.
A indústria dos navios e o comércio, nomeadamente o internacional, têm tradição
histórica na Holanda e nos dias de hoje continuam a ter um papel preponderante na
economia e no cluster marítimo holandês. No início do século XX, a Holanda era já
uma das nações líderes pela dimensão da sua frota naval, na construção naval, na
272 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003. A escolha desta base bibliográfica prende-se com o facto de não haver conhecimento de mais bibliografia inglesa sobre o caso holandês e o desconhecimento da língua holandesa não nos permitir o uso de bibliografia original. Complementámos a nossa análise com o recurso a Wijnolst, 2006, pp. 105 a 115 (descrição do cluster marítimo holandês por Henk Janssens, director operacional do Dutch Maritime Cluster, em 2006). 273 Por a Noruega ser um país não pertencente à União Europeia, entendemos que o estudo do seu caso não seria relevante, tendo em conta o objecto da presente tese. 274 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, p 17. 275 Idem, ibidem.
97
indústria dos equipamentos marítimos, pesca, drenagem, indústria de iates e navios de
luxo, na marinha, portos e nos serviços marítimos. Já então o cluster marítimo existia,
embora sem uma referência explícita, bem como sem uma compreensão clara dos seus
mecanismos de funcionamento e dominantes de sucesso276.
O cluster marítimo sobreviveu à crise económica dos anos 30 do século passado, mas
foi severamente afectado pela Segunda Guerra Mundial e sobretudo pelo período pós-
guerra. Não obstante, o forte cluster holandês resistiu e recuperou a sua vitalidade com a
dinamização das trocas comerciais ao nível mundial a partir dos anos 50. O Porto de
Roterdão soube acompanhar a mudança e preparou-se para receber navios de grande
porte, tornando-se num atractivo porto, pela sua localização, para o comércio
internacional, em especial para a indústria petroquímica. Os holandeses não
acompanharam o “filão” do transporte marítimo de mercadorias a granel (bulk shipping)
nem dos navios transportadores de petróleo; eram mais fortes no domínio dos portos e
logística, bem como na recepção de carga contentorizada e, por esse facto, foram
pioneiros no “mercado” dos navios porta-contentores e são ainda hoje detentores de
uma das maiores companhias de contentores do Mundo. A Holanda tornou-se
especialista na produção de vários tipos de navios (de passageiros, de contentores, de
drenagem, etc.) o que promoveu, por seu turno, a dinamização da indústria de produção
de equipamentos marítimos.
Além disso, as crises petrolíferas do século XX fizeram crescer o interesse pelas
offshore de petróleo e gás e os holandeses tornaram-se também especialistas na oferta
de serviços offshore277.
O pioneirismo holandês verificou-se em vários outros sectores relacionados com o mar,
quase sempre como resposta a uma necessidade. É o caso da Marinha holandesa, que
por imposição de redução de custos experimentou uma forte inovação e tornou-se líder
em tecnologia marítima. De notar que até áreas paralelas, como os sectores financeiro,
da investigação e da consultoria, tiveram um forte impulso graças ao cluster
marítimo278.
276 Idem, ibidem, p 121. 277 Idem, ibidem, p 122. 278 Idem, ibidem, p 123.
98
Este foi inclusive capaz de responder a duas crises de monta, a saber, uma na indústria
da construção naval, na sequência da crise do petróleo dos anos 70, e outra crise na
indústria naval, nos anos 80279.
Mas, como assinalam os autores, a superação das crises foi possível também devido à
intervenção política. Para a criação do cluster marítimo holandês muito contribuiu a
introdução de uma nova política para o sector, elaborada na base de um estudo levado a
cabo em 1993/94280.
Este estudo foi determinante e uma das suas principais conclusões foi no sentido de que
o grande valor acrescentado do sector naval estava em terra e não a bordo (70 por cento
em terra, em actividades directas e indirectas, contra apenas 30 por cento a bordo). Este
facto permitiu perceber que a nacionalidade das tripulações ou da bandeira dos navios
era menos importante do que se pensava. Tal levou à implementação de uma série de
medidas facilitadoras e incentivadoras das actividades marítimas e da propriedade de
navios, com ou sem bandeira holandesa, como a introdução de um sistema de tributação
de taxa fixa com base na tonelagem (tonnage tax) e a atribuição de apoios financeiros
aos detentores de navios, como compensação pelos custos sociais281. As medidas foram
introduzidas no primeiro dia do ano de 1996 e superaram até as expectativas dos autores
do estudo. Como resultado, vários navios voltaram a ter registo holandês e muitos mais
foram encomendados, e alguns mesmo construídos nos estaleiros holandeses282.
O sucesso do primeiro pacote de medidas levou o Governo holandês a seguir uma outra
recomendação dos consultores: reforçar a rede de empresas ligadas à indústria naval e
retirar maior valor acrescentado do sector marítimo como um todo, isto é, do cluster
marítimo. A Dutch Maritime Network283 surgiu em Julho de 1997, como resultado da
iniciativa privada, detendo uma direcção independente composta por líderes da indústria
marítima e o apoio financeiro das organizações de comércio e do Governo holandês,
através dos ministérios dos transportes e dos assuntos económicos284. O Governo tinha
inclusive um observador na plataforma, embora sem poderes decisórios.
279 Idem, ibidem, pp. 122 e 123. De acordo com os autores, após as referidas crises “emergiu uma indústria de construção naval de baixo custo, flexível e inovadora”. 280 Idem, ibidem, p 124. Este estudo intitulava-se “O Futuro do Sector Marítimo Holandês”, foi elaborado por um conjunto de reputados peritos e académicos do meio e foi patrocinado pelo Ministério dos Transportes, Obras Públicas e Gestão das Águas holandês. 281 Idem, ibidem, p 124. 282 Idem, ibidem. 283 A Dutch Maritime Network mantém-se ainda hoje activa, funcionando como uma estrutura de suporte do cluster marítimo, através da investigação e estudo da realidade marítima do país. A organização tem aliás várias publicações. Vide www.dutch-maritime-network.nl (última consulta em 19.09.2009). 284 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, p 124.
99
Foi o trabalho desta instituição que permitiu a definição teórica do cluster marítimo
holandês, com 11 sectores285 286. Em 1997/98 este cluster incluía quase 11 850
empresas, dos vários sectores; e os 11 sectores dividiam-se em 67 segmentos. Como
assinalam os autores, o facto de muitos destes sectores não serem exclusivamente
marítimos e pertencerem também a outros clusters ou áreas dificultava o trabalho. Além
disso, a discrepância, em termos de dimensão e características, das várias empresas que
compunham o cluster eram igualmente um aspecto importante287.
Um outro aspecto considerado muito relevante para o sucesso do cluster holandês
prende-se com as organizações comerciais criadas em torno dos vários sectores (excepto
a Marinha). Estas têm um papel fundamental de lobbying junto das instâncias
governamentais e de estabelecimento das redes necessárias ao dinamismo do cluster. Os
autores sugerem, no entanto, que estas organizações se fundam, em alguns casos, de
modo a ganharem maior dimensão e poder negocial288. De notar, contudo, que a Dutch
Maritime Network pretendia, desde o início, funcionar como uma plataforma
integradora das diversas organizações comerciais (e não como estrutura de lobby)289.
3.1.2.1. Impacte económico do cluster
Os consultores holandeses calcularam o impacte económico do cluster em resultados
directos e indirectos. Foram feitos dois estudos, um em 1998/99 e outro em 2003. Em
1997, o total da produção do cluster cifrou-se em 20,3 mil milhões de euros e o valor
acrescentado em 10,6 mil milhões de euros. Cinco anos depois, em 2002, o total da
produção havia aumentado 22% e o valor acrescentado tinha crescido 19%. Os sectores
que maior valor acrescentado tinham gerado eram os dos portos (29%) e o das offshore
(13%), mas os restantes sectores alcançaram cifras próximas (com excepção do sector
das pescas). O crescimento do segmento dos navios, como resultado das medidas
políticas implementadas (acima referidas), foi também assinalável290.
285 Os sectores que compõem a o cluster marítimo holandês são: transporte marítimo, portos, serviços marítimos, construção naval, equipamentos marítimos, embarcações de recreio, pescas, dragagem, offshores de energia, marinha de guerra, transporte fluvial. A descrição dos sectores e das suas subsecções pode ser encontrada em idem, ibidem, pp. 127 e 128. 286 Ver Anexo G. 287 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, pp. 126 e 127. 288 Idem, ibidem, pp. 128 e 129; ver também anexo H. 289 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, p 129, parágrafo 3.º 290 Idem, ibidem, pp. 130 e 131.
100
O impacte na economia holandesa em geral foi igualmente significativo. O cluster criou
135 mil empregos directos e 55 mil postos de trabalho indirectos291. No cômputo geral
do PIB holandês, o valor acrescentado gerado, em 1997, pelo cluster marítimo era de
3,1%, enquanto o peso na balança das exportações do país situava-se nos 5,5% (em
2002, estes números eram relativamente menores, uma vez que outros sectores de
actividade haviam crescido mais do que o marítimo).
O valor arrecadado pelo Estado holandês (em receitas de impostos e afins) em resultado
da actividade do cluster era também crescente: em 1997, não chegava aos 4 mil milhões
de euros e, em 2002, rondava já os 4,5 mil milhões de euros292.
As relações económicas entre os vários componentes do cluster são robustas e
multifacetadas, mas, como assinalam os autores, este está fortemente exposto e
dependente dos mercados internacionais. Não obstante, os peritos consideram que os
vários sectores do cluster detêm boas condições e mesmo uma vantagem competitiva
para marcar presença nos mercados externos293.
Em suma, os autores concluem que, perante os dados acima referidos, é evidente que o
cluster marítimo holandês existe. O estudo da Dutch Maritime Network de 1999
apresenta, de resto, como uma das suas principais conclusões que o cluster marítimo
holandês cumpre a definição e requisitos de Michael Porter para a formação de um
cluster: fortes relações económicas internas, rápida disseminação da inovação, pontos
de ligação nas cadeias de transporte e nos mercados de trabalho entre os vários sectores
marítimos294. Outras características deste cluster que parecem ter sido decisivas para o
seu sucesso é a localização geográfica e dimensão da Holanda295.
291 Idem, ibidem, p 131, parágrafo 4.º 292 Idem, ibidem, p 134. Ver também anexos I, J, K e L. 293 Idem, ibidem, p 135. Ver também anexo M. 294 Wijnolst, 2006, p 106. 295 Idem, ibidem, pp. 109 e 110.
101
3.1.2.2. Medidas políticas296
A Dutch Maritime Network tinha, como vimos, funções de consultoria e de criação de
condições gerais favoráveis ao desenvolvimento do cluster. Nesse sentido, levou a cabo
um conjunto de políticas que se pode resumir à intervenção em dez áreas consideradas
prioritárias. A inovação é uma dessas áreas e, neste âmbito, foi criado o Maritime
Innovation Forum, no qual as estruturas ligadas à inovação dos vários sectores podiam
promover parcerias e a cooperação intersectorial.
Outra área prioritária era a das exportações, crucial num país pequeno como a Holanda
e no sector em causa. Embora as exportações representassem já 60% da economia do
cluster, também neste campo foi decido criar um espaço de diálogo e cooperação (o
Maritime Export Forum).
O mercado interno era igualmente uma preocupação, até pelo peso do sector da
construção naval. Os consultores elogiaram as medidas simples e eficazes tomadas pelo
Governo holandês no domínio da navegação e sugeriram, quer a monitorização e
actualização destas medidas e seu cumprimento quer a sua aplicação a outros sectores
de actividade, nomeadamente ao offshore, como forma de dinamizar e gerar
competitividade no mercado interno holandês.
A quarta área de intervenção era a das infra-estruturas e do planeamento. Os consultores
chamaram a atenção para o facto de as obras necessárias em termos de infra-estruturas,
de modo a dinamizar vários sectores do cluster marítimo, nomeadamente ao nível dos
transportes e das comunicações, serem geralmente avultadas, do ponto de vista
financeiro, razão pela qual são por vezes adiadas pelas autoridades governamentais.
Para o efeito, os representantes do cluster propuseram o estabelecimento de parcerias
público-privadas com vista à edificação desses grandes projectos.
A mudança do meio de transporte dominante, do rodoviário para o transporte
ferroviário, marítimo interno ou marítimo de curta duração, era mais uma das
prioridades. A Dutch Maritime Network propôs um conjunto de medidas de apoio aos
proprietários de navios e receptores da carga, inclusive financeiras, de modo a
incentivar a mudança do meio de transporte de mercadorias dominante dentro da
Europa.
Com a crescente globalização e a entrada de novos países no comércio internacional, a
preocupação com a não distorção das regras e condições de mercado, em suma, com o
296 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003, pp. 136 a 140.
102
chamado “fair trade”, tornou-se mais premente. Por isso, os consultores propuseram a
criação de uma espécie de regulador do mercado marítimo.
Ao nível dos apoios financeiros, os peritos recomendaram a criação de apoios que
facilitem os investimentos das pequenas e médias empresas, quer ao nível do crédito
quer do foro fiscal. Sugeriram também a criação do Maritime Capital Forum.
O fomento da rede que se estabelecera com a criação da Dutch Maritime Network entre
as várias empresas que compõem o cluster era igualmente considerado relevante. Os
consultores defenderam também ser importante promover, junto da opinião pública
holandesa, a imagem do cluster, como detentor de empresas de sucesso e grande
contribuinte para a economia do país.
Por outro lado, era imperativo dar especial atenção aos recursos humanos do sector
marítimo, uma área onde a falta de mão-de-obra qualificada era evidente e crescente. Os
especialistas sugeriram várias medidas para combater o problema, como sejam a
flexibilização das regras laborais, a promoção das profissões ligadas ao mar, o
investimento na educação e maior contratação de estrangeiros.
Por fim, foi recomendada a simplificação da estrutura de procedimentos e do canal de
comunicação entre o Governo e o sector privado, o que não era fácil, tendo em conta
que eram sete os ministérios directamente envolvidos na actividade do cluster.
Os analistas calcularam depois o impacte da implementação destas medidas a curto
prazo e a longo prazo. Neste último cenário, calculado até 2020, o cluster conseguiria
um acréscimo ao crescimento autónomo da sua produtividade de 1%.
Após a consulta aos seus membros, a Dutch Maritme Network decidiu dar prioridade a
quatro áreas, onde se considerou que teria mais facilidade de actuação, a saber, a
comunicação/imagem do cluster; mercado de trabalho e formação; exportações; e
inovação.
De notar que os autores do livro colocaram a tónica do crescimento do cluster marítimo
holandês nas exportações. Estes consideram que o cluster terá tendência a aumentar a
sua quota de exportações, mas assinalaram que o crescimento e internacionalização das
empresas levará a uma mudança estrutural do cluster. O risco da deslocalização dos
investimentos das empresas para os mercados emergentes da Europa de Leste e da Ásia
é real, pelo que a Holanda, enquanto país, tem de conseguir manter-se como uma
localização atractiva para os investimentos marítimos. O papel do Governo, a orientação
política e importância dada ao sector marítimo será igualmente um factor determinante.
Até porque, como salientam os autores, a existência de um mercado interno forte é
103
fundamental para a economia marítima e para o cluster. O combate às medidas
proteccionistas impostas por alguns países e o “unfair trade” é de igual modo
determinante e, uma vez mais, a intervenção das autoridades governamentais será
decisiva297.
Por fim, os autores recomendam uma abordagem europeia em algumas questões
marítimas, como seja o transporte marítimo de curta distância. Assinala-se que a
economia marítima holandesa beneficiaria da existência de uma acção conjunta ao nível
europeu neste domínio e defende-se mesmo a criação de uma política europeia de/para
clusters marítimos298.
Deixamos uma nota final nesta breve apresentação do caso holandês para dizer que os
holandeses “reclamam” para si o início da atenção dada aos assuntos marítimos na
União Europeia, considerando que o seu poder de influência está patente inclusive no
modelo preconizado para o transporte marítimo na UE. Mas, mais importante que este
facto, é o de haver uma clara predisposição da Holanda, e nomeadamente das suas
autoridades, para defender a ideia da existência de uma rede de clusters marítimos
europeia e de uma política marítima europeia299.
3.1.2.3. Análise Crítica: Síntese
Pontos fortes
Pioneirismo e experiência: A Holanda foi pioneira na introdução da organização em
cluster no sector marítimo na Europa, tendo uma longa experiência nesta área. Além
disso, o seu cluster marítimo é forte, bem organizado, detendo várias estruturas de apoio
e interligações coerentes e duradouras.
Capacidade exportadora: As exportações têm um peso relevante no cluster marítimo
holandês, como referido acima, o que é importante não só para a economia global do
país como para o seu posicionamento na cena internacional. Contudo, a evolução e
mudanças em curso no mundo globalizado do século XXI, nomeadamente com a
emergência de novas potências comerciais com forte capacidade exportadora, podem
transformar este ponto forte num condicionalismo sério às ambições económicas e
geopolíticas da Holanda.
297 Idem, ibidem, p 141. 298 Idem, ibidem, p 142. 299 Wijnolst, 2006, p 3 (prefácio do então Ministro dos Transportes holandês, Karla Peijs). Sobre as prioridades que os holandeses preconizam para a política marítima europeia ver também pp. 112 a 114.
104
Capacidade de inovação: o país tem demonstrado capacidade e visão para liderar os
processos nas áreas de futuro, o que constitui uma mais-valia. Detém quadros
científicos e técnicos altamente qualificados e revela preocupação com a especialização
destes na área marítima.
Cultura marítima arreigada: Sendo historicamente um país marítimo, a Holanda
soube conservar e potenciar a sua cultura ligada ao mar a favor da economia e do cluster
marítimos. Este capital social e cultural é determinante, nomeadamente para permitir o
interesse político neste sector, e tem de ser mantido e alimentado constantemente.
Estratégia política e capacidade técnica: Os actores políticos souberem, no passado,
seguir as recomendações técnicas, válidas e devidamente fundamentadas, demonstrando
bom senso e visão. Tal foi determinante na acção percursora da Holanda no domínio
marítimo, visível até no facto de o modelo do tonnage tax ter sido replicado em diversos
países. Importa, contudo, que a visão dos estadistas holandeses do passado se mantenha,
permitindo o apoio político essencial de que o cluster marítimo sempre beneficiou, o
que, como é sabido, não é um dado adquirido.
Pontos fracos
Dimensão: A Holanda é um país pequeno e, apesar de ter uma economia e um mercado
interno relativamente fortes, tal poderá não ser suficiente para fazer face às novas forças
motrizes e actores em cena no comércio internacional. O condicionalismo da sua
reduzida dimensão poderá eventualmente ser ultrapassado pelo potencial da sua
localização geográfica, nomeadamente no quadro de uma União Europeia que se
assuma como potência marítima regional.
Capacidade de adaptação às “novas regras” do comércio internacional: As
consequências da deslocalização de várias das suas empresas podem ser devastadoras
para o cluster marítimo, tal como assinalam os autores acima citados. A forte
regulamentação, em termos sociais e laborais, característica da generalidade dos
Estados-membros da União, pode também tornar-se um condicionalismo demasiado
limitador para as empresas holandesas que têm de competir no comércio internacional.
Importa, por outro lado, saber se o Estado holandês conseguirá de alguma forma lidar
com o “unfair trade”, prática em vários países concorrentes da Holanda no comércio
internacional. Este é um problema sério, que não afecta apenas a Holanda e que tem
sido altamente debatido no seio da Organização Mundial do Comércio, mas que, como é
do conhecimento geral, tem sofrido uma evolução muito lenta.
105
Adaptação ao contexto geopolítico determinado pela globalização: Pela sua
dimensão e localização, a Holanda está em enorme “risco geopolítico”, a verificar-se o
provável cenário da deslocalização do centro económico mundial para o Oriente.
Consideramos que este condicionalismo só poderá ser ultrapassado através da União
Europeia, que dará à Holanda, como aos seus vários Estados, a dimensão e peso político
e económico que sozinho este país nunca terá na cena geopolítica do século XXI.
106
3.1.3. A política marítima de França
3.1.3.1. Enquadramento político-administrativo
Ao falar da política marítima francesa importa, em primeiro lugar, dizer que a França
tem, desde 1995300, uma Secretaria-Geral do Mar, que reporta directamente ao primeiro-
ministro e assegura a “coerência das decisões governamentais num domínio onde
intervêm cerca de quinze departamentos ministeriais”301 302. Assim, o papel deste
organismo governamental é fundamentalmente de coordenação interministerial, estando
a França consciente da complexidade e quantidade de áreas cujos interesses se cruzam
com os oceanos e mares.
Além daquela estrutura operacional, presidida por um secretário-geral do mar303, a
França detém o Comité Interministerial do Mar (CIMER, na sigla francesa), órgão ao
qual cabe definir a política governamental para o mar. Criado em 1995, este organismo
é presidido pelo primeiro-ministro e inclui os ministros da Economia, das Finanças, dos
Negócios Estrangeiros, da Defesa, da Indústria, do Ambiente, do Ultramar, do
Ordenamento do Território, da Investigação, do Equipamento e Transportes, do
Turismo, do Orçamento, das Pescas e, se necessário, outros membros do Governo.
Importa também ter em conta, para esta análise, que o cluster marítimo francês foi
formalmente constituído em 1 de Março de 2006, representando 120 federações e
empresas ligadas ao mar, tendo como objectivo principal promover o desenvolvimento
dos “talentos marítimos” franceses304.
No site do cluster marítimo francês305 são actualmente referenciados 18 sectores306
marítimos, sendo possível conhecer o teor da sua actividade, os membros de cada um
300 Não obstante, as primeiras preocupações governamentais com as questões marítimas surgiram, em França, em 1969. Vide www.sgmer.gouv.fr (última consulta em 15.09.2009). 301 A Secretaria-Geral do Mar francesa identifica os seguintes ministérios, como estando directamente envolvidos nas questões marítimas: Interior; Defesa; Economia; Transportes; Negócios Estrangeiros; Ultramar; Ambiente; Agricultura e Pescas; Justiça; Investigação; Equipamento; Energia, Ecologia, Desenvolvimento Sustentável e Ordenamento do Território; e Fronteiras/Questões Aduaneiras. 302 Ver página de apresentação da Secretaria-Geral do Mar francesa, em www.sgmer.gouv.fr (última consulta em 12.09.2009). 303 À data de finalização desta tese, o cargo era ocupado por Jean-François Tallec. Este é coadjuvado nas suas funções por um secretário-geral adjunto, que deverá ser sempre um Oficial da Marinha nomeado pelo primeiro-ministro sob proposta do ministro da Defesa francês. À data, ocupava o cargo M. Bruno Paulmieur. De notar que os autores da política marítima francesa reconhecem eficácia à Secretaria-Geral do Mar, mas salientam que o sucesso da sua acção depende muito da força da personalidade que a esta preside, pelo facto de não ter meios financeiros e especialistas próprios. Vide Groupe Poséidon; Décembre 2006, p 137. 304 Vide Wijnolst, 2006, pp. 87 a 92 (descrição do cluster marítimo francês feita pelos seus dirigentes à data, Francis Vallat e Philippe Perennez). 305 O site oficial do cluster marítimo francês é: www.cluster-maritime.fr (última consulta em 12.09.2009).
107
destes sectores e ainda, em alguns casos, estatísticas de actividade. No total, a economia
marítima francesa assegura 311 650 mil empregos directos e representa 2 a 2,5% do PIB
francês.
São igualmente apresentados, no site, os pólos de competitividade do mar de Provence-
Alpes-Côte d’Azur (PACA)307 e Bretanha308, que fazem parte dos dezasseis pólos de
competitividade de dimensão mundial classificados como tal em 2005. Só estes dois
pólos mantêm 100 mil empregos, 5 mil investigadores e incluem 700 empresas.
Uma avaliação efectuada em Novembro de 2008 pela Policy Research Corporation ao
cluster francês309 assinalava que o país empregava, à data, 230 700 pessoas nos sectores
marítimos tradicionais310, 208 200 profissionais na área do turismo e actividades
recreacionais costeiras e relacionadas com o mar311 e 64 700 pessoas no sector das
pescas312. O relatório aponta três regiões – PACA, Bretanha e Alta-Normandia – como
as mais fortes do cluster marítimo francês e refere que as principais relações financeiras
intersectoriais do cluster ocorrem entre os sectores do equipamento marinho, construção
naval, marinha, transporte marítimo e portos. Como pontos fortes, os autores do
relatório destacaram o investimento em áreas inovadoras e em nichos marítimos (p. e.,
construção de iates, tecnologia marítima), bem como a promoção das actividades dos
membros do cluster e dos pólos regionais de competitividade (nomeadamente nas
regiões acima referidas).
306 Os sectores marítimos referidos no site do cluster marítimo francês são: armadores franceses; offshore de petróleo e gás; construção e reparação navais; segurança; ambiente; energias marinhas renováveis; portos; logística; acção do Estado no mar; náutica; investigação científica marinha; pesca e produtos do mar; seguros marítimos; corretagem; financiamento marítimo; classificação; formação e emprego marítimos; instituições públicas culturais e outros serviços diversos relacionados com o mar. 307 Só este pólo já realizou, desde 2005, mais de uma centena de projectos, num valor global superior a 200 milhões de euros. Os seus projectos e iniciativas podem ser conhecidas em www.polemerpaca.com (última consulta em 12.09.2009). 308 O pólo da Bretanha levou a cabo, desde o seu início de actividade, cerca de meia centena de projectos, que ascendem a 100 milhões de euros de investimento. Para um conhecimento mais aprofundado deste pólo pode ser consultado o seu site oficial, em www.pole-mer-bretagne.com (última consulta em 12.09.2009). 309 Policy Research Corporation, November 2008. 310 Idem, ibidem; são considerados sectores marítimos tradicionais navegação fluvial/intraterrestre; agregados de marinas; equipamentos de marinas; serviços marítimos; construções marítimas; marinha e guarda costeira; serviços de apoio às actividades offshore; embarcações de recreio; construção naval; portos de mar; transporte marítimo. 311 O que inclui turismo costeiro e turismo de cruzeiros. 312 Aqui considerado como integrando a pesca costeira e em alto mar, a indústria de transformação do pescado e a aquacultura.
108
3.1.3.2. Enquadramento teórico da política marítima francesa
Embora existam alguns documentos estratégicos para áreas sectoriais313, o documento
magno orientador da política marítima francesa data de Dezembro de 2006 e intitula-se
Une Ambition Maritime pour la France314. É, pois, sobre o teor deste documento que
nos deteremos. Desde logo, importa atender ao facto de que este foi elaborado tendo em
consideração o então já conhecido Livro Verde da Política Marítima Europeia e o facto
de ser previsível que a, curto prazo, a União Europeia viesse a ter uma política marítima
própria, que a política marítima francesa teria necessariamente de ter em atenção. De
resto, logo no resumo estratégico do relatório, se assinala que, no caso das questões
relacionadas com o mar, o nível decisório comunitário é “plenamente legítimo”, na
medida em que, não obstante a sua autonomia e o respeito pelo princípio da
subsidiariedade, a intervenção somente nacional não permitirá à França fazer face a
todos os desafios que se colocam neste domínio315.
3.1.3.3. Contexto socioeconómico
Tal como Portugal, França auto-intitula-se uma nação marítima. Segundo os autores do
referido documento, nem sempre teve consciência disso e, em alguns momentos da sua
história, virou as costas ao mar. Não obstante, o povo francês é deveras ligado ao mar,
até porque o seu país possui 11 milhões de quilómetros quadrados de Zona Económica
Exclusiva (sobretudo devido aos territórios ultramarinos), sendo esta a segunda maior
do Mundo, a seguir à norte-americana. Este território marítimo gera quase 19 milhões
de euros/ano e 320 mil empregos directos (dados de 2003)316.
A economia marítima francesa assenta em várias áreas, como sejam a construção naval,
a indústria náutica de lazer, a indústria naval militar, o turismo, os serviços marítimos
financeiros e a investigação e a inovação tecnológica e ainda as offshores, sobretudo de
exploração do petróleo. Em algumas destas áreas, a França detém inclusive uma posição
313 Em Setembro de 2007, foi apresentado um relatório sobre as zonas do litoral (vide République Française, Septembre 2007); e, em Março de 2007, um documento sobre os navios em fim de vida (Vide, République Française, Mars 2007). 314 Groupe Poséidon, Décembre 2006. (documento disponível em http://www.sgmer.gouv.fr/IMG/pdf/POSEIDON_-_Rapport_11-12-06.pdf -- última consulta em 12.09.2009). 315 Idem, ibidem, p 11. 316 Idem, ibidem, pp. 39 a 43.
109
de destaque ao nível internacional317. Contudo, como apontam os peritos, a economia
marítima francesa apresenta inúmeras fragilidades.
3.1.3.4. Economia marítima francesa: debilidades e desafios
A forte concorrência no contexto mundial e os constrangimentos com vista à gestão
sustentável dos recursos disponíveis são as principais razões por que em certas áreas,
como a frota de comércio marítimo, a construção naval, a pesca e mesmo o turismo
marítimo, a França está a perder terreno para outras nações318. O facto de o mar não ter
sido, nos últimos anos, considerado pelo Governo um sector prioritário e ainda a sua
imagem negativa, derivada da poluição, desastres marítimos e ecológicos e problemas
de emprego em alguns subsectores, são considerados aspectos negativos319. A estes
factores nefastos alia-se ainda a fraca consciência e falta de conhecimento sobre os
mares, por parte da opinião pública francesa320.
Há, contudo, sinais positivos, que indiciam que, tanto em França como na União em
geral, se está a despertar para a importância dos mares, derivado da consciência, por
parte dos diversos actores, da rarefacção dos recursos piscícolas ou do potencial de
novas áreas emergentes321.
Deste modo, os autores do documento enformador da política marítima francesa
defendem que os profissionais do sector devem estar conscientes, tanto das fragilidades
existentes como dos desafios que se colocam no presente e no futuro próximo. E, no seu
entender, os principais desafios, que não podem, como até aqui, ser mais ignorados, são:
a globalização económica e a intensificação das trocas comerciais; a tomada de
consciência da vulnerabilidade do património marinho, que pertence a toda a
Humanidade e que tem enorme potencial por explorar; a emergência de novos agentes
económicos, nomeadamente da Ásia, e a interconexão crescente dos contextos
geopolíticos; o surgimento de riscos reais, em termos de terrorismo e pirataria; a
necessidade imperativa de um modelo de desenvolvimento durável, que tenha em conta
a escassez de alguns recursos naturais e as alterações climáticas; entre outros322.
317 Wijnolst, 2006, pp. 83 a 87. Segundo o autor, França é líder em inúmeras áreas, nomeadamente na construção e reparação naval, offshore de gás e petróleo, indústria de produção de iates, investigação marinha e oceanografia, sector segurador ligado ao mar e no sector portuário. 318 Groupe Poséidon, Décembre 2006, pp. 7 e 8; 65 e 66. 319 Idem, ibidem, p 66. 320 Idem, ibidem, p 67. 321 Idem, ibidem, p 68. 322 Idem, ibidem, p 8.
110
Os autores assinalam, no entanto, também os pontos fortes da França neste domínio,
como sejam a liderança no sector do transporte marítimo, em algumas tecnologias de
ponta ligadas à construção naval e ao mar, a experiência na exploração de offshore, os
conhecimentos em áreas inovadoras, como a aquacultura e outras323.
3.1.3.5. Política marítima francesa: uma abordagem moderna dos assuntos do mar
Perante estas fragilidades e desafios, os especialistas propõem uma perspectiva
renovada para o mar, que tenha em conta que este é ainda o grande espaço de liberdade
económica e jurídica; e que o mar será o futuro da terra e a fonte de uma nova
modernidade, na medida em que apresenta um manancial de oportunidades, ainda,
incalculáveis324. Fazer do mar uma ambição nacional para a França é uma das intenções
manifestadas pelos autores.
A nova proposta exige que se abandone a intervenção por meio de políticas sectoriais e
se adopte uma visão de conjunto325. A defesa de uma política marítima integrada326
representa um elemento comum à Política Marítima Europeia e, como veremos, a outras
políticas nacionais.
Para implementar essa visão integradora dos assuntos do mar é, contudo, necessário
cumprir uma série de condições prévias. Segundo os autores, é essencial encontrar
complementaridades entre as políticas do mar e terrestres327; mobilizar todos os actores;
reforçar a concertação e as responsabilidades locais, ter sempre em conta a dimensão
marítima na definição das políticas públicas e tomadas de decisão governamentais; e ter
em conta a conjuntura europeia neste domínio328.
323 Idem, ibidem, pp. 64 e 65. 324 Idem, ibidem, p 24. Algumas das potencialidades referidas são a extensão da plataforma continental ou a exploração do espaço do fundo do mar; os autores assinalam ainda que a realidade não é estática, nestas como noutras matérias. 325 Idem, ibidem, pp. 9 e 10. 326 Idem, ibidem, p 72. Os autores sintetizam nesta página os cinco elementos estratégicos que devem reger uma política marítima francesa que seja ambiciosa e integrada, a saber: a segurança marítima; a manutenção da competitividade através da investigação e desenvolvimento; o fomento do emprego marítimo através da modernização das infra-estruturas e da formação; a integração do desenvolvimento sustentável; e a melhoria do dispositivo de governação. 327 Idem, ibidem, pp. 98 e 99. Uma das áreas em que os domínios marítimo e terrestre devem ser vistos de forma integrada é a dos transportes. Os autores recomendam que se desenvolva a interligação entre os vários tipos de transportes, como factor estruturante determinante para o desenvolvimento económico. 328 Idem, ibidem, pp. 10 e 11.
111
3.1.3.6. Pressupostos essenciais e áreas-chave
Além destas condições, os autores consideram que as recomendações por si propostas
só poderão ser eficazes se se verificarem três pressupostos essenciais: um orçamento
realista para esta área; estabilidade política e económica (não alteração das “regras do
jogo”) e uma perspectiva integradora na aplicação das medidas propostas329.
Feitas todas estas ressalvas, os autores propõem então um conjunto de medidas, no
domínio das políticas públicas. Em sua opinião, o Governo francês deve intervir em
duas áreas: a segurança marítima330 e o conhecimento do meio331. No primeiro campo,
incluem-se acções com vista à prevenção de acidentes marítimos, a luta contra o tráfico
ilícito, a imigração ilegal, entre outras. Estas acções visam não só, de forma directa,
assegurar a segurança nacional, como, de forma indirecta, criar condições para o
desenvolvimento económico. Neste domínio, a interligação dos vários Estados
comunitários é determinante. A cooperação rápida e a compatibilização dos seus meios
de acção deve ser uma realidade, sobretudo entre os Estados da UE com fronteiras
marítimas que, dada a sua posição geográfica, estão mais expostos (os peritos
mencionam a Grécia, Itália, Espanha e a França). No documento, é ainda sugerido que a
União seja capaz de aprender com o exemplo norte-americano332.
No domínio do conhecimento dos mares e oceanos, a concretização do objectivo passa
por um maior investimento na investigação, nomeadamente em áreas como as alterações
climáticas, o efeito de estufa, a gestão integrada de zonas costeiras333, entre outras334. Os
especialistas consideram que a França tem de repensar o seu posicionamento científico e
assinalam que, neste domínio, a cooperação ao nível da União Europeia é relevante.
Propõem a criação de um dispositivo integrado de informação geográfica que permita a
recolha de dados sobre as zonas do litoral e os mares. Recomendam igualmente que se
atribua carácter prioritário à inovação tecnológica de vocação marítima335, o que
pressupõe um reforço do apoio financeiro, nomeadamente ao sector privado. As
biotecnologias, as energias renováveis de origem marinha, o sector offshore são
algumas das áreas elencadas como fonte de forte potencial tecnológico inovador.
329 Idem, ibidem, p 12. 330 Idem, ibidem, pp. 13 e 14. 331 Idem, ibidem, pp. 14 e 15. 332 Idem, ibidem, p 25. 333 Tal como na UE, para França a gestão e desenvolvimento sustentável do litoral é uma preocupação. Ver Idem, ibidem, pp. 113 a 134. 334 Idem, ibidem, pp. 33 e 34. 335 Idem, ibidem, pp. 92 e 93. Nestas páginas são elencadas as prioridades para o desenvolvimento tecnológico nesta área, por parte da nação francesa.
112
Encontramos, pois, aqui novamente uma consonância de posições com a estratégia
comunitária, na medida em que tanto as questões da segurança como o investimento na
investigação, na tecnologia e no conhecimento são bem expressas na Política Marítima
Europeia. De notar que, de acordo com os autores, o investimento na investigação e no
desenvolvimento é essencial à melhoria da competitividade neste sector; contudo, tanto
a França como a própria UE necessitam de reforçar a organização e financiamento
dedicados ao mar, que pecam por dispersos e por falta de coordenação336.
3.1.3.7. Três medidas concretas
• No Plano Tecnológico e Industrial337
Em termos concretos, os autores do documento recomendam a criação de um grande
programa tecnológico e industrial que vise a valorização das profundezas do oceano,
com o objectivo de colocar a França em primeiro plano num domínio onde tem já uma
vasta experiência338. O investimento num programa industrial que dinamize e
impulsione a construção naval, no sentido da construção de navios cada vez mais
modernos e apetrechados tecnologicamente é outra das prioridades francesas339. De
notar que, uma vez mais, os autores salientam a importância de esta acção ser efectuada
em conjunto com a UE340.
• No Plano Político341
Em segundo lugar, é recomendado o aperfeiçoamento do dispositivo de gestão dos
assuntos do mar, uma vez que nestes estão envolvidos vários ministérios. Os autores
consideram relevante reforçar a capacidade arbitral, de decisão e de gestão do Governo
nesta matéria e, para tal, propõem uma reflexão sobre o modelo de gestão actual, com
vista a uma possível evolução do esquema organizacional em vigor. Além disso, julgam
336 Os autores apontam como exemplo das fragilidades francesas neste domínio o Institut Français de Recherche pour la Explotation de la Mer (IFREMER) que, apesar de ser um instituto reconhecido e do orçamento de que é dotado, não promove uma verdadeira política de investigação marítima nacional – ver Idem, ibidem, p 63. 337 Idem, ibidem, pp. 15 a 17. 338 Idem, ibidem, pp. 16 e 17. 339 Idem, ibidem, p 93. De notar, contudo, que também neste campo os autores encontram vantagem no estabelecimento de sinergias entre os vários estaleiros europeus, nomeadamente por uma questão de rentabilização económica. 340 Idem, ibidem, p 16, parágrafo 6.º; e pp. 82 a 86. Nestas últimas, é abordada em particular a questão da importância do investimento na investigação científica e tecnológica, em consonância com a UE. “No Livro Verde para uma Política Marítima Europeia, a investigação e a alta tecnologia são privilegiadas pela Europa para fazer face à concorrência mundial e garantir o seu lugar. Esta orientação parece totalmente adequada a uma afirmação futura nos domínios relacionados com os oceanos”, dizem os autores (Idem, ibidem, p 82, parágrafo 3.º). 341 Idem, ibidem, pp. 17 a 20.
113
relevante a criação de um “fundo nacional do mar”, que deverá ter um orçamento inicial
de 50 milhões de euros, destinado a apoiar projectos inovadores nas diversas áreas
ligadas ao mar. No quadro da melhoria do dispositivo de gestão dos assuntos do mar é
ainda sugerida a criação de um “conselho nacional dos oceanos”, que funcionaria como
uma “assembleia consultiva” e simultaneamente um espaço de reflexão e concertação
dos vários actores ligados ao mar (públicos e privados)342. Dar maior poder e também
maiores responsabilidades às regiões e às autoridades locais é outra das recomendações
feitas neste âmbito343. Os autores consideram que a gestão das zonas costeiras e outras
questões marítimas de âmbito local beneficiariam com a descentralização,
contratualizada e enquadrada, das responsabilidades.
• No Plano Comunitário344
Em terceiro lugar, o Grupo Poséidon salienta a importância de a política marítima
francesa se enquadrar no âmbito da Política Marítima Europeia. Os autores defendem
que a UE deve afirmar-se como um verdadeiro actor nos contextos marítimos
internacionais, aplicando-se em domínios em que os Estados-membros, a título
individual, não são suficientemente fortes, como sejam o controle do tráfico ilegal345, a
segurança marítima346, a protecção dos ecossistemas347, entre outros. Os autores
sugerem mesmo que, à semelhança do que acontece já hoje em dia com as pescas348 e
outros domínios, poder-se-ia caminhar para uma maior aprofundamento da construção
comunitária349 em áreas concretas, como as tecnologias inovadoras aplicáveis a
navios350 (esta é, para a França, uma “prioridade”), programas de oceanografia
342 Idem, ibidem, pp. 140 e 141. 343 Idem, ibidem, pp. 141 a 143. 344 Idem, ibidem, pp. 20 e 21; 69 e 70. 345 Idem, ibidem, pp. 80 e 81 (note-se que neste caso os autores englobam o tráfico ilegal de estupefacientes e de pessoas). 346 Idem, ibidem, pp. 73 e 74. No domínio da segurança marítima, os autores propõem inclusive a comunitarização parcial das zonas económicas exclusivas, no âmbito da qual um navio de patrulha de um Estado-membro poderia inspeccionar qualquer navio, em qualquer ZEE, permitindo uma economia e articulação de meios operacionais. 347 Os autores assinalam que a protecção dos ecossistemas marinhos, pela sua natureza, só pode ser bem sucedida se feita ao nível global. Salientam também que o desenvolvimento sustentável tem de ser um desafio comunitário, e que a política da UE neste domínio contempla já a necessidade de conciliar os interesses económicos com os ambientais. Ver Idem, ibidem, pp. 37 a 39. 348 Caracterização da situação actual e principais desafios da UE nesta área descritos em Idem, ibidem, pp. 34 a 36. Contudo, os autores consideram que a actual Política Comum de Pescas deveria ser mais “voluntarista” e tem vários aspectos a melhorar. Ver também pp. 51 a 55. 349 Idem, ibidem, p 71, onde são enunciadas as vantagens de uma maior integração europeia no domínio marítimo. 350 Idem, ibidem, p 45.
114
operacional351 e observação dos oceanos352, luta contra a poluição dos mares353,
estabelecimento de redes de informação sobre navios para evitar acidentes ecológicos
como o provocado pelo Prestige354 e redes de vigilância e monitorização dos ambientes
marinhos, planificação e ordenamento das infra-estruturas portuárias da UE, etc. Os
franceses sugerem inclusive que seja criado um fundo355 comunitário específico
destinado a aplicar em meios técnicos para garantir a segurança marítima356 e a
despoluição. Este fundo seria gerido pela Agência Europeia de Segurança Marítima
(criada em 2002 e sedeada em Lisboa), e financiado pelas taxas portuárias colectadas
pelos diversos países-membros.
Em termos de vigilância das costas europeias, a França mostra-se consciente de que a
“comunitarização total”, através da criação de uma guarda costeira da UE, não será bem
aceite por todos os Estados. Não obstante, os autores sugerem que, pelo menos, a
França partilhe o seu exemplo dos “perfeitos do mar”357 com vista a uma melhor
articulação dos meios disponíveis nos diversos países a este nível358. No campo da
segurança marítima, não obstante a eficácia e necessidade de alguns acordos bilaterais,
o grupo de peritos assinala ainda a importância de os 27 países da UE falarem a uma só
voz nas organizações internacionais, nomeadamente na Organização Marítima
Internacional (IMO)359 360.
A ideia de base é que, no espaço comunitário, se estabeleça um ambiente de cooperação
e complementaridade, em vez de uma concorrência, por vezes, selvagem e prejudicial
para todos os Estados-membros361.
351 Idem, ibidem, pp. 94 e 95. 352 Idem, ibidem, pp. 88 e 89. 353 Idem, ibidem, p 90. 354 Idem, ibidem, p. 77 e 78. 355 Idem, ibidem, p 74, último parágrafo. 356 No domínio da segurança marítima, os autores assinalam que é evidente que um reforço das regras e sua exigência para os navios estrangeiros que utilizam os portos europeus pode ter implicações económicas, mas é essencial, a longo prazo, para dar credibilidade aos portos comunitários e fiabilidade às operações aí realizadas. Vide também idem, ibidem, p 79. 357 Embora reconheça que o modelo dos perfeitos do mar carece de aperfeiçoamento, os autores alertam para o “perigo das agências”, que em sua opinião agem sectorialmente e têm uma limitada capacidade de actuação. Este modelo, de origem britânico e que tem sido aplicado ao nível comunitário, não merece, por isso, a aprovação dos peritos franceses. Ver idem, ibidem, pp. 138 a 140. 358 Idem, ibidem, p 75. 359 Idem, ibidem, p. 75 e 76. De notar que os autores assinalam as dificuldades de a União falar a uma só voz na IMO, em particular desde a entrada de países como Malta e Chipre, que têm, no domínio marítimo, interesses muito diferentes dos Estados-membros costeiros. 360 Idem, ibidem, p 136. Ao contrário de outros congéneres comunitários, a França considera que a UE deveria ter assento na IMO. 361 Refira-se que os autores alertam para o facto de, em certas áreas, a concorrência ter origem também na Europa. É o caso da actividade portuária, pelo que são sugeridas várias medidas que permitam aos portos
115
Não obstante, os especialistas franceses assinalam que a acção comunitária deve ter
sempre em atenção o respeito pelo princípio da subsidiariedade e não deve sobrepor-se
aos Estados, a não ser naqueles domínios em que realmente a intervenção comunitária é
benéfica para os Estados e mais eficaz do que a intervenção isolada de cada país, como
é o caso do combate à poluição e da segurança marítima, já referidos362.
3.1.3.7.1. Medida complementar: investir nos recursos humanos363
Por fim, o grupo de peritos defende a implementação de uma medida “complementar
indispensável” – melhorar a formação dos profissionais do mar364. Para tal,
recomendam a criação de uma grande academia naval ou de uma “universidade do
mar”.
Neste campo, os autores defendem novamente o aproveitamento do contexto europeu.
Sugerem, por exemplo, o estabelecimento de redes europeias de escolas nesta área, que
permitam a economia de meios e diminuam as barreiras existentes entre os diferentes
sectores da economia marítima.
A definição de regimes de carreiras nas profissões ligadas ao mar é também essencial,
em particular para aumentar a valorização da qualidade e experiência dos recursos
humanos do sector.
3.1.3.8. Apoio institucional
Por fim, importa salientar que os redactores deste relatório mostram-se conscientes que
a aspiração de tornar a França uma grande nação marítima365 só se concretizará com um
apoio político forte e a longo prazo à estratégia definida, o que inclui a disponibilização
franceses fazer face à crescente concorrência internacional. Recomenda-se, nomeadamente, a especialização de alguns portos, a aposta na “contentorização”, fortes investimentos no sector e diversificação das fontes de financiamento, a melhoria da ligação dos portos com o transporte ferroviário e a interoperabilidade com as redes europeias, investimento no transporte marítimo de curta distância e também o fomento das auto-estradas do mar e a modernização da frota mercante francesa. Ver Idem, ibidem, pp. 98 a 109. 362 Idem, ibidem, p 136. “É conveniente interrogarmo-nos sobre a mais-valia do princípio da subsidiariedade na política marítima. Este significa a nossa ligação à Europa, mas também a nossa margem de manobra na condução de uma política nacional (...)”. 363 Idem, ibidem, pp. 21 e 22, 109 a 113. 364 A caracterização da situação actual ao nível dos recursos humanos das actividades navais, com aspectos preocupantes, como a falta de alguns quadros a longo prazo, é feita em idem, ibidem, pp. 31 a 33 e complementada nas pp. 43 e 44. 365 Assinala-se que os autores pretendem que a França se imponha como uma grande nação marítima no plano internacional, independentemente de reconhecerem o papel da UE em alguns sectores. Ver idem, ibidem, pp. 143 e 144.
116
dos instrumentos financeiros e políticos necessários366. Por outro lado, tal desígnio
exige também a valorização do património marítimo nacional367, em todas as suas
vertentes, de modo a congregar todos os actores em torno deste projecto comum368.
3.1.3.9. Análise crítica
Perante o exposto, consideramos relevante sintetizar aqueles que nos aprecem ser as
mais-valias e os condicionalismos da estratégia política francesa para o sector marítimo.
Neste contexto, assinalamos que há, desde logo, uma discrepância entre os postulados
teóricos vertidos no documento e a prática política neste campo. A instabilidade política
é um dos condicionalismos assinalados pelos autores do documento em análise, que terá
muita razão de ser, já que o actual presidente de França, Nicolas Sarkosy, já anunciou a
intenção de lançar, até ao final do ano de 2009, um novo documento orientador da
política marítima francesa369.
3.1.3.9.1. Análise Crítica: Síntese
Pontos fortes
Capacidade de liderança em algumas áreas marítimas: p. e., no sector do transporte
marítimo, em certas tecnologias de ponta ligadas à construção naval e ao mar, a
experiência na exploração de offshore, os conhecimentos em áreas inovadoras, como a
aquacultura e outras.
Estrutura política: existência de uma Secretaria-Geral do Mar, que reporta
directamente ao primeiro-ministro; do Comité Interministerial do Mar, órgão ao qual
cabe definir a política governamental para o mar, sendo presidido pelo primeiro-
ministro e incluindo ministros de diversas áreas.
Visão: consciência de que a manutenção de uma posição de liderança nesta área exige
investimento na inovação, tecnologia, conhecimento dos mares e também na
qualificação de recursos humanos.
366 Idem, ibidem, pp. 134 e 135. Os autores sugerem uma clarificação e reforço do papel do Ministério do Mar, mas sobretudo a “emergência de uma verdadeira política marítima”. 367 Idem, ibidem, pp. 135 e 136. Os autores salientam que a França é uma nação marítima geograficamente, mas não o é culturalmente. Por essa razão, recomendam que se desenvolvam uma série de “acontecimentos positivos” em torno do mar e suas actividades, de modo a que a opinião pública francesa passe a encarar o mar como um espaço de oportunidades e de modernidade. Neste ponto, encontramos novamente um aspecto comum com a Política Marítima Europeia e os desafios culturais e sociais que também esta terá de enfrentar. 368 Idem, ibidem, p 22. 369 Vide discurso do Presidente da República francesa, Nicolas Sarkosy, sobre a política marítima francesa, em 16 de Julho de 2009. Anexo N.
117
Abordagem de conjunto: a França mostra-se consciente de que em muitas áreas a
intervenção comunitária é a mais indicada, dando relevância à cooperação a esse nível;
defende igualmente a abordagem integrada dos mares e dos seus ecossistemas.
Pontos fracos
Consciência marítima débil: apesar de se considerar uma nação marítima, até pela
dimensão do seu território marítimo, cultural e socialmente a França perdeu a sua
identidade e consciência marítimas, essenciais ao investimento e desenvolvimento do
sector/ cluster.
Capacidade política e de concretização: A implementação da política definida aponta,
até agora, para uma fraca capacidade de concretização, apesar da coerência da estratégia
teórica delineada e da visão que os peritos do documento estratégico em análise
demonstram ter370.
Perspectiva “nacionalista”: Não obstante reconhecer a mais-valia da existência de
uma política marítima europeia e os benefícios da intervenção comunitária em algumas
áreas, a França continua a defender o respeito estrito pelo princípio da subsidiariedade e
a ter uma visão muito “isolacionista” dos assuntos do mar371.
370 Idem, ibidem. 371 Idem, ibidem, pp. 2 e 3. Veja-se a este respeito o mesmo discurso de Nicolas Sarkozy, nomeadamente na referência aos portos e a comparação estabelecida com o Porto de Hamburgo.
118
3.1.4. A condução política dos assuntos do mar em Portugal
Actualmente, no nosso país, o documento orientador da política nacional para o mar é a
Estratégia Nacional para o Mar372, publicada em Diário da República a 12 de Dezembro
de 2006 (resolução do Conselho de Ministros n.º 163/2006). Este foi elaborado pela
Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (EMAM)373, um grupo criado pelo XVII
Governo Constitucional com o intuito de promover um “efectivo aproveitamento do
Mar, em benefício das populações” e de fazer do mar um “projecto nacional”, como se
lê na página oficial da Estrutura na Internet. No âmbito desta foram criados a Comissão
Interministerial para os Assuntos do Mar374 375 e o Fórum Permanente para os Assuntos
do Mar376 377.
372 Pode ser consultada em www.emam.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=112 (data da última consulta: 19.09.2009). 373 A EMAM era, à data de finalização desta tese, dirigida pelo Professor Doutor Manuel Pinto de Abreu. Esta estrutura possui uma página na internet: www.emam.com.pt (data da última consulta: 19.09.2009). 374 Esta Comissão reporta directamente ao Ministro da Defesa Nacional e é composta pelos Ministros de Estado e da Administração Interna, de Estado e dos Negócios Estrangeiros, da Presidência, do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, da Economia e da Inovação, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, da Educação, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Cultura, ou seus representantes, e por representantes dos Governos Regionais das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. 375 As funções desta Comissão Interministerial são: “coordenar, acompanhar e avaliar a implementação da Estratégia Nacional para o Mar, garantindo a sua articulação com outras estratégias, instrumentos de planeamento e programas de âmbito marcadamente transversal; contribuir para a coordenação, implementação e acompanhamento de acções, medidas e políticas transversais relacionadas com os assuntos do mar aprovadas pelo Governo; promover, em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e com os ministérios com competências sectoriais na matéria, a participação nos fora internacionais relacionados com os assuntos do mar, a uniformidade das posições neles assumidas e a difusão da informação relevante de apoio à decisão; dinamizar a elaboração pelas tutelas dos planos de acção específicos previstos na Estratégia Nacional para o Mar, bem como outros que venham a ser considerados relevantes, onde serão definidos os principais intervenientes e a sua função, os meios financeiros a afectar e a sua origem e os indicadores de avaliação a utilizar; promover condições favoráveis para atrair investimentos privados, em coordenação com os organismos com responsabilidades neste âmbito, para as actividades relacionadas com o mar, que permitam o desenvolvimento de uma economia do mar forte e moderna, aproveitando os recursos e as potencialidades que o País oferece neste domínio; criar o Fórum Permanente para os Assuntos do Mar, aberto a toda a sociedade civil, e promover, nesse âmbito, o estabelecimento de um grupo de reflexão e acompanhamento para os assuntos do mar, onde participem personalidades de reconhecido mérito, organizações não governamentais e entidades privadas”, conforme descrito na página oficial da EMAM, na Internet. 376 Como se pode ler na página da EMAM, este é um fórum aberto à sociedade civil e que pretende formar um “grupo de reflexão e acompanhamento para os assuntos do mar, onde participem personalidades de reconhecido mérito, organizações não governamentais e entidades privadas”. 377 Este Fórum tem como princípios orientadores: “Promover uma visão intersectorial e multidisciplinar dos assuntos do mar e a expressão de perspectivas e pontos de vista diversos; funcionar como uma plataforma informal de contacto entre o Governo e a Sociedade Civil; contribuir para a comunicação e partilha de informação associada aos Assuntos do Mar entre os seus membros e toda a sociedade civil; pautar as suas actividades e a prossecução da sua missão pela independência, respeito, cooperação, espírito de abertura e pela diversidade de opiniões e de novos conhecimentos” (Fonte: site oficial da EMAM).
119
3.1.4.1. A Estratégia Nacional para o Mar
A Estratégia Nacional para o Mar378, conforme se lê no documento, pretende responder
aos desafios, nacionais e internacionais, que Portugal tem pela frente neste domínio.
Como se salienta no próprio texto, a Estratégia visa permitir “a Portugal fazer valer os
seus pontos de vista e tomar a iniciativa em processos internacionais que valorizem a
governação do oceano e o desenvolvimento das actividades ligadas ao mar, bem como
fomentar a economia, valorizar e preservar o património natural e assumir-se como país
marítimo da Europa”379.
Reconhece-se, pois, que Portugal perdeu a sua vocação marítima ancestral e
histórica380. A Estratégia sublinha, no entanto, que “Portugal goza de uma reputação
internacional de país marítimo”, que iniciativas como a Comissão Mundial
Independente para os Oceanos (liderada por Portugal na pessoa do Ex-presidente da
República Mário Soares, em 1998), a Exposição Mundial de Lisboa – Expo’98 ou a
comemoração do Ano Internacional dos Oceanos ajudaram a granjear. Além disso,
factos mais recentes, como a atribuição a Portugal da Agência Europeia de Segurança
Marítima, corroboram essa imagem marítima internacional de Portugal.
A EMAM também considera que, ao nível da União Europeia, o nosso país possui um
papel de destaque no que respeita à política marítima. “Portugal tem estado na linha da
frente deste processo, tendo elaborado, conjuntamente com França e Espanha, aquela
que foi a primeira contribuição para o Livro Verde. A centralidade e a dimensão
atlântica dos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional reforçam o papel
chave que Portugal deverá desempenhar no quadro da União Europeia como elemento
de ligação privilegiada à comunidade de países de Língua Portuguesa, ao continente
americano e ao resto do mundo”. Não obstante, como é igualmente referido, esta
posição estratégica coloca desafios a que importa estar atento, nomeadamente no que
respeita às questões da segurança, imigração ilegal, poluição e outras381.
378 A título meramente indicativo, refira-se que o documento português tem 40 páginas, sendo bastante mais conciso do que a generalidade dos textos homólogos de outros países e até do que o europeu. Documento disponível em http://www.emam.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=112 (última consulta em 20.09.2009). 379 Vide Ministério da Defesa Nacional, 2006, p 5. 380 “A ligação de Portugal ao mar ganhou relevância durante a época dos Descobrimentos, que marcou decisivamente o início do processo de globalização. As trocas comerciais, culturais, científicas e tecnológicas daí resultantes promoveram o grande desenvolvimento do nosso país e marcaram definitivamente os processos de transmissão de conhecimentos entre os povos. No entanto, actualmente, o mar é, para a maioria da sociedade portuguesa, algo de distante, intangível e invisível”. Idem, ibidem, p 2. 381 Vide Idem, ibidem, p 5.
120
Um aspecto que reputamos de relevante e inovador, em termos nacionais, é o facto de,
pela primeira vez, se ter assumido que os mares são um assunto multidisciplinar e ter
sido proposta uma abordagem integrada dos assuntos do mar, envolvendo vários
ministérios, por um lado, e tendo em conta, na elaboração e execução de vários
projectos e programas de acção governamentais, a presente Estratégia382.
Outro ponto importante é que, entre os princípios que regem a implementação da
Estratégia, encontra-se a abordagem ecossistémica e o princípio do desenvolvimento
sustentável, além do princípio da precaução, o que denota uma orientação consonante
com a linha definidora da Política Marítima Europeia383.
3.1.4.1.1. Pilares estratégicos
Para responder a estes desafios, o EMAM propõe uma Estratégia que assenta em três
pilares estratégicos. São eles o conhecimento; o planeamento e o ordenamento
espaciais; e a promoção e a defesa activas dos interesses nacionais384. No âmbito do
primeiro pilar, diz-se ser necessário dar prioridade à “formação, educação,
sensibilização e difusão da informação”, bem como à investigação científica e ao
desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas ao oceano.
No campo do planeamento e ordenamento espaciais, os autores defendem maior
informação, de modo a que seja possível uma “gestão verdadeiramente integrada,
progressiva e adaptativa do oceano e da zona costeira”, bem como a melhoria dos
processos de coordenação, licenciamento e fiscalização das actividades relacionadas
com o meio marinho; e ainda o “aproveitamento das janelas de oportunidade para o
desenvolvimento de novas actividades e utilizações dos oceanos e das zonas
costeiras”385.
O terceiro pilar está já mais relacionado com o papel e imagem do nosso país nos
círculos internacionais onde se debate e decidem as questões relacionadas com o futuro
dos mares e oceanos.
382 Idem, ibidem, pp. 5 e 6; Os autores consideram que a Estratégia Nacional para o Mar tem de ser enquadrada, articulada e tida em conta nos seguintes programas: Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, Estratégia de Lisboa, Plano Tecnológico, Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, Programa Nacional da Política de Reordenamento do Território, Estratégia de Gestão Integrada da Zona Costeira, planos de ordenamento da orla costeira, Livro Branco Política Marítimo-Portuária Rumo ao Século XXI, Orientações Estratégicas para o Sector Marítimo-Portuário, Plano Estratégico Nacional de Turismo, Programa Nacional de Turismo de Natureza, Estratégia Nacional para a Energia, Programa Nacional de Desporto para Todos, e Plano Estratégico Nacional para as Pescas. 383 Idem, ibidem, pp. 10 e 11. 384 Idem, ibidem, pp. 12 a 14. 385 Idem, ibidem, p 13.
121
3.1.4.1.2. Acções e medidas concretas386
Em termos concretos, o documento pretende operacionalizar os objectivos traçados para
uma década – já que esta proposta deverá vigorar até 2016 – através de uma série de
acções e medidas descritas no capítulo V387.
Assim, são definidas nove áreas em que é prioritário intervir – transportes; energia;
aquacultura e pescas; defesa nacional e segurança; ciência, tecnologia e inovação;
ambiente e conservação da natureza; educação, cultura e sensibilização; turismo, lazer,
desportos e náutica de recreio; e política externa388.
A Estratégia particulariza depois as acções a desenvolver, elencando três acções
prioritárias, a saber, a criação da Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar389
(já existente); “melhorar a articulação e coordenação das posições nacionais relativas
aos assuntos do mar nos diversos fora internacionais”390; e “assegurar o
acompanhamento técnico, diplomático e político da discussão pública sobre o Livro
Verde da Política Marítima Europeia e do processo subsequente, durante o qual é
fundamental a mobilização do País e a avaliação das oportunidades, ameaças, vantagens
e desvantagens desta política, de forma a garantir que Portugal se mantém na vanguarda
da nova abordagem aos assuntos do mar a nível Europeu, através de uma participação
esclarecida, eficaz e abrangente”391.
Além destas três acções, foram também definidas oito acções estratégicas, que se
enquadram nos três pilares acima referidos. “Sensibilizar e mobilizar a sociedade para a
importância do mar” é a primeira acção estratégica elencada, já que os autores estão
conscientes de que “uma das principais dificuldades associadas à implementação de
uma estratégia nacional para o mar é a sua falta de visibilidade na sociedade
portuguesa”392. A segunda acção estratégica é complementar à primeira: “é necessário
386 Idem, ibidem, pp. 24 a 29. 387 Idem, ibidem, pp. 17 a 23. 388 Idem, ibidem, pp. 17 e 18. 389 Idem, ibidem, pp. 19 e 20. 390 Idem, ibidem, p 20. 391 Idem, ibidem, p 21. 392 Idem, ibidem, p 22. A propósito desta acção, os autores acrescentam ainda: “Sendo certo que as glórias do passado estão bem presentes na nossa cultura, a verdade é que poucos cidadãos olham para o mar como uma oportunidade de modo de vida ou de investimento e negócio. Para alcançar este objectivo é necessário apostar em medidas de médio e longo prazos que permitam consubstanciar uma mobilização crescente da sociedade para a importância do mar como factor de desenvolvimento do País, bem como dinamizar acções de grande impacte imediato, de forma continuada, que acelerem a aproximação dos Portugueses ao mar. Sem esta mobilização que torne a aposta no mar num projecto nacional, dificilmente esta Estratégia poderá alcançar os seus objectivos de forma eficaz”.
122
fomentar a divulgação nas escolas das actividades ligadas ao mar, promovendo a
difusão do tema ‘mar’ em todos os níveis de ensino, os desportos náuticos como
componentes do desporto escolar, o envolvimento dos estudantes do ensino básico e
secundário em actividades e profissões ligadas ao mar e cursos profissionalizantes e
superiores nesta área”393.
É de assinalar que estas sejam as primeiras acções estratégicas enunciadas no
documento, denotando porventura uma preocupação pouco comum com as condições
sociais e culturais de sucesso da Estratégia.
Em seguida, na lista de acções estratégicas, surgem as relacionadas com a investigação
(acção c); recomenda-se a criação em Portugal de “um centro de excelência de
investigação das ciências do mar”, investindo na formação e fixação de recursos
humanos altamente qualificados, o correcto ordenamento e planeamento espacial do
espaço oceânico e das zonas costeiras (sendo para tal necessário “inventariar,
cartografar e promover a agilização e simplificação dos procedimentos”394), a protecção
do património marinho (nomeadamente através do seu estudo, mas também da
“implementação de uma rede nacional de áreas marinhas protegidas, da recuperação de
ecossistemas degradados e da monitorização do ambiente marinho, da implementação
de medidas de gestão sustentável dos recursos vivos e da investigação e salvaguarda do
património cultural subaquático”395). Só em sexto e sétimo lugares é referida a questão
económica396 e, por último, surge o tema da segurança e defesa397.
393 Idem, ibidem. 394 Idem, ibidem, p 22. 395 Idem, ibidem, pp. 22 e 23. 396 Idem, ibidem, p 23. Acção f): “Uma economia do mar forte e sustentada só é possível criando os mecanismos que permitam aos investidores apostar nas actividades marítimas. Para isso, é fundamental assegurar informação credível e actualizada que possa ser colocada ao serviço do desenvolvimento económico e social do Pais. É ainda necessário promover a definição de mecanismos de implantação de indústrias e aproveitamento de recursos naturais existentes que sejam céleres, transparentes e atractivos para o investimento”. Acção g) :“Existe um conjunto de novas actividades que iniciaram o processo de procura e ocupação do espaço oceânico para as quais Portugal tem condições excepcionais de desenvolvimento. Entre estas temos a aquicultura offshore, a biotecnologia, as energias renováveis e a robótica submarina. Importa, assim, desenvolver as condições para a instalação destas indústrias e actividades no nosso país, apostando no seu potencial económico e tecnológico e retirando no futuro os benefícios decorrentes dessa aposta”. 397 Idem, ibidem. Acção h): “Finalmente, nenhuma estratégia nacional para o mar pode ser eficazmente implementada sem um eficiente sistema integrado de vigilância, segurança e defesa nacional que possua os meios que possibilitem uma eficaz e articulada vigilância marítima, a salvaguarda contra os riscos naturais e o combate à poluição, ao terrorismo, ao tráfico de droga e às restantes actividades ilícitas”.
123
3.1.4.1.3. Análise crítica
Não obstante esta interessante ordenação das acções prioritárias, parece-nos que este
documento faz mais um diagnóstico da situação do que uma proposta, exaustiva e
intensiva, de acções para resolver os problemas nacionais neste domínio. Em termos da
necessidade de incutir uma cultura diferente na sociedade portuguesa em relação ao mar
consideramos, por exemplo, que a proposta de acção a longo prazo é pertinente e
correcta, uma vez que, só estando dispostos a esperar e a colher os frutos dentro de
décadas, teremos com certeza as gerações mais novas consciencializadas da importância
do mar e porventura atreitas a explorar algumas das suas muitas potencialidades. Mas
importa ter em conta que quem formará estas novas gerações são as gerações adultas
actuais, de pais e professores a quem também é preciso incutir as mesmas preocupações
e interesses pelo património marítimo português. Assim, neste campo consideramos que
a Estratégia se fica apenas pelo diagnóstico da situação, sem avançar propostas
concretas de solução verdadeiramente eficazes. Em nossa opinião, neste contexto
apenas uma genuína vontade política, que transmita aos portugueses a mensagem de que
é preciso valorizar, proteger e dinamizar o mar, poderá surtir efeitos imediatos ou a
curto prazo. Veja-se, por exemplo, como o facto de o actual Governo dar especial
atenção à área das energias renováveis parece estar a surtir efeito, quer ao nível da
dinamização do sector empresarial quer ao nível da sociedade civil. Os meios de
comunicação social têm dado particular destaque a este tema, bem como às questões
ambientais em geral, e há indícios que tal estará a ter consequências nas atitudes
quotidianas dos cidadãos. Hoje em dia, é comum que as pessoas se preocupem com o
gasto de energia quando compram um electrodoméstico ou uma simples lâmpada, como
também se torna cada vez mais frequente que o nível de consumo e o tipo de
combustível pese na decisão, aquando da aquisição de um automóvel (e aqui, uma vez
mais, a medida governamental de taxar os veículos mais poluentes e beneficiar, em
termos de imposto, os veículos híbridos poderá ajudar a essa consciencialização).
Claro que importa referir que neste caso outros factores, nomeadamente a importância
que o tema tem adquirido internacionalmente e a associação a este de figuras de peso
como o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, são muito relevantes; como o são
também, embora pela negativa, as notícias sobre os diferendos entre a União Europeia e
a Rússia a propósito do gás, ou ainda as notícias sobre a escalada do preço do petróleo
nos mercados internacionais, que uma vez mais teve impacte directo na vida dos
cidadãos, com o aumento do preço da gasolina e do gasóleo.
124
Julgamos que, no caso dos assuntos do mar, falta esta “ligação pragmática”. É
fundamental que as pessoas percebam que o facto de deixarmos ao abandono o nosso
património marinho terá consequências deveras negativas na nossa economia e,
consequentemente, na vida de cada um dos portugueses. Pelo contrário, se
potencializarmos e explorarmos as oportunidades que a extensa costa marinha lusa nos
concede teremos muito a ganhar. Mas, uma vez mais, tal não se incute numa sociedade
que quase esqueceu o seu mar de modo mais ou menos repentino, pelo que o empenho
político, e se possível um consenso político alargado, é determinante. Um pacto de
regime, uma figura já usada para outras áreas, poderia ser neste caso uma boa solução
para permitir a continuação da prossecução da estratégia definida, para além do ciclo
político vigente.
Os portugueses só acreditarão que o mar é um projecto nacional se as elites políticas o
disserem e, mais do que isso, demonstrarem, na prática, que assim é. De facto, a
aplicação prática dos documentos estratégicos é outra “pecha” do nosso País, pelo que
importa garantir que a estratégia nacional para o mar não é apenas um documento
teórico.
Assim, se fica claro que a afirmação da posição internacional de Portugal deve fazer-se
na esteira da figura de país marítimo e que o desenvolvimento desta “postura nacional”
depende exactamente de um adequado posicionamento do país neste domínio, (ao nível
comunitário em particular), também é certo que, para se afirmar na cena internacional,
Portugal precisa de encontrar o rumo internamente. O mesmo é dizer, carece de uma
verdadeira e efectiva política para o mar, que permita antes de mais que os portugueses
recuperem a sua ligação ao mar e voltem a valorizar como outrora este elemento
primordial da sua história; em suma, se voltem a sentir um povo de marinheiros (ainda
que não no sentido estrito da palavra).
É, por isso, preciso que se cumpra o determinado nesta Estratégia – que o mar seja
considerado um “projecto nacional”. A EMAM reconhece que para tal é imprescindível
o envolvimento e responsabilização de todos, desde o Estado, como promotor e
facilitador, às empresas e à sociedade civil, e sublinha que este terá que ser um trabalho
intenso e que demorará a dar frutos. “A obtenção de resultados tangíveis só será
perceptível em alguns casos a médio/longo prazo, exigindo por isso um investimento
rápido mas persistente nas áreas ligadas à educação, capacitação de meios humanos,
criação e optimização de infra-estruturas e investigação e desenvolvimento”, acrescenta
o referido documento. Nos cerca de três anos que já leva de actividade esta Estrutura de
125
Missão, não são muito conhecidas as suas acções e resultados. No entanto, só o tempo
permitirá verificar se a Estratégia delineada foi, primeiro, cumprida e, em caso
afirmativo, eficaz.
3.1.4.1.4. Análise Crítica: Síntese
Pontos fortes
Investimento na recuperação da dimensão social e cultural: Este é um aspecto muito
vincado na Estratégia Nacional para o Mar, e que de facto nos parece fulcral para que o
mar se torne uma prioridade nacional.
Estrutura organizacional: Do ponto de vista teórico, a organização da estrutura
responsável pela condução da estratégia marítima nacional parece-nos sólida e a mais
adequada. Foi criada a Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar, bem como a
Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar (esta presidida pelo Ministro da
Defesa) e o Fórum Permanente para os Assuntos do Mar, órgãos que garantem, à
partida, quer a execução da política delineada quer a ligação próxima aos agentes
económicos e aos decisores políticos com relevo nesta área.
Abordagem integrada: A abordagem baseada nos ecossistemas, de resto, na senda do
que tem sido a linha de orientação internacional mais recente neste campo parece-nos
ser a mais adequada, tendo em conta o conhecimento actual sobre os mares e oceanos, o
ambiente e a ecologia marinha.
Visão de longo prazo: O documento foi delineado para um horizonte temporal de dez
anos (2006-2016), o que denota uma preocupação em não definir uma política
dependente dos ciclos político-eleitorais. Esta abordagem parece-nos positiva, contudo é
pouco eficaz se não for conjugada com um dos pontos fracos que referiremos em
seguida – o empenho político.
Pontos fracos
Visão teórica: A Estratégia Nacional para o Mar problematiza a questão da gestão dos
oceanos e mares, mas não apresenta uma visão pragmática e performativa da mesma
(em suma, responde à questão “porquê”, mas não às questão “como”). Defende-se o
estabelecimento de um plano de acção, com medidas definidas visando um efeito
prático a curto, médico e longo prazo, acompanhadas de prazos de execução e de
avaliação da sua efectividade.
126
Falta de abordagem económica: São muito sucintas as referências às questões
específicas da economia do mar, o que parece ser manifestamente insuficiente tendo em
conta o enorme potencial por explorar dos mares portugueses. Além disso, a
consciencialização social e cultural que se pretende fazer, recuperando o pendor
marítimo do nosso país, seria alcançada, em nosso entender, de forma mais célere e
evidente se os cidadãos percebessem o contributo importante que as actividades ligadas
ao mar podem dar para o desenvolvimento da economia nacional. A economia marítima
poderá ser o motor do desenvolvimento da economia nacional, tal como defendem
alguns peritos cujo trabalho apresentaremos em seguida. Consideramos também que o
presente documento deveria ter contemplado uma proposta de organização em cluster,
tendo em conta as experiências existentes em vários países, nomeadamente em termos
de clusters marítimos, com resultados positivos evidentes. Por essa razão, apresentamos
em seguida o relatório da SaeR, com a proposta de implementação de um hypercluster
do mar, em Portugal.
Não aproveitamento do conhecimento produzido no passado: Na anterior legislatura
foi produzido um documento extenso e detalhado sobre a situação dos mares nacionais,
que apresentava inclusive um rol deveras extenso de propostas de acção, que não foi
aproveitado pelo Governo que se seguiu (o do primeiro-ministro José Sócrates). Esta é,
infelizmente, uma situação recorrente na vida política nacional, mas que deveria ser
evitada, tendo em conta os recursos que o Estado investiu na produção de tal
documento. Este, mesmo que não fosse seguido na íntegra, poderia ter sido utilizado em
parte ou como base de trabalho para a elaboração da Estratégia Nacional para o Mar,
uma vez que constitui um trabalho aturado e muito completo. Por este facto, fazemos
também uma breve apresentação das suas propostas e conteúdo.
Falta de criatividade das propostas/visão tradicionalista: As medidas preconizadas
parecem-nos carecer de criatividade, originalidade e modernidade. No domínio da
sensibilização e dinamização cultural do conhecimento sobre os mares nacionais junto
das gerações mais jovens, por exemplo, julgamos que poderiam ser delineadas
estratégias mais modernas e condizentes com o actual estado de desenvolvimento
tecnológico do Pais e da sociedade, indo assim ao encontro das preferências e
competências dos mais jovens. As novas redes sociais na Internet, os sites de divulgação
de vídeos, as televisões e rádios na web são novas formas de comunicação que os jovens
conhecem, dominam e utilizam com muita frequência, pelo que devem ser encarados
como meios de comunicação preferenciais com estas faixas etárias, em detrimento dos
127
espaços museológicos e outros meios tradicionais (não obstante o seu inquestionável
interesse histórico e científico).
Empenho político: Tal como em qualquer país, em Portugal a estratégia nacional para
o mar só terá sucesso se houver um efectivo interesse político na sua concretização. No
caso vertente, a observação da mais recente legislatura (em término à data de conclusão
desta tese) leva-nos a concluir que o mar não foi considerado um tema prioritário,
malgrado os objectivos e ambições teóricas vertidas na referida Estratégia.
Compreende-se que numa época excepcional como a de crise financeira internacional
que atravessamos assuntos como o desemprego e afins tendam a ser privilegiados.
Contudo, verificamos que ao longo dos últimos quatro anos a política marítima nunca
esteve no topo da agenda política nacional, o que dificulta a concretização do objectivo
postulado na Estratégia Nacional para o Mar, de fazer do mar um “projecto nacional”.
3.1.4.2. O hypercluster do mar
Uma dos aspectos que nos parece igualmente importante ressaltar em relação à
Estratégia Nacional para o Mar é o facto de não propor ou defender a organização em
cluster do sector, apesar dos exemplos e tendências europeias nesse sentido.
No caso português, parecem existir condições particularmente benéficas à adopção
deste modelo organizativo, como tem vindo a ser defendido por personalidades de
reconhecido mérito, nomeadamente o Professor Êrnani Lopes, e demonstrado por
estudos.
É justamente ao mais recente desses trabalhos que faremos referência. O Hypercluster
da Economia do Mar: Um Domínio de Potencial Estratégico para o Desenvolvimento
da Economia Portuguesa398 apresenta a tese que os sectores ligados ao mar, quando
devidamente organizados, podem funcionar como uma porta de entrada para a
modernização, revitalização e desenvolvimento da economia portuguesa. Na opinião
dos autores deste relatório, a criação de um hypercluster do mar (e não apenas de um
cluster, note-se) pode conceder ao País a oportunidade, até agora perdida, de se adaptar
ao novo paradigma de modernização – o padrão da modernização da globalização
competitiva – e de inverter a tendência de queda da sua economia399. Cientes que a crise
que Portugal vive actualmente é de intensidade superior e de natureza muito diferente 398 SaeR, 17 de Fevereiro de 2009. 399 Idem, ibidem, p 17: “(...) a economia portuguesa tem vindo a perder vitalidade de modo sistemático e, em vez de se aproximar dos padrões de modernização, está a afastar-se em direcção à periferização, à marginalização e à estagnação”.
128
das anteriores (fim das fronteiras; passagem do plano nacional para o plano mundial), os
peritos salientam que é determinante conhecer e eliminar os condicionantes do fracasso
das estratégias de modernização passadas e encarar uma nova matriz estratégica. Tal
passa, nomeadamente, por “investir na qualidade dos instrumentos de regulação”400; por
o País se adaptar à sua natureza, de uma economia interdependente integrada num bloco
regional (a União Europeia), o que exige, por seu turno, a criação de condições
favoráveis à especialização em determinados sectores e adaptação à crescente
competitividade destes. É igualmente importante a promoção, no espaço internacional,
das condições nacionais, através de uma política externa activa401 402.
Os autores consideram que Portugal não soube aproveitar diversas oportunidades que
teve no passado, como por exemplo a integração na União Europeia ou no sistema de
moeda única europeia403, e por isso tem agora maiores dificuldades em posicionar-se e
conseguir o desenvolvimento da sua economia no quadro de globalização competitiva
mundial e de mudança, ruptura e descontinuidade que este padrão de modernização
acarreta404. Para pôr termo ao definhamento da sua economia e assumir uma postura de
afirmação e crescimento, o País tem, na opinião dos especialistas, de dedicar especial
esforço a cinco áreas de especialização, para as quais tem particular vocação, a saber: o
turismo, o ambiente, a valorização do papel das cidades como núcleos de
desenvolvimento, os serviços de valor acrescentado e a economia do mar405. É
justamente sobre o potencial406 deste último sector que versa o relatório em análise. O
seu potencial de inovação, a sua capacidade de atracção de investimento externo de
qualidade e de criação de valor, bem como o ainda significativo estado de inexploração
400 Idem, ibidem, p 27. Ver também pp. 28 a 30. 401 Idem, ibidem, pp. 31 a 33. 402 Os autores defendem a tese do estabelecimento de um “padrão de equilíbrio” que permita concretizar a “estratégia de modernização”. Tal depende de inúmeros factores, como sejam a capacidade de estruturação de redes de empresas e a adaptação dos comportamentos sociais ao novo tipo de modelo de resolução das relações conflituais. Idem, ibidem, p 41: “É este padrão de equilíbrio que permite a uma economia organizada deste modo operar em graus de risco elevados e assegurar a geração dos rendimentos de trabalho e a acumulação sustentada de capitais que satisfaçam as necessidades sociais e continuem a financiar as fases seguintes do crescimento económico. Onde estiver formado esta padrão de equilíbrio, os investimentos externos e a escolha de novas especializações serão os contributos adicionais”. 403 A explicação destes condicionantes é particularmente bem sintetizada no gráfico da p 49 do documento em análise. Ver Anexo O. 404 SaeR, 17 de Fevereiro de 2009, pp. 54 a 56. 405 Idem, ibidem, pp. 71 e 72. 406 Idem, ibidem, p 88: “Tendo de enfrentar múltiplos factores de descontinuidade, a economia portuguesa terá de procurar valorizar os seus activos e as suas potencialidades. Nesta perspectiva, as actividades económicas relacionadas com o mar, com os seus recursos e com os seus potenciais de inovação, aparecem como um sistema de sectores articulados cujo desenvolvimento, se for respeitado o seu padrão de evolução conjunta, pode encontrar condições de sustentação e de reforço mútuos”.
129
do mar tornam-no um promissor motor do desenvolvimento económico do País407.
Como assinalam os autores, os oceanos ganharam, na actualidade, novas funções, como
sejam a de fonte de recursos naturais e energéticos importantes (petróleo, gás natural) e
de materiais para fins militares e civis, e podem ter um papel fundamental e
completamente inovador no campo da biotecnologia (por exemplo, na criação de seres
vivos capazes de combater a acumulação de gazes com efeitos de estufa ou na
exploração de micro-algas que possam vir a ser fontes seguras e limpas de
biocombustíveis). As suas funções de transporte de mercadorias e de fonte alimentar da
população mundial deverão, por seu turno, sofrer alterações e intensificação408. Em
suma, baseando-se num relatório de Douglas-Westwood409, os autores atribuem ao
oceanos seis funções estratégicas e económicas: transportes e logística (destacando-se,
neste campo, o sector da marinha mercante e transportes, em particular de
mercadorias)410; energia (exploração offshore de petróleo e gás natural; transporte de
petróleo e gás natural liquefeito, energias renováveis)411; defesa e segurança (além da
função tradicional de defesa, surge agora a função de apoio à protecção dos recursos
naturais e de combate à poluição)412; pesca e alimentação (declínio da pesca, ascensão
da aquicultura e da indústria de transformação do pescado)413; passageiros, lazer e
turismo (turismo de cruzeiros em grande ascensão; construção de embarcações de
recreio, desportos náuticos também em crescimento)414; construção naval (civil e
militar, construção de equipamentos navais e, mais recentemente, um pequeno
segmento em crescimento é o dos equipamentos de exploração submarina)415.
Destas, quatro funções são preponderantes na economia do mar da União Europeia:
transportes marítimos, turismo, petróleo e gás offshore e pescas e alimentação marinha,
sendo que os dois primeiros sectores têm um peso muito significativo, ao representar
cerca de metade da actividade económica ligada ao mar da UE416.
Em termos nacionais, os autores consideram que as actividades ligadas ao mar de maior
valor acrescentado e com maior efeito multiplicador na economia portuguesa são os da
407 Idem, ibidem, p 90. 408 Idem, ibidem, pp. 93 e 94. 409 DOUGLAS-WESTWOOD. World Marine Markets. Canterbury, Reino Unido, Março 2005. 410 SaeR, 17 de Fevereiro de 2009, pp. 94 e 95. 411 Idem, ibidem, pp. 95 e 96. 412 Idem, ibidem, p 96. 413 Idem, ibidem, pp. 96 e 97. 414 Idem, ibidem, p 97. 415 Idem, ibidem, pp. 97 e 98. 416 Ver Anexo D.
130
náutica de recreio e turismo náutico; construção e reparação naval; pesca, aquicultura e
indústria de pescado; transportes marítimos, portos e logística417. Os peritos assinalam,
em particular, o efeito multiplicador e o potencial de crescimento destes sectores,
nomeadamente da náutica de recreio e turismo náutico418.
Antes de avançarmos para a composição e caracterização do hypercluster do mar
português, importa explanar a opção dos autores por este conceito e não por o de
cluster, comummente usado. Os consultores da SaeR consideram que um cluster “é
constituído por um conjunto de actores – empresas, centros de investigação, entidades
de interface, facilitadores, etc. – cuja actividade se organiza em torno de um conjunto de
sectores com fortes relações económicas e tecnológicas e que, pela interacção dos seus
membros gera um potencial de inovação e desenvolvimento que separadamente esses
membros não poderiam ambicionar ter”. Já um hypercluster é “um conjunto de clusters
que, não tendo necessariamente todos entre si relações de intercâmbio económico ou
tecnológico estreitas, existem em torno da exploração de um mesmo recurso ou de um
mesmo património de grande dimensão e que suporta uma grande variedade de
funções”419. São também as cinco características específicas das actividades ligadas ao
mar que fazem com que não se possa falar, neste caso, em cluster, mas num cluster de
clusters, ou seja, num hypercluster. De acordo com o relatório, do ponto de vista
económico, as actividades ligadas ao mar têm uma especificidade diferenciadora (a
presença em meio aquático); uma diversidade de objectivos e pontos de aplicação; uma
unidade intrínseca de ordem superior, onde cada componente está profundamente
articulado com os restantes numa relação sistémica; uma exigência holística; e um
potencial sinergético420.
Segundo os autores, o hypercluster do mar português é complexo e exigente, do ponto
de vista da governação, pelo que a compreensão dos seus elementos funcionais é
fundamental. São estes: o software do hypercluster (que inclui a capacidade de
417 Ver Anexos P, Q e R. 418SaeR, 17 de Fevereiro de 2009, p 105: “Como conclusão e embora o valor económico das actividades ligadas ao mar na economia portuguesa seja ainda incipiente, existe, no entanto, um grande potencial de crescimento, nomeadamente na Náutica de Recreio e Turismo Náutico e os efeitos indirectos calculados pela presente análise são significativos, estimando-se que, em termos médios, cada euro aplicado nestas actividades da economia do mar tem pelo menos um efeito multiplicador significativo, isto é, de quase três vezes o valor do efeito directo. São assim actividades com elevado efeito de alavancagem noutras actividades, por conseguinte, fortes geradores de valor acrescentado”. 419 Idem, ibidem, p 105; ver também pp. 106 e 107. Sobre o conceito de hypercluster do mar ver também Lopes, 20.01.2008; e Hypercluster do Mar, Entrevista com Professor Doutor Êrnani Lopes, Março de 2005. 420 SaeR, 17 de Fevereiro de 2009, p 106.
131
definição de uma estratégia económica para a globalização; compreensão e
aproveitamento do quadro jurídico internacional dos oceanos; forte capacidade de
investigação científica; reforço da capacidade tecnológica, etc.); áreas de
enquadramento cultural (conhecimento da história marítima de Portugal, produção de
entretenimento e promoção das actividades culturais e artísticas que contribuam para a
construção de um capital simbólico associado aos oceanos); núcleo duro do hardware
do hypercluster (transporte marítimo, portos e logística, pesca, aquacultura, indústria
transformadora de pescado, construção naval, exploração offshore, etc.); áreas
complementares ou emergentes (serviços marítimos, segurança, protecção do ambiente,
prospecção/exploração de novas actividades, como obtenção de algas para área
farmacêutica/Medicina, novos biocombustíveis, etc.); sectores derivados (conexão com
o sistema de transportes terrestres, desenvolvimento regional, atracção de investimentos
e de operadores internacionais, etc.)421.
De notar ainda que os autores atribuem também um papel geopolítico importante ao
hypercluster do mar, na medida em que este permitirá articular os dois vectores
geopolíticos portugueses – o Atlântico-global (lusofonia) e o europeu-continental (UE)
–, constituindo assim um dos escassos sectores capazes de levar Portugal a afirmar-se
no cenário internacional422.
421 Idem, ibidem, pp. 108 e 109. 422 Idem, ibidem, p 110.
132
3.1.4.2.1. Componentes do hypercluster do mar
Os peritos distinguem os componentes do hypercluster em dois tipos: os verticais ou de
frente de negócio e os horizontais ou de suporte423. Os do primeiro tipo são os mais
visíveis, mas estes não funcionam sem os componentes de suporte, que fornecem a
visão de conjunto.
Assim, no grupo dos componentes de suporte incluem-se quatro subgrupos:
investigação cientifica, desenvolvimento e inovação, ensino e formação424; defesa e
segurança no mar425; ambiente e conservação da natureza426; produção de pensamento
estratégico427.
423 Ver anexo S. 424 SaeR, 17 de Fevereiro de 2009, pp. 321 a 326. O consenso dos últimos anos dos investigadores nesta área aponta para o aprofundamento do conhecimento em alguns domínios, como o sistema ecológico marinho, energias renováveis oceânicas, transporte marítimo de curta distância, mais amigo do ambiente, a componente oceânica do sistema Global Earth Observation, as alterações climáticas, seu impacte e resposta às mesmas. Em termos nacionais, os consultores consideram que o nosso país deve concentrar esforços nas tecnologias do mar em áreas que criem capacidade distintiva (p. e., exploração energética); na biotecnologia das algas, orientando-a para a produção de biocombustíveis sustentáveis, captação de CO2, etc.; no desenvolvimento de novos conceitos de navios e terminais portuários para transporte marítimo de curta distância, entre outras áreas. Tal exige recursos humanos qualificados, mas, para isso, é preciso que exista um mercado de trabalho estruturado e atraente, o que urge conseguir em Portugal. Depois, é necessário aprender com os exemplos externos, nomeadamente do Reino Unido, na forma de divulgar e atrair os jovens para este sector. Todo este esforço na captação de recursos humanos qualificados demanda uma acção concertada entre Estado e sector empresarial. 425 Idem, ibidem, pp. 312 a 321. Para Estados com territórios marítimos esta é fundamental, quer em termos políticos (de defesa) quer comerciais e ambientais. A Europa Ocidental é a que mais gasta nesta área e são múltiplas as funções/subáreas que cabem dentro deste componente. A segurança e defesa do ambiente marinho são uma condição básica indispensável ao desenvolvimento de todo o hypercluster e aqui reside a sua grande importância. O narcotráfico, a imigração ilegal, os riscos ambientais e económicos, as ameaças terroristas lançam hoje novos desafios a este componente. Após o 11 de Setembro, o reforço dos orçamentos de segurança e defesa tem-se verificado de uma forma generalizada, tendência que deverá continuar. A adaptação das funções da Marinha às novas realidades, atribuindo-se-lhe novas funções em tempos de paz, é fundamental (p. e. acções científicas de investigação, culturais, etc.). Os peritos defendem a criação, ao mais alto nível da estrutura do Governo, de uma entidade que planeie de forma integrada a exploração sustentada e segura do mar. Advogam também o melhor aproveitamento da estrutura da Marinha para um conhecimento do mar, em todas as suas dimensões, ao nível científico e também de pensamento estratégico, permitindo à sociedade tirar partido das organizações e conhecimento que já hoje é produzido pela Marinha portuguesa e entidades com esta relacionadas. 426 Idem, ibidem, pp. 293 a 312. Nos últimos anos tem havido um aumento da consciencialização global do papel fulcral do mar na manutenção da vida na Terra e, por consequência, da necessidade de preservar o ambiente marinho. As actividades económicas ligadas a este subsector são as relacionadas com a protecção e reposição da qualidade do ambiente, da água e ordenamento das zonas costeiras; investigação do meio marinho e de tecnologias afins; educação ambiental; criação de uma rede de áreas protegidas marinhas; rentabilização destas e atribuição de valor económico à protecção do ambiente marinho e à conservação da natureza. O turismo está grandemente dependente da qualidade do ambiente, marinho e não só. Por isso, é fundamental uma gestão equilibrada dos diversos usos do ambiente marinho, nomeadamente aquacultura e portos. Importa que cada Estado-membro defina uma estratégia para esta área. O ordenamento do território, em particular das zonas costeiras, e a poluição do mar, que em 80% deriva de terra, são áreas a dar particular atenção. O investimento na inovação tecnológica, para melhor conhecimento, vigilância e protecção do ambiente marinho, pode ser também determinante. Para isso, é preciso antes investir na formação de investigadores em ciências e tecnologias do mar. A educação ambiental e a sensibilização para a importância da preservação do ambiente marinho são outros vectores
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Já os componentes de frente de negócio são: visibilidade, comunicação, imagem/cultura
marítimas428; náutica de recreio e turismo náutico429; transportes marítimos, portos e
logística430; construção e reparação naval431; pesca, aquacultura e indústria de
essenciais (tendo os zoos, aquários e oceanários um papel relevante neste contexto). Os peritos salientam ainda a mais-valia das redes de zonas protegidas marinhas, às quais deve ser atribuído um valor monetário, como forma de valorização e rentabilização (p. e., turismo); das convenções internacionais estabelecidas para esta área; e das políticas da União Europeia relacionadas com a protecção da biodiversidade e do ambiente. Tais medidas são essenciais, até pela tendência de aumento da pressão sobre as zonas costeiras, na Europa e em particular em Portugal, sendo que as alterações climáticas também deverão agravar a “sobrecarga” e desgaste da orla costeira. É essencial que todos, agentes económicos, políticos e opinião pública, tomem consciência da necessidade de proteger o ambiente marinho, algo que é ainda difícil. Em Portugal, esta falta de sensibilização é particularmente sentida e deve ser alterada, por exemplo através da informação sobre o potencial económico das nossas zonas marinhas (p. e., através do ecoturismo, turismo náutico e outras actividades afins). Portugal precisa também de definir a sua rede de áreas protegidas marinhas e de conhecer cada uma destas, havendo aqui uma oportunidade de negócio em novas áreas, da investigação, protecção, vigilância e monitorização marinhas, que podem beneficiar da iniciativa Business&Biodiversity. Um factor crítico é, contudo, a capacidade de cooperação entre os diferentes agentes. 427 Idem, ibidem, pp. 281 a 292. Esta é fundamental para o desenvolvimento de qualquer economia, determinando a sua qualidade, o seu sucesso ou fracasso. O pensamento estratégico deve trabalhar sobre uma descrição objectiva da realidade. Em tempos de mudança e de elevada incerteza, deve prevalecer sobre os programas doutrinários e ideológicos e é de extrema importância. A acepção de estratégia que concilia o poder político com o poder económico é a que melhor poderá ajudar a vencer os constrangimentos que se colocam à economia real actual. A criação de mecanismos de conhecimento que permitam criar valor acrescentado para o consumidor e para os fornecedores de produtos e serviços é um dos objectivos do pensamento estratégico. Em suma, criar competitividade, desenvolvimento e sustentabilidade. Para tal, é também necessário estimular a comunicação e conhecimento entre os vários actores do hypercluster, de modo a difundir a informação e conhecimento existentes, quer entre estes quer junto das autoridades com capacidade de decisão. A produção de inovação deve contar com o apoio das entidades estatais à investigação. A escolha do hypercluster da economia do mar como especialização competitiva da economia portuguesa exige também uma mudança de óptica radical, uma abordagem diferente, não tradicional, e com atenção ao exterior (aplicação da máxima “ver, perspectivar e aprender”). Em relação a Portugal, tendo o Pais perdido as oportunidades de modernização, já referidas, importa agora que os sectores motores da economia consigam adaptar-se à nova realidade económica mundial, bem como que haja uma associação estratégica entre política, economia e sociedade, uma vez que este é um momento crítico e decisivo para a modernização, ou não, da economia nacional. Aqui, o sector do hypercluster do mar tem uma influência determinante. 428 Idem, ibidem, pp. 136 a 141. O estabelecimento de uma estratégia comunicacional bem estruturada e continuada, desde o arranque do hypercluster e ao longo de todas as suas fases de desenvolvimento, é fundamental, tal como demonstram diversas experiências internacionais. Ter na juventude um público-alvo privilegiado, tentar mudar a imagem da sociedade civil acerca do mar e do seu potencial e torná-lo uma marca do País são alguns dos objectivos a definir. 429 Idem, ibidem, pp. 141 a 163. Esta é uma área em crescimento e com grande potencial de futuro, que envolve uma panóplia ampla de actividades. Gera múltiplos efeitos sociais e económicos, directos e indirectos; tem forte efeito sinergético na criação de mais portos e marinas e no aumento da frota de recreio. Pela sua localização geográfica estratégica, Portugal tem um potencial de crescimento superior à média europeia neste sector; está, contudo, ainda muito inexplorado e exige um investimento estratégico nesta componente de náutica de recreio e turismo náutico, nomeadamente ao nível dos agentes económicos, que necessitam de maior conhecimentos de mercado e de gestão e de estabelecimento de parcerias e alianças, que permitam aumentar a competitividade desta área; é essencial uma nova mentalidade, que ponha fim à cultura da “subsidiodependência” e introduza dinamismo e capacidade de estabelecimento de parcerias estratégicas. 430 Idem, ibidem, pp. 163 a 205. Acompanhando o fenómeno da globalização e da intensificação do comércio internacional, os transportes cresceram mais do que a própria produção, nas últimas décadas. São um dos maiores componentes do sector, ao nível mundial, em termos de produção. O transporte contentorizado e o transporte de gás natural liquefeito são os segmentos que mais têm crescido. No transporte contentorizado, há um claro desequilíbrio entre as regiões principais envolvidas: a carga
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pescado;432 energia, minerais e biotecnologia433; obras marítimas434; serviços
marítimos435.
transportada da Ásia para a Europa e os Estados Unidos da América é muito superior à que é produzida nestas duas regiões e transportada para a Ásia. Ao nível da União Europeia, tem havido um investimento no transporte marítimo de curta distância, nomeadamente através das auto-estradas do mar. Os portos também têm vindo a sofrer significativas transformações, tornando-se em alguns casos “mega-hubs” e devendo ser encarados não com simples espaços de distribuição e fornecimento de serviços, mas como centros de produção, transporte e logística; hoje, o porto é considerado como área de impacte económico, onde se insere – concepção organizacional do porto, que valoriza as suas relações económicas, dentro e fora do território em que está localizado. No campo da logística, novas cadeias de abastecimento, de integração vertical têm tornado mais relevantes as plataformas logísticas, que são agora nós de ligação, convergência e distribuição em rede a nível internacional. Mas a intermodalidade, nomeadamente no Arco Atlântico (onde Portugal se insere), pela deficiência das redes ferroviárias, continua a ser um problema na UE. No campo dos transportes marítimos, a concorrência de países terceiros é muito forte, tendo sido adoptadas algumas medidas no espaço comunitário, nomeadamente o tonnage tax, para inverter a tendência de declínio do número de bandeiras europeias, medida que teve sucesso. Esta configurou uma excepção à permissão de atribuição de auxílios de Estado, por se considerar prioritária a revitalização do sector do transporte marítimo de base europeu. Os portos portugueses caracterizam-se, por sua vez, pela atomização, descoordenação e pouca especialização. Subsistem também problemas ao nível do seu funcionamento/eficiência. Existem várias oportunidades de crescimento nesta área, sendo que tal depende da capacidade de Portugal para melhorar os seus portos e transportes, bem como apresentar uma rede de plataformas logísticas coerente e eficaz, e também de aproveitar algumas mudanças previsíveis com a ampliação do Canal do Panamá, o aumento do tráfego Índia/Europa, a importância dada pelas instâncias comunitárias ao transporte marítimo de curta distância, entre outras. 431 Idem, ibidem, pp. 205 a 220. As empresas deste sector têm como características exigirem um elevado investimento inicial e apresentarem uma certa rigidez em termos de custos, sobretudo laborais, o que as torna muito vulneráveis às oscilações do mercado, podendo mesmo, em empresas com pouca flexibilidade, levar a situações de endividamento. O sector da construção e reparação naval é configurado pela localização, o financiamento e a eficiência, sendo os três, cumulativamente, essenciais/determinantes para o sucesso das empresas (embora a localização, por exemplo, seja menos importante para a construção do que para a reparação naval; o financiamento, pelo contrário, é mais importante para a construção do que para a reparação de navios, enquanto a eficiência é determinante para ambos). Este é um sector que tem sofrido, desde a década de 90, inúmeras pressões, na UE, quer pela perda de importância do transporte marítimo para o transporte aéreo quer pela afirmação dos mercados asiáticos neste domínio. O facto de ser uma área de produção trabalho-intensiva tem colocado as empresas em grandes dificuldades, perante as contingências do mercado e o peso dos custos laborais. A integração da economia do mar, através da constituição de um hypercluster, poderia no entanto alterar esta tendência de declínio. No caso português, as dificuldades deste sector são várias e a sua superação só se poderá fazer eventualmente no âmbito de uma estratégia da União Europeia, que valorize a localização geográfica de Portugal. 432 Idem, ibidem, pp. 220 a 238. Neste sector, destaca-se o crescimento continuado da aquacultura e da China, enquanto produtor e um dos maiores fornecedores mundiais, quer de pescado oriundo da pesca tradicional quer da aquacultura. Os stocks de peixe estão, cerca metade destes, sobreexplorados, delapidados ou em recuperação, enquanto um quarto se encontra subexplorado. Tem aumentado, também graças às tecnologias e à crescente consciência ambiental, a exploração de recursos piscatórios de águas profundas (verificou-se o crescimento do número de espécies reportadas, mas a realidade conhecida deverá estar ainda subestimada). A FAO estima, contudo, que haja uma quebra contínua no negócio da pesca, até se atingir o ponto de sustentabilidade. A aquacultura, pelo contrário, deverá verificar um forte crescimento, mas a Europa tenderá a representar apenas uma pequena parcela deste negócio. Existem, no entanto, preocupações pelo impacte ambiental e pelas questões sanitárias desta prática, sendo que a certificação da aquacultura respeitadora do ambiente e das normas sanitárias, como já fazem alguns países, é importante, assim como a investigação de novas soluções, inclusive tecnológicas, para esta área. As algas são um subsector dominado pela China e em crescimento. A indústria do processamento do pescado também experimenta um forte crescimento, tendência que se deverá manter, em razão do valor acrescentado dado ao pescado processado, da alteração dos estilos de vida e da preferência por refeições “prontas a servir” ou similares. Há peritos que alegam, contudo, que, mesmo com a aquacultura, a evolução do padrão de vida de vários países subdesenvolvidos, e a consequente sobreexploração acrescida dos recursos alimentares mundiais, não é sustentável/viável. Os consultores da SaeR sugerem
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uma diferenciação em três categorias dos produtos piscícolas: o peixe fresco/iguaria; o peixe oriundo de aquacultura certificada e de qualidade; o pescado processado/indiferenciado. A pesca tradicional não tem futuro ou dimensão económica, mas pode tornar-se num produto turístico valorizado. Em Portugal, a pesca tem decrescido acentuadamente desde a adesão à União, a aquacultura regista ainda valores muito baixos e apenas a indústria transformadora de pescado tem aumentado a sua quota de mercado. 433 Idem, ibidem; pp. 238 a 253. Só há 50 anos se começou a conhecer e a perceber o riquíssimo ecossistema do fundo do mar; hoje, já uma percentagem considerável de gás e petróleo (deste último, em particular ao largo de África – pela China – e do Brasil) é extraído do fundo do mar. As novas tecnologias estão a permitir o desenvolvimento da biotecnologia marinha, que fornece recursos para a indústria farrnacêutica e cosmética, com valor significativo, mas esta é ainda uma área jovem e que merece maior investigação e desenvolvimento, nomeadamente pelo seu potencial económico e social (desenvolvimento da Medicina). Os EUA são líderes no desenvolvimento da biotecnologia, enquanto na Europa França e Alemanha parecem ser os países mais empenhados nesta área. Os hidrocarbonetos e hidratos de metano, embora a sua exploração e conhecimento esteja ainda numa fase embrionária, podem vir a ser uma fonte de energia alternativa promissora, até pela sua existência em avultadas quantidades. As energias renováveis, como as derivadas do vento, das ondas e das marés, são também importantes para o futuro; e, embora menos conhecidas actualmente, a energia térmica do mar e do seu fundo poderá também constituir uma fonte energética relevante dentro de algum tempo. Em todo o Mundo, e nomeadamente na Europa, têm aumentado os investimentos na utilização de energias renováveis, em particular da energia eólica. De futuro, nomeadamente em Portugal, as energias das ondas e das marés parecem promissoras, mas ainda tardará até que estas possam ser fontes de energia rentáveis e massificáveis. Os minerais do fundo do mar também não devem ser ignorados, sendo que os agregados de areia e cascalho já hoje são muito utilizados por alguns países para a construção civil e outros fins; as jazidas sedimentares detríticas e os recursos do oceano profundo também são importantes (já hoje se faz exploração de diamantes no fundo do mar, p. e. na Namíbia, graças a novas tecnologias submarinas). Manganês, cobalto, cobre, chumbo, zinco, ouro e prata são alguns dos metais que podem ser aí encontrados, em algumas localizações geográficas. Por fim, as algas, em especial pelo potencial de consumo/encarceramento de CO2 e/ou de produção de combustíveis (hidrogénio, biomassa, etc.) , têm sido amplamente estudadas. Todos os subsectores desta área têm potencial de desenvolvimento elevadíssimo em Portugal, mas ainda está por comprovar e alcançar a sua rentabilidade e por explorar esse mesmo potencial. 434 Idem, ibidem, pp. 253 a 265. Esta área do hypercluster pode dividir-se em quatro subáreas: obras portuárias; drenagens, obras de defesa costeira; levantamentos hidrográficos e topo-hidrográficos. É uma área em grande crescimento, em particular no Oriente, onde se constróem novos portos e se fazem obras de ampliação noutros, mas também na Europa (p. e., Espanha está a investir nos portos para aumentar capacidade de transporte marítimo de curta distância) e nos EUA. Navios contentores, aumento do turismo de cruzeiros e náutica de recreio são algumas das razões para este movimento ao nível das estruturas portuárias. Este é um sector, no entanto, afectado pela erosão costeira, que também tem exigido avultados investimentos, não devendo ser descurados os possíveis efeitos, futuros, das alterações climáticas. Os peritos da SaeR consideram que falta informação que oriente a aplicação criteriosa dos fundos destinados a esta área. Tem, contudo, aumentado o esforço nesse sentido, nomeadamente nos levantamentos hidrográficos, prospecção de petróleo e gás, conhecimento das zonas económicas exclusivas e plataformas continentais com vista ao seu alargamento, tendência que se deverá manter, sobretudo com a consciencialização para a importância do mar e dos seus recursos. Os peritos assinalam a necessidade de estudos de índole europeu sobre a capacidade e necessidades dos portos do continente, de modo a evitar obras desnecessárias, por exemplo, em Portugal. Os especialistas assinalam ainda a potencialidade por explorar no nosso país, ao nível dos portos de náutica de recreio/marinas. No subsector das frenagens, o mercado está dominado por empresas estrangeiras, havendo apenas eventual potencial por explorar na área da extracção de inertes ao largo, para alimentação artificial de praias ou zonas em erosão. Outra área preocupante em Portugal é a orla costeira, que precisa de ser defendida e protegida, em várias zonas, requerendo intervenção urgente. Este poderá ser, por isso, um mercado de potencial crescimento, até pelas esperadas consequências das alterações climáticas. 435 Idem, ibidem, pp. 266 a 281. Aqui incluem-se as actividades de transporte marítimo, excluindo-se os armadores e operadores (p. e., seguros, serviços financeiros, corretores, serviços jurídicos marítimos, sociedades de classificação, formação e treino, pessoal, etc.). Os serviços marítimos têm grande importância estratégica, por incluírem muitos players/stakeholders relevantes para o sector. É um domínio de crescimento a longo prazo, com centro em Londres, mas que ameaça “deslocalizar” para o Oriente. Actualmente, estima-se que a Europa contribua com 38% do volume de negócios desta área e a Ásia com 24%. Em Portugal, esta é uma área com pouca expressão. Trata-se, no entanto, de um mercado
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A SaeR analisou, depois, a potencialidade de cada um dos componentes do hypercluster
segundo factores de atractividade436 e factores de competitividade437. E concluiu que,
embora com variações, parte dos componentes do hypercluster revela factores de
atractividade baixa. Contrariam esta realidade os factores taxa de crescimento, potencial
exportador e contribuição para a identidade e imagem marítima do País438. Quanto aos
factores de competitividade, a análise efectuada levou à conclusão de que os factores
posição geográfica, qualidade e condições dos recursos físicos, capacidade de
“clusterização” dos componentes e a complementaridade ibérica, europeia, atlântica são
os que mais contribuem para o desenvolvimento do hypercluster do mar439. No cômputo
geral, a maioria dos componentes do hypercluster apresenta níveis de atractividade bons
ou muito bons, no entanto os níveis de competitividade são baixos ou medianos. A
única excepção é o turismo náutico e a náutica de recreio, que conjugam altos níveis de
atractividade e de competitividade440.
Perante este quadro de partida, os peritos recomendam que, no seu conjunto, o
hypercluster considere os componentes da náutica de recreio e turismo náutico; portos,
logística e transportes marítimos; pescas, aquacultura e indústria do pescado (e de futuro
também o componente dos minerais, energia e biotecnologia, se se vierem a comprovar
as potencialidades desta área) como geradores primários de riqueza e motores de
desenvolvimento. Em seguida, como actividades de suporte e optimização dos
componentes da linha da frente, devem ser consideradas as obras marítimas, construção
e reparação navais e os serviços marítimos. Por seu turno, os componentes da
investigação científica, inovação e desenvolvimento; ambiente e conservação da
natureza; defesa e segurança do mar; e ensino e formação devem ser encarados pelo seu
papel de geração de inovação, sustentação e desenvolvimento a longo prazo.
Por fim, na quarta plataforma do hypercluster, surgem a produção de pensamento
estratégico e a visibilidade, comunicação e imagem/cultura marítima, enquanto com fortes possibilidades de expansão em Portugal, de acordo com os consultores da SaeR, podendo ser um elemento importante para a dinamização da economia nacional. 436 Idem, ibidem, pp. 330 a 332. Dimensão do mercado, taxa de crescimento, período de retorno do investimento, faseamento dos investimentos, barreiras à entrada, contribuição para o rendimento nacional, potencial exportador, contribuição para o emprego, identidade e imagem marítima do País. 437 Idem, ibidem, pp. 332 a 334. Posição geográfica, qualidade/condições dos recursos físicos, qualidade/condições dos equipamentos, infra-estruturas e serviços associados, maturidade/capacidade tecnológica, know how/inovação, qualidade/condições de recursos humanos, acesso a tecnologia e capital, capacidade de clusterização de componentes, articulação e cooperação entre agentes, complementaridade ibérica/europeia/atlântica, envolvente PES/geopolítica, qualidade e capacidade dos agentes económicos. 438 Idem, ibidem, p 337. 439 Idem, ibidem, p 340. 440 Idem, ibidem, p 342.
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impulsionadores, enquadradores e gestores da consistência interna do hypercluster
(embora surjam em último, devem ser considerados estratégicos e prioritários, na
medida em que constituem os verdadeiros factores de mudança social, cultural e
económica em relação a este sector)441.
Os consultores assinalam, contudo, que a concretização e desenvolvimento do
hypercluster nos moldes pretendidos apenas será possível se existirem determinadas
condições de partida442, de índole política, económica e social, assumidas, nas funções
respectivas, pelos actores públicos e privados.
Com o objectivo major de tornar o desenvolvimento da economia do mar um desígnio
nacional na viragem do primeiro para o segundo quartel do século XXI, fazendo assim
do hypercluster do mar um domínio estratégico impulsionador do desenvolvimento
económico e social do País e tornando Portugal um interlocutor credível ao nível da
economia global do mar, os autores do relatório delinearam um master plan. Este
master plan inclui planos prioritários443, planos de sustentação imediata444, planos de
alimentação445 e um plano designado de Horizonte-Mais/Meta-Oceano446. Todos estes
planos e seus derivados devem ter uma calendarização rigorosa, definir medidas e
formas de avaliação das mesmas.
441 Ver anexo T. 442 SaeR, 17 de Fevereiro de 2009, pp. 351 a 353. Essas condições de partida pré-determinantes são: a identificação clara da visão e dos objectivos estratégicos; a criação de condições de competitividade, que passem pela identificação dos activos estratégicos, dos recursos e competências técnicas necessárias e dos incentivos adequados; a criação de uma atitude colectiva alinhada de todos os sectores estratégicos, públicos e privados, valorizando o mar como um grande activo estratégico nacional e a concretização da visão conjunta do hypercluster como um desígnio nacional; a elaboração de uma estratégia e de um master plan para o hypercluster da economia do mar nacional; parcerias estratégicas e integração em redes globais; acesso a sistemas financeiros e a capitais que permitam criar condições para a concretização dos projectos; sistema de recursos humanos e de qualificação/certificação de competências; sistema de apoio à inovação, conhecimento e desenvolvimento tecnológico; criação de um sistema energético nacional onde o mar tenha um papel fulcral. 443 Idem, ibidem, pp. 369 e 370. Devem contemplar planos de acção para as componentes portos, logística e transportes marítimos (ver pp. 376 a 387); náutica de recreio e turismo náutico (ver pp. 387 a 397); pesca, aquacultura e indústria de pescado (ver pp. 397 a 401); visibilidade, comunicação e imagem/cultura marítimas (ver pp. 401 a 407); produção de pensamento estratégico (ver pp. 407 a 411). Caso as perspectivas promissoras em relação à componente energia, minerais e biotecnologia se concretizarem, deve também ser elaborado um plano de acção para esta área (ver pp. 411 a 415). 444 Idem, ibidem, p 370. Devem incluir planos de acção para as áreas dos serviços marítimos (ver pp. 415 a 418); obras marítimas (ver pp. 424 a 429) e construção e reparação navais (ver pp. 419 a 424). 445 Idem, ibidem. Neste âmbito, recomenda-se a elaboração de planos de acção para as componentes investigação científica, inovação e desenvolvimento (ver pp. 429 a 433); ensino e formação (ver pp. 433 a 436); segurança e defesa do mar (ver pp. 436 a 441); ambiente e conservação da natureza (ver pp. 441 a 447). 446 Idem, ibidem, pp. 370 e 371. De carácter mais prospectivo e com visão de longo prazo. Os seus objectivos são manter a visão de conjunto, alinhada e integrada no futuro. Visa também evitar situações de ruptura e gerir capacidade para integrar a inovação e novas perspectivas de desenvolvimento.
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O master plan terá três tipos de actores fundamentais: as empresas; os poderes políticos
formais e a sociedade civil organizada447. A execução do plano de acção exigirá
acompanhamento e controlo da sua aplicação prática, defendendo, para o efeito, os
autores que seja criado um fórum empresarial que possa trazer apoios técnicos externos
e garantir a articulação e cooperação entre os diversos actores (empresas e poder
político). Os peritos sugerem também a criação de um grupo de trabalho permanente e a
instituição de uma conferência anual sobre economia do mar448.
Como forma de contrariar as condições de partida limitadoras, como a fraca iniciativa
empresarial portuguesa, a debilidade das Finanças Públicas, a ausência de inserção em
redes globais, entre outras449, os autores recomendam ainda a constituição de um
Conselho de Ministros exclusivo para os assuntos do mar450 e a produção de legislação
especial e exclusiva para o hypercluster da economia do mar (que discrimine
positivamente este sector, de forma a ultrapassar os constrangimentos identificados). O
Conselho de Ministros dos Assuntos do Mar deve ser presidido pelo primeiro-ministro e
reunir, pelo menos, trimestralmente. Deve possuir um ministro-coordenador e um
conselho técnico de suporte. Deverá contemplar ainda uma comissão, onde estejam
representados a sociedade civil e as empresas, através do Fórum Empresarial.
Devido ao facto de serem de número muito extenso, abstemo-nos, no presente trabalho,
de apresentar em detalhe as diversas medidas concretas propostas para os vários planos
de acção a elaborar para cada um dos componentes do hypercluster. Salientamos, no
entanto, o carácter actual, inovador e até criativo de muitas das medidas propostas.
Todavia, e como também assinalam os consultores da SaeR, a concretização das
diversas medidas referidas exige atenção às condições de financiamento. As exigências
de financiamento são diferentes, consoante as componentes do hypercluster em causa e,
por isso, também as fontes de financiamento podem ser múltiplas (fundos públicos
europeus451, investimentos e fundos privados ou públicos internacionais452).
447 Idem, ibidem, pp. 366 a 368. Note-se que, embora possa não ser evidente, o papel da sociedade civil é fundamental, pois só esta permitirá a mudança cultural que possibilitará que o mar passe a ser visto pelos portugueses como uma fonte de riqueza e enorme potencial para o revigoramento e rejuvenescimento do País, o que, por seu turno, é essencial à concretização dos vários pressupostos e componentes do hypercluster do mar. 448 Idem, ibidem, p 371. 449 Idem, ibidem, p 372. 450 Idem, ibidem, p 373. 451 Idem, ibidem, pp. 448 e 449. Ver também quadros das pp. 456 a 468. 452 Idem, ibidem, pp. 449 a 468.
139
Em suma, os autores consideram que, para evitar o cenário previsível, nas condições
actuais, de definhamento da economia portuguesa, o País precisa de investir numa área
de especialização que tenha capacidade de crescimento no quadro da globalização
competitiva, seja gerador de emprego e possa contribuir para a correcção dos problemas
estruturais da economia nacional. Na opinião dos especialistas da SaeR, o hypercluster
da economia do mar reúne condições para responder positivamente a tais desafios, até
pelos recursos naturais de Portugal neste campo, que têm sido muito pouco explorados
e/ou aproveitados. No entanto, são necessárias condições imperativas, como a iniciativa
governamental de enquadramento e facilitação macropolítica; e iniciativas de
estruturação da acção empresarial conjunta. Os peritos reconhecem a existência de
diversos constrangimentos e obstáculos, já referidos acima, mas assinalam como
principal constrangimento a transformação da atitude e da vontade global, dos diversos
actores (poderes políticos e estruturas públicas administrativas, sociedade civil e
empresas) em relação à economia do mar. Por isso, consideram, como referido,
fundamental a criação do Conselho de Ministros dos Assuntos do Mar, a constituição do
Fórum Empresarial e a produção de legislação específica453.
453 Idem, ibidem, pp. 469 a 472.
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3.1.4.3. Relatório “O Oceano – Um Desígnio Nacional para o Século XXI”
Embora não esteja em vigor e a sua aplicação prática tenha sido muito pouco evidente,
consideramos relevante uma referência ao relatório elaborado pela Comissão
Estratégica dos Oceanos, intitulado “O oceano – Um desígnio nacional para o século
XXI”. O grupo e trabalho que elaborou este extenso e aturado documento foi para tal
mandatado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2003, de 17 de Junho,
portanto pelo Governo de coligação PSD/PP, liderado pelo então primeiro-ministro
Durão Barroso.
A Comissão Estratégica dos Oceanos era presidida pelo então ministro-adjunto do
Primeiro-Ministro, Dr. José Luís Arnaut, e teve como coordenador o Dr. Tiago Pitta e
Cunha, incluindo ainda vários representantes governamentais e personalidades de
reconhecido mérito454.
Esta Comissão tinha como objectivos políticos “valorizar a importância estratégica do
mar para Portugal; dar prioridade a assuntos do Oceano e projectar internacionalmente
essa prioridade; prosseguir uma gestão sustentada das zonas marítimas sob jurisdição
nacional, com vista a tirar pleno partido das suas potencialidades económicas, políticas
e culturais”455. Tais objectivos foram definidos por se considerar que o oceano é
“indubitavelmente o mais importante recurso natural de Portugal”456, mas também um
“componente decisivo da geografia do País” e “uma relevante área geoestratégica para a
segurança europeia e atlântica”457. Não obstante, os portugueses não reconhecem as
454 A Composição da Comissão Estratégica dos Oceanos era a seguinte: representantes governamentais: Almirante Nuno Vieira Matias (rep. Ministério da Defesa Nacional); Embaixador Francisco enriques da Silva (rep. Ministério dos Negócios Estrangeiros); Dr. Frederico Freitas Costa (rep. Ministério da Economia); Eng.º Carlos Alberto Garcia do Vale (rep. Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas); Prof. Doutor Carlos de Sousa Reis (rep. Ministério da Ciência e do Ensino Superior), Dr. Eduardo da Silva Martins (rep. Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação), Dr. Nuno Maria Sanchez Lacasta (rep. Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente). Personalidades de reconhecido mérito: Prof. Doutor João José Dias Coimbra; Prof. Doutor Manuel Pinto de Abreu; Dr. Manuel Correia Maltez; Prof. Doutor Mário Ruivo; Doutor Nuno Antunes; Dr. Pedro Lopo de Carvalho Norton de Matos. A Comissão tinha ainda um conselho consultivo, com representantes governamentais – Prof. Doutor Ricardo Serrão Santos (Governo Regional dos Açores); Dr. António Domingos Abreu (Governo Regional da Madeira), Dra. Teresa Calçada (Ministério da Educação); Dr. José Luís Bonifácio Ramos (Ministério da Cultura) – e personalidades de reconhecido mérito – Dr. Alexandre Carlos de Melo Vieira Costa Relvas; Eng.º António Duarte Silva; Dr. António Luís Guerra Nunes Mexia; Prof. Doutor António Manuel dos Santos Pascoal; Embaixador António Victor Martins Monteiro; Eng.º Carlos Alberto Martins Pimenta; Dr. David José Ferreira de Azevedo Lopes: Prof. Doutor Ernâni Rodrigues Lopes; Prof. Doutor Fernando José Arraino Sousa Barriga; Dra. Isabel Maria de Almeida Mota; Contra-Almirante José Luís Gonçalves Cardoso; Prof. Doutora Maria Margarida Miranda Castro; Prof. Doutora Rosa Maria Martins Rocha. 455 Comissão Estratégica dos Oceanos, Julho de 2004; p 5. 456 Idem, ibidem, p 15. 457 Idem, ibidem.
141
potencialidades do “seu” oceano. Como escrevem os autores do Relatório, “o Oceano
dificilmente é – na consciência colectiva da actualidade nacional – muito mais do que
história e literatura”458. Estes defendem, por isso, a definição e reencontro de uma nova
visão e de uma nova missão para os mares nacionais: Na opinião dos membros da
Comissão Estratégica, tal é fundamental para responder aos fenómenos da globalização
e do alargamento e aprofundamento da integração europeia, quer como forma de estar à
altura da competitividade crescente na economia global quer como garante da
relevância do País no quadro internacional459.
Dividido em duas partes, o Relatório apresenta cinco objectivos estratégicos e
respectivos vectores de execução. Em cada uma das temáticas, elabora uma análise
exaustiva da situação actual, elencando os pontos fortes e os pontos fracos, bem como
fazendo propostas concretas de acção. O documento é extremamente minucioso e
exaustivo na análise realizada, pelo que constitui um importante manancial de
informação sobre o “estado do Mar” no nosso País. Peca, em nosso entender, por
excesso, na medida em que, ao propor tão elevado número de acções e ao não
estabelecer uma priorização/calendarização das mesmas, torna difícil a sua execução.
De todas as formas, consideramos que é um documento que não deve ser ignorado e que
poderia ser aproveitado de forma mais eficaz do que até agora o foi. A sua referência
neste trabalho visa também o estabelecimento de um paralelo com a Estratégia Nacional
para o Mar que, como veremos, denotará a debilidade e falta de abrangência do
instrumento político actualmente em vigor.
Assim, apresentamos aqui, de forma sucinta, os objectivos estratégicos e princípios
enformadores460 do referido Relatório. Os objectivos estratégicos são: Valorizar a
associação de Portugal ao Oceano como factor de identidade; assegurar o conhecimento
e a protecção do oceano; promover o desenvolvimento sustentável de actividades
económicas; assumir uma posição de destaque e de especialização em assuntos do
Oceano; construir uma Estrutura institucional moderna de gestão do oceano461.
A cada um destes objectivos correspondem vários vectores estratégicos462, que os
autores resumem globalmente como promotores da:
458 Idem, ibidem. 459 Idem, ibidem, pp. 17 a 21, nas quais os autores defendem que “o Oceano pode ter para Portugal um papel fulcral na dupla perspectiva de reforço de identidade e imagem, e de via de especialização para o desenvolvimento”. 460 Para conhecer em maior detalhe as propostas para cada objectivo estratégico, ver Anexo U. 461 Comissão Estratégica dos Oceanos, Julho de 2004, p 23. 462 Idem, ibidem, pp. 23 e 24.
142
1) utilização sustentável do Oceano como imagem e marca distintiva para Portugal;
2) necessidade de se enveredar por uma política que promova a consciencialização e
educação ambiental dos Oceanos;
3) valorização do património cultural que o oceano representa para Portugal, incluindo o
património cultural subaquático;
4) valorização económica, política, diplomática e militar do posicionamento
geoestratégico de Portugal, no plano das relações internacionais;
5) imperativo da adopção de um modelo de gestão integrada para os assuntos do Mar
que assente numa plataforma institucional moderna e adequada a desenvolver essa
gestão integrada;
6) promoção e o desenvolvimento dos sectores económicos ligados directamente ao
mar, com vista à sua contribuição para o crescimento económico e do emprego em
Portugal, incluindo o turismo, a pesca e a aquacultura, os portos, as plataformas
logísticas multimodais e as suas ligações ferroviárias, os transportes marítimos, a
construção e a reparação naval, a biotecnologia e os recursos minerais e energéticos;
7) investimento na investigação, na ciência, e na tecnologia e na inovação, em particular
em áreas com potencial interesse para o desenvolvimento nacional;
8) garantia da defesa nacional, da fiscalização e vigilância das áreas marítimas sob
jurisdição portuguesa e o cumprimento das nossas obrigações internacionais;
9) assunção de uma posição activa e proeminente na agenda e nos debates das
organizações internacionais relativas aos oceanos;
10) estabelecimento de uma plataforma institucional de governação do oceano,
adequada a consagrar uma gestão integrada dos assuntos do mar.
Por fim, para completar esta sucinta apresentação da proposta da Comissão Estratégica
dos Oceanos para os mares portugueses, enunciamos os princípios enformadores que os
autores consideraram ser essenciais a uma estratégia nacional para o oceano. São estes
os princípios da gestão integrada, da precaução, do desenvolvimento sustentável, da
participação efectiva e da valorização de actividades económicas463.
Estes são complementados pelos parâmetros orientadores da gestão integrada; da
transversalidade, intersectorialidade e interdisciplinaridade; da visão de conjunto; do
desenvolvimento sustentável; da precaução; da importância do ecossistema; do
463 Idem, ibidem, pp. 53 e 54.
143
conhecimento; e do fundamento científico das decisões464, denotando-se aqui vários
pontos de encontro com a Política Marítima Europeia.
464 Idem, ibidem, p 55.
144
3.2. A política marítima dos Estados Unidos da América
Os Estados Unidos da América (EUA) definiram um plano de acção para os grandes
lagos, mares e oceanos. A actual política para os mares e oceanos começou a ser
preparada em 2000, na sequência do Oceans Act465, que criaria a U.S. Commission on
Ocean Policy. Esta comissão, liderada por James D. Watkins, foi mandatada para
estudar a situação dos mares norte-americanos e fazer recomendações para melhorar a
economia marítima e o estado de protecção dos ambientes marinhos. Nesse sentido, o
grupo de peritos apresentou o seu relatório final em Setembro de 2004, o An Ocean
Blueprint for the 21st Century466. Este extenso documento apresenta 212 medidas467
para responder aos problemas actuais das superfícies e meios marinhos norte-
americanos468.
3.2.1. Introdução
Sem pretender fazer uma descrição exaustiva das propostas do referido documento
estratégico, importa, para efeitos da presente tese, perceber quais os principais
problemas identificados nos EUA e quais os meios propostos para fazer face aos
mesmos.
Como refere o relatório, os EUA são uma nação oceânica: a superfície marítima sob a
jurisdição norte-americana é maior que o território terrestre dentro das suas fronteiras. A
economia marítima dos EUA também tem um peso preponderante na economia global –
assegura cerca de dois milhões de postos de trabalho e anualmente gera 117 mil milhões
de dólares americanos só em actividades directamente relacionadas com os oceanos. Se
a estas somarmos todas as actividades directa e indirectamente ligadas os mares
(incluindo as actividades costeiras), as cifras são ainda mais expressivas – o contributo
para o PIB norte-americano ascende a cerca de metade deste e o número de empregos
gerados é de 60 milhões469.
Malgrado o seu potencial económico, as costas norte-americanas sofrem ameaças470
semelhantes às verificadas em outras partes do Mundo, como a poluição, a sobrepesca e
a falta de planeamento e ordenamento dos territórios marítimos.
465 Public Law 106-256. 466 U.S. Commission on Ocean Policy, 2004. Disponível em www.oceancommission.gov (última consulta em 19.09.2009). 467 Idem, ibidem, ver resumo das medidas no capítulo 31, pp. 472 a 522. 468 Idem, ibidem, p 25. Resumo dos fundamentos da política norte-americana para os oceanos e mares. 469 Idem, ibidem, pp. 2, 31 e 32. 470 Principais ameaças aos mares norte-americanos identificadas em Idem, ibidem, pp. 38 a 44.
145
3.2.2. Princípios orientadores e pressupostos teóricos
Assim, a Comissão propõe que se abandone a actual política de gestão dos mares
fragmentada e sectorial e se adopte uma estratégia de gestão baseada nos ecossistemas.
Aqui identificamos, portanto, não só problemas semelhantes, como uma visão comum à
Política Marítima Europeia. Princípios como o da sustentabilidade, da responsabilidade
colectiva perante os oceanos e mares, da ligação entre mar, terra e atmosfera (o que
exige a consciência de que qualquer acção humana, feita em terra, afecta o ambiente
marinho) e da gestão assente nos múltiplos usos dos mares (que pressupõe sempre ter
em conta a necessidade de protecção dos recursos marinhos e de preservação da
integridade do ambiente marinho) são norteadores desta política. A preservação da
biodiversidade marinha, a gestão adaptada ao ambiente marinho (o que exige
informação sobre os oceanos e mares), directamente relacionado com o princípio da
decisão tomada com base na melhor informação científica disponível em cada
momento, são igualmente princípios considerados relevantes pelos peritos para uma
política marítima norte-americana eficaz. A existência de leis dos oceanos
compreensíveis por todos os cidadãos e a clarificação das decisões relativas a estes, bem
como o fomento de uma gestão participada (por todos, incluindo os cidadãos) dos
mares, atempada (eficiente e que seja capaz de prever e antecipar potenciais efeitos
nefastos), responsável (accountable) e tendo em conta as responsabilidades
internacionais dos EUA são, ainda, outros dos princípios orientadores da proposta de
política marítima norte-americana471.
Por outro lado, a estratégia em análise assenta em quatro “pilares” essenciais. Além da
gestão baseada nos ecossistemas472, já referida, os peritos defendem que esta deve
basear-se e conciliar-se com três áreas fundamentais473 – a política, a informação e a
educação.
471 Idem, ibidem, pp. 61 a 63 e 472 3 473. 472 Idem, ibidem, pp. 63 a 67. 473 Idem, ibidem, ver figura 3.2.
146
PILARES ESSENCIAIS DA POLÍTICA MARÍTIMA NORTE-AMERICANA474
POLÍTICA MARÍTIMA
NORTE-AMERICANA
(gestão baseada nos ecossistemas)
CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO
CIENTÍFICAS
POLÍTICA EDUCAÇÃO
474 Para efeitos da presente tese, consideramos como definidora da política marítima norte-americana a proposta apresentada pela referida Comissão, por ser o documento mais recente relativo ao tema emanado pelas instâncias oficiais/governamentais dos EUA. A presente análise não tem, contudo, em conta o nível de exequibilidade da estratégia política proposta.
147
3.2.3. O papel dos decisores políticos
A Comissão considera que a eficácia da estratégia marítima norte-americana depende de
um novo quadro político para o oceano, de índole nacional, que permita a correcta
articulação e coordenação dos diferentes níveis de decisão (estadual, territorial, tribal e
local). Em suma, os autores do documento alertam para a necessidade de uma vontade
política forte e de uma capacidade de coordenação nacional, o que exige a intervenção
directa da Casa Branca475. Tal é de extrema relevância, tendo em conta a dimensão do
território dos EUA e a sua organização em estados, mas também é um ponto a
considerar na UE a 27, com países de dimensões, interesses e organizações políticas
muito diversas.
Neste âmbito, a Comissão norte-americana salienta ainda a importância de se clarificar
os níveis de decisão e os espaços de intervenção das diferentes autoridades (nacionais,
federais, locais, etc.)476 e defende a reestruturação das agências federais com poderes e
funções relacionadas com as diferentes actividades ligadas ao mar477, de modo a torná-
las mais flexíveis e capazes de se adaptar às novas exigências do sector (os peritos são
favoráveis ao processo de decisão “bottom-up”, o que inclui, nomeadamente, a criação
de conselhos regionais para o oceano)478. Não obstante, defende-se igualmente que
caiba à comissão nacional dos oceanos avaliar os novos programas de offshore e as
decisões sobre as áreas marinhas protegidas. Os especialistas alertam também para o
crescente interesse nas actividades offshore, desde as ligadas à extracção de gás ou
petróleo, às energias renováveis ou à aquacultura, actividades relativamente novas que
exigem a formulação de legislação adaptada e a clarificação dos níveis e entidades
decisórias, sob pena de não se acautelarem os interesses económico e ambiental479.
475 U.S. Commission on Ocean Policy, 2004, pp. 76 a 85. 476 Idem, ibidem, ver figura ES.2. 477 Idem, ibidem, pp. 114 e 115, recomendações 7-3 e 7-5. 478 Idem, ibidem, pp. 86 a 96. 479 Idem, ibidem, pp. 98 a 106.
148
3.2.4. A importância da ciência e do conhecimento
A segunda área considerada estruturante pela comissão norte-americana prende-se com
a importância de dispor de informação de base científica e de alta qualidade sobre o
oceano480. Tendo consciência de que as profundezas oceânicas são das áreas mais
inexploradas do mundo, e também do seu potencial por descobrir e aproveitar, os
autores sugerem que se ponha fim ao “crónico subinvestimento” na investigação
científica e tecnológica sobre e/ou relacionada com os oceanos (a Comissão identifica
mesmo as principais necessidades, em termos de investigação oceânica481). A proposta
deste grupo de peritos é que se duplique o orçamento destinado a esta área nos próximos
cinco anos482 e que seja criada uma estratégia nacional de longo prazo para a
investigação oceânica483. Os especialistas argumentam que tal, aliado à manutenção e
desenvolvimento das estruturas existentes484, permitirá uma mais rápida transição de
novas tecnologias experimentais para as tecnologias com aplicação prática, novas
tecnologias essas capazes de possibilitar um conhecimento mais aprofundado e apurado
do oceano485. De facto, além de uma rede de observação e monitorização, de base
federal, nacional e até internacional, do oceano; e do mapeamento e caracterização das
costas norte-americanas486, a comissão julga que é essencial que a informação recolhida
possa ter aplicação prática e um carácter de utilidade, aos vários níveis (nacional,
federal, local) e para os vários actores (decisores políticos nacionais e federais,
consumidores, entre outros), pelo que propõe algumas recomendações487 nesse
sentido488. A comissão autora do documento espera ainda que um maior conhecimento
científico dos oceanos possa fazer face às alterações climáticas, uma “das questões mais
prementes a afectar a nação e o planeta”489. Como salienta, a informação científica neste
campo é essencial, não só para ajudar a definir estratégias de resposta a um eventual
agravamento das condições climatéricas adversas, mas também para prever o que
poderá acontecer neste domínio, algo que em todo o Mundo se desconhece. Exemplo da
importância dada pelos peritos a esta matéria é o facto de o relatório dedicar um
480 Idem, ibidem, vide capítulo 25 – Creating a National Strategy for Increasing Scientific Knowledge; pp. 374 a 392. 481 Idem, ibidem, Box 25.1, pp. 380 e 381. 482 Idem, ibidem, recomendações 25-1, p 377, e 25-4, p. 385. 483 Idem, ibidem, recomendação 25-2, p 378. 484 Idem, ibidem, Quadro 25.1. 485 Idem, ibidem, capítulo 27, pp. 412 a 427. 486 Idem, ibidem, capítulo 15, pp. 226 a 235;e capítulo 26, pp. 394 a 410. 487 Idem, ibidem, recomendações 28-2 e 28-3. 488 Idem, ibidem, capítulo 28, pp. 428 a 438. 489 Idem, ibidem, p 67.
149
capítulo específico à “Protecção das pessoas e da prosperidade económica contra as
catástrofes naturais”490. De notar que o documento apresenta os custos económicos dos
fenómenos naturais adversos, e a sua evolução crescente nos últimos anos, e propõe
várias recomendações, nomeadamente com vista ao desincentivo do desenvolvimento
em zonas de risco (recomendação 10-3491).
3.2.5. A educação
Em terceiro lugar, a comissão considera que a educação para as questões marítimas é
igualmente importante492. E aqui inclui dois níveis de educação: em primeiro lugar, a
educação dos cidadãos, desde novos493 e ao longo da vida (educação informal)494, para
inverter o actual estado de iliteracia ambiental e científica e para que estes estabeleçam
uma relação de afinidade e de respeito ético pelos e com os oceanos, formando uma
opinião pública informada e consciente. Depois, recomenda-se a educação dos
profissionais495, de modo a que os EUA disponham de uma mão-de-obra diversificada,
qualificada e preparada neste campo496. Para tal, o grupo de peritos considera essencial
a intervenção e consciencialização das estruturas estatais competentes.
Esta dupla vertente do “pilar” da educação na estratégia nacional para os mares norte-
americanas parece-nos muito interessante e completa. A comissão propõe, no fundo, um
trabalho de longo prazo, na educação das novas gerações, mas também um trabalho de
médio prazo, que se reflecte na educação da opinião pública em geral e na formação de
profissionais nesta área; e ainda um trabalho de curto prazo, que exigiria o
empenhamento activo dos poderes políticos competentes, na assunção clara e realística
de que, sem um poder político consciente do valor e dos problemas dos mares, a
estratégia proposta não terá os efeitos pretendidos.
Em termos práticos, a comissão propõe a criação de um “comité da educação”, a
funcionar no seio desta497, e um aumento do número de bolsas, estágios e outros
instrumentos de formação498.
494 Idem, ibidem, pp. 142 a 145.
490 Idem, ibidem, pp. 162 a 169 , capítulo 10. 491 Ver Idem, ibidem, Figura 10.1. 492 Idem, ibidem, capítulo 8. 493 Idem, ibidem, pp. 135 a 139, recomendações 8-9 a 8-11.
495 Idem, ibidem, pp. 133 e 134. 496 Idem, ibidem, pp. 138 a 142. 497 Idem, ibidem, p 126. 498 Idem, ibidem, pp. 127 e 130.
150
3.2.6. Desafios e oportunidades prementes
Não obstante esta concepção genérica, é de salientar que a equipa de peritos apresenta
também diversas medidas concretas, que pretendem responder, quer às ameaças mais
prementes – nomeadamente a poluição dos zonas costeiras499, os estragos ambientais
provocados pelos navios, as questões ligadas à segurança dos navios500, a proliferação
de espécies invasivas não autóctones501, o lixo marinho502, a sobrepesca503, a protecção
de espécies em perigo de extinção504 e dos corais505 – quer aos novos desafios e
oportunidades económicas, nomeadamente nos domínios da aquacultura, da saúde e
farmacologia, das offshore e das energias renováveis. No caso da aquacultura506, por
exemplo, os peritos assinalam que esta é uma indústria em crescimento e que o
consumo de peixe está a aumentar, nos EUA e em outras partes do Mundo. No entanto,
actualmente os EUA ainda importam mais peixe do que exportam507. Assim,
recomendam que se clarifique o quadro regulador e se crie uma agência específica para
esta área, que possa gerir as crescentes exigências desta indústria em florescimento e, ao
mesmo tempo, acautelar as questões relacionadas com o impacte ambiental desta
actividade, bem como fomentar o aumento do conhecimento sobre os seus riscos e
benefícios508. Neste campo, os especialistas recomendam ainda que os EUA trabalhem
no quadro das organizações internacionais, para promover o desenvolvimento da
aquacultura sustentável no mundo509.
A saúde e as potencialidades dos oceanos neste domínio merecem também a atenção
dos peritos510. Conscientes do enorme manancial de conhecimento inexplorado, quer em
termos de farmacologia (descoberta de novos compostos, moleculares e outros,
nutrientes e fármacos) quer na biomedicina (novos modelos, potencialidades dos
microrganismos, etc.)511, as recomendações da comissão vão no sentido de que seja
dado todo o apoio à investigação nestas áreas. Não obstante, é igualmente recomendado
que seja estudado e tido em consideração o impacte negativo que têm a poluição, o 499 Idem, ibidem, capítulo 14, pp. 204 a 225. 500 Idem, ibidem, capítulo 16, pp. 236 a 251. 501 Idem, ibidem, capítulo 17, pp. 252 a 263. 502 Idem, ibidem, capítulo 18, pp. 264 a 271. 503 Idem, ibidem, capítulo 19, pp. 274 a 304. 504 Idem, ibidem, capítulo 20, pp. 306 a 319. 505 Idem, ibidem, capitulo 21, pp. 320 a 328. 506 Idem, ibidem, capítulo 22, pp. 330 a 336. 507 Idem, ibidem, Figura 22.1. 508 Idem, ibidem, recomendações 22-1 a 22-3, pp. 334 e 335. 509 Idem, ibidem, recomendação 22-4, p 336. 510 Idem, ibidem, capítulo 23, pp. 338 a 351. 511 Idem, ibidem, ver Quadro 23.1, p 342.
151
aumento de espécies invasivas e perigosas (como algumas algas tóxicas), os patogéneos
e toxinas presentes nas águas oceânicas, pois tal pode comprometer a sobrevivência de
várias espécies e, consequentemente, de algumas descobertas importantes para a saúde
humana. No entender dos autores, esta realidade está relacionada com a educação da
opinião pública para a importância de preservar os habitats marinhos e também com um
aumento da segurança das actividades ligadas ao mar.
A gestão e ordenamento das zonas costeiras e aquíferas, de modo a fomentar o
desenvolvimento sustentado e potenciador de crescimento económico, são igualmente
abordados no documento512. A protecção e recuperação dos habitats marinhos tem
direito a um capítulo próprio513.
Do ponto de vista económico, além das áreas inovadoras já referidas, o transporte e o
comércio marítimos são abordados como sendo de extrema importância. Os Estados
Unidos são líderes no comércio internacional, em volume de negócios, tanto das
importações como das exportações514, e a comissão mostra-se consciente da importância
de manter esse estatuto, por isso recomenda várias medidas que permitam colmatar as
falhas e dificuldades do sector515. A articulação com o transporte terrestre é assinalada
como um aspecto relevante a melhorar, assim como a preparação de um plano de
contingência para situações de catástrofe ou de ataque terrorista que exijam o
encerramento dos portos, dado o elevadíssimo custo económico de tais situações516.
3.2.7. Modelo de financiamento
Um outro aspecto de extremo interesse na proposta norte-americana está relacionado
com o facto de a comissão considerar que é possível “autofinanciar” o investimento
necessário para a nova política do oceano norte-americano. Assim, os especialistas
respondem ao crónico problema, que muitas vezes faz com que bons projectos não
sejam executados. Os autores propõem a criação de um fundo (trust fund), que deverá
ser financiado através das receitas provenientes de actividades já autorizadas nas águas
norte-americanas, como por exemplo a exploração das energias offshore (gás e
petróleo), ou de actividades futuramente autorizadas, como a exploração dos oceanos
para aquacultura, aproveitamento de energias renováveis (eólica, força das ondas,
512 Idem, ibidem, pp. 151 a 160, recomendações 9-1 a 9-4. 513 Idem, ibidem, 170 a 179 capítulo 11. 514 Idem, ibidem, ver Quadro 13.1. 515 Idem, ibidem, capítulo 13, pp. 192 a 201. 516 Idem, ibidem, pp. 198 a 201.
152
energia térmica do oceano) ou a bioprospecção517. Na opinião dos autores desta
estratégia, o actual esquema de redistribuição dos lucros da exploração de gás e
petróleo518 não é o mais justo, pelo que defendem que a distribuição desses proveitos
passe a beneficiar todos os estados e a nação como um todo, no que incluem a utilização
de uma parte desses fundos para fazer face aos problemas de impacte ambiental
provocados pela extracção de gás e petróleo519. Além disso, os peritos fazem uma
estimativa detalhada dos custos de implementação da generalidade das recomendações
propostas, a curto e a longo prazo520.
O investimento nas offshore de energias renováveis e a criação de regulamentação clara
e específica para a gestão destas é igualmente uma recomendação constante no
relatório521.
3.2.8. Aspectos geopolíticos relevantes
Para além da apresentação das linhas estratégicas da política marítima, importa salientar
outros aspectos mencionados no relatório que nos parecem ser factores importantes, do
ponto de vista geopolítico. Embora sem ser muito exaustivo nesta matéria, o documento
refere que, para além das razões “clássicas” acima referidas, o trabalho da comissão foi
também motivado pelos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, que vieram
levantar a questão da segurança e do papel dos oceanos e costas norte-americanas neste
domínio522.
Outro ponto que nos parece importante salientar é o facto de, consciente do pendor
marítimo dos EUA e da sua economia, os especialistas apontarem para a importância da
liderança internacional das questões marítimas, por parte daquela que ainda é a maior
potência mundial523. O grupo de peritos salienta, em particular, a importância de os
EUA ratificarem a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar524, de modo a
517 Idem, ibidem, capítulo 30, recomendações 30-1 e 30-2, pp. 458 a 470. 518 Idem, ibidem, Figura 24.1. 519 Idem, ibidem, recomendação 24-1, p 360. 520 Idem, ibidem, Quadro 30.1, pp. 460 a 462. 521 Idem, ibidem, recomendação 24-4, p 368. 522 “Em Setembro de 2001 um grande acontecimento voltou a alterar a forma como a América via a política marítima. Os ataques terroristas em solo norte-americano levaram a dar maior prioridade às questões da segurança marítima. Nesse mesmo mês, teve lugar a primeira reunião da Comissão. A guarda costeira foi desde logo transferida para o novo Departamento Norte-americano de Segurança Interna [U.S. Department of Homeland Security] (...)”. Idem, ibidem, p 55. 523 Idem, ibidem, capítulo 29, pp. 442 a 455. 524 De acordo com a ONU, os Estados Unidos ainda não ratificaram esta convenção. A União Europeia ratificou a 1 de Abril de 1998 e Portugal a 3 de Novembro de 1997. Informação disponível em
153
salvaguardar os seus interesses no mar525. O relatório elenca algumas das áreas em que a
gestão internacional, e a liderança desse processo por parte dos EUA, é essencial, como
a gestão das zonas polares, das áreas marinhas protegidas ou da sobrepesca no alto mar
e/ou em zonas que não estão sob a jurisdição de nenhum país526; e ainda a utilização de
novas técnicas, como o sequestro de carbono no fundo do mar. Neste último caso, os
especialistas assinalam que é premente averiguar o impacte ambiental e a eficácia a
longo termo desta técnica527. Os autores do documento defendem, à semelhança do que
recomendam no plano interno, que os EUA estimulem a investigação e estudo dos
mares a nível internacional, de modo a promover um melhor conhecimento científico
dos mares528.
3.2.9. Análise Crítica: Síntese
Pontos Fortes
Modelos de execução implícitos: Conforme referido acima, os autores desta estratégia
propõem que a sua implementação se faça através da conjugação de dois modelos –
bottom up e top down. Tal estratégia parece-nos a correcta, na medida em que dá espaço
de actuação aos actores locais, mas não deixa de atribuir aos poderes regulatórios
nacionais as funções devidas em áreas estratégicas para o País e nas quais os interesses
locais/estaduais devem submeter-se ao interesse nacional.
Proposta de financiamento: O facto de se propor um modelo de financiamento
específico para a implementação desta estratégia política constitui, do nosso ponto de
vista, uma mais-valia inequívoca. Como é do conhecimento geral, muitas são as
propostas políticas de mérito que não são levadas à prática por carecerem de
financiamento adequado. Neste caso, ao ser sugerido um modelo de financiamento que
utiliza os proveitos próprios das actividades ligadas ao mar, presentes e futuras, está a
http://www.un.org/Depts/los/reference_files/chronological_lists_of_ratifications.htm#The United Nations Convention on the Law of the Sea (última consulta em 20.09.2009). 525 U.S. Commission on Ocean Policy, 2004, recomendação 29-1, pp. 445 a 448. 526 Sobre a importância da liderança internacional das questões marítimas, por parte dos EUA, ver também um artigo do ex-presidente da referida Comissão dos Oceanos norte-americana, James Watkins, onde este assinala que é urgente que as nações alterem a forma como gerem os seus recursos marinhos, bem como é premente que os EUA se empenhem activamente nas iniciativas internacionais de protecção dos mares, de modo a poderem proteger melhor os seus interesses nesta área. Watkins, Abril de 2004. 527 U.S. Commission on Ocean Policy, 2004, pp. 450 a 451, recomendação 29-4. 528 Idem, ibidem, pp. 452 a 455, recomendações 29-5 a 29-8.
154
garantir-se a sua exequibilidade, quer económica quer política, na medida em que não
será necessário alocar recursos provenientes de outras áreas.
Pilares estratégicos: A definição, clara e concisa, de três pilares essenciais evidencia
ser útil na eventual aplicação prática da estratégia política, evitando indefinições e
hesitações quanto às prioridades. Por outro lado, a escolha destas três grandes áreas –
política, conhecimento e educação – revela uma abordagem ao mesmo tempo
pragmática (sem a componente política a estratégia dificilmente será implementada),
consistente (o conhecimento e a informação de qualidade sobre os oceanos e mares são
essenciais ao desenvolvimento da economia marítima) e de longo prazo (não havendo
um investimento na educação, quer a curto quer a médio e longo prazo, a estratégia não
terá a base cultural e social de apoio essencial à sua execução e manutenção).
Pontos Fracos
Disrupção política: Nos Estados Unidos da América, como em Portugal e noutros
países, a mudança de administração conduziu a uma descontinuidade na política
definida para os oceanos, mares e grandes lagos norte-americanos. Em Junho de 2009, o
Presidente Barack Obama decidiu criar um grupo de trabalho (a Interagency Ocean
Policy Task Force) que terá como principal atribuição delinear (a contar desde dia 12 de
Julho de 2009) uma política nacional para os oceanos, costas e grandes lagos dos
Estados Unidos da América529. Esta proposta não é ainda conhecida, mas é de salientar
que, no memorando que determina a sua elaboração, não é feita qualquer referência ao
documento An Ocean Blueprint for the 21 st Century, o que à partida nos parece um
princípio negativo. Vindo a confirmar-se que todo o extenso trabalho já realizado no
passado, e vertido neste documento, será esquecido, estaremos, uma vez mais, perante
uma situação de desperdício de recursos, conhecimento e tempo, algo também de
extrema relevância no que às questões dos mares diz respeito, como se pode concluir
pelo exposto até agora530.
529 Vide Obama, 12th June 2009. Documento disponível em http://www.whitehouse.gov/the_press_office/Presidential-Proclamation-National-Oceans-Month-and-Memorandum-regarding-national-policy-for-the-oceans/ (última consulta em 12.09.2009). 530 A Administração de Barack Obama determinou que a comissão encarregue da elaboração da política norte-americana para o oceano seja liderada pelo presidente do Conselho para a Qualidade do Ambiente e seja composta por altos membros das estruturas que também estiveram representadas na U.S. Commission on Ocean Policy. A respeito do trabalho anteriormente produzido o memorandum apenas diz que o objectivo não é duplicar estruturas, uma vez que a task force terá uma duração limitada. Os princípios que devem reger a definição da referida política são os da abordagem baseada nos ecossistemas, compreensiva e integrada; deverão ainda ser consideradas as questões da conservação e recuperação do ambiente marinho, da actividade económica, do uso sustentável dos oceanos e dos
155
Visão redutora: O documento analisado dá pouca atenção à globalização competitiva
em curso e ao carácter global dos oceanos. Esta perspectiva “nacionalista”, própria das
grandes nações, parece pouco adequada ao momento actual, de emergência na cena
internacional de potências emergentes, como a Índia e a China, que estão a assumir
posições de relevo em vários sectores marítimos, nomeadamente nas pescas e na
construção naval. Os Estados Unidos da América devem ter em atenção as alterações
geopolíticas que se perspectivam, até porque, como a História prova, o estatuto de
potência mundial não é vitalício. Por outro lado, o documento não concede, na nossa
perspectiva, a importância devida ao facto de a poluição marinha, as alterações
climáticas e outras questões ambientais afins terem uma natureza global/mundial, pelo
que a acção norte-americana, por mais bem-sucedida que seja, poderá ser anulada por
acções de outros países, em particular tendo em conta o volume de importações e
exportações e de tráfego marítimo que nos dias de hoje ocorre de e para os Estados
Unidos.
conflitos de utilização. Nota-se, nesta orientação dada pela actual Administração dos EUA, uma inflexão política na importância dada à problemática das alterações climáticas e à legislação internacional, nomeadamente à Convenção da ONU sobre o Direito do Mar (a futura política dos oceanos dos EUA deve ser consonante com esta, determina o referido memorandum).
156
3.3. Experiências nacionais europeias e norte-americana: lições a tirar
Nesta síntese da apresentação e análise de algumas políticas marítimas nacionais
gostaríamos em primeiro lugar, de assinalar o que consideramos ser uma diferença
cultural entre a Europa e os Estados Unidos. Esta é perceptível em termos sociais/gerais
e particularmente quando analisamos a abordagem dos assuntos do mar, por parte dos
países de ambos os lados do Atlântico. Referimo-nos especificamente à importância
dada aos seus recursos e acções numa determinada área: Os norte-americanos tendem a
valorizar e enaltecer todos os seus feitos, enquanto os europeus, de um modo geral,
apesar da sua extensa e rica História, pouco valorizam os progressos alcançados nas
suas sociedades e, se o fazem, tendem a fazê-lo de uma forma saudosista, focada na
recordação do passado e não orientada para a perspectivação desses mesmos feitos,
numa visão de futuro531. Esta realidade é verificável em relação à própria construção
europeia. Os cidadãos da União não valorizam o facto de os seus países terem
conseguido construir uma estrutura política regional única no mundo, que, apesar dos
seus múltiplos condicionalismos, foi capaz, de um modo geral, de garantir a paz no
continente durante praticamente seis décadas, construir um mercado interno e um vasto
espaço de liberdades para todos os cidadãos europeus, criar uma moeda comum, entre
outros muitos aspectos que tiveram um impacte decisivo e positivo na vida das
pessoas532. Se à fraca identidade europeia juntarmos a fraca identidade marítima da
generalidade dos europeus compreendemos os obstáculos culturais e sociais que a
adopção de uma política marítima europeia forte e integrada, à qual seja dado carácter
de prioridade política, poderá ter de enfrentar. Contudo, parece-nos que os meios
comunicacionais que estão hoje ao dispor dos governantes para sensibilizar a opinião
pública (internet, blogs, newsletters, redes sociais, imprensa escrita, televisão, rádio,
meios publicitários, etc.) para a importância do assunto e a herança cultural e histórica
marítima da Europa não tornam impossível a missão. Neste campo, o exemplo do
cluster do Reino Unido surge como uma base modelar a considerar.
531 Alguns autores, como Oliveira, Branco e Fassbbender, assinalam esta realidade: “Nesta matéria, os Europeus têm algo a aprender com os Americanos, que candidamente se orgulham dos seus feitos e vivem intensamente as emoções correspondentes. Na Europa, este tipo de sentimento é muito menos prevalecente e tende a ser encarado como um sentimentalismo ou um patriotismo exagerados – esquecendo-se que estas duas características são essenciais para o progresso das empresas e da sociedade”. Vide Oliveira, Branco, Fassbbender, 2005. 532 Esta realidade prende-se com a muito relevante questão da fraca identidade europeia. E, como assinala Manuel Castells, “se integrar a Europa sem partilhar uma identidade europeia é um projecto viável enquanto tudo corre bem, uma crise de maiores dimensões, na Europa ou num determinado país, pode despoletar uma implosão europeia de consequências imprevisíveis”. Vide Castells, 2000, p 188.
157
Outra característica que resulta da análise das políticas nacionais é a instabilidade
política, e, neste aspecto, já não parece existir uma diferença marcada entre EUA e
Europa. Este afigura ser um problema geral dos sistemas democráticos, relacionado com
a dimensão temporal dos ciclos eleitorais e que afecta grandemente o desenvolvimento
das sociedades. Julgamos, por isso, que uma maior consciencialização, quer ao nível
político quer social, para as consequências nefastas desta intermitência na acção
(quando ditada não por razões técnicas e científicas mas por justificações de marketing
político) tem de ser operada com urgência nas sociedades europeias (e também na norte-
americana).
Por outro lado, verificamos que em alguns países os instrumentos estratégicos teóricos
existem, mas a sua concretização falha por falta de efectiva vontade política. Tal
realidade constata-se em Portugal e em outros países, pelo que nos é dado entender pelo
estado de implementação de várias das políticas marítimas nacionais analisadas,
nomeadamente a francesa. O exemplo contrário, de que a tenacidade e determinação
políticas são essenciais, é a Holanda. E, quer em termos da PME quer em termos gerais,
a União necessita, de modo premente, que as suas instituições e os seus países-membros
assumam uma postura política consciente, forte, diferente da até agora assumida533.
Para além da vontade política, parece-nos igualmente determinante, nomeadamente à
luz das experiências holandesa e norte-americana, a existência de um modelo de
financiamento realista e adequado às necessidades. A arquitectura do modelo de
financiamento norte-americano é particularmente feliz, na medida em que se baseia na
“auto-alimentação” do orçamento, com fundos próprios do sector, o que evita a
alocação de recursos de outras áreas e poderá, por isso, ser mais bem aceite, do ponto de
vista político e social.
O modelo teórico implícito (bottom up ou top down) também parece ter influência
determinante no sucesso da estratégia. A conjugação dos dois modelos afigura-se uma
opção consistente, em particular num sector com múltiplos e heterogéneos grupos e
actores.
533 Oliveira, Branco, Fassbbender, 2005, p 356. Estes autores assinalam que, ao contrário do que sucedeu com a substituição das moedas nacionais pelo euro ou a abolição das fronteiras terrestres, para que a Europa assuma uma posição de liderança em termos de produtividade económica consonante com a de potência mundial, é essencial uma visão, determinação e discernimento. Ora, julgamos que estas premissas podem aplicar-se também ao caso específico da PME, até porque, como referido, esta versa na quase totalidade sobre uma área em que a União tem poderes partilhados com os Estados, pelo que a negociação política será o elemento decisivo para a sua concretização.
158
Verificamos, depois, diferenças entre os instrumentos políticos apresentados, podendo
classificá-los em dois grupos: do tipo administrativo-teórico (França, Portugal) e do tipo
pragmático (Holanda, EUA, Reino Unido). Consideramos que a utilização de
instrumentos de cariz prático, contendo propostas de acção que possam traduzir-se em
efeitos práticos e eficazes, com impacte directo na vida dos profissionais e empresas do
sector e, numa segunda fase, na vida dos cidadãos em geral, revela ser eficaz (p. e.,
Holanda) ou potencialmente eficaz (EUA, RU). Salientamos ainda a importância dos
elementos criatividade534 e originalidade, que revelam estas duas últimas políticas (a
primeira em particular no modelo de financiamento, a segunda no modelo
comunicacional). Em ambos os casos, estamos perante propostas que têm em conta a
realidade vigente, procuram adaptar-se a esta e tirar partido da mesma.
A existência de uma abordagem integrada e holística dos assuntos do mar (pelo menos
no plano teórico) é, de um modo geral, um ponto comum a todas as políticas nacionais
analisadas, o que denota uma actuação de acordo com a evolução do conhecimento
nesta área. Do mesmo modo, a existência de instrumentos políticos para a gestão dos
assuntos marítimos, embora em alguns casos cingindo-se ao plano teórico e com fraca
tradução prática, revela já uma sensibilização genérica para a importância dos oceanos,
do seu potencial inexplorado, quer económica quer geoestrategicamente. Não
considerando o actual estado de maturação óptimo, julgamos tratar-se de um bom ponto
de partida para que, em termos comunitários, se possam dar passos mais ambiciosos no
sentido da concretização de uma efectiva política marítima europeia, nomeadamente de
uma política que tenha como base sistémica o conceito de hypercluster do mar.
Por fim, gostaríamos de assinalar que os países que optaram pela constituição de um
cluster marítimo evidenciam características (necessidade de criação de uma estrutura
transversal e integradora dos actores e empresas dos vários sectores/subsectores;
definição clara dos objectivos; elaboração de planos de acção; fomento da qualidade, da
exigência, da formação; elo de comunicação com estruturas políticas) e resultados
(maior visibilidade e credibilidade social e política, desenvolvimento da investigação e
programas de formação, inovação, exportação, internacionalização) comuns 535. Não é
possível aferir se os países que optaram pela constituição de clusters conseguiram retirar
maior proveito da sua economia marítima, comparativamente com os países que o não 534 De notar que há muito a União vem apontando as novas tecnologias da informação e da comunicação como a base um economia baseada no conhecimento e na inovação. E, nos mesmos textos, assinala a criatividade como propulsor determinante do conhecimento. Vide Boyer, 2000, pp. 135 a 142, p 179. 535 Vide SaeR, 17 de Fevereiro de 2009, p 133; e Wijnolst, 2006, pp. 128 a 131.
159
fizeram; contudo, são evidentes as suas vantagens, até pelo descrito acima (cfr. pp. 79 a
83).
3.4. Condições políticas e estratégicas da Política Marítima Europeia
3.4.1. A capacidade de acção da Comissão Europeia
Em nosso entender, a capacidade de acção da Comissão Europeia536 no que respeita aos
assuntos marítimos conhece limitações de três tipos: jurídicas, intrínsecas e políticas.
As limitações de carácter jurídico resultam, como já foi detalhadamente exposto acima,
do facto de a Comissão deter competência exclusiva sobre uma pequena (e pouco
objectiva) parte da PME (conservação dos recursos biológicos do mar) e de na
generalidade das matérias desta política ter competências partilhadas com os Estados-
membros.
Do ponto de vista intrínseco, a sua acção está limitada pela heterogeneidade de
realidades marítimas existentes ao nível da Europa. Efectivamente, cada país tem a sua
especificidade geográfica, social e política, o que determina o peso da economia
marítima no seu seio, a herança histórica e o valor cultural do mar para o seu povo, a
importância dada pelos governantes do país aos assuntos do mar. A percepção desta
realidade condicionante por parte da Comissão é visível no documento que elaborou
com vista ao estabelecimento de orientações gerais/guidelines para a condução política
dos assuntos marítimos nos vários Estados-membros537. Neste documento a Comissão
utiliza a expressão “one size does not fit all” para justificar a legitimidade de cada país
seguir a sua política marítima, de acordo com o seu contexto económico, social,
ambiental e cultural. Contudo, julgamos que esta postura está relacionada com a
primeira e sobretudo com a terceira condicionantes de acção referidas.
De facto, do ponto de vista político, a Comissão terá fortes obstáculos à prossecução de
uma verdadeira política marítima europeia. Isso é já visível no próprio documento
principal da PME, que propõe, na generalidade, medidas parcelares, de certo modo em
contradição com o modelo teórico, de uma abordagem integrada dos assuntos do mar, e
536 A capacidade de acção da Comissão Europeia está intimamente ligada à discussão teórica em torno do seu papel e de se este deve ou não ser ampliado, nomeadamente através de um reforço do seu direito de iniciativa e de uma interpretação menos restritiva do princípio da subsidiariedade. Contudo, parece-nos que este debate extrapola o âmbito da presente tese. 537European Commission, COM(2008) 395 final, Brussels, 26.06.2008, p 9, parágrafo 1.º.
160
também no documento das guidelines referido538. Tal explica-se, em nosso entender,
pela resistência genérica dos Estados em permitir a intervenção das instâncias
comunitárias naquele que é visto por muitos como o último reduto de soberania
nacional.
3.4.2. O papel do Conselho Europeu
O secretário de Estado dos Assuntos Europeus alemão, em 2006, dizia numa entrevista
que concordava plenamente com os princípios subjacentes à elaboração da Política
Marítima Europeia, relacionados com a necessidade de coordenação à medida que o
sector marítimo ia crescendo, de modo a evitar conflitos e apoiar esse mesmo
desenvolvimento económico. No entanto, também assinalava que a iniciativa
comunitária não poderia redundar em burocracia539. Ao mesmo tempo, salientava a
importância de a União falar a uma só voz nas estruturas internacionais, nomeadamente
na International Maritime Organization540. Perante este discurso político, coloca-se a
questão de saber se o mesmo tem tradução prática e como este se articula com os
demais interesses em jogo no Conselho a 27.
Embora seja evidente o empenho do actual presidente da Comissão Europeia, Durão
Barroso541, na definição de uma política marítima europeia, e a elevada participação dos
diversos sectores na consulta pública que antecedeu a definição da PME, as dificuldades
inerentes a este processo são visíveis na forma pouco “entusiástica” como os Estados-
membros parecem ter recebido o novo instrumento político542. O texto do Conselho que
538 Idem, ibidem, p 9, parágrafo 2.º. De notar que este parágrafo surge destacado, a negrito, e começa com a seguinte declaração: “As orientações expostas em seguida não pretendem, de modo algum, levar os Estados-membros a adoptar um único sistema de governação marítima (...)”. 539 Wijnolst, 2006; p 36. 540 Idem, ibidem, p 37. 541 “Do ponto de vista económico, o principal desafio que a Europa enfrenta actualmente é o ritmo acelerado da globalização e a grande pressão que esta exerce sobre a competitividade. O forte crescimento do comércio internacional é a consequência mais visível da globalização. O resultado é que a Europa precisará cada vez mais de recorrer ao transporte marítimo e de dispor não só de melhores portos como de portos mais eficazes. Noventa por cento do comércio externo da União Europeia circula pela complexa rede da logística marítima. A Europa precisa de enfrentar este desafio urgentemente, desenvolvendo as capacidades da sua indústria naval e portuária sem permitir que a degradação do ambiente marinho se agrave. Na Comissão temos trabalhado intensamente para antecipar estes desafios e preparar a Europa para o mundo globalizado do século XXI.”; Barroso, Speach/07/645, 22 de Outubro de 2007. Vide Anexo F. 542 Como é perceptível, os discursos oficiais não expressam essa falta de entusiasmo dos Estados-membros, mas o texto do Conselho, pela sua dimensão e delicadeza das palavras utilizadas, revela já uma posição política reveladora da dificuldade em conciliar os interesses nacionais.
161
aborda o assunto exprime já alguns dos pontos delicados e os diferentes interesses em
jogo543.
Estes constrangimentos, inerentes à difícil tarefa de conciliar interesses de 27 Estados,
não devem ser descurados, não só pelos condicionantes estruturais/jurídicos já
explicitados, como também pelo facto de ser evidente que só uma verdadeira vontade
política, não só ao nível da Comissão mas sobretudo do Conselho, pode garantir a
implementação da PME.
Contudo, como vimos, ao nível do Conselho, encontramos países com interesses muito
díspares em relação aos assuntos do mar: além da clivagem países marítimos versus
países continentais, o primeiro grupo não é homogéneo. Dentro dos países marítimos,
há países com um nível de desenvolvimento da sua economia marítima muito elevado,
como por exemplo a Holanda; há países que colocaram os assuntos marítimos entre as
prioridades políticas, como é o caso da Holanda e também do Reino Unido. E depois há
países marítimos por excelência, no sentido histórico e geográfico, como Portugal, mas
cujas políticas para esta área têm sido intermitentes, instáveis e pouco eficazes,
revelando a escassa importância dada ao tema no plano da política interna.
Por outro lado, interessa analisar este equilíbrio do ponto de vista do peso dos países.
Verificamos que, dos chamados “grandes” da União, França, Reino Unido, Itália e
também Espanha são países com forte vocação marítima. A Alemanha, designada
frequentemente como o “motor” da Europa, é uma nação eminentemente continental,
contudo, possui, na sua parte norte, uma pequena fronteira marítima, e nessa região
desenvolve um forte cluster marítimo regional, visível pela notoriedade e importância
do Porto de Hamburgo.
543 Ponto 58. das conclusões da reunião do Conselho de 14 de Dezembro de 2007, em Bruxelas. “O Conselho Europeu congratula-se com a comunicação da Comissão intitulada ‘Uma política marítima integrada para a União Europeia’ e com a proposta de plano de acção que estabelece as primeiras medidas concretas para o desenvolvimento de uma abordagem integrada das questões marítimas. A ampla participação na consulta pública que antecedeu a apresentação da Comissão e o debate global realizado na Conferência Ministerial de Lisboa reflectiram o interesse demonstrado pelas partes interessadas no desenvolvimento dessa política. A futura política marítima integrada deverá assegurar as sinergias e a coerência entre as políticas sectoriais, criar valor acrescentado e respeitar plenamente o princípio da subsidiariedade. Além disso, deverá ser concebida como um instrumento para fazer face aos desafios que se colocam ao desenvolvimento sustentável e à competitividade da Europa. Deverá atender, em especial, às diferentes especificidades dos Estados-Membros e às regiões marítimas específicas que deverão exigir uma maior cooperação, nomeadamente as ilhas, os arquipélagos e as regiões ultraperiféricas, e bem assim à dimensão internacional. O Conselho Europeu congratula-se com a conclusão dos trabalhos sobre a Directiva-Quadro "Estratégia para o Meio Marinho", que constitui o pilar ambiental desta política. O Conselho Europeu convida a Comissão a apresentar as iniciativas e as propostas constantes do plano de acção e exorta as futuras Presidências a trabalharem no estabelecimento de uma política marítima integrada para a União. Convida-se a Comissão a apresentar ao Conselho Europeu, no final de 2009, um relatório sobre os progressos alcançados neste domínio.”
162
De referir que alguns líderes políticos partilham desta opinião, o que pode ser
determinante para que a política marítima europeia possa ser levada à prática. Georg
Wilhelm Adamowitsch, secretário de Estado do Ministério da Economia e Tecnologia e
coordenador dos assuntos marítimos alemão, em 2006, afirmou, nessa altura, que “a
abordagem em clusters é uma pré-condição essencial para uma política marítima
europeia integrada”, mas também assinalou que “com o desenvolvimento e
diversificação da economia marítima surge a necessidade de haver uma coordenação e
planeamento, de modo a evitar conflitos e optimizar os benefícios sociais”544. No
entanto, deve fazer-se notar que a posição e interesse da Alemanha em relação à política
marítima europeia é distinta da de nações marítimas, revelando um pendor mais
industrial. Além disso, não é evidente que os assuntos marítimos sejam uma prioridade
para o Governo germânico, em particular quando o contexto económico e financeiro
mostra sinais de instabilidade e severas dificuldades.
Além disso, importa não descurar o número de pequenos países, nomeadamente entre os
membros recentes da União, em cujos interesses no mar são diminutos, fruto não só de
serem na maioria países continentais, como também pelo facto de se encontrarem num
estádio de desenvolvimento que os leva a centrar atenções noutras áreas (como o
destino dos fundos comunitários atribuídos bem revela). Embora o Tratado de Lisboa,
caso venha a ser adoptado, torne mais difícil a criação de minorias de bloqueio ao nível
do Conselho, importa ter presente quer a disparidade de interesses, mesmo entre os
países marítimos545, quer os diferentes estádios de desenvolvimento dos vários membros
da União, nomeadamente de membros recentes de grande dimensão, como a Polónia e a
Roménia.
Consideramos também relevante não olvidar o maior peso decisório e legislativo
concedido por este Tratado ao Parlamento Europeu, o que, se faz sentido do ponto de
vista da democraticidade das instituições comunitárias, pode dificultar a tomada de
decisões no seio da UE.
544 Wijnolst, 2006; p 35. 545 Esta disparidade de interesses dentro do grupo dos países marítimos pode advir também de questões geográficas, na medida em que a dimensão do território marítimo é muito variável de país para país e o próprio tipo de território marítimo (oceânico, mar fechado, com territórios ultramarinos, etc.) condiciona as actividades primordiais neste existentes. De notar que o ex-presidente da Agência Europeia Comunitária de Controlo da Pesca, Marcelo de Sousa Vasconcelos, refere como uma das razões para a forma parcelar como têm sido conduzidos os assuntos do mar ao nível da UE “o choque de interesses divergentes (quando não contraditórios) entre Estados e entre grupos de interesses”. Vide Vasconcelos, Julho/ Dezembro 2006, p 43.
163
Todavia, na nossa perspectiva, a principal dificuldade que a implementação de uma
verdadeira e eficaz política marítima europeia vai encontrar no Conselho reside no facto
de a generalidade dos Estados-membros não percepcionar a importância de a Europa se
assumir como uma potência marítima una e economicamente pujante, de modo a poder
competir com as restantes potências mundiais no quadro de globalização competitiva
em que se desenha o novo mapa geopolítico546.
3.4.3. Capacidade de conciliação de interesses dos diferentes sectores ligados ao
mar
Na página da Internet da Direcção-Geral dos Assuntos do Mar encontramos um espaço
dedicado à expressão da opinião de vários actores do sector/stakeholders547 sobre a
Política Marítima Europeia. As opiniões transmitidas são genericamente de apoio à
iniciativa da União, mas, no nosso entender, a existência deste espaço denota por si só a
dificuldade de conciliação dos vários interesses sectoriais em questão. Não se colocando
em causa a real motivação para a existência de uma política marítima europeia por parte
dos actores de vários sectores ligados ao mar, é inegável a sua diversidade,
heterogeneidade e complexidade. De um modo genérico, e correndo o risco de não
sermos exaustivos, podemos identificar os seguintes actores/stakeholders nos sectores
ligados ao mar: políticos nacionais com responsabilidades nesta área;
políticos/dirigentes europeus com responsabilidades nesta área; cientistas/investigadores
das ciências do mar (oceanógrafos, biólogos marinhos, etc.); cientistas/investigadores
de outras áreas que utilizam os mares e oceanos e/ou os seus componentes como objecto
de estudo (p. e., cientistas das áreas da Medicina, biotecnologia, engenharia ambiental,
etc.); armadores/detentores de embarcações e/ou navios comerciais; marinheiros,
profissionais do transporte marítimo, estivadores e pessoal de suporte logístico dos
portos e navios (e/ou respectivos sindicatos); administradores/gestores portuários;
proprietários de estaleiros navais; profissionais dos estaleiros navais; professores e
546 O ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Vítor Martins, considera que uma das barreiras ao projecto da União Europeia tem sido de natureza política, provocado exactamente pelas resistências nacionais. Em sua opinião, contudo, “não há lugar para a Europa no mundo global sem o reforço do projecto de integração europeia, o que pressupõe objectivos económicos e políticos ambiciosos e claros e instituições fortes e estáveis. A força do continente europeu radica hoje na força do projecto da União Europeia. Ora, a resistência à integração europeia, seja ela uma resistência assumida ou velada, é uma barreira à afirmação da economia europeia no plano internacional”. Martins, Outubro 1999/Março2000, p 13. Em nossa opinião, uma das vias do aprofundamento da integração europeia passa justamente pelo sector marítimo. 547 Vide http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/amb_overview_en.html (última consulta em 12.09.2009).
164
formadores das escolas navais/universidades com cursos nas áreas marítimas;
ecologistas/ambientalistas; representantes da indústria da tecnologia marítima; indústria
de componentes para navios; agentes das seguradoras e empresas financeiras ligadas às
actividades do mar; exploradores/prospectores das offshore de gás e petróleo;
pescadores; profissionais do turismo náutico e das actividades recreacionais ligadas ao
mar; promotores/profissionais das energias renováveis (nomeadamente energia das
ondas, das marés, vento), arquitectos e engenheiros navais; autoridades de segurança e
defesa marítimas; indústria de equipamentos de segurança e defesa marítimas;
Marinhas.
Esta listagem permite evidenciar a multiplicidade de actores que importa ter em
consideração na implementação da Política Marítima Europeia, tal como de resto a
Comissão já teve em atenção aquando das fases preparatórias de elaboração do
documento.
A estes há ainda a juntar o que podemos chamar de actores regionais, ou seja, as
organizações, grupos e/ou associações que representam não o interesse de um sector de
actividade ou de um grupo profissional, mas sim o de uma região ou tipo de região (p. e.
regiões ultraperiféricas, ilhas, etc.). A participação por parte deste tipo de actores, no
processo de consulta pública da PME, foi muito alargada548.
É do conhecimento geral que nem todos os stakeholders têm o mesmo peso, estrutura e
capacidade de influência. Há sectores de actividade que já têm uma representação
estruturada por meio de uma organização europeia, outros em que as associações têm
apenas dimensão nacional ou regional. No entanto, as experiências quer nacionais quer
comunitárias (p. e. da PAC e da Política Comum de Pescas, como referido acima)
demonstram que por vezes as organizações que representam interesses sectoriais,
profissionais ou regionais conseguem, por meio da pressão social e/ou mediática que
logram exercer sobre as instâncias políticas (nacionais e/ou comunitárias), alterar o
curso de uma política, pondo em causa a sua concretização e/ou eficácia.
No caso do sector marítimo, tendo em conta a multiplicidade de actores coexistentes, é
importante ter em atenção esta realidade, não só porque o risco de haver contestação,
sobretudo a uma política marítima europeia mais performativa e reestruturante, é
548 Vide, a propósito, o texto de Xavier Gizard, Secretário-geral da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa em 2006, sobre o papel destas regiões como actores da Política Marítima Europeia. Gizard, Julho/ Dezembro 2006.
165
estatisticamente maior, mas também porque a capacidade de conciliação de tantos e tão
diversos interesses se torna mais difícil.
166
PARTE IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
4.1. Leitura prospectiva
Wijnolst, Jenssen e Sødal consideram que a União Europeia tem três ordens de razões
para adoptar uma política europeia para os clusters marítimos ou, como já referido, pelo
menos adoptar uma estratégica concertada de actuação a este nível549. Em primeiro
lugar, tal justifica-se do ponto de vista estratégico. A Europa está rodeada por mares e a
protecção e segurança do comércio marítimo só é possível se a União controlar uma boa
parte da frota mundial e do transporte marítimo, além de dispor de massa crítica em
sectores afins essenciais, como a construção naval, equipamento marinho e estruturas
portuárias. Sem isso, avisam, a Europa pode ficar vulnerável550.
Em segundo lugar, a União tem razões de cariz económico para beneficiar com uma
política integrada para o cluster marítimo: como já referido, este sector representa uma
importante parte do Produto Interno Bruto da UE e gera valor acrescentado, além de ter
um impacte significativo ao nível do emprego e das exportações. Os autores consideram
que uma política de conjunto poderá evitar situações como as verificadas no passado, de
colapso de sectores inteiros, com reflexo negativo em vários outros551.
Por fim, e não menos importante, há razões de natureza geográfica para que a União
adopte uma política com vista à criação e fomento de um cluster/hypercluster marítimo
europeu. “O mar é uma importante e barata auto-estrada na e até à Europa, com uma
enorme capacidade por explorar. Além disso, contém inúmeros recursos ao nível do mar
(como os recursos pesqueiros) ou no fundo do mar (petróleo e gás)”, salientam os
autores. Estes assinalam ainda a vantagem de uma maior atenção concedida aos mares
aliviar a pressão sobre o espaço terrestre, já sobreexplorado, e vêem também o mar
como um factor de coesão no seio da UE, ao facilitar a comunicação entre várias
regiões. “O mar ajuda a integrar os muitos novos países da UE, apesar das grandes
distâncias. Uma política de fomento do cluster iria dar origem e fomentar políticas que
reduziriam os constrangimentos geográficos na economia europeia”, asseveram552.
No entanto, Wijnolst, Jenssen e Sødal também reconhecem que não existe uma
identidade clara do cluster marítimo europeu, nem tampouco uma perspectiva holística 549 Note-se que estes autores defenderam esta posição num livro publicado em 2003, quando a União Europeia começava a adoptar as primeiras diligências com vista à definição de uma política marítima europeia. 550 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003; p 189, parágrafo 1.º. 551 Idem, ibidem, parágrafo 2.º. 552 Idem, ibidem, parágrafo 3.º.
167
ao nível das políticas definidas553, apesar de haver algumas iniciativas pontuais nesse
sentido (veja-se a European Network of Maritime Clusters ou o Maritime Industry
Forum ou ainda, surgido no seguimento deste último, o Waterborne Technology
Platform, por exemplo).
Wijnolst acredita, no entanto, que estas estruturas já existentes, podem evitar a
fragmentação das indústrias marítimas europeias e servir de suporte ao estabelecimento
de um clsuter/hypercluster europeu. Para isso, assinala, tem de haver uma política com
vista ao estabelecimento do cluster marítimo como estrutura basilar da política marítima
europeia554. Tal será conseguido, segundo o autor, potenciando os elementos
dinamizadores (enablers) do cluster marítimo, nos quais se incluem, entre outros, a
inovação, a tecnologia e a promoção da qualificação dos recursos humanos
marítimos555.
Esta é, pois, em nosso entender, uma das pechas da estratégia política comunitária
definida. Do ponto de vista conceptual, a PME não tem em consideração toda a
evidência existente em relação ao potencial da organização em cluster e, em particular,
da aplicação deste modelo ao sector marítimo, cujas vantagens foram amplamente
expostas na presente tese.
Em nossa opinião, esta visão que encara o cluster/hypercluster marítimo como o motor
para o desenvolvimento tecnológico e inovação do sector e, ao mesmo tempo, promove
os subsectores chave/de maior dimensão (pull sectors), enquanto dinamizadores dos
restantes – como o shipping (pela sua dimensão verdadeiramente global e pela sua
importância estratégica para a globalização)556 –, deveria ser considerada.
Por outro lado, entendemos como forte constrangimento ao cumprimento dos objectivos
da PME, e ao estabelecimento de uma verdadeira potência europeia marítima, o
enquadramento jurídico que enforma a Política Marítima Europeia que,
consequentemente, como vimos, limita os meios e capacidade de actuação das
instâncias comunitárias, em particular da Comissão. Esta situação é limitadora, na
553 Uma vez mais recordamos que os autores proferiram estas afirmações antes de definida a Política Marítima Europeia, Contudo, continuamos a referi-las na presente tese por considerarmos que, apesar de actualmente a União já dispor de uma política marítima europeia que preconiza uma abordagem holística ao nível das políticas definidas para o sector, essa perspectiva holística ainda não se traduziu em resultados práticos e, sobretudo, não foi assimilada pela cultura dos europeus, em particular dos actores do sector marítimo europeu, que também não parecem reconhecer uma identidade ao cluster marítimo da UE. 554 Wijnolst, 2006, p 128. 555 Idem, ibidem, pp. 129 a 131. 556 Idem, ibidem, pp. 131 a 133.
168
medida em que, no âmbito do presente quadro comunitário, os dirigentes responsáveis
pela implementação da PME terão de ter em consideração as políticas marítimas
nacionais dos Estados-membros e, simultaneamente, o direito internacional e os acordos
estabelecidos no âmbito de instituições internacionais, nomeadamente da Organização
das Nações Unidas.
São estas duas grandes ordens de condicionantes que nos levam a considerar que, em
qualquer dos cenários prospectivos traçados, ao abrigo da presente política definida para
os mares europeus, o futuro da União Europeia não será auspicioso.
4.1.1. CENÁRIO I
Concretização total da PME
Num primeiro cenário, o mais optimista, a União consegue concretizar em pleno a sua
Política Marítima Europeia, nomeadamente sem alterar as condições existentes ao nível
das competências comunitárias e nacionais neste domínio. A não alteração do equilíbrio
de forças vigente permitiria criar condições políticas e sociais internas favoráveis à
aceitação e apoio à PME (consegue-se que a generalidade dos países elabore a sua
política marítima segundo as orientações dadas pela Comissão, mas esta acaba por não
ter influência no grau de implementação prática destas, nem sobre o momento exacto da
sua concretização, o que naturalmente limita o efeito global das medidas tomadas a
nível nacional). Por outro lado, o impacte real desta política na vida dos cidadãos
europeus em geral será reduzido, pelo que a consciência da importância dos mares, do
seu capital social, cultural e económico, é baixa, tal como o sentimento de
maritimidade.
Por força da sensibilização global para as questões ambientais e a necessidade de
preservação da natureza, conseguir-se-á um ligeiro aumento da consciência acerca do
papel “ambiental” do mar e, consequentemente, uma maior atenção e cuidado com a
protecção dos ecossistemas marinhos e as zonas costeiras.
Globalmente, neste cenário, foram cumpridas com sucesso as principais medidas
preconizadas no plano de acção da PME. Uma das medidas previstas no plano é, como
já mencionado, o desenvolvimento de clusters multissectoriais e centros regionais de
excelência marítima. Assim, consideramos que a UE não só consegue criar centros
regionais de excelência no domínio marítimo (p. e. em França, nos pólos de
competitividade do mar de Provence-Alpes-Côte d’Azur e da Bretanha) como também
169
é bem sucedida no estabelecimento de alguns clusters multissectoriais, nomeadamente
em países com tradição nesta área, como sejam a Holanda, alguns países nórdicos (p. e.,
Finlândia, Dinamarca), e o Reino Unido. Contudo, verifica-se que estes são casos de
sucesso pontuais, cujos efeitos ao nível global da União são pouco expressivos, apesar
de ser evidente que, nos seus países ou regiões, estes clusters ou centros de excelência
conseguem ter impacte significativo em termos económicos, nomeadamente ao nível da
geração de emprego e dinamização de indústrias/sectores adjacentes.
A União teria também uma rede de vigilância integrada de toda a sua orla marítima,
tendo conseguido com esta medida reduzir o número de situações de tráfico ilegal,
imigração ilegal, crimes ambientais e económicos. Graças à eliminação dos obstáculos
legislativos anteriormente existentes e ao intercâmbio e cooperação entre as autoridades
marítimas nacionais, verificam-se repercussões positivas ao nível do bem-estar e paz
social, havendo também algum impacte económico positivo derivado desta acção.
Por seu turno, a rede europeia de observação e de dados do meio marinho, pelo seu
enorme manancial de informação, tornou-se um importante aliado dos investigadores,
contribuindo para a inovação e conhecimento nesta área, além de permitir melhorias de
monta ao nível do ordenamento do território marítimo e da gestão integrada das zonas
costeiras. Estas melhorias são, contudo, distintas conforme o Estado-membro em causa,
verificando-se que alguns países utilizam da forma mais adequada, quer para o
ordenamento do seu território marítimo (o que por seu turno tem consequências
positivas ao nível do turismo náutico p. e.) quer para a produção de inovação
tecnológica e científica ao serviço das indústrias do mar (e não só, p. e. medicina e
farmacologia; engenharia ambiental; produção energética) a informação disponível,
enquanto outras nações menos sensibilizadas, política e socialmente, para a relevância
dos mares pouca utilidade dão aos dados recolhidos pela referida rede.
O investimento na aquacultura, (nomeadamente a aquacultura de alto-mar) alivia a
pressão sobre os recursos piscícolas. Mas também neste caso a realidade é heterogénea
na União; e, simultaneamente, a entrada deste mesmo tipo de produtos oriundos de
países asiáticos, a baixo preço, no mercado europeu, não permite a competição em
escala ou em preço, dificultando a sobrevivência económica dos produtores
comunitários.
O transporte marítimo europeu, em particular o de curta distância, sofre um forte
impulso, em parte também devido às medidas de estímulo a esta área e à melhoria das
condições portuárias. As auto-estradas do mar também são desenvolvidas, o que, no
170
conjunto, tem como consequência um aumento do número de trabalhadores europeus
nos sectores marítimos. Contudo, continua a verificar-se uma forte concorrência interna,
entre os portos europeus, (ao invés da concertação de esforços e especialização
programada em função das características e necessidades globais da procura), o que
dificulta o crescimento consistente desta área, sendo notório o desperdício de recursos
financeiros e a construção de infra-estruturas desadequadas/desproporcionadas em
alguns Estados.
Por outro lado, as verbas comunitárias alocadas à formação, investigação e
desenvolvimento tecnológico nesta área permitem aumentar, embora de forma
moderada, o nível de formação e qualificação dos recursos humanos ligados ao mar
(ainda que apenas em alguns domínios específicos) e também trazer para o mercado
algumas soluções inovadoras de patente europeia. Mas a dimensão e meios ao dispor de
cada um dos centros europeus não lhes permite criar soluções tecnológicas capazes dar
resposta às questões mais prementes, como sejam as alterações climáticas e o
aquecimento global, as necessidades energéticas ou do campo da saúde, por meio da
criação de fontes de energia alternativas, limpas e de baixo custo, e/ou a descobertas de
compostos importantes para o avanço da medicina e da farmacologia. Além disso, o
também crescente investimento dos países asiáticos, nomeadamente da China e da
Índia, no desenvolvimento tecnológico e no conhecimento científico não permitem à
Europa apresentar uma vantagem competitiva no mundo globalizado.
Assim, por força da incapacidade de desenvolvimento/reinvenção tecnológica e
económica, a União não é capaz de manter-se como potência económica global,
logrando apenas afirmar-se como potência regional, mas ainda assim altamente
dependente da Rússia pela questão energética. A relevância da União nos fóruns e
organizações internacionais torna-se, por consequência, crescentemente enfraquecida,
ainda que a relação/”aliança” com os Estados Unidos (e a necessidade de os EUA
deterem apoio para as suas acções internacionais denominadas de combate ao
terrorismo) lhe permitisse manter algum poder de influência.
171
4.1.2. Cenário II
Concretização parcial da PME
Neste cenário equacionamos a possibilidade de serem concretizadas apenas as acções da
PME de mais fácil execução, quer do ponto de vista operacional quer do ponto de vista
político (tendo em conta a sua aceitação e/ou concretização por parte dos Estados-
membros).
Assim, por exemplo, seria possível à União estabelecer várias redes de intercâmbio de
boas práticas entre os Estados-membros e em diversas áreas, conforme preconizado no
plano de acção (clusters marítimos, planeamento espacial, zonas costeiras e ilhas,
cidades portuárias, etc.). Contudo, mesmo surtindo efeito, estas trocas de experiências
teriam um impacte pontual e uma capacidade performativa diminuta.
Seria também criada a Rede Europeia de Observação e de Dados do Meio Marinho,
apesar das lacunas/debilidades evidenciadas pelas informações fornecidas por alguns
Estados, e, no seguimento desta, elaborado o Atlas Europeu dos Mares.
Existiriam alguns clusters marítimos sectoriais e nacionais, mas em reduzido número e
com quase nenhuma articulação entre si, até porque a sua existência e manutenção
resultara da iniciativa nacional e não comunitária (situação actual). O mesmo se
verificaria em relação aos centros de excelência marítima. Por esta razão, e também
porque os diferentes e divergentes interesses nacionais e regionais/locais não
permitiriam a concretização das medidas de reordenamento espacial marítimo e de
gestão (integrada) das zonas costeiras defendidas pela Política Marítima Europeia, o
benefício retirado da existência da referida rede europeia de dados do meio marinho
seria reduzido.
Neste contexto, o desenvolvimento de um turismo marítimo sustentável faz-se apenas
naqueles países onde a consciência ambiental é maior, até porque a União não consegue
ver cumpridas as suas orientações para uma abordagem integrada dos assuntos do mar
(por meio de políticas marítimas nacionais assentes em princípios comuns).
No domínio do transporte marítimo, a União logra alcançar os objectivos traçados em
termos de segurança marítima, nomeadamente pela acção da Agência Europeia para a
Segurança Marítima, conseguindo evitar desastres ecológicos de grande dimensão como
os que aconteceram no passado. Contudo, conflitos de interesses vários (entre países e
entre sectores: marítimo/terrestre) não permitem a concretização do desiderato do
172
espaço marítimo europeu sem fronteiras, nem tampouco a implementação das auto-
estradas do mar e a dinamização do transporte marítimo de curta distância.
A consciencialização ambiental crescente na Europa permite à UE sensibilizar os
Estados-membros para a necessidade de adoptarem medidas com vista à eliminação
progressiva das devoluções e à redução das capturas indesejadas durante as pescas, o
que é minimamente conseguido. As acções da Comissão conseguem ainda melhorias ao
nível da redução das práticas destrutivas nas pescas, bem como na pesca ilegal, não
declarada e não regulamentada.
No que respeita à resposta às alterações climáticas, verifica-se que União consegue
ajudar, sobretudo financeiramente, a reparar ou evitar uma maior degradação de zonas
afectadas, mas não alcança o objectivo maior de construir uma resposta preventiva
integrada para as zonas costeiras. Ao nível das descobertas inovadoras que poderiam
fazer da Europa detentora de um potencial de enorme valor para todos os países da
ordem global verifica-se um fracasso da União na liderança do processo de investigação
e implementação da técnica de sequestro e armazenamento do carbono no fundo do mar,
entre outras soluções.
Por fim, a União cria o Dia Europeu do Mar (que, de resto, foi já estabelecido em 2008),
institui prémios e campanhas de sensibilização para a importância e valor do património
marinho europeu e da economia marítima europeia. Passa também a estar disponível,
em todos os Estados-membros, maior número de informação sobre esse mesmo
património. Em alguns países, fruto dessas acções, cresce o número de jovens,
nomeadamente com qualificações, que optam por uma profissão no sector. Mas a acção
não permite criar uma consciência marítima generalizada em toda a União Europeia,
nem transformar de sobremaneira a tipologia dos recursos humanos ligados ao mar.
Por tudo isto, conclui-se que o efeito prático das medidas bem sucedidas é pouco
evidente, residual e pontual, fazendo-se notar com diferentes intensidades nos vários
Estados-membros, em função da sua própria sensibilidade e atenção para os assuntos do
mar.
173
4.1.3. Cenário III
Total ineficácia da PME
Neste último exercício de prospectiva encaramos a possibilidade de a Política Marítima
Europeia falhar, não por incapacidade de execução das acções concretas propostas, mas
sobretudo e, desde logo, em virtude do seu débil enquadramento político-jurídico.
Delineamos, portanto, um cenário no qual se verifica que os objectivos da PME são
inalcançáveis num quadro genérico de competência partilhada entre a União Europeia e
os Estados-membros. Verifica-se que os Estados-membros têm economias marítimas
em diferentes estádios de desenvolvimento, estruturas políticas e dirigentes com
diferentes níveis de atenção, interesse e consciência acerca do potencial do sector
marítimo, opiniões públicas com conhecimento e sensibilidade muito distintas em
relação aos mares, realidades sócio-geográficas onde os mares têm presença e
relevância igualmente muito díspares.
Esta situação de partida impossibilita a tomada de decisões concertadas que permitam a
concretização dos objectivos definidos e, consequentemente, a afirmação da Europa no
quadro de relações internacionais altamente competitivo determinado pelo fenómeno da
globalização em curso.
Por outro lado, o facto de a União deter, de acordo com os tratados, competência
exclusiva sobre o domínio da conservação dos recursos biológicos do mar não é
pacífico. Perante o potencial destes recursos, que o avanço da ciência e da técnica
permitiu descobrir, os Estados começaram a tentar explorar a subjectividade do conceito
de recursos biológicos do mar em seu favor. Alguns Estados alegaram que, à luz dos
tratados e da história da atribuição desta competência à União, entendem-se como
recursos biológicos do mar apenas os recursos piscícolas, enquanto outros sustentaram a
sua argumentação na primazia do direito internacional sobre o direito comunitário, para
alegar poder exclusivo sobre os recursos biológicos do mar existentes na sua zona
económica exclusiva e/ou território marítimo sob a sua jurisdição. Estes países
baseavam-se na Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, da qual a União Europeia
faz parte, o que levou o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a fazer uma
interpretação restritiva do conceito, favorável portanto aos Estados-membros.
Na prática, perante este cenário, haveria uma regressão no processo de integração,
passando todos os domínios da política marítima para o pilar intracomunitário. Tal
situação levaria, por consequência, a uma fragmentação e diversificação das abordagens
174
dos assuntos marítimos na União, o que comprometeria decisivamente a assunção da
União como potência marítima regional e como potência económica global.
4.2. Síntese da análise prospectiva
Ao atentarmos sobre estes três cenários verificamos, em primeiro lugar, que nem
mesmo o mais optimista permite alcançar o objectivo-mor de tornar a Europa uma
potência económica global com peso estratégico e relevância do quadro do novo sistema
de relações internacionais em construção no mundo globalizado do século XXI.
Em seguida, verificamos que os três cenários são realistas (sendo, porventura, o menos
realista o primeiro) e que, nesta perspectiva, não há um cenário definitivamente mais
provável. Julgamos, na verdade, que, no quadro actual, o futuro marítimo da Europa se
traduzirá numa conjugação de aspectos caracterizadores destes três cenários e, em
particular, dos dois últimos: a Política Marítima Europeia conseguirá ver concretizadas
algumas das acções concretas, mas estas não terão o impacte global/abrangência
pretendida devido à “dependência executiva” dos Estados-membros; outras medidas não
serão concretizadas porque os conflitos de interesses subjacentes não o permitirão; a
verificar-se o potencial dos recursos biológicos do mar, haverá tentativas de apropriação
e reposição da soberania nacional sobre os mesmos; os objectivos da PME nunca serão
alcançados no quadro político-jurídico vigente.
175
4.3. Conclusões
Em 1890, Alfred Thayer Mahan escreveu The Influence of Sea Power upon History,
revolucionando com esta obra a forma de os países encararem os mares e a importância
dada, quer em termos políticos e militares quer em termos comerciais, ao controlo e
supremacia navais. Ao concluirmos a presente tese sobre a necessidade, papel e
potencial de uma política marítima para a União Europeia evocamos a obra deste
geoestratega, para assinalar como uma visão de futuro pode ser determinante. Mahan
soube compreender, numa época em que o seu país se voltava sobretudo para a
conquista de território terrestre, a importância dos mares e do seu controle. E apesar do
carácter inovador da sua teoria, foi considerado e auscultado por vários políticos da
época.
É, pois, a reunião destas duas condições essenciais – visão e vontade política –, que
determinará a existência de uma efectiva política marítima europeia, que permita à
Europa evitar o cenário da estagnação ou declínio económico e de submissão a um lugar
periférico no quadro geopolítico do futuro.
Ora, pelo exposto acima, consideramos que poderão ser débeis estas duas condições de
partida, no caso da PME. No que respeita ao apoio político a esta estratégia, verificámos
que as condições genéricas são heterogéneas e pouco sólidas (binómio países
continentais/países marítimos; fraca consciência marítima dos europeus, escassa
sensibilização para o potencial económico do sector marítimo; diferentes níveis de
desenvolvimento e interesse dos próprios países marítimos no sector). Relativamente ao
segundo atributo essencial, consideramos que a PME carece de ambição, um
pressuposto intimamente ligado com a visão. Este facto estará porventura relacionado
com a capacidade de acção da Comissão Europeia, autora da política, delimitada, como
vimos, pelos condicionalismos jurídico-institucionais que lhe impõem os tratados que
regem o funcionamento da União.
Em suma, julgamos que os objectivos genéricos da Política Marítima Europeia
(maximização da utilização sustentável dos oceanos e mares; construção de uma base de
conhecimentos e inovação para a política marítima; maximização da qualidade de vida
nas regiões costeiras; promoção da liderança europeia nos assuntos marítimos
internacionais; promoção da visibilidade da Europa marítima) dificilmente serão
plenamente alcançados no quadro jurídico-político vigente, em que a capacidade de
actuação/decisão da União esbarra na necessidade de conciliação dos interesses de 27
Estados-membros e que o domínio de competência exclusiva (conservação dos recursos
176
biológicos do mar) encerra em si uma enorme subjectividade, que poderá vir a
despoletar um disputa entre a União e os países-membros pelo controlo destes recursos,
previsivelmente de potencial muito relevante. Salientamos ainda que, caso esta contenda
jurídico-política se venha a verificar (por razões económicas, entenda-se), não ficará
apenas em causa a política marítima europeia. Na verdade, tal situação pode ter
implicações graves ao nível da coesão comunitária e da própria construção europeia, na
medida em que prefiguraria, no caso da reatribuição da soberania sobre os recursos
biológicos do mar aos Estados, uma regressão no processo de integração europeia. E,
como vimos, do ponto de vista jurídico, tal é possível, nomeadamente à luz do direito
internacional e mormente da Convenção Internacional sobre o Direito do Mar.
Para além dos constrangimentos acima referidos, consideramos que a própria estrutura
conceptual da Política Marítima Europeia apresenta uma falha determinante, ao não
considerar o conceito de cluster/hypercluster como base para a organização do sector
marítimo na Europa. Na verdade, verificamos que há hoje, como vimos, um consenso
generalizado em torno da vantagem de aplicar o conceito de cluster (ou, na nossa
perspectiva, o de hypercluster) ao espaço marítimo e à economia marítima. No fundo,
como assinalam Wijnolst, Jenssen e Sødal557, quase toda a actividade humana se
organiza desta forma, aglomerando as diversas actividades de modo a tirar delas maior
proveito. É disso exemplo uma fábrica, uma quinta ou mesmo uma cidade. Os autores
estabelecem inclusive o paralelo entre o crescimento das cidades e o número destas
localizadas junto ao mar e o potencial de crescimento dos clusters marítimos558.
Wijnolst afirma ainda, num outro livro de sua autoria, que “a Europa é uma potência
marítima” e para o comprovar apresenta estatísticas. Eis, pois, algumas potencialidades
da Europa no sector marítimo, que voltamos a assinalar, por forma a evidenciar que, não
obstante, os condicionalismos existentes, a União tem condições para se afirmar,
globalmente, no domínio marítimo. Os portos europeus gerem 25% do comércio
marítimo; os armadores europeus detêm 40% da frota marítima mundial; 4 empresas
europeias de contentorização estão entre as cinco maiores desta área; o transporte
marítimo de curta distância europeu representa 50% do total mundial; o transporte
marítimo intra-europeu tem uma frota moderna de 9400 navios; os construtores navais
europeus têm o maior turnover e 40% das novas construções; os produtores de
equipamento marítimo produzem 35% do material deste mercado; as companhias
557 Wijnolst, Jenssen, Sødal, 2003; p 21. 558 Idem, ibidem, pp. 37 e 38.
177
europeias de offshore são líderes mundiais em vários segmentos; os produtores de iates
europeus produzem 60% dos mega-iates; as companhias europeias de drenagem
controlam 80% do mercado; nas áreas dos serviços marítimos, investigação marítima,
navegação fluvial/intra-europeia, pescas e Marinha os europeus são líderes mundiais559.
Partilhamos da posição de Wijnolst, que considera que os clusters marítimos deveriam
ser a espinha dorsal da política marítima europeia e defende, por isso, que é importante
tornar evidente, nomeadamente para os decisores políticos europeus, a enorme
contribuição económica que os clusters marítimos poderão dar aos seus países
individualmente e à União Europeia, no seu conjunto560.
Consideramos igualmente, como Wijnolst, que o sector marítimo europeu deve
organizar-se numa base continental. Contudo, pela sua dimensão, complexidade,
número de subsectores e actores, julgamos ser mais adequada a aplicação do conceito de
hypercluster marítimo europeu (e não o de cluster).
Além disso, nas reflexões finais sobre esta problemática, não podemos deixar de
evidenciar os constrangimentos globais/macro que a afirmação marítima europeia
enfrenta. Referimo-nos às novas realidades e aos novos agentes da cena geopolítica
internacional. Embora a crise económica e financeira mundial que vivemos possa vir a
alterar muitos dos cenários previsíveis, e também tenha vindo dificultar a realização de
previsões e análises prospectivas, é hoje inevitável ter em conta o significativo e
acelerado crescimento económico da China (e também de outras nações como a Índia, o
Brasil e Angola), bem como da sua emergência, com crescente poder político e
negocial, na cena internacional. Assinale-se ainda que, em vários sectores da economia
marítima, a China irá retirar muito provavelmente, e a curto/médio prazo, o lugar
cimeiro à Europa. O sector da construção naval, nomeadamente a construção de navios
de luxo, bem como a marinha mercante europeias são alguns dos que estão em risco de
ser ultrapassados pelo crescente poderio chinês nestas áreas, o mesmo acontecendo com
o sector das pescas. À Europa restará, na senda da preconizado há muito para o
desenvolvimento económico comunitário em geral, tirar vantagem do seu capital de
conhecimento, capacidade tecnológica e científica, aplicando-os em áreas promissoras,
em prol da descoberta de soluções para problemas prementes do nosso tempo, como
sejam fontes de energia alternativas limpas, formas de mitigar os efeitos do
559 Wijnolst, 2006, p 7. Note-se, no entanto, que alguns destes dados estarão desactualizados, nomeadamente pelo forte desenvolvimento da China em alguns segmentos marítimos, p e., as pescas. 560 Idem, ibidem, pp. 8 e 9.
178
aquecimento global e do efeito de estufa, em suma, das alterações climáticas; e ainda
trazer novas “armas” para que a medicina possa combater doenças graves, como, por
exemplo, o cancro.
Seno o futuro por natureza incerto, nada garante que as respostas para estas grandes
questões do nosso tempo se encontram nos mares. No entanto, existem alguns
indicadores de que este possa bem ser o caminho mais acertado. As potencialidades dos
hidrocarbonetos, de algumas micro-algas, minerais e outros compostos existentes no
fundo do mar, que só agora se começam a vislumbrar, indiciam que a oceanografia, a
biomedicina, a nanobiotecnologia, a tecnologia azul venham a ser as grandes áreas do
futuro.
Importa sublinhar que, mesmo no campo da investigação e desenvolvimento, a União
não evidencia uma vantagem total. De facto, além de os Estados Unidos serem
tradicionalmente líderes nesta área, também as nações emergentes como a China e a
Índia parecem ter já percebido a necessidade e potencial do investimento nesta área (as
cifras acima apresentadas assim o demonstram).
Este facto, aliado à dimensão e capacidade operacional destas nações emergentes, bem
como ao esforço (financeiro, tecnológico e operacional) que o investimento na
investigação de soluções inovadoras neste campo exige, demonstram como é
fundamental a conjugação de esforços ao nível comunitário.
Na verdade, nem mesmo no quadro de uma intervenção comunitária, a afirmação da
Europa no contexto geopolítico em reconstrução fruto das transformações trazidas pela
globalização será fácil. É, pois, essencial que os líderes europeus sejam capazes de,
primeiro, percepcionar o problema; segundo, tomar consciência da sua dimensão; e, por
último, conciliar esforços com vista à construção de uma resposta adequada. De facto,
como assinala o Professor Êrnani Lopes, são essenciais, quer a “construção de
capacidades de resposta”561 quer “a existência de recursos humanos, materiais,
financeiros e organizacionais”562.
Face ao exposto em relação à Política Marítima Europeia, consideramos que a resposta
delineada e actualmente em execução não é suficiente perante a dimensão do problema.
561 Lopes, 03.12.2003, p 19. O Professor Êrnani Lopes entende a construção de capacidades de resposta como o “corresponder à exigência permanente, colocada a todos os aparelhos organizativos, de, face à evolução concreta de uma realidade cujo futuro é desconhecido, estarem preparados para assegurarem reacção eficaz em termos de enfrentarem e resolverem os problemas, as questões, as situações que venham a manifestarem-se”. 562 Idem, ibidem. O Professor recorda que “sem recursos não pode haver actuação efectiva”, e considera particularmente relevantes os “recursos humanos e organizacionais”.
179
Na verdade, a União Europeia encontra-se, em nosso entender, numa encruzilhada entre
a afirmação e a regressão. A atitude tomada em relação ao seu território marítimo
determinará qual dos caminhos se seguirá.
Como bem faz notar Vieira Matias, apesar de o mar ocupar 70% do Planeta Terra, só
estão levantados, óptica e acusticamente, 5 a 7 por cento dos seus fundos, isto apesar de
já conhecermos a totalidade da superfície da Lua563. É, assim, a percepção desta
realidade por parte dos políticos europeus que fará a diferença. Porventura, o
desconhecimento que ainda existe em relação aos mares provoca esta reacção política
de receio. Mas, uma vez mais, lembramos Mahan para assinalar a importância da visão
de futuro. Estamos conscientes de que são muitas as dificuldades e incertezas, mas
acreditamos que a dimensão do território marítimo da União Europeia, o potencial
promissor dos muitos recursos biológicos do mar e a capacidade de geração de valor da
economia do mar europeia podem constituir mais-valias determinantes para a afirmação
da UE como decisor de peso na cena internacional.
Tal exige que os líderes europeus sejam capazes de colocar o interesse comum acima do
interesse nacional, em prol de um futuro melhor para todos. Esta foi a ideia fundadora
na génese da construção europeia; terá de ser, na nossa perspectiva, a ideia subjacente à
reinvenção da Europa e à recuperação do seu papel cimeiro no mapa geopolítico do
século XXI.
563 Matias, Abril/ Junho de 2005, p 6.
180
BIBLIOGRAFIA
Documentos oficiais
• Acórdão de 24.11.1993, Proc. 8/74, Keck/Mithouard, TJCE, C-267/91 e C-
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• __ Aplicar o Programa Comunitário de Lisboa: Um Enquadramento Político
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• __ Avaliação Intercalar da Política Industrial. Uma Contribuição para a
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• __ Conclusões da Consulta sobre uma Política Marítima Europeia.
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• __ Livro Branco sobre Adaptação às Alterações Climáticas; Para um Quadro
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• __ Política Industrial na Europa Alargada. Comunicação da Comissão ao
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• www.wmu.se
• www.wto.org
LISTAGEM DE ANEXOS
• Anexo A: COMISSÃO EUROPEIA, Uma Política Marítima Integrada para a
União Europeia. COM(2007) 575 final, Brussels,10.10.2007.
• Anexo B: COMISSÃO EUROPEIA, Documento que Acompanha a
Comunicação da Comissão Uma Política Marítima Integrada para a União
Europeia [Plano de Acção]. SEC(2007), 1278/2, 10.10.2007, pp. 37 a 42.
• Anexo C: COMISSÃO EUROPEIA, Resumo da Avaliação de Impacto,
Documento que Acompanha o Documento Prospectivo e o Plano de Acção para
uma Política Marítima da União Europeia; Comunicação da Comissão ao
Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao
Comité das Regiões. SEC(2007) 1280, Bruxelas, 10.10.2007.
• Anexo D: SAER. O Hypercluster da Economia do Mar: Um Domínio de
Potencial Estratégico para o Desenvolvimento da Economia Portuguesa.
SaeR/ACL, 17 de Fevereiro de 2009, p 99.
• Anexo E: WIJNOLST, N (cord.). Dynamic European Maritime Clusters. Dutch
Maritime Network Series, Vol. 30, Delft University Press, The Netherlands,
2006, p 59.
• Anexo F: BARROSO, José Manuel. Política Marítima Europeia, Discurso do
Presidente. Speach/07/645, Conferência Ministerial da Presidência Portuguesa,
22 de Outubro de 2007.
• Anexo G: WIJNOLST, N; JENSSEN, J; SØDAL, S. European Maritime
Clusters: Global Trends, Theoretical Framework, The cases of Norway and The
Netherlands, Policy Recommendations; Dutch Maritime Network, The
Netherlands, 2003, p 126.
• Anexo H: WIJNOLST, N; JENSSEN, J; SØDAL, S. European Maritime
Clusters: Global Trends, Theoretical Framework, The cases of Norway and The
Netherlands, Policy Recommendations; Dutch Maritime Network, The
Netherlands, 2003, p 129.
• Anexo I: WIJNOLST, N; JENSSEN, J; SØDAL, S. European Maritime
Clusters: Global Trends, Theoretical Framework, The cases of Norway and The
Netherlands, Policy Recommendations; Dutch Maritime Network, The
Netherlands, 2003, p 131.
• Anexo J: WIJNOLST, N; JENSSEN, J; SØDAL, S. European Maritime
Clusters: Global Trends, Theoretical Framework, The cases of Norway and The
Netherlands, Policy Recommendations; Dutch Maritime Network, The
Netherlands, 2003, p 132.
• Anexo K: WIJNOLST, N; JENSSEN, J; SØDAL, S. European Maritime
Clusters: Global Trends, Theoretical Framework, The cases of Norway and The
Netherlands, Policy Recommendations; Dutch Maritime Network, The
Netherlands, 2003, p 133.
• Anexo L: WIJNOLST, N; JENSSEN, J; SØDAL, S. European Maritime
Clusters: Global Trends, Theoretical Framework, The cases of Norway and The
Netherlands, Policy Recommendations; Dutch Maritime Network, The
Netherlands, 2003, p 134.
• Anexo M: WIJNOLST, N; JENSSEN, J; SØDAL, S. European Maritime
Clusters: Global Trends, Theoretical Framework, The cases of Norway and The
Netherlands, Policy Recommendations; Dutch Maritime Network, The
Netherlands, 2003, p 135.
• Anexo N: SARKOSY, N. Discours de M. le Président de la République sur la
Politique Maritime de la France. Le Havre, 16.07.2009.
• Anexo O: SAER. O Hypercluster da Economia do Mar: Um Domínio de
Potencial Estratégico para o Desenvolvimento da Economia Portuguesa.
SaeR/ACL, 17 de Fevereiro de 2009, p 49.
• Anexo P: SAER. O Hypercluster da Economia do Mar: Um Domínio de
Potencial Estratégico para o Desenvolvimento da Economia Portuguesa.
SaeR/ACL, 17 de Fevereiro de 2009, p 102.
• Anexo Q: SAER. O Hypercluster da Economia do Mar: Um Domínio de
Potencial Estratégico para o Desenvolvimento da Economia Portuguesa.
SaeR/ACL, 17 de Fevereiro de 2009, p 103.
• Anexo R: SAER. O Hypercluster da Economia do Mar: Um Domínio de
Potencial Estratégico para o Desenvolvimento da Economia Portuguesa.
SaeR/ACL, 17 de Fevereiro de 2009, p 105.
• Anexo S: SAER. O Hypercluster da Economia do Mar: Um Domínio de
Potencial Estratégico para o Desenvolvimento da Economia Portuguesa.
SaeR/ACL, 17 de Fevereiro de 2009, p 135.
• Anexo T: SAER. O Hypercluster da Economia do Mar: Um Domínio de
Potencial Estratégico para o Desenvolvimento da Economia Portuguesa.
SaeR/ACL, 17 de Fevereiro de 2009, p 348.
• Anexo U: Resumo dos objectivos estratégicos definidos em COMISSÃO
ESTRATÉGICA DOS OCEANOS. Relatório da Comissão Estratégica dos
Oceanos, O Oceano Um Desígnio Nacional para o Século XXI. 1.ª ed.,
Comissão Estratégica dos Oceanos; Julho 2004.
PT PT
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS
Bruxelas, 10.10.2007 COM(2007) 575 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ
DAS REGIÕES
Uma política marítima integrada para a União Europeia
{COM(2007) 574 final} {SEC(2007) 1278} {SEC(2007) 1279} {SEC(2007) 1280} {SEC(2007) 1283}
PT 2 PT
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ
DAS REGIÕES
Uma política marítima integrada para a União Europeia
1. SÍNTESE
Os mares são a seiva da Europa. Os espaços marítimos e as costas da Europa, essenciais para o seu bem-estar e prosperidade, oferecem rotas comerciais, funcionam como um regulador do clima e representam uma fonte de alimento, de energia e de recursos e um lugar privilegiado de residência e lazer para os cidadãos.
As nossas interacções com o mar são mais intensas e variadas do que nunca, criando para a Europa uma mais-valia sem precedentes. No entanto, começam a sentir-se tensões. A nossa relação com os oceanos encontra-se numa encruzilhada.
Por um lado, a tecnologia e o know-how permitem-nos retirar cada vez mais riquezas do mar e o número de pessoas que aflui às costas europeias para tirar proveito de tais riquezas é cada vez maior. Por outro lado, o efeito cumulado de toda esta actividade conduz a conflitos de utilização e à deterioração do ambiente marinho, de que tudo o resto depende.
A Europa tem de responder a este desafio; num contexto marcado pela rápida globalização e pelas alterações climáticas, a necessidade de agir é premente.
A Comissão Europeia, reconhecendo a importância desta questão, lançou um vasto processo de consulta e análise sobre a forma como a Europa se relaciona com o mar1, a que os interessados responderam em massa. As reacções mostram claramente o enorme potencial dos mares e a dimensão do desafio que temos pela frente caso pretendamos realizar esse potencial de uma forma sustentável. A consulta providenciou ainda um manancial de ideias sobre a forma como a Europa pode vencer tal desafio.
Partindo dessas valiosas contribuições, a Comissão propõe uma política marítima integrada para a União Europeia, baseada no reconhecimento inequívoco de que todas as questões relativas aos oceanos e mares estão interligadas e de que, para podermos colher os resultados desejados, todas as políticas ligadas ao mar devem ser elaboradas de uma forma articulada.
Esta abordagem integrada e inter-sectorial foi fortemente apoiada por todos os interessados. A sua aplicação exige o reforço da cooperação e uma coordenação efectiva de todas as políticas relacionadas com os mares aos diferentes níveis de decisão.
Uma política marítima integrada reforçará a capacidade de resposta da Europa face aos desafios da globalização e da competitividade, das alterações climáticas, da degradação do
1 Ver o relatório sobre o processo de consulta COM(2007) 574. Ver igualmente o Livro Verde sobre a
futura política marítima da União Europeia: uma visão europeia para os oceanos e os mares. COM(2006) 275.
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ambiente marinho, da segurança marítima e protecção do transporte marítimo e da segurança e sustentabilidade energéticas. Tal política deve basear-se na excelência nos domínios da investigação, da tecnologia e da inovação marinhas e será ancorada na Agenda de Lisboa para o crescimento e o emprego e na Agenda de Gotemburgo para o desenvolvimento sustentável.
Uma política marítima integrada da União Europeia deve:
• Alterar o modo de elaboração das políticas e da tomada de decisões - seja a que nível for, a compartimentação na elaboração das políticas e na tomada de decisões deixou de ser adequada. É necessário compreender as interacções e tê-las em consideração, é necessário desenvolver instrumentos comuns, identificar e aproveitar sinergias e evitar ou resolver os conflitos.
• Elaborar e apresentar um programa de trabalho – a acção desenvolvida no âmbito das diferentes políticas sectoriais deve emanar de um quadro político coerente. O plano de acção que acompanha a presente comunicação dá uma ideia clara da diversidade e da dimensão do trabalho que temos pela frente. Revestem-se de especial importância os seguintes projectos:
– Um espaço marítimo europeu sem barreiras;
– Uma estratégia europeia para a investigação marinha;
– A elaboração pelos Estados-Membros de políticas marítimas nacionais integradas;
– Uma rede europeia de vigilância marítima;
– Um guia para o ordenamento do espaço marítimo pelos Estados-Membros;
– Uma estratégia para atenuar os efeitos das alterações climáticas nas regiões costeiras;
– A redução das emissões de CO2 e da poluição causadas por navios;
– A eliminação da pesca pirata e das práticas destrutivas de arrasto pelo fundo no alto mar;
– Uma rede europeia de clusters marítimos;
– Um reexame das exclusões previstas na legislação laboral da União Europeia para os sectores do transporte marítimo e da pesca.
A presente comunicação estabelece os alicerces do quadro de governação e os instrumentos transsectoriais necessários para uma política marítima integrada da União Europeia e define as principais acções que a Comissão deve desenvolver durante este mandato. Tais acções serão orientadas pelos princípios da subsidiariedade e da competitividade, pela abordagem baseada nos ecossistemas e pela participação dos interessados.
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2. CONTEXTO A Europa possui 70 000 km de orla costeira, que se estendem ao longo de dois oceanos e quatro mares: o oceano Atlântico e o oceano Árctico, o mar Báltico, o mar do Norte, o Mediterrâneo e o mar Negro. A União Europeia concentra nas regiões marítimas cerca de 40% do seu PIB e 40% da sua população.
O bem-estar da União Europeia está pois inextrincavelmente ligado ao mar. A construção naval e o transporte marítimo, os portos e as pescas continuam a ser actividades marítimas fundamentais, mas as energias offshore (incluindo petróleo, gás e energias renováveis), bem como o turismo costeiro e marítimo, geram igualmente rendimentos consideráveis. Os portos e o transporte marítimos permitem à União Europeia beneficiar do crescimento rápido do comércio internacional e assumir um papel de liderança na economia global, enquanto a exploração dos recursos minerais, a aquicultura, a biotecnologia azul e as tecnologias submarinas emergentes oferecem perspectivas comerciais cada vez mais importantes. Igualmente importantes são as utilizações recreativas, estéticas e culturais que fazemos dos mares e os serviços ecossistémicos que estes proporcionam.
Para que estes sectores sejam competitivos, é indispensável garantir previamente uma utilização verdadeiramente sustentável do ambiente marinho. A vulnerabilidade crescente das zonas costeiras, o congestionamento cada vez maior das águas costeiras, o papel fundamental desempenhado pelos oceanos no sistema climático e a incessante deterioração do ambiente marinho exigem uma maior dedicação aos nossos oceanos e mares.
Intimamente ligada às alterações climáticas, a sustentabilidade dos oceanos constitui, actualmente, um dos maiores desafios à escala global.
A crescente concorrência pelo espaço marinho e o efeito cumulativo das actividades humanas nos ecossistemas marinhos inviabilizam a actual fragmentação do processo de tomada de decisão em matéria de assuntos marítimos e requerem uma abordagem pautada por uma maior colaboração e integração. Há demasiado tempo que as políticas em matéria de, por exemplo, transporte marítimo, pescas, energia, vigilância e policiamento dos mares, turismo, ambiente marinho e investigação marinha são elaboradas separadamente, o que leva por vezes a ineficiências, incoerências e conflitos de utilização.
Com base nesta constatação, a Comissão preconiza uma política marítima integrada que abranja todos os aspectos da nossa relação com os oceanos e os mares. Esta abordagem inovadora e holística propiciará um quadro político coerente, que permitirá um desenvolvimento óptimo e sustentável de todas as actividades relacionadas com o mar.
3. QUADRO DE GOVERNAÇÃO E INSTRUMENTOS PARA UMA POLÍTICA MARÍTIMA
Uma política marítima integrada exige um quadro de governação que aplique a abordagem integrada a todos os níveis, bem como instrumentos políticos horizontais e transsectoriais. Exige igualmente uma sólida base financeira, que tenha em conta os resultados das acções preparatórias.
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3.1. Aplicação da abordagem integrada à governação marítima
A Comissão criou uma função de “Política Marítima”, cuja tarefa é analisar os assuntos marítimos e as políticas que os afectam, assegurar a coordenação entre as políticas sectoriais, garantir que as interacções entre elas sejam tidas em conta e pilotar o desenvolvimento de instrumentos políticos transsectoriais. Por outro lado, a Comissão começou a reunir as agências da União Europeia que desempenham funções ligadas às actividades marítimas, para que contribuam conjuntamente para a elaboração da política marítima.
Na elaboração das suas políticas em matéria de assuntos marítimos, a Comissão orientar-se-á, desde o início, pelos princípios de uma melhor regulamentação: assim, a identificação das principais iniciativas relacionadas com os assuntos marítimos nos instrumentos de planificação e programação anuais, a consulta da sociedade civil e das partes interessadas, as avaliações de impacto e os grupos de trabalho inter-serviços contribuirão para garantir que a Comissão possa conceber e apresentar propostas verdadeiramente integradas.
Também outras instituições e intervenientes comunitários são convidados a examinar a melhor forma de aplicar, de modo sistemático, a abordagem integrada aos assuntos marítimos. Alguns Estados-Membros já começaram a desenvolver mecanismos de coordenação no âmbito da elaboração das suas políticas marítimas. Todos os interessados devem participar no processo de governação e é-lhes pedido que continuem a chamar a atenção da Comissão para qualquer regulamentação comunitária que considerem ser contraproducente para atingir os objectivos de uma política marítima integrada.
• A Comissão:
• Instará os Estados-Membros a definirem políticas marítimas nacionais integradas em colaboração estreita com os interessados, especialmente as regiões costeiras;
• Proporá, em 2008, um conjunto de orientações aplicáveis às referidas políticas marítimas nacionais integradas e apresentará, a partir de 2009, relatórios anuais sobre as acções da União Europeia e dos Estados-Membros neste domínio;
• Criará uma estrutura de consulta dos interessados, que contribuirá para a evolução da política marítima e permitirá a troca de boas práticas.
3.2. Instrumentos para uma política integrada
Um quadro de governação integrado para os assuntos marítimos exige instrumentos horizontais de planificação que sejam comuns às políticas sectoriais ligadas ao mar e apoiem a elaboração conjunta de políticas. Os três instrumentos que se seguem são especialmente importantes: a vigilância marítima - crucial para uma utilização segura do espaço marinho -, o ordenamento do espaço marítimo - um instrumento de planificação essencial para uma tomada de decisão sustentável - e uma fonte exaustiva e acessível de dados e informação.
3.2.1. Uma rede europeia de vigilância marítima
A vigilância marítima reveste-se da maior importância para garantir a utilização segura do mar e para a protecção das fronteiras marítimas da Europa. O melhoramento e optimização das actividades de vigilância marítima, bem como a interoperabilidade ao nível europeu, são
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importantes para que a Europa possa fazer face aos desafios e ameaças ligados à segurança da navegação, à poluição marinha, ao cumprimento da lei e à segurança em geral.
As actividades de vigilância são assumidas pelos Estados-Membros, mas a maioria das actividades e ameaças a vigiar têm carácter transnacional. Na maior parte dos Estados-Membros, as actividades de vigilância respeitantes à pesca, ao ambiente, ao policiamento dos mares ou à imigração são da responsabilidade de diferentes autoridades que actuam independentemente umas das outras. Daqui resulta, com frequência, uma subutilização de recursos já escassos.
Por conseguinte, a Comissão preconiza uma maior coordenação em matéria de vigilância marítima, através de uma maior cooperação entre as guardas costeiras dos vários Estados-Membros e outras autoridades competentes.
A introdução gradual de uma rede integrada de sistemas de localização dos navios e de e-navegação para as águas costeiras da Europa e o alto mar, incluindo a vigilância por satélite e sistemas de localização e identificação de longo alcance (long range identification and tracking - LRIT) permitirá igualmente fornecer um instrumento precioso às autoridades públicas.
• A Comissão:
• Promoverá o reforço da cooperação entre as guardas costeiras dos Estados-Membros e os serviços adequados;
• Promoverá a maior interoperabilidade do sistema de vigilância, através da congregação dos actuais sistemas de vigilância e localização utilizados para garantir a segurança marítima e a protecção do transporte marítimo, a protecção do ambiente marinho, o controlo das pescas, o controlo das fronteiras externas e outras actividades de fiscalização do cumprimento da legislação.
3.2.2. Ordenamento do espaço marítimo e gestão integrada das zonas costeiras (GIZC)
Os quadros de ordenamento existentes incidem essencialmente na vertente terrestre e raramente abordam a forma como o desenvolvimento costeiro pode afectar o mar e vice-versa. Temos de fazer face aos problemas resultantes das crescentes utilizações concorrentes do mar, que vão do transporte marítimo à produção de energia offshore e outras formas de exploração do leito marinho, passando pela pesca e aquicultura e pelas actividades de lazer.
O ordenamento do espaço marítimo é um instrumento fundamental para o desenvolvimento sustentável das zonas marinhas e das regiões costeiras e para a restauração da saúde ambiental dos mares europeus.
Na sequência de uma recomendação da União Europeia2, os Estados-Membros começaram a utilizar a GIZC para regulamentar a distribuição espacial das actividades económicas e para criar sistemas de ordenamento espacial para as águas costeiras da Europa. Ambos os
2 Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2002, relativa à execução da
gestão integrada das zonas costeiras na Europa 2002/413/CE.
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instrumentos contribuem para respeitar os compromissos decorrentes da estratégia temática para a protecção e conservação do meio marinho3 e conferem aos operadores uma maior previsibilidade para poderem planear os seus futuros investimentos. Será criado um sistema de troca de boas práticas entre autoridades implicadas no ordenamento do espaço marítimo e na GIZC.
Neste domínio, a competência decisional é dos Estados-Membros. Ao nível europeu, é necessário um compromisso em torno de princípios e orientações comuns, a fim de fazer avançar este processo de forma flexível e assegurar o respeito dos ecossistemas marinhos regionais que se estendem para além das fronteiras marítimas nacionais.
• A Comissão:
• Elaborará, em 2008, um guia para promover um maior ordenamento do espaço marítimo por parte dos Estados-Membros.
3.2.3. Dados e informações
A disponibilidade e a facilidade de acesso a um vasto leque de dados relativos aos factores naturais e à actividade humana nos oceanos constituem a base para a tomada de decisões estratégicas no domínio da política marítima. Dada a vasta quantidade de dados coligidos e armazenados em toda a Europa para fins muito diversos, é de extrema importância estabelecer uma infra-estrutura adequada para recolher os dados e informações sobre o ambiente marinho.
Estes dados devem ser compilados no âmbito de um sistema global e compatível e disponibilizados enquanto instrumento que permite assegurar uma melhor governação, a expansão de serviços com valor acrescentado e um desenvolvimento marítimo sustentável. Trata-se de um projecto ambicioso, com várias dimensões, que terá de ser desenvolvido segundo um plano claro e coerente durante anos.
• A Comissão:
• Tomará medidas, em 2008, com vista à criação de uma rede europeia de observação e de dados sobre o meio marinho4 e promoverá uma cobertura cartográfica multidimensional das águas dos Estados-Membros, a fim de melhorar o acesso a dados de alta qualidade.
4. DOMÍNIOS DE ACÇÃO PARA UMA POLÍTICA MARÍTIMA INTEGRADA DA UNIÃO EUROPEIA
Uma política marítima integrada da União Europeia incidirá principalmente nos cinco domínios seguintes:
3 Ver Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro de acção
comunitária no domínio da política para o meio marinho Directiva “Estratégia para o meio marinho” - COM(2005) 505.
4 Partindo designadamente da iniciativa GMES.
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4.1. Maximização da utilização sustentável dos oceanos e mares O principal objectivo de uma política marítima integrada da União Europeia é criar as melhores condições para a utilização sustentável dos oceanos e mares, permitindo o desenvolvimento dos sectores marítimos e das regiões costeiras.
Em muitos Estados-Membros, o desenvolvimento recente da economia marítima foi superior ao da economia no seu conjunto, sobretudo em regiões activas no domínio da logística marítima. O transporte marítimo de contentores aumentou consideravelmente a partir de 2000, esperando-se que triplique até 2020. Por outro lado, regiões activas noutros mercados de forte crescimento, como o equipamento marítimo, a energia eólica offshore, a náutica de recreio ou o sector dos cruzeiros, continuarão a colher benefícios deste crescimento. Graças à forte especialização da Europa no campo das tecnologias marinhas, as indústrias europeias têm também um grande potencial para desenvolver produtos marítimos de ponta, susceptíveis de assumir uma posição liderante nos mercados mundiais.
Contudo, há muito potencial por aproveitar. Para garantir o crescimento sustentável de actividades ligadas ao mar e assegurar, ao mesmo tempo, que as actividades marítimas se desenvolvam de forma a não comprometer a saúde do ecossistema, é indispensável ter uma visão estratégica actualizada que permita o desenvolvimento competitivo e seguro do transporte marítimo, dos portos e dos sectores conexos.
O transporte marítimo é vital para o comércio internacional e interno da Europa e continua a ser a espinha dorsal do cluster marítimo. Contudo, este sector só continuará a prosperar se a União prosseguir os seus esforços com vista a atingir um nível elevado de segurança marítima e protecção do transporte marítimo, contribuindo para proteger as vidas humanas e o ambiente e, simultaneamente, favorecer condições de concorrência equitativas ao nível internacional.
Embora seja uma importante fonte de poluição atmosférica e de emissões de CO2, o transporte marítimo continua a ser bastante mais eficiente em termos energéticos do que o transporte rodoviário. Por este motivo, e dada a necessidade de reduzir o número de camiões que circulam nas estradas congestionadas da Europa, uma política marítima integrada favorece fortemente a promoção de transportes marítimos seguros e fiáveis. Os programas actuais da União Europeia (RTE-T e MARCO POLO) continuarão a apoiar a criação de auto-estradas marítimas e redes de transporte marítimo de curta distância. Por outro lado, o desenvolvimento futuro das RTE deve ter inteiramente em conta as utilizações cada vez mais intensas do mar no capítulo da energia.
No entanto, o transporte marítimo está em desvantagem comparativamente com outros meios de transporte, que beneficiam de maiores investimentos do sector público. Além disso, um navio que circule entre dois portos da União Europeia é objecto de procedimentos mais complexos e mais longos do que os que se aplicam a um camião, dada a inexistência de um verdadeiro mercado interno para o transporte marítimo na Europa. Para desenvolver todo o potencial do sector do transporte marítimo europeu, é necessário eliminar esta desvantagem comparativamente aos outros modos de transporte, simplificando as formalidades administrativas e aduaneiras para os serviços marítimos intra-comunitários.
• Para melhorar a eficiência do transporte marítimo na Europa e assegurar a sua competitividade a longo prazo, a Comissão:
• Proporá um espaço europeu do transporte marítimo sem barreiras;
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• Preparará uma estratégia global para o transporte marítimo para 2008-2018. Os portos marítimos europeus são outro elo essencial na cadeia logística de que depende a economia europeia. São centros de actividade económica, que desempenham um papel determinante na qualidade do meio urbano e natural em que se inserem.
Com a globalização, assistimos a um aumento sem precedentes do comércio internacional. Dado que 90% do comércio externo da Europa e quase 40% do seu comércio interno passam pelos seus portos, fácil é perceber a dimensão do desafio que os portos europeus terão de vencer para poder lidar com uma procura cada vez maior. O desenvolvimento da sua capacidade deve ser paralelo ao crescimento do comércio interno e internacional europeu e processar-se de uma forma compatível com os objectivos das políticas comunitárias, nomeadamente os objectivos ambientais e de competitividade.
• A Comissão:
• Proporá uma nova política portuária, que tome em consideração os múltiplos papéis dos portos e o contexto mais vasto da logística europeia;
• Apresentará propostas destinadas a reduzir os níveis de poluição atmosférica causada pelos navios nos portos, nomeadamente suprimindo as desvantagens fiscais associadas ao fornecimento de electricidade a partir da rede terrestre;
• Formulará orientações relativas à aplicação da legislação ambiental comunitária pertinente ao desenvolvimento dos portos.
A cadeia logística marítima europeia requer também a existência de estaleiros da construção e reparação naval e de empresas de equipamento marítimo na ponta do progresso. A União Europeia apoiar-se-á na experiência de iniciativas bem sucedidas5 para promover o desenvolvimento dessas empresas e, especialmente, das pequenas e médias empresas.
O aumento dos investimentos na investigação e tecnologia marinhas é fundamental para assegurar o crescimento económico sem agravar a degradação do ambiente. Esses investimentos criarão também novas oportunidades. Graças a tecnologias respeitadoras do ambiente que permitem a prosperidade das actividades marítimas sem comprometer o ambiente marinho, as empresas europeias poderão manter a sua posição de liderança à medida que as normas mundiais se tornarem mais estritas e que as indústrias novas e promissoras, como a biotecnologia azul, as energias renováveis offshore, a tecnologia e o equipamento subaquáticos e a aquicultura marinha, forem desenvolvidas.
A tecnologia permite à Europa beneficiar de todas as potencialidades oferecidas pelo mar enquanto fonte de petróleo e gás6, bem como de energias renováveis e, também, enquanto lugar de transporte de energia, que permite diversificar as vias de transporte de energia e aumentar, deste modo, a segurança do abastecimento. A situação energética da Europa indica que as possibilidades de sinergias entre as políticas energética e marítima irão aumentar7. A
5 Como a Waterborne Platform e LeaderShip 2015. 6 Segundo a OGP, 40% do petróleo e 60% do gás actualmente consumidos na Europa são extraídos
offshore. 7 Ver documento de trabalho da Comissão intitulado Política energética e política marítima: assegurar
uma melhor compatibilidade.
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este propósito, a Comunicação da Comissão de Janeiro de 20078 sobre uma estratégia energética para a Europa reconheceu a necessidade de dinamizar a utilização dos oceanos e dos mares para promover os objectivos comunitários em matéria de energia.
A integração e a competitividade das empresas no sector marítimo são fortemente potenciadas pela formação de clusters multissectoriais9. Esses clusters contribuem para conservar o know-how marítimo da Europa, pelo que são fundamentais para a política marítima. A cooperação entre os sectores público e privado em centros de excelência marítima cria também um contexto favorável para compreender e programar adequadamente as interacções entre diferentes indústrias e sectores.
• A Comissão incentivará a formação de clusters multissectoriais e de centros regionais de excelência marítima e promoverá uma rede europeia de clusters marítimos.
A Comissão deseja igualmente aumentar o número e a qualidade dos empregos marítimos para os cidadãos europeus. A tendência para o declínio do emprego marítimo é preocupante e tem de ser invertida, uma vez que a experiência dos marítimos é fundamental também para as actividades que se desenrolam em terra.
Para atrair os europeus para o sector, é necessário um melhoramento da política de pessoal e das condições de trabalho (incluindo saúde e segurança), acompanhado por um esforço concertado de todos os interessados do sector marítimo e por um quadro regulamentar eficaz que tenha em conta o contexto global. A Comissão subscreve inteiramente o diálogo social sobre a transposição para a legislação comunitária das disposições da Convenção da OIT sobre o trabalho marítimo. A Comissão promoverá igualmente a concepção de um sistema que ofereça aos europeus perspectivas profissionais melhores e mais vastas no âmbito do cluster marítimo. Para esse efeito, será necessário alargar a gama de estudos marítimos e revalorizar as competências e as qualificações das profissões marítimas.
• A Comissão:
• Reexaminará, em estreita colaboração com os parceiros sociais, as partes da legislação laboral da União Europeia de que os sectores marítimos estão excluídos10;
• Promoverá um certificado de excelência marítima. Apesar dos esforços desenvolvidos no passado, o aumento da actividade económica nas regiões costeiras e nos mares da Europa tem sido associado à deterioração da qualidade do ambiente marinho. A Comissão já propôs uma estratégia para o meio marinho da União Europeia, que incluía uma proposta de directiva11 com o objectivo de travar e inverter esta tendência e estabelecer um quadro de acção comunitária para alcançar um bom estado ecológico do ambiente marinho num contexto de desenvolvimento sustentável.
8 Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Uma política energética para a
Europa – COM(2007) 1. 9 Ver documento de trabalho dos serviços da Comissão anexo à presente comunicação. 10 Comunicação “Reavaliar a legislação social na pespectiva da criação de mais e melhores empregos nas
profissões marítimas na UE” – COM(2007) 591. 11 COM(2005) 504 e COM(2005) 505.
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A estas dificuldades vêm juntar-se as graves consequências que as alterações climáticas terão provavelmente nas regiões costeiras. A armazenagem de carbono no subsolo marinho é uma actividade inovadora com grande potencial para atenuar as alterações climáticas. A União Europeia deve permanecer na vanguarda desta tecnologia e definir um quadro regulamentar coerente para realizar inteiramente este potencial.
Por este motivo, torna-se necessário atingir os objectivos fixados na legislação ambiental da União Europeia, em especial na directiva “Habitats”12 e na directiva “Estratégia para o meio marinho” proposta. O acervo da Comunidade no domínio da segurança marítima e da prevenção da poluição causada pelos navios também é relevante neste aspecto. A rápida adopção das propostas contidas no terceiro pacote marítimo constituirá um importante contributo para este acervo.
• A Comissão:
• Lançará acções-piloto para reduzir o impacto das alterações climáticas nas zonas costeiras e para se adaptar a tais alterações;
• Apoiará activamente os esforços internacionais para diminuir a poluição atmosférica causada pelos navios e apresentará propostas ao nível europeu caso esses esforços não surtam efeito;
• Apoiará activamente os esforços internacionais para reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa causadas por navios e considerará as opções possíveis de intervenção comunitária neste domínio caso tais esforços não surtam efeito;
• Tendo devidamente em conta o trabalho em curso ao nível internacional, apresentará propostas para que o desmantelamento dos navios obsoletos seja efectuado de forma eficiente, segura e sustentável do ponto de vista ambiental.
No âmbito da gestão das pescas, há que ter mais em conta o bem-estar das comunidades costeiras, o ambiente marinho e a interacção entre a pesca e outras actividades. A recuperação das unidades populacionais de peixes será prosseguida com determinação, o que exigirá informações científicas sólidas e uma consolidação da viragem para um planeamento plurianual. A Comissão tomará medidas para garantir que a política comum das pescas reflicta a abordagem ecossistémica prevista na estratégia para o meio marinho e esforçar-se-á por acabar com a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada nas suas águas e no alto mar.
A gestão das unidades populacionais de peixes segundo o princípio dos rendimentos máximos sustentáveis propiciará um melhor futuro à comunidade piscatória europeia e assegurará a sua contribuição para a segurança alimentar da Europa. Este objectivo deverá ser atingido até 2015, em conformidade com os compromissos assumidos à escala internacional.
12 Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e
da fauna e da flora selvagens.
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Há também que examinar a melhoria da segurança dos pescadores no local de trabalho no contexto mais vasto das condições de trabalho e da política social no sector marítimo, devendo a experiência e conhecimentos que os pescadores têm do mar ser mobilizados em prol da sociedade no seu conjunto.
O desenvolvimento da aquicultura, com o objectivo de dar resposta ao aumento da procura, a nível mundial, de produtos do mar deve realizar-se num quadro regulamentar que favoreça o espírito empresarial e a inovação e assegure o cumprimento de normas rigorosas no domínio do ambiente e da saúde pública.
• A Comissão:
• Adoptará medidas enérgicas para eliminar as devoluções13 e as práticas de pesca destrutivas, como o arrasto pelo fundo no alto mar em habitats sensíveis14;
• Adoptará medidas enérgicas para eliminar a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada15;
• Promoverá o desenvolvimento, na Europa, de um sector aquícola inócuo para o ambiente.
4.2. Construção de uma base de conhecimentos e inovação para a política marítima
A ciência, a tecnologia e a investigação marinhas são cruciais para o desenvolvimento sustentável das actividades marítimas.
Ao ajudarem-nos a compreender mais profundamente os impactos das actividades humanas nos sistemas marinhos, a investigação e a tecnologia marinhas fornecem a chave para romper a ligação entre o desenvolvimento das actividades marítimas e a degradação do ambiente.
O reforço da abordagem multidisciplinar da ciência marinha pode contribuir para uma melhor compreensão das interacções entre as actividades marítimas, sendo, portanto, uma componente indispensável de uma política marítima integrada. Este reforço será igualmente fundamental caso se pretenda prever e atenuar tanto quanto possível os efeitos das alterações climáticas.
A investigação marinha e marítima tem custos elevados, pelo que não podemos permitir faltas de eficiência. Para poder utilizar os recursos europeus da melhor forma, é necessário definir uma estratégia clara que articule as prioridades a nível político e a nível de investigação, responda a desafios transsectoriais, potencie as sinergias entre os esforços dos Estados-Membros e os da Comunidade, evite as duplicações e melhore o diálogo entre os intervenientes. A Europa deve também explorar o modo como a investigação pode contribuir melhor para a inovação e como transformar mais eficazmente o conhecimento e as competências em produtos e serviços industriais.
13 Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Uma política destinada a reduzir as
capturas acessórias indesejadas e a eliminar as devoluções nas pescarias europeias - COM(2007) 136. 14 Comunicação e proposta de regulamento previstas para 17 de Outubro. 15 Comunicação e proposta de regulamento previstas para 17 de Outubro.
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O desenvolvimento de uma rede europeia de observação e de dados sobre o meio marinho16 será um instrumento importante para esta estratégia.
• A Comissão:
• Apresentará, em 2008, uma estratégia europeia para a investigação marinha e marítima;
• Publicará convites à apresentação de propostas que cubram vários domínios no âmbito do Sétimo Programa-Quadro de Investigação para promover uma abordagem integrada e melhorar a compreensão dos assuntos marítimos;
• Apoiará a investigação sobre a previsão e a redução do impacto das alterações climáticas nas actividades marítimas, no ambiente marinho, nas zonas costeiras e nas ilhas e sobre a adaptação às mesmas;
• Apoiará a criação de uma parceria europeia relativa à ciência marinha, a fim de estabelecer um diálogo concertado entre a comunidade científica, o sector industrial e os decisores políticos.
4.3. Maximização da qualidade de vida nas regiões costeiras
Na última década, o crescimento demográfico nas regiões costeiras e insulares foi duas vezes superior ao crescimento demográfico médio na União Europeia. As comunidades costeiras são também o destino da maioria dos turistas na Europa, pelo que a necessidade de reconciliar o desenvolvimento económico, a sustentabilidade do ambiente e a qualidade de vida nessas regiões se coloca aí com maior acuidade.
As autoridades regionais e as comunidades costeiras têm um importante papel a desempenhar na regulação das actividades costeiras e marítimas. O Comité das Regiões, as regiões costeiras e as suas redes são, por conseguinte, parceiros essenciais no quadro da elaboração de uma política marítima integrada da União Europeia.
Os portos e os sectores marítimos conferem a estas regiões uma importância estratégica para a Europa no seu conjunto. Oferecem importantes serviços ao seu hinterland e funcionam como base para o policiamento das fronteiras marítimas e das águas costeiras. Daqui resulta uma forte pressão sobre as infra-estruturas, o que deve ser tomado em consideração na atribuição de recursos comunitários. As regiões costeiras são também particularmente afectadas pelas alterações climáticas e a gestão dos riscos pode assumir proporções dramáticas nos orçamentos e economias destas regiões.
O mar é determinante para o turismo costeiro e marítimo, que foi um importante catalisador do desenvolvimento económico das zonas costeiras europeias. A Comissão trabalhará mais activamente com os interessados na elaboração de uma política de turismo sustentável que tenha em conta o turismo costeiro e marítimo.
Embora existam fontes de financiamento, os interessados consideram que têm um acesso insuficiente à informação. A Comissão esforçar-se-á por optimizar o apoio aos projectos
16 Ver secção 3.2.3.
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marítimos nas regiões costeiras e insulares, no âmbito dos vários instrumentos financeiros comunitários disponíveis.
A necessidade de obter melhores dados socioeconómicos sobre os sectores marítimos e as regiões costeiras é também evidente, tendo em conta que a dificuldade em obter tais informações está a limitar a capacidade dos interessados a nível regional no respeitante ao desenvolvimento de planos e investimentos racionais a longo prazo.
Por outro lado, a colaboração inter-regional é essencial para permitir o desenvolvimento das regiões costeiras europeias que tenha em conta a sua diversidade e especificidade. Por conseguinte, a Comissão utilizará plenamente o programa de cooperação territorial para apoiar o desenvolvimento marítimo inter-regional.
As regiões ultraperiféricas e as ilhas estão sujeitas a desvantagens económicas consideráveis, mas dispõem de um elevado potencial no que se refere às actividades marítimas e à investigação marinha. As suas extensas zonas marítimas oferecem serviços ligados aos ecossistemas de grande interesse para a União. No quadro da recente Comunicação sobre as regiões ultraperiféricas da União Europeia, a Comissão promoverá o desenvolvimento do seu potencial marítimo e a sua cooperação com os vizinhos regionais.
• A Comissão:
• Promoverá o turismo costeiro e marítimo, no âmbito da próxima iniciativa sobre o turismo;
• Preparará uma base de dados sobre o financiamento comunitário disponível para os projectos marítimos e as regiões costeiras e desenvolverá, até 2009, uma base de dados socioeconómicos para os sectores marítimos e as regiões costeiras;
• Proporá uma estratégia comunitária de prevenção das catástrofes, que sublinhe os riscos a que estão expostas as regiões costeiras;
• Promoverá o desenvolvimento do potencial marítimo das regiões ultraperiféricas e das ilhas.
4.4. Promoção da liderança europeia nos assuntos marítimos internacionais
A União Europeia continuará a envidar esforços com vista a assegurar uma governação internacional dos assuntos marítimos mais eficiente e a fazer cumprir o direito marítimo internacional, instando os Estados-Membros a ratificar os instrumentos pertinentes. Neste contexto, promoverá a coordenação dos interesses europeus nas principais instâncias internacionais.
O acesso das indústrias e serviços marítimos europeus aos mercados internacionais, a exploração comercial e científica sustentável das águas profundas, a protecção da biodiversidade marinha mundial, a melhoria da segurança marítima e da protecção do transporte marítimo, as condições de trabalho, a redução da poluição causada pelos navios e a luta contra as actividades ilegais nas águas internacionais constituirão as prioridades da política marítima integrada da União a nível das relações externas.
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Deverá igualmente prestar-se atenção às implicações geopolíticas das alterações climáticas. Neste contexto, a Comissão apresentará, em 2008, um relatório sobre as questões estratégicas ligadas ao oceano Árctico.
Por outro lado, os assuntos marítimos serão regularmente tema de debates com os parceiros da União Europeia que já adoptaram medidas a favor de uma abordagem marítima integrada, nomeadamente a Austrália, o Canadá, o Japão, a Noruega e os Estados-Unidos, mas também com outros parceiros, como o Brasil, a China, a Índia e a Rússia.
A União Europeia fomentará ainda uma responsabilidade partilhada relativamente aos mares que partilha com os seus vizinhos. Concretamente, a União Europeia apresentará propostas no sentido de aumentar a cooperação no que se refere à gestão do Mediterrâneo e do mar Negro. Promoverá a cooperação em matéria de assuntos marítimos no quadro da Dimensão Setentrional da sua política de relações externas e colocará estes assuntos no programa de cooperação com os países em desenvolvimento, incluindo os pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Neste contexto, apoiará o reforço das capacidades dos países em desenvolvimento no que se refere à política marítima e ao direito do mar.
A Comissão proporá um acordo de aplicação da UNCLOS17 no que respeita à biodiversidade marinha nas zonas fora da jurisdição nacional e envidará esforços para concluir com êxito as negociações internacionais sobre as zonas marinhas protegidas no alto mar.
• A Comissão:
• Promoverá a cooperação no quadro das políticas europeias do alargamento e da vizinhança, bem como da Dimensão Setentrional, a fim de abranger as questões relativas à política marítima e à gestão dos mares partilhados;
• Proporá uma estratégia para a projecção externa da política marítima da União mediante um diálogo estruturado com os principais parceiros.
4.5. Promoção da visibilidade da Europa marítima
Os interessados exprimiram claramente a opinião de que o processo de elaboração de uma política marítima comunitária permitiu a aquisição de uma nova consciência pública da importância da economia e património marítimos e está a criar entre eles o sentimento de partilharem um objectivo e identidade comuns.
Uma política marítima integrada deve procurar aumentar a visibilidade da Europa marítima e melhorar a imagem das actividades marítimas e das profissões ligadas ao mar.
Deve ainda promover o património marítimo europeu, apoiando as comunidades marítimas, incluindo as cidades portuárias e as comunidades piscatórias tradicionais, os seus produtos artesanais e as suas técnicas tradicionais, e fomentando a criação de ligações entre elas que incrementem o seu conhecimento e visibilidade.
17 Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
PT 16 PT
• A Comissão:
• Criará um Atlas europeu dos mares como instrumento pedagógico e como forma de chamar a atenção para o nosso património marítimo comum;
• Proporá a celebração anual de um dia marítimo europeu a partir de 2008, a fim de aumentar a visibilidade dos assuntos marítimos e promover ligações entre as organizações que se ocupam do património marítimo, os museus e os aquários.
5. CONCLUSÃO
O Conselho Europeu de Junho de 2007 congratulou-se com o vasto debate acerca da futura política marítima, que teve lugar na Europa. Os Chefes de Estado e de Governo convidaram a Comissão a elaborar um plano de acção europeu a apresentar em Outubro. Atendendo ao princípio da subsidiariedade, este plano de acção tem por fim explorar, de uma forma sustentável para o ambiente, o pleno potencial das actividades económicas orientadas para o mar.
A presente comunicação e o plano de acção anexo, que têm em conta as opiniões expressas pelas outras instituições europeias, pelos governos dos Estados-Membros, pelos parlamentos e por um grande número de interessados, constitui a resposta da Comissão ao pedido do Conselho Europeu. 18
A Comissão convida o Conselho Europeu, o Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu, bem como o Comité Económico e Social e o Comité das Regiões, as autoridades nacionais e regionais e outros interessados a desempenhar um papel pro-activo no âmbito desta política.
18 Ver informações pormenorizadas nas conclusões da consulta sobre uma política marítima europeia -
COM(2007) 574 de 10.10.2007.
EN 37 EN
Plano de acção para uma política marítima integrada da UE
Tópico do plano de acção Acção específica
Orientações para as políticas marítimas integradas nacionais; primeiro semestre de 2008
2.1 Actuação visando a integração dos assuntos marítimos em toda a UE
Relatório sobre as acções dos Estados-Membros; 2009
2.2 Obstáculos legislativos
Relatório sobre os obstáculos legislativos; primeiro semestre de 2008
2.3 Aprendizagem colectiva – intercâmbio das melhores práticas
Criação de redes de melhores práticas (2008-2009)
Documentos de trabalho destinados a descrever a organização das actividades offshore e identificar os sistemas de vigilância, monitorização e comunicação na Europa; Novembro de 2007
3.1 Actividades de vigilância
Plano de trabalho para a criação de uma rede integrada de todos os sistemas de vigilância marítima europeia; segundo semestre de 2008
Roteiro para o desenvolvimento de um ordenamento espacial marítimo pelos Estados-Membros; 2008
Criação de um sistema para o intercâmbio de melhores práticas; 2009
3.2 Ordenamento espacial marítimo e gestão integrada das zonas costeiras
Análise das opções necessárias para melhorar a compatibilidade entre as diferentes actividades marítimas; 2008
Roteiro em 2008 destinado a servir de base ao Plano de Acção em 2009
3.3 Rede Europeia de Observação e de Dados do Meio Marinho
Proposta de programa para o desenvolvimento de mapas multidimensionais das zonas marítimas nas águas dos Estados-Membros; segundo semestre de 2009
4.1 Desenvolvimento de clusters multissectoriais e centros regionais de excelência marítima
Documento de trabalho sobre os clusters marítimos; Outubro de 2007
Este documento irá preparar o terreno para acções futuras, incluindo a criação de uma rede europeia de clusters marítimos.
EN 38 EN
Consulta sobre a criação de um Espaço Europeu para o Transporte Marítimo sem Barreiras; Outubro de 2007
Documento de trabalho sobre as auto-estradas do mar; Outubro de 2007
Estudo para avaliar as tendências para o período de 2008-2018; 2007
Orientações finais sobre a aplicação das regras da concorrência ao transporte marítimo; 2008
Conferência sobre as tendências e cenários do transporte marítimo; primeiro semestre de 2008
Proposta relativa à criação de um Espaço Europeu para o Transporte Marítimo sem Barreiras; 2008
Livro Branco sobre a estratégia para o transporte marítimo até 2018; 2008
Documento político sobre os serviços e-marítimos; 2009
4.2 Transporte marítimo
Revisão do regulamento relativo às isenções por categoria; antes de Abril de 2010
Apoiar a ECSA e a ETF nas suas negociações em curso, tendo em vista a transposição de determinadas componentes da Convenção sobre Trabalho Marítimo da OIT
Proposta de directiva com base no artigo 139.º do Tratado CE ( aplicação da Convenção da OIT)
Plano de Acção para melhorar o estatuto das carreiras profissionais dos trabalhadores marítimos, segundo semestre de 2009
Proposta de Directiva relativa cumprimento das normas laborais (n.º 2 do artigo 80.º); 2009-1010
Proposta de Decisão do Conselho relativa à ratificação pelos Estados-Membros da UE da Convenção da OIT sobre as condições de trabalho no sector das pescas.
Reforço das carreiras e do emprego; sectores marítimos
a) Promoção de emprego para os trabalhadores marítimos
Explorar a aplicação da convenção da OIT sobre as normas de pesca
4.3
b) Qualificação dos trabalhadores marítimos
Plano de acção sobre as qualificações dos trabalhadores marítimos; segundo semestre
EN 39 EN
c) Exclusões das profissões marítimas da legislação social e em matéria de condições de trabalho da UE
Comunicação que lança a reavaliação das exclusões das profissões marítimas da legislação laboral comunitária; Outubro de 2007
Comunicação sobre os portos; Outubro de 2007 4.4 Política portuária
Orientações relativas à aplicação da legislação ambiental comunitária ao desenvolvimento portuário; 2008
Promoção da utilização de electricidade da rede de terra pelos navios atracados nos portos da UE
4.5 Poluição atmosférica provocada pelos navios
Avaliação das opções à disposição da legislação da UE para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa
4.6 Desmantelamento de navios Comunicação sobre o desmantelamento de navios; 2008
Continuação da participação activa no trabalho da OMI no âmbito de uma Convenção sobre a Reciclagem de Navios. Em curso.
4.7 Acção relativa às infra-estruturas e recursos energéticos baseados no ambiente marinho
Revisão das Orientações relativas às redes transeuropeias de energia ; 2009
Documento de trabalho sobre o papel dos pescadores como “Guardiães do Mar”; segundo semestre de 2008
4.8 Acção para desenvolver a situação dos pescadores no mar
Relatório da Comissão sobre a aplicação das disposições da Directiva 93/103/CE (esta acção está relacionada com a acção 4.3); 2009
4.9 Aplicação da abordagem baseada no ecossistema nas pescas europeias
a) Reforçar a aplicação da abordagem baseada no ecossistema na Política Comum das Pescas
Comunicação sobre uma abordagem baseada no ecossistema no sector das pescas; 2008
EN 40 EN
b) Execução de uma política para eliminação progressiva das devoluções nas pescas europeias
Roteiro sobre as devoluções; 2008
Propostas para protecção dos recursos haliêuticos em águas internacionais
a) Acção para eliminar a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU)
Comunicação e Regulamento relativos às luta contra a pesca IUU; 2007
4.10
b) Acção no âmbito das práticas destrutivas da pesca
Comunicação e proposta legislativa sobre as práticas destrutivas da pesca; 2007
Comunicação sobre a estratégia de investigação marinha e marítima; 2008
5.1 Investigação marinha e marítima europeia
Convites transversais à apresentação de propostas nos termos do 7.º programa-quadro de investigação; 2008
Base de dados sobre projectos desenvolvidos em regiões marítimas; segundo semestre de 2008
6.1 Disponibilização de informação sobre projectos da Comunidade em regiões costeiras e respectivo financiamento Análise da possibilidade de financiar projectos
marítimos em regiões costeiras e ilhas; 2009
6.2 Regiões ultraperiféricas e ilhas da Europa
Promoção da participação das ilhas e das regiões ultraperiféricas na iniciativa “Região favorável à mudança económica” (Region for Economic Change); 2008
Estratégia comunitária para prevenção de desastres; 2008
Acção com vista à mitigação dos efeitos das alterações climáticas e adaptação às mesmas
a) Acção em matéria de políticas de redução dos riscos e os seus impactos económicos em regiões costeiras
Definição de uma estratégia para adaptação às alterações climáticas; 2008
6.3
b) Sequestro e armazenagem de carbono (CCS – Carbon Capture and Storage)
Propor um quadro jurídico respeitante ao sequestro e armazenagem de dióxido de carbono; 2007
EN 41 EN
Comunicação sobre o turismo europeu sustentável e competitivo; 2007
6.4 Turismo marítimo sustentável
Avaliação das interligações entre o sector dos cruzeiros, marinas, portos e outras indústrias marítimas; 2009
6.5 Melhoria dos dados socioeconómicos à disposição dos sectores e das regiões marítimas
Documento de trabalho sobre dados socioeconómicos que permitam o desenvolvimento de uma base de dados socioeconómicos integrados; 2009
Publicação de uma base de dados e de um painel de avaliação sobre a ratificação de actos pelos Estados-Membros
Avaliação da situação da UE nas organizações marítimas internacionais; 2008
7.1 O perfil da UE nos fóruns internacionais e nas relações com os seus parceiros
Inclusão dos assuntos marítimos nos diálogos com países terceiros, incluindo os países em desenvolvimento; 2008
Organização de um workshop sobre o ordenamento espacial marítimo no contexto Euromed; 2008
Discussão dos objectivos da política marítima com países candidatos ou potencialmente candidatos e países parceiros
7.2 Inclusão dos objectivos da política marítima no diálogo com países terceiros que partilham mares de dimensão regional
Participação dos países vizinhos no desenvolvimento da EMODNET, no aperfeiçoamento dos programas de vigilância e no ordenamento espacial
7.3 Relatório sobre questões estratégicas para a UE relacionadas com o Oceano Árctico
Relatório sobre o Oceano Árctico; 2008
7.4 Acção para a protecção do alto-mar
Estratégia para a protecção da biodiversidade marinha; 2009
Proposta para um Dia Marítimo Europeu; 2007
8.1 Dia Marítimo Europeu, relatório anual, prémios e campanhas de sensibilização
Proposta para a organização de eventos no âmbito do Dia Marítimo Europeu e eventos associados; 2007
EN 42 EN
8.2 AtlasEuropeu dos Mares
Atlas Europeu dos Mares; 2009
8.3 Disponibilização de informação ao público relativamente às propostas da Comissão sobre assuntos marítimos
Sítio web sobre todas as acções relacionadas com os assuntos marítimos; em curso.
PT PT
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS
Bruxelas, 10.10.2007 SEC(2007) 1280
DOCUMENTO DE TRABALHO DOS SERVIÇOS DA COMISSÃO
Documento que acompanha
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ
DAS REGIÕES
o documento prospectivo e o plano de acção para uma política marítima da União Europeia
RESUMO DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO
{COM(2007) 574 final} {COM(2007) 575 final}
{SEC(2007) 1278} {SEC(2007) 1279} {SEC(2007) 1283}
PT PT
Síntese
Em Junho de 2006, a Comissão publicou um Livro Verde sobre a futura política marítima da União Europeia. Esse documento chamava a atenção para a importância estratégica dos mares e oceanos para a economia europeia e sublinhava a urgência de garantir que as futuras evoluções tivessem em conta a necessidade de manter a competitividade, preservando, simultaneamente, o ambiente marinho e protegendo o bem-estar e os modos de vida daqueles que dependem da economia marítima ou vivem no litoral. Seguiu-se um período de consulta de um ano, durante o qual foram organizados cerca de 230 eventos e apresentadas mais de 490 contribuições escritas. Muitas destas contribuições escritas - de governos nacionais, grupos industriais e organizações não governamentais de protecção do ambiente - eram elas próprias o fruto de aturados processos de consulta interna.
A grande maioria dos interessados está de acordo quanto ao facto de a União Europeia não poder continuar a gerir a sua política para os oceanos e os mares através de uma série de políticas sectoriais estanques. O processo de tomada de decisão é lento, as sinergias potenciais não são aproveitadas e ninguém dispõe da autoridade necessária para resolver conflitos inter-sectoriais, fazer face aos efeitos cumulativos ou ter uma visão de conjunto. O comércio comunitário e a competitividade dos portos da União Europeia encontram-se ameaçados pela extrema lentidão do processo de planeamento, o crescimento intensivo e rápido das actividades económicas nas regiões costeiras e no mar põe em perigo o ambiente marinho, os europeus estão a abandonar as profissões marítimas, os dados recolhidos sobre o estado do ambiente marinho, as actividades marítimas de origem humana e a saúde da economia costeira são fragmentados e em grande medida inacessíveis e as diversas autoridades encarregadas da protecção dos nossos mares contra a poluição, a pesca ilegal e os traficantes estão a desenvolver, independentemente umas das outras, sistemas semelhantes para detectar e identificar comportamentos anómalos.
Tendo em conta estas reacções, a Comissão propôs uma política marítima global com os seguintes objectivos: (1) maximização da utilização sustentável dos oceanos e mares; (2) construção de uma base de conhecimentos e inovação para a política marítima; (3) maximização da qualidade de vida nas regiões costeiras; (4) promoção da liderança europeia nos assuntos marítimos internacionais; (5) promoção da visibilidade da Europa marítima.
No imediato, a Comissão pretende alcançar estes objectivos através, em primeiro lugar, da introdução de um quadro de governação que aplique a abordagem integrada e, em segundo lugar, do estabelecimento de instrumentos políticos horizontais e transsectoriais para a elaboração de uma política integrada. A Comissão criará uma estrutura interna para melhorar a coordenação entre as iniciativas políticas oriundas de sectores específicos, ligadas aos assuntos marítimos. Por outro lado, um plano de acção define um elenco de iniciativas concretas, que serão adoptadas como primeiros passos para uma política marítima da União Europeia mais coerente e integrada.
No final de 2008, já deverão sentir-se alguns resultados – maior compreensão recíproca entre políticas e sectores, identificação precoce de conflitos eventuais resultantes de iniciativas sectoriais, aproveitamento de sinergias, troca de ideias mais rápida entre diferentes regiões sobre as boas práticas, maior convicção de que as políticas sectoriais individuais se baseiam nos melhores conhecimentos disponíveis no respeitante ao sector marítimo e maiores oportunidades para os indivíduos e os grupos de interesse de fazer ouvir a sua própria voz.
PT PT
Os efeitos positivos concretos das acções preparatórias sobre os dados marinhos, o ordenamento espacial e a vigilância marítima não serão imediatamente perceptíveis, materializando-se apenas aquando da execução de outras medidas. Contudo, esses benefícios potenciais são tais que justificam as modestas despesas. A longo prazo, os benefícios são os seguintes: um desenvolvimento acelerado de serviços comerciais de valor acrescentado baseados em dados de fácil acesso, uma maior eficiência das instituições públicas, incluindo laboratórios europeus de investigação marinha e organismos académicos europeus, uma redução significativa das incertezas actuais sobre a alteração do ambiente no mundo, a integração - no âmbito de um esforço consolidado - de iniciativas actualmente fragmentadas e limitadas no tempo relativas ao acesso aos dados, normas mais claras sobre os direitos e as restrições nas águas marinhas, uma resolução mais fácil dos problemas relativos ao planeamento transfronteiriço, uma utilização mais eficaz dos recursos disponíveis em matéria de comunicação e vigilância e a possibilidade de partilhar no futuro sistemas de vigilância comuns.
Os benefícios a curto prazo da coordenação das políticas e de uma aprendizagem colectiva, bem como os potenciais benefícios a mais longo prazo das acções preparatórias, terão um impacto positivo nos principais objectivos da política marítima, a saber, maximizar a utilização sustentável dos oceanos e dos mares, construir uma base de conhecimentos e inovação para a política marítima, melhorar a qualidade de vida nas regiões costeiras, promover a liderança da Europa em matéria de assuntos marítimos internacionais e aumentar a visibilidade da Europa marítima.
SPEECH/07/645 José Manuel Durão Barroso
President of the European Commission
"Discurso do Presidente – Política Marítima Europeia" Conferência Ministerial da Presidência Portuguesa
Lisboa, 22 de Outubro de 2007
2
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Ministros,
Senhores Comissários,
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Há apenas duas semanas, a Comissão adoptou uma política marítima integrada para a União Europeia. Com esta nova política, é pela primeira vez elaborada, em cinquenta anos de existência da União Europeia, uma verdadeira abordagem estratégica para os assuntos do mar e as zonas costeiras da Europa.
Esta política reconhece a importância da dimensão marítima da Europa, tantas vezes esquecida. Dimensão essa que desempenhou um papel preponderante na construção da nossa História, nomeadamente na História do país que é hoje nosso anfitrião: Portugal. A dimensão marítima voltou ao centro das preocupações, onde sempre deveria ter estado.
Há dois anos, quando lancei um debate em toda a Europa sobre os assuntos do mar e pedi ao Comissário Joe Borg que conduzisse os trabalhos sobre uma nova política marítima integrada para a União Europeia, sabia que esta iniciativa assumiria um grande significado.
Mas o que francamente não esperava era um tão alto grau de adesão a este projecto, como aquele que o processo de consulta revelou.
Não estou com isto a tentar puxar dos meus pergaminhos. Pretendo simplesmente frisar que dois anos de trabalho a preparar estas propostas demonstraram, sem qualquer margem para dúvida, a necessidade de desenvolver uma política marítima integrada para a União Europeia.
O enorme interesse manifestado pelas partes interessadas confere-nos um sólido mandato para levar por diante esta política. Mas para além do mandato, existe uma obrigação. As expectativas dos interessados são grandes e existe por toda a Europa uma exigência clara de que as nossas palavras se concretizem em actos.
Mas o que é então a dimensão marítima da Europa? Valerá a pena concentrarmos nela as nossas energias? Tratar-se-á de uma questão de tal modo importante que mereça uma atenção política especial?
Sem dúvida que sim. Antes de mais, a Europa, com a sua geografia tão diversificada, dispõe de 70 000 km de orla costeira, dois oceanos e quatro mares. Não admira, portanto, que a Europa, com um passado marítimo tão rico, ainda hoje dependa do mar!
Permitam-me que me detenha um pouco mais neste ponto:
Do ponto de vista económico, o principal desafio que a Europa enfrenta actualmente é o ritmo acelerado da globalização e a grande pressão que esta exerce sobre a competitividade. O forte crescimento do comércio internacional é a consequência mais visível da globalização. O resultado é que a Europa precisará cada vez mais de recorrer ao transporte marítimo e de dispor não só de melhores portos como de portos mais eficazes. Noventa por cento do comércio externo da União Europeia circula pela complexa rede da logística marítima.
3
A Europa precisa de enfrentar este desafio urgentemente, desenvolvendo as capacidades da sua indústria naval e portuária sem permitir que a degradação do ambiente marinho se agrave. Na Comissão temos trabalhado intensamente para antecipar estes desafios e preparar a Europa para o mundo globalizado do século XXI. Ainda na semana passada adoptámos uma agenda para o transporte de carga da UE, na qual foram definidas as políticas que serão necessárias para a criação de uma zona de transportes marítimos sem fronteiras e a promoção das “auto-estradas do mar”. Trata-se de um primeiro passo importante para a execução da nova política marítima integrada.
Os mares da Europa são também cruciais para a nossa nova estratégia em matéria de energia, na medida em que produzem uma parte importante do gás e do petróleo que consumimos. São esses mesmos mares que proporcionam fontes de energia mais abundantes e mais renováveis, como por exemplo, os parques eólicos offshore e, num futuro próximo, a energia das marés e a energia das ondas. Os mares da Europa são igualmente vitais para a segurança do abastecimento energético, proporcionando rotas flexíveis para o transporte da energia, quer por meio de navios, quer através de condutas submarinas.
Mas o mar não é só isto; o mar é também um factor decisivo para um sector muito importante da indústria de serviços: o turismo costeiro e marítimo, que nas últimas décadas tem sido o principal elemento catalisador do desenvolvimento económico nas zonas costeiras de muitas regiões da Europa. Sabemos que mais de 60% dos turistas europeus escolhem as nossas costas para passar férias, facto que coloca a Europa no primeiro lugar como maior indústria de turismo costeiro do mundo.
O turismo costeiro e marítimo continua a ser uma indústria em rápida expansão na Europa e uma oportunidade para um aumento da qualidade de vida das pessoas que vivem nas regiões costeiras. Trata-se de um factor importante, na medida em que mais de 40% dos europeus vivem nestas regiões.
Neste contexto, a política de desenvolvimento regional e a política de coesão são instrumentos importantes para promover a qualidade de vida e as oportunidades económicas nas zonas costeiras da Europa. Uma política marítima integrada para a União Europeia vem colocar estas questões na mesa, constituindo assim um importante passo para o desenvolvimento das zonas costeiras da Europa.
Como se pode ver, ao falarmos de política marítima estamos a falar de crescimento económico e de emprego e do reforço da nossa competitividade, o que demonstra bem que esta política está firmemente ancorada na Estratégia de Lisboa.
Contudo, o nosso principal desafio consiste em sermos capazes de fomentar o desenvolvimento económico baseado no mar sem causar mais danos no ambiente marinho.
Combater a degradação ambiental dos nossos oceanos e dos nossos mares é uma prioridade urgente. Uma coisa é certa: o ambiente marinho nos nossos mares e oceanos continua a deteriorar-se com o incremento da nossa actividade económica. Está exposto à poluição dos solos, ao aumento das emissões dos navios, ao elevado número de turistas, à pesca insustentável e às repercussões negativas das alterações climáticas, designadamente a acidificação dos oceanos. Não é pois surprendente que muitas partes interessadas nos digam que a nossa preocupação principal deve ser a sustentabilidade do nosso ambiente marinho.
E têm razão, claro, na medida em que, em última análise, todas as actividades marítimas dependem da boa saúde dos mares e dos oceanos.
4
Consciente do problema, a Comissão tem dedicado uma parte importante do seu trabalho a esta questão. Propusemos uma série de medidas para proteger o ambiente marinho que serão adoptadas, assim o espero, durante a Presidência portuguesa. Propusemos também um terceiro pacote sobre segurança marítima que também carece do vosso apoio, bem como do apoio dos Estados-Membros.
Estes instrumentos fazem parte integrante da abordagem global que aplicamos à política marítima integrada, tendo em conta que tencionamos actuar activamente junto das instâncias internacionais no sentido de obter uma redução das emissões provocadas pelos navios. Não há tempo a perder. Se não conseguirmos resultados concretos nestas instâncias, a Europa terá de considerar outras vias de actuação.
A política marítima visa também promover a sustentabilidade das pescas. Ainda na semana passada, a Comissão tomou medidas contra as práticas de pesca destrutivas e a pesca pirata: a chamada pesca ilegal, não regulamentada e não declarada. Não se deve subestimar a dimensão do problema da pesca pirata. A nível mundial, representa volumes muito superiores aos do conjunto da pesca legal da União Europeia.
Em matéria de assuntos do mar, de que modo será possível dissociar o crescimento económico da degradação do ambiente marinho?
As respostas não são fáceis. E será necessário intervir em numerosos domínios. Seguramente, o Comissário Joe Borg terá coisas a acrescentar sobre este assunto mais tarde, mas permitam-me que vos diga o seguinte:
Precisamos, antes de mais, de melhorar a forma como abordamos e tomamos decisões em matéria de assuntos do mar e, em segundo lugar, temos de investir mais nas ciências marinhas, na investigação e na tecnologia.
Eu explico: devíamos deixar de fragmentar o processo de tomada de decisão numa série de sectores ultra-compartimentados. Na nossa opinião, todos os assuntos do mar estão interligados, pelo que as nossas políticas sectoriais relacionadas com o mar precisam de ser desenvolvidas de uma forma articulada. Por outras palavras, é preciso instaurar um processo de tomada de decisão coordenado, que permita desenvolver estas políticas no âmbito de um enquadramento geral mais abrangente e mais estratégico. Só assim será possível caminhar para uma gestão mais integrada e, consequentemente, mais inteligente dos nossos assuntos do mar.
A ciência, a investigação e a tecnologia marinhas são cruciais para o desenvolvimento sustentável das actividades marítimas. Graças à investigação científica e à tecnologia, que nos ajudam a desenvolver conhecimentos mais aprofundados sobre o modo de funcionamento dos mares e dos oceanos e sobre o impacto das actividades humanas nos ecossistemas marinhos, poderemos encontrar soluções para dissociar o desenvolvimento das actividades marítimas da degradação do ambiente.
Permitam-me agora dizer uma palavra sobre a dimensão externa da política marítima integrada.
Melhorar a nossa abordagem relativamente aos mares e aos oceanos da Europa e às actividades económicas marítimas implica também uma cooperação intensa com os nossos parceiros internacionais. Essa cooperação implica, por sua vez, uma maior coerência entre todos os instrumentos de que dispomos em matéria de relações externas, tais como a Política de Vizinhança e o diálogo da União com os seus parceiros estratégicos.
5
Não se trata de uma tarefa fácil. No entanto, o objectivo é claro: trata-se não só de assegurar o importante papel que a Europa desempenha já na cena marítima internacional, mas de reforçar também esse papel. Existe neste domínio uma vasta experiência nos Estados-Membros de que a Europa pode tirar partido. Tal como existem, a nível da União Europeia, instrumentos que podem servir os nossos objectivos, como por exemplo, o apoio aos países em desenvolvimento em matéria de reforço das capacidades e de aplicação dos instrumentos internacionais pertinentes.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
A actual política marítima integrada resulta de um esforço comum de todos nós, instituições europeias, Estados-Membros, regiões e restantes partes interessadas.
A Comissão Europeia espera, por conseguinte, poder levar mais longe este trabalho a partir do debate que hoje se realiza e obter conclusões positivas e promissoras no Conselho Europeu de Dezembro. Os Estados-Membros demostraram o seu interesse e empenhamento – a vossa participação nos exercícios de coordenação organizados pelas Presidências finlandesa e alemã, e o apoio da Presidência portuguesa que nos trouxe hoje aqui, são a prova desse empenhamento.
Tratou-se de um processo moroso, mas valeu a pena. Alcançámos um consenso geral e estamos agora preparados para avançar em conjunto para uma verdadeira política marítima integrada.
Deveria ser este o princípio norteador do nosso debate de hoje. Sei que é possível trabalharmos em conjunto, aproveitando o interesse e o empenho demonstrados por todos os intervenientes, e deste modo iniciar efectivamente os trabalhos sobre a política marítima integrada da União Europeia.
Temos a liberdade e a oportunidade de definir, em conjunto, o modo como iremos alcançar os nossos objectivos comuns e que instrumentos iremos desenvolver nesse sentido. E é aqui que entra em jogo o trabalho desenvolvido convosco, hoje e no futuro.
Permitam-me que conclua dizendo-vos que os nossos esforços têm de ser bem sucedidos. Estamos perante uma iniciativa inovadora e transversal que pode ter benefícios reais para os cidadãos. Trata-se de um exemplo concreto da “Europa de resultados”. A política marítima integrada pode claramente tornar-se um objectivo comum para os europeus – desde os responsáveis políticos, que demonstraram um verdadeiro interesse pelo projecto, até aos cidadãos das pequenas comunidades costeiras que existem um pouco por toda a Europa.
Muito obrigado.
Seul le prononcé fait foi 1/8
DISCOURS DE M. LE PRÉSIDENT DE LA RÉPUBLIQUE
Sur la politique maritime de la France
Le Havre – Jeudi 16 juillet 2009 Mesdames et Messieurs les Ministres, Mesdames et Messieurs les parlementaires, Mesdames, Messieurs, Je suis venu aujourd’hui au Havre réparer un oubli historique. L’oubli trop long qu’a fait la France de sa vocation maritime. Comment avons-nous pu oublier que notre pays possède le deuxième territoire maritime mondial derrière les Etats-Unis : 11 millions de km², vingt fois le territoire métropolitain, une superficie supérieure à celle de la Chine ou du Canada tout entier ? Pourquoi avons-nous délaissé si longtemps de grands ports internationaux tels que Le Havre bien sûr, mais aussi Marseille, Bordeaux, Saint-Nazaire, Toulon, Dunkerque… tous idéalement placés pour desservir l’Europe et le monde sur plusieurs façades maritimes ? Comment est-il possible que nous ayons négligé à ce point la diversité et la richesse incomparables de nos espaces maritimes outremer ? Comment oublier plus longtemps encore notre présence stratégique sur les trois océans de la planète, dans les deux hémisphères et jusqu’au pôle sud, sur le continent Antarctique. C’est vrai, la France a beaucoup d’intérêts sur la terre et beaucoup de liens au continent pour se tourner spontanément vers la mer. Il lui faut une volonté politique permanente pour aller vers l’océan, pour y projeter une ambition. Le Havre le sait bien, qui doit sa naissance à la volonté de François Ier et son développement à celle de Richelieu. Je suis venu vous dire que la France devait cesser d’ignorer le formidable destin maritime qui peut être le sien. Dans sa vocation maritime, la France a certainement souffert d’avoir une grande capitale terrestre, continentale, abritée du vent du large, et à l’écart des courants d’échange maritimes. Mais nous pouvons et nous devons faire du Grand Paris une véritable métropole maritime. Pour cela, nous devons tisser un lien nouveau à travers cette magnifique vallée de la Seine, entre une vieille capitale fluviale, Paris, dont le blason ne porte pas une nef par hasard, et ses deux ports traditionnels que sont Rouen et Le Havre. « Paris – Rouen - Le Havre, une seule ville dont la Seine est la grande rue » disait déjà Napoléon Bonaparte en 1802. Au-delà du lien fluvial, il convient d’imaginer à présent un transport rapide, un TGV, qui reliera Paris au Havre par Mantes et Rouen en une heure et quart, et qui profitera également aux deux régions Normandie. Cette liaison à grande vitesse sera l’un des axes majeurs du Grand Paris. Nous l’ajouterons donc, je le dis à Jean-Louis BORLOO, au programme d’investissements ferroviaires du Grenelle de l’Environnement. Nous devons reconstruire une politique et une ambition maritimes pour la France, autour des nouveaux enjeux, ceux d’une planète dont les ressources s’épuisent, ceux aussi d’une planète qui redécouvre ses énergies renouvelables, ceux d’une planète mondialisée qui respire par le commerce
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international. Notre avenir dépend de la mer, en tant que ressource, en tant qu’écosystème et en tant que lieu d’échanges. Et l’avenir de la mer sur notre planète dépend aussi de l’attitude de la France. Je veux donc que notre Nation soit désormais à la hauteur de ses responsabilités et de ses opportunités de très grande puissance maritime, pour les Français d’aujourd’hui, mais aussi pour tous les hommes et toutes les femmes de demain. Là comme sur le climat ou sur la préservation de la biodiversité, nous sommes la dernière génération qui ait la capacité pleine et entière d’agir. Agir, avant qu’il ne soit trop tard. C’est à l’aune de cette responsabilité insigne, que nous serons jugés par nos enfants et par les générations à venir. La France doit tout d’abord s’ouvrir à nouveau sur les mers qui la bordent. Elles lui offrent un accès exceptionnel aux peuples et aux richesses du monde. Dès 2007, un mois après mon entrée en fonctions, j’ai souhaité que notre pays commence par mettre fin au déclin programmé du premier outil de son ouverture maritime : ses ports. Il était insensé qu’avec des ports comme le Havre, le premier port d’Europe du Nord touché par les navires venant du reste du monde, et Marseille, le port le mieux placé de Méditerranée pour accéder au centre de l’Europe, la France perde constamment des parts de marché dans le trafic maritime. Insensé, qu’un pays maritime importe les deux tiers de ses conteneurs par des ports étrangers. Insensé, que le trafic mondial de conteneurs augmente chaque année de 10 % et le trafic français de 1 % seulement. J’ai donc demandé à Dominique BUSSEREAU de travailler, avec Jean-Louis BORLOO, à une réforme en profondeur de l’organisation de nos ports. Jusqu’à présent, le docker qui déplace les boîtes horizontalement n’avait pas le même patron que le grutier qui les déplace verticalement. Je n’ai même pas besoin d’expliquer la désorganisation et les dysfonctionnements qui en résultaient. Le résultat, c’est qu’on déchargeait 4 fois plus de marchandises par mètre de quai à Anvers qu’au Havre, et que les grues étaient deux fois plus utilisées à Anvers qu’à Marseille. De surcroît, la manutention portuaire était privée des capitaux, des technologies, de la compétence industrielle des grands opérateurs qui investissaient dans tous les ports du monde, sauf en France. Je le dis aujourd’hui : cette époque est terminée. La loi du 4 juillet 2008 y a heureusement mis fin. Les grands ports maritimes ont réformé leur gouvernance et ont tous adopté un plan stratégique ambitieux. Les outillages portuaires sont en voie de cession à des opérateurs industriels performants et le commandement sur les quais va être unifié. Un plan d’investissements d’une ampleur inégalée est en cours : 2,4 milliards d’euros d’investissements seront réalisés d’ici 2013, avec un effort de plus de 500 M€ de l’Etat. Nous devons faire les plates-formes multimodales qui sont l’interface mer-fer-fleuve dont nos ports ont besoin. Nous devrons aussi faire, dans les lieux qui s’y prêtent le mieux bien sûr, les terminaux méthaniers qui sont critiques pour la sécurité énergétique européenne, car ils diversifient nos sources d’approvisionnement. L’objectif de cet effort massif pour les ports, je le répète, c’est de doubler la part de marché des ports français dans les conteneurs, pour la porter à 12 % du marché européen. Ce n’est après tout que notre part dans les importations européennes et la même part de marché qu’en 1992. Cela n’a donc rien d’impossible. L’avenir de nos grands ports se joue aussi à terre. Il n’est pas admissible que le Havre n’évacue que 9 % de ses conteneurs par le fer contre 38 % à Hambourg. C’est une absurdité environnementale mais c’est aussi un frein au développement du Havre. Je veux qu’on leur donne des transports massifiés puissants, rapides et réguliers vers les marchés du centre du continent européen. Ce sont des investissements lourds : il faut réaliser une liaison fret nouvelle vers Paris et vers l’Est de la France. C’est vital pour le Havre. Il faut creuser le canal Seine-Nord-Europe – le premier canal en France depuis la seconde guerre mondiale – pour ouvrir la vallée de la Seine et le Grand Paris, vers l’Europe du Nord.
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Mais nous ferons encore plus et plus vite par la qualité de service que par les investissements. Qualité de service des opérateurs de fret ferroviaire, qui doivent se réorganiser pour gagner des parts de marché, à commencer par le plus grand d’entre eux : la SNCF. Qualité de service de Réseau Ferré de France, qui ne doit plus supprimer des sillons fret à la dernière minute sans de lourdes pénalités, qui doit enfin prendre des engagements de qualité crédibles. Dans quel métier du transport supprime-t-on des liaisons sans préavis et sans indemnisation ? Comment s’étonner que le fret ferroviaire décline en France quand ni RFF ni les opérateurs ne sont capables de s’engager sur la fiabilité ? A l’issue du Grenelle de l'Environnement, notre pays s’est donné un objectif central pour guider notre politique de transports durables : porter le transport non routier de 14% des marchandises, où il se trouve aujourd’hui, à 25% d’ici à 2022. L’un des combats clés, je viens de le rappeler, se livrera sur le rail et à la sortie de nos grands ports de commerce. Le transport maritime français devra aussi en prendre toute sa part, en particulier grâce aux autoroutes de la mer, auxquelles il faut donner maintenant une réalité. Une grande réforme et un grand plan d’investissements pour les ports et les transports maritimes, ce sont des choix de priorités et des décisions politiques difficiles. Ce sont des actes qui démontrent qu’une grande ambition maritime est possible. Nous avons agi pour que la France retrouve sa présence sur les océans et son ouverture sur la mer. Et nous allons continuer. Depuis avril dernier, Jean-Louis BORLOO a lancé une démarche que je trouve absolument remarquable, celle du Grenelle de la Mer. Sur la base de la méthode originale du « dialogue à cinq », que nous avons inventée pour le Grenelle de l'Environnement, l’Etat, les collectivités locales, les syndicats, les entreprises et les ONG se sont réunis pour élaborer plus de six cents propositions concrètes en lien avec la mer. Je veux féliciter et saluer l’engagement de tous ceux qui ont participé à cette aventure, à Paris, en région, Outre-Mer. Ces propositions sont d’une extraordinaire richesse. Merci à tous. Vous n’avez pas travaillé en vain. Nous allons nous appuyer sur les travaux du Grenelle de la Mer pour rédiger un « Livre bleu » qui définira la stratégie maritime française. Ce « Livre bleu » sera validé par un comité interministériel de la mer, un CIMER, d’ici à la fin de cette année. Il sera d’ailleurs plus que temps de réunir cette instance : le dernier CIMER s’est tenu le 16 février 2004, il y a déjà plus de cinq ans. Certes, ce ne sont pas les organes qui font les bonnes politiques, sans quoi, en France, avec tous les organismes administratifs que nous avons, nous aurions assurément les meilleurs politiques du monde. Mais la gouvernance d’un sujet aussi vaste et décisif que celui de la mer est de première importance. Il faudra, d’ailleurs, réfléchir, sans créer pour autant une structure nouvelle, à instituer un suivi permanent de cette stratégie maritime que nous allons arrêter, en association avec tous ceux qui ont contribué à la réussite du Grenelle de la Mer. Cette instance pourra aussi poursuivre la réflexion sur certains points et sur certains espaces complexes et fragiles, comme le littoral, cette « délicate rencontre de la terre et de la mer », ainsi que le Grenelle de la Mer l’a qualifié très justement. D’ici à 2020, 70% de la population mondiale vivra dans une bande de 100 kilomètres le long des mers. Sans une réflexion globale sur nos zones côtières, du sommet des montagnes et depuis la source des fleuves, l’attraction puissante qu’exercent les littoraux sur l’humanité conduira demain à une catastrophe écologique majeure. Je voudrais vous livrer d’ores et déjà quelques orientations qui m’apparaissent stratégiques pour la politique maritime de notre pays, dans les décennies à venir. Dans un monde en quête perpétuelle pour sa subsistance alimentaire, pour son approvisionnement énergétique, pour sa fourniture en matières premières, la mer concentre l’attention des hommes, sinon leur convoitise. Dans la logique d’hier, tout ce qui était protégé de toute exploitation ou sanctuarisé, était forcément retiré, soustrait aux hommes. Le développement durable auquel je crois, c’est
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l’inversion de cette logique folle, qui laisse finalement le choix entre la décroissance et le pillage des ressources. Je refuse l’un et l’autre, avec la même force. C’est aussi ce que je retiens du Grenelle de la Mer : non pas de protéger pour protéger, non pas d’exploiter sans borne ni mesure, sans souci du lendemain, mais protéger les ressources naturelles de la mer pour mieux les exploiter de manière durable. C’est la 1ère orientation stratégique que je veux retenir. C’est particulièrement vrai des ressources naturelles vivantes de nos océans. Là plus qu’ailleurs, le choix n’est pas aujourd’hui celui de pêcher ou de protéger, mais toujours de protéger pour mieux pêcher. Le compromis historique que je souhaite aujourd’hui sur l’exploitation des ressources halieutiques, ce n’est pas l’association bancale de deux demi-mesures : on pêche un peu moins et on protège à peine mieux la ressource. Car alors on mécontente tout le monde, sans rien régler pour l’avenir. La vérité, nous la devons aussi bien aux gens de mer d’aujourd’hui, qu’aux générations de demain. Je veux défendre une pêche responsable et de haute qualité dans notre pays. C’est le sens du combat que j’ai mené avec le gouvernement dès 2007 en réponse à la flambée des prix du pétrole. En janvier 2008, j’ai annoncé la mise en place d’un plan pour une pêche durable et responsable pour ce secteur. Aujourd’hui, les engagements que j’avais pris au Guilvinec ont été tenus. Avant la fin de cette année, 300M€ auront été consacrés en deux ans au financement d’une pêche pour optimiser la gestion de la ressource halieutique, pour renforcer l'attractivité du secteur de la pêche et favoriser l’installation de jeunes marins, pour favoriser un développement économique durable de la pêche française, et renforcer la sécurité des pêcheurs. Cet effort financier au service d’une pêche durable est sans précédent. Je veux une pêche qui fasse vivre dignement les hommes qui la pratiquent. Une pêche qui continue de procurer demain des emplois aux enfants des pêcheurs d’aujourd’hui. Une pêche qui ne soit pas une nostalgie ou une relique du passé. Une pêche qui ne soit plus le métier le plus dangereux du monde, en payant le tribut d’un mort pour mille marins. Le monde de la pêche offre, chaque jour, les plus merveilleux exemples de la solidarité, du courage et du travail humain. Les valeurs de ces hommes continueront longtemps d’inspirer le respect, bien au-delà des ports, du littoral et de nos côtes. Car chacun sait la force et le caractère qu’il faut pour quitter sa famille et s’embarquer à 4h du matin. Je n’accepterai jamais que la pêche disparaisse dans notre pays. C’est précisément pour cette raison qu’il nous faut toujours refuser de laisser disparaître les ressources naturelles de la mer. Je veux saisir le compromis qui a pu se dégager du Grenelle de la Mer. La France protège aujourd’hui moins de 1% de son espace maritime. D’ici à 2012, j’entends que les aires marines protégées s’étendent jusqu’à représenter 10% de ce territoire. D’ici à 2020, ces aires marines protégées devront atteindre 20% des 11 millions de km² de mers placés sous la souveraineté de la France. Et j’escompte que la moitié de cette étendue soit constituée sous la forme de réserves et de cantonnements de pêche à définir avec les pêcheurs, les scientifiques et les acteurs locaux. C’est là que sera préservée la biodiversité marine. C’est là que pourront se reconstituer les ressources qui permettront demain à la pêche de se perpétuer dans notre pays. En 2020, le réseau des aires marines protégera donc plus de 2 millions de km² d’océans et de mers sous souveraineté française. Ce réseau de protection s’étendra aussi bien le long de ses côtes de métropole notamment en Méditerranée, qu’à travers tout l’outremer français : des Antilles, à la Nouvelle Calédonie et à la Polynésie. Ce réseau complétera en mer, la trame verte et bleue créée par le Grenelle de l'Environnement sur la terre, sans oublier la « trame bleue marine », si chère à Isabelle AUTISSIER. Ce que nous allons faire avec cet objectif en matière de protection marine, aucun autre Etat dans le monde ne l’a jamais fait. Cet exemple que la France va donner, ouvrira la voie à un mouvement sans précédent de préservation des océans, de reconstitution des ressources halieutiques et de sauvegarde de tous ceux qui vivent et dépendent chaque jour de la fertilité des mers.
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Des demandes de moratoires ont été exprimées au cours du Grenelle de la Mer, au nom du principe de précaution. C’est vrai, nous connaissons encore trop peu et trop mal la vie que recèlent les océans de la planète. Il est vrai aussi que les indices d’un épuisement des réserves naturelles marines s’accumulent. Enfin, il est vrai que les menaces concernant l’existence de certaines espèces comme le thon rouge ne peuvent plus être ignorées. Le principe de précaution, en l’occurrence, nous dicte surtout de renforcer très rapidement la connaissance scientifique des fonds, l’exploration des mondes marins, l’évaluation des stocks et la compréhension des écosystèmes. Le principe de précaution, c’est de renforcer puissamment notre expertise scientifique sur l’état des ressources naturelles marines. Nous y consacrerons les moyens nécessaires, j’en prends ici l’engagement le plus solennel. Je souhaite que notre pays renoue avec une grande politique océanographique, en s’appuyant bien entendu sur le réseau des compétences françaises dans les sciences de la mer, mais sans jamais négliger les initiatives nouvelles, telles que par exemple la constitution d’une station océanique internationale baptisée Sea Orbiter. Mais je veux aller plus loin : s’il faut mieux connaître, c’est pour mieux gérer. Le temps est venu, je crois, de fonder la totalité de nos décisions publiques de gestion des ressources marines sur la base d’avis scientifiques fiables, indépendants et partagés. Je demande donc au Ministre de l’Alimentation, de l’Agriculture et de la Pêche, cher Bruno LEMAIRE, d’engager les prochaines négociations européennes sur la réforme de la politique commune de la pêche dans le respect des avis scientifiques rendus. Voilà une rupture fondamentale que je vous propose à tous pour les années à venir. L’un des premiers points d’application de cette méthode sera le soutien de la France à l’inscription du thon rouge à l’annexe de la convention international sur les espèces sauvages, pour en interdire le commerce. Je me réjouis que le Grenelle de la Mer ait permis d’avancer vers la protection de cette espèce emblématique de la Méditerranée, demandée si longtemps par les scientifiques. Vous le comprenez, je souhaite que nous agissions toujours pour une exploitation raisonnée et écologiquement responsable des ressources marines, y compris les matières premières minérales. La mer peut recéler des gisements considérables de matières premières qui sont une richesse que notre pays ne peut pas négliger en une époque de rareté. Mais la prospection et l’exploitation de ces ressources minérales marines devra toujours s’inscrire rigoureusement dans le cadre du développement durable, ou elle ne se fera pas. Enfin et surtout, la mer peut également être une source d’énergies nouvelles entièrement renouvelables. Je crois, pour ma part, énormément au potentiel prodigieux des énergies marines. Depuis l’usine marémotrice de la Rance, la France possède une longue expérience, sans équivalent au monde, de ce qu’il faut faire, et aussi de ce qu’il ne faut pas faire sur le plan écologique. M’exprimant sur le défi des énergies renouvelables, le 9 juin dernier, j’ai pris l’engagement d’une parité des efforts de recherche entre le nucléaire et les énergies renouvelables. Cela revient à renforcer de près de 200 M€ par an les moyens de la R&D sur les énergies renouvelables, au premier rang desquelles figurent les énergies marines. Nous devons en particulier tout miser sur les technologies émergentes, les technologies de rupture, où la France pourra faire la différence. Je pense aux éoliennes off shore et notamment aux éoliennes flottantes qui permettront d’aller chercher le vent loin des côtes, là où il est le plus fort, sans perturber les activités côtières. Je pense à l’énergie de la houle et des courants. Je pense à l’énergie thermique des mers, si bien adaptée à nos vastes eaux tropicales et équatoriales d’outremer. Je pense aussi à la biomasse marine. L’effort d’équipement de la France en énergies marines doit enfin décoller. Le projet de loi d’application du Grenelle en cours d’examen au Parlement apportera des simplifications essentielles pour l’installation des équipements. Il faudra que tous se mobilisent pour réaliser cet investissement majeur, plus de 6000 MW, l’équivalent de 4 EPR. Je souhaite que d’ici le début de l’année prochaine
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une planification stratégique ait défini les zones de déploiement, afin de sécuriser les projets et de faciliter le raccordement au réseau. Nous devons appuyer cette stratégie d’équipement en énergies renouvelables, issue du Grenelle de l’environnement, sur une véritable politique industrielle, pour développer à partir de nos besoins nationaux des filières performantes qui exporteront ensuite nos technologies dans le monde entier. Je sais que les entreprises françaises sont prêtes et mobilisées sur ce sujet. Voilà pourquoi je souhaite qu’une grande plate-forme technologique soit mise en place sur les énergies marines, avec pour chef de file l’IFREMER. Dans un lieu à déterminer, que j’imagine dans une région littorale, il s’agira de concentrer les moyens de recherche publics et privés, et de valoriser l’innovation au profit des entreprises françaises, les grandes comme les petites. J’attends que cette plateforme technologique unique, qui peut être la première sur le plan mondial, soit constituée d’ici à la fin de cette année. La deuxième orientation stratégique à laquelle je tiens, c’est le développement d’une politique industrielle intégrée des métiers de la mer. Les activités maritimes, de la construction navale à la navigation elle-même, en passant par l’exploitation portuaire ou la déconstruction des navires en fin de vie, constituent des gisements d’emplois qu’il nous faut non seulement préserver mais mettre à profit. Nous avons en France deux grands constructeurs navals, les Chantiers de l’Atlantique et DCNS, et nous avons les leaders mondiaux des navires de plaisance. C’est un patrimoine de compétences considérable, aujourd’hui menacé par la violence de la crise économique. Depuis 2004, je me suis employé à préserver cet outil industriel incomparable que représentent les Chantiers de l’Atlantique. Je mettrai demain la même énergie à mobiliser l’ensemble des acteurs navals de notre pays autour d’un programme industriel ambitieux de conception et de construction des navires du futur plus sûrs et plus économes. Dans un contexte de prix durablement élevés de l’énergie, de forte pression à la réduction des émissions de CO2 et de limitation très stricte de tous les impacts sur l’environnement, la marine marchande du monde entier va devoir profondément s’adapter. Il y a là une position concurrentielle stratégique à conquérir pour nos industriels. C’est aussi le rôle de l’Etat de créer les conditions du succès d’une telle entreprise. Je crois enfin que la France ne pourra rester une puissance maritime sans les gens de mer, sans ces hommes et femmes courageux qui ont la passion de la mer et en font leur métier. Pêcheurs, marins de commerce ou de combat, douaniers, capitaines, pilotes, mécaniciens, océanographes, nous avons besoin de vous, nous avons besoin de votre engagement, de vos compétences, de votre amour de la mer. Pour garder ces vocations, nous devons continuer à former aux métiers de la mer et élever toujours le niveau des qualifications. Est-il fatal que notre pays continue de disperser et de cloisonner son effort de formation aux métiers maritimes au travers de quatre écoles de la marine marchande et d’une école des Affaires maritimes ? Ma conviction, c’est que la France doit avoir une école supérieure de formation maritime, qui donnera accès à un diplôme de haut niveau, un diplôme d’ingénieur de la mer qui n’existe pas à présent, et qui valorisera ces spécialités difficiles et si nécessaires. Enfin, face aux menaces multiples qui planent sur les mers, et pour organiser, en toute sécurité, la présence des hommes sur les océans et les mers du globe, la présence forte des Etats en mer est plus nécessaire que jamais. Ma troisième orientation stratégique sera donc de renforcer résolument l’action de l’Etat en mer. Il est peu d’endroits où sa présence est plus indispensable. Le cadre actuel de l’action de l’Etat en mer remonte aux lendemains de la catastrophe de l’Amoco-Cadiz en 1978. Il reste, je crois, bien adapté au temps de crise et aux missions de sauvetage. Pourtant, la coopération entre la Marine nationale, les Douanes, la Gendarmerie et les Affaires maritimes, qui
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interviennent toutes en mer, pourrait être fortement améliorée pour mieux assumer des missions qui montent aujourd’hui en puissance : la lutte contre les pollutions, le combat contre la pêche illégale, la sécurité du transport maritime, la lutte contre l’immigration clandestine outremer et contre les narcotrafics. En venant ici, Monsieur le Préfet maritime, j’ai constaté que vous disposiez, pour la Manche et la Mer du Nord, de 27 navires de tous types issus de 5 services différents de l’Etat, sans compter la cinquantaine de canots de la SNSM. J’ai noté aussi que le dernier arrêté interministériel définissant les missions de l’Etat en mer, en recensait pas moins de 41. Je souhaite que nous franchissions une nouvelle étape de renforcement de l’action de l’Etat en mer, en créant une fonction « garde-côtes » pour organiser la mutualisation des moyens humains et matériels de toutes les administrations de l’Etat intervenant sur la mer et le littoral, autour de priorités clairement identifiées, sous l’autorité des Préfets maritimes en métropole et des préfets de zone de défense Outre-Mer. Entendons-nous bien, il ne s’agit pas ici d’engager la fusion de ces différentes administrations. Chacune possède sa spécificité et son savoir-faire. Mais ce qui a fonctionné, dans le domaine de la sécurité intérieure pour les GIR, où il s’agissait aussi de faire travailler ensemble des administrations qui jusque là s’ignoraient, doit pouvoir être organisé dans cet espace si spécifique et si exigeant qu’est la mer. Les moyens navals et aériens sont des équipements indispensables mais terriblement coûteux pour le contribuable. En mutualisant les moyens matériels et les hommes, nous nous donnerons les marges pour renforcer au total l’effort de l’Etat sur la surveillance du littoral et des mers, dans la profondeur. Certaines missions réclament, à l’évidence, un investissement accru. Je souhaite tout d’abord que la lutte contre les pollutions devienne une priorité absolue pour la fonction « garde-côtes » qui verra le jour. La France parce qu’elle se trouve au bord de routes maritimes les plus fréquentées au monde, est davantage menacée par le risque de catastrophe écologique et de dégazages sauvages. L’histoire nous l’a hélas enseigné à plusieurs reprises. Sous la Présidence française de l'Union européenne, nous avons obtenu l’adoption du paquet dit « Erika III » qui renforce les exigences de sécurité et de responsabilité à l’égard des armateurs, mais aussi des Etats qui accordent leur pavillon. Pour compléter ce dispositif, j’entends que notre pays prenne une initiative nouvelle à l’égard de ceux que le Président Jacques CHIRAC avait qualifiés très justement de « voyous des mers ». Ainsi que le Grenelle de la Mer l’a proposé, je souhaite que nous développions la recherche sur les techniques de marquage des hydrocarbures qui permettraient d’en finir avec l’impunité des pollueurs. Je souhaite, par ailleurs, que la future « fonction garde-côtes » se donne pour objectif de lutter plus activement contre la pêche illégale, sur mer et à l’arrivée des produits à terre. Le contrôle du respect des règles des pêches est une question de crédibilité internationale de notre pays. C’est aussi et avant tout, je le comprends, une véritable question de confiance tant pour les pêcheurs que les défenseurs de la nature. Lorsque les règles sont rigoureuses pour tous, il est moins admissible encore que certains parviennent à s’en exonérer. Il n’y aura aucune faiblesse à l’égard de la pêche illégale qui écume nos océans. Pour toutes ces raisons, la France doit étendre sa maîtrise des espaces maritimes en repoussant les limites de la connaissance et de la surveillance maritime bien au-delà de nos côtes et de nos eaux territoriales. Pour ce faire, je demande que notre pays développe une politique ambitieuse de partage ouvert et sécurisé de l’information, en particulier avec nos partenaires européens, comme je m’y suis employé lors de la présidence française de l’Union Européenne. La mise en œuvre de notre ambition maritime nécessite finalement des actions à tous les niveaux. L'Union pour la Méditerranée, lancée il y a un peu plus d'un an, est l’enceinte régionale pertinente pour traiter de l’un des sujets les plus forts en matière de biodiversité marine : la Méditerranée. Nous
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voulons en faire la Mer la plus propre de la planète, nous voulons protéger ses fonds marins, nous voulons y développer les autoroutes de la mer et nous voulons renforcer la sécurité maritime. Le 25 juin dernier, la réunion ministérielle de l’UPM a permis d’identifier plus de 100 projets permettant de réduire la pollution en Méditerranée. A l’instar de ce que nous ferons avec le « Livre bleu » de la stratégie maritime française, c’est une stratégie maritime méditerranéenne intégrée qu’il faut à présent définir. Pour avancer sur cette voie, la France appellera à la réunion des ministres en charges des affaires maritimes de l'UPM dès 2010. Plus largement, les océans sont l’exemple même d’un bien commun à l’humanité, que nous ne pourrons gérer durablement que dans un cadre mondial renforcé. La haute mer est un espace de liberté, mais ne peut être une zone de non-droit. La liberté de la haute mer ne justifie ni la piraterie, ni les navires poubelles, ni la pêche illégale. La présence de la France dans les instances maritimes internationales doit être désormais à la hauteur de ses responsabilités et de son domaine maritime, plutôt que d’abandonner le débat et la décision aux seuls défenseurs des pavillons de complaisance et de la dérégulation systématique. Je souhaite ainsi que la France ait, enfin, un ambassadeur à l’Organisation maritime internationale. Il est tout de même étonnant que l’OMI soit la seule organisation internationale où nous n’en n’ayons aucun. La première mission que je lui assignerai, sera de poser la question de l’institution d’une police des eaux internationales destinée à garantir le respect des règles essentielles à la préservation de ce patrimoine universel que sont les océans. « Homme libre, toujours tu chériras la mer ! La mer est ton miroir, tu contemples ton âme ». Charles Baudelaire l’avait bien compris, la mer nous replace toujours face à nos contradictions, face à notre conscience, face à nos responsabilités. Ma responsabilité aujourd’hui, c’est de renouer les fils d’une histoire riche, tumultueuse et millénaire entre la France et les océans. Tracer l’avenir de la France à travers une grande politique de mer, en même temps que préserver l’avenir des mers de la planète. Voilà bien l’enjeu fondamental de la nouvelle stratégie maritime que je veux pour notre pays. J’aurai besoin de chacun d’entre vous pour l’affirmer et pour la mettre en œuvre.
RESUMO DOS OBJECTIVOS ESTRATÉGICOS DO RELATÓRIO DA COMISSÃO ESTRATÉGICA DOS OCEANOS1 OBJECTIVO ESTRATÉGICO
VECTORES ESTRATÉGICOS
RECOMENDAÇÕES E PROPOSTAS
Valorizar a associação de Portugal ao oceano como factor de identidade
Divulgar a imagem de Portugal como nação oceânica da Europa
1. Adoptar, interiorizar e divulgar a visão e missão em que assenta a presente Estratégia Nacional para o Oceano;
2. Desenvolver e implementar um programa de branding Portugal, assegurado por um documento de posicionamento estratégico; por um manual da marca e sua simbologia; e por uma estrutura de meios habilitada a gerir a implementação desse Programa;
3. Desenvolver programas e marcas específicas de turismo e de desporto oceânicos, que permitam o crescimento sustentável das actividades marítimo-turísticas; da náutica de recreio; da vela; do surf; do mergulho e da pesca amadores; do whalewatching e de actividades conexas;
4. Organizar e promover iniciativas e eventos internacionais relacionadas com o debate e a agenda internacional dos oceanos;
5. Criar condições políticas, fiscais, de infra-estruturas e equipamentos que permitam dinamizar e atrair para Portugal pólos de desenvolvimento científico e tecnológico ligados ao conhecimento dos oceanos; centros de cultura e de pesquisa; universidades; organizações intergovernamentais regionais e internacionais; eventos desportivos; e, de um modo geral,
1 Comissão Estratégica dos Oceanos, O Oceano Um Desígnio Nacional para o Século XXI; 2004. A razão por que fazemos este resumo do Relatório prende-se com o facto de não ser fácil encontrar exemplares deste documento, nem na Internet nem em edição impressa.
investimentos e capitais relacionados com a área do oceano;
Difundir uma ética de protecção ambiental e promover a consciencialização da condição geográfica de Portugal e da sua relação com o mar
1. Transmitir a visão e a missão da Estratégia Nacional para o Oceano aos portugueses, assegurando a sua inculcação a todos os níveis e em todas as gerações;
2. Adoptar uma estratégia de comunicação que valorize o oceano nas suas diversas facetas (desporto, lazer e tempos livros, ambiente...)
3. Promover junto dos estudantes portugueses, no plano da acção educativa e formativa, a ideia da ligação de Portugal ao oceano, nomeadamente através do relançamento de um projecto educacional e pedagógico como foi o da Expo’98;
4. Consciencializar os cidadãos portugueses, através de acções nos domínios educativos, cultural e formativo, etc., da importância da protecção do oceano, incluindo as zonas costeiras, no âmbito do desenvolvimento sustentável;
5. Promover, em articulação com ONG de ambiente, a elaboração de programas de educação ambiental e sensibilização do público para os valores da preservação e protecção ambiental, da biodiversidade e da sua sustentabilidade;
6. Reforçar os meios informativos sobre a conservação da natureza e da biodiversidade marinha, nomeadamente produzindo e actualizando material didáctico, vídeos e publicações, e recorrendo às novas tecnologias da informação, criando e aperfeiçoando sites na internet;
7. Promover campanhas de
informação dos consumidores para as implicações de certas atitudes e actos de consumo no património natural costeiro e marinho;
8. Apoiar iniciativas das ONG e da sociedade civil destinadas a promover a informação e a sensibilização do público, no domínio da conservação da natureza e da biodiversidade marinha;
9. Desenvolver a articulação com os museus de história natural, museus do mar, aquários, oceanários e jardins zoológicos, por forma a valorizar o seu papel como veículos de sensibilização do público para o valor do património natural costeiro e marinho;
10. Adoptar uma política desportiva para o sector do desporto náutico que o promova, nos termos supra mencionados, nomeadamente dando mais atenção e canalizando mais recursos para os clubes e associações de desportos náuticos, ligando-os à escola e ao ensino, alargando a base dos nossos praticantes e almejando a selecção dos melhores atletas para dinamizar a alta competição;
Preservar o vasto património marítimo-cultural de Portugal
1. Consciencializar e reconhecer a importância estratégica – não apenas no plano da cultura, mas no plano político e económico – do património marítimo-cultural nacional, enquanto património significativo à escala mundial, através da formulação de uma política que vise a preservação, valorização e divulgação desse património;
2. Sensibilizar a Administração Pública, os agentes económicos e a sociedade civil para o factor qualificador, multiplicador e identitário
do património marítimo-cultural, em termos de investimento, desenvolvimento e divulgação;
3. Promover uma rede de cultura do Oceano como projecto aberto à participação de todos quantos se identifiquem com a necessidade de preservar e valorizar o nosso património marítimo-cultural;
4. Incentivar à participação, na vertente comunitária local dessa rede, de municípios, universidades e escolas, administrações portuárias, organizações económicas e sociais, empresas e órgãos de comunicação social, associações cívicas e cidadãos, em projectos de cooperação na divulgação, preservação e valorização do património marítimo-cultural;
5. Promover, no contexto dos incentivos ao desenvolvimento da Sociedade da Informação, um veículo de comunicação digital que sirva de base a um sistema de comunicação da rede nacional de cultura do Oceano, v.g. Portal do Oceano;
6. Compreender e reconhecer a importância estratégica, para a afirmação nacional na comunidade internacional, do património cultural subaquático, em especial daquele que se encontra em áreas sob jurisdição de países terceiros, através da formulação de uma política que vise a preservação e valorização desse património;
7. Desenvolver um quadro normativo (em particular tendo em conta a Convenção da UNESCO sobre Património Cultural Subaquático), económico, científico e diplomático
favorável à preservação e à valorização do património cultural subaquático português, em todos os quadrantes geográficos;
8. Envolver a sociedade civil – em particular reputadas entidades culturais – na acção de preservação e valorização do património cultural subaquático;
9. Promover um trabalho de preservação e de divulgação do património cultural marítimo pelas diversas instituições museológicas de abrangência nacional – rede nacional de museus – e por instituições museológicas locais, devendo ainda ser pensada uma instituição museológica específica para o património cultural marítimo (incluindo o património cultural subaquático);
10. Adoptar medidas de preservação, recuperação e valorização do património marítimo-cultural arquitectónico, nos termos supra indicados;
11. Divulgar a realidade marítima pelas comunidades ribeirinhas em parceria com escolas, universidades e instituições nacionais, com produção de instrumentos essenciais a essa divulgação (guias ambientais, atlas, cartas geológicas simplificadas e cartas náuticas);
12. Sensibilizar o sector da pesca e as respectivas entidades tutelares para a necessidade de integrar quaisquer projectos de reafirmação identitária e patrimonial das comunidades piscatórias em acções mais amplas de desenvolvimento e viabilização das actividades da pesca e de reinserção das respectivas comunidades;
13. Aprofundar os laços com todas as comunidades
portuguesas estabelecidas no estrangeiro, descendentes de portugueses ou filiadas na herança cultural portuguesa;
14. Promover e participar no Arco Europeu de Comunidades Atlânticas, enquanto elemento componente de uma Europa Marítimo-Atlântica;
15. Coordenar com os ministérios que têm a tutela da Educação, da Cultura e da Ciência as actividades nesta área, em termos especialmente da sua divulgação nas escolas;
16. Promover a participação das universidades no processo de patrimonialização marítima, nos âmbitos nacional e internacional;
17. Divulgar e debater grandes temas da realidade marítima nacional e europeia pelas universidades, instituições públicas e ONG;
Valorizar o posicionamento geo-estratégico de Portugal como Nação oceânica
1. Desenvolver uma política de valorização estratégica com base nas infra-estruturas e na actividade portuária, tendo em vista a internacionalização dos portos nacionais;
2. Apoiar, em particular, o projecto de internacionalização do porto de Sines, especificamente no transhipment de contentores, pela sua componente estruturante no desenvolvimento dos portos e dos transportes marítimos nacionais;
3. Promover uma política de desenvolvimento da frota de navios de comércio, como factor estratégico de valorização do know how nacional na área do shipping;
4. Perspectivar a criação e o desenvolvimento de actividades económicas
centradas nas novas tecnologias aplicadas à exploração do Oceano, nomeadamente a biotecnologia e os robots de investigação e de intervenção;
5. Equacionar e adoptar outras políticas e medidas que permitam tirar partido da nossa localização, para efeitos da prestação de serviços marítimos;
6. Adoptar, como vector prioritário da nossa política externa multilateral, uma política que conceptualize e institua a tomada de acções diplomáticas coordenadas nos assuntos dos Oceanos, com vista a permitir a Portugal ocupar um lugar de destaque na discussão e processo de decisão internacional dos oceanos e mares;
7. Potenciar as relações privilegiadas que Portugal detém com os países de língua oficial portuguesa na área atlântica, no âmbito da CPLP e da Comunidade Ibero-Americana, como fora propiciadores de uma cooperação reforçada com os países do Atlântico Sul;
8. Reforçar o nosso perfil no espaço Atlântico, através de uma participação activa nas relações externas e nas políticas de cooperação da UE com Estados terceiros desta área geográfica: nos processos das cimeiras UE/América Latina, UE/África, Acordos de Cotonou, Acordo UE/Mercosul;
9. Participar intersectorialmente e criar condições efectivas de envolvimento através de institutos e outros organismos do Estado pertinentes nas parcerias público-privadas internacionais que incidam sobre Oceanos e zonas costeiras;
10. Promover, dinamizar e
organizar maior envolvimento do sector privado nas actividades de cooperação direccionadas para o espaço atlântico; estabelecer parcerias com o sector privado, universidades e outras instituições para os fins em vista;
11. Desenvolver a cooperação bilateral na área das actividades marítimas, da requisição e transmissão de conhecimentos e de tecnologia com países do Atlântico Sul e, nomeadamente, com países com quem tradicionalmente não temos mantido uma relação directa muito estreita;
12. Aproveitar de modo integrado, neste nível regional, os programas existentes em quase todas as organizações internacionais com incidência nos Oceanos: direccionados a África e às zonas costeiras; programa dos mares regionais da UNEP, do GEF, da IMO, etc.
13. Utilizar a nossa rede diplomática ao serviço dos objectivos e acções supra mencionados;
14. Manter uma política de defesa que assegure “a continuidade de Portugal enquanto país europeu, de centralidade atlântica e vocação universalista” baseada prioritariamente no poder naval e aéreo, com vista a garantir a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e segurança das populações contra as ameaças tradicionais, militares ou outras, e contra as novas ameaças de terror inovativo e de origem difusa;
15. Explorar cabalmente a nossa singular localização geográfica de encruzilhada oceânica para prossecução
de interesses nacionais, valorizando, nomeadamente, a nossa participação na NATO e na UE;
16. Consolidar a nossa posição no Atlântico através da manutenção de um Comando NATO no nosso território, e da valorização da componente do sistema de forças nacional de emprego oceânico;
17. Valorizar os nossos mares de jurisdição e de soberania fiscalizando-os e controlando-os de forma integrada e promovendo a possível extensão da plataforma continental por proposta atempada às Nações Unidas;
18. Aproveitar a dimensão mediterrânica da nossa política externa (relações com o Magrebe, incluindo cooperação ao nível de segurança e defesa), da política euro-mediterrânica da UE (Processo de Barcelona) e do diálogo mediterrânico da NATO, tendo em vista a consolidação de uma zona de estabilidade, liberdade e prosperidade na região;
Assegurar o conhecimento e a protecção do Oceano
1. Adoptar uma gestão integrada do Oceano, incluindo as zonas costeiras
1. Estabelecer um novo modelo de governo dos assuntos do Oceano que seja suporte e promotor de um sistema de gestão integrada do Oceano;
2. Definir bases gerais para uma gestão integrada;
3. Estabelecer um sistema apropriado à: troca de informação para registo, classificação e difusão de programas e projectos de desenvolvimento de actividades económicas; comunicação de situações ou actividades com impacto na conservação e uso sustentável do Oceano; troca de informação e de dados de investigação;
4. Identificar e reforçar os factores inerentes à
conservação e uso sustentável do Oceano e das zonas costeiras, designadamente factores relativos à segurança marítima, à prevenção da poluição marinha e à protecção da biodiversidade;
5. Identificar unidades geográficas que permitam estabelecer estruturas de subsistemas regionais de gestão integrada;
6. Fazer levantamento e caracterização completa das actividades humanas (marítimas e terrestres) com impactos na conservação e uso sustentável do Oceano, avaliar esses impactos e os seus contributos para o quadro de emprego nacional;
7. Aprofundar o conhecimento sobre os componentes do património natural e da biodiversidade ameaçados de extinção ou menos conhecidos, inventariar a sua distribuição e identificar as medidas adequadas de salvaguarda, gestão, recuperação ou valorização dos mesmos.
8. Constituir uma Rede de Áreas Protegidas Marinhas e elaborar Planos de Gestão das Zonas Estuarinas e reforçar os mecanismos de fiscalização articulada dessas áreas;
9. Criar e aperfeiçoar mecanismos de articulação efectiva entre a Administração Pública e entre esta e os demais stakeholders, no âmbito do estudo, planeamento, decisão e implementação de decisões tomadas com vista a uma gestão integrada;
10. Promover actividades económicas sustentáveis, no quadro da gestão integrada e da Estratégia Nacional para o Oceano;
11. Identificar e constituir Áreas de Interesse Cultural
Marítimo, potencial ou reconhecido, nomeadamente para protecção e salvaguarda da herança cultural subaquática;
2. Estabelecer um sistema de apoio à decisão orientado à protecção, uso e desenvolvimento sustentáveis do Oceano e seus recursos
1. Analisar o quadro institucional vigente para identificação dos centros de decisão e espectro de atribuições e competências, aperfeiçoando os instrumentos de gestão;
2. Desenvolver projectos-piloto de implementação do conceito de gestão integrada, inicialmente a título de validação de modelo, precedendo a sua posterior expansão a áreas alargadas;
3. Estimular a criação de cooperação intersectorial em todos os sectores ligados ao Oceano;
4. Criar grupos de investigação interdisciplinar aplicada (que incluam especialistas em ciências naturais e em ciências sociais) com o objectivo de, através do estudo de áreas-piloto, validar e aperfeiçoar o sistema de decisão da gestão integrada;
5. Aperfeiçoar a utilização dos instrumentos de ordenamento e gestão do território, no quadro da gestão integrada e da Estratégia Nacional do Oceano;
6. Desenhar um processo de decisão relativo ao desenvolvimento e enquadramento, em bases sustentáveis, de actividades económicas relacionadas com as áreas oceânicas;
Promover um quadro coerente de formação e investigação científica e tecnológica na área do Oceano
1. Estabelecer, no âmbito da gestão integrada do Oceano, um conjunto ordenado de áreas prioritárias e competências inerentes, nomeadamente em termos de investigação científica e tecnológica, de acordo com as políticas de conservação do meio
marinho e de desenvolvimento sustentável de actividades económicas;
2. Ajustar o sistema de formação e de investigação, por forma a reflectir as necessidades decorrentes da gestão integrada, com particular ênfase nas áreas interdisciplinares, tendo em conta a Declaração de Bolonha, e através do qual se promova a interacção académica nas áreas relevantes;
3. Dinamizar parcerias entre as universidades, os demais centros de investigação e os agentes económicos que assegurem a oportunidade e actualidade dos programas e projectos de investigação, especialmente a aplicada, e promovam o acesso e a integração de recursos humanos com elevados graus de conhecimento nos sectores económicos.
4. Criar um sistema integrado de recolha de dados, gestão da informação e do conhecimento, e monitorização do Oceano, incluindo as zonas costeiras
1. Definir a natureza de um sistema nacional de informação e o respectivo plano de desenvolvimento, incluindo nomeadamente as bases para a cooperação entre as partes interessadas;
2. Criar um Atlas Nacional de Dados acessível à comunidade científica, onde conste a informação relevante para a gestão integrada do Oceano, designadamente informação ambiental, biológica, geológica, económica, social e cultural;
3. Desenvolver formas de utilização deste Atlas Nacional de Dados, em tempo real se necessário, em actividades conduzidas no Oceano, incluindo actividades de fiscalização;
4. Desenvolver um projecto-piloto que permita a validação dos conceitos adoptados e desenvolvidos em matéria de dados e informação sobre o
Oceano; 5. Definir um quadro de
financiamento adequado (onde, além de investimentos públicos, se admitam investimentos privados e derivados do mecenato) que possibilite o desenvolvimento de bases de dados e de informação, ligadas em rede, necessárias à gestão integrada do Oceano;
3. Promover o desenvolvimento sustentável de actividades económicas, através da implementação de políticas e medidas de desenvolvimento económico sectorial
1. Portos e transportes marítimos Medidas a nível estratégico e de infra-estrutura: 1. A história mostra-nos que o ciclo de vida de alguns portos, ou de algumas das suas valências, pode ser de duração limitada (...). Considera-se necessário analisar o sistema portuário nacional no seu conjunto, reavaliando, em função do interesse geral do desenvolvimento económico sustentável se se justifica manter determinadas valências e áreas de expansão portuárias em certos portos. (...)
2. Prosseguir, com base numa análise de conjunto do sistema, os investimentos portuários estruturantes, designadamente das acessibilidades ferroviárias e das plataformas logísticas e inter-modais, associadas aos principais portos;
3. Promover o desenvolvimento do transporte marítimo de curta distância, estimulando a eliminação de constrangimentos que continuam a dificultar a sua expansão, nomeadamente na área portuária, promovendo a sua dinamização de acordo com os instrumentos comunitários disponíveis, p.e. projecto das Auto-Estradas Marítimas, a Auto-Estrada Marítima do Atlântico e a sua inserção
na futura Rede Transeuropeia de Transportes, e ainda utilizando os mecanismos de apoio que irão ser disponibilizados ao nível da UE no âmbito do Programa Marco Polo;
4. Adoptar as políticas públicas necessárias a criar condições que impulsionem a ampliação do hinterland servido pelo nosso sistema portuário, incluindo a tomada de medidas necessárias a construir as conexões terrestres dos principais portos às redes Transeuropeias de Transportes, com desenvolvimento preferencial das redes ferroviárias (velocidade alta) de ligação a Espanha e à Europa além-Pirinéus;
5. Concretizar a aposta no Porto de Sines de um terminal de transshipment de dimensão internacional;
6. Implementar e operacionalizar, com carácter de urgência, o Sistema de Vigilância Costeira, assim como os mecanismos exigidos pelo regulamento de protecção dos navios e das instalações portuárias (ISPS Code);
7. Desenvolver, no contexto e com vista a endereçar a recomendação do ponto 1. supra, o Sistema de Planeamento Portuário Estratégico – actualmente rudimentar – o qual deve ser trabalhado e deve articular-se com o sistema de planeamento e ordenamento marítimo. Os planos estratégicos e operacionais portuários e os planos estratégicos e de ordenamento marítimo, produzidos pelos dois sistemas, devem ser compatíveis entre si;
8. Elaborar e implementar planos de ordenamento e expansão dos portos;
9. Contribuir activamente
para uma gestão integrada das zonas estuarinas, à semelhança da gestão integrada da zona costeira, numa óptica de desenvolvimento sustentável;
Medidas a nível institucional, orgânico e operacional: 1. Equacionar a criação de uma entidade reguladora independente da actividade portuária e dos transportes marítimos, incidindo em especial sobre o funcionamento dos mercados e zelando pela manutenção de uma sã concorrência;
1. Aperfeiçoar o quadro institucional em que operam as administrações portuárias, visando nomeadamente alcançar um nível adequado de coordenação e concertação estratégica, e de gestão do sistema portuário, entre os portos nacionais, que reflicta e tire partido da unidade de comando existente (todos os portos são estatais e, no continente, todos são tutelados pela Administração Central);
3. Integrar e clarificar competências: são ainda muitas as entidades públicas intervenientes no sector portuário (...), devendo reduzir-se esse número, quer por via de delegação de competências de uns organismos noutros quer pela fusão, quando possível; esta reforma deve ser orientada pelo princípio do reforço da unidade de comando (...);
4. Concluir e concretizar os projectos de simplificação e harmonização de procedimentos burocráticos nos portos, e desenvolver os sistemas de informação das comunidades portuárias, com particular prioridade para o
desenvolvimento de um sistema informático de processamento da documentação que seja comum a todo o sistema portuário nacional (v.g via verde portuária)
5. Introduzir mecanismos de simplificação e de desburocratização, ao nível dos instrumentos legislativos e dos procedimentos administrativos, nas iniciativas e acções do Estado dirigidas aos agentes económicos e aos utentes do sector, procurando orientar essa actuação administrativa de forma a privilegiar o primado do cliente;
6. Alterar o actual procedimento de cobrança do IVA praticado pela autoridade aduaneira, de forma a harmonizá-lo com os procedimentos de outros países da UE e a tornar mais competitivos os portos nacionais;
7. Aperfeiçoar o sistema de tarifas portuárias, tendo subjacente a definição de um quadro de financiamento do sistema portuário nacional, com vista a tornar, também por aqui, os portos nacionais mais competitivos;
8. Atrair capitais privados, nacionais e estrangeiros para a modernização e expansão da actividade dos sectores portuário e dos transportes marítimos, prosseguindo inclusive a via da externalização de funções (...);
9. Estabelecer, em moldes mais consistentes e estruturados, os mecanismos de apoio e incentivo à actividade da marinha mercante em Portugal, com vista ao crescimento da frota de registo português convencional;
10. Estabilizar as condições
de acesso à actividade de armador da marinha de comércio em Portugal, tipificando os requisitos necessários para o efeito e estabelecendo, de forma articulada com uma política sectorial coerente, as condições de acesso aos mecanismos de preferência de bandeira, de forma consolidada com as expectativas definidas na regulamentação comunitária;
11. Promover o Registo Internacional de Navios da Madeira – MAR, de forma a consolidá-lo no conjunto de registos internacionais dotados de credibilidade, segurança e atractividade, mas também numa perspectiva de reforço do reconhecimento e da valorização internacional do país, dos marítimos nacionais e do uso da bandeira nacional;
12. Incentivar e apoiar o embarque de marítimos portugueses, promovendo uma maior atractividade dos jovens para as profissões marítimas, através da melhoria das condições de emprego na marinha mercante nacional e internacional e da promoção de oportunidades para o emprego dos quadros marítimos em actividades em terra ligadas ao sector marítimo e portuário;
13. Melhorar as condições de formação e qualificação dos profissionais marítimos, quer em relação às categorias de oficiais quer na mestrança e marinhagem, reavaliando as estruturas responsáveis pelas acções de formação, de forma a privilegiar a vertente de qualificação profissional e a optimizar as estruturas e os custos associados ao processo de formação;
14. Repensar o sistema público de ensino e formação profissional de actividades marítimas, conferindo-lhe mais racionalidade, meios e mais qualidade, aproximando mais as instituições de ensino dos respectivos sectores, e criando condições à sua frequência por cidadãos de outros países, em especial de países de língua portuguesa;
15. Rever o sistema de carreiras dos profissionais das instituições públicas do sector, de modo a fomentar a mobilidade entre instituições;
2. Pescas, aquacultura e indústrias conexas
No sector das pescas: 1. Proceder, a nível legislativo, a um esclarecimento mais cabal das competências institucionais que se acumulam e se cruzam na área do ordenamento e gestão do território, com impacto no ambiente marinho (orla costeira), e desenvolver uma cooperação intersectorial acrescida entre os ministérios com a tutela das pescas, do ambiente e do ordenamento, da ciência e da economia;
3. Aprofundar o conhecimento e consultoria científicos dirigidos ao desenvolvimento e sustentabilidade do sector, incluindo a obtenção de dados para melhor quantificação e descrição espacial do esforço de pesca e das capturas, bem como melhor identificação de stocks e pescarias passíveis de planos de gestão;
3. Promover o trabalho e os resultados dos laboratórios de Estado relevantes, em particular de investigação das pescas, modernizar a frota de investigação pesqueira e estreitar a colaboração entre aqueles
organismos e as unidades de investigação universitárias;
4. Compreender a importância de uma via de comunicação clara entre os detentores da informação científica – que condiciona a legislação – e os armadores/pescadores sobre a situação dos recursos, estabelecendo efectivamente essa comunicação (informação, educação e sensibilização dos agentes do sector);
5. Operar maior fiscalização e inspecção da actividade, incluindo a utilização de sistemas de satélite para localização dos navios em tempo real, com vista, entre outros objectivos, a proceder a um melhor controlo das artes utilizadas e uma melhor monitorização das rejeições;
6. Promover e acompanhar o desenvolvimento de novas pescarias, procurando obter acesso a bancos de pescas longínquos, e promover a cooperação com países em vias de desenvolvimento na área das pescas;
7. Estabelecer e avaliar a eficácia de Áreas Protegidas Marinhas e da Rede Natura 2000, como ferramenta de gestão sustentável dos recursos, nomeadamente promovendo a criação de organizações de pescadores/produtores e de “certificações de pescado”, ambas associadas àquelas áreas classificadas;
Na aquacultura e actividades afins: 1. Atrair novos investimentos para a aquacultura, de forma a superar a fraca capitalização das empresas do sector, possibilitar o lançamento de novos produtos e incorporar
inovação científica e tecnológica nos sistemas de produção;
2. Desenvolver o ordenamento do litoral, incluindo a introdução da gestão integrada das zonas estuarinas, facilitando a definição de estratégias de investimento e de desenvolvimento económico;
3. Eliminar atrasos e burocracia da administração pública na concessão de licenças de exploração;
4. Conseguir um associativismo mais estreito entre os produtores, para fazer face à actual concorrência internacional;
5. Estabelecer uma via de comunicação entre os detentores de informação científica, os produtores e as instituições de protecção ambiental;
Na valorização do produto e nas indústrias transformadoras: 1. Apostar no desenvolvimento de uma imagem de marca e qualidade do produto, através da introdução de certificações de qualidade, de protecção ambiental e ecológica, e ainda de denominações de origem, com vista a aumentar o valor do produto;
2. Partir da criação de uma imagem de marca e da valorização do produto para uma melhor comercialização e desenvolvimento do marketing do produto;
3. Proceder a uma fiscalização mais rigorosa da comercialização do produto, desde o seu desembarque até à chegada do mesmo ao consumidor final;
4. Criar condições para aprofundar a interligação do sector das pescas com outros sectores da
economia, como a restauração e o turismo, através, nomeadamente, da promoção e regulação da pesca lúdica, da gastronomia e do desenvolvimento de indústrias transformadoras e alimentares de excelência e qualidade;
5. Promover a I&D, investindo em tecnologias de ponta nos domínios da refrigeração e congelação, controlo de qualidade, segurança alimentar e protecção ambiental e ecológica;
6. Alargar a oferta a novas espécies de produção aquícola, e a novos produtos transformados, em particular na área dos fumados, conservas e pré-cozinhados;
3. Turismo, náutica de recreio e outras actividades de lazer
1. Concepção, engenharia e desenvolvimento de um plano de gestão e promoção de um novo produto turístico, complementar do produto principal Sol & Praia, designado turismo oceânico;
2. Análise, avaliação e revisão de todo o quadro legislativo e regulamentar que incide ou produz impacto no desenvolvimento das actividades e infra-estruturas necessárias ao turismo oceânico, incluindo em particular as actividades marítimo-turísticas e a actividade da náutica de recreio;
3. Actualização do plano orientador de desenvolvimento de infra-estruturas de apoio à náutica de recreio e desporto, incluindo a criação de um quadro regulamentar que facilite a promoção, através da iniciativa privada, do desenvolvimento dessas infra-estruturas;
4. Criação de um quadro legal relativo à construção e
exploração dos portos de recreio;
5. Elaboração de um plano de concessões, em conformidade com o Plano orientador acima mencionado;
6. Criação de um único interlocutor público para os promotores e operadores de instalações portuárias de recreio;
7. Revisão do quadro de regulação da náutica de recreio e de outras actividades, incluindo o mergulho recreativo, acompanhada de medidas destinadas a simplificar consideravelmente a burocracia das entidades reguladoras, inclusive a que é sentida pelos tripulantes de frota visitante;
8. Revisão do quadro legal referente à formação e certificação dos navegadores náuticos, com vista a simplificar essa formação, melhorando ainda assim a sua qualidade;
9. Revisão do quadro legal referente ao registo de embarcações de recreio e ao registo e homologação de actividades marítimo-turísticas;
10. Finalização e operacionalização de um registo central das embarcações de recreio existentes;
11. Análise das disposições fiscais aplicáveis às actividades marítimo-turísticas e à náutica de recreio, com vista a promover o desenvolvimento destas actividades;
12. Desenvolvimento de planos e construção de infra-estruturas modernas, incluindo terminais de navios de passageiros, marinas, portos de recreio, ancoradouros, locais de armazenagem a seco de embarcações, rampas
públicas de acesso ao mar e respectivos parques de atrelados, tudo com vista a responder à expansão da náutica de recreio, das actividades marítimo-turísticas e da indústria mundial de turismo de cruzeiro;
13. Introdução de um sistema de classificação e certificação dos promotores e fornecedores de actividades marítimo-turísticas e outras actividades de lazer, incluindo, entre outras, o aluguer de embarcações, os cruzeiros turísticos, as escolas/clínicas de surf, windsurf, ski aquático ou mergulho recreativo;
14. Ampliação da duração da época balnear oficial e das concessões de praia, com vista a reduzir a sazonalidade da oferta;
15. Investimento na presença mais visível de forças de segurança marítimas, na vigilância das praias e, principalmente, no melhoramento dos meios de socorros a náufragos e na sua prontidão;
16. Criação de programas que permitam o estabelecimento de protocolos entre os centros e clubes de vela, remo e outros desportos náuticos, e as escolas, com vista a criar acessibilidades dos estudantes ao desporto e à náutica de recreio;
17. Criação de centros de treino de vela de alta competição, com vista a trazer a Portugal equipas de competição de vela ligeira e oceânica, tirando pleno partido das nossas condições climatéricas;
18. Criação de programas e iniciativas que permitam associar os aquários, oceanários e museus do mar aos circuitos de turismo – contribuindo para dar conteúdo ao turismo
oceânico – promovendo essas instituições, e que permitam igualmente dar relevo à cultura que emana das comunidades ribeirinhas tradicionais;
19. Promoção da pesca desportiva;
20. Criação de incentivos ao investimento em eco-resorts – turismo sustentável – e spas, e visitas e prática de actividades de aventura em áreas protegidas da orla costeira (colocação de sinalética, construção de refúgios, etc.);
21. Criação de áreas específicas para o mergulho subaquático, nas quais deverão ser criados pontos de interesse artificiais (barcos propositadamente afundados em zonas de baixa profundidade, etc.);
22. Desenvolvimento de programas de formação profissional nesta área do turismo, incluindo o lançamento nas instituições de ensino apropriadas de disciplinas vocacionadas, como gestão de marinas e portos de recreio ou gestão de actividades marítimo-turísticas;
23. Desenvolvimento de programas de formação profissional dirigidos aos funcionários das entidades reguladoras e fiscalizadoras da náutica de recreio e actividades marítimo-turísticas, incluindo os membros das forças de vigilância e segurança;
4. Construção e reparação naval 1. Assumir uma visão integrada e estratégica do papel da indústria naval como factor-chave no desenvolvimento de actividades ligadas ao mar, e como reserva nacional de conhecimento, tecnologia e inovação;
2. Adoptar uma política clara para o sector que dê vida àquela visão estratégica, coordenando
incentivos nacionais com europeus e permitindo tirar pleno partido desses últimos; valorizando a incorporação de tecnologia, design e conhecimento; e promovendo, por um lado, alianças estratégicas e a complementaridade entre as empresas do sector e, por outro, desenvolvendo a montante uma rede de empresas associadas, ligadas ao sector, com vista ao incremento da incorporação de valor nacional no produto final;
3. Aumentar a autonomia e a capacidade de decisão nacional, através de incentivos à modernização do armamento nacional adquirido em Portugal;
4. Associar o reequipamento militar e as exigências da Defesa Nacional ao desenvolvimento da indústria de construção naval, nomeadamente através da encomenda de contratos-programa a longo prazo, sempre que possível, com vista a permitir um planeamento para o futuro, a desenvolver a indústria associada e a aumentar a incorporação nacional no produto final;
5. Modernizar e reestruturar o sector e as empresas respectivas, visando a melhoria da produtividade e a consolidação de posições em nichos de mercados específicos, como navios militares, de passageiros, científicos e de produtos e substâncias perigosas, químicos em especial;
6. Apostar no reforço da monitorização e acompanhamento do impacto ambiental das actividades, com vista a contribuir sempre para a sua redução;
7. Promover alianças entre empresas de diferentes sectores que permitam
oferecer a países em vias de desenvolvimento “pacotes” de serviços na área marítima (construção naval, portos, transportes, gestão de frotas e de portos, peritagens, pescas, etc.);
8. Promover a inovação, investigação e desenvolvimento, adequando os instrumentos públicos às características da indústria naval, através da ligação das empresas à universidade e da criação de centros especializados de conhecimento e inovação;
5. Biotecnologia marinha 1. Estimular a inovação em produtos e sistemas na área da cultura de animais marinhos (mesmo com possibilidades de utilizações industriais fora da área alimentar);
2. Fomentar a expansão do uso de algas em biotecnologia, utilizando o espaço deixado vago pelas empresas nacionais e estrangeiras que saíram do mercado após a crise de escassez de recursos (ou que se limitam a recolher matéria-prima) e tirar partido da excelência das condições naturais e de existência de matéria-prima que volta hoje a haver;
3. Promover a utilização de produtos da pesca com fins biotecnológicos (utilização da biomassa). Pode-se diversificar e valorizar os recursos pesqueiros e, em alguns casos, substituir a captura intensiva, produzindo industrialmente através da biotecnologia os produtos que se pretendem;
4. Implementar os programas existentes (v.g. na ADI) de endogeneização do know how universitário pelas empresas de biotecnologia e de inserção de mestres e doutores nas empresas;
5. Estimular o desenvolvimento de
programas de biotecnologia marinha dedicados à protecção ambiental;
6. Apoiar todos os esforços que visem o fortalecimento da cooperação de cientistas, engenheiros, industriais e gestores, para facilitar o desenvolvimento de conhecimentos e tecnologias inovadoras e a sua consequente aplicação;
7. Apoiar todas as acções que conduzam ao desenvolvimento de novos fármacos de origem marinha, bem como de agro-químicos e cosméticos (embora o seu desenvolvimento industrial dificilmente possa ser totalmente feito por nós no momento presente);
8. Apoiar estudos sobre os riscos potenciais da introdução de organismos geneticamente modificados para a biodiversidade marinha e a saúde pública, bem como sobre os efeitos ambientais da recolha de organismos com fins biotecnológicos;
9. Aumentar os incentivos financeiros para encorajar a parceria ensino superior/empresa;
10. Incentivar a aplicação dos instrumentos da biotecnologia já correctamente utilizados entre nós na área biomédica à biotecnologia marinha;
11. Desenvolver as tecnologias marinhas (nomeadamente a robótica) para aceder e explorar sítios marinhos de interesse para a biotecnologia;
12. Incentivar a utilização de técnicas químicas e bioquímicas, (sobretudo na área da genética molecular) para identificação de compostos primários de interesse económico e para os reproduzir, evitando destruir grandes massas de organismos;
13. Estudar os organismos
dos ambientes marinhos extremos, nomeadamente das fontes hdrotermais, com o fim de identificar produtos (enzimas) utilizáveis na indústria;
14. Considerar, simultaneamente, o estabelecimento de incentivos às empresas de biotecnologia marinha e a criação de mecanismos legais de protecção do interesse público no que respeita aos recursos naturais exploráveis (geral);
15. Desenvolver um quadro no qual os estudantes de doutoramento, pós-doutoramento e investigadores possam adquirir um treino especializado de elevada qualidade nas empresas e, reciprocamente, que quadros das empresas possam integrar-se por períodos de tempo limitados nas universidades (mobilidade de recursos humanos);
6. Indústrias de tecnologia oceânica Internacionalização e cooperação: 1. Divulgar as actividades e programas de investigação junto dos nossos parceiros do eixo atlântico e em cooperação com o MNE, as quais deverão visar as instituições de I&D, as universidades e as empresas especializadas;
2. Articular actividades com centros de estudos portugueses, assim como com investigadores portugueses em universidades estrangeiras;
3. Celebrar acordos e parcerias estratégicas entre agências de financiamento nacionais e estrangeiras que visem a reciprocidade de relações e ainda a articulação de programas;
4. Promover e articular desenvolvimentos tecnológicos com os desenvolvimentos de empresas internacionais
que tenham laboratórios de investigação, ou que incentivem e financiem a investigação de terceiros;
5. Organizar em Portugal encontros e reuniões internacionais das principais sociedades profissionais da área;
Modelo de desenvolvimento: 1. Desenhar um modelo descentralizado, mas coordenado em torno de programas nacionais (v.g. observatório submarino modular permanente, sistema de intervenção submarina na zona costeira, sistema de vigilância da zona costeira por veículos autónomos e assistidos por operador);
2. Criar um modelo com um carácter adaptativo, para aproveitamento de oportunidades e para a adaptação a novos conceitos e mercados;
3. Promover incentivos na realização de grandes investimentos relacionados com o Oceano, o seu uso e os seus recursos para a integração e expansão da tecnologia nacional;
4. Constituir uma base de dados relativa a instituições (civis e militares), tecnologias e requisitos, que vise promover a cooperação inter-institucional e que sirva de base à formulação de programas nacionais;
Programas nacionais de acção: 1. Definir programas de acção que envolvam as principais instituições do país, com vista a incentivar a cooperação, a abordagem interdisciplinar e a valorização de resultados focalizados em problemas ou tópicos de interesse nacional, incluindo a expansão da capacidade tecnológica existente, a criação de um ambiente
“ecológico” operacional favorável à implantação do modelo de desenvolvimento, e que promovam a articulação em rede como forma de se encontrarem respostas para desafios nacionais;
2. Nomear responsáveis de programas que terão por objectivo o desenvolvimento e a gestão dos mesmos em todas as suas vertentes;
3. Articular programas civis e de Defesa para gerar sinergias e optimizar os recursos humanos e financeiros;
4. Articular actividades de formação avançada e á distância, não só no âmbito das universidades, mas também no âmbito da formação de técnicos;
Formação: 1. Estruturar cursos profissionalizantes com carácter nacional para técnicos suportados, quando adequado, por conceitos de e-learning que os possam tornar acessíveis a outros países;
2. Incentivar a formação universitária interdisciplinar com cursos com possibilidade de obtenção de créditos inter-disciplinares e, por isso, de carácter inter-departamental e/ou inter-universitário;
3. Promover o alinhamento de curricula com instituições de renome e de desenvolvimento de currricula comuns; 4. Articular os curricula entre o ensino secundário e o universitário visando criar nos discentes do ensino secundário a motivação para estas áreas, e dotá-los de preparação adequada e específica para a sua formação universitária;
7. Recursos minerais 1. Desenvolver um programa de levantamento dos recursos minerais marinhos nas zonas
marítimas sob soberania ou jurisdição nacional, e integração da informação a eles relativa no Atlas Nacional de Dados sobre o Oceano;
2. Criar um quadro legislativo e financeiro que permita a criação de parcerias universidade/empresa nas áreas de I&D, tecnologias aplicadas, exploração de recursos e protecção ambiental, e sua valorização através do capacity building;
3. Criar condições para uma maior, mais informada e eficiente participação em fora internacionais com impacto na exploração de recursos minerais marinhos;
4. Equacionar as vantagens da extracção de areias e cascalho em áreas marítimas, relativamente à actual extracção em áreas fluviais e terrestres, com vista a adoptar um plano e a iniciar a extracção destes recursos;
8. Hidrocarbonetos e hidratos de metano
Ao nível técnico-científico: 1. Adquirir e disseminar a informação e conhecimento sobre as áreas portuguesas;
2. Criar parcerias com empresas que detenham meios de aquisição e tratamento de informação geológica e geofísica;
Ao nível institucional-orgânico: 1. Reavaliar o processo de decisão sobre actividades petrolíferas – agilizando a tomada de decisões – Bem como o modo de relacionamento com a indústria, por forma a responder às necessidades do sector;
2. Modernizar e agilizar o processo de actuação do serviço público competente, envolvido no estudo e no desenvolvimento do potencial petrolífero português;
3. Adequar, nesse sentido, o quadro estrutural-organizacional do serviço público competente (para funcionar na base da ideia de um business unit, i.e. unidade de negócio que inclua especialistas para cobrir todas as competências necessárias, e que tenha uma autonomia concreta e acesso rápido ao decisor);
4. Adquirir meios (em particular informáticos) adequados à gestão de dados e informação relacionados com hidrocarbonetos e do seu tratamento e interpretação;
5. Promover a disponibilização informática dos dados geológicos e geofísicos do sedimentar português, existentes em bases de dados de outras entidades do país, no serviço público competente;
6. Agilizar a cooperação entre o serviço público competente e os organismos da área de I&D e universidades;
7. Acompanhar os desenvolvimentos na indústria e apoiar a investigação, num quadro nacional alargado e integrado;
9. Energias renováveis Energia eólica: 1. Criar um grupo de trabalho, sob a tutela do Ministério da Economia, integrando entidades com experiências e personalidades com interesse e actividade no estudo da tecnologia, para elaborar, num período de tempo curto, um estudo preliminar de viabilidade técnico-económica da instalação de parques éolicos na plataforma continental submersa de Portugal. O estudo deverá prever a eventual necessidade de alteração do tarifário em vigor para a
compra de electricidade de proveniência renovável, diferenciando positivamente a eólica offshore;
2. Fomentar a formação de um consórcio entre promotores, instituições de investigação e desenvolvimento e organismos do Estado para, recorrendo parcialmente a fundos da União Europeia, desenvolver estudos de caracterização do potencial eólico offshore, inventariar as características dos fundos marinhos nas zonas potencialmente mais aptas e analisar os impactes de natureza ambiental e as interferências com outras actividades oceânicas;
3. Solicitar às entidades concessionárias do transporte e distribuição de electricidade informação sobre a viabilidade de integração desta fonte energética no sistema eléctrico nacional;
4. Criar um grupo de trabalho com a incumbência de analisar os aspectos legais da implementação desta tecnologia e produzir recomendações para a criação de legislação adequada ao seu enquadramento, incluindo a definição de uma só entidade de jurisdição para a actividade;
5. Fomentar a criação de um consórcio de promotores, entidades financiadoras e, eventualmente, um fabricante de aerogeradores para a construção de um parque eólico offshore em Portugal;
6. Criar uma “plataforma eólica” que, à semelhança do que acontece em Espanha, englobe promotores, instituições de financiamento, indústrias com afinidades ao sector,
instituições de investigação, desenvolvimento e transferência de tecnologia, ONG de defesa do ambiente e outras, acreditando que a energia eólica, incluindo a sua vertente offshore, pode contribuir para a mitigação das carências energéticas do país e, em simultâneo, criar oportunidades de emprego e de desenvolvimento económico e social. A “plataforma” promoveria a concertação e racionalização de esforços de todos os seus membros, e funcionaria como grupo de pressão junto da Administração Pública e dos centros decisores, no sentido de criar as condições para o efectivo desenvolvimento da tecnologia do país;
Energia das ondas: 1.Criação de um Programa Nacional de Energia das Ondas para, a médio prazo, permitir dotar o país de capacidade que permita aproveitar as oportunidades de desenvolvimento tecnológico, aumento do emprego, desenvolvimento industrial, criação de oportunidades para a exortação de equipamentos e serviços e o aproveitamento de um recurso energético endógeno e renovável. O Programa deverá: manter ou criar condições favoráveis para o desenvolvimento de projectos de energias das ondas, nomeadamente a nível do teste no mar de centrais-piloto ou protótipos; promover o envolvimento de empresas portuguesas e entidades do sistema científico e tecnológico nacional; reforçar as competências e capacidades nacionais nesta área e áreas afins;
Assumir uma posição de destaque e especialização em assuntos do oceano, designadamente: na agenda internacional; no conhecimento científico e tecnológico; na defesa dos interesses nacionais
1. Desenvolver a participação proeminente de Portugal em fora internacionais relativos a assuntos dos oceanos e mares
1. Manter e reforçar uma política externa de promoção activa do princípio geral do uso e desenvolvimento sustentável dos oceanos e dos seus recursos;
2. Adoptar, no cumprimento desta política, posições equilibradas de protecção do ambiente marinho, da gestão integrada das zonas costeiras, da segurança marítima, da investigação científica e tecnológica e de uma abordagem integrada das questões relativas ao oceano, nas diferentes organizações internacionais, em particular em sede da União Europeia, nas Nações Unidas e na Organização Marítima Internacional;
3. Prosseguir, no âmbito daquela política, o objectivo que consiste em ampliar o debate dos assuntos relativos aos oceanos e mares na agenda política internacional;
4. Assumir uma representação plena e participação preponderante em todos os fora multilaterais sobre oceanos e mares, especialmente na União Europeia, nas Nações Unidas, suas agências especializadas e nas organizações intergovernamentais de âmbito mundial, regional e sub-regional;
5. Garantir uma presença efectiva, consistente e contínua nos fora internacionais multilaterais relacionados com assuntos dos oceanos e mares;
6. Promover a articulação dos vários representantes nacionais em todos os fora internacionais, factor determinante para uma política nacional integrada e não sectorial para o oceano, e de garantia de coerência e unidade de
acção na promoção de posições portuguesas;
7. Apostar numa melhoria substancial dos mecanismos de cooperação e coordenação interministerial e intersectorial, visando: a) posições coordenadas e consistentes nas várias organizações internacionais; b) a utilização plena das potencialidades de ligação das nossas prioridades à agenda internacional dos oceanos e mares; c) a ligação das acções nacionais no plano do oceano aos dispositivos de relacionamento bilateral, regional e multilateral; d) a plena e efectiva utilização da nossa rede diplomática, por forma a garantir influência real à escala global;
8. Accionar com todos os ministérios uma avaliação conjunta das deficiências, omissões e lacunas e de áreas eventuais de acção integrada a desenvolver no futuro;
9. Prosseguir uma política de lançamento de candidaturas programadas para lugares-chave em organizações internacionais ligadas ao oceano, na perspectiva de aumentar o perfil e influência de Portugal;
10. Desenvolver uma articulação estreita com os secretariados que asseguram o funcionamento dos diferentes fora internacionais sobre o oceano, com vista nomeadamente a acompanhar de perto desenvolvimentos que têm lugar entre as sessões das reuniões das organizações internacionais;
11. Adoptar uma política de abertura e atenção continuada às possibilidades de instalar
em Portugal a sede ou o secretariado de organizações internacionais na área dos oceanos e mares, como no caso da Agência Europeia de Segurança Marítima
12. Aprofundar o nosso posicionamento e perfil de actuação externa em matéria de actividade científica ligadas ao oceano, nomeadamente na Unesco, UNEP, AIFM, [etc.], envolvendo os ministérios sectoriais relevantes e a comunidade científica.
13. Participar activamente na definição e negociação da Estratégia da União Europeia para o Ambiente Marinho, que prevê uma actuação transectorial e integrada das zonas costeiras, a extensão do regime da Rede Natura à ZEE e a integração das políticas sectoriais com implicações nesta temática (v.g. pescas e transportes)
14. Participar activamente na definição e negociação de matérias relacionadas com a Estratégia das Redes Transeuropeias de Transportes (RTE-T), com vista a dar relevância política e económica às infra-estruturas portuárias nacionais;
15. Promover maior articulação entre os diversos mecanismos da União Europeia (grupos de trabalho e formações do Conselho), de forma a assegurar uma visão mais integrada dos oceanos e mares, e a poder defender mais efectivamente, dentro da União Europeia e através dela, objectivos de interesse comum na vertente internacional
16. Aproveitar melhor os mecanismos de financiamento de projectos ligados aos oceanos e mares, criados no âmbito de
organizações internacionais e noutras sedes, nomeadamente através do 6.º Programa-Quadro da União Europeia; da Agência Espacial Europeia, e através da nossa política de cooperação – em conjunção com uma mobilização de fundos obtidos através de parcerias a estabelecer com entidades privadas
17. Desenvolver uma política integrada de cooperação internacional com países em vias de desenvolvimento na área dos oceanos e mares
18. Promover a cooperação pública e privada com outros países industrializados, que possa contribuir para reforçar as capacidades nacionais, em particular em áreas integradoras de conhecimento e tecnologia dos oceanos
19.Continuar a apostar na função de país líder da União Europeia para o oceano, no âmbito do desenvolvimento sustentável e nas Nações Unidas, bem como participar activamente na rede entre MNEs da União Europeia para a Green Diplomacy, que inclui um cluster sobre ambiente marinho
20. Acompanhar activamente o lançamento emergente de um mecanismo à escala global, sob a égide da ONU, para monitorização e avaliação do estado do ambiente marinho, e utilizar mecanismos relevantes no âmbito da UNESCO-COI e do UNEP
2. Desenvolver o conhecimento científico e tecnológico em assuntos do oceano
I. 1. Definir a hierarquia das áreas de especialização, nomeadamente científica, tecnológica e económica, e o respectivo quadro de centros especializados de excelência, tendo em conta
os estudos e diagnósticos existentes e, se necessário, promovendo a realização de avaliações complementares
2. Definir um calendário para o estabelecimento de um parque de centros especializados de excelência, e definir requisitos e procedimentos para a criação de novos centros
3. Definir quadros de competências inerentes à prática de actividades de investigação e desenvolvimento científico, tecnológico e económico, para criação de programas de formação adequados
4. Integrar, em rede, os centros especializados de excelência por forma a, entre outros benefícios, reforçar as capacidades individuais, promover o desenvolvimento conjunto de oportunidades, estimular a inovação científico-tecnológica-económica, preservar a especialização, evitar a duplicação de esforços e facilitar o acesso e difusão de dados, informação e conhecimento;
5. Desenvolver a cooperação entre os centros especializados de excelência, a academia e os agentes económicos, por forma a assegurar a oportunidade e actualidade dos programas e projectos de investigação, fundamental e aplicada.
II. 1. Apoiar as actividades de transferência de tecnologia, conhecimento e de criação de capacidades, num contexto institucional nacional (reajustado), que permita a maximização do aproveitamento dos meios e mais-valias nacionais.
2. Agregar a informação relativa à transferência de tecnologia, conhecimento e de criação de capacidades em áreas relativas ao
oceano, e cruzar essa informação com a informação relativa aos aspectos económicos e de desenvolvimento científico directamente relacionados
3. Identificar as áreas em que Portugal deve apostar, não na óptica das capacidades já existentes, mas também na óptica da expansão das valências tecnológico-científicas em áreas relativas ao oceano.
4. Promover (ou reforçar) os laços entre as universidades e outras instituições de ensino superior e os agentes económicos com vista à criação de parcerias que rentabilizem investimentos com retornos paralelos, tanto no plano do conhecimento como no plano económico, equacionando designadamente a criação de incentivos específicos (v.g. fiscais) para empresas envolvidas em acções de transferência de tecnologia em parceria com a academia.
5. Equacionar a curto prazo o estabelecimento de contactos no seio da CPLP, com vista à criação de um quadro jurídico-político que promova e facilite a transferência de tecnologia e conhecimento relativo ao oceano, tendo em conta o quadro de mecanismos internacionais de financiamento e apoio.
6. Considerar, no quadro da cooperação com os países de língua oficial portuguesa, o envolvimento do Brasil como parceiro especial para este tipo de projectos, e reforçar os contactos entre as instituições universitárias e de investigação portuguesas e brasileiras, com vista à realização de projectos comuns, quer no âmbito da CPLP quer num âmbito
mais alargado. 7. Difundir nacional e
internacionalmente os projectos de cooperação concretizados e em curso, com vista a dar resposta ao primeiro desafio indicado [nesta subsecção].
3. Garantir a defesa dos interesses nacionais no mar
I. 1. Dar prioridade ao esforço para a melhoria das nossas capacidades navais e aeronavais, privilegiando o conjunto de fragatas, submarinos e meios aéreos de apoio táctico e reforçando a capacidade de projecção de poder, através do binómio navio polivalente-fuzileiros, para satisfação dos nossos objectivos de Defesa Nacional, das nossas responsabilidades na defesa colectiva e na segurança cooperativa, e ainda das missões relacionadas com o desenvolvimento da cooperação que mantemos com a CPLP.
2. Participar de forma empenhada no esforço de transformação da Aliança Atlântica, assim como no desenvolvimento da Política Europeia de Segurança e Defesa, nomeadamente quanto a capacidades no domínio marítimo, assim favorecendo a complementaridade entre a NATO e a União Europeia. Enquanto membros de ambas, Portugal deve fomentar o diálogo e a cooperação com os países mediterrânicos no domínio da defesa e contribuir para o fortalecimento da Parceria para a Paz.
3. Desenvolver as capacidades necessárias ao apoio, à defesa ou à evacuação de cidadãos nacionais residentes em países estrangeiros, tendo em vista a possibilidade de ocorrer uma situação de crise ou conflito, da qual possa resultar perigo grave
para esses cidadãos. 4. Considerar o
extraordinário interesse da utilização do poder naval em apoio da diplomacia, nomeadamente junto dos países de expressão portuguesa, missão tradicional da Marinha que, dado o apaziguamento e o esforço de reconstrução de muitos desses países, assume hoje particular valor.
5. Incrementar a utilização do emprego de meios navais e do sistema de formação da Marinha como elementos importantes no diálogo mediterrânico.
II. 1. Promover a eficaz articulação dos vários sectores do Estado com responsabilidades no uso do Mar, maxime da Marinha e da Administração Portuária e Marítima Nacional, de forma a potenciar as mais-valias do Sistema de Autoridade Marítima e das suas componentes, incluindo a componente militar da Defesa Nacional.
2. Desenvolver e intensificar o exercício de poder pelo Sistema de Autoridade Marítima, através da eficaz articulação das entidades que o compõem, da melhoria das capacidades e meios à disposição da Autoridade Marítima Nacional (AMN), e de uma mais dinâmica intervenção do Conselho Coordenador Nacional.
3. Melhorar as capacidades disponíveis na estrutura da Administração Portuária e Marítima Nacional, enquanto garante da satisfação dos compromissos de responsabilização técnica que ao Estado compete assegurar.
4. Desenvolver, com urgência, as capacidades navais e aéreas necessárias
ao exercício das missões militares de interesse público atribuídas por Lei à Marinha e à Força Aérea com caracter permanente, nomeadamente para assegurar a segurança da navegação e da vida humana no mar, as actividades de defesa, detecção, vigilância, fiscalização, rastreio e polícia do Mar, e o respeito pelo direito internacional e pela legislação nacional nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional.
5. Considerar a dupla natureza, nacional e comunitária, da nossa fronteira marítima, colaborar na organização e coordenação de todos os sistemas de segurança marítima europeus, nomeadamente os orientados para a fronteira Sul (atlântica e mediterrânica), tendo em consideração as novas ameaças globais e regionais (terrorismo, imigração clandestina, tráfico de seres humanos, narcotráfico, contrabando de armas, poluição maciça, etc.).
6. Implementar e operacionalizar, com carácter de urgência, o Sistema de Vigilância Costeira e o Sistema GMDSS, assim como outros mecanismos exigidos pelo Regulamento de Protecção dos Navios e das Instalações Portuárias (ISPS Code).
7. Dar prioridade à construção e financiamento dos navios de patrulha oceânicos a fabricar em Portugal.
8. Reforçar os meios de combate à poluição por derrame de hidrocarbonetos e de outras substâncias perigosas.
9. Reforçar os meios de socorros a náufragos nas
costas e espaços marítimos do país.
10. Continuar os trabalhos de adequação da legislação portuguesa à CNUDM e aos instrumentos de direito internacional que se articulam com esta convenção.
11. Acelerar os trabalhos necessários à extensão da plataforma continental portuguesa, por forma a permitir apresentar um pedido de extensão num futuro não distante.
12. Ratificar e aceder a instrumentos jurídicos internacionais e, em particular, às convenções da OMI, que incidem sobre elementos estruturantes e de enquadramento na área da segurança marítima.
13. Definir áreas de investigação científica prioritárias e relevantes para a segurança marítima nacional, entendida esta na sua expressão mais abrangente e como vector de uma Estratégia Nacional para o Oceano.
4. Projecto de extensão da Plataforma Continental
1. Assumir a concretização da extensão da Plataforma Continental além das 200 milhas como um projecto nacional a concretizar a curto/médio prazo;
2. Estabelecer uma estrutura organizacional, na dependência do Primeiro-Ministro, com capacidade de responder às necessidades de gestão do projecto, com as competências adequadas, tanto no plano financeiro-orçamental como no plano de gestão dos recursos humanos e materiais, e com a articulação apropriada aos ministérios relevantes, nomeadamente aos ministérios com a tutela da Defesa, dos Negócios Estrangeiros, da Economia e da Ciência.
3. Aprovar um cronograma e planeamento orçamental
de execução de trabalhos que permita a preparação, ainda no biénio 2004/2005, da informação jurídico-científica necessária à apresentação por Portugal, até Janeiro de 2006, de uma proposta de extensão da Plataforma Continental na CLPC.
4. Organizar, em conjunto com instituições académicas, um plano de formação científico e técnico ao nível de doutoramento e pós-graduação que tenha por base os dados obtidos ou a obter no curso deste projecto.
5. Disponibilizar know-how e capacidades em meios técnicos e científicos para apoio a países em desenvolvimento, em particular no caso dos países de língua portuguesa, em projectos de extensão da plataforma continental, tanto pelo directo interesse estratégico de um tal apoio, como pelas oportunidades que se abrem no plano da criação e reforço de recursos humanos nacionais em áreas técnicas e científicas relacionadas, e de optimização de eventuais investimentos em meios materiais que sejam realizados para efeitos da concretização do projecto em Portugal.
6. Acelerar a transformação prevista do segundo navio hidro-oceanográfico da Marinha com equipamentos específicos para a cartografia multi-feixe e levantamentos geológicos e geofísicos, que neste momento se prevê estar concluída apenas no final de 2006.
V. Construir uma estrutura institucional moderna de gestão do oceano
Institucionalização de um Conselho de Ministros especializado para os assuntos do Oceano, presidido pelo Primeiro-
Ministro, de composição restrita e com reuniões de periodicidade não inferior a semestral.
Definição de competências deste Conselho de Ministros Especializado nas grandes linhas de orientação de uma política global para o Oceano, nela se compreendendo a implementação de uma Estratégia Nacional para o Oceano, a avaliação periódica do estado dos assuntos do Oceano e a articulação integradora de políticas sectoriais, promovendo-se a coordenação e a cooperação dos ministérios e entidades envolvidos.
Criação da Entidade Nacional para o Oceano na dependência do Primeiro-Ministro.