13
1 OS RIOS MUSICAIS Luís Ribeiro CERIS - IST

OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

1

OS RIOS MUSICAIS

Luís Ribeiro

CERIS - IST

Page 2: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

2

A música como linguagem universal possui o poder de transmitir a natureza

‘mágica’ da água, de nos transportar a uma dimensão espiritual como

nenhuma outra forma de arte o poderá fazer. Podemos navegar

sugestionados por uma melodia através de impressões visuais. A música

estimula a imaginação permitindo sonhar com infinitas imagens, viajar por

estados psíquicos onde a combinação de referências é ilimitada. Os vários

estados de alma podem ser representados simultaneamente pelo aspecto

das nuvens, pelo fluxo dos rios, pelo vai vem das ondas do mar, pela chuva

que cai e traduzidos em andamentos musicais: o andante, o adagio, o

allegro, o vivace, o presto, executados quer pelo piano, violino, ou violoncelo,

quer por trios e quartetos, quer por grandes conjuntos orquestrais ou corais,

bailados, óperas e outras acções cénicas. Muitas vezes, essa simbiose é

perfeita e quando isso sucede surge a obra-prima.

Aqui à beira do rio

Sossego sem ter razão.

Este seu correr vazio

Figura, anónimo e frio,

A vida vivida em vão.

Fernando Pessoa

Page 3: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

3

OS RIOS EUROPEUS

Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge

I para uma faustosa festa, para a qual convidou Handel a compor uma

música condizente com o acto. O resultado dessa encomenda foi uma obra

orquestral em 3 partes que ficará conhecida para a posteridade por

‘Música Aquática’ (Water Music) que é indubitavelmente uma das mais

prodigiosas criações do Período Barroco.

Nessa 4ª feira à noite o monarca e a nobreza deixaram Whitehall em

vários barcos e navegaram pelo Tamisa até Chelsea onde cearam na Villa

de Lord Ranelagh. As festividades prolongaram-se pela noite dentro de tal

forma que o regresso do Rei a St James’s Palace só se deu pelas 4.30 de

madrugada.

O evento foi descrito com detalhe por Friedrich Bonnet, o embaixador da

Prússia em Londres.

« Perto do barco do rei estava o dos músicos em número de 50, que tocaram

todos os tipos de instrumentos: trompetes, trompas, oboés, fagotes, flautas

alemãs, flautas francesas, violinos, baixos. A música tinha sido composta

especialmente pelo Senhor Haendel, natural de Halle, compositor principal

da Corte de Sua Majestade. O concerto foi de tal modo apreciado por Sua

Majestade que foi executado por três vezes a pedido do monarca».

As 3 suites que constituem a ‘Música Aquática’ possuem na verdade um

ambiente de grande festividade, uma instrumentação extrovertida,

melodias encantadoras, ritmos vigorosos.

Minuetes, bourrées, rigaudons, gigues, hornpipes são algumas das danças

que surgem nesta admirável composição, onde Haendel revela o seu

Page 4: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

4

inegável cosmopolitismo: sólidas bases germânicas, uma formação

italiana, uma assimilação notória do gosto francês e da tradição inglesa.

Smetana foi um infatigável defensor da música dos países checos. ‘A

Minha Pátria’ (Ma Vlast), é um grande fresco que inclui 6 poemas

sinfónicos, evocando cada um deles um episódio da história checa que

presta homenagem ao País da Boémia.

Bedřich Smetana (1824 –1884)

O segundo quadro sinfónico intitulado ‘Vltava’, descreve as diferentes

fases da vida desse famoso rio, que nasce nas montanhas de Šumava e

desagua no Elbe, em Melnik a norte de Praga. A música descreve o seu

nascimento a partir de duas fontes, uma quente e outra fria, a forma como

essas linhas de água se juntam para formar o rio, a sua passagem por

florestas e planícies através de uma encantadora paisagem onde sobre

rochedos se elevam castelos medievais e ruínas de civilizações antigas, e

Page 5: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

5

onde têm lugar festas encantadoras e ocorrem alegres festivais. Depois, o

rio Vltava transforma-se num turbilhão nos rápidos de São João, lançando-

se numa grande torrente perto de Praga, passa pela colina de Vyšehrad e

desaparece finalmente no Elbe.

O Danúbio é o segundo rio mais longo da Europa. Com origem nas

montanhas da Floresta Negra na Alemanha, o rio percorre 2850 km até

desaguar no Mar Negro atravessando a Alemanha, a Áustria, a Eslováquia,

a Hungria, a Croácia, a Sérvia, a Bulgária, a Roménia e a Ucrânia.

Viena será porventura a capital mais célebre que o Danúbio banha Nessa

cidade, a 9 de Fevereiro de 1867, Johann Strauss filho estreará aquela que

é a sua mais célebre valsa. ‘O Belo Danúbio Azul’, um verdadeiro hino ao

mais famoso símbolo da sua cidade.

Johann Strauss filho (1825 – 1899)

Muito menos conhecida é a sinfonia ‘Danúbio’ composta por Leos Janácek

nos últimos anos da sua vida.

Page 6: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

6

O rio que retracta Janácek é muito menos pitoresco que o do seu

compatriota Smetana já que Janácek associa ao Danúbio uma trágica

simbologia feminina. Para os 4 andamentos em que se divide a obra, o

compositor checo inspirou-se em dois poemas: um da autoria de

Alexander Insarov, que narra o destino de uma prostituta afogada no rio, e

outro de Pavla Kríková, intitulado ‘A Rapariga Afogada’.

Completada pelo seu aluno Oswald Chlubna após a morte de Janácek

ocorrida em 1928, esta obra enigmática é uma magnífica ode ao Danúbio,

um caleidoscópio de cores, com uma orquestração sedutora, em que se

deve enfatizar o 3º andamento, onde uma voz de soprano canta uma

melodia ondulante, sem palavras, em forma de vocalise.

Leos Janácek (1854 – 1928)

Nos rios e ribeiros da Áustria habitava uma rica fauna piscícola onde se

poderiam encontrar carpas e trutas. Baseado num poema de Christian

Friedrich Schubart, Franz Schubert comporá em 1817 uma das suas mais

populares canções: ‘A Truta’.

Page 7: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

7

Dois anos depois utilizará esse mesmo tema para escrever as variações

que constituirão o 4º andamento do seu quinteto com piano D667.

Franz Schubert (1797 – 1828)

Durante vários séculos, o rio Reno, cujo nome é de origem celta e que

significa fluir, foi o caminho natural para os viajantes que cruzavam a

Europa central. Nas margens desse rio, que cruza o território de quatro

países – Suíça, França, Alemanha e Holanda -, foram construídos ao logo

dos tempos, inúmeros castelos e fortalezas e edificadas importantes

cidades.

O Reno nasce nos Alpes, a leste da Suíça e desagua no mar do Norte após

percorrer 1320 km, constituindo a fronteira natural entre a Alemanha e a

França.

Froberger foi um dos compositores mais antigos a produzir peças

programáticas, que costumava incluir nas suas suites. Textos muito

pessoais escritos em estilo emocional com títulos tais como ‘Lamentation

sur ce que j'ay été volé et se joüe à la discretion et encore mieux que les

Page 8: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

8

soldats m'ont traité’ ou ‘Plainte faite à Londres pour passer la melancholie’

A sua ‘Allemande faite en passant le Rhin dans une barque en grand péril’

dividida em 26 pequenos trechos pode considerar-se a primeira obra

musical a referir-se ao rio Reno.

Johann Jakob Froberger (1616-1667)

A partir do final do século XVIII, o Reno foi descoberto por poetas,

músicos e escritores tornando-se um tema recorrente da literatura

francesa e germânica.

Georges Bizet compôs os seus 6 cantos do Reno para piano, em 1866.

Inspirados em poemas de Josèph Méry, o librettista do ‘Don Carlos’ de

Verdi, estes autênticos lieder sem palavras, possuem uma cor e uma

expressividade incontestáveis como ilustram as 2 peças: ‘L’Aurore’, uma

melodia fresca, um tanto nostálgica e ‘Le Départ’.

Page 9: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

9

Georges Bizet (1838 – 1875)

Quase na mesma altura, em 1864, Jacques Offenbach estreava em Viena a

sua ópera romântica em 4 actos, ‘As Fadas do Reno’. Contrastando com o

êxito triunfal da sua ópera ‘A Bela Helena’, levada à cena no mesmo ano

em Paris, aquela foi um fracasso completo, vítima ao que consta de uma

cabala arquitectada por indefectíveis wagnerianos.

O libretto inscreve-se na tradição da grande ópera romântica. A acção

decorre nas margens do Reno em 1522, narrando amores contrariados

num fundo de guerras fratricidas onde se exalta o sentimento patriótico.

Jacques Offenbach (1819 – 1880)

Page 10: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

10

Caída no esquecimento, a ópera veio recentemente a ser redescoberta,

testemunhando o talento de orquestrador e a inspiração versátil de

Offenbach.

Momento absolutamente seminal da cultura ocidental é a tetralogia ‘O

Anel do Nibelungo’ de Richard Wagner.

É no Reno que se inicia e é também aí que termina a famosa saga.

Na 1ª cena do prólogo ‘O Ouro do Reno’, as 3 filhas do Reno guardadoras

do tesouro que brilha no cimo de um rochedo, nadam por entre as ondas e

troçam do astucioso anão Alberich que tenta seduzi-las. Revelam-lhe

porém que aquele que se apoderar do ouro e com ele conseguir forjar um

anel dominará o mundo, desde que renuncie ao amor.

No prólogo da última ópera da tetralogia, ‘O Crepúsculo dos Deuses’,

Brunnhilde manda Siegfried em busca de novas proezas que

testemunhem o seu amor. Deixando a Brunnhilde o anel como penhor da

felicidade, Siegfried parte para uma viagem pelo Reno.

Na última cena desta última jornada Brunnhilde ordena aos vassalos que

levantem uma pira fúnebre destinada a receber os restos mortais de

Siegfried, entretanto assassinado por Hagen. Comovida, arranca o anel do

dedo de Siegfried, causa de tantas desgraças, e devolve-o ao Reno. Em

seguida, montando o seu cavalo, Brunnhilde arremessa-se às chamas da

pira. Estas crescem, invadem toda a cena, e diminuem o seu fulgor,

enquanto o Reno, transbordando, apaga os restos do incêndio. As três

filhas do Reno apoderam-se do anel e, como Hagen se precipita para o

roubar, arrastam-no consigo para o fundo do rio. À distância vê-se o

Valhalla em chamas. Os deuses extinguem-se e uma nova era de amor

humano alvorece resplandecente sobre a Terra.

Page 11: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

11

OS RIOS AMERICANOS O rio Mississípi é o segundo mais longo dos Estados Unidos. Juntamente

com o seu afluente, o rio Missouri, formam a maior bacia hidrográfica da

América do Norte. A sua extensão é de aproximadamente 6270 km. A

origem do nome Rio Mississippi vem da palavra da língua ojibwe misi-ziibi

que significa 'Grande Rio'.

Ferde Grofé homenageou o rio Mississípi na sua suite orquestral

homónima composta em 1925. A obra dividida em quatro andamentos

descreve uma viagem desde a nascente em Minesota até Nova Orleães. O

3º andamento ‘Old Creole Days’, está inspirado nos espirituais cantados

pelos escravos nas plantações.

Ferde Grofé (1892 – 1972)

O Rio Paraná é o segundo mais extenso da América do Sul atravessando o

Brasil, o Paraguai e a Argentina ao longo de 4880 quilómetros

Page 12: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

12

O nome Paraná é uma abreviação da palavra "para rehe onáva", termo que

provém da língua Tupi e que significa ‘tão grande como o mar’. Tem a sua

origem no rio Paraguai, e junta-se a jusante ao rio Uruguai para formar o

rio de la Plata e desaguar no Oceano Atlântico.

Ginastera compõe em 1935 a sua opus 1 ‘Panambí’ um bailado em vários

quadros que narra uma lenda romântica e sobrenatural de amor e magia

dos índios Guarani, que habitam nas cabeceiras do rio Paraná no Norte da

Argentina. Influenciado pela música de Falla, Stravinsky, Debussy e Bartók

a obra apresenta-se ora vigorosa, rítmica, ora pastoral, impressionista

como na dança das divindades da água que celebra os espíritos

encantados da selva, por donde flui o rio, reflectindo as almas de um

passado remoto.

Alberto Ginastera (1916 – 1983)

OS RIOS ASIÁTICOS O rio Amarelo é o terceiro mais longo da Ásia com um comprimento

estimado em 5464 km. Originário das montanhas Bayan Har na província

Page 13: OS RIOS MUSICAIS - APRH › congressoagua2018 › docs › osriosmusicais.pdf · 3 OS RIOS EUROPEUS Em 17 de Julho de 1717, o rio Tamisa foi o cenário escolhido pelo rei Jorge I

13

Qinghaimo na parte Ocidental da China, o rio flui por nove províncias até

desaguar no mar Bohai perto da cidade de Dongying.

Xian Xingha escreveu a cantata ‘Rio Amarelo’ em 1939, durante a Guerra

sino-japonesa (1937 – 1945). É uma obra em oito andamentos que utiliza

melodias populares tradicionais para evocar a resistência do povo chinês

aos invasores japoneses.

Xian Xingha (1905 – 1945)

Banida do repertório durante a Revolução Cultural (1966 – 1976), foi

posteriormente transformada em concerto de piano em quatro

andamentos:

1 Preludio. A canção dos barqueiros do rio Amarelo (黄河船夫曲)

2. Ode ao rio Amarelo (黄河颂)

3. O rio Amarelo em fúria (黄河愤)

4. Defendamos o rio Amarelo (保卫黄河)