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“Os sentidos da universalidade no debate da saúde no Brasil: uma
análise da 8ª Conferência Nacional de Saúde”
por
Celita Almeida Rosario
Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em
Ciências na área de Saúde Pública.
Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Tatiana Wargas de Faria Baptista
Segundo orientador: Prof. Dr. Gustavo Corrêa Matta
Rio de Janeiro, maio de 2015.
Esta dissertação, intitulada
“Os sentidos da universalidade no debate da saúde no Brasil: uma
análise da 8ª Conferência Nacional de Saúde”
apresentada por
Celita Almeida Rosario
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof. Dr. Ruben Araújo de Mattos
Prof. Dr. Eduardo Navarro Stotz
Prof.ª Dr.ª Tatiana Wargas de Faria Baptista – Orientadora principal
Dissertação defendida e aprovada em 25 de maio de 2015.
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública
R789s Rosário, Celita Almeida
Os sentidos da universalidade no debate da saúde no
Brasil: uma análise da 8ª Conferência Nacional de Saúde. /
Celita Almeida Rosário. -- 2015.
127 f.
Orientador: Tatiana Wargas de Faria Baptista
Gustavo Correa da Matta
Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2015.
1. Sistemas de Saúde. 2. Reforma dos Serviços de
Saúde. 3. Conferências de Saúde. 4. Sistema Único de
Saúde. 5. Brasil. I. Título.
CDD – 22.ed. – 362.1040981
“A utopia está no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte se distancia dez passos mais além. Para que serve a
utopia? Serve para isso: para caminhar.”
Eduardo Galeano
AGRADECIMENTOS
Gratidão!
À minha família agradeço por todo apoio desde sempre, por todo afeto e por toda
torcida! Em especial à minha mãe Márcia!
Agradeço aos meus orientadores: Tatiana Wargas e Gustavo Matta, primeiro por
aceitarem orientar esta aluna que chegou apenas com muitas e muitas inquietações que,
assim como uma pedra bruta, foram sendo lapidadas em cada orientação junto à vocês.
À Tati, agradeço por toda a sua dedicação, disponibilidade, por me motivar a cada passo
avançado na pesquisa e por sua doçura, que tanto ameniza a vida de mestrandos
desesperados! rs Da mesma forma, agradeço ao Gustavo pela dedicação, disponibilidade
e pela motivação ao longo da pesquisa. Agradeço pelas orientações e grupos de estudos
que tanto auxiliaram na construção deste estudo, mas que também contribuíram
enormemente para minha formação como futura mestre. Foi um prazer trabalhar e
aprender junto à vocês!
Agradeço aos professores Eduardo Stotz e Ruben Mattos pelas contribuições que
aprimoraram a construção deste trabalho!
Agradeço aos professores da ENSP, que além de ensinarem o conteúdo acadêmico,
tornaram-se grandes exemplos de mestres por toda a dedicação, respeito e apreço ao
ensino e aos alunos. Sinto-me muito feliz em ter feito parte desta Escola e ter tido a
chance de aprender com vocês!
Agradeço aos meus queridíssimos e amados amigos! A cada um de vocês meu enorme
agradecimento pela paciência durante o processo de construção desta dissertação!
Agradeço cada abraço amigo, cada angústia dividida, cada incentivo! Agradeço a sorte
de tê-los por perto e na torcida em cada nova empreitada!
Agradeço aos meus amigos de turma de Mestrado da ENSP por todo apoio, toda
preocupação e colaboração, pela troca de ideias, pelas conversas divertidas nos
corredores da ENSP e por dividirem comigo o mesmo ideal de contribuir para a saúde
do nosso país! Agradeço também aos amigos de outras subáreas com que tive o prazer
de dividir ideias ao longo das aulas. Muito deste trabalho vem da contribuição de vocês
que acompanharam cada etapa dele!
6
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo identificar os sentidos de universalidade presentes
no debate da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) no Brasil. Após 25 anos da
criação do SUS, o tema da universalidade retorna ao debate da saúde no Brasil através
do reconhecimento de uma possível modificação de seu sentido a partir dos anos 2000,
onde este princípio vem sendo utilizado em dois sentidos distintos: o de cobertura
universal de saúde e o de sistemas universais de saúde. Esta elucidação suscitou a
necessidade capturar e investigar os principais argumentos e discursos acerca do sentido
da universalidade no debate da saúde no Brasil, através de uma abordagem teórico-
metodológica para o estudo da produção de sentidos a partir da análise das práticas
discursivas. A VIII CNS apresentou-se como espaço privilegiado para a captura do
processo discursivo acerca da universalidade, por se caracterizar um marco para o
movimento da Reforma Sanitária e pela expressiva participação popular. Foram
escolhidos como fonte de análise os Anais da 8ª CNS, o Relatório Final, além de artigos
da Revista Saúde e Debate, revistas, jornais e vídeos relacionados à VIII CNS. Logo,
buscou-se também reconhecer os processos políticos e contextos que davam sentido aos
enunciados, trazendo à tona os discursos em disputa e as possíveis condições que esses
se apresentam e são formados. A análise deste estudo revelou que, embora não houvesse
uma preocupação com a definição do conceito tal como no debate atual, apresentou-se
como predominante nos discursos a ideia de universalidade como ampliação do acesso
ao direito à saúde. Identificou-se como condições de possibilidade para a emergência
deste sentido o processo de redemocratização do Estado no final da década de 1980 e a
disseminação de propostas para uma reforma ampla atreladas à ideia de garantia de
direitos de cidadania, além da forte participação popular e de atores que defendiam a
ampliação do acesso ao direito à saúde. Evidenciou-se ainda a existência de eixos temáticos
que influenciavam a construção dos sentidos de universalidade: Responsabilidade do Estado,
Unificação do SNS, Estatização do SNS e Setor Privado como Concessão. A análise destes
eixos permitiu concluir que no debate da VIII CNS sobressaíram as propostas relacionadas à
ideia de saúde como conceito ampliado e como um direito social.
Palavras- Chaves: Universalidade; VIII Conferência Nacional de Saúde; SUS;
Reforma Sanitária; Produção de sentidos;
7
ABSTRACT
This study aims to identify the meanings of universality present in the debate of the VIII
National Health Conference (CNS) in Brazil. After 25 years of SUS creation, the theme
of universality returns to the health debate in Brazil by recognizing a possible
modification of its meaning from the 2000s, where this principle has been used in two
different senses: the universal coverage health and universal health systems. This
elucidation raised the need to capture and investigate the main arguments and speeches
about the meaning of universality in the health debate in Brazil, through a theoretical
and methodological approach to the study of the production of meaning from the
analysis of the discursive practices. The VIII CNS presented himself as a privileged
space to catch the discursive process about universality, by characterizing a milestone
for the movement of health reform and the significant popular participation. Were
chosen as the source of the analysis of the 8th CNS proceedings, Final Report, and of
the journal Health Debate, magazines, newspapers and videos related to VIII CNS.
Therefore, it sought to recognize the political processes and contexts that gave meaning
to set out, bringing up the speeches in dispute and the possible conditions that these
present and are formed. The analysis of this study showed that, although there wasn´t a
concern with the definition of the concept as the current debate, introduced himself as
predominant in the discourse of universality idea as increased access to the right to
health. It was identified as conditions of possibility for the emergence of this sense the
state of the democratization process in the late 1980s and the spread of proposals for a
comprehensive reform linked to the idea of ensuring citizenship rights, in addition to
strong popular participation and actors who advocated increased access to the right to
health. It also showed the existence of themes that influenced the construction of the
universality of meanings: State Responsibility, the Unification NHS, the NHS
Nationalization and Private sector as Concession. The analysis concluded that these
axes in the debate VIII CNS highlights proposals related to the idea of health as a
broader concept and as a social right.
Key -words: Universality; VIII National Health Conference; Health Reform;
Production of senses; Unified Health System;
8
LISTA DE SIGLAS
ABEM - Associação Brasileira de Educação Médica
ABRASCO - Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
AIH - Autorização de Internação Hospitalar
AIS - Ações Integradas de Saúde
AMB- Associação Médica Brasileira
APS- Atenção Primária em Saúde
BM - Banco Mundial
BNDES- Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CEBES - Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CENDES- Centro de Desenvolvimento Econômico e Social
CDNM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
CFM- Conselho Federal Medicina
CIMS - Comissão Interinstitucional Municipal de Saúde
CIPE - Comissão Interministerial de Planejamento Estadual
CIPLAN - Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação das Ações de
Saúde
CIS - Comissão Interinstitucional de Saúde
CNBB - Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
CNS - Conferência Nacional de Saúde
CNRS - Comissão Nacional da Reforma Sanitária
CNTI - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria
COC - Casa de Oswaldo Cruz
CONAM- Confederação Nacional das Associações de Moradores
CONASP - Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária
CONASS - Conselho Nacional dos Secretários de Saúde
CONCLAT- Confederação Nacional da Classe Trabalhadora
9
CONTAG- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CRIS - Comissão Regional Interinstitucional de Saúde
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DATAPREV - Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social
DIESAT- Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes
de Trabalho
DMPs- Departamentos de Medicina Preventiva
ENSP- Escola Nacional de Saúde Pública
FAMERJ- Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro
FAS - Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
FIESP - Federação das Industrias do Estado de São Paulo
FINSOCIAL - Fundo de Investimento Social
FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz
FNM - Federação Nacional dos Médicos
FUNRURAL- Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
FUNABEM- Fundação Nacional de Bem Estar do Menor
IAPs - Institutos de Aposentadoria e Pensões
IAPAS - Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social
INAMPS- Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS- Instituto Nacional de Previdência Social
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LBA- Legião Brasileira de Assistência
MDB - Movimento Democrático Brasileiro
MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social
MS- Ministério da Saúde
NHS- National Health Service
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
10
OMS - Organização Mundial de Saúde
OPAS - Organização Panamericana de Saúde
PAIS - Programa das Ações Integradas de Saúde
PIASS - Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PPA- Programa de Pronta Ação
PRA - Programa de Racionalização Ambulatorial
PRE- SAÚDE- Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
POI - Programação Orçamentária Integrada
SAMHPS - Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social
SES- Secretaria Estadual de Saúde
SINPAS- Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SNS- Sistema Nacional de Saúde
SUDS - Sistema Unificado Descentralizado de Saúde
SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUS- Sistema Único de Saúde
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
11
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Quadro 1- Síntese do Temário das Conferências Nacionais de Saúde (da 1ª à 7ª
CNS)....................................................................................................................................
Quadro 2 - Distribuição de Vagas para Delegados na VIII CNS.................................
Quadro 3- Discursos Oficiais Proferidos na Abertura da VIII CNS..................................
Quadro 4- Participantes do Debate do Painel I..................................................................
Quadro 5- Participantes do Debate do Painel II............................................................
Quadro 6- Participantes do Debate do Painel III..........................................................
Quadro 7- Participante da Mesa-redonda: “Constituinte e Saúde”...................................
Figura 1- Eixos que Atravessam a Temática da Universalidade no Debate da VIII
CNS.....................................................................................................................................
Quadro 8- Comparativo entre Relatório Final da VIII CNS e Relatório da
CNRS...................................................................................................................................
55
61
66
67
69
70
71
79
109
12
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS........................................................................................................
RESUMO ............................................................................................................................
ABSTRACT .......................................................................................................................
LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................
LISTA DE QUADROS E FIGURAS .................................................................................
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................
CAPÍTULO 1- UNIVERSALIDADE: SISTEMAS UNIVERSAIS OU COBERTURA
UNIVERSAL? ....................................................................................................................
1.1 - A Construção de Sistemas de Saúde Universais .......................................................
1.2- Reformas nos Sistemas de Saúde: Crise nos Sistemas de Saúde Universais...............
1.3- Debate atual da Universalidade: Sistemas Universais ou Cobertura Universal?.........
CAPÍTULO 2 - ANTECEDENTES DA VIII CNS ............................................................
2.1- Redemocratização: A Saúde na Nova República .....................................................
CAPÍTULO 3- A CONFERÊNCIA DA REFORMA SANITÁRIA ..................................
3.1- Conferências que Antecederam a VIII CNS ...............................................................
3.2- A VIII Conferência Nacional de Saúde .................................................................
CAPÍTULO 4 - OS SENTIDOS DE UNIVERSALIDADE NA VIII CNS .......................
4.1- Os Sentidos de Universalidade na VIII CNS ..............................................................
4.2- Consensos: Quais Sentidos de Universalidade Vigoraram Após o Debate da VIII
CNS? ...................................................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................
ANEXOS ............................................................................................................................
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ....................................................................................
V
VI
VII
XI
XII
13
22
22
26
30
34
48
53
54
58
80
81
102
112
116
124
13
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo identificar os sentidos de universalidade
presentes no debate da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) no Brasil.
A motivação para este estudo surgiu de inquietações e indagações oriundas de
minhas experiências no Sistema Único de Saúde (SUS), atuando no setor de Psicologia
ainda em minha graduação, e de muitas reflexões suscitadas durante o curso de
Especialização em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
(ENSP/FIOCRUZ) no ano de 2012.
Durante o período de formação em Psicologia, a atuação em diferentes
instituições do SUS - sobretudo em programas voltados para a reorganização dos
modelos de atenção à saúde -, possibilitou-me entrar em contato com a dinâmica do
SUS, com as equipes de saúde e com os usuários e assim perceber a complexidade do
trabalho em saúde. Nesse processo de aprendizagem, é que então pude perceber a
intensa relação de muitos problemas de saúde apresentados pelos usuários com fatores
do contexto social tais como pobreza, violência, péssimas condições de moradia e
trabalho; e a necessidade de se buscar alternativas de modelos de atenção que
privilegiassem uma concepção de saúde ampliada e que considerassem no processo de
saúde-doença os sujeitos e o contexto no qual estão inseridos.
Nesse sentido, já no curso de Especialização em Saúde Pública da ENSP,
busquei compreender a discussão acerca dos modelos de atenção à saúde, assim como
alguns dispositivos para a sua reorganização. No entanto, no decorrer deste curso, ao
compreender um pouco mais da gênese e a constituição do SUS, novos questionamentos
emergiram e, desta vez, não mais atrelados à questão das práticas e dos modelos de
atenção, mas sim a questões mais estruturais do sistema de saúde brasileiro. De forma
mais específica, interessou-me aprofundar a compreensão da contribuição da construção
do SUS para a questão da democracia e cidadania no país, principalmente ao instituir a
saúde como um direito social, através do princípio de universalidade.
Dessa forma, tornou-se uma importante questão de estudo compreender e
conhecer de forma mais profunda esse princípio instituído na Constituição Federal de
1988, assim como o seu debate no contexto atual, em um sistema de saúde tão
complexo e híbrido como o brasileiro.
Uma primeira aproximação com esta discussão levou-me ao reconhecimento do
debate em torno da universalização entre autores do campo da saúde e à percepção da
existência de um tensionamento mais recente (anos 2000) em torno deste princípio, com
14
a distinção entre universalidade como cobertura assistencial ou universalidade como
sistemas universais. Nesta revisão preliminar, foi possível identificar uma
multiplicidade de argumentos e sentidos para o princípio de universalidade, o que
consequentemente justifica o embate atual e conduziu-me a aprofundar os estudos na
busca da compreensão desses diferentes sentidos.
Segundo Paim e Silva (2010) a noção de universalidade é estritamente
relacionada ao princípio de igualdade e à ideia de justiça. Já na ciência política, esse
princípio tem sido relacionado ao campo do direito, mais especificamente dos direitos
humanos, e refere-se aos “direitos que são comuns a todas as pessoas, como um direito
positivo que visa à manutenção da vida individual e social no mundo moderno”
(MATTA, 2009, p.465).
Na Lei Orgânica da Saúde 8.080/90 o princípio da universalidade se expressa no
Art. 2º que define a saúde como “um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (p.01). Tal como
postulado nesta lei, o Estado deve garantir a saúde através da formulação e execução de
políticas econômicas e sociais visando à redução de riscos de doenças e de outros
agravos e através do estabelecimento de condições que possam assegurar o acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação. Esse dever, no entanto, não exclui a responsabilidade das pessoas, da
família, das empresas e da sociedade (BRASIL, 1990).
Portanto, de acordo com a Lei 8080/90, para a garantia do princípio da
universalidade é preciso considerar a saúde como conceito ampliado, ou seja,
compreender que
“os níveis de saúde expressam a organização social e econômica
do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes,
entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade
física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais” (BRASIL, 1990, p.02).
Da mesma forma, na Constituição Federal de 1988, a universalidade também é
apresentada no art. 196 que define saúde como um direito de todos e dever do Estado.
Esta Constituição é considerada por diversos autores como a “Constituição Cidadã”,
visto que simbolizou um marco na garantia de direitos fundamentais a população. Nela
o SUS foi instituído e, pela primeira vez no país, a saúde foi considerada como um
direito social fundamental.
15
No entanto, após 25 anos da criação do SUS, o tema da universalidade vem
retornando ao debate da saúde no Brasil. Segundo autores como Noronha (2013) o novo
debate traz como questão uma possível modificação no sentido de universalidade a
partir dos anos 2000, que difere de forma significativa daquele sentido pactuado na
construção do SUS. Essa percepção de mudança no sentido sugere que o princípio da
universalidade na saúde vem sendo utilizado e confundido como simples expansão da
oferta e cobertura, o descaracterizando como um princípio fortemente atrelado ao direito
do indivíduo e dever do Estado, à equidade e à democracia (COHN, 2009; MATTA,
2009; NORONHA, 2013).
Segundo Paulo Buss, em entrevista recente acerca de sistemas universais de
saúde (DOMINGUEZ, 2013), observa-se atualmente a utilização do princípio da
universalidade em dois sentidos distintos: um que defende uma cobertura universal de
saúde e outro que defende sistemas universais de saúde. Para Paulo Buss, o primeiro
sentido seria apenas uma das dimensões dos sistemas universais públicos e o foco da
cobertura estaria na expansão do acesso aos serviços de saúde, sejam eles prestados por
entes públicos ou privados. Já o segundo sentido seria mais abrangente e estaria
relacionado ao direito à saúde, integralidade e equidade.
A elucidação dessa percepção de mudança de sentido trazida ao debate por esses
e outros atores suscitou, portanto, a necessidade de compreender melhor o princípio de
universalidade. Isso porque, tornou-se claro que apesar de ter sido institucionalizado sob
um determinado sentido, nas práticas cotidianas e no discurso dos sujeitos envolvidos
com o sistema de saúde brasileiro o princípio da universalidade é vocalizado de
diferentes formas.
A partir dessa constatação alguns questionamentos acerca do tema apresentaram-
se: o princípio da universalidade sempre foi unânime no debate da saúde no Brasil ou
coexistiram diferentes sentidos? Que fatores possibilitaram a maior expressão de um
sentido no debate da saúde no Brasil em detrimento de outros? Quais contextos sociais e
políticos possibilitaram a emergência de um determinado sentido nos discursos dos
atores da saúde brasileira? De que forma e onde é possível identificar e analisar as
mudanças de sentido do princípio da universalidade?
Foi, portanto, na busca por responder esses questionamentos que se apresentou a
necessidade de capturar e investigar os principais argumentos e discursos acerca do
sentido da universalidade no debate da saúde no Brasil.
16
Embora os argumentos apresentados pelos autores acerca da modificação no
sentido de universalidade pareçam pertinentes e pertençam ao debate atual da saúde,
durante leituras prévias para a realização desse estudo conjecturou-se a hipótese de que
esse debate não é tão recente quanto a princípio se imaginou. Logo, ao investigar quais
seriam os possíveis motivos que justificariam essa mudança, compreendeu-se que seria
necessário verificar o processo discursivo desse conceito e, para isso, seria preciso
conhecer igualmente a discussão dessa temática em um contexto anterior ao debate
atual.
Nessa perspectiva, durante o processo de construção de uma metodologia para
esse estudo buscou-se construir caminhos de análise que permitissem a compreensão e o
reconhecimento dos diversos sentidos do princípio da universalidade no debate da saúde
no Brasil. Era necessário, portanto, partir de um referencial analítico que, mais do que
trazer à tona os chamados “universais1” e conceitos de acerca de uma temática,
possibilitasse elucidar a história de um determinado conceito, os debates e, sobretudo,
os diferentes discursos existentes, suas contradições e disputas. Segundo BAPTISTA,
BORGES & MATTA (2015), é preciso olhar a história sem um sentido finalístico, mas
sim como um acontecimento resultante “dos jogos de força que se encontram em jogo
na história e obedecem ao acaso da luta” (p.103) e, dessa forma, buscar reconhecer as
condições que se apresentam e possibilitam a emergência de discursos de uma época.
A fim de alcançar este objetivo esse estudo apoiou-se na abordagem teórico-
metodológica desenvolvida por Spink e colaboradores (SPINK, 2004) para o estudo da
produção de sentidos a partir da análise das práticas discursivas. Para Spink e Medrado
(2004) os sentidos são compreendidos como construções sociais, produzidas nas
interações cotidianas,
“por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações sociais
historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem
os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as
situações e fenômenos a sua volta” (p.41).
Ou seja, os sentidos estão presentes nos discursos, o que faz da linguagem uma
ferramenta para a construção da realidade. Esses, por sua vez, apresentam regularidades
1 Segundo Baptista, Borges e Matta (2015) esta é uma terminologia utilizada por Foucault para colocar os
conceitos em suspenso e questionar as verdades absolutas que se busca imprimir nos discursos e nos fatos
e acontecimentos da história. Com isso, Foucault busca escapar da essência dos conceitos e valoriza como
estes funcionam e operam nas realidades. Assim, seu método de análise trabalha com o inusitado porque
precisa da liberdade para encontrar o inesperado, porque se dispõe a falar dos discursos silenciados e seus
efeitos.
17
linguísticas, que orientam as práticas cotidianas das pessoas e tendem a manter e
reproduzir certos discursos tanto no nível macro dos sistemas políticos e disciplinares,
quanto no nível restrito dos grupos sociais (SPINK & MEDRADO, 2004).
Dessa forma, a produção de sentidos pode ser compreendida como uma prática
social, dialógica, que implica a compreensão da linguagem em uso e que busca entender
as práticas discursivas que atravessam o cotidiano, como as narrativas, argumentações e
conversas, além dos repertórios utilizados nessas produções discursivas (SPINK &
MEDRADO, 2004; PINHEIRO, 2004). Segundo Spink e Medrado (2004), as práticas
discursivas constituem-se como um caminho privilegiado para se compreender a
produção de sentidos no cotidiano. Além disso, o trabalho no nível da produção de
sentidos exige ainda uma retomada da linha da história, pois os repertórios
interpretativos que nos servem de referência foram constituídos histórica e
culturalmente. Logo, essa retomada possibilita a compreensão da construção social dos
conceitos que são utilizados no cotidiano nos discursos (SPINK & MEDRADO, 2004).
Através de um processo de pesquisas documentais prévias, inferiu-se que as
Conferências Nacionais de Saúde (CNS) seriam um espaço privilegiado para essa
retomada no processo discursivo do princípio da universalidade. Isso porque, desde a
promulgação da Lei n. 8.080/90, as CNS ocupam no SUS a condição de instância
formal de exercício do princípio de participação da comunidade. Portanto, atuam como
arenas nas quais a participação social se antecipa à formulação de políticas e, através
desta participação, busca-se desenhar princípios, diretrizes e pressupostos que deverão
orientar todo o processo de formulação de políticas de saúde. Segundo Guizardi et al
(2004), as CNS podem ser caracterizadas como um
“espaço público de deliberação coletiva sobre as diretrizes que
devem guiar a estruturação e condução do SUS, sendo que nelas
o princípio da participação da comunidade assume
explicitamente um caráter decisório acerca da configuração do
sistema” (p.16).
Logo, compreendeu-se que neste espaço de deliberação e de participação de
diferentes atores seria possível capturar e investigar os principais argumentos, discursos,
sentidos, debates e disputas existentes frente a um determinado tema no setor de saúde
brasileiro, nesse caso a temática da universalidade.
Em um primeiro momento do estudo optou-se por investigar os sentidos de
universalidade nas CNS de saúde, tomando como referência os Relatórios Finais e
documentos elaborados da VII à XIV edição. A delimitação da análise a partir da VII
18
edição (em 1980) da CNS se deu, primeiro porque as edições anteriores caracterizavam-
se como espaços de discussões estritamente técnicos e, segundo porque o debate da
universalidade se mostra de certa forma mais presente a partir desta edição. No entanto,
durante o processo de pesquisa entendeu-se que a escolha metodológica de analisar a
VIII CNS permitiria melhor capturar argumentos, debates e sentidos acerca da
universalidade na saúde.
E por que se escolheu a VIII CNS para a análise desse estudo? Primeiramente,
porque há um consenso entre diversos autores (CEBES, 2014; GADELHA &
MARTINS, 1988; NETO, 2003) de que esta Conferência simbolizou um marco para o
reconhecimento do direito à saúde no Brasil- e, portanto, à universalidade na saúde -,
pois pela primeira vez no país a saúde foi reconhecida como um dever do Estado e
direito do cidadão. Segundo Neto (2003) a VIII CNS simbolizou também um marco
para o Movimento da Reforma Sanitária cujas propostas apresentadas tornaram-se as
principais diretrizes para a construção do novo Sistema Nacional de Saúde (SNS), o
SUS.
Outro marco da VIII CNS refere-se à intensa participação da comunidade, já que
pela primeira vez na história das CNS contou-se com a presença e a participação de
diferentes representantes da sociedade, tais como usuários, profissionais, trabalhadores
da saúde, entre outros, nas deliberações da política de saúde. Essa organização até então
inédita, concretizou a proposta do debate democrático, e até mesmo o confronto de
opiniões e de ideias entre os atores participantes materializou o processo de construção
da democracia que se pretendia (BRASIL, 2001).
Devido a estas peculiaridades, portanto, entendeu-se como mais interessante ao
estudo e à identificação dos sentidos da universalidade na saúde aprofundar a análise
nos discursos da VIII CNS. Logo, foram escolhidos como fonte de análise os principais
documentos elaborados na VIII CNS: os Anais da 8ª CNS, contendo os trabalhos
apresentados durante a VIII CNS e o Relatório Final da 8ª CNS. Foram também
analisados documentos de contextualização tais como: artigos da Revista Saúde e
Debate, revistas, jornais e vídeos relacionados à VIII CNS. Além disso, foi realizada
uma visita à Casa de Oswaldo Cruz (COC/FIOCRUZ) onde foi possível entrar em
contato com o acervo histórico sobre a VIII CNS e onde foram encontrados documentos
que auxiliaram na compreensão do debate da Conferência e do contexto histórico do
período.
19
A escolha pelos materiais elaborados na VIII CNS baseou-se na compreensão de
que a formulação destes documentos originou-se da realização de toda uma fase de
debates prévios, grupos de trabalho, discussão de propostas, negociações e disputas
entre diferentes posições, para que no fim fossem aprovadas certas análises e diretrizes
para as políticas de saúde. Dessa forma, constituíram-se como documentos históricos
privilegiados para apreender os principais argumentos, sentidos, debates, disputas,
continuidades e deslocamentos argumentativos existentes acerca da universalidade na
saúde.
Cabe ressaltar que esses documentos foram utilizados como pano de fundo e
analisados junto aos materiais referentes ao contexto político-institucional do período
com a finalidade de investigar a existência de algum tipo de relação entre os sentidos
identificados nos discursos com o contexto da época. Portanto, além de analisar os
sentidos de universalidade nos discursos da VIII CNS interessou ao estudo reconhecer e
dar visibilidade aos processos políticos e contextos que dão sentido aos enunciados,
buscando, assim, trazer à tona os discursos em disputa e as possíveis condições que
esses se apresentam e são formados.
Durante o percurso metodológico, foi importante buscar nos materiais indícios
que vinham ao encontro das perguntas de investigação e que serviram como guias
iniciais para se eleger o que era necessário aprofundar na leitura histórica. No entanto,
apesar de apoiar-se em um referencial teórico, o estudo não se apoiou em uma teoria
geral ou modelos a priori. Na verdade, buscou-se reconhecer caminhos específicos de
análise, que foram sendo delineados a partir das questões de pesquisa e incrementados
com novas questões emergidas durante o processo analítico.
Dessa forma, ao entrar em contato com os materiais a serem analisados, tomou-
se como referência uma concepção que considera insuficiente tratar os processos
políticos apenas no que é aparente ou formalmente estabelecido. Segundo Baptista e
Mattos (2011),
“É preciso romper com uma visão normativa e descritiva das
políticas e trazer o que há de vida na sua construção. Isto tudo
nos sugere que é necessário ir além deste modo formal de
definição de Estado e de políticas públicas, buscando nas
práticas sociais as formas de construção das políticas públicas
em cada contexto” (p.63).
Ainda segundo estes autores, durante a análise de políticas deve-se atentar para
aquilo que não se apresenta no documento oficial, tal como os conflitos velados, o olhar
20
e discurso diferenciados entres os diversos atores, a utilização de conceitos que se
apresentam em um debate, além dos acasos e contingências na construção das
estratégias de política, ou seja, a forma como foi se delineando o argumento em torno da
política em questão.
Ressalta-se ainda que o conceito de política adotado por esse estudo a
compreende, não de maneira restrita ao seu aspecto formal de enunciado oficial, mas
como uma prática de embates e conflitos de interesses, de posicionamentos, que podem
produzir acordos momentâneos e dinâmicos, que expressam uma forma historicamente
construída de viver e reproduzir da sociedade. (BAPTISTA & MATTOS, 2011).
Nessa perspectiva, a análise dos documentos elencados foi realizada a partir do
seguinte percurso: primeiro pela leitura prévia dos documentos selecionados, seguido da
identificação de trechos que continham conteúdo relevante à temática da universalidade.
Neste processo, foram identificados eixos temáticos2 que atravessavam o objeto de
estudo e que também foram incluídos na análise. Posteriormente este material foi
organizado através da produção de tabelas3 divididas por documentos e subdivididas
pelos eixos temáticos identificados.
Portanto, diante do que foi exposto, este trabalho se propôs a investigar e
responder as seguintes questões: Quais foram os sentidos de universalidade presentes no
debate da VIII CNS no Brasil? Quais foram os principais argumentos e propostas
políticas relacionadas ao debate da universalização em saúde presente nos discursos dos
atores participantes da VIII CNS? Quem eram os sujeitos e grupos que vocalizaram
sentidos relacionados à universalização nos discursos da VIII CNS? Quais são as
relações entre os argumentos e sentidos de universalização encontrados nos discursos da
VIII CNS e o debate de cobertura universal e sistemas universais do momento atual?
Para esta finalidade esse estudo foi dividido, além da Introdução, da seguinte
maneira: O capítulo 1 apresenta o debate atual acerca da universalidade e o
tensionamento de sentidos atribuídos à temática; O capítulo 2 discorre sobre o contexto
político-institucional do setor saúde a partir da década de 1970 até o final da década de
1980, período este que antecedeu a realização da VIII CNS, a fim de propiciar um
panorama ao leitor acerca das condições que possibilitaram o debate levado a esta
2 Além de trechos referentes à universalidade, foi identificada na leitura prévia a existência de eixos
temáticos que atravessavam a temática da universalidade , tais como: Direito à Saúde; Acesso aos
serviços de Saúde; Responsabilidade do Estado; Unificação do SNS; Estatização do SNS; Setor privado
como concessão . Estes eixos e o processo de análise dos mesmos serão mais bem apresentados no
capítulo 4. 3 Ver ANEXO I.
21
Conferência; O capítulo 3 refere-se à VIII CNS, e tem como finalidade apresentar a
estrutura, atores e debates ocorridos nesta Conferência histórica. Já o capítulo 4
apresentará os sentidos de universalidade encontrados no debate da VIII CNS; Por fim o
último capítulo trará as considerações finais do trabalho.
22
CAPÍTULO 1- UNIVERSALIDADE: SISTEMAS UNIVERSAIS OU
COBERTURA UNIVERSAL?
Para iniciar a reflexão acerca dos sentidos do princípio da universalidade e
buscar reconhecer as condições que possibilitaram a emergência dos discursos sobre
essa temática, será preciso antes compreender um pouco mais o debate atual que vem se
destacando no setor saúde do Brasil a partir dos anos 2000. Este debate refere-se a uma
possível mudança discursiva do princípio de universalidade como defesa de Sistemas de
saúde Universais para uma concepção de Cobertura Universal.
1.1 - A Construção de Sistemas de Saúde Universais
Antes de ingressar na questão central do debate atual - a mudança discursiva do
princípio de universalidade nos anos 2000 -, vale discorrer brevemente acerca da
construção dos sistemas de saúde universais a fim de compreender o contexto histórico
e político que possibilitou a emergência da ideia de saúde como direito e como esta foi
se desenvolvendo ao longo do tempo até o período atual.
Segundo Almeida (2002), a institucionalização de direitos sociais ocorre de
forma paulatina, em um processo histórico que atravessa os séculos XIX e XX, como
parte do desenvolvimento do princípio da cidadania. Este processo de desenvolvimento
de ações políticas como forma de construção de uma ordem social estava intimamente
vinculado à consolidação e complexificação dos Estados modernos. Portanto, segundo
esta autora a capacidade de regulação social do Estado, assim como a criação das
representações democráticas e a ideia dos direitos sociais, podem ser compreendidas
dentro de um contexto de desenvolvimento do sistema econômico capitalista, gerando a
necessidade de criação de uma ordem política promovida pelo Estado, cujo objetivo
principal era organizar a sociedade (ALMEIDA, 2002).
De modo mais específico, a ideia de uma política setorial para a saúde passa a
existir somente a partir da segunda metade do século XIX. Surge através do
imbricamento do discurso médico-científico com o âmbito social, permitindo a
emergência da saúde pública e da política de saúde como campos de intervenção do
Estado. Essa intervenção, no entanto, não acontece de forma linear e uniforme, mas sim
como resposta a diferentes demandas e necessidades em espaços e épocas distintas4
(ALMEIDA, 2002).
4 A autora cita as diferentes e complementares etapas de constituição da medicina social na Europa – da
medicina do Estado na Alemanha, da medicina urbana na França e da medicina da força de trabalho na
Inglaterra, discutidas por Foucault (1979).
23
Antes disso, contudo, durante o século XVIII, já é possível identificar a
emergência da saúde e da doença como problemas que exigem um encargo coletivo,
além do surgimento da ideia do bem-estar físico da população como um dos objetivos
essenciais do poder político. Posteriormente, durante os séculos XIX e XX o que se
observa é uma ampliação e dominância da racionalidade científica médica,
acompanhada de um crescente desenvolvimento e dependência das estatísticas. A
importância e a força da medicina na política de saúde, portanto, tem sua origem no
cruzamento de uma nova economia analítica da assistência e a emergência de um
“policiamento” da saúde em nível da população (FOUCAULT, 1979).
Foucault (1979) pontua que o conceito de população – esquadrinhada e ordenada
estatisticamente –, assim como o de política de saúde, emergem no processo de
disciplinamento da sociedade. Logo, saúde e doença tornam-se categorias que integram
os sistemas de administração e controle da população, e a política de saúde torna-se um
campo privilegiado de regulação de tensões sociais, constituindo-se assim como
elementos do estabelecimento de uma determinada ordem social.
“Os direitos e deveres dos indivíduos em relação à sua saúde e a
dos outros, o mercado onde interagem as demandas e as ofertas
de cuidados médicos, as intervenções do poder na ordem da
higiene (prevenção) e das doenças (cura), a institucionalização e
defesa da relação privada com o médico (predomínio da
medicina científica), marcam o funcionamento global da política
de saúde do século XIX” (ALMEIDA, 2002, p.32)
Já no início do século XX, com a aceleração do desenvolvimento da
industrialização e do capitalismo e suas consequentes mazelas (como pobreza,
desigualdade e desemprego), sobretudo nos grandes centros urbanos, emerge a
necessidade de se buscar medidas que visassem atenuar tais diferenças sociais criadas
pelo livre funcionamento do mercado. E é com essa finalidade que são criados os
sistemas de proteção social modernos (VIANA & MACHADO, 2008). Segundo Viana
e Machado (2008),
“a proteção social caracteriza-se como a forma de articulação
entre Estado, mercados e sociedades para proteger os cidadãos
dos riscos associados aos efeitos socialmente diferenciados do
mercado em um dado contexto histórico” (p.646).
A criação de sistemas de proteção social, portanto, busca proteger os cidadãos
das produções de desigualdades e de insegurança social através do financiamento e
24
provisão de um grande número de bens e serviços (como a saúde, por exemplo) pelo
Estado aos que não poderiam acessá-los através da renda obtida pelo trabalho ou devido
ao desemprego e/ou falta de renda. Esse movimento ocorre principalmente no momento
pós Segunda Guerra Mundial e passa a ser conhecido como Estado de Bem-Estar Social
ou Welfare State (VIANA & MACHADO, 2008).
Dentre os modelos de proteção social modernos construídos ao longo da história
dois tipos se destacam: o modelo universal e o ocupacional/meritocrático. No primeiro
todos os cidadãos são cobertos e a forma de financiamento é tributária. Segundo Matta
(2009), é um modelo fundamentado
“não na renda ou no mérito, mas no direito a um conjunto de
ações que visam a condições mínimas de vida igualitárias a toda
população, independente de classe social, raça ou religião,
resgatando a idéia de um conjunto de direitos naturais de
qualquer cidadão”.
Segundo Titmus (1968 apud DRAIBE, 1993) o modelo universal ou
institucional redistributivo concebe o sistema de Welfare como um elemento importante
e constitutivo das sociedades contemporâneas, voltado para a produção e distribuição de
bens e serviços sociais "extra mercado", os quais são garantidos a todos os cidadãos.
Respeitando-se condições de vida e necessidades mínimas historicamente definidas, tal
sistema tende a mesclar os mecanismos de renda mínima, integração e substituição de
renda com aqueles típicos dos equipamentos coletivos públicos gratuitos para a
prestação de serviços essenciais, especialmente os de saúde e de educação.
Já no modelo ocupacional, apenas os trabalhadores inseridos no mercado formal
de trabalho são protegidos e o financiamento da provisão é feito através da contribuição
de trabalhadores, empregadores e, por vezes, do Estado. Pauta-se em critérios de
elegibilidade de vulnerabilidades e de contribuição previdenciária para atender aos
indivíduos e grupos (VIANA & MACHADO, 2008; MATTA, 2009). Fundamenta-se na
premissa de “que cada um deve estar em condições de resolver suas próprias
necessidades, em base a seu trabalho, a seu mérito, à performance profissional, à
produtividade” (TITMUS, 1968 apud DRAIBE, 1993, p.14). Dessa forma, a política
social intervém parcialmente, corrigindo as ações do mercado.
Há ainda, segundo a tipologia clássica nos estudos comparativos sobre os
Estados do Bem Estar Social utilizada por Titmus (1968 apud DRAIBE, 1993) um
terceiro modelo: o residual. Neste modelo, a política social intervém ex-post, ou seja,
25
quando os meios “naturais” e “tradicionais” de satisfação das necessidades (família,
rede de parentesco, mercado) não estão em condições de resolver determinadas
exigências dos indivíduos. A intervenção, nesse caso, possui um caráter
temporariamente limitado e deve cessar com a eliminação da situação de emergência.
Contemporaneamente, um modelo denominado residual e seletivo, por ser dirigido a
grupos particulares de indivíduos, dotados de características específicas, parece ser, o
"Welfare State" dos Estados Unidos da América.
Segundo Viana e Machado (2008) as razões para a adoção de um determinado
modelo nos Estados ao longo da história costumam guardar coerência com fatores tais
como o “grau de heterogeneidade social, o papel das instituições nos antigos modelos
de proteção social, a força dos movimentos e partidos social-democratas ou socialistas,
o papel das ideias e as formas de difusão das mesmas pelas elites, etc.” (p.651).
Além disso, Draibe (1993) ressalta que o Welfare State aqui apontado está sendo
compreendido no âmbito do Estado Capitalista, como uma particular forma de
regulação social que se expressa pela transformação das relações entre o Estado e a
Economia, entre o Estado e a Sociedade, a um dado momento do desenvolvimento
econômico. Tais transformações se manifestam na emergência de sistemas nacionais,
públicos ou estatalmente regulados de educação, saúde, integração e substituição de
renda, assistência social e habitação que, a par das políticas de salário e emprego,
regulam direta ou indiretamente o volume, as taxas e o comportamento do emprego e
salário da economia, afetando, portanto, o nível de vida da população trabalhadora.
No entanto, após os chamados 30 anos gloriosos do modelo de Welfare State
passam a surgir, a partir da década de 1970, ideias no cenário internacional que se
opõem a esse modelo. Pode-se destacar nessa década a crise econômica dos Estados,
trazendo à tona a preocupação com a sustentabilidade política e econômica destes
sistemas. Portanto, neste período ganham maior expressão os estudos relacionados à
economia política com foco nos determinantes do gasto público.
Segundo Viana e Machado (2008), para os demais países, sobretudo os em
desenvolvimento, que iniciaram seus processos de construção dos sistemas de proteção
e de saúde mais tardiamente, a difusão de ideias reformistas e o diagnóstico de
insustentabilidade econômica dos sistemas de bem-estar representou um freio à
construção de sistemas universais e mais equitativos.
26
1.2- Reformas nos Sistemas de Saúde: Crise nos Sistemas de Saúde Universais
A partir dos anos 1970-1980, a extensa intervenção estatal na saúde passa a ser
questionada, com a emergência do debate de reformas do Estado e dos sistemas de
saúde. Logo, torna-se consenso em diversos países a necessidade de executar reformas
nos sistemas de saúde pautadas na racionalização de custos, maior eficiência e
efetividade dos serviços de saúde, além de melhores resultados em termos de equidade.
Segundo Almeida (2002), a discussão acerca desta necessidade ganha destaque
em contexto de crise do Welfare State e de crise econômica, que suscitam o
questionamento dos resultados e benefícios dos investimentos realizados nos sistemas
de saúde. Soma-se este contexto, a emergência dos governos neoliberais nos países
desenvolvidos, propondo políticas de ajuste estrutural e ideias sobre reformas do Estado
que tinham como alvo redução de gastos públicos (FAUSTO, 2005). Nos anos 1990,
esse debate se amplia, tornando-se um dos principais pontos da agenda de discussão
sobre as reformas (do Estado e setoriais) nos fóruns nacionais e internacionais
(ALMEIDA, 2002).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a reforma no setor de saúde
seria um processo de mudanças fundamentais na política de saúde e nos arranjos
institucionais, coordenado pelo Estado, cuja finalidade seria melhorar o funcionamento
e o desempenho do setor, a fim de alcançar melhores níveis de saúde em uma dada
população (WHO, 1995). Portanto, a reforma na saúde, refere-se a uma definição de
prioridades, um refinamento da política de saúde e uma reforma das instituições que
implementam essas políticas (JANOVSKY & CASSELS, 1995 apud ALMEIDA,
2002).
Estas propostas ganham difusão nos diversos países, sobretudo pela entrada de
agências internacionais no debate da saúde (MATTA, 2005; VIANA & MACHADO,
2008). Segundo Mattos (2001), a oferta de ideias sobre quais seriam as políticas de
saúde mais adequadas para os países em desenvolvimento destaca-se como traço
marcante da atuação de agências internacionais, como Banco Mundial (BM),
Organização Mundial da Saúde (OMS) e Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), principalmente nos anos 90. Este autor aponta ainda que, por constituírem-
se através de acordos entre vários governos nacionais, denominados países-membros,
que as sustentam financeira e politicamente e que possuem interesses e poderes
políticos, militares e econômicos diversos, as agências internacionais muitas vezes
27
expressam relações de poder e de estratégias de disputas de hegemonia numa dada
conjuntura.
Dessa forma, diante do contexto de ajuste estrutural, a partir dos anos 80, as
propostas de orientação da política de saúde dos países passam a ser elaboradas num
âmbito restrito a algumas agências internacionais e aos principais governos do mundo,
difundindo-se, com a ajuda de dispositivos de indução, tais como empréstimos
condicionados e adoção de certas políticas econômicas, sobretudo aos países em
desenvolvimento (MATTOS, 2001).
Para Mattos (2001) a emergência deste padrão de atuação ocorreu de forma
simultânea à crescente proeminência do Banco Mundial ao que se refere ao debate sobre
as políticas de saúde no cenário internacional. Antes desta, a OMS era considerada a
principal agência internacional a exercer uma liderança no debate e na orientação da
política de saúde dos países.
Um destaque importante da atuação da OMS, junto a UNICEF, foi a realização
em 1978 da Conferência de Alma-Ata e o lançamento do projeto “Saúde para todos no
ano 2000”, divulgando a proposta de Cuidados Primários em Saúde. Segundo Mattos
(2001), a Conferência de Alma- Ata significou um avanço no consenso na saúde de
diferentes países ao enfatizar a expansão da atenção primária com ampla participação do
Estado e, além disso, pode ser considerada como uma última participação efetiva dos
países em desenvolvimento no consenso. Nesta Conferência a OMS passa a
compreender e divulgar os cuidados primários em saúde como:
“Cuidados essenciais baseados em métodos práticos,
cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitáveis e
em tecnologia de acesso universal para indivíduos e suas
famílias na comunidade, e a um custo que a comunidade e o país
possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, dentro do
espírito de autoconfiança e autodeterminação. Os cuidados
primários são parte integrante tanto do sistema de saúde do país,
de que são ponto central e o foco principal, como do
desenvolvimento socioeconômico geral da comunidade. Além
de serem o primeiro nível de contato de indivíduos, da
família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, aproximando ao máximo possível os serviços de saúde nos
lugares onde o povo vive e trabalha, constituem também o
primeiro elemento de um contínuo processo de atendimento
em saúde” (UNICEF/BRASIL, 1979, p.01 [grifos nossos]).
Ainda na Conferência de Alma-Ata, a OMS identificou como componentes
fundamentais para a constituição da Atenção Primária em saúde: a educação em saúde;
28
saneamento ambiental; programas materno-infantis, inclusive imunizações e
planejamento familiar; prevenção de doenças endêmicas locais; tratamento adequado de
doenças e lesões comuns; fornecimento de medicamentos essenciais; promoção de boa
nutrição e medicina tradicional (UNICEF/BRASIL, 1979).
Nesse sentido, é possível identificar nesta Conferência a defesa de sistemas de
saúde universais e a responsabilidade do Estado na garantia de acesso aos serviços de
saúde da população, já que o conceito de atenção primária consensuado era
compreendido como um primeiro nível de atenção à saúde dentro de um sistema
nacional de saúde.
No entanto, apesar de este conceito ter sido amplamente divulgado, após a
Conferência disseminou-se internacionalmente uma noção seletiva da atenção primária
em saúde, que se baseava na formulação de programas focais cujo objetivo era intervir
em problemas específicos de saúde de grupos populacionais em situação de pobreza.
Segundo Fausto (2005), tais programas, propagados principalmente por organismos
internacionais, propunham o uso de recursos de baixa densidade tecnológica sem que
houvesse uma interface direta com os demais recursos em saúde, divergindo assim da
noção de atenção primária proposta na Conferência de Alma-Ata.
Em 1979 (um ano após a Conferência de Alma-Ata) foi realizada a Conferência
de Bellagio intitulada “Health and Population in Development”. Este evento
patrocinado pela Fundação Rockefeller - que naquele período priorizava a identificação
de estratégias custo-efetivas em saúde e a relação entre índices de saúde e os programas
populacionais nos países em desenvolvimento -, marcou a definição e a disseminação
dessa ideia de atenção primária seletiva como um pacote de intervenções técnicas de
baixo custo para intervir nos principais problemas de adoecimento das populações em
situação de pobreza (FAUSTO, 2005).
Segundo Baptista, Fausto e Cunha (2009) esta proposta de atenção primária
seletiva surgiu na Conferência de Bellagio como uma crítica à concepção de atenção
primária em saúde (APS) presente na Declaração de Alma-Ata, “interpretada como uma
concepção idealizada, muito ampla e com poucas chances de aplicabilidade” (p.1011).
No entanto, Fausto (2005) aponta que as principais críticas à versão seletiva da atenção
primária em saúde referiam-se a sua característica de programas verticais que não se
relacionavam “às causas sociais do processo de adoecimento, além da adoção de
medidas paliativas e do distanciamento da noção de saúde básica integrada às demais
ações desenvolvidas em um sistema de saúde” (p.88). A mesma autora acrescenta ainda,
29
que esses programas foram questionados em relação aos efeitos discriminatórios e
segmentares de suas ações, pois, na versão seletiva, o termo primário era criticamente
relacionado à ideia de algo primitivo, com qualidade inferior, destinado às populações
pobres, contribuindo assim, para a manutenção de desigualdades sociais e reforçando as
diferenças no acesso e uso aos recursos em saúde.
Durante a década de 1980, portanto, observou-se o surgimento de uma tensão
discursiva entre uma vertente com propostas de extensão de cobertura de caráter mais
universal (Conferência de Alma-Ata) em detrimento de um projeto mais focalizado
(Conferência de Bellagio), que gerou reflexos na discussão sobre a organização dos
serviços de saúde na década de 1990 (BAPTISTA, FAUSTO & CUNHA, 2009). O
resultado dessa tensão foi mais favorável às concepções da atenção primária seletiva e a
sua disseminação em países pobres foi amplamente apoiada pelas principais agências
internacionais. Segundo Fausto (2005) “o objetivo era a extensão de cobertura a partir
da oferta de ações de saúde simples e de baixo custo, principalmente áreas rurais onde a
população não tinha acesso ao sistema de saúde existente” (p.89).
Já nos anos 1990, o Banco mundial assume um papel central no debate
internacional e na orientação das políticas de saúde dos países através da publicação do
relatório “Investindo em Saúde” (MATTOS, 2001; FAUSTO, 2005). Esse documento
apresentou ofertas de ideias cujo argumento principal era a consolidação de sistemas de
saúde capazes de responder a um conjunto mínimo de ações essenciais, definindo quais
serviços e ações de saúde deveriam ser ofertados pelos Estados (BANCO MUNDIAL,
1993 apud BAPTISTA, FAUSTO & CUNHA, 2009).
Resumindo, é possível detectar já na década de 1970 e 1980 a existência de uma
disputa entre: a defesa da responsabilidade do Estado pela garantia da saúde à
população (compreendendo saúde como direito social) e a defesa pela intervenção
mínima do Estado no setor saúde. No contexto desta disputa, a ideia de cobertura
universal era, portanto, atribuído à uma noção de extensão dos serviços de saúde de
caráter público, ou seja, extensão dos serviços de saúde dentro de um sistema de saúde
público e universal. Já a ideia de programas focalizados sugeria uma participação
mínima do Estado, através de ações de baixo custo às populações marginalizadas.
No entanto, como será apresentado a seguir, a partir dos anos 2000, alguns
autores identificam a utilização do conceito de cobertura universal sob outro sentido:
atrelado à expansão dos seguros privados de saúde.
30
Já no Brasil, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pelas propostas de outra
reforma no setor saúde: a Reforma Sanitária – que será mais bem apresentada no
capítulo seguinte. Na contramão da discussão que já era colocada no debate
internacional, a Reforma Sanitária tinha como principal lema de luta a universalização
da saúde e o reconhecimento da saúde como direito. É somente a partir dos anos 1990 e
início dos anos 2000 que as reformas nos sistemas de saúde ganham destaque no debate
das políticas de saúde no Brasil.
1.3- Debate atual da Universalidade: Sistemas Universais ou Cobertura Universal?
Nos anos 2000, o tensionamento entre a defesa da responsabilidade do Estado
pela garantia da saúde e a defesa pela intervenção mínima do Estado ressurge, porém
sob outro prisma. A pesquisadora Asa Laurell, durante a palestra Sistemas Universais
de Saúde: objetivos e desafios, no Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde
(Isags) (DOMINGUEZ, 2013), aponta que atualmente é possível identificar duas
correntes de pensamento distintas predominantes no conteúdo das reformas nos
sistemas de saúde. Segundo esta autora, países como Chile, Colômbia, México e
Estados Unidos, compartilham a concepção corrente que busca a cobertura universal
através da expansão de seguros de saúde privados para todos. Por outro lado, países
como Venezuela, Bolívia e Equador, compreendem que o caminho para o alcance da
universalidade na saúde deve ocorrer através da criação de sistemas nacionais integrais,
únicos e públicos. Essa concepção, inspirada no modelo de bem-estar social dos países
centrais propõe a desmercantilização da saúde e reivindica o papel redistributivo do
Estado por meio de prestação de serviços sociais.
Contudo, alguns autores (CEBES, 2014; NORONHA, 2013), sugerem que no
debate atual essa última corrente vem perdendo espaço em uma "disputa pelo discurso"
de organismos financeiros internacionais e seguradoras de saúde, e também pela oferta
de ideias de agências internacionais, como já indicado acima. Segundo Noronha (2013),
a partir da década de 1990, observa-se que as agências internacionais passam a defender
uma “cobertura universal” em detrimento dos sistemas de saúde universais.
Em manifesto construído pelo Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES)
acerca dessa discussão, cujo título é “Por que defender o Sistema Único de Saúde?
Diferenças entre Direito Universal e Cobertura Universal de Saúde” (2014), o direito
universal à saúde é compreendido como a possibilidade de todos os cidadãos, de todas
as classes sociais, serem cuidados pelos serviços de saúde públicos. Logo, gozar desse
31
direito é uma condição de cidadania, diferentemente quando se paga por saúde e o
indivíduo passa a ser um consumidor. Além disso, o direito universal à saúde pressupõe
“que todos os grupos com demandas ou necessidades de saúde
específicas sejam tratados adequadamente, ou seja, que haja
equidade; e que todas as necessidades de cada um, nas distintas
fases de vida ou situação de saúde, tenham atendimento e sejam
resolvidas. E a isso chamamos de ‘integralidade’” (CEBES,
p.03).
Já a ideia de “cobertura universal de saúde”, propagada pelas agências
internacionais sugerem a ampliação do acesso aos serviços de saúde, mas distinguindo
de acordo com a capacidade de pagamento a oferta de serviços. Ou seja, um maior
número de serviços é oferecido a quem pode pagar mais, enquanto a classe média e os
pobres teriam um número menor ou básico de serviços ofertado, mesmo que públicos
(CEBES, 2014). Ainda segundo o manifesto construído e divulgado pelo CEBES
(2014), esse tipo de modelo reduz o direito à saúde da população, pois seu verdadeiro
objetivo seria fortalecer o setor privado e seu lucro na oferta de seguros e serviços de
saúde.
Noronha (2013) aponta que o conceito de "cobertura universal" aparece
explicitamente pela primeira vez em um dos Relatórios para a 58ª Assembleia Geral da
OMS, em 2005, intitulado “Seguro Social de Saúde: financiamento sustentável da
saúde, cobertura universal e seguro social de saúde”. Posteriormente, em 2010, o
Relatório Mundial de Saúde de 2010 da OMS intitulado “Financiamento dos Sistemas
de Saúde: O Caminho para a Cobertura Universal” traz como tema central o
financiamento setorial como “caminho para a cobertura universal” e a seguinte
definição de cobertura universal:
“(…) os Estados Membros da Organização Mundial da Saúde
comprometeram-se em 2005 a desenvolver sistemas de
financiamento da saúde, que permitam às pessoas acender a
serviços sem enormes sacrifícios financeiros para pagá-los. Esta
meta foi definida como cobertura universal, por vezes também
chamada cobertura universal de saúde” (OMS, 2010, p.12).
O autor evidencia, portanto, uma transformação no sentido do direito à saúde e
do acesso universal e igualitário aos cuidados de saúde para o conceito de “cobertura
universal” associada à proteção do risco financeiro e à busca de mecanismos
alternativos de financiamento setorial.
32
Paulo Buss, em entrevista à revista RADIS (DOMINGUEZ, 2013),
corroborando com o pensamento de Noronha (2013) acrescenta que essa transformação
no sentido direito à saúde e do acesso universal e igualitário aos cuidados é negativa,
pois implicitamente incentiva a corrente da cobertura de acesso à saúde, em detrimento
dos sistemas universais e da noção de saúde como direito de todos e dever do Estado. A
utilização do conceito de cobertura universal, pode ainda fortalecer esquemas múltiplos
de seguros e planos de saúde, que geralmente não garantem qualidade e nem
abrangência de cuidados, prejudicando ainda a construção de sistemas baseados em
atenção primária, o que pressupõe integralidade, e ênfase nos determinantes sociais da
saúde.
No Brasil, este mesmo debate vem igualmente ganhando força a partir dos anos
2000. José Gomes Temporão5, por exemplo, em entrevista à revista RADIS
(DOMINGUEZ, 2103), afirma que o país encontra-se atualmente em um processo de
luta político-ideológica para defender a manutenção e a sustentabilidade de um projeto
de sistema público universal de saúde. Isso porque, em seu entendimento, há setores na
sociedade brasileira que tentam transformar em modelo hegemônico uma visão do
sistema de saúde, muito próxima ao modelo americano, de mercado, baseado na
corrente de “cobertura universal”, totalmente distante do necessário para garantir o
direito universal à saúde.
No entanto, alguns autores apontam que o conceito de universalidade no Brasil
nunca foi unânime e sempre se apresentou sob diversos prismas. Logo, embora uma
dimensão mais ampla de direito à saúde e acesso universal tenha sido adotada na
construção do SUS e na Constituição Federal de 1988, a multiplicidade de sentidos de
universalidade na prática do cotidiano do setor saúde e nos discursos dos atores
implicados no SUS revelam a dificuldade de consolidação desse princípio.
Segundo Matta (2009), são considerados fatores explicativos da dificuldade de
consolidação do conceito amplo de universalidade no SUS as influências históricas e
institucionais da trajetória do sistema nacional de saúde no Brasil. Destaca a progressiva
privatização dos serviços de saúde e a constituição do chamado complexo médico-
industrial no país, a partir da década de 60, seguido das reformas administrativas de
cunho neoliberais e seus efeitos durante o processo de democratização do Estado
brasileiro nos anos 80 e 90. O autor pontua ainda que o sistema de saúde brasileiro em
5 Médico; Dr. em Medicina Social; Ministro da Saúde do Brasil de 2007 a 2011.
33
sua atuação tem limitado suas ações às populações menos favorecidas, principalmente
na oferta de ações de atenção primária e de alta complexidade, que estão à margem da
ação e dos interesses dos planos privados de saúde.
Outro fator explicativo elucidado pelo CEBES (2014) refere-se à contradição
quanto a permanência da “iniciativa privada” na Constituição Federal (art. 199 da
Constituição Federal) mantendo assim a possibilidade para a comercialização da doença
e garantindo que o mercado permitisse o lucro de alguns e impedisse o direito de todos.
Segundo documento manifesto do CEBES, no debate atual da saúde essas forças
políticas que corroboram com a ideia de mercantilização “não desapareceram, ao
contrário, estão cada vez mais fortes e presentes no interior da sociedade e dos poderes,
tanto no Legislativo, no Executivo como no Judiciário.” (2014, p.5).
Giugliani (apud Dominguez, 2013) aponta que a universalidade no SUS ainda é
um preceito teórico, mas não prático, pois na realidade há restrições de acesso aos
serviços e a qualidade do cuidado é muito heterogênea. Paim (2013) também ressalta
que o avanço na ampliação do acesso aos serviços de saúde pelo SUS nos últimos anos,
não impediu o crescimento do setor privado e a segmentação do mercado,
comprometendo assim a equidade nos serviços e nas condições de saúde.
Logo, uma análise prévia do debate atual acerca dos sentidos de universalidade -
sugerindo uma mudança discursiva deste princípio, - permitiu a conclusão de que este
princípio não se trata de um conceito unânime, pois se apresentava de diversas formas
no cotidiano das práticas de saúde. Portanto, para melhor compreensão deste debate
seria necessário voltar a história da saúde do Brasil a fim de identificar quais sentidos de
universalidade estavam presentes, assim como elucidar as principais condições de
possibilidades de emergência de certos enunciados e discursos acerca da universalidade.
34
CAPÍTULO 2 - ANTECEDENTES DA VIII CNS
Como citado anteriormente, a fim de compreender o objeto de estudo desse
trabalho - sentidos de universalidade na VIII CNS - é necessário voltar à história para
buscar reconhecer as condições e os contextos históricos que se apresentavam e
possibilitaram a formação e utilização de determinados discursos e sentidos de uma
época. Dessa forma, este capítulo tem como meta trazer à tona o contexto político
institucional da saúde no Brasil no período que antecedeu a VIII CNS e as discussões
acerca da universalidade na saúde no país, partindo da década de 1960 em diante.
Antes de aprofundar a discussão em torno do setor saúde, é preciso situar o
contexto político do país na década de 1960. Isso porque, desde 1964, o Brasil
encontrava-se sob a égide de um regime militar, sustentado por mecanismos
repressivos, silenciamentos das contestações e a suspensão do Estado de Direito e de
órgãos de representatividade que, posteriormente, foi substituído pela instauração de
uma democracia representativa de fachada e de um artificial sistema bipartidário
(BRASIL, 2006). Este regime foi marcado pelo modelo de desenvolvimento chamado
“milagre brasileiro”, que num primeiro momento (1964-1974), caracterizou-se,
sobretudo, por ações voltadas à modernização e à realização de uma série de
reorientações na administração estatal de caráter altamente centralizador, no que se
referia às questões decisórias, normativas e financeiras (FARIA, 1997).
Em longo prazo, essas medidas representaram uma exacerbação das relações
assimétricas de poder entre Estado e sociedade e impuseram uma política de arrocho
salarial sobre os trabalhadores, que resultou em queda de poder aquisitivo dos
assalariados, aumento da concentração de renda nos estratos sociais mais ricos e
ampliação das desigualdades socioeconômicas (NORONHA E LEVCOVITZ ,1994).
De maneira mais específica para o setor saúde, a lógica centralista da ditadura e
a supressão do debate de alternativas políticas, inclusive nos espaços acadêmicos,
permitiram que o governo federal implantasse reformas de cunho institucional, que
alteraram profundamente os modelos de saúde pública e medicina previdenciária
originados nos períodos anteriores6. Tais mudanças basearam-se na generalização de um
6 O modelo de proteção social brasileiro, assim como em grande parte dos modelos nos países na América
Latina, baseava-se nos benefícios básicos como a assistência à saúde, individual e curativa, aposentadoria,
além de pensões e benefícios ligados a acidentes de trabalho, que eram garantidos através da vinculação
do indivíduo no emprego formal. Portanto, as ações de proteção eram majoritariamente estruturadas em
função das categorias profissionais, variando o escopo e a abrangência dos direitos e benefícios sociais
35
modelo de cuidados médicos individuais com padrão de saúde e orientaram um
crescimento significativo da produção de atos médicos, através do financiamento pelo
setor público de um grande número de hospitais, laboratórios e serviços privados
(NORONHA E LEVCOVTIZ, 1994). Além disso, a saúde pública esteve relegada ao
segundo plano e “havia se tornado uma máquina ineficiente e tradicionalista, que
simulava atacar os problemas através de suas campanhas” (ESCOREL, 1999, p.181).
As consequências do “milagre econômico” para o estado de saúde da população
brasileira revelaram-se pela altíssima mortalidade infantil nos grandes centros urbanos,
altos índices de desnutrição, avanço de epidemias como meningite e de endemias como
as de poliomielite e hanseníase. Segundo Escorel (1999)
“o regime militar, de um lado, implementava uma política
econômica geradora de doenças e riscos à saúde; de outro lado,
diminuía a oferta e reduzia a qualidade dos serviços públicos,
potencializando ou sendo o responsável efetivo pela morbidade
e mortalidade prevalentes na população brasileira (p.182).
No âmbito da previdência esta tendência centralizadora também se confirmava.
Em 1966, os diversos institutos previdenciários, que antes mantinham regimes de
contribuição e de benefícios distintos, foram unificados em uma única instituição: o
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Essa fusão ampliou de forma
importante a abrangência da previdência social, aumentando o número de contribuintes
e beneficiários e, também, acelerando o crescimento da prática privada e empresarial da
medicina - principal prestadora de serviços desta instituição. Essa relação entre o INPS
e a organização dos serviços de assistência médico-hospitalar, por sua vez, imprimiu um
intenso ritmo de participação do setor privado na prestação de serviços de saúde, assim
como a exclusão dos trabalhadores e usuários das decisões da previdência social
(CORDEIRO, 1991).
No fim dessa primeira fase (início dos anos 1970), no entanto, o desgaste do
regime autoritário tornou-se evidente, assim como a perda de sua base de apoio político.
Acrescenta-se à este panorama de esgotamento, os impactos gerados pela crise
econômica mundial7, que passam a modificar a dinâmica do mercado internacional e o
disponíveis e possuindo um caráter complementar às instituições econômicas, eventualmente corrigindo a
ação do mercado (VIANA & MACHADO, 2008). 7 A crise mundial da década de 1970 agravou-se no ano de 1973 com o primeiro choque do petróleo e o
fim do padrão dólar. Segundo Faria (1997), o primeiro choque do petróleo ocorreu junto ao fim do acordo
de Bretton Woods, estabelecido em 1944. Este acordo criava um sistema de câmbio fixo referido no
padrão dólar e este com uma paridade fixa com o padrão ouro. Em 1973 os EUA colocaram fim na
36
padrão de desenvolvimento que norteavam os países centrais desde o pós-guerra,
tornando-os mais restritivos e influenciando nas economias dos países periféricos como
o Brasil (FARIA, 1997).
É diante deste contexto de crise e desgaste do regime autoritário, portanto, que
se evidencia uma aproximação da sociedade com a oposição do governo militar. Como
demonstração do descontentamento da sociedade com relação à política do governo,
destaca-se as eleições de 1970 e 1974, cujos resultados propiciaram a conformação de
um novo quadro institucional. Neste quadro, o Movimento Democrático Brasileiro
(MDB)8 passou a expressar uma importante alteração da correlação de forças nos órgãos
de representatividade nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados) (BRASIL,
2006; NORONHA E LEVCOVITZ, 1994).
Logo, na tentativa de atender as demandas sociais que emergiam no contexto de
crise e com o propósito de manutenção do poder pelo regime autoritário, foram
formulados durante o governo de Geisel (1974) projetos cujo objetivo principal era
orquestrar um modo de gestão específico de uma transição política no Estado. Faria
(1997) aponta que:
“frente a esse contexto de crise político-econômico e da
instabilidade político- institucional que se instaura, o Estado
brasileiro formula estratégias políticas de manutenção da ordem
autoritária. Duas saídas: Uma delas é um projeto de
desenvolvimento nacional do país, o II PND (II Plano Nacional
de Desenvolvimento) e, por outro lado, implementou um
projeto de distensão política do Estado brasileiro, a “abertura”
(p.15)
Esse último ficou conhecido como um processo de abertura política “lenta,
gradual e segura”, que permitiria a passagem do poder do comando militar para o civil
de maneira contínua e com um mínimo de rupturas com a ordem política anterior.
Já o II PND, constitui-se em uma estratégia geral de desenvolvimento para o
país a partir: 1) da consolidação de uma economia moderna; 2) do ajustamento do país
às novas realidades da economia mundial; 3) do esforço de integração nacional; 4) da
formulação de estratégias de desenvolvimento social; e 5) da integração com a
conversibilidade do dólar e renunciaram ao sistema de câmbio fixo desequilibrando o mercado mundial. No Brasil os reflexos desta crise internacional manifestavam-se através da elevação dos preços relativos
de consumo geral, na queda do poder de compra dos salários, na “contração de dívidas” por parte das
empresas e também do Estado (FARIA, 1997). 8 O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi um partido político brasileiro composto por opositores
do Regime Militar. Organizado em 1965 e fundado em 1966, o partido se caracterizou por sua
multiplicidade ideológica. Este partido experimentou grande crescimento no governo de Ernesto Geisel
e, posteriormente, deu origem ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em 1980.
37
economia mundial. Neste plano a política social recebia pela primeira vez um caráter
distinto, pois se acreditava que o desenvolvimento efetivo do Estado se daria através do
desenvolvimento econômico, político e social.
“O desenvolvimento social do país seria obtido, por um lado,
através da conjugação de uma política de empregos com uma
política de salários, resultando na criação progressiva de uma
base para o mercado de consumo de massas. Por outro lado, na
qualificação de mão-de-obra a partir da educação, treinamento
profissional, programas de saúde, saneamento e nutrição
(FARIA, 1997, p.163).
Junto à esse “pacote” de ações é criado em 1974 o Ministério da Previdência e
Assistência Social (MPAS), como um ministério autônomo e não mais atrelado ao
Ministério do Trabalho e à Previdência Social. Essa instituição, no entanto, manteve sua
política voltada aos contribuintes da previdência ampliando benefícios e incorporando
novos grupos contribuintes no sistema (como trabalhadores não formais), revelando
uma tendência universalizante do Estado no que se referia às políticas de proteção social
(FARIA, 1997; NORONHA E LEVCOVITZ ,1994).
A constituição do MPAS intensificou ainda a conformação de alguns projetos
mais abrangentes e integradores, tais como o Programa de Pronta Ação (PPA) 9 e o
Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) 10. Ambos
baseavam-se no referencial da medicina comunitária11 e normatizaram as condições de
expansão de cobertura dos serviços assistenciais, trazendo um significativo aumento na
produção de serviços em saúde (BRASIL, 2006). Através do PPA, por exemplo, ocorre
uma expansão dos níveis de cobertura do sistema de saúde do país, pois visava dar
acesso, aos previdenciários, à consulta médico-ambulatorial através da rede privada
contratada e conveniada, universalizando o atendimento de urgência. Já o PIASS surge
no nordeste, como o primeiro programa de extensão de cobertura a nível federal,
abrangendo a região de jurisdição na SUDENE12. Em 1979, este programa é estendido
9 Em 1974 10 Em1976 11 Segundo Paim (2008) a medicina comunitária tratava-se de operacionalização da filosofia da medicina
preventiva, juntamente à ideias como participação da comunidade e regionalização. Em alguns países,
apresentou-se de maneira focal, restritas a atividades experimentais, enquanto que em outros apresentou-
se de modo expansionista, através de programas de extensão de cobertura. Ver mais em: Paim J.S.
Modelos de Atenção à Saúde no Brasil. In: Giovanella L, organizadora. Políticas e Sistema de Saúde no
Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 547-573. 12 A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) é uma autarquia especial,
administrativa e financeiramente autônoma, integrante do Sistema de Planejamento e de Orçamento
Federal. Criada originalmente pela Lei 3.692, de 1959, a Sudene foi idealizada no governo do presidente
38
para todo o território nacional adaptando o modelo adotado no nordeste às
peculiaridades das outras regiões do país, resultando numa grande expansão de rede
ambulatorial pública. (PUGIN & NASCIMENTO, 1996).
É a partir da década de 1970, portanto, que começa a se esboçar no Brasil, ainda
que limitado ao espaço institucional da saúde pública, um movimento de extensão de
cobertura e de programas voltados pra atenção primária. No entanto, segundo Vilaça
(1987), esse movimento tratava-se de desenvolver e expandir um modelo médico, de
baixo custo e complementar ao hegemônico, cujo objetivo era dar alguma resposta para
as populações marginalizadas.
Estes dois programas, em específico, não conseguiram ampliação e não
efetuaram mudanças no modelo assistencial devido a falta de recursos, pessoal
qualificado e tecnologias mais sofisticadas (ESCOREL & BLOCH, 2005).
Segundo Faria (1997), em 1977 o MPAS sofre mais uma mudança estrutural e
apresenta através da criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
(SINPAS) uma nova proposta de organização. Esse sistema dividiu o ministério em
órgãos centrais de decisão em cada área de atuação do complexo previdenciário,
concedendo autonomia gerencial a cada uma delas. Logo,
“foram organizados o Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS) e o Instituto de Administração da
Previdência e Assistência Social (IAPAS), além da
reorganização dos órgãos de assistência social (LBA e
FUNABEM) e da constituição de uma empresa de
processamento de dados (DATAPREV)” (CORDEIRO, 1991,
p.26).
Nessa nova organização, destacou-se o papel do INAMPS que passou a ser o
órgão responsável pela coordenação de todas as ações de saúde no nível médico-
assistencial da previdência social. Vale lembrar, que ao Ministério da Saúde (MS)
competiam funções mais restritas ao desenvolvimento das políticas de saúde de
interesse coletivo. Desde a sua criação em 1953, o MS apresentava-se como órgão
Juscelino Kubitschek, tendo à frente o economista Celso Furtado, como parte do programa
desenvolvimentista então adotado. Seu principal objetivo era encontrar soluções que permitissem a
progressiva diminuição das desigualdades verificadas entre as regiões geoeconômicas do Brasil. Foram
realizadas ações tais como a colonização do Maranhão, os projetos de irrigação em áreas úmidas, o
cultivo de plantas resistentes às secas, entre outras. No entanto, absorvida pelas administrações que se
seguiram, durante a Ditadura militar de 1964 foi tendo cada vez mais seu uso desviado dos objetivos
iniciais, sendo considerada uma entidade cujo foco era a corrupção. Ver em:
http://www.sudene.gov.br/sudene#instituicao%20sudene
39
responsável pela saúde da coletividade não estabelecendo diálogo com as ações
desenvolvidas no contexto da previdência social (FARIA, 1997).
Por sua vez, o INAMPS reuniu, desde sua formação, um poder institucional
forte dentro do MPAS e movimentou de forma autônoma uma parcela significativa de
recursos oriundos da previdência, além de gerir as ações de saúde de toda a rede pública
e contratada de saúde vinculada aos antigos Institutos de Aposentadoria e Pensões
(IAPs) (FARIA, 1997). Nesse sentido, assume um expressivo poder político-
institucional no campo da saúde e torna-se o principal condutor das políticas de saúde.
Segundo Cordeiro (1991), essa reorganização através do SINPAS, significou um
novo momento de concentração do poder econômico e político no sistema
previdenciário e um esforço tecnoburocrático de modernização administrativa. No
entanto, sob o ponto de vista dos usuários essas transformações da organização do
sistema de saúde indicavam um dilema a ser enfrentado: a inoperância do sistema
previdenciário e a baixa eficiência dos serviços públicos de saúde perante as alternativas
de cobertura proporcionadas pelo complexo médico-empresarial.
Faleiros (1995) aponta que no final da década de 1970, o complexo assistencial-
industrial-tecnológico configurava-se como uma
“(...) continuidade de um modelo fragmentado e desigual de
incorporação social em estratos de acesso, privilegiando
interesses econômico-corporativos do empresariado atuante na
área. Os serviços médicos consolidaram uma desigualdade em
três níveis: o setor privado para os ricos, os planos de saúde para
grupo seleto de assalariados e classes médias, os serviços
públicos para pagantes da previdência” (p.16).
Foi, portanto, diante deste quadro de desigualdade de ofertas e de acesso aos
serviços de saúde, que surgiram sinais de uma nova dinâmica da sociedade civil e um
fortalecimento dos movimentos sociais através da crítica ao modelo de saúde vigente.
Em consonância com o movimento de abertura política do Estado iniciado em 1974 e
com o processo de redemocratização que tomava força no início da década de 1980,
movimentos sociais progressistas começavam a apresentar propostas mais
sistematizadas a fim de promover uma reformulação do padrão de proteção à saúde do
país.
Dentre os movimentos sociais, destacou-se no setor saúde um grupo de
reformistas que reunia interesses dos diversos setores progressistas ligados ao Estado e
que propunham uma discussão politizada da concepção de saúde, uma interpretação do
40
complexo saúde-doença sob uma ótica social e demandas por políticas públicas de
saúde direcionadas ao acesso ao poder e democracia. Este grupo deu origem ao
chamado movimento sanitário, ou movimento da Reforma Sanitária como também é
reconhecido.
Para Escorel (1999), o movimento sanitário tratou-se de um movimento social
com características e configurações próprias que se revelou mais permanente do que
uma movimentação pontual. Sua formação caracterizou-se pela construção de um saber,
por ser um movimento ideológico e por também ter uma prática política. Segundo
Arouca (1975 apud ESCOREL, 1999) compreende-se por
“prática teórica (construção de um saber) a transformação de um
produto ideológico em conhecimento teórico por meio de um
trabalho conceitual determinado; por prática ideológica
(movimento ideológico) a transformação de uma consciência,
produzida por meio de uma consciência sobre si mesma; e, por
prática política a transformação de relações sociais produzidas
por meios de instrumentos políticos” (p.186).
Dessa forma, a construção de um “paradigma sanitário” (PAIM, 1997), emergia
no debate do setor saúde do país como um modelo alternativo com propostas de
organização dos serviços de saúde formuladas através de estudos teóricos e de
experiências de projetos institucionais (ESCOREL, 1999).
Segundo Fleury (1988), a trajetória de construção do movimento da Reforma
Sanitária pode ser analisada em três fases distintas. A autora pondera, no entanto, que
esses momentos não devem ser compreendidos por uma cronologia rígida, mas pela
prevalência das estratégias que ocorreram quase sempre de forma sobreposta.
O primeiro momento caracterizou-se pelo desenvolvimento de um novo saber no
espaço acadêmico. Escorel (1999) corrobora com esse pensamento destacando que,
entre 1960 a 1974, o processo ocorrido nas universidades serviu de base para o marco
teórico referencial e para o início da constituição das bases institucionais do movimento
sanitário, representadas principalmente pelos Departamentos de Medicina Preventiva
(DMPs). Na medida em que a compreensão e a crítica das propostas de Medicina13
Preventiva e de Medicina Comunitária eram desenvolvidas, emergia um paradigma
13 Segundo Paim (2008), a Medicina Preventiva utilizava conceitos como processo saúde/doença, história
natural das doenças, multicausalidade, integração, resistência, etc. Articulava medidas de prevenção que
resultariam em atitudes preventivas e sociais. Apontava ainda para a possibilidade da redefinição das
responsabilidades médicas através de mudanças na educação, mantendo a organização de serviços de
saúde na perspectiva da medicina liberal.
41
alternativo centrado em dois conceitos fundamentais: a determinação social das doenças
e o processo de trabalho em saúde. De acordo Paim (1997),
“(...) o entendimento de que a saúde e a doença na coletividade
não podem ser explicadas exclusivamente nas suas dimensões
biológica e ecológica, porquanto tais fenômenos são
determinados social e historicamente, enquanto componentes
dos processos de reprodução social permitia alargar os
horizontes de análise e de intervenção sobre a realidade (...)”
(p.12).
Portanto, a saúde assumia um sentido mais abrangente, sendo resultado das
condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,
transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso a serviços de saúde, dentre outros fatores.
Nesse sentido, tornava-se de suma importância que o Estado garantisse o direito à saúde
ofertando à população condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário aos
serviços e ações de promoção, proteção e recuperação, nos diferentes níveis de saúde,
em todo o território nacional (BRASIL, 1986).
Fleury (1988) destaca, que este novo paradigma operava
“(...) uma leitura socializante da problemática evidenciada pela
crise da medicina mercantilizada bem como de sua ineficiência,
enquanto possibilidade de organização de um sistema de saúde
capaz de responder as demandas prevalentes, organizado de
forma democrática em sua gestão e administrado com base na
racionalidade do planejamento” (p.196).
Ao adotar uma perspectiva crítica, colocava-se como maior desafio para o
movimento sanitário a introdução de mudança no conteúdo e no processo de trabalho
em saúde coletiva exigindo, além de uma elaboração teórica, uma experimentação de
práticas inovadoras nos espaços possíveis. Segundo Teixeira (2011), esse esforço se deu
inicialmente nos DPMs, nos Hospitais Universitários e, posteriormente, nos “centros de
saúde escola” onde buscava-se “articular ações de caráter preventivo com ações
assistenciais, alargando-se o campo de observação e de intervenção sobre o processo
saúde-doença” (p.55).
Nesse primeiro momento de construção de um paradigma, também destaca-se a
criação de centros de pesquisa em saúde coletiva, que proporcionaram a difusão
ideológica do movimento sanitário. São eles: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(CEBES) em 1976; a publicação da revista Saúde em Debate e a criação da Associação
42
Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) em 1979. Segundo
Teixeira (2011)
“a ABRASCO tinha sido criada anos antes como resultado de
uma movimentação de lideranças dos programas de pós-
graduação em medicina preventiva, comunitária, social, e saúde
pública. Buscava-se formar um sujeito coletivo que
representasse a comunidade científica junto aos órgãos de
fomento à pesquisa e frente às instituições responsáveis pela
política e regulação da formação pós-graduada nesta área. A
designação desta área de conhecimento como “Saúde
Coletiva14” foi fruto de reflexão e debate que envolveu vários
dos coordenadores e docentes dos programas, reconhecendo-se
que o termo “saúde coletiva” podia funcionar como uma espécie
de “guarda-chuva” que abrigava diferentes programas sob
diversas denominações” (p.77).
Ainda de acordo com esta autora, a ABRASCO em seus primeiros anos de
existência voltou-se, para o reconhecimento do “campo da saúde coletiva”, organizando
encontros de docentes das diversas disciplinas tais como Epidemiologia, Planejamento,
Ciências Sociais em saúde. O principal objetivo deste grupo era promover o
reconhecimento do “estado da arte”, a troca de experiências e a elaboração de propostas
para o desenvolvimento teórico-conceitual, metodológico, e prático-instrumental da
área.
O segundo momento caracterizou-se “pela luta dos profissionais de saúde e
pelos movimentos de renovação médica nos seus sindicatos e conselho” (FLEURY,
1988, p.199) numa tentativa de ampliação da consciência sanitária. Isso porque, ao
incorporar aos movimentos profissionais à perspectiva mais ampla referente à política
nacional de saúde, mais fácil se tornava a compreensão dos trabalhadores de que sua
situação profissional estava intrinsecamente ligada aos mesmos determinantes, causas,
que afetavam as péssimas condições de saúde dos pacientes que eram atendidos no
sistema de saúde. Nesse sentido,
“a tensão entre saber e prática requeria que o conhecimento
avançasse na direção da incorporação dos problemas colocados
pelos movimentos profissionais e populares. Foi necessário que
14 Cecília Donnangello, em texto escrito à ABRASCO, chama atenção que a expressão “Saúde Coletiva”,
demarca a diferença com a abordagem clínica, individual, e ao mesmo tempo é abrangente para abarcar as
diversas acepções que a dimensão social adquire no âmbito das ciências humanas, contemplando, assim, a
multiplicidade de enfoques e abordagens à problemática das relações entre saúde e sociedade
(TEIXEIRA, 2011).
43
o projeto saísse da crítica genérica ao sistema de saúde para
encaminhar propostas referentes à localização de unidades de
serviços e às condições de exercício profissional, e se
defrontasse com a ausência de alternativas para o saneamento
ambiental das favelas e periferias” (FLEURY, 1988, p.199).
Ainda nessa segunda fase, destacam-se a incorporação de elementos técnicos ao
novo formato do projeto sanitário, oriundos de experiências de implantação de modelos
locais de administração da política de saúde, realizadas em secretarias de prefeituras
mais progressistas15. Começam então a emergir no centro dos debates conceitos como
descentralização, sistemas de informação e referência, controle popular, dentre outros.
O terceiro momento da trajetória do movimento sanitário é denominado pela
autora como “ocupação de espaços estratégicos no aparelho governamental”. Segundo
Fleury (1988) muitos intelectuais de diversas áreas foram convidados a ocupar postos
de direção com o início dos governos na Nova República (1985) e muitos profissionais
vinculados ao movimento sanitário conseguiram, através de uma ampla mobilização,
abrir espaços e ocupar, em diferentes níveis, os principais postos de condução da
política de saúde. Segundo autores como Baptista (2007) e Paim (1997), a incorporação
destes atores possibilitou a ampliação do debate sobre o direito saúde no Brasil, assim
como a constituição de um SNS único no país e a defesa de uma maior participação
popular nas decisões políticas para a área da saúde.
Um marco importante do movimento sanitário foi o 1º Simpósio sobre Política
Nacional de Saúde na Câmara Federal promovido pela Câmara dos Deputados em 1979.
No livro intitulado “A Construção do SUS: histórias da Reforma Sanitária e do
Processo Participativo” diversos atores pontuam em seus depoimentos que este
simpósio, realizado em meio a uma crise estrutural de financiamento da previdência no
governo do Presidente João Figueiredo, resultou da adesão de deputados de diversos
partidos que sensibilizaram às questões sociais e às questões de saúde ao movimento
sanitário (BRASIL, 2006). Segundo depoimento de Hésio Cordeiro16, nesse simpósio
começou-se “a se falar na ideia do Sistema Único de Saúde. Um sistema público que
seria estabelecido, ainda que convivendo com as instituições filantrópicas e privadas,
mas com a hegemonia do sistema público”. (BRASIL, 2006, p.68).
15 Destacam-se os projetos municipais alternativos em Niterói, Campinas e Londrina como experiências
municipais do movimento sanitário. 16 Médico Sanitarista; Dr. em Medicina Preventiva. Foi Presidente do INAMPS/MPAS no período 1985 a
1988. Reitor da Uerj (1992-1995); Presidente do Conselho Nacional de Educação (1996-1998); Secretário
Estadual de Educação do Rio de Janeiro (1999);
44
Outro destaque deste Simpósio foi a apresentação do documento “A Questão
Democrática na área da Saúde”. Neste documento histórico foram sistematizados os
princípios e diretrizes do movimento da Reforma Sanitária e explicitada a
“vontade política do grupo em promover uma ampla reforma nas
concepções e práticas de saúde, apontando para a necessidade de
se organizar um Sistema Único de Saúde, capaz de garantir o
acesso universal às ações e serviços, que fosse governado de
forma democrática, através de conselhos de saúde onde tivesse
assento a representação da ‘população organizada’”
(TEIXEIRA, 2011, p.61).
Dessa forma, o movimento sanitário entra nos anos 1980 com uma importante
capacidade de influir nas políticas públicas de saúde e passa a propor políticas efetivas
de reformulação do modelo assistencial.
No entanto, retomando ao contexto político-institucional no início da década de
1980, evidenciava-se um agravamento da crise nas políticas setoriais, entre as quais a da
previdência e da saúde. Nesse período foi possível destacar no sistema previdenciário
brasileiro: 1) Uma crise ideológica, pois a assistência médica condicionada à
contribuição trabalhista ia de encontro à concepção de saúde como direito social; 2)
Uma crise financeira, estando a previdência em estado de falência sem capacidade de
suprir o montante de recursos que deveria ser destinado ao setor; 3) Uma crise político-
institucional, devido à falhas na prestação da assistência, no controle dos recursos e na
organização do setor (BRASIL, 2001).
No arranjo institucional da previdência, o setor saúde - incluído na assistência
médica previdenciária - era considerado por muitos como “o grande vilão” e
responsável pela crise17, sobretudo, devido “descontrole dos gastos com assistência
médica, a descoordenação de ações dos prestadores de serviços, a desassistência social e
a inadequação do modelo de saúde à realidade nacional” (BRASIL, 2001, p.48). Nesse
sentido, havia dentro da previdência um grupo mais conservador que visava a
racionalização de gastos e a eficiência do sistema previdenciário (permanecendo no
formato INAMPS e MS), enquanto um outro grupo com ideias mais reformistas
buscava um enfrentamento da crise através de propostas de universalização e integração
do sistema de saúde (unificação do INAMPS ao MS) (BRASIL, 2001).
17 Esta discussão é mais bem aprofundada no artigo: FELIPE, J. S. MPAS: o vilão da reforma
sanitária?.Cad. Saúde Pública [online]. 1987, vol.3, n.4, pp. 483-504.
45
Em 1980, uma primeira proposta de reformulação do setor saúde e
previdenciário é apresentada envolvendo atores do MS e do MPAS: o Programa
Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE). Este programa foi
apresentado e discutido neste mesmo ano na VII Conferência Nacional de Saúde (CNS)
e continha propostas como a universalização da assistência e a integração progressiva
das ações de saúde no âmbito do MS. Tratava-se de uma proposta inédita quanto à
temática da participação e de democratização da sociedade e incorporava as teses da
descentralização, hierarquização e regionalização com ênfase nos serviços de saúde
(BRASIL, 2006) através de uma articulação interinstitucional que envolvia entidades
públicas e do setor privado que atendessem a determinados critérios.
“O que havia de novo no PREV-SAÚDE é, exatamente, que ele
deixava o espaço restrito do complexo da saúde pública, para se
transformar numa proposta de coordenação interinstitucional
entre diversos ministérios e as secretarias estaduais e municipais
de saúde, o que timidamente, já se esboçaria no PIASS.”
(VILAÇA, 1987, p.269).
A coordenação, no nível federal, ficaria a cargo da CIPLAN - Comissão
Interministerial de Planejamento e Coordenação, formada pelos Secretários Gerais do
MS e do MPAS; no nível estadual, havia a CIPE - Comissão Interministerial de
Planejamento Estadual, presidida pelo Secretário Estadual de Saúde, que deveria
articular as Secretarias Estaduais de Saúde (SESs), o MS, o INAMPS, MPAS, e as
Diretorias Regionais de Saúde. Além disso, o PREV- SAÙDE defendia ainda a
suspensão de novos credenciamentos de serviços privados e a incorporação pela rede
própria dos serviços prestados por terceiros, subordinando as demais instituições
filantrópicas ou beneficentes ao controle estrito do Estado (PUGIN & NASCIMENTO,
1996).
Este programa, contudo, não obteve apoio político-institucional e acabou não
sendo implementado ao encontrar resistências de grupos reformistas da previdência
social, do grupo de conservadores do setor saúde e previdenciário, além do grupo de
entidades representativas do empresariado hospitalar e da medicina liberal (FARIA,
1997).
Já em 1981, devido ao aumento de demandas pela criação de medidas de escuta
dos segmentos sociais é criado o Conselho Nacional de Administração de Saúde
Previdenciária (CONASP), um órgão do MPAS de representação mista entre Estado e
sociedade, cujos principais objetivos eram: a recuperação operacional do setor público;
46
o aumento da eficiência e da qualidade; a racionalização do sistema como estratégia
para a redução de custos; a criação de instrumentos de gerenciamento e a extensão da
cobertura aos trabalhadores rurais (CORDEIRO, 1991; BRASIL, 2006).
Criado no contexto da crise da previdência com a intenção de buscar respostas
que explicassem a crise do setor, o CONASP em seu diagnóstico identificou um
conjunto de problemas presentes naquele modelo de saúde. Foram eles: 1) serviços
inadequados à realidade; 2) insuficiente integração dos diversos prestadores; 3) recursos
financeiros insuficientes e cálculo imprevisto; 4) desprestígio dos serviços próprios; 4)
superprodução dos serviços contratados (BAPTISTA, 2007).
Segundo Cordeiro (1991), este diagnóstico, portanto, apontava a rede de saúde
como ineficiente, desintegrada e indutora de fraude e desvio de recursos. A relação ao
INAMPS e a articulação com os demais serviços de assistência promovidos pelo
Estado, via estados e municípios, foi considerada opaca e pouco operativa. Já os
serviços oferecidos pelo Ministério da Saúde (secretarias estaduais e municipais,
inclusive) funcionavam de forma independente e paralelamente aos serviços oferecidos
pelo MPAS/Inamps, formando assim uma rede pública desintegrada sem o formato de
um sistema.
Dessa forma, a fim de atingir as metas estabelecidas para a superação do modelo
de saúde vigente, foram elaborados quatro propostas-mestras para a organização do
sistema de saúde previdenciário: o Programa das Ações Integradas de Saúde (PAIS), o
Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS), a
Programação Orçamentária Integrada (POI) e o Programa de Racionalização
Ambulatorial (PRA) (FARIA, 1997). Dentre este conjunto de propostas, apenas o
SAMPHS e o PAIS alcançaram os objetivos propostos e conseguiram dar um contorno
ao redirecionamento do modelo assistencial no plano gerencial.
O SAMPHS possibilitou a informatização do controle das internações e o
controle gerencial de pagamentos das contas hospitalares para o setor privado com a
criação da Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Já o PAIS tornou-se uma
estratégia de integração e racionalização dos serviços públicos de saúde e de articulação
destes com a rede contratada e conveniada. As Ações Integradas de Saúde (AIS) entre o
MPAS, MS e as Secretarias Estaduais de Saúde, promovidas com a transferência
financeira do governo federal aos demais entes federativos, possibilitaram uma nova
relação entre união-estados-municípios e a criação de uma infraestrutura fundamental de
47
rede física de cuidados básicos de saúde (NORONHA E LEVCOVITZ, 1994; BRASIL,
2006).
Além disso, a institucionalização das comissões interinstitucionais de saúde nos
vários níveis federativos (Comissões Interinstitucionais de Saúde- CIS, as Comissões
Interinstitucionais Municipais de Saúde- CIMS, Comissão Interministerial de
Planejamento – CIPLAN e a Comissão Regional Interinstitucional de Saúde- CRIS)
através das AIS, possibilitaram a participação de gestores governamentais, prestadores
públicos e privados, profissionais e usuários no processo de discussão dos interesses do
setor saúde (BRASIL, 2006). Essas experiências foram se tornando permeáveis aos
princípios e ações democratizantes do movimento sanitário, o que acarretou uma
institucionalização da participação social.
“As comissões se multiplicaram no país, num ritmo bastante
rápido, abrindo espaço a novos sujeitos políticos, embora seu
desenvolvimento institucional tenha sido diferenciado de acordo
com a correlação de forças políticas entre os sujeitos
participantes nos respectivos locais de funcionamento”
(BRASIL, 2006, p.43).
Cordeiro (1991) aponta, no entanto, que apesar do movimento sanitário ter
encontrado nas AIS uma base técnica e princípios estratégicos para a reforma no setor
saúde, essas não foram assumidas pelo governo como uma política de saúde. Segundo
Eleutério Rodriguez Neto:
(...) as Ações Integradas de Saúde são conservadas como
propostas estratégicas, como proposta de avanço funcional, mas
se cobra que ela não é suficiente. Ela é necessária, mas não é
suficiente. É necessário, então, se avançar em propostas de
transformação um pouco mais estrutural, na perspectiva do Setor
de Saúde. Quer dizer, mudanças de reorganização profunda, na
forma de relacionamento, nas atribuições das instituições do
Setor de Saúde que vão fazer parte, portanto, do corpo
programático, que vai formar, ou pelo menos, pretendia formar,
o programa de saúde na Nova República (...) (apud BRASIL,
2006, p.44).
Nesse sentido, pode-se afirmar que as ações desenvolvidas através do Plano
CONASP - destacando se as AIS - favoreceram ao debate da democratização da saúde
ao definir diretrizes para um debate interinstitucional entre diferentes atores. Além
disso, a partir desse processo de discussão, evidenciaram-se os projetos em disputa na
arena das políticas de saúde: o conservador privatista – do setor privado contratado; o
modernizante privatista – dos interesses da medicina de grupo; o estatizante – dos
48
técnicos ministeriais e da oposição; e o liberal – de parte dos técnicos e da medicina
liberal (BRASIL, 2006).
De maneira geral, nesse momento anterior à Nova República, foi possível
observar no setor de saúde brasileiro todo um movimento na direção de propostas de
extensão de cobertura e de universalização. Ou seja, a partir de meados da década 1970
estes temas estão em debate, em disputa no Estado, através da conformação efetiva de
políticas estatais tais como as citadas acima. Além disso, seguindo a perspectiva do
debate internacional – citado no capítulo 1 – as ideias de extensão de cobertura e
universalização eram complementares e não antagônicas, contraditórias, pois a principal
finalidade naquele dado momento era a ampliação das ofertas de serviços de saúde pelo
setor público, independente da natureza jurídica do prestador deste serviço18.
2.1- Redemocratização: A Saúde na Nova República
Como já sinalizado anteriormente, o contexto de crise na previdência exigia
transformações estruturais e uma reorganização profunda no setor saúde que
considerasse o momento de redemocratização do país e as redefinições necessárias para
a construção de uma nova política de saúde em uma Nova República (BRASIL, 2006).
Em 1985, o processo redemocratização foi impulsionado com a conquista da
instauração de um governo civil - sobretudo em consequência da luta do movimento
popular pelas “Diretas Já!” 19. No entanto, esta instauração ocorreu através de uma
transição negociada entre os segmentos dissidentes do regime militar e os segmentos
oposicionistas da “democracia de fachada consentida pelo Estado autoritário, em um
pacto pelo alto, das elites, excluindo a participação popular” (BRASIL, 2006, p.44).
Através de uma eleição por voto indireto, Tancredo Neves20 é eleito o novo presidente,
18 Vilaça (1986), em trabalho apresentado nos grupos de trabalho da VIII CNS, identifica três principais
grupos de prestadores de serviços naquele período, conforme a natureza jurídica: a) O subsetor público:
produtor estatal, de administração direta ou indireta, presta diretamente os serviços; b) O subsetor
filantrópico: constituído por entidades sem fins lucrativos, devidamente registrados no Conselho Nacional
de Serviço Social do Ministério da Educação; c) O subsetor privado: representado por entidades
organizadas por livre vontade de particulares. Podem se estabelecer dois subsetores privados: 1) o privado
”típico” quando empresários, com recursos próprios e por seu próprio risco, investem na construção de
unidades de saúde e disputam, em regime concorrencial, fatias do mercado; 2) o privado “delegado”,
onde empresários, muitas vezes com subsídios governamentais, constroem suas unidades de saúde e,
através de contratos com a Previdência Social garantem, para si, um mercado monopsônico, responsável
pela maior parte de suas receitas correntes. 19“Diretas Já!” foi um movimento de grande participação popular no Brasil. Teve início em 1983, no
governo de João Batista Figueiredo e propunha eleições diretas para o cargo de Presidente da República.
A campanha ganhou o apoio dos partidos PMDB e PDS, e em pouco tempo, obteve apoio da população,
que foi às ruas para pedir a volta das eleições diretas. 20 Antes de ser eleito Presidente, foi governador do estado de Minas Gerais de 1983 a 1984. Foi um dos
líderes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 1984, Tancredo candidatou-se à Presidência
49
mas com sua morte após a instauração do governo quem assume é seu vice José
Sarney21.
Noronha e Levcovitz (1996) apontam que a composição do “Ministério
Tancredo Neves” foi respeitada durante os dois primeiros anos de governo Sarney,
permitindo a expressão política de alguns grupos existentes no interior do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), propositores e implementadores de
reformas políticas modernizantes e democratizantes do Estado desde a década de 1970.
No entanto, é importante destacar que o governo Sarney constituía-se de um conjunto
de forças políticas heterogêneas, conservadoras e progressistas, sem que houvesse uma
corrente hegemônica ou predominante.
No setor saúde, com o intuito de promover as transformações e reorganizações
necessárias, grupos políticos progressistas implicados com as propostas da Reforma
Sanitária passavam a integrar órgãos chaves do governo tais como o MPAS e o MS.
Contudo, as correlações de forças heterogêneas em disputa no interior do Estado,
dificultaram que estes grupos, muitos do movimento sanitário, implementassem uma
efetiva Reforma Sanitária. Estes atores depararam-se com avanços no plano
institucional que não correspondiam às políticas e ações do executivo e, além disso, as
teses e projetos reformistas eram combatidos por grupos representantes do modelo
privatista e pela burocracia previdenciária (BRASIL, 2006).
Destacaram-se importantes representantes reformistas da saúde no quadro
institucional nos MS e da Previdência nesse período como: Eleutério Rodrigues Neto22
(secretário-geral no MS); Sérgio Arouca23 (presidência da FIOCRUZ); Hésio Cordeiro
(presidência do INAMPS) e Raphael de Almeida Magalhães24 (Ministro do MPAS).
Embora esta composição institucional tenha criado uma expectativa de mudança
institucional imediata - já que o debate reformista era norteado pela universalização da
da República. Em 15 de janeiro de 1985 foi eleito presidente do Brasil pelo voto indireto, mas adoeceu
gravemente, em 14 de março do mesmo ano, véspera da posse. Morreu oficialmente de diverticulite. 21Anteriormente, fora governador do Maranhão (1966-1971) e senador pelo mesmo estado (1971-1985). 22 Médico; Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Secretário-Geral do Ministério da Saúde
na Gestão Carlos Santana (1985/1986). Atou como consultor para a OPAS diversos países. De 1980 a
1982 atuou como Coordenador de Planejamento e Estudos da Secretaria de Serviços Médicos até 1982,
onde se destacou na formulação do “Plano de Reorientação de Assistência à Saúde Previdenciária”,
elaborado pelo Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP). 23Médico sanitarista. Foi presidente da Fiocruz em 1985, professor concursado da Escola Nacional de
Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), chefe do Departamento de Planejamento da Escola e um dos principais
líderes do movimento da movimento sanitário no Brasil. Sua tese de doutorado intitulada: O dilema
preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva, forneceu fundamentos
teóricos estruturantes para a constituição da base conceitual da saúde coletiva. 24 Advogado, executivo e político brasileiro. Foi Presidente do MPAS no governo de José Sarney de 1986
a 1987.
50
assistência à saúde, a maior abrangência dos benefícios sociais e a expansão do direito à
previdência social-, o acirramento das disputas de poder, brigas institucionais e
dificuldades operacionais no encaminhamento das reformas, inviabilizaram este plano
na prática. De acordo com Faria (1997),
“os conflitos existentes entre os reformistas ligados à saúde e os
reformistas ligados à previdência, velados no período pré-85
pela situação política do Estado e pela pouca mobilidade política
dos grupos reformistas no âmbito institucional, explicitaram-se a
partir de então. O conflito saúde-previdência ganhou uma
dimensão política complexa e cada setor passou a divulgar um
ideal político específico na condução da reforma” (p.39).
A partir desse momento, dois grupos de interesse destacam-se na discussão da
saúde: os “reformistas da saúde” e os “reformistas da previdência”. O primeiro,
relacionado ao MS e ao movimento sanitário, defendia como proposta uma política de
universalização do direito à saúde, a descentralização dos poderes nas esferas federal,
estadual e municipal, além da unificação da saúde no nível federal (incorporando o
INAMPS ao MS) com a criação de um novo MS que deveria atender as ações de caráter
curativo até ações de caráter preventivo.
Já o segundo grupo, os “reformistas da previdência”, representavam os interesses
do MPAS/INAMPS e contava igualmente com o engajamento de representantes do
movimento sanitário25 atrelados ao INAMPS (estão neste grupo Hésio Cordeiro e José
Carvalho de Noronha26). Estes reformistas também defendiam a ideia de
universalização, mas propunham estratégias de uma unificação da saúde sem a
transferência imediata do INAMPS para a saúde. Na verdade, por se tratar de um órgão
que concentrava muito poder, a unificação do INAMPS ao MS resultaria em uma
transferência de recursos, mas também uma transferência de poder político. Portanto, as
propostas desse grupo apontavam para uma modernização e a promoção de uma maior
eficiência da máquina previdenciária, além da unificação gradual à saúde a partir do
INAMPS (BAPTISTA, 1996).
A respeito dessa disputa, Hésio Cordeiro esclarece o assunto em depoimento:
25 É importante destacar que apesar de tratar-se de um movimento, é possível claramente identificar em
seu interior diferentes grupos, com diferentes propostas e entendimentos acerca da Reforma Sanitária. No
entanto, o direito universal à saúde é um consenso dentro deste movimento. No capítulo 3 e 4 estas
disputas e tensões serão mais bem exploradas. 26 Médico; Sanitarista; Doutor em Saúde Coletiva; Secretário de Medicina Social do INAMPS (1986-
1988); Secretário Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (1988- 1990); Presidente da Abrasco (2000-2003);
Professor adjunto aposentado do IMS/Uerj; Pesquisador do Centro de Informação Científi ca e
Tecnológica/Fiocruz.
51
“Havia uma espécie de corrente da unificação pelo alto, em que
o Inamps se transferiria para a saúde, e outra da unificação pela
base do sistema, em que a gente desenvolveria toda uma
estratégia de descentralização, de fortalecimento dos municípios
e dos estados e, a partir daí, iria sendo consolidada a idéia do
SUS e no momento estratégico definido, que seria após a
Constituinte, se promoveria a unificação e a passagem do
Inamps para o Ministério da Saúde. E não o inverso, porque se
corria o risco de que a lentidão burocrática e a máquina pesada
do Ministério da Saúde criasse uma dificuldade muito grande ao
próprio desenvolvimento significativo do acesso à saúde pela
população (BRASIL. 2006, p.77).
De acordo com Faria (1997), as duas estratégias — reforma pelo alto ou reforma
por baixo — tinham como finalidade a unificação do sistema de saúde. Porém, a
unificação pelo alto significava uma mudança imediata de um modelo para o setor
saúde e a unificação por baixo dependia de uma reforma gradativa, trabalhando sempre
com os estados e municípios através da descentralização. Para esse último grupo, as AIS
eram estratégicas para o processo de descentralização cujo objetivo final seria a
universalização da assistência.
No entanto, ainda em 1985, as disputas tornam a se intensificar após o
encaminhamento ao Congresso Nacional da lei delegada27 apresentada pelo então
Ministro da saúde a Carlos Sant´anna28 indicando a transferência do INAMPS para a
saúde no prazo de 90 dias. Segundo Fabíola de Aguiar Nunes29 (BRASIL, 2006), Carlos
Sant´anna já vinha trabalhando na elaboração desta lei delegada para o programa de
governo de Tancredo Neves, no sentido de unificar o sistema de saúde que era uma
reivindicação do movimento sanitário.
Contudo, o MPAS junto a alguns sindicatos de trabalhadores, recusaram a
transferência imediata do INAMPS, argumentando o desconhecimento da população
com relação à proposta de uma transferência imediata, a falta de tempo suficiente para
uma discussão cuidadosa da questão e num período anterior ao reordenamento jurídico-
político do país a ser proposto pela Assembleia Nacional Constituinte (PAIM, 1986). O
27 A lei delegada tem por função delegar poderes a um órgão ou sistema. 28 Embora o deputado Carlos Sant’anna não fosse, originalmente, do movimento sanitário, inclusive com
vinculação partidária mais à direita, seu papel articulador do movimento foi considerada fundamental na
análise de atores deste período. Conforme relato de Fabíola Aguiar Nunes, Carlos Sant’anna era pediatra
na Bahia, deputado estadual, secretário estadual de educação e não estava diretamente envolvido com o
movimento da Reforma Sanitária. Mas, no momento em que ele foi notificado que viria para a saúde, e
que assumiria a pasta ministerial da saúde, começou a estudar essas questões e se articulou com as
pessoas que estavam no processo da Reforma Sanitária (BRASIL, 2006). 29 Médica; Sanitarista; Mestre em Saúde Pública; Secretária Nacional de Programas Especiais de
Saúde/Ministério da Saúde (1985-1987). Foi esposa do Deputado Federal Carlos Sant´anna.
52
então Ministro da previdência, Raphael de Almeida Magalhães, consegue pressionar o
Presidente Sarney para que não houvesse a sanção dessa lei e o mesmo não a remete à
apreciação do Congresso Nacional para a aprovação (PAIM, 1986; FARIA, 1997).
É sob esse clima de embate político, portanto, que é convocada a VIII CNS
como uma arena privilegiada para o debate das propostas de saúde no país. Articulada
estrategicamente no âmbito do MS, esta Conferência compôs um programa de
discussões englobando todas as questões relativas à reforma do setor saúde, dentre elas
os temas principais: o direito à saúde, a unificação do sistema de saúde e o
financiamento do setor saúde (FARIA, 1997).
Pode-se inferir, portanto, que neste contexto que antecede a VIII CNS as
disputas e embates deixavam claro a necessidade de modificação no modelo de atenção
à saúde na direção de uma concepção de saúde ampliada e atrelada ao direito social
universal. A VIII CNS, nesse sentido, mostrava-se como arena privilegiada para a
articulação de propostas a serem pactuadas para uma verdadeira reforma no sistema de
saúde do país.
53
CAPÍTULO 3- A CONFERÊNCIA DA REFORMA SANITÁRIA
“Claro, saúde é dever do Estado, um direito do cidadão, não termina mesmo que você
esteja desempregado. Na VIII Conferência Nacional de Saúde vamos definir esta e
muitas outras questões para que todos os nossos direitos ligados à saúde sejam
garantidos. Através dos nossos sindicatos e associações, vamos estudar a melhor
maneira de organizar o setor de saúde. Não dá mais pra continuar empurrando a miséria
com a barriga!”
(Fala extraída de comercial convocando a VIII CNS30, 1986).
A fala acima, extraída do comercial veiculado em horário nobre na televisão
brasileira semanas antes da realização da VIII CNS, demonstra a expectativa que a
realização desta Conferência gerou ao debate da saúde e à sociedade civil de maneira
geral. A grande divulgação e o convite à mobilização da sociedade sugeriam que aquela
seria uma Conferência diferente das anteriores, pois diante do contexto de
redemocratização do país e a proximidade com a constituinte, aquele seria um espaço
privilegiado para discutir e elaborar uma política nacional de saúde que atendesse as
demandas da população.
O cenário fictício do vídeo dava pequenos indícios acerca do debate que seria
levado à VIII CNS: uma favela cujos atores percorriam um espaço aparentemente
insalubre marcado pela pobreza e doença. A fala do ator principal, relacionando a
miséria ao estado de saúde, sugeria a tônica do debate que seria levado à Conferência:
um conceito de saúde ampliado e uma reforma efetiva no setor saúde de cunho
estrutural.
A VIII CNS, portanto, organizou-se como resultante das propostas e das lutas do
movimento da Reforma Sanitária que desde a década de 1970 se articulava e acumulava
experiências - como as AIS -, que serviram de base para um projeto de reforma no setor
saúde na década de 1980. Soma-se a esse contexto, a transição democrática e a inserção
de quadros técnico-políticos de integrantes deste Movimento no MS e MPAS, criando
condições ótimas para que esta Conferência trouxesse como temática questões
essenciais à proposta de uma Reforma Sanitária (BRASIL, 2006).
30 Comercial extraído do vídeo: Oitava Conferência Nacional de Saúde (1986) – Parte 1, disponibilizado
na internet pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP/UNB). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=0w4vnghg1Fo. Acesso em 16 de setembro de 2014.
54
Embora o contexto político se apresentasse um pouco mais favorável a
modificações devido a mobilização para a constituinte, a convocação da VIII CNS
significou a abertura de um espaço de discussão e aprofundamento das questões de
saúde em uma dimensão política e social, já que o recente governo Sarney não havia
substituído antigas forças políticas e tratava a saúde ainda de forma técnico-acadêmica
(GADELHA & MARTINS, 1988).
Além disso, o conflito entre os “reformistas da saúde” e os “reformistas da
previdência”, citado no capítulo anterior, havia se tornado ainda mais acirrado no
período pré-constituinte, sobretudo ao que se referia à questão da unificação da saúde no
nível federal com a incorporação do INAMPS ao MS, evidenciando, assim, a
necessidade de um consenso acerca desta problemática.
É diante deste quadro, portanto, que através do Decreto Lei 91.466, de 23 de
julho de 1985 é convocada a VIII CNS, cuja finalidade principal seria obter subsídios
para contribuir para uma reformulação do Sistema Nacional de Saúde e proporcionar
elementos para o debate da saúde na Assembleia Constituinte (GADELHA &
MARTINS, 1988). Por essa razão, a VIII CNS é reconhecida por alguns autores como a
pré-constituinte da saúde. O Deputado Carlos Sant´anna em debate durante a
Conferência explicita essa opnião em sua fala:
“Esta 8ª Conferência foi convocada para ser pré-Constituinte da
Saúde. É aqui, na abrangência deste amplo foro de debates, que
serão caldeadas as matérias que deverão ser conduzidas à
Assembleia Nacional Constituinte, como resultante da vontade
de todos os profissionais de saúde e de todos os segmentos da
sociedade que, ao longo de 17 pré-Conferências e mais desta
Conferência Nacional estão debatendo amplamente todas estas
questões e estes temas” (CONFERÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE, 1987, p. 329)
Antes de prosseguir no tema, a fim de melhor compreender a especificidade da
VIII CNS e o seu ineditismo em diferentes aspectos, é válido discorrer brevemente
acerca das conferências que a antecederam.
3.1- Conferências que Antecederam a VIII CNS
As CNS foram instituídas por lei em 1937 (Lei 378) com o objetivo de fornecer
orientações sobre a política de saúde. Segundo Escorel e Bloch (2005), o papel atribuído
às conferências quando de sua institucionalização foi o de promover intercâmbio de
informações e proporcionar ao governo federal o controle das ações realizadas no
âmbito estadual a fim de regular o fluxo de recursos financeiros, sem que houvesse
55
qualquer menção a processos deliberativos. De todo modo, cada CNS teve objetivos
bastante específicos como será demonstrado resumidamente abaixo.
A primeira CNS, realizada em 1941, teve como objetivo discutir assuntos
relacionados à organização sanitária estadual e municipal, à ampliação e sistematização
das campanhas nacionais contra a tuberculose e a hanseníase, ao desenvolvimento dos
serviços básicos de saneamento e das atividades de proteção materno-infantil. Além
disso, com a finalidade de organizar uma política sanitária buscou-se medidas para o
controle das epidemias, saneamento e urbanização (BRASIL, 2001).
A II CNS (1950) resultou da preocupação de levar ao conhecimento das
autoridades os “pontos de vista” dominantes entre os sanitaristas do país, para que se
realizassem estudos e criassem normas que pudessem emprestar maior uniformidade à
resolução dos problemas de saúde brasileiros (BRASIL, 2001). Segundo Gadelha e
Martins (1988), estas duas primeiras conferências (1941 e 1950) trataram de firmar um
campo institucional próprio ao sanitarismo, que até então estava vinculada ao Ministério
da Educação e Saúde.
A III CNS (1963) foi a primeira conferência ocorrida após a criação do MS em
1953. Seu temário e recomendações expressavam todo um processo de transformação
pelo qual passava o Estado brasileiro naquele período, como reestruturações políticas
sociais e maior democratização do Estado. Os principais tópicos tratados nesta
conferência foram: a situação sanitária da população brasileira; distribuição e
coordenação das atividades médico-sanitárias nos níveis federal, estadual e municipal;
municipalização dos serviços de saúde e fixação de um plano nacional de saúde
(BRASIL, 2001).
Já a IV CNS (1967) teve como tema central "Recursos Humanos", numa
preocupação na formação de profissionais orientados para a solução de problemas de
saúde do país (BRASIL, 2001).
A V e VI CNS foram realizadas em um curto espaço de tempo - 1975 e 1977
respectivamente. A primeira teve como temática: o Sistema Nacional de Saúde; o
programa de materno-infantil; o sistema de vigilância epidemiológica; o controle das
grandes endemias e a extensão das ações de saúde às populações rurais. A segunda
trouxe como tema o controle das grandes endemias, a interiorização dos serviços de
saúde e a política nacional de saúde.
Com a constituição do SNS em 1975, emergem possibilidades concretas na
construção de uma política sob novos parâmetros discutidos e a realização dessas duas
56
conferências expressava uma preocupação do Estado na definição de um novo modelo.
Nesse sentido, pode-se afirmar que essas CNS inauguraram uma mudança na discussão
da política de saúde, com uma maior integração ao debate internacional e propostas
estratégicas de reformulação para o sistema de saúde. Da mesma forma, é possível
identificar uma preocupação com a política de extensão dos serviços de saúde31
acompanhando um movimento gradual de incorporação do próprio Estado de novos
setores sociais (rural, autônomos, domésticas, etc.) como beneficiário do sistema a partir
da década de 1970 (BRASIL, 2001).
No entanto, na VI CNS já é possível identificar visões mais críticas, resultado de
uma maior liberdade de divulgação de estudos e pesquisas, assim como dos primeiros
sinais da crise econômica (BRASIL, 1986 apud BRASIL, 2001). Nesse contexto, torna-
se mais nítido um descontentamento da sociedade em relação ao Estado, às políticas
sociais e à política de saúde. Paralelamente, o Movimento Sanitário ia fortalecendo-se
“na busca de alternativas para a construção de modelo
assistencial justo, democrático e igualitário. As Universidades e
Centros de Pesquisa constituíram-se nos principais
interlocutores do debate, buscando nas experiências
internacionais parâmetros para a discussão nacional” (BRASIL,
2001, p.98).
Contudo, segundo essas autoras, mesmo com esse movimento crítico, essas duas
conferências não contaram com a participação desses segmentos e permaneceram
restritas aos convidados do governo que exerciam cargos de comando no Ministério da
Saúde.
A VII CNS, última que antecedeu a VIII CNS que é o foco deste estudo, ocorreu
em 1980 e sua convocação teve como finalidade a promoção do debate amplo de temas
relacionados à implantação e ao desenvolvimento do Programa Nacional de Serviços
Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE)32, e como temática principal a extensão das ações de
saúde através dos serviços básicos (BRASIL, 2001; ESCOREL & BLOCH, 2005. Indo
ao encontro da discussão que ocorria no âmbito internacional desde a Conferência de
Alma-Ata em 197833 que previu a garantia da saúde para todos até o ano 2000, toda
discussão apresentada na conferência
31 Um exemplo é o PIASS em 1976. 32 Citado no capítulo anterior. 33 A Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde (1978) realizada em Alma- Ata, veio
reforçar a ideia e a importância da Atenção Primária em Saúde e a disseminação dos programas de
extensão de cobertura. A Conferência reafirmou e imprimiu um caráter internacional a essa discussão,
57
“apontava para a temática da extensão das ações de saúde
através dos serviços básicos, pensadas na organização dos
serviços, no desenvolvimento de recursos humanos, na estrutura
de saneamento e habitação, na necessária educação continuada,
na responsabilidade e articulação interinstitucional, na política
de alimentação e nutrição, informação e vigilância
epidemiológica, saúde mental, odontologia e articulação dos
serviços especializados” (BRASIL, 2001, p.99).
Uma peculiaridade da VII CNS é que, pela primeira vez, contou-se com a
participação de outros setores sociais para contribuir com o debate. Estavam presentes
Solon M. Viana do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), contribuindo
com a questão do financiamento; profissionais de saúde, representados pelo médico
Adib Jatene34; e políticos como José Serra35 e Almir Gabriel36.
Nesta CNS foi possível identificar um progresso na discussão e na definição de
uma política de saúde mais abrangente, levando-se em conta o conceito intersetorial de
saúde e admitindo-se que os gastos no setor saúde constituem-se como investimento de
elevada rentabilidade social (BRASIL, 2001). O quadro abaixo sintetiza o temário
dessas conferências:
Quadro 1- Síntese do Temário das CNS (da 1ª à 7ª CNS)
Conferência Temática
1ª CNS (1941) Situação sanitária e assistencial dos estados.
2ª CNS (1950)
Legislação referente à higiene e à segurança do trabalho.
3ª CNS (1963)
Descentralização na área de Saúde.
ultrapassando os limites regionais e sendo alvo central das propostas formuladas pela Organização
Mundial de Saúde nos anos de 1980. (FAUSTO, 2005). 34 Adib Jatene- Médico; Atuou como secretário estadual da Saúde de São Paulo (1979-1982), no governo
de Paulo Maluf, e duas vezes como ministro, na mesma área, nas gestões Fernando Collor (1992, por oito
meses) e Fernando Henrique Cardoso (1995-1996, por 22 meses), tendo sido responsável pelo avanço do
processo de descentralização do sistema. No governo de FHC, criou a Contribuição Provisória Sobre
Movimentação Financeira (CPMF), para ajudar a financiar a saúde brasileira, e deu continuidade ao
projeto dos medicamentos genéricos e ao programa de combate à AIDS. 35 José Serra – Médico, atuou como Ministro da Saúde em 1998-2002. 36 Almir Gabriel- Médico; exerceu papel fundamental na Assembléia Nacional Constituinte para a
definição da proposta do Sistema Único de Saúde.
58
4ª CNS (1967)
Recursos humanos para as atividades em saúde.
5ª CNS (1975)
I. Implementação do Sistema Nacional de Saúde; II. Programa de Saúde Materno-
Infantil; III. Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica; IV. Programa de
Controle das Grandes Endemias; e V. Programa de Extensão das Ações de Saúde às
Populações Rurais.
6ª CNS (1977) I. Situação atual do controle das grandes endemias; II. Operacionalização dos novos
diplomas legais básicos aprovados pelo governo federal em matéria de saúde; III.
Interiorização dos serviços de saúde; e IV. Política Nacional de Saúde.
7ª CNS (1980)
Extensão das ações de saúde por meio dos serviços básicos.
Fonte: Elaboração própria a partir dos relatórios das Conferências de Saúde.
3.2- A VIII Conferência Nacional de Saúde
A VIII CNS é compreendida por diversos autores (BRASIL, 2006; BRASIL, 2001;
NETO, 2003; ESCOREL E GADELHA, 1986; GUIZARDI et al, 2011) como um marco na
questão da saúde no Brasil. Primeiro, porque simbolizou o processo de construção da
plataforma e de estratégias de um movimento de democratização da saúde e representou
um marco para o movimento sanitário que há tempos já se articulava num sentido de
reformulação do setor (NETO, 2003). Esta Conferência foi prevista como instrumento
de elaboração do novo SNS, mas sua convocação também teve a finalidade de dirimir
impasses, refazer as alianças, traçar as estratégias correspondentes e realinhar propostas
dentro do próprio Movimento sanitário para o aprofundamento da reforma no setor
saúde (NETO, 2003).
“A intenção explícita desta conferência estava em firmar as
“bandeiras” de luta apresentadas pelos reformistas da saúde e,
mais precisamente, sustentar a política de unificação do setor
saúde, com a passagem do INAMPS para o MS como proposta
política para o Estado” (FARIA, 1997, p.52).
Segundo Faria (1997) a grande finalidade da VIII CNS era tornar-se um fórum
de ampliação do debate do debate da Reforma Sanitária em nível nacional e conquistar
o apoio dos diferentes segmentos sociais no que se referia à proposta de unificação do
setor saúde.
A segunda razão que torna a VIII CNS um marco para a questão da saúde, é que
pela primeira vez na história das CNS foi possível contar com uma efetiva participação
da comunidade junto aos técnicos na discussão de uma política setorial, inaugurando
assim um processo de participação da sociedade civil nas deliberações sobre a política
59
de saúde (FLEURY apud RADIS, 1986). Carvalho (1995) reitera essa colocação ao
afirmar que:
“A 8ª Conferência foi um evento duplamente inédito. Inédito na
história das políticas de saúde porque não se tem notícia de que
o poder executivo brasileiro jamais tenha convocado a sociedade
civil para o debate de políticas ou programas de governo, menos
ainda no estágio ou momento de sua formulação na escala de
que o fez naquele momento. Todas as sete conferências de saúde
anteriores pautaram-se por um caráter eminentemente técnico e
pela baixíssima representatividade social marcada pela
participação praticamente restrita a gestores e técnicos
governamentais (p.53).”
Fabíola de Aguiar Nunes, em depoimento concedido no livro “A construção do
SUS: Histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo” (BRASIL, 2006)
aponta que a ideia de Arouca, presidente da VIII CNS, em realizar uma conferência
diferente das anteriores se deu porque até a VII CNS os delegados eram escolhidos pelo
ministro da Saúde ou autoridades da República, o que significava possuir representantes
intimamente ligados à construção de propostas para a política de saúde, mas um
afastamento da população, das administrações locais e dos envolvidos com o
movimento sanitário dos processos decisórios.
“O que Arouca propôs foi o contrário, começar de baixo para
cima. E dizia: “Se a gente tem realmente um argumento bom, a
gente vai poder começar a discutir do município para cá e
quando chegar aqui a força do movimento social vai viabilizá-
lo. Carlos Sant’anna, considerando que administrar essa
conferência ia ser muito difícil, perguntou a Arouca se a
assumia, como Presidente da FIOCRUZ. Arouca disse que sim,
propôs e defendeu um mínimo de mil delegados, mesmo com o
argumento de que era um número muito elevado, sendo contra a
sugestão para reduzi-lo. Arouca achava que mil delegados era o
mínimo para legitimar a conferência, começando dos municípios
– as pré-conferências – que agora são históricas e um fato dado
na organização das conferências. Ou seja, a ideia original foi de
Sergio Arouca e a força política que fez isso acontecer foi de
Carlos Sant’anna.” (BRASIL, 2006, p.83).
A VIII CNS foi viabilizada pela mobilização de três ministérios: da Saúde, da
Previdência e Assistência Social e da Educação, apesar de formalmente ter sido
convocada apenas pelo ministro da Saúde. A comissão organizadora37 do evento foi
composta por atores destes três ministérios, com maior participação de integrantes do
37 Ver em ANEXO II quadro com a composição da Comissão Organizadora.
60
MS e com uma participação mais discreta de atores integrantes do MPAS/INAMPS
(ESCOREL & BLOCH, 2005; FARIA, 1997). Os temas relacionados à educação
restringiram-se à ensino médico, a integração ensino-serviço e a participação de
instituições de pós-graduação em saúde como ABRASCO e CEBES.
Por decisão dessa mesma comissão organizadora, a Conferência – que
inicialmente estava prevista para ser realizada no dia 02 de dezembro de 1985, acabou
sendo adiada38 para o ano seguinte na tentativa de garantir um maior tempo de
divulgação do evento e de gerar uma maior mobilização da sociedade civil em torno do
debate.
O processo de preparação para a VIII CNS também merece se destacado. Isso
porque ocorreu através de uma ampla divulgação do temário da Conferência para a
sociedade civil e da realização de pré-conferencias estaduais. De acordo com Arouca
(1987)39 as pré- conferências estaduais de saúde “nasceram num movimento quase que
próprio, quando os estados começaram a ter interesse em se preparar para a
conferência” (p.40). O principal objetivo destas era reunir propostas, além de elaborar
documentos técnicos e relatórios de diferentes estados do país para serem utilizados
como subsídios durante o debate na VIII CNS.
Segundo Escorel e Bloch (2005), todos os estados realizaram as pré-
conferencias, sendo que alguns tiveram também conferências municipais antes do
evento estadual (Minas Gerais, Paraná, Sergipe e Pará). O resultado destas pré-
Conferências foram debatidos durante o evento e auxiliaram na elaboração do Relatório
Final da Conferência.
Destaca-se também nesse processo o papel da ABRASCO, tanto na organização
quanto na condução dos temas a serem discutidos no evento, com especial destaque à
formulação do documento “Pelo direito universal à saúde”40, que também serviu de
38 Em BRASIL. Decreto nº 91874, de 04 de novembro de 1985. Transfere a convocação da VIII
Conferência Nacional de Saúde. Diário Oficial da União. Seção 1. 05/11/1985. p. 16116. 39 Este depoimento foi extraído do documento CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8ª. Brasília,
1986. Anais. Brasília. Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987. No entanto, a fim de
preservar a autoria e melhor identificar os atores no debate na VIII CNS, e em vista que neste documento
os mesmos são identificados, optou-se por utilizar a referência a partir do nome dos atores. Apenas nos
depoimentos extraídos dos debates dos painéis serão utilizados a referência CONFERÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE (1987).
40 Ver em Comissão de Políticas de Saúde - ABRASCO - Pelo Direito Universal à Saúde, Rio de Janeiro,
1986.
61
documento base para o debate da VIII CNS. (NETO,2003; ESCOREL E BLOCH,
2005).
Acerca do processo de elaboração da Conferência, Sonia Fleury (apud BRASIL,
2006) aponta que houve de fato uma articulação com os movimentos populares e uma
discussão sobre questões complexas da saúde, tais como cidadania, direito à saúde, e
que “esse encontro da intelectualidade com o movimento social se dá na preparação da
8ª CNS, depois continua na própria 8ª CNS e, em seguida, na Constituinte, até chegar na
Plenária...” (p.84).
Dessa forma, a VIII CNS ocorre no período de 17 a 21 de março de 1986 no
ginásio de esportes de Brasília, com a participação 41de mais de 4.000 mil pessoas,
dentre eles 1000 delegados que se dedicaram durante cinco dias, em jornadas de até 14
horas, a discussões e propostas em torno dos temas “Saúde como Direito”,
“Reformulação do Sistema de Saúde” e “Financiamento do Setor” (GADELHA &
MARTINS, 1988).
Para a composição de delegados da Conferência foram escolhidos e/ou indicados
representantes de instituições, organizações e entidades segundo critérios definidos
internamente por cada uma delas (RADIS, 1986). Em um primeiro momento, a
comissão organizadora havia previsto que durante a VIII CNS os trabalhos de grupo dos
delegados aconteceriam separadamente dos participantes e que estes teriam direito à voz
em plenário, mas apenas os delegados votariam. No entanto, em função da
reinvindicação dos participantes, esta decisão se modificou e determinou-se que os
participantes também se reuniriam em grupos, apresentariam seus relatórios e uma
comissão constituída por relatores dos dois grandes grupos (delegados e participantes)
compatibilizaria o relatório final a ser aprovado em plenário (ESCOREL & BLOCH,
2005).
41 A escolha por um ginásio esportivo com capacidade para um grande número de pessoas já denotava um
caráter estratégico de convocação de participantes, independente da representação como delegado.
Durante a construção deste estudo, em conversas informais com profissionais e informantes-chaves que
participaram da VIII CNS, foi possível identificar que a grande participação popular foi utilizada como
uma estratégia de pressão social para que os acordos afirmados nesta Conferência fossem legitimados,
sobretudo aqueles referentes aos temas a serem levados ao debate da Constituinte e a questão da
unificação do INAMPS ao MS. Segundo relatos destes informantes-chaves, durante a VIII CNS
caravanas de diferentes municípios, estados e instituições- como a FIOCRUZ com profissionais e alunos-
foram levadas à Conferência, embora muitos destes participantes não estivessem a par da discussão que
aconteceria. A veiculação do comercial convocando a população para a discussão da VIII CNS em
horário nobre na televisão brasileira, demonstrada no início deste capítulo, também pode ser
compreendida como uma estratégia da organização do evento para aumentar a participação popular.
62
Isso caracteriza a importância do debate e da participação nesta Conferência.
Gadelha e Martins (1988) revelam que
“entre os organizadores da 8ª Conferência, havia os que
consideravam que o seu produto final não seria tão relevante
como foi o uso deste espaço para influência na Constituinte.
Assim, o importante seria a abertura para um grande número de
delegados visando à politização do eleitor. O peso político mais
definitivo ficaria por conta de outros fóruns, como a Comissão
de Saúde da Câmara dos Deputados” (p.83).
No entanto, a questão da proporcionalidade das diferentes categorias
representantes gerou diversos conflitos e houve a necessidade da convocação de uma
plenária extraordinária para a discussão do assunto. O setor privado prestador de serviço
contratado e autônomo sentiu-se prejudicado e ausentou-se da Conferência alegando
que sua participação era desproporcional em relação à participação da sociedade civil.
Sergio Arouca em depoimento acerca de como foi o processo de escolha dos
representantes para a VIII CNS revela que
“a questão da representatividade e, portanto, da definição de
delegados realmente foi uma questão muito complexa. Como
definir dentro de limites - que estavam inclusive estabelecidas
até por questões físicas, do local, aonde podia ser realizada a
Conferência, distribuir as vagas no conjunto das instituições
brasileiras? Então, tivemos que muitas vezes tomar decisões.
(...) Inevitavelmente, nessa distribuição determinadas entidades
se acharam pouco representadas, mas acho que foi uma primeira
tentativa que inevitavelmente deve ser melhorada para as futuras
Conferências Nacionais” (Extraído do vídeo Oitava Conferência
Nacional de Saúde – Parte 142).
Segundo Arouca, naquele momento o fundamental era escutar os trabalhadores e
os usuários. Portanto, dentre as 500 vagas destinadas à sociedade civil foi dado um
grande peso aos trabalhadores e as associações de bairro, distribuídas da seguinte forma:
50 vagas a Confederação Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), 50 vagas a
Central Única dos Trabalhadores (CUT), 50 vagas a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e 50 vagas para a Confederação Nacional das
Associações de Moradores (CONAM). Já as outras 300 vagas foram distribuídas entre
instituições da sociedade civil que de alguma forma poderiam contribuir com propostas
42 Depoimento extraído do vídeo: Oitava Conferência Nacional de Saúde (1986) – Parte 1 disponibilizado
na internet pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP/UNB). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=0w4vnghg1Fo . Acesso em 16 de setembro de 2014.
63
para a reformulação do Sistema de Saúde do Brasil, tais como representantes de
instituições religiosas, representantes dos direitos da mulher, entre outros.
Os outros 50% das vagas foram atribuídas ao setor saúde. Todos os ministérios
foram representados desde o ministério da saúde até o ministério das forças armadas,
passando pelos ministérios econômicos e todas as instituições que a nível estadual,
municipal ou da união que tratavam da saúde. Esse movimento de busca de articulação
com outros ministérios pode ser considerado como indício importante de tratar a saúde
de uma forma ampliada e não mais de forma setorializada.
Além disso, os sindicatos, associações e os conselhos de todos os profissionais
de saúde e os empresários da área de saúde também foram contemplados. A tabela
apresentada abaixo ajuda a sistematizar a distribuição das vagas.
Quadro 2 - Distribuição de Vagas para Delegados na VIII CNS
Órgãos do
Estado
Vagas
Sociedade Civil
Vagas
Ministério da
Saúde
80
Associações e órgãos de representação de
produtores privados de serviços de saúde
75
Ministério da
Previdência e
Assistência
Social
80
Entidades das diversas categorias de profissionais
do setor saúde
100
Ministério da
Educação
40
Sindicatos e associações de trabalhadores urbanos
e rurais (CONTAG, CONCLAT, CUT,
CONTAG)
150
Outros
Ministérios e
Órgãos Federais
100
Confederação Nacional de Associações de
Moradores (CONAM)
50
Secretarias
Estaduais
110
Entidades comunitárias e outras entidades civis
100
64
Secretarias
Municipais
90
Partidos políticos
25
Total 500
500 Fonte: Elaboração própria a partir dos relatórios da VIII CNS.
Com relação à esta composição de delegados, Escorel e Bloch (2005) apontam
que a incorporação da participação da sociedade civil organizada configurou uma “nova
institucionalidade” caracterizando a Conferência como um fórum, que passou a ter
“vida própria”, constituindo-se em um “ente” à parte, autônomo e independente, mesmo
sendo um evento convocado pelo poder Executivo federal. Rodrigues Neto (NETO,
1988 apud BRASIL, 2006) revela que:
“A 8ª Conferência faz com que esta questão transborde, faz com
que a questão da saúde tenha que ser assumida pela sociedade
como um todo. Ela é assumida como uma questão central, como
uma questão do seu objetivo, que deveria, então, ser
transformada, ao ser conquistada, em um objetivo de governo, e
não mais em um objetivo de um, dois ou três Ministérios ou de
um determinado grupamento social representado pelos
profissionais de Saúde. (...) Me parece que esse é o grande salto
que se dá, a grande chance, a grande potencialidade que o
Movimento [sanitário] ganha (...) Nesse sentido, a 8ª
Conferência propõe já não mais a questão do Sistema Único de
Saúde como uma exclusividade, mas propõe a Reforma
Sanitária. E passa a ser um movimento da sociedade, ou
pretende ser um movimento da sociedade” (p.47).
Como sinalizado acima, a participação da sociedade foi fundamental para
impulsionar as propostas do movimento sanitário e para mostrar a força do discurso pró-
reforma sanitária. Nesse sentido, é possível compreender que a forte participação
popular foi utilizada pelos organizadores da VIII CNS - composta majoritariamente por
reformistas da saúde - como uma estratégia de pressão política para a passagem do
INAMPS para MS. Segundo Sérgio Arouca em seu discurso, a Conferência nasce:
“no instante que o debate sobre a reformulação do sistema de
saúde no Brasil, infelizmente, quase que ficou restrito a uma
simples reforma administrativa, com a discussão da
transferência ou não do INAMPS para o Ministério da Saúde. Só
que não é esta a questão. O que está em questão é uma coisa
muito mais séria, muito mais profunda do que uma simples
reforma burocrática e administrativa” (AROUCA, 1987, p.38).
Sérgio Arouca declara ainda que a convocação da VIII CNS também se deu em
resposta às críticas de que a proposta de reformulação do sistema de saúde ainda não
65
havia sido debatida o suficiente pela sociedade brasileira e “que qualquer mudança no
sistema de saúde não podia ser feita simplesmente por uma lei” (AROUCA, 1987, p.39)
referindo-se ao episódio da lei delegada de Carlos Sant´anna e a reprovação desta lei por
parte do MPAS.
No debate da própria Conferência Carlos Sant´anna retoma este episódio e
declara que a realização da VIII CNS nasce do impasse institucional entre
representantes do INAMPS e do MS. Segundo ele, com o início do novo governo de
Tancredo Neves/José Sarney foram elaborados documentos decisivos - resultantes de
décadas de seminários, reuniões e simpósios - que culminaram na criação de um
programa de Governo da Nova República que indicavam ações governamentais na
direção do sistema único de saúde, sob um comando único. No entanto, no momento em
que as ações foram divididas em equipes de governo para implementação emergiram
impasses, como explica Carlos Sant´anna:
“No momento em que essas ações iam ser implementadas
formaram-se as equipes de governo, e nas equipes formadas,
uma parte de todos esses elementos que compuseram esses
documentos foi para o Ministério da Previdência, para o
INAMPS; outra parte foi para o Ministério da Saúde. Esta
circunstância gerou um impasse institucional e reabriu uma
discussão que parecia ultrapassada e vencida; mas é exatamente
na raiz dessa circunstância que nasceu a 8ª Conferência
Nacional de Saúde, porque, então, valorizaram-se as pessoas
mais que as instituições. Exatamente porque, o relacionamento
pessoal e as pessoas que estavam ocupando as posições foram
consideradas mais importantes do que o ordenamento
institucional, surgiu uma nova questão, de que a discussão da
estrutura e do sistema de saúde não estava suficientemente
debatida, especialmente porque não estava debatida pelos
usuários do sistema, por organizações como a CUT, a
CONCLAT, a CONTAG, a CNTI e outras que poderiam e
deveriam participar do debate.”( CONFERÊNCIA NACIONAL
DE SAÚDE, 1987, p. 163).
Segundo Carlos Sant´anna era de fato importante a abertura de um novo e amplo
debate que fosse uma pré-Constituinte, mas que este debate fosse conclusivo e norteasse
as decisões a serem tomadas no novo governo. Como apontado na fala acima, além dos
tensionamentos existentes entre os grupos reformistas da previdência e os da saúde
havia ainda uma resistência à proposta de unificação por parte dos sindicatos e
associações de trabalhadores. Isso porque, para este grupo, a previdência e os benefícios
oriundos dela eram resultantes de conquistas e de lutas políticas que não poderiam ser
66
perdidas. Francisco Antonio de Castro Lacaz , representante do DIESAT, em debate do
painel I da Conferência faz a seguinte colocação acerca do posicionamento dos
trabalhadores:
“A Previdência Social, alguns dizem, é um processo de
cooptação das classes populares, mas ela é, também, se a gente
for buscar a origem histórica da Previdência Social no Brasil, o
resultado das lutas sociais do início do século. E nós entendemos
que ela é considerada um direito dos trabalhadores e uma
conquista desses trabalhadores, que não pode ser utilizada pelo
Estado como forma de financiamento da assistência a toda
população” (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1987,
p.123).
Seguindo esta discussão Néio Lúcio Fraga Pereira - representante da CONAM,
reitera a necessidade de rever as formas de financiamento até então utilizadas, propondo
que o Estado financie a saúde, e não os trabalhadores. Além disso, pontua que é
consenso a proposta de unificação do SNS e de um comando único para cuidar da
questão da saúde, mas que as verbas devem vir do Estado evitando que os trabalhadores
descontados pela Previdência Social sustentassem basicamente a assistência à saúde.
Diante deste contexto, a VIII CNS foi utilizada pelos reformistas da saúde como
uma arena privilegiada para reafirmar uma proposta de reformulação do SNS baseada
em Reforma Sanitária, propriamente dita, e não apenas uma reforma burocrática e
administrativa. A unificação do sistema de saúde “pelo alto”, através da transferência
imediata do INAMPS ao MS, portanto, deveria possibilitar um fortalecimento político-
institucional do setor saúde e desvincular a contribuição previdenciária como um
condicionante para o acesso aos serviços de saúde, implementando, assim, um modelo
de atenção à saúde universal (FARIA, 1997). Nesse sentido, a discussão da Conferência
teve um apelo mais forte ao debate ideológico e à discussão da saúde como um direito
social, do que às questões relacionadas à organização administrativa do novo SNS a ser
criado.
Já os reformistas da previdência, embora compartilhassem das ideias de
universalização do setor saúde, apresentavam propostas voltadas para a modernização
da máquina previdenciária e para a promoção de eficiência e agilidade ao INAMPS, de
forma gradual e não ao nível federal (FARIA, 1997). Para esse grupo, a transferência
imediata do INAMPS sem que houvesse uma reforma no interior do sistema
previdenciário enfraqueceria a capacidade negociadora do INAMPS e a fragilizaria as
relações institucionais no setor. Nesse sentido, as AIS eram apontadas como uma
67
estratégia exitosa que poderia servir como estratégia ponte na direção de uma unificação
“por baixo” e gradual.
Dentre os representantes deste grupo que apresentaram trabalhos e discursaram
estavam: Dr. Adib Jatene- Membro da Comissão do Ensino Médico do Ministério da
Educação; Hésio Cordeiro- Presidente do INAMPS; João Yunes43- Secretário de Saúde
do Estado de São Paulo. De maneira geral, as propostas apresentadas por esses atores
não alcançaram um espaço relevante no debate, pois pautavam-se em discussões
pontuais sobre financiamento do setor saúde – que não era uma questão relevante para
os reformistas da saúde naquele momento. Segundo Faria (1997),
“os reformistas da previdência eram compreendidos como atores
que visavam travar a política reformista proposta pelos
reformistas da saúde, porque sempre apresentavam as questões
operacionais, como a questão tributária ou os mecanismos
gradativos de descentralização do sistema, como determinantes
na condução da reforma” (FARIA, 1997. p.52).
No capítulo a seguir, serão mais bem elucidados os conflitos entre estes dois
grupos com relação a temática da unificação do sistema de saúde na VIII CNS.
Com relação à estrutura44 programática da VIII CNS esta se configurou da
seguinte maneira:
1º dia - (17 de março de 1986):
A Conferência inicia-se com a Cerimônia de abertura com a Apresentação da
Conferência por Otávio Clementino de Albuquerque, Secretário do Comitê Executivo
da 8ª CNS, seguido pelos discursos oficiais de:
Quadro 3- Discursos Oficiais Proferidos na Abertura da VIII CNS
Ministro do Ministério da Saúde
Roberto Figueira Santos
Ministro do Ministério da Previdência e
Assistência Social
Raphael de Almeida Magalhães
43 Médico; Dr. pela Faculdade de Medicina da USP. Em 1985, era Professor Adjunto pela Faculdade de
Saúde Pública da USP. Foi secretário de Estado da Saúde de São Paulo de 1983 a 1987. 44 Neste capítulo será apresentado brevemente a estrutura da VIII CNS. No capítulo 4 serão apresentados
e discutidos com mais detalhes o conteúdo dos trabalhos apresentados.
68
Diretor da Organização Pan Americana da
Saúde (OPAS)
Carlyle Guerra de Macedo
Presidente da República Federativa do
Brasil
José Sarney
Em seguida foi proferida a conferência intitulada “Democracia é Saúde” pelo
presidente da Conferência Sérgio Arouca. Nesse discurso Arouca discorre sobre o
processo de convocação e os principais objetivos da VIII CNS: discutir acerca da
reformulação do SNS e identificar as principais propostas para o setor saúde a serem
levadas à Assembleia Constituinte.
Antes da apresentação dos trabalhos que discutiriam as temáticas pré-definidas,
foram apresentados as sínteses dos relatórios das pré-conferências estaduais, que
também serviriam de base para a discussão da Conferência.
2º dia - (18 de março de 1986)
No segundo dia foram apresentados os trabalhos cujas temáticas estavam pré-
definidas. No primeiro painel intitulado: “A saúde como direito inerente à cidadania e
a personalidade”, foram apresentados os seguintes trabalhos por seus respectivos
autores:
1) Direito à saúde, cidadania e Estado - Jairnilson Silva Paim45
2) A Construção Social da Cidadania - José Geraldo de Souza46
3) Saúde como Direito de Todos e Dever do Estado - Hélio Pereira Dias 47
4) Cidadania, Direitos Sociais e Estado - Sônia Maria Fleury Teixeira48
Cada painel foi seguido por um debate composto por representantes do mais
diversos seguimentos (associações, conselhos, movimentos sociais, etc.) e por grupos de
trabalho com participantes e delegados. Neste primeiro dia a composição do debate
pode ser observada no quadro abaixo:
45Médico; Dr. em Saúde Pública; Professor Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. 46 Assessor Jurídico da Fundação Universidade de Brasília em 1986. 47 Advogado; Assistente Jurídico do Ministério da Saúde e Assessor do Ministério da Saúde em 1986. 48 Psicóloga; Doutora em Ciência Política; Professora da FGV; Era vice-presidente da ABRASCO em
1986.
69
Quadro 4- Participantes do Debate do Painel I
Instituição Representante
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Padre Predrinho
Guareschi
Confederação Nacional das Associações de Moradores
(CONAM)
Néio Lúcio Fraga Pereira
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CDNM)
Carmem Barroso
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Arlindo Chinaglia Júnior
Federação das Industrias do Estado de São Paulo (FIESP)
Bernardo Bedrikow
Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de
Saúde dos Ambientes de Trabalho (DIESAT)
Francisco Antônio de
Castro Lacaz
Conselho Federal Medicina (CFM)
Gabriel Oselka
Estes trabalhos trouxeram para o debate a defesa de uma temática considerada o
lema da Reforma Sanitária: a saúde como direito. De acordo com as ideias apontadas
pelos expositores a saúde deveria ser compreendida como um direito social atrelado ao
conceito de cidadania e, portanto, um dever do Estado. Como ponto de partida para
elucidar essa compreensão, os expositores trouxeram as experiências dos países
capitalistas centrais na Europa e os sistema nacionais de saúde existentes cuja
compreensão de saúde e pautada na questão do direito social, como no caso da
Inglaterra e o seu National Health Service (NHS)49·
49 O termo National Health Service (Serviço Nacional de Saúde em português) refere-se ao serviço de
saúde da Inglaterra. O NHS surgiu em 1948 no contexto ós-guerra e contempla a assistência médica como
essencial no Plano Beveridge e provê cobertura universal, baseando-se nos princípios de equidade e
integralidade.
70
O painel caracterizou-se pelo forte discurso político-ideológico, sobretudo pela
participação de alguns representantes do setor acadêmico e do movimento sanitário. Por
essa razão, é preponderante dentre as propostas a defesa de uma concepção ampliada da
saúde, onde mais do que ofertar serviços médicos era também necessário operar
mudanças à um nível mais estrutural tal como a garantia de políticas sociais e
econômicas que melhorem as condições de vida da população.
Tanto nos painéis quanto na sessão de debates, a temática da unificação do
sistema de saúde com a passagem do INAMPS ao MS, organizando um novo órgão de
comando único apareceu como uma proposta unânime entre os participantes. Já a
estatização do SNS gerou divergências, pois para alguns participantes esta deveria
ocorrer de forma imediata e sem a presença do setor privado, enquanto que para outros
deveria ocorrer de forma gradual - já que o SNS ainda era muito dependente dos
serviços prestados pelo setor privado, sendo a estatização imediata inviável naquele
momento.
A questão do financiamento aparece superficialmente em todo este painel já que,
como já citado, a temática explorada tinha cunho mais ideológico do que
organizacional. No entanto, é preponderante nos trabalhos apresentados a proposta de
financiamento pelo tesouro, assim como a criação de novas formas de financiamento.
3ª dia - (19 de março de 1986)
No terceiro dia foi apresentado o painel II, intitulado “Reformulação do
Sistema Nacional de Saúde”, com os seguintes trabalhos:
1) Reformulação do Sistema Nacional de Saúde: Algumas considerações - Adib
Domingos Jatene
2) Participação Social em Saúde - João Yunes
3) O Sistema Unificado de Saúde como Instrumento de Garantia da
Universalização e Equidade - José Aberto Hermógenes de Souza50
4) A Participação de Todos na Construção do Sistema Unificado de Saúde -
Hésio de Albuquerque Cordeiro
Da mesma forma, após a apresentação dos trabalhos deste foi realizado um
debate com a seguinte composição de participantes:
50Médico Sanitarista; Secretário Geral do Ministério da Saúde em 1986. Posteriormente presidiu a
Comissão Nacional da Reforma Sanitária.
71
Quadro 5- Participantes do Debate do Painel II
Instituição Representante
Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de
Janeiro (FAMERJ)
Antônio Ivo de
Carvalho
Federação Nacional dos Médicos (FNM)
Francisco Xavier
Beduschi
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG)
José Francisco da
Silva
Ministério do Trabalho
José Luiz Riani
Costa
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
(ABRASCO) e Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
(CEBES)
Sebastião Loureiro
Prefeitura de Itabuna- Estado da Bahia
Ubaldo Dantas
Diferentemente do painel I, neste painel foi preponderante a discussão mais
específica da reformulação do sistema, ou seja, uma discussão mais operacional e
organizacional. Isso porque, dentre os expositores era predominante a participação de
atores cuja trajetória institucional esteva ligada ao MS ou ao INAMPS. Portanto, a
preocupação girava em torno de questões como: “Qual a melhor forma de garantir o
direito à saúde? Quais arranjos institucionais possíveis viabilizam essa garantia?” Além
disso, é muito marcante neste painel a presença de propostas de novas formas de
relacionamento entre os setores público e privado.
A questão da unificação do sistema de saúde é também central nesse painel, e é
igualmente unânime entre os atores que a reformulação do SNS só será possível com a
unificação do INAMPS E MS em um novo órgão de comando único. No entanto, é
neste painel que o conflito quanto à forma de unificação do sistema – citado
anteriormente- se expressa, já que foram apresentados trabalhos de representantes do
72
MPAS e do MS (aqui com peso maior de representantes do grupo de reformistas da
previdência).
Com relação ao direito à saúde, embora a ideia seja trazida pelos expositores
como algo unânime, esta temática não é aprofundada e nem problematizada. Logo, não
fica claro nos discursos se direito social expressa a ideia de extensão da oferta de
serviços médicos ou se refere-se à um direito social, tal como debatido no primeiro
painel.
4º dia - (20 de março de 1986):
No quarto dia foram apresentados os trabalhos do painel III, intitulado
“Financiamento do Setor Saúde”. São eles:
1) Correção do Financiamento do Setor Saúde- Adolpho Chorny51
2) Alternativas do Financiamento da Atenção à Saúde- André César Médici52 e
Pedro Luiz Barros Silva53
3) Novas diretrizes para o Financiamento do Setor Saúde- Humberto Gomes de
Melo54
Estes trabalhos foram seguidos também por um debate com a seguinte
composição de participantes:
Quadro 6- Participantes do Debate do Painel III
Instituição Representante
Confederação das Misericórdias do Brasil
Geraldo Justo
Secretário de Saúde e do Bem-Estar Social do Paraná
Luis Cardoni Junior
Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras
(CONCLAT) Luis Roberto de Oliveira
Associação Médica Brasileira (AMB)
Nelson Guimarães
Proença
51 Professor da Escola Nacional de Saúde Pública em 1986. Graduado em Administração de Empresas; É
de nacionalidade Argentina e vive no Brasil desde 1976; Foi dele o desenvolvimento e a execução do
primeiro curso de planejamento estratégico em saúde no país, ministrado no Instituto de Medicinal Social
da UFRJ. 52 Economista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Professor da Escola Nacional de Saúde
Pública da FIOCRUZ. 53 Sociólogo e Professor Assistente do Instituto de Economia da Universidade de Campinas. 54 Médico; Representante do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) em 1986
73
Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPEA) Vítor Gomes Pinto
Entre os expositores deste painel, há uma preponderância de uma perspectiva
mais programática e a discussão estava em torno de propostas e novas estratégias de
financiamento. Dentre as principais propostas estavam: a criação do fundo nacional de
saúde e fundos estaduais de saúde; a captação de recursos adicionais para investimentos
com agências como BNDES/FINSOCIAL, BM e CEF/FAS; a importância da gestão
colegiada, interinstitucional do sistema de saúde; e a necessidade de desatrelar o
financiamento do sistema previdenciário a fim de garantir a universalidade dos serviços
de saúde. Neste painel a reformulação do sistema também é defendida através da
unificação do SNS e da reorganização das atribuições do setor público e privado, onde o
primeiro deveria ser predominante e o segundo subordinado ao controle do Estado.
Além dos trabalhos apresentados no painel III e dos grupos de trabalho, foi
realizada no quarto dia da Conferência a mesa-redonda intitulada “Constituinte e
Saúde”; cujo principal objetivo era definir quais temas seriam levados à Assembleia
Nacional Constituinte para serem inseridos na Constituição. Participaram desta mesa-
redonda:
Quadro 7- Participante da Mesa-redonda: “Constituinte e Saúde”
Nome Função
Roberto Figueira Santos
Ministro do MS
João Pimenta da Veiga
Deputado Federal
Carlos Correa de Menezes
Sant´anna
Ex-Ministro do MS e na época Deputado Federal
Waldir Pires Ex-Ministro da MPAS
Cristóvam Buarque Reitor da Universidade de Brasília (UnB);
Secretário- Geral da Conferência Nacional dos
74
Luciano Mendes de Almeida Bispos do Brasil (CNBB);
Guaracy da Silva Freitas
Representante do Conselho da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB);
Wilson Fadul
Ex-Ministro da saúde em 1963, no debate da III
CNS.
5º dia - (21 de março de 1986)
No quinto e último dia foi realizada a consolidação dos três temas centrais:
Direito à saúde, Reformulação do Sistema e Financiamento do setor saúde em uma
mesa com participantes: Arlindo Fábio Gomes de Souza55 (presidente da mesa),
Francisco Eduardo Campos 56(assessor), Roberto Luis Brant Campos57 (assessor), além
de delegados e participantes. Nesta mesa foram debatidos os relatos de experiências,
trabalhos e comunicações relacionados com os três temas centrais, a fim de consolidar
os principais pontos consensuados para a construção do Relatório Final.
Embora o Relatório Final tenha compilado o consenso resultante de cada tema
discutido, foi possível identificar alguns temas que mais geraram discordância e
conflitos no debate:
1) O primeiro deles referia-se à necessidade de reformulação do conceito de
saúde para uma concepção ampliada redefinindo as noções de promoção,
proteção e recuperação da saúde. Portanto, mais do que uma reorganização
administrativa e financeira, era necessária uma reestruturação mais profunda,
que exigisse uma reestruturação de ações políticas que viabilizassem uma
Reforma Sanitária.
2) O segundo tema foi a natureza do SNS: Se estatizado ou não, e se de forma
imediata ou gradual. A proposta de estatização imediata não foi aceita, pois
na assembleia final houve um consenso sobre a necessidade de primeiro
fortalecer e expandir o setor público, já que este ainda era muito dependente
dos serviços do setor privado. Além disso, decidiu-se que a participação do
55 Sociólogo; Sanitarista; Especialista em Administração e Planejamento em Saúde (Ensp/ Fiocruz);
Coordenador da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (1986-1987). 56 Médico; Coordenador do Internato Rural da Residência em Medicina Social e do Nescon/UFMG
(1978-1982); Secretário de Recursos Humanos do Ministério da Saúde (1985), coorganizador da 8ª
Conferência Nacional de Saúde; 57 Médico Sanitarista;
75
setor privado deveria estar sob o caráter de serviço público “concedido” e o
contrato regido sob as normas do Direito Público;
3) O terceiro tema foi o processo de unificação do INAMPS ao MS, se por
“baixo” ou pelo “alto”. No Relatório Final decidiu-se que a Previdência
Social deveria se encarregar das ações próprias de "seguro social" (pensões,
aposentadorias e demais benefícios) e a saúde deveria ser entregue, em nível
federal, a um único órgão com novas características. O setor saúde deveria
ser financiado por receitas oriundas de impostos gerais e incidentes sobre
produtos e atividades nocivas à saúde, mas enquanto esse orçamento não
existisse, a Previdência Social deveria destinar os recursos para o novo órgão
e ir retraindo-se na medida do crescimento das novas fontes; No Relatório
Final foi ainda decidido que a transferência do INAMPS ao MS seria
imediata;
4) Embora no tema financiamento houvesse um grande consenso sobre os
princípios que deveriam orientar a política de financiamento setorial, o
relatório final foi apenas indicativo e não conclusivo ao abordar esse tema, o
que sugeria uma necessidade de um maior aprofundamento no tema em um
momento posterior (CORDEIRO, 1991).
Estes conflitos serão analisados mais detalhadamente no capítulo seguinte, pois
como será demonstrado, estes temas atravessam os sentidos de universalidade presentes
no debate da VIII CNS.
Logo em seguida, foram realizadas a apresentação, discussão e aprovação do
Relatório Final e moções58,59. O documento levado à plenária final para a aprovação foi,
portanto o resultado dias de discussão, nos 135 grupos de trabalho, sendo 38 de
delegados e 97 de participantes, além das conferências proferidas e dos debates
(ESCOREL & BLOCH, 2005; BRASIL, 1986). Como consta no Relatório Final da VIII
CNS, a comissão relatora cumpriu o regulamento de forma rigorosa, incorporando todas
as modificações aprovadas pela assembleia, de delegados e sinalizando apenas as
principais contradições encontradas no debate (BRASIL, 1986).
O relatório final da VIII CNS traduziu, portanto, as diretrizes predominantes na
quase totalidade dos grupos de trabalho, destacando-se aí os discursos-chaves do
58 Nos anais da Conferência foram incluídos sete trabalhos acerca de temáticas específicas que foram
utilizados para contribuir ao debate da VIII CNS. Ver em ANEXO III. 59 Nos grupos de trabalho também foram discutidos temas específicos com o objetivo de aprofundar
aspectos técnicos e científicos relacionados com o temário central. Ver ANEXO IV.
76
Movimento da Reforma Sanitária já que o objetivo final deste Relatório era reunir as
principais propostas a serem levadas à Assembleia Constituinte. Em síntese, os
principais desdobramentos foram (BRASIL, 1986; BRASIL, 2006):
A saúde deveria ser compreendida como Direito, ou seja, em seu sentido
mais abrangente a saúde seria a resultante das condições de alimentação,
habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de
saúde. O Relatório Final explicitava que o direito à saúde significa a
garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal
e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de
saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território
nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua
individualidade. Para isso era necessário o Estado assumir explicitamente
uma política de saúde integrada às demais políticas econômicas e sociais,
assegurando os meios que permitam efetivá-las. Entre outras condições,
isso deveria ser garantido mediante o controle do processo de
formulação, gestão e avaliação das políticas sociais e econômicas pela
população.
A reformulação do Sistema Nacional de Saúde (SNS) seria resultante da
criação de um sistema único de saúde e a transferência imediata do
INAMPS para o MS, com a separação progressiva dos recursos para
financiamento da previdência, representando a construção de um novo
arcabouço institucional que separasse totalmente saúde e previdência;
A criação de um comando único no nível federal que deveria ser também
reproduzida nos níveis estaduais e municipais, através da reformulação
imediata das AIS, de forma que possibilitasse o amplo e eficaz controle
da sociedade organizada em suas instâncias de coordenação (CIS, CRIS,
e CIMS)60;
A afirmação do princípio da participação das entidades representativas na
formulação da política e no planejamento, gestão, execução e avaliação
60 CIS - Comissão Interinstitucional de Saúde; CRIS - Comissão Regional Interinstitucional de Saúde;
CIMS - Comissão Interinstitucional Municipal de Saúde.
77
das ações de saúde através da constituição de um novo Conselho
Nacional de Saúde composto por representantes de: ministérios da área
social; governos estaduais e municipais; entidades civis de caráter
nacional, a exemplo de partidos políticos, centrais sindicais e
movimentos populares. A esse conselho seriam conferidas atribuições de
orientação do desenvolvimento e de avaliação do Sistema Único de
Saúde, incluindo a definição de políticas, orçamento e ações;
A formação de conselhos de saúde nos níveis municipal, regional e
estadual, com composição de representantes eleitos pela comunidade
(usuários e prestadores de serviços) e com atuação que abrangesse o
planejamento, a execução e a fiscalização dos programas de saúde.
Houve ainda a criação da Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CRNS)
como uma estratégia de inclusão dos princípios da Reforma Sanitária proposta na
Conferência na nova Constituição Brasileira. A CRNS, de natureza “consultiva”, tinha
como atribuições formular sugestões para o reordenamento institucional e jurídico do
sistema de saúde. Composta de forma paritária (12 representantes governamentais e 12
representantes da sociedade civil – nestes se incluíam centrais sindicais, federações
profissionais, confederações empresariais, entidades de prestadores privados), a CNRS
funcionou de agosto de 1986 a maio de 1987 (BRASIL, 2006). Nesse espaço de tempo,
esta Comissão buscou o aprofundamento do Relatório Final da 8ª CNS, à sistematização
de propostas e à articulação nacional do movimento sanitário. Seu objetivo principal era
formular um texto sistematizado para o setor saúde que pudesse subsidiar as discussões
da Assembleia Nacional Constituinte (FARIA, 1997).
Segundo Arlindo Fabio Gomez de Sousa (apud ESCOREL & BLOCH, 2005),
“A Comissão [Nacional da Reforma Sanitária] foi uma
consequência da Oitava [Conferencia Nacional de Saúde]. Ela
foi criada para dar continuidade e concretude às deliberações da
conferência. Buscou-se criar um fórum que colocasse em ação o
que fosse necessário para implementar as decisões da Oitava.
Mas o ensinamento que pode tirar dela é que o processo político
é mais complexo, mais demorado, exige maior negociação,
pactuação, maior identificação dos atores e compromissos dos
atores envolvidos no processo.” (p.97).
Nesse sentido a VIII CNS e seus desdobramentos, tais como o Relatório Final e
a CNRS, constituíram-se como pilares fundamentais para que as propostas da Reforma
78
Sanitária fossem incorporadas na elaboração do capítulo da Saúde na Constituição
Federal de 1988 e, posteriormente, na criação do SUS.
No entanto, logo após a VIII CNS e diante de um contexto político voltado para
um fortalecimento de bases políticas mais conservadoras devido ao fracasso dos planos
de estabilização durante o governo Sarney, algumas propostas defendidas na
Conferência e na CNRS acabam se modificando, como a unificação do INAMPS ao
MS. Desta vez, as ameaças de substituição de líderes e Ministros da reforma
contribuíram como argumentos de não transferência do INAMPS ao MS o que gerou
uma preocupação com o retrocesso no encaminhamento da reforma no setor saúde e
previdenciário (FARIA, 1997).
Segundo depoimento de José Gomes Temporão (BRASIL, 2006) é nesse
contexto que surge a ideia do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS)
como uma estratégia do grupo dos reformistas vinculados à previdência para garantir
uma unificação gradual do MS e INAMPS, através do aprofundamento das experiências
de descentralização ocorridas com as AIS. Em depoimento Hésio Cordeiro relata como
surgiu a ideia do SUDS:
“(...) nós sugerimos ao Raphael [de Almeida Magalhães] que ele
iniciasse um processo de unificação a partir dos estados, e foi aí
que surgiu a idéia do SUDS como uma estratégia ponte, uma
estratégia transitória para a chegada ao Sistema Único de Saúde,
e o Raphael topou” (BRASIL, 2006, p.79).
Logo, apesar da força política que teve a VIII CNS, o que se conseguiu de
imediato foi a proposta de implementação do SUDS como uma “estratégia- ponte” para
o SUS através da descentralização das ações, realizando uma unificação do INAMPS ao
MS pelas bases, ou seja, pelos estados e munícipios. Este sistema, além de trazer um
avanço na política de descentralização da saúde, sobretudo na descentralização do
orçamento, deu prosseguimento às estratégias de hierarquização, regionalização e
universalização da rede de saúde. Contudo, a sua estrutura não rompe com aquela
anterior, permanecendo assim o poder institucional e político do INAMPS e a estrutura
no MPAS (FARIA, 1997).
Concomitante a implementação do SUDS, ocorria a discussão da Assembleia
Constituinte em 1987-1988, onde a proposta do SUS consegue aprovação. Segundo
Faria (1997), o debate constituinte foi igualmente acirrado e revelando certas
resistências por parte dos prestadores de serviço privado do setor saúde e da medicina
79
autônoma. Estas disputas não barraram a aprovação do SUS e seus princípios, mas
dificultaram a definição de políticas importantes para o processo de implementação.
80
CAPÍTULO 4 - OS SENTIDOS DE UNIVERSALIDADE NA VIII CNS
Agora que já foram apresentados o contexto político-institucional que antecedeu
a VIII CNS e as condições de possibilidades de emergência dos diferentes discursos
acerca da temática da universalidade, assim como a estrutura e organização da
Conferência, este capítulo mergulhará mais detalhadamente nos discursos e falas dos
debates ocorridos nesta Conferência que possibilitem a compreensão do objeto desse
estudo: identificar os principais sentidos do princípio de universalidade no debate da
VIII CNS.
Como já citado anteriormente, durante o percurso metodológico foi necessário
buscar nos materiais indícios que vinham ao encontro da questão da pesquisa. Portanto,
para guiar um primeiro contato com material e iniciar a análise identificou-se palavras-
chaves prévias que deveriam ser utilizados como eixos para nortear a leitura. Foram
elas: Cobertura Universal, Sistemas de Saúde Universais, Acesso Universal e Acesso
aos serviços de saúde.
Contudo, no decorrer das primeiras leituras concluiu-se que estas palavras-
chaves não seriam suficientes para abarcar a questão da universalidade no debate da
VIII CNS e, assim, apreender os sentidos existentes. Isso porque, quando apareciam
neste debate, as palavras-chaves escolhidas para a análise eram abordadas de forma
muito breve e sem grande aprofundamento ou não tinham relação com a questão do
debate do princípio da universalidade.
Logo, durante o processo de análise e de uma segunda leitura mais minuciosa do
material, compreendeu-se que outros eixos norteadores seriam mais úteis à análise, pois
a discussão acerca da universalidade estava atrelada a conceitos específicos daquele
contexto histórico-político e não aos mesmos conceitos que emergem no debate atual,
como no início deste trabalho se cogitou. Dessa forma optou-se, trabalhar com eixos
que, mesmo não definindo o conceito de universalidade - objeto do estudo -, apareciam
atravessando o tema de maneira significativa. Ou seja, para compreender os sentidos de
universalidade existentes no debate da VIII CNS é preciso compreender os eixos que o
atravessam. Portanto, os eixos encontrados para guiar a análise foram os seguintes:
Direito à Saúde; Acesso aos serviços de Saúde; Responsabilidade do Estado;
Unificação do SNS; Estatização do SNS; Setor Privado como Concessão. Abaixo
segue esquema construído com o intuito de auxiliar o leitor na compreensão dos eixos
81
encontrados para guiar a análise e como estes atravessam a temática da Universalidade
no debate da VIII CNS:
Figura 1- Eixos que Atravessam a Temática da Universalidade no Debate da VIII CNS
4.1- Os Sentidos de Universalidade na VIII CNS
Uma primeira questão que se pôde inferir no processo analítico deste objeto nos
debates da VIII CNS é que a busca por uma definição do sentido de universalidade
não era a questão central ou preponderante no momento. O termo universalidade foi
muito utilizado nos discursos de diversos atores, porém de maneira “rasa”- se assim
pode-se dizer, sem que houvesse qualquer indício da necessidade de aprofundamento do
sentido desse conceito. Em contraponto, em relação a outros “conceitos-chaves” do
debate, tais como direito à saúde e responsabilidade do Estado, o que se observou foi
uma explícita preocupação em defini-los, de modo que ao final do debate fosse possível
chegar a algum tipo de consenso entre os participantes.
Portanto, a percepção desta primeira questão leva-nos a inferir e confirmar a
hipótese levantada no início da pesquisa de que a discussão e preocupação com o
sentido atribuído à universalidade faz parte de um debate recente no Brasil e que
naquele dado contexto político-institucional (década de 1980) não havia uma
preocupação em melhor definir o sentido de universalidade, tal como atualmente.
82
Uma segunda questão concluída durante o processo analítico dos sentidos de
universalidade é que, quando utilizada nos discursos e falas, a universalidade era
preponderantemente relacionada à ampliação do acesso. Embora não tenha sido
identificado um consenso nas falas dos atores sobre o que deveria ser ampliado e quais
os serviços deveriam ser ofertados, foi possível destacar dois temas principais que
foram identificados como eixos que atravessavam a temática da universalidade e, por
essa razão, a análise dos mesmos se mostrou importante para a compreensão do objeto
de estudo. São eles: 1) Ampliação do acesso ao direito à saúde; 2) Ampliação do
acesso aos serviços de saúde;
O primeiro deles referia-se à ampliação do acesso ao direito à saúde. Ou seja,
a ampliação de serviços que garantissem a saúde entendida através de uma concepção
ampliada de saúde, considerando a saúde como direito social e atrelado à cidadania.
Seriam, portanto, aqueles serviços que possuem a capacidade de intervir nas condições
de vida e de trabalho, determinantes da saúde de uma dada população e na estrutura
jurídico-política perpetuadora de desigualdades na distribuição de bens e serviços
(PAIM, 1987). Nesse sentido, a manutenção do estado de saúde da população estaria
vinculada a ações articuladas de um conjunto de serviços e políticas relativas ao
emprego, renda, previdência, educação, alimentação, ambiente, lazer, entre outros.
Segundo Jairnilson Paim em trabalho intitulado “Direito à Saúde, Cidadania e Estado”
apresentado no painel I da Conferência:
“A noção de direito à saúde vem sendo difundida em muitos
países nas últimas décadas enquanto componente da doutrina
dos Direitos Humanos. Considera que todo indivíduo,
independentemente da cor, situação sócio-econômica, religião e
credo político, deve ter a sua saúde preservada. Nesse sentido
caberia um esforço social visando a mobilização dos recursos
necessários para a promoção, proteção, recuperação e a
reabilitação da saúde (PAIM, 1987, p.45).
Como citado acima, o conceito de saúde ampliado encontra-se estritamente
ligado à concepção de direito à saúde e esteve fortemente presente nos trabalhos
apresentados pelos expositores e nas arenas de debate da VIII CNS. Sérgio Arouca em
seu discurso como Presidente da Conferência trouxe à tona a concepção de saúde que
esperava que fosse debatido e pensado: uma concepção ampliada que não reduzisse a
saúde como ausência de doença e que fosse ao encontro da concepção defendida pela
83
Organização Mundial da Saúde de que saúde é o completo bem-estar físico, social e
mental. E acrescenta:
“(...) Não é simplesmente não estar doente, é mais: é um bem-
estar social, é o direito do trabalho, a um salário condigno; é o
direito a ter água, à vestimenta, à educação, e, até a informações
sobre como se pode dominar este mundo e transformá-lo. É ter
direito a um meio ambiente que não seja agressivo, mas, que,
pelo contrário, permita a existência de uma vida digna e decente;
a um sistema político que respeite a livre opinião, a livre
possibilidade de organização e de autodeterminação de um
povo”(AROUCA, 1987, p.36).
Logo, o conceito ampliado de saúde está inserido dentro da temática direito à
saúde, pois não há como garantir este sem que sejam ofertados serviços que alterem as
condições de vida de uma dada população através de ações intersetoriais e de políticas
sociais e econômicas. Além disso, não se pode esquecer que o contexto político ao qual
está inserida a VIII CNS é o da redemocratização política no país e, nesse sentido,
direito à saúde é garantido também através da democracia. Sérgio Arouca explica:
“Isto é, passou-se a perceber que não era possível melhorar o
nível de vida da nossa população enquanto persistisse, neste
País, um modelo econômico concentrador de renda e um modelo
político autoritário. Para romper o ciclo econômico que levava
nossa população a viver cada vez mais em piores condições, um
passo preliminar era a conquista da democracia. (...) Portanto, o
lema que surgiu dentro do sistema de saúde durante os últimos
anos – “democracia é saúde”- significava que para se conseguir
começar, timidamente, a melhorar as condições de saúde da
população brasileira, era fundamental a conquista de um projeto
de redemocratização deste País” (AROUCA, 1987, p.37).
Na análise deste estudo, identificou-se que a defesa pela ampliação do direito à
saúde é o grande mote do debate para a maioria dos atores da VIII CNS, sobretudo para
os expositores do painel I - cujo título era “Saúde como Direito Inerente à Cidadania e
à Personalidade”-, onde a discussão acerca da nova configuração do SNS é mais
político-ideológica do que técnica e organizacional, como já apontado anteriormente.
Ao defender a universalidade como ampliação do acesso ao direito à saúde e
compreender a saúde como um conceito ampliado, consequentemente, fazia-se uma
crítica ao modelo de saúde previdenciário. Segundo Sonia Fleury (1987) em trabalho61
apresentado também no painel I, o modelo previdenciário havia estabelecido uma pré-
61 Título do trabalho: “Cidadania, Direitos Sociais e Estado”.
84
cidadania, já que o direito à saúde era garantido apenas aos trabalhadores formais.
Dessa forma, a política social do Estado que deveria garantir o direito à saúde de forma
universal, equânime, redistributiva e descentralizada conformou-se de modo invertido e
ao fornecer serviços apenas aos segurados aumentou a desigualdade, a regressividade e
a centralização.
Ainda conforme o discurso desta autora, uma proposta de reverter esse modelo
de atenção à saúde e, assim, garantir uma ampliação do acesso ao direito à saúde
naquele contexto seria através da
“(...) democratização do próprio Estado, para que um controle
social efetivo seja exercido, de maneira transparente,
desconcentrada e descentralizada. Só assim será possível
redefinir a política nacional de saúde de maneira efetiva,
atribuindo ao Estado democrático a competência não só de
normatização e financiamento, mas de real controle e dever e
assegurar a universalização do direito à saúde”(FLEURY, 1987,
p.110).
Já durante o debate do painel I realizado com diferentes representantes da
sociedade civil é interessante notar que o direito à saúde aparece sob diferentes nuances
e como cada ator enfatiza diferentes pontos relevantes acerca da mesma temática. Por
exemplo: Néio Lúcio Fraga Pereira – representante da Confederação Nacional das
Associações de Moradores (CONAM) – em participação no debate, descreve o direito à
saúde como algo para além da reorganização dos serviços de saúde que
(...) “passa pela luta da reforma agrária, pela reforma urbana,
pela suspensão do pagamento da dívida externa e rompimento
com o FMI. De onde vai vir, companheiros, o financiamento da
saúde, se hoje é uma sangria desatada do fruto do trabalhador
brasileiro, para enriquecer as multinacionais e o imperialismo?
Então, a compreensão que temos é que a luta pela saúde tem que
ser incorporada junto com todas as lutas que o movimento social
brasileiro está levando hoje.”(CONFERÊNCIA NACIONAL
DE SAÚDE, 1987, p.116).
Para a representante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM),
Carmem Barroso, o direito à saúde, além de estar relacionado ao conceito ampliado de
saúde, deve também significar o direito de participar das políticas públicas de saúde e
respeitar as necessidades específicas de grupos da população, tais como o das mulheres.
Da mesma forma, os debatedores Arlindo Chinaglia Junior representante da
Central Única de Trabalhadores (CUT) e Francisco Antônio de Castro Lacaz
representante do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos
85
Ambientes de Trabalho (DIESAT) irão discutir o direito à saúde sob o viés do direito à
saúde do trabalhador. Segue trecho do discurso de Francisco Antônio de Castro
(DIESAT) acerca da posição dos trabalhadores quanto ao direito à saúde:
“Entendemos que o direito à cidadania, o direito à saúde, é
conquistado, não é doado, não é uma dádiva do Estado. No
Brasil, hoje, nós temos um contingente muito grande de
subcidadãos, de subempregados, desempregados, trabalhadores
sem registro em carteira. (...) Em relação à questão da saúde no
trabalho, ela envolve aspectos não só de acesso aos serviços de
saúde, mas de uma política social e de direitos e conquistas
civis. Ela envolve, por exemplo, a estabilidade no emprego; o
direito de greve; as condições de trabalho sob o controle dos
trabalhadores; a informação e a conscientização dos riscos no
trabalho; a reabilitação; os benefícios previdenciários e salários
dignos” (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1987, p.
122).
O sentido de universalidade como ampliação do acesso ao direito à saúde
também se mostrava mais presente nos discursos dos expositores do painel III referente
ao Financiamento do Setor Saúde. Destaca-se o trabalho apresentado por André Cesar
Médici e Pedro Luiz Barros Silva, intitulado “Alternativas Do Financiamento Da
Atenção À Saúde. Parte I: Financiamento à saúde: direito securitário ou atributo de
cidadania”, que disserta acerca de algumas experiências de financiamento de sistemas
de saúde nos países capitalistas centrais da Europa, destacando como exemplo o caso da
Inglaterra. Neste trabalho, os expositores defendem a ampliação do acesso ao direito à
saúde como uma proposta ideal para o novo SNS brasileiro e também fazem uma crítica
ao modelo previdenciário, utilizando argumentos semelhantes aos expostos pelos
participantes do painel I, citado anteriormente.
O segundo eixo encontrado na análise referia-se à universalidade como a
ampliação do acesso aos serviços de saúde, atrelado à oferta de serviços médicos. Este
sentido aparece em alguns discursos da Conferência de maneira discreta, com pouca
força e, sobretudo, nos trabalhos apresentados pelos expositores do painel II -
“Reformulação do Sistema Nacional de Saúde”. Este painel contou com a participação
de atores62 cuja trajetória institucional no MS ou no INAMPS foi significativa, o que
justifica um não aprofundamento de um debate mais político-ideológico - como no
painel I - e um enfoque maior na discussão de propostas técnicas e organizacionais para
o novo SNS. Dentre os trabalhos apresentados, destaca-se a fala de Adib Jatene que
62 Adib Domingos Jatene; João Yunes; José Alberto Hermógenes de Souza; Hésio de Albuquerque
Cordeiro.
86
diferente dos demais expositores da Conferência foca seu discurso na questão da
garantia da ampliação do acesso aos serviços médicos, sobretudo, dos serviços médico-
hospitalares. Segue trecho do trabalho intitulado “Reformulação do Sistema Nacional de
Saúde: algumas considerações”, apresentado no painel II da Conferência:
“É claro que o setor hospitalar está melhor aparelhado talvez
porque a preocupação com a doença é maior. Enquanto que para
manter a saúde e fazer prevenção da doença é necessário um
trabalho de conscientização e criação de uma mentalidade
preventiva (...) O que realmente precisamos é melhorar e
ampliar o atendimento hospitalar e, simultaneamente,
empreender uma vigorosa ação no campo da atenção primária,
esta, seguramente, responsabilidade governamental. (...) O
segundo aspecto sobre o qual gostaria de fazer uma
consideração diz respeito aos recursos para financiar todo o
sistema de saúde. Não pretendo nesta minha intervenção incluir
os aspectos do problema relacionado com as condições
sanitárias, serviço de água e esgoto, alimentação, habitação,
higiene do trabalho, salário, etc., mas restringir-me aos recursos
para a assistência médico-hospitalar. Uma boa parte da nossa
rede hospitalar é anterior à universalização do atendimento feita
pelo INAMPS.” (JATENE, 1987, p.130).
Embora o autor não se oponha explicitamente à ideia de direito à saúde - que
como já explicitado é o grande mote da discussão da VIII CNS -, há um silenciamento
em seu discurso acerca de uma concepção de saúde ampliada e uma ênfase na utilização
do termo universalidade como ampliação do acesso aos serviços médicos.
Com relação ao discurso apresentado acima, durante debate do painel II foi
possível identificar o conflito existente entre aqueles atores que enfatizavam a questão
da universalização como ampliação do acesso aos serviços de saúde e os que
enfatizavam a ampliação do acesso ao direito à saúde. Sebastião Loureiro, representante
da ABRASCO e do CEBES, inicia seu discurso fazendo a seguinte crítica à fala de
Adib Jatene:
“Em primeiro lugar, o Dr. Adib Jatene coloca a questão da
saúde, ao que me pareceu, muito limitada à questão da
assistência médica. O nosso entendimento é que saúde é uma
questão muito ampla, e, embora outros expositores tenham
apresentado aqui esta nova concepção ampliada de saúde, como
foi discutida na sessão anterior, na mesa-redonda de ontem,
gostaria de frisar que a CEBES e a ABRASCO têm um conceito
de saúde que não se restringe à assistência médica, à saúde. Este
conceito de saúde envolve o cuidado com o ambiente, envolve o
controle de agrotóxicos, envolve uma série de outras atividades
que têm relação direta com a saúde; envolve, também a relação
87
com outros órgãos, com outras políticas sociais que têm
implicação com a questão da saúde. Este é um primeiro ponto
que eu gostaria de deixar bem claro” (CONFERÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE, 1987, p.159).
Como resposta à crítica, Jatene justifica que não houve em seu discurso uma
preocupação em aprofundar a temática da saúde como conceito ampliado, porque
acreditou que outros debatedores participantes assim o fariam.
Da mesma forma, foi possível perceber em outros discursos a necessidade de
diferenciação entre o acesso de serviços de saúde e o acesso ao direito à saúde. O que
demonstra a preocupação de certos expositores em demarcar uma posição contra uma
visão reducionista de saúde, como por exemplo, no trecho abaixo da apresentação de
Jairnilson Paim no primeiro painel:
“Com base nessas considerações é possível resgatar a ideia do
direito à saúde como noção básica para a formulação de
políticas. Esta se justifica na medida em que não confunda o
direito à saúde com direito aos serviços médicos ou mesmo com
o direito à assistência médica.(...) Esta ambiguidade também se
faz presente na expressão “necessidade de saúde” quando se
procede um deslocamento da dimensão do estado de saúde para
a questão dos serviços. Tem o sentido de ocultar as condições
necessárias para a obtenção da saúde, permitindo “considerar-se
a assistência médica como o principal fator determinante do
nível de saúde.” (PAIM, 1987,p.86).
O autor prossegue ainda ressaltando que os serviços de saúde possuem uma
responsabilidade intransferível para com a saúde da população, no entanto, o perfil de
saúde de uma coletividade depende de condições vinculadas à própria estrutura da
sociedade, associadas a um conjunto de políticas sociais amplas. Portanto, a ampliação
do direito à saúde, não corresponderia a uma noção básica e exclusiva do processo
setorial de formulação de políticas de saúde, mas a um elo integrador que permearia as
políticas sociais do Estado e balizaria as políticas econômicas.
Logo, é possível apreender a existência de uma pequena tensão com relação a
que tipo de ampliação de acesso deve ser o ideal ao novo SNS a ser proposto. Contudo,
tornou-se claro na análise que a ideia de ampliação do acesso ao direito à saúde era o
discurso predominante, entoado com mais força na arena de debate, sendo assim o
grande mote de todo o temário da VIII CNS.
88
Um terceiro eixo que emerge atravessando os sentidos de universalidade
relaciona-se à seguinte questão: a quem é atribuída a responsabilidade em garantir a
ampliação do acesso à saúde? Na análise foi possível inferir como unanimidade nos
discursos da VIII CNS a defesa da ideia de que a garantia do acesso à saúde é um
dever do Estado, ou seja, a responsabilidade deve ser do Estado. Um exemplo disto
pôde ser observado na fala de Carlyle Macedo, representante da OPAS, em um dos
primeiros discursos de abertura da Conferência. Para Carlyle Macedo a saúde deveria
ser compreendida como um direito e, portanto, um valor, um bem público, que não
resulta apenas da existência de serviços de saúde, mas do acesso a um ambiente e a
condições de vida dignas. Por essa razão, além de uma responsabilidade individual, essa
concepção de saúde implica na responsabilização do Estado na garantia do acesso à
saúde. Segue abaixo um trecho de seu discurso:
“Esse direito [à saúde], esse bem público e esse valor têm que
ser assegurados na medida em que todos esses três componentes
são atendidos da mesma forma. É aí que a saúde deixa de ser
responsabilidade de só uma parte da sociedade para ser
reponsabilidade de todos, os indivíduos, da sociedade e do
Estado. E essa responsabilidade se expressa numa obrigação do
poder público, e ao mesmo tempo no dever de cada cidadão”
(MACEDO, 1987, p. 25).
Além de Carlyle Macedo, diversos atores expuseram opinião semelhante como,
por exemplo, Jairnilson Paim e Hélio Dias em trabalho apresentado no painel I. Por
partirem do mesmo pressuposto de que saúde é um direito e que deve ser compreendida
como um conceito ampliado, ambos defenderam a ideia de que o Estado deveria
assumir integralmente a responsabilidade pelo setor saúde. Complementando essa
posição em debate do painel II da Conferência, Antonio Ivo de Carvalho- representante
da Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro (FAMERJ) -,
defende que além da garantia de saúde para a população, o Estado deve ser responsável
também pela política de medicamentos e pela política de tecnologia em saúde
(CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1987).
No entanto, foi possível identificar uma exceção no discurso de Adib Jatene
(JATENE, 1987) quanto à responsabilidade do Estado na garantia da saúde e à
distribuição de recursos. Para este ator os recursos deveriam ser equacionados em
diferentes níveis, a saber:
89
1) Recursos destinados à atenção primária, sob a responsabilidade do Estado,
cujos recursos seriam provenientes de impostos e taxas.
2) Recursos do INAMPS, que por terem caráter de seguro, deveriam cobrir a
população cujo nível de renda não lhe permitisse auto-suficiência em relação
à assistência médico-hospitalar.
3) A utilização de seguros saúde (públicos ou privados) por aqueles que
tivessem renda que lhes permitisse esta cobertura, assim como, a utilização
de recursos particulares para o custeio individual à assistência.
Essas propostas, embora abordem a temática dos recursos e financiamento para
o novo SNS – que será discutido mais a frente –, indicam uma tensão no que se refere à
reponsabilidade do Estado. Isso porque, a fala de Jatene63 revela um posicionamento
divergente de grande parte dos discursos da VIII CNS ao admitir que o Estado possa ser
único responsável pela ampliação da atenção primária à população, mas não dos demais
níveis de complexidade em saúde, tal como os serviços médicos-hospitalares. Esta
colocação nos remete à discussão de atenção primária abordada no capítulo 1, onde foi
possível identificar a partir da década de 1970 uma tensão discursiva entre atores do
setor saúde, que defendiam uma ação mais focalizada do Estado – ofertando serviços de
saúde de atenção primária, enquanto outros defendiam uma extensão de cobertura de
caráter mais universal, onde serviços de outros níveis de complexidade também eram
ofertados.
Além disso, a sugestão de utilização dos recursos do INAMPS para a cobertura
da população cuja renda não fosse auto-suficiente para o custeio com os serviços de
saúde e utilização de seguros saúde, vai de encontro à defesa de unificação do SNS e à
distribuição equânime de oferta de serviços de saúde.
63 Posteriormente, esta forma de organização proposta por Jatene retorna ao debate as saúde no governo
de Fernando Henrique Cardoso, com a interação com o MARE (Bresser Pereira). No documento
‘Reforma Administrativa da Saúde’ do MARE, discutido no período em que Jatene atuava como Ministro
da Saúde (1995-1996), é possível reconhecer semelhanças entre as propostas. Isso porque a Reforma
administrativa do MARE trazia objetivava garantir um melhor atendimento ao cidadão através de um
controle mais adequado do sistema que possibilitasse minimizar custos e melhorar a qualidade dos
serviços pagos pelo Estado. Dentre as suas principais propostas estava a separação operacional entre o
Subsistema de Entrada e Controle; e o Subsistema de Referência Ambulatorial e Hospitalar, o que
permitiria o surgimento de um mecanismo de competição administrada. Além disso, propunha uma
reforma administrativa na área da compra ou demanda de serviços hospitalares e ambulatoriais, com o
intuito explícito de não abranger todo o SUS, mas sim a assistência ambulatorial e hospitalar – que eram
entendidas aqui como a parte mais fundamental do SUS, revelando uma visão pautada no modelo
hospitalocêntrico e médico-centrado que ia de encontro com as propostas defendidas pela Reforma
Sanitária. Ver mais em: BRESSER PEREIRA, L.C. Reforma Administrativa do Sistema de Saúde.
Cadernos MARE da Reforma do Estado 13: 7–37. Brasília, 1997.
90
De maneira diferente, Adolpho Chorny em seu trabalho apresentado no painel
III da Conferência enfatiza justamente a importância da equidade no financiamento de
recursos. Em sua fala, além de defender o dever do Estado na garantia da saúde, o ator
destaca a necessidade de uma distribuição equânime dos recursos a fim de superar as
desigualdades na oferta de serviços de saúde, característicos do modelo previdenciário.
Em sua fala Chorny aponta:
“Em todas essas colocações que vêm sendo feitas, quando se
fala que saúde é direito para todos, universalização, equidade,
fala-se do conjunto da população brasileira, como se fossem
todos iguais. Embutida neste tratamento de todos como iguais
existe uma profunda injustiça. Não são todos iguais. Há quem
tem e quem não tem, e o Estado deve ser desigual no tratamento
dos desiguais. Para tanto deveremos buscar formas de
financiamento que considerem diferencialmente a população, de
modo que quem menos tem, menos contribua” (CHORNY,1987,
p. 170).
Eugênio Vilaça em trabalho apresentado como contribuição ao debate nos
Grupos de Trabalho, intitulado “Reordenamento do Sistema Nacional de Saúde: Visão
Geral”, faz uma análise do sistema de saúde então vigente desde sua conformação até o
momento de crise da previdência e reitera a necessidade de responsabilizar o Estado
pela garantia de saúde da população. Logo, os serviços de saúde precisariam ser de
caráter público, o que não necessariamente significava estatizá-lo, mas sim compreender
o Estado como um gestor público. Segue o trecho com a ideia apresentada pelo autor:
“Mas o mote [direito à saúde] só terá significação se se
complementar com a afirmação de que saúde é um dever do
Estado, sem o que os ideais de universalização equidade ficam
destituídos de sentido. (...) Colocar a saúde como dever do
Estado não quer dizer estatizá-la, mas reconhecer o seu caráter
de serviço público e o papel do Estado como gestor público. O
que será, na prática, a aceitação do exercício pleno dos poderes
normativo, fiscalizador, regulador, extrativo e coercitivo do
Estado sobre o conjunto do Sistema Nacional de Saúde –
incluindo os setores filantrópico e privado - de modo a recolocá-
lo no exercício da substantibilidade de seus objetivos, a
melhoria das condições sanitárias da população” (VILAÇA,
1987, p. 276).
A identificação do eixo Responsabilidade do Estado abriu margem para a
identificação de outra questão na análise dos temas que atravessam os sentidos de
universalidade: Sendo o Estado responsável pela ampliação do acesso à saúde, como
91
este deveria garanti-la? Qual seria a melhor maneira de garantir a ampliação desse
acesso? Os eixos a seguir, portanto, relacionam-se às propostas de reorganização do
novo SNS. São eles: Unificação do SNS, Estatização do SNS e Relação
Público/Privado (novas formas de relacionamento).
Dentre os eixos acima, a Unificação do SNS já foi identificado neste trabalho
como sendo um dos temas cruciais para a reformulação do SNS e que, ao mesmo
tempo, gerava tensionamentos entre os atores do setor saúde e da previdência durante o
período de crise no INAMPS que antecedeu a VIII CNS. Cabe ressaltar que neste trecho
do trabalho se focará na discussão acerca da Unificação do SNS dentro do debate da
VIII CNS, pois o panorama desse conflito já foi elucidado nos capítulos anteriores.
Como já citado, a proposta de unificação do INAMPS ao MS era uma proposta
unânime entre os participantes, no entanto, a forma como essa unificação seria
realizada, operacionalizada, era o principal fator de tensionamento entre os diferentes
atores presentes na VIII CNS. No debate da Conferência o que se pode perceber é que
essa disputa veio à tona nos discursos e nas propostas de organização do sistema por
cada ator, destacando-se como pontos-chave dessa discussão os trabalhos apresentados
no painel II da Conferência, onde a temática da reformulação do SNS era central. Nestes
trabalhos foi possível identificar as duas diferentes propostas de operacionalização da
unificação do SNS: 1) a defesa de uma unificação “por cima” através da
transferência do INAMPS ao MS; 2) a defesa de uma unificação “por baixo”
através do fortalecimento do processo de descentralização, passando o INAMPS ao
MS de maneira gradual.
Para aqueles atores favoráveis à unificação “por baixo” era preciso antes
fortalecer os estados e municípios, evitando assim a centralização das ações. Segundo
Francisco de Assis Machado64 em trabalho apresentado já no fim da Conferência, era
importante frisar a importância desse fortalecimento das “bases” para configuração de
um novo SNS conjuntamente à transferência ao nível federal:
“Quanto à condução do Sistema Nacional de Saúde, torna-se
necessário antes de formular uma opinião, explicitar o que deve
ser entendido como SNS. Nossa concepção do futuro Sistema
Nacional de Saúde é a adotada pela Reunião de Trabalho sobre
as Ações Integradas de Saúde, realizado em Curitiba, em agosto
de 1984, sob patrocínio do CEBES e da ABRASCO: a de um
64 Médico sanitarista;
92
Sistema Unificado e Federado de Saúde. Isto é, a de um Sistema
em que as ações de saúde sejam unificadas e coordenadas por
um único órgão dentro de cada esfera de governo e cuja
condução se dê conjunta e solidariamente pelo município, estado
e pela União. Esta condução poderá ser feita através de
colegiados organizados em nível municipal, estadual e federal
sempre com a representação das três esferas de governo, o que
parece indispensável, desde que a intenção seja a de fortalecer
um modelo de organização político-administrativo orientado por
princípios federativos” (MACHADO, 1987, p.304).
Da mesma forma, Raphael de Almeida Magalhães - Ministro da MPAS -, aponta
em seu discurso a descentralização como caminho para a melhoria dos serviços e para
um relacionamento mais “fecundo e produtivo com a rede contratada” (MAGALHÃES,
1987, p.22). Segundo o então Ministro do MPAS, vinha se destacando perante as
propostas de cunho político e conceitual a estratégia de uma consolidação gradual dos
sistemas estaduais e municipais de saúde, através do fortalecimento AIS, que se
reformuladas corresponderiam ao processo de municipalização.
Nesse sentido, as AIS foram apresentadas por diferentes atores durante a VIII
CNS, sobretudo por aqueles que representavam o grupo de reformistas da previdência,
como estratégia-ponte para a condução desse fortalecimento das ações de saúde nos
municípios e estados e, consequentemente, da unificação do SNS. A fala de José
Alberto Hermógenes De Souza, em trabalho intitulado: “O Sistema Unificado de Saúde
como Instrumento de garantia de universalização e equidade”, corrobora com esta ideia
como forma de uma condução da unificação. Segue o trecho:
“No caminho para a construção desse novo sistema, entende-se
que cumpriu, e ainda cumprirá durante algum tempo, papel
fundamental, a proposta de Ações Integradas de Saúde. (....)
deve-se buscar o aperfeiçoamento dos mecanismos de
planejamento e programação, a partir dos níveis locais, da
coordenação da execução e do acompanhamento pelos
diferentes níveis envolvidos.” (SOUZA, 1987, p.144).
Da mesma forma, Hésio Cordeiro, presidente do INAMPS em 1986, em seu
trabalho apresentado no painel II intitulado: “A participação de todos na construção do
Sistema Unificado de Saúde” explicita a posição do grupo dos reformistas da
Previdência e a aposta na reformulação das AIS como estratégia de unificação do SNS:
“Creio que a construção de um sistema unificado e a construção
e a aplicação de uma reforma sanitária devem ter um forte
conteúdo de descentralização, de democratização e participação
de todos os segmentos da população. Deve ser altamente
93
descentralizado, certamente com base nas experiências das
secretarias de saúde, na base das experiências das Ações
Integradas de Saúde, na reformulação e na renovação dessas
experiências” (CORDEIRO, 1987, p. 146).
Para Vilaça (1987), as AIS poderiam significar um estratégia de reformulação do
SNS e permitir a superação da forma de organização vigente naquele momento,
respeitando as identidades organizacionais, instituindo uma gestão pública sobre todas
as instituições de forma direta ou indireta, relacionando o setor público com todos os
seus recursos e com todas as suas atividades integradas. Para isso, no entanto, seria
necessário considerar três medidas:
1. Abandonar a compreensão das AIS como um programa de atenção médica,
onde a relação do INAMPS junto à outras instituições públicas fossem
baseadas em apenas relações conveniais de repasse de recursos.
2. Institucionalizar o planejamento estratégico como um processo social
complexo, que trata de influenciar a direcionalidade de um projeto, a partir
das perspectivas de um conjunto de forças sociais em conflito ou em aliança.
3. Estabelecer e preparar os lugares institucionais e os recursos humanos para
melhor desempenho das funções de condução estratégica das AIS.
4. Ressaltar que as AIS, como estratégia, são um movimento permanente de
inteligência política e que não teriam a sua terminalidade determinada no
momento de unificação administrativa do nível federal.
Por fim, Vilaça ainda destaca que as AIS seria considerada uma estratégia de
reformulação setorial enquanto existissem diferentes organizações conformando um
sistema plural, com algum nível de descoordenação (VILAÇA, 1987).
Indo de encontro a esta ideia em debate após as apresentações do painel II, José
Luiz Riani Costa65 aponta que as AIS naquele período configuravam-se apenas como
uma experiência de compra de assistência médica pelo setor público e não, de fato, um
programa onde ações integradas estivessem presentes. Sebastião Loureiro neste mesmo
debate afirma ainda que, embora as AIS fossem uma proposta estratégica, não
65 Médico; Doutor em Saúde Coletiva (Unicamp); Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental; Secretário de Segurança e Medicina do Trabalho/Ministério do Trabalho (1986-1988);
Secretário Municipal de Saúde de Rio Claro/SP (1997-1998); Professor Universitário; Representante do
Ministério do Trabalho na VIII CNS.
94
cumpririam o papel de dar saúde para todos e nem a tornaria mais acessível a toda
população, sendo assim, uma proposta insuficiente para a condução da unificação do
SNS.
Portanto, para estes atores mais do que uma integração administrativa entre o
MS e INAMPS a unificação do SNS deveria representar a construção de um sistema
único e abrangente. Segundo Sebastião Loureiro, era preciso antes diferenciar o
significado de Sistema Unificado de Saúde e de Sistema Único de Saúde, pois sistema
unificado representaria uma integração administrativa e burocrática, enquanto que a
ideia de sistema único pressupunha a criação de um outro órgão que unificasse todos os
serviços de saúde que até aquele momento encontravam-se dispersos por toda a
burocracia estatal.
“O que nós queremos, como já foi dito, não é fazer uma
integração administrativa e burocrática, mas ter um outro
sistema de saúde que não se resuma, unicamente, à integração
do INAMPS com o Ministério da Saúde. Nós queremos um
sistema de saúde que integre, além desses órgãos, com ações no
setor saúde específicos, os hospitais universitários, os hospitais
das Forças Armadas, os serviços de saúde do trabalhador, o
saneamento e todos os órgãos que têm a ver com saúde (...)”
(CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1987, p. 160).
Seguindo esta ideia e contrariando a proposta de utilização das AIS como
estratégia para a unificação do SNS, Carlos Sant´anna em participação do debate do
painel II da Conferência declara sua posição. Segundo ele, no período de criação das
AIS, o INAMPS havia se tornado um mero intermediador de repasses de recursos, numa
relação de compra e venda de assistência médica entre poder público e o setor privado,
que aos poucos foi se degenerando. Ainda no regime autoritário, as AIS surgiram
apenas como uma estratégia racionalizadora de um esquema “que era infernalmente
esquizofrênico, setorizado e louco”(p.163) como era o INAMPS. Portanto, para Carlos
Sant´anna, a proposta de transformar as AIS num plano de governo não era viável, pois
configuravam-se apenas como uma estratégia.
“(...) as AIS são uma estratégia temporária, elas representam um
mecanismo temporário de ação. São uma etapa, uma fase, mas
não podem de forma nenhuma se transformar num plano
nacional de saúde. Como encontramos um sistema
completamente esquizofrênico, na forma como os próprios
documentos o adjetivam, era preciso dar uma certa ordem à
95
esquizofrenia setorial” (CONFERÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE, 1987, p.164).
Carlos Sant´anna destaca ainda que a implementação das AIS durante a
conformação institucional daquele dado momento dependeu muito mais das relações de
entendimento pessoal entre os representantes das diferentes instituições do governo. Em
1985, por exemplo, ele cita que as AIS tiveram uma ampla implementação porque os
ministros da Previdência, da Educação e da Saúde tinham um bom relacionamento,
assim como o presidente do INAMPS para com as equipes de saúde. Ubaldo Dantas66,
como representante de um município em debate após o painel II da Conferência, reitera
a colocação de Carlos Sant´anna no que se refere aos conflitos entre os representantes
das instituições de saúde e o quanto isto prejudicava a implementação das ações de
saúde. Em sua fala aponta que o processo de municipalização se via muitas vezes
prejudicado devido aos entraves e falta de clareza de qual projeto seguir. A seguir segue
trecho de seu depoimento sobre este contexto:
“Não há sentido em se continuar com dois Ministérios; não há
sentido em que o município fique na adivinhação de qual vai ser
a próxima decisão tomada pelo bom humor de dirigentes, de
ministros, para que as ações possam realmente acontecer de uma
maneira coerente, certa e até planejada, planejada para mudar o
que nós esperamos em matéria de saúde, de Brasil e de
oportunidade democrática” (CONFERÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE, 1987, p. 162).
Portanto, para estes expositores era necessário apresentar na VIII CNS uma
proposta de institucionalização de um novo sistema nacional de saúde que permitisse
uma continuidade de implementação das ações independentes das conjunturas
relacionais e conflitos políticos. Frente a esse fato, o então deputado faz um apelo aos
participantes dos grupos de trabalho da VIII CNS que ao concluírem seus respectivos
estudos e relatórios, não se detessem a realizar apenas diagnósticos acerca do sistema de
saúde, mas sim propostas concretas para o novo SNS.
“É importante, portanto, que os grupos de trabalho ao
concluírem os seus estudos e mandarem seus relatórios, por
favor, não façam meramente diagnóstico; se puderem, inclusive,
evitem o diagnóstico. O que importa é saber: vamos deixar esse
sistema de saúde como ele está, fragmentado, torto? Vamos usar
66 Prefeito da cidade de Itabuna no estado da Bahia.
96
as AIS, que foram mera estratégia do regime autoritário? (...)
Pois muito bem, o que é preciso é que os grupos de trabalho
indiquem que reformulações vamos fazer. Algumas irão para a
Constituinte, sem dúvida e debateremos isto amanhã à noite,
mas outras poderão ser implementadas imediatamente, através
de mensagens que o Executivo enviará ao Congresso Nacional
para a mudança do sistema único”(CONFERÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE, 1987, p. 164).
Já o Ministro do MS, Roberto Figueira Santos, em seu discurso na abertura da
Conferência aponta que as AIS estavam sendo utilizadas na direção correta,
representando um aprendizado válido para o convívio entre instituições que, a despeito
dos seus objetivos comuns, eram díspares quanto a gerência de serviços a seu cargo.
Porém, as AIS não poderiam ser consideradas como solução definitiva sendo a VIII
CNS um lugar privilegiado para o reconhecimento da unificação dos serviços. Segue
trecho de seu discurso:
“Fazemos votos para que a Conferência reconheça como
imprescindível a unificação dos serviços de saúde, a curto prazo,
e que assinale, de forma justa e com insofismável clareza, a
fonte dos recursos que hão de sustentar a prestação destes
serviços. (...) Com efeito, de nada adianta a unificação dos
serviços caso parte destes continuassem a merecer
financiamento oriundo da contribuição dos trabalhadores, de
mistura com o que deles se arrecada para aposentadoria e
pensão, enquanto as atividades preventivas, de relevância ao
menos igual, continuasse sujeita às minguadas fatias oriundas do
Tesouro Nacional” (SANTOS, 1987, p.17).
O outro eixo relacionado à reorganização do SNS refere-se à Estatização do
SNS. Assim como o eixo referente a unificação do SNS, este eixo aparece na discussão
da VIII CNS como uma tentativa de responder qual seria a melhor maneira de ampliar o
acesso aos serviços de saúde. A proposta de estatização defendida na conferência
significava conceber o Estado como único responsável e prestador dos serviços de saúde
e pode ser observado, principalmente, nos trabalhos e debates do painel I - onde a
discussão predominante era político-ideológica. Na análise destes discursos observou-se
a defesa de duas posições predominantes e distintas quanto ao eixo: 1) A defesa de uma
estatização imediata; 2) A defesa de uma estatização gradual.
A primeira proposta, estatização imediata, foi defendida principalmente pelos
representantes de sindicatos e associações de trabalhadores, como a CUT. Para esses
participantes a prestação de serviços de saúde deveria passar de forma imediata para a
97
reponsabilidade do Estado, através da prestação direta. Segue trecho com a fala do
representante da CUT, Arlindo Chinaglia Júnior:
“(...) Sob a égide de que a estatização pode ser autoritária
podemos assistir à abertura da porta, escancaradamente, apesar
do discurso, à iniciativa privada. Então, Professora Sônia
[Fleury], defendemos a estatização sim, mas com o controle dos
trabalhadores. Aí não haverá autoritarismo. Portanto,
convocamos aqui todos os presentes para defender a estatização
e, ao mesmo tempo, defender a democracia do Estado, defender
a participação dos trabalhadores”(CONFERÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE, 1987, p.120).
Para Francisco Xavier Beduschi67 a oferta de serviços deveria ser feita pela
prestação direta pelo Estado, pois o setor privado não atenderia a demanda e prioridades
da população e sim ofertariam serviços que gerassem mais lucros. No entanto,
compreendia que, em um primeiro momento, seria necessário repartir o espaço com o
setor privado, pois o setor saúde naquele período era fortemente dependente da oferta de
serviços privados. Dessa forma, a participação direta do Estado deveria ser uma meta,
mas esta estatização ocorreria de forma gradual. Segue trecho de sua fala que aborda
esta temática:
“Achamos, também, e é um ponto muito importante, que a
prestação direta dos serviços de saúde pelo Estado é a única
garantia que a população tem de sua continuidade, de que o
sistema seja participativo e democrático e que as prioridades
maiores sejam as realmente almejadas e necessitadas pela
comunidade. Achamos que a convivência com a iniciativa
privada no setor saúde deverá ocorrer na medida em que haja
necessidade de se repartir um espaço, mas que a participação
direta pelo Estado deverá ser uma meta a ser conseguida dentro
de um prazo, dentro de um direcionamento da saúde, no sentido
da real promoção da saúde e não do tratamento da doença”.
(CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1987, p. 153).
Com relação ao tensionamento entre os atores que defendiam a estatização
imediata e aqueles que defendiam a estatização gradual, Nelson Rodrigues68 traz em
entrevista à Revista Trabalho, Educação e Saúde (2008) um depoimento que ilustra
muito bem essa situação dentro do debate da VIII CNS, Segundo ele,
67 Representante da Federação Nacional dos Médicos (FNM). 68 Médico; Sanitarista; Coordenador do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de
Londrina/PR de 1970 à1976; Secretário Municipal de Saúde de Campinas/SP de 1983 à 1988; Presidente
do CONASS de 1989 à1990; Coordenador da Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Saúde de
1997à 2002; Professor de Medicina Preventiva da Unicamp.
98
“(...) tinha uma vertente que era inclusive majoritária no início
da VIII Conferência, que não queria papo com o setor privado.
Quem trouxe isso para a VIII Conferência foi a CUT. E trouxe a
proposta da estatização total do sistema público de saúde, a
ponto de o pessoal um pouco mais moderado, ou mais realista –
eu estava entre eles, o Arouca também – fazer um esforço muito
grande no desenrolar da VIII Conferência para a discussão ficar:
‘estatiza já’ ou ‘estatiza no processo’. E pudemos ganhar
‘estatizar no processo’. São os dois lados!” (SANTOS, 2008, p.
652).
Nelson Rodrigues tinha o entendimento de que o Estado não poderia abrir mão
imediatamente, ou romper naquele momento com o privado, porque a maioria dos leitos
estava na mão daquele setor, o que exigia uma complementaridade do privado em
relação ao público na oferta de serviços de saúde. Nesse sentido, a estatização gradual
seria uma opção mais adequada à realidade do setor saúde naquele período. Segundo
ele:
“Ao fazer um rompimento, ou uma estatização já, a população ia
ficar desassistida, na prática, instalando um caos no setor saúde.
A opção pela estatização progressiva se colocou também com
uma perspectiva de, aos poucos, o público ir incorporando o
privado. É exatamente isso. Se a perspectiva for estatizar
progressivamente, enquanto não estatizar tudo, enquanto houver
necessidade de contratar ou conveniar o setor privado, pela
Constituição, o setor privado tem que oferecer serviços como se
público fosse” (SANTOS, 2008, p. 653).
Nesta perspectiva, embora houvesse o reconhecimento da forte dependência do
setor privado para a oferta de serviços de saúde, a estatização dos serviços através da
prestação direta pelo Estado, deveria ser compreendida como um objetivo final, com a
incorporação gradativa do setor privado ao público.
Contudo, se para alguns atores da VIII CNS a estatização (mesmo que gradual)
era a principal proposta para a reorganização da oferta de serviços do novo SNS, para
outros a viabilidade deste processo gerava preocupação. Dessa forma, o último eixo
analisado neste estudo foi o Setor Privado como Concessão, ou seja, a proposta de
reorganização do sistema de saúde através da ação conjunta, mista, entre o setor público
e o privado na oferta de serviços, onde este último atuaria sob a responsabilidade do
Estado.
Jairnilson Paim, em trabalho apresentado no primeiro dia da Conferência, já
apontava que este seria uma pauta importante a ser decidida no debate da VIII CNS,
pois o contexto organizacional do sistema de saúde vigente demonstrava contradições.
99
Isso porque, apesar dos serviços de saúde serem geridos pelo Estado, não poderiam ser
considerados públicos por não abranger a toda população. Dessa forma o ator na
Conferência declara que:
“O que permanece aberto, todavia, para discussão, é se os
serviços devem ser uma concessão do poder público e se a saúde
pode ser considerada essencialmente um serviço público. (...)
Uma última observação merece registro: público não significa
estatal. Na realidade, o que se tem observado na história
brasileira é a gestão privada das coisas públicas. Mesmo os
serviços de saúde estatais podem não ser efetivamente públicos
enquanto forem impeditivos da gestão pública das instituições”
(PAIM, 1987, p.56).
Durante o processo de análise deste estudo, foi possível inferir no desenrolar do
debate da VIII CNS e nos trabalhos apresentados, que a defesa do caráter
essencialmente público dos serviços de saúde foi uma unanimidade entre os
participantes. No entanto, da mesma maneira que alguns atores defendiam a estatização
gradual devido a dependência do setor público aos prestadores de serviços privados,
alguns atores propuseram que o setor privado atuasse como prestador de serviços ao
Estado, através da concessão de serviços. Segundo Santos em entrevista (2008) ao
explicar como seria a concessão do Estado ao setor privado diz que essa “é uma relação
não só contratual, mas de compromisso público, porque o contratante é o Estado, é o
poder público, e, ao contratar, contrata uma oferta de serviços planejada pelo Estado”
(p.652).
Sonia Fleury em trabalho apresentado no painel I aponta que a saúde, ao ser
compreendida como um direito social, deve ser compreendida como um bem público e
estar sob a responsabilidade do Estado. Porém, não descarta a possibilidade de novas
formas de relacionamento entre o setor público e privado para a oferta de serviços,
devido, segundo ela, ao panorama de sucateamento dos serviços públicos que redundou
no incremento dos serviços médico-hospitalares privados no país. Segue trecho de sua
fala na Conferência:
“A saúde e, portanto, a assistência, são serviços essenciais e não
podem ser vistos de outra forma do que como um bem público.
O que isto quer dizer em termos da Configuração do Sistema
Nacional de Saúde? Seria a sua estatização? Não
necessariamente. Há que considerar que a situação consolidada
garante atualmente ao Estado (via recursos previdenciários) o
controle financeiro, mas não passa o mesmo com a oferta de
serviços. (...) Já existem experiências na sociedade brasileira em
que serviços essenciais, como os transportes e
100
telecomunicações, são monopólios estatais, sendo a prestação de
serviços realizada por empresas privadas, consideradas, como
concessão. Neste caso, o serviço é assumido como um bem
público essencial, permitindo ao Estado mecanismos legais de
controle e intervenção sobre os prestadores privados. É
necessário avaliar a aplicabilidade destas experiências ao setor
saúde (FLEURY, 1987, p.110).
Vilaça (1987), em seu trabalho aponta que a reformulação na organização do
setor saúde deveria ter, como âmbito, os subsetores público, filantrópico e subsetor
privado delegado (concessão), com suas respectivas modalidades assistenciais. Ou seja,
a reformulação deveria se dar no espectro de modalidades assistenciais passíveis de uma
gestão pública. Já com relação ao setor privado, segundo ele:
“A reformulação pretendida não deverá incorporar as
modalidades do subsetor privado típico, que estarão sujeitas às
legislações específicas, às licenças para o seu funcionamento, às
normas sobre construções ou instalações aprovadas pelo
Ministério da Saúde, além de fiscalização por parte das
Secretarias de Saúde, calcada no poder de polícia”(VILAÇA,
1987, p. 278).
Para Luís Roberto de Oliveira representante da CONCLAT, o novo SNS deveria
ter a oferta de serviços predominantemente pelo setor público e o setor privado
subordinado ao controle do Estado.
“A CONCLAT defende, nesta Conferência, a instituição de um
sistema único de saúde sob comando único e que opere de
acordo com uma política nacional de saúde que prestigie de
maneira predominante o setor público e o setor privado não
lucrativo representado pelas Santas Casas, pelos hospitais
beneficentes e que o setor privado lucrativo entre de maneira
complementar e subordinado ao controle oficial, ao controle do
Estado” (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1987.
p.228).
Da mesma forma, André Cesar Médici69 e Pedro Luiz Barros Silva70 em trabalho
apresentado no painel III da Conferência, intitulado Alternativas do Financiamento da
Atenção à Saúde, apontam que a relevância do setor privado na oferta de serviços deve
ser considerada na proposição de novas formas de relacionamento entre público e
privado na saúde.
69 Economista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Professor da ENSP. 70 Sociólogo e Professor Assistente do Instituto de Economia da Universidade de Campinas.
101
“Parece claro que dada a importância da participação dos
prestadores privados de serviços é necessário rever as suas
formas atuais de relacionamento com a Previdência Social,
principal financiadora de suas operações. Nessa direção, e de
forma coerente com a diretriz política - a atenção à saúde é um
direito de cada cidadão e dever do Estado - os serviços por ela
englobados deve, ser concebidos como PÙBLICOS,
independentemente da natureza do agente operador. Tal
perspectiva gera a necessidade do estabelecimento de normas e
procedimentos jurídicos, econômicos e administrativos que
sustentem adequadamente esta diretriz” (MÉDICE & SILVA
1987, p. 201).
Um dado relevante que deve ser elucidado, é que o setor privado não participou
da VIII CNS, alegando pouca representatividade na composição de delegados da
Conferência. Sérgio Arouca em trabalho apresentado como conferência no início do
evento, admite que a representatividade do setor privado seria de suma importância para
a discussão, dada a sua relevância na oferta de serviços do sistema de saúde vigente,
mas que a VIII CNS tinha como peculiaridade a participação popular e, por essa razão,
foi dado ao setor privado uma representatividade proporcionalmente menor. Segue
abaixo trecho com fala de Arouca a respeito deste impasse:
“Há uns dias atrás, algumas entidades ligadas ao setor privado se
retiraram da Conferência, alegando que, como representavam
uma grande percentagem dos serviços de saúde prestados ao
País, deviam ter maior número de delegados. Mas se
equivocaram. No meu entender, essa proporção de serviços
prestados não corresponde à proporção da população brasileira.
E esta é uma Conferência da população brasileira e não uma
Conferência dos prestadores de serviços.
Mas eu lamento profundamente a sua ausência, porque nesta
Conferência está se tratando é de criar um projeto nacional que
não pretende excluir nenhum dos grupos envolvidos na
prestação de serviços, na construção da saúde do povo
brasileiro. Assim, a eles queria deixar uma mensagem: que,
mesmo na ausência, vamos estar defendendo os seus interesses,
desde que estes não sejam os interesses da mercantilização da
saúde. Portanto, todo aquele empresário que está trabalhando
seriamente na área da saúde, na qualidade da sua competência
técnica e profissional, não precisa se sentir aterrorizado, porque
aqui ele vai ser defendido” (AROUCA,1987, p.39).
A ausência do setor privado como representante na VIII CNS, portanto, não
permitiu que a questão relação público/privado ganhasse uma discussão de maior
dimensão, já que sobressaiu o consenso entre os atores de que o setor privado deveria
atuar como prestador de serviços ao Estado. Logo, não é possível inferir se a
102
participação do setor privado alteraria nas decisões pactuadas e levadas ao Relatório
Final.
4.2- Consensos: Quais Sentidos de Universalidade Vigoraram Após o Debate da
VIII CNS?
A partir das discussões, propostas e trabalhos apresentados nos dias da
Conferência, o Relatório Final da VIII CNS foi construído contendo os principais
consensos acerca dos temas em pauta. Nesta perspectiva, é interessante analisar o
consenso referente ao sentido de universalidade levado a este documento final, assim
como dos eixos encontrados na análise do estudo. Como já citado anteriormente, estes
eixos atravessavam a temática da universalidade e, portanto, influenciaram na
construção dos diferentes sentidos de universalidade que foram e são utilizados no
cotidiano das práticas e no debate político de saúde após a Conferência.
Com relação à Universalidade, como já mostrado no início deste capítulo, a
utilização do termo no debate da Conferência estava atrelado à ideia de ampliação do
acesso. No entanto, verificou-se que a ampliação deste acesso poderia se dar em dois
sentidos distintos: um relacionado à ampliação dos serviços de saúde (serviços médicos
e hospitalares) e outro relacionado à ampliação do direito á saúde, atrelado à uma
concepção de saúde ampliada. Este último, por sua vez, já se mostrava com mais força
nos discursos e trabalhos apresentados na Conferência e, por essa razão, a ideia de
ampliação do acesso ao direito à saúde foi pactuada como consenso na reunião de
construção do Relatório Final.
Embora, a análise deste documento final permita identificar trechos onde a ideia
de universalidade é utilizada como ampliação de acesso ou cobertura, a leitura completa
do mesmo permite inferir que a todo tempo esta ampliação refere-se à uma concepção
de saúde ampliada. Ou seja, ao falar de ampliação de cobertura, o documento estava se
referindo à ampliação de serviços estruturais que garantissem o direito à saúde. No
exemplo a seguir, o termo universalização é utilizado como ampliação de cobertura:
“O novo Sistema Nacional de Saúde deverá reger-se pelos
seguintes princípios (...) universalização em relação à cobertura
populacional a começar pelas áreas carentes ou totalmente
desassistidas” (BRASIL, 1986, p.10).
No entanto, o documento aponta que o conceito de saúde ali defendido
corresponde a sua concepção maia abrangente, ou seja, “resultante das condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego,
103
lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde” (BRASIL, 1986,
p.04). Portanto, a garantia do direito à saúde implicaria, necessariamente, a garantia de:
- trabalho em condições dignas, com amplo conhecimento e
controle dos trabalhadores sobre o processo e o ambiente de
trabalho;
- alimentação para todos, segundo as suas necessidades;
- moradia higiênica e digna;
- educação e informação plenas;
- qualidade adequada do meio-ambiente;
- transporte seguro e acessível;
- repouso, lazer e segurança;
- participação da população na organização, gestão e controle
dos serviços e ações de saúde;
- direito à liberdade, à livre organização e expressão;
- acesso universal e igualitário aos serviços setoriais em todos os
níveis” (BRASIL, 1986, p.04).
Essa concepção admitia ainda que saúde é resultante das formas de organização
social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. Por
essa razão, haveria a necessidade do Estado assumir explicitamente uma política de
saúde consequente e integrada às demais políticas econômicas e sociais, assegurando os
meios que permitissem a sua efetivação.
Com relação ao eixo Responsabilidade do Estado, no Relatório Final a posição
consensuada não foi diferente daquela predominante durante o debate da Conferência.
Logo, neste documento a ampliação e a garantia do direito à saúde foi defendida como
dever do Estado, sendo considerada de caráter essencialmente público. No tema I do
Relatório Final, o item 11 aponta que o Estado tem como responsabilidades básicas
quanto ao direito à saúde, os seguintes itens:
“- a adoção de políticas sociais e econômicas que propiciem
melhores condições de vida, sobretudo, pra os segmentos mais
carentes da população;
- definição, financiamento e administração de um sistema de
saúde de acesso universal e igualitário;
- operação descentralizada de serviços de saúde;
- normatização e controle das ações de saúde desenvolvidas por
qualquer agente público ou privado de forma a garantir padrões
de qualidade adequados;”(BRASIL, 1986, p.07).
No que concerne ao eixo Unificação do SNS, como já demonstrado, as análises
deste estudo apontaram que este foi um tema que gerou diversos conflitos e
tensionamentos no debate da Conferência, pois, eram reflexos de disputas que já
104
estavam em jogo no cenário do setor saúde e na previdência. No entanto, para a
construção do Relatório Final, foi consensuado entre os atores participantes a defesa de
uma unificação “pelo alto”, ou seja, a transferência imediata do INAMPS para o MS e
a constituição de um comando único do sistema de saúde, porém com uma separação
progressiva dos recursos para financiamento da previdência. Segue trecho do Relatório
Final referente à unificação e reestruturação do SNS:
“O entendimento majoritário foi o de que a Previdência Social
se deveria encarregar das ações próprias de “seguro social”
(pensões, aposentadorias e demais benefícios) e a saúde estaria
entregue em nível federal, a um único órgão com características
novas. O setor seria financiado por várias receitas, oriundas de
impostos gerais e incidentes sobre produtos e atividades nocivas
à saúde. Até que se formasse esse orçamento próprio da saúde, a
Previdência Social deveria destinar os recursos, que ora gasta
com o INAMPS, para o novo órgão e ir retraindo-se na medida
do crescimento das novas fontes” (BRASIL, 1986, p.3).
Dessa forma, a proposta levada ao documento final defendia a construção de um
novo arranjo institucional, separando totalmente a saúde da previdência e criando um
novo Sistema Único de Saúde. No nível federal este novo sistema seria coordenado por
um único Ministério, especialmente concebido para esta finalidade.
Ainda com relação a reorganização do sistema de saúde, defendeu-se neste
documento final que as AIS fossem reformuladas de forma imediata, a fim de
possibilitar o controle da sociedade organizada através das suas respectiva instâncias de
coordenação (CIS, CRIS, CLIS e /ou CIMS). No entanto, ressalvou-se que a existência
das AIS não deveria ser utilizada como justificativa para adiar a implantação do novo
Sistema Único de Saúde.
Em relação ao eixo Estatização do SNS, durante o processo de construção do
Relatório Final a proposta de estatização imediata foi recusada. No entanto, chegou-se a
um consenso sobre a necessidade de fortalecimento e expansão do setor público,
optando-se assim pela proposta de uma estatização gradual do setor saúde.
“O principal objetivo a ser alcançado é o Sistema Único de
Saúde, com expansão e fortalecimento do setor estatal em níveis
federal, estadual e municipal, tendo como meta uma progressiva
estatização do setor” (BRASIL, 1986, p. 12).
Contudo, assim como no debate da Conferência, fica explícito no Relatório Final
uma preocupação quanto a viabilidade de estatizar um sistema de saúde ainda altamente
105
dependente da oferta de serviços privados. Portanto, concluiu-se que para atender a
demanda da população ainda seria necessário contar com a participação do setor
privado sob o caráter de serviços público “concedido” e por contrato regido sob as
normas do Direito Público.
Dessa forma o último eixo analisado, Setor Privado como Concessão, aparece
no Relatório Final como o consensso de que
“Os prestadores de serviços privados passarão a ter controlados
seus procedimentos operacionais e direcionadas suas ações no
campo da saúde, sendo ainda coibidos os lucros abusivos. O
setor privado será subordinado ao papel diretivo da ação estatal
nesse setor, garantindo o controle dos usuários através dos seus
segmentos organizados. Com o objetivo de garantir a prestação
de serviços à população, deverá ser considerada a possibilidade
de expropriação de estabelecimentos privados nos casos de
inobservância das normas estabelecidas pelo setor público”.
(BRASIL, 1986, p. 12).
Essa nova forma de relacionamento entre setor privado e setor público deveria,
portanto, ser implementada da seguinte forma: 1) os estabelecimentos privados que já
estabeleciam contratos com o INAMPS deveriam estabelecer novo contrato-padrão
regido pelos princípios do Direito Público, passando o serviço privado a ser
concessionário do Serviço Público; 2) os contratos deveriam ser reavaliados sob
critérios de adequação ao perfil epidemiológico da população a ser coberta e de
parâmetros de desempenho e qualidade; 3) as novas relações deveriam possibilitar a
intervenção governamental, sempre que fosse caracterizada a existência de fraude ou
conduta dolosa; 4) revisão de incentivos concedidos à chamada medicina de grupo.
O que se pôde apreender, portanto, na análise dos consensos pactuados para o
Relatório Final é que sobressaiu no debate da VIII CNS um discurso mais político-
ideológico do que aquele mais organizacional. Isso significa dizer que as propostas
apresentadas neste documento final - ao considerar uma concepção de saúde ampliada e
ao afirmar a saúde como um direito social cuja responsabilidade pela garantia deveria
ser do Estado- apontavam para uma defesa de uma reformulação profunda nas políticas
de Estado que, necessariamente, transcendiam o setor saúde e exigiam uma nova
concepção de Estado.
Como citado no capítulo 3 deste estudo, um dos resultados da VIII CNS foi a
criação da CNRS como uma estratégia de garantir a inclusão dos princípios da Reforma
Sanitária pactuados na Conferência naquela que seria a novo Constituição brasileira em
106
1988. Por essa razão, foi atribuído à essa comissão a tarefa de formular sugestões para o
reordenamento institucional e jurídico do sistema de saúde através do aprofundamento
do Relatório Final da VIII CNS e à sistematização de propostas articuladas junto ao
movimento sanitário. Portanto, além do Relatório Final da VIII CNS, foi igualmente
importante analisar documentos7172 elaborados pela CNRS a partir de agosto 1986, a
fim de auxiliar na compreensão de quais sentidos de universalidade e dos eixos que
atravessavam esta temática se destacaram após à Conferência. O documento III
elaborado pela CNRS, em específico, apresenta uma síntese dos resultados dos Grupos
de Trabalho realizados por esta Comissão e um texto sistematizado para o setor saúde
subsidiar as discussões da Assembleia Nacional Constituinte.
Neste documento foi possível identificar, por exemplo, que o conceito de
Universalidade, permaneceu sendo utilizado no mesmo sentido que aquele pactuado no
Relatório Final da VIII CNS: Universalidade como ampliação do acesso ao direito à
saúde. Seguem trechos referentes a universalidade e direito à saúde consensuado neste
documento:
“§ 1º – O direito à saúde implica para o cidadão o acesso a:
– condições dignas de vida e trabalho;
– informação sobre os riscos de adoecer e morrer;
– opção quanto ao tamanho da prole;
– dignidade, gratuidade e qualidade no atendimento e
tratamento, com direito à escolha e à recusa;
– participação na gestão das atividades públicas e privadas com
impacto sobre a saúde” (BRASIL, 1986c, p.13 ).
Da mesma forma o eixo correspondente à Responsabilidade do Estado,
permaneceu como a ideia de ser dever do Estado a garantia de acesso à saúde em seu
conceito ampliado.
“Art. 2º – É dever do Estado:
– a democratização da saúde, através de políticas econômicas e
sociais orientadas para a eliminação ou diminuição dos riscos de
doença e de morte;
– proteção, recuperação e reabilitação da saúde, pela garantia de
acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde em
todos os níveis.” (BRASIL, 1986c, p.13 ).
71 Esta Comissão foi resultante da VIII CNS e, portanto, uma breve análise dos consensos acerca do
sentido de universalidade e dos eixos que atravessam a temática apresentaram-se como importantes para a
conclusão deste estudo. Foram analisados os três documentos síntese dos grupos de trabalho desta
Comissão, priorizando-se a análise no documento final construído como documento recomendação para o
debate do setor saúde na Assembleia Constituinte. 72 Não foram analisados os debates e o processo de construção destes documentos, pois o objetivo era a
análise do conteúdo consensuado no documento final.
107
No entanto, com relação a alguns eixos analisados pode-se perceber que alguns
discursos de modificaram. Um exemplo disto é a questão da Unificação do SNS, pois
neste documento não há mais uma aparente pressão para que ocorra uma unificação
imediata e “pelo alto”. Como no na fala abaixo do Ministro da Saúde, Roberto Figueira
Santos, as AIS passam a ser defendidas como estratégia prioritária de transição para o
novo SNS, diferentemente da proposta consensuada no Relatório Final da VIII CNS.
“O momento exige reforçar as Ações Integradas de Saúde, o que
irá permitir, nos curto e médico prazos, a superação da atual
forma de organização plural e desintegrada por uma outra que,
respeitando as identidades organizacionais, coloque, sob gestão
pública, todas as instituições relacionadas com o setor publico,
integrando-as, em todas as suas atividades e com todos os seus
recursos, de modo que possam responder às necessidades
prioritárias da população. Resulta, daí, uma necessária
reafirmação da vontade política de consolidação das Ações
Integradas de Saúde Como o eixo estratégico da Reforma
Sanitária, fazendo-as avançar, concretamente, para além de uma
simples relação convenial entre entidades do setor
público”(BRASIL, 1986a, p. 27).
Da mesma forma, o Ministro do MPAS – Raphael de Almeida – admite neste
documento que as AIS assumiam naquele momento uma condição de estratégia setorial
e mostrava potencialidade, tanto na mobilização de forças políticas articuladas e
poderosas quanto na reestruturação do setor público como prestador de serviços de
saúde, sendo necessário aprofundá-las e aperfeiçoá-las.
Há ainda no documento I um trabalho elaborado por técnicos do MS e do
INAMPS e encaminhado aos Ministros da Saúde, da Previdência e Assistência Social e
à CIPLAN, intitulado “Bases para o Aperfeiçoamento das Ações Integradas de Saúde
como Estratégia para a Reforma Sanitária Brasileira”, cujo objetivo era apresentar
formalmente as AIS como estratégia prioritária para o novo SNS. Assim como a fala
dos Ministros da Saúde e do MPAS esse documento expressa a necessidade de
aperfeiçoamento das AIS e a defesa de uma reforma sanitária que ocorreria de forma
gradual, iniciando-se pelas bases do SNS através da descentralização. Segue trecho
deste documento:
“A experiência concreta das Ações Integradas de Saúde na
reorganização dos serviços constitui o eixo estratégico das
mudanças, baseado no direito universal de acesso igualitário aos
serviços, na descentralização acelerada para as instâncias
108
estaduais e municipais através, principalmente, da programação
orçamentação integradas das ações de saúde, e na ampla
participação da população na gestão dos serviços.
A reforma sanitária brasileira enfrenta o desafio da integração
das ações de saúde, aprofundando as relações de integração
entre as Instituições de saúde (conquistadas pelas AIS) e
avançando na plena identificação de responsabilidades, no que
diz respeito à de cobertura assistencial à população e a
resolutividade das práticas concretas, desenvolvidas pelos
profissionais de saúde” (BRASIL,1986a, p.40).
O termo Estatização, por sua vez, somente aparece no documento da CNRS no
item financiamento da saúde em uma discussão acerca do papel do setor prestador
privado no sistema de saúde. Conforme o documento, identificou-se no debate após a
VIII CNS duas propostas para esta questão: uma primeira73 que apontava para a
estatização da rede privada de serviços através da expropriação desta rede pelo Estado
ou pela desapropriação destes estabelecimentos; uma segunda que propunha ao invés da
estatização, uma modificação na relação contratual entre o setor público e o setor
privado, através de um contrato padrão de direito público onde os prestadores privados
se subordinassem às normas técnicas e financeiras de prestação dos serviços, bem como
se submetessem aos critérios públicos de fiscalização técnica, financeira e operacional.
Essa última proposta corresponde ao eixo analisado neste estudo como Setor Privado
como Concessão.
73 Em nota no documento II da CNRS, consta que representantes da CUT, ABEN, CONAM e FNM
apoiavam um SNS constituído pelo conjunto de instituições e estabelecimentos de saúde estatais de
natureza pública, nos níveis federal, estadual e municipal, e com atribuição de prestação direta de serviços
de promoção, proteção, tratamento, recuperação e reabilitação da saúde, com atendimento universal e
igualitário em todos os níveis, sem discriminação. O Sistema Nacional de Saúde seria gerenciado por um
órgão único no nível federal, estadual e municipal, respectivamente Ministério da Saúde, Secretaria
Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde, e com a participação, em nível de decisão, das
entidades populares na formulação, controle e avaliação da política nacional de saúde nos níveis federal,
estadual e municipal. Seria, também, atribuição do SNS, através de legislação específica, a supervisão e
controle das ações promovidas pela iniciativa privada. Após a promulgação da nova lei do SNS deveria
ser feito levantamento dos recursos necessários a implantação do sistema estatal que atendesse os
objetivos da universalização e da boa qualidade do atendimento. A estatização se daria através do
estabelecimento imediato de um projeto de transição do setor privado para o estatal, com suspensão dos
recursos aplicados no setor privado, com utilização destes recursos na ampliação e plena ocupação dos
serviços próprios. Intervenção nos serviços fraudadores e desapropriação dos serviços necessários
estrategicamente ao pleno funcionamento do sistema. Durante o período de realização do levantamento,
esgotada a capacidade estatal instalada, poderiam ser comprados serviços de entidades privadas através de
contratos com normas estabelecidas pelo direito público, assegurando mecanismos de controle por parte
do Estado da qualidade dos serviços prestados.
109
Segundo consta no documento, a primeira vertente – Estatização - não havia
“caminhado muito”, pois a questão da expropriação não se colocava numa sociedade
com as características da brasileira.
“Expropriar os estabelecimentos de saúde detém, como pré-
condição, uma mudança radical de todo o espectro de relações
sociais, econômicas e políticas no Brasil. Em segunda instância
porque desapropriar a rede privada traria implicações
econômicas que não passam pela realidade dos cofres públicos
brasileiros. Se o orçamento estimado para o setor não tem
condições imediatas para reaparelhar a rede pública, que dirá
para comprar estabelecimentos privados. Além do mais,
desapropriar tais estabelecimentos seria transferir recursos para
um segmento do empresariado nacional, que já foi beneficiado
pelo setor público duplamente; seja pelo investimento
subsidiado, seja pela reserva de mercado garantida pelo custeio
do INAMPS. Portanto, essa opção seria socialmente injusta e
economicamente inaceitável.” (BRASIL, 1986c,p. 86).
No entanto, seria interessante aproveitar desta vertente a ideia de canalizar o
gasto público unicamente para o investimento e para o custeio na rede pública de
serviço, aceitando novos contratos e credenciamentos com os prestadores privados nas
modalidades, e regiões onde fosse indispensável tal procedimento, quando houvesse
necessidade imperiosa do serviço sem meios públicos de oferecê-lo no curto prazo.
Já a segunda vertente, setor privado como concessão, já vinha obtendo
progressos nos anos de 1985 e 1986, na medida em que o INAMPS chegou a formular
uma nova proposta de contrato padrão. Contudo, a aprovação deste novo contrato
encontrava resistências em quase todo o setor privado lucrativo, diferente da rede
filantrópica, que atuava em colaboração com o setor público na estratégia de
universalização das ações de saúde.
Nas recomendações contidas neste documento como proposta para uma nova lei
do SNS no que concerne ao setor privado como concessão consensuou-se que seria
assegurado o livre exercício da atividade liberal em saúde e a organização de serviços
de saúde privados, obedecendo os preceitos éticos e técnicos determinados pela lei aos
princípios que norteariam a política nacional de saúde. Além disso, a utilização de
serviços de saúde de natureza privada pela rede pública deveria ser realizada em caráter
complementar, segundo normas estabelecidas pelo direito público (BRASIL, 1986c).
Nesta perspectiva, ainda no item das recomendações para a nova lei do SNS,
foram apontadas três componentes institucionais para a estrutura organizacional do
novo sistema de saúde: 1) O Setor Público, que corresponderia ao conjunto de
110
instituições e estabelecimentos de saúde de natureza pública, federal, estadual e
municipal. 2) O Setor Privado Contratado, que corresponderia ao conjunto de
serviços de saúde desenvolvidos por pessoas físicas ou jurídicas, de natureza privada,
financiados com recursos públicos para a prestação de serviços à população e
vinculados ao setor público por normas estabelecidas pelo direito público. 3) O Setor
Privado Autônomo, que corresponderia ao conjunto de serviços de saúde
desenvolvidos por pessoas físicas ou jurídicas de natureza privada, destinados ao
atendimento de pessoas que os procuram livremente e os remuneram diretamente ou
através de mecanismos consorciados civis, independentemente de qualquer subsídio ou
financiamento do setor público (BRASIL, 1986c).
De maneira geral, é possível observar neste documento elaborado pela CNRS
uma maior ênfase em propostas referentes a questões mais organizacionais, como a
reorganização do SNS de forma gradual através da descentralização e a reformulação
das AIS. Além disso, há na construção deste documento uma participação mais efetiva
de atores do INAMPS e MPAS que compunham o grupo de reformistas da previdência,
o que pode ser identificado como um fator explicativo para algumas mudanças de
ênfases percebidas nos eixos analisados, como a Estatização do SNS e a Unificação do
SNS. Como elucidado acima, a questão da estatização surge enfraquecida no consenso
final do documento da CNRS e, em contrapartida, a proposta do setor privado atuando
como concessão e em caráter complementar ao Estado torna-se a proposta mais viável.
Da mesma forma, a defesa por uma unificação imediata e “pelo alto” tal como pactuado
no Relatório da VIII CNS, perde espaço no discurso para aquela que defendia a
unificação pelas bases do SNS, defendida pelos atores reformistas da previdência.
Abaixo o quadro comparativo entre o Relatório Final da VIII CNS e o Relatório
da CNRS sistematiza quais sentidos de universalidade, assim como os eixos que o
atravessavam, foram consensuados nestes documentos:
Quadro 8- Comparativo entre Relatório Final da VIII CNS e Relatório da CNRS
Eixos
Relatório Final da VIII CNS
Relatório da CNRS
Universalidade
Ampliação do acesso ao
direito à saúde
Ampliação do acesso do
direito à saúde
111
Responsabilidade
do Estado
Dever do Estado na garantia
do acesso ao direito à saúde
Dever do Estado garantia do
acesso ao direito à saúde
Unificação do SNS
Unificação imediata e “pelo
alto”
Unificação gradual e “por
baixo”
Estatização do SNS
Estatização Gradual e total
como meta final
Estatização passar a não ser a
meta final
Setor Privado como
Concessão
Em caráter complementar,
segundo normas estabelecidas
pelo direito público
Em caráter complementar,
segundo normas estabelecidas
pelo direito público
Portanto, a apesar da VIII CNS ter representado um importante marco de
mobilização social e política para o setor saúde no Brasil, algumas proposições não
conseguiram ganhar força no embate político ocorrido após a Conferência e outros
discursos tornaram-se preponderantes e afirmados. As propostas contidas no documento
final da CNRS já demonstravam sutis modificações que foram então encaminhadas e
ofertadas no debate da Assembleia Constituinte.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como elucidado neste estudo, o princípio de universalidade é um conceito que
possui diferentes sentidos no debate do setor saúde no Brasil. O reconhecimento desta
premissa e de um tensionamento no debate atual no Brasil – a mudança discursiva do
princípio de universalidade como sistemas universais para cobertura universal –
suscitou a necessidade de compreender o processo discursivo desse conceito em um
momento marcante da história das políticas de saúde no país: A VIII CNS.
O mergulho nos materiais referentes à VIII CNS, assim como o retorno ao
contexto político e institucional ao qual estava inserida, permitiu averiguar os principais
sentidos de universalidade que se apresentavam no debate, os principais atores que os
vocalizam e certas condições de possibilidades no contexto daquele período que
influenciaram a maior expressão de um sentido de universalidade em detrimento de
outros sentidos.
Uma primeira conclusão deste estudo ao que se refere ao objeto investigado – os
sentidos de universalidade encontrados no debate da VIII CNS – é que a busca por uma
definição do conceito de universalidade não era uma questão relevante naquele dado
momento. Diferente de outros conceitos-chaves identificados no debate – tais como
direito à saúde, responsabilidade do Estado e conceito ampliado de saúde – não se
observou uma explícita preocupação em consensuar entre os participantes um sentido
para este termo. Dessa forma, o termo universalidade foi utilizado de maneira mais
superficial, sem que houvesse algum indício de um aprofundamento sobre o conceito ou
tentativa de defini-lo.
Portanto, esta primeira percepção permite inferir e confirmar a hipótese
levantada no início da pesquisa de que a discussão e preocupação com o sentido
atribuído à universalidade faz parte de um debate recente no Brasil e que naquele dado
contexto político-institucional (década de 1980) não havia uma preocupação em definir
o sentido de universalidade, tal como atualmente.
Uma segunda conclusão do estudo inferida na análise do debate da VIII CNS é
que o termo universalidade foi utilizado nas falas e discurso preponderantemente como
ampliação do acesso. Contudo, não foi identificado um consenso entre os atores acerca
do que deveria ser ampliado e quais serviços ofertados, mas reconheceu-se dois temas
que se destacavam: A ampliação do acesso ao direito à saúde e a ampliação do acesso
aos serviços de saúde.
113
O primeiro significava a defesa de uma expansão de serviços que garantissem a
saúde a partir de uma concepção ampliada, considerando-a como um direito social.
Logo, estavam atrelados à proposta de oferta de serviços capazes de intervir nas
condições de vida e de trabalho determinantes da saúde da população assim como na
estrutura política de um dado Estado a fim de superar as desigualdades na distribuição
de bens e serviços (PAIM, 1987). Nesse sentido, era preciso considerar a garantia do o
direito ao trabalho, condições dignas de moradia, educação, lazer, alimentação, entre
outros, através de políticas sociais e econômicas.
Durante o processo analítico também identificou-se que os atores que
vocalizavam a universalidade como ampliação do acesso ao direito à saúde eram,
majoritariamente, aqueles envolvidos com o discurso político-ideológico. Ou seja, tinha
como principais representantes professores, pessoas inseridas no cenário acadêmico,
representantes de sindicatos, militantes de movimentos sociais e atores do movimento
sanitário, principalmente os do grupo de reformistas da saúde.
Já a ampliação do acesso aos serviços de saúde significava a defesa da oferta de
serviços médicos e à ampliação dos serviços médico-hospitalares. Este sentido emerge
em poucos discursos, mas torna-se significativo no debate na medida em que gera
tensionamentos entre os participantes. Embora não houvesse uma oposição explicita à
ideia de direito à saúde durante o debate da VIII CNS, a fala de alguns atores –
sobretudo os representantes do INAMPS, MPAS, MS e de atores do movimento
sanitário do grupo de reformistas da previdência – revela um silenciamento quanto ao
tema e os discursos pautavam-se predominantemente em torno de questões
organizacionais e técnicas, sem que houvesse um aprofundamento do debate político.
Dentre estes dois temas concluiu-se que a ideia de universalidade como
ampliação do acesso ao direito à saúde apresentava-se como o discurso predominante,
entoado com mais força na arena de debate da VIII CNS e que foi consensuado pelos
participantes como a proposta para o Relatório Final. Na análise, foram identificados
como condições de possibilidade para a emergência deste sentido o processo de
redemocratização do Estado no final da década de 1980 e a disseminação de propostas
para uma reforma ampla nos setores sociais atreladas à ideia de garantia de direitos de
cidadania.
Além disso, a forte participação da sociedade civil, dos movimentos sociais, das
associações de trabalhadores, de atores ligados ao grupo de reformistas da saúde, dentre
outros que defendiam a ampliação do acesso ao direito à saúde, pode ser também
114
considerada como um fator explicativo para a emergência desse sentido no debate da
VIII CNS. Este mesmo fator possibilita justificar ainda a permanência desse sentido
como o mais proeminente no debate da saúde do Brasil, pois muitos destes atores –
representantes de um discurso mais político-ideológico – continuaram a disseminar este
sentido, nas arenas de debate da saúde, na produção bibliográfica, nas atividades
acadêmicas, no cotidiano das práticas de saúde e pelos lugares políticos e institucionais
que ocuparam no período posterior à Conferência.
Portanto, a interpretação do princípio da universalidade como sinônimo do Art.
196 da Constituição Federal de 1988, que diz:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação” (BRASIL, 1988, p.33).
revela uma influência do sentido de universalidade oriundo do consenso da VIII CNS
que permaneceu no debate da saúde, apesar do mesmo ter sido explicitado nos
documentos oficiais de forma bem mais simplificada, como acesso às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação. Logo, o que se evidenciou foi uma disputa
pelo discurso, onde a concepção de universalidade atrelada ao direito à saúde e a
sistemas de saúde sob responsabilidade do Estado tornou-se mais forte e preponderante
nos discursos, embora outros sentidos se apresentassem e concorressem entre si.
Evidenciou-se ainda neste estudo, a existência de outros eixos temáticos no
debate da VIII CNS que, apesar de não definirem o conceito de universalidade
apareciam atravessando o tema de maneira significativa e influenciando na construção
dos diferentes sentidos que foram e são utilizados no cotidiano das práticas e no debate
político de saúde após a Conferência. São eles: Responsabilidade do Estado, Unificação
do SNS, Estatização do SNS e Setor Privado como Concessão.
A análise destes eixos permitiu concluir que no debate da VIII CNS,
sobressaíram as propostas relacionadas à ideia de saúde como conceito ampliado e
como um direito social. Dessa forma, a responsabilidade do Estado pela garantia à
saúde, a unificação imediata com a criação de um comando único, a estatização gradual
do SNS e a proposta de um novo relacionamento do setor público com o setor privado
através de contrato de compromisso público, foram consensuadas como propostas para
o Relatório Final da Conferência.
115
Contudo, a análise destes mesmos eixos no documento elaborado pela CNRS
como recomendação para o debate da saúde na Assembleia Nacional Constituinte já
evidenciam modificações importantes após a VIII CNS. A unificação do SNS “pelo
alto” e de forma imediata foi substituída pela proposta de unificação gradual e “por
baixo” devido a pressões políticas e a forte participação de atores do grupo de
reformistas da previdência na construção deste documento. Da mesma forma, a
viabilidade da proposta de estatização do SNS passa a ser contestada e a mesma perde
sua força após a VIII CNS. No documento elaborado pela CNRS, a estatização –
mesmo a gradual – já não mais aparece como uma meta a ser alcançada enquanto que a
proposta do setor privado como concessão do Estado vai ganhando mais força no
debate.
Portanto, é possível observar que logo após a VIII CNS foi perdendo espaço na
arena política e nos documentos oficiais, os temas que reforçavam o sentido de
universalidade como ampliação do acesso ao direito à saúde e à ideia de sistemas de
saúde com a prestação de serviços direta pelo Estado. Embora, como já citado, este
sentido tenha permanecido forte no discurso político-ideológico e nas práticas
cotidianas do debate da saúde no Brasil.
E como as conclusões elucidadas neste estudo podem contribuir para a
compreensão do debate atual que identifica uma mudança discursiva da universalidade
como sistemas de saúde universais para cobertura universal?
A apreensão de que o conceito de universalidade no período analisado era
utilizado como ampliação de acesso, demonstra que não havia uma tensão discursiva em
relação ao termo. No entanto, identificou-se a disputa entre a defesa da ampliação do
direito à saúde versus a ampliação da oferta de serviços de saúde.
O que se percebe no debate atual, na verdade, é uma reedição deste conflito,
onde o conceito de sistemas de saúde universais está atrelado à ideia de direito à saúde e
o conceito de cobertura universal está atrelado à ideia de ampliação da oferta de
serviços de saúde. Porém, diferentemente do debate constituído na VIII CNS, a
ampliação da oferta de serviços de saúde no período atual admite o setor privado
lucrativo como um prestador de serviço.
Portanto, o que se observa no presente cenário da saúde é uma ênfase, ou uma
emergência, do sentido relacionado à ampliação de oferta de serviços – atualmente
denominada cobertura universal – em detrimento da ideia de direito a saúde,
representado pela defesa dos sistemas de saúde universais.
116
Esta constatação, por sua vez, torna de grande importância uma investigação que
pretenda explorar melhor as condições de possibilidades que permitiram e vem
permitindo no cenário atual a emergência deste sentido de universalidade. Vale
destacar, que este sentido emergente distancia-se significativamente dos valores e ideais
concebidos e propagados pelo movimento sanitário. Portanto, faz-se mister a indagação
dos motivos que hoje levam o debate da saúde no Brasil a afastar-se cada vez mais das
propostas que possibilitariam a realização de uma efetiva Reforma Sanitária.
117
ANEXOS
118
ANEXO I - EXEMPLO DA TABELA UTILIZADA PARA A ANÁLISE
DOCUMENTAL
RELATÓRIO FINAL DA VIII CNS
FICHA:
Data: 17 a 21 de março de 1986
Ministro da saúde: Roberto Figueira Santos
Ministro da Previdência e Assistência Social: Raphael de Almeida Magalhães
Comissão Organizadora da 8ª CNS:
Presidente: Professor Antonio Sérgio da Silva Arouca
Vice- Presidente: Doutor Francisco Xavier da Silva Arouca
Relator geral: Professor Guilherme Rodrigues da Silva
Participantes: 4.000 pessoas, dentre as quais 1.000 delegados
Breve descrição do documento:
O documento descreve as principais discussões e decisões ocorridas durante a 8ª CNS.
Os temas discutidos foram: Saúde como Direito; Reformulação do Sistema Nacional de
Saúde e Financiamento Setorial.
Observações:
Em um primeiro momento, o sentido de universalidade que emerge nesse documento
relaciona-se, sobretudo, a ideia de construção de um sistema universal e a saúde como
um conceito amplo.
Trecho Página Sentido/ Análise
Universalidade
“(...) a partir da 8ª CNS deverá ser
deflagrada uma campanha nacional em
defesa do direito universal à saúde,
contra a mercantilização da medicina e pela
melhoria dos serviços públicos ...
p.08
- Saúde aqui como direito social, desvinculado à ideia de
mercantilização.
“b) atinentes às condições de acesso e
qualidade:
- universalização em relação à cobertura
populacional a começar pelas áreas
carentes ou totalmente desassistidas;
p.11 item
2-
Reformul
ação do
SNS
- Aqui pareceu ser um sentido mais voltado para a extensão
da cobertura, sobretudo pelo destaque “a começar pelas áreas
carentes ou totalmente desassistidas”.
Direito à Saúde
“Direito à saúde significa a garantia, pelo
Estado, e condições dignas de vida e de
acesso universal e igulitário às ações e
serviços de promoção, proteção e
recuperação de saúde, em todos os seus
níveis, a todos os habitantes do território
nacional, levando ao desenvolvimento
pleno do ser humano em sua
individualidade.”
p. 04
Tema 1-
Saúde
como
Direito
- Direito à saúde aqui expressa um sentido mais amplo do
conceito de saúde. Além disso, ressalta a responsabilidade
do Estado em garantia desse direito.
“ As limitações e obstáculos ao
desenvolvimento e aplicação do direito à
saúde são de natureza estrutual”
p.05 - Nesse sentido, para a efetivação do direito à saúde, faz-se
necessário uma mudança de caráter estrutural , logo
atribuindo mais uma vez a importância e o papel do Estado
como aquele que deve garantir o direito à saúde.
119
Item 11- “ O Estado tem como
responsabilidades básicas quanto ao direito
à saúde:
- a adoção de políticas socias e economicas
que propiciem mehores condições de vida,
sobretudo, para os segmentos mais carentes
da população;
-definição, financimento e administração
de um sistema de saúde de acesso
universal e igualitário;
-operação descentralizada de serviços de
saúde;
-normatização e controle das ações de
saúde desenvolvidas por qualquer agente
público ou privado de forma a garantir
padrões de qualidade adequados.
p.07 - Idem a observação acima. Destaca : sistema de saúde de
acesso universal e igualitário
Item 12- “ Para assegurar o direito à saúde
a toda a população brasileira é
imprescindível:
- garantir uma Assembleia Nacional
Constituinte livre, soberana, democrática,
popular e exclusiva;
- assegurar na Constituição, a todas as
pessoas, as condições fundamentais de uma
existência digna, protegendo o acesso a
emprego, educação, alimentação,
remuneração justa e propriedade da terra
aos que nela trabalham, assim como o
direito à organização e o direito de greve;
-suspender imediatamente o pagamento dos
juros da dívida externa e submeter à
decisão da nação, via Assembléia Nacional
Constituinte, a proposta de não pagamento
da dívida externa;
-implantar uma reforma agrária que
responde às reais necessidades e aspirações
dos trabalhadores rurais e que seja
realizada sob controle destes;
- estimular a participação da população
organizada nos núcleos decisórios, nos
vários níveis, assegurado o controle social
sobre as ações do Estado.
- fortalecer os Estados e Municípios,
através de uma ampla reforma fiscal e
tributária;
- estabelecer compromissos orçamentários
ao nível da União, estados e municípios
para o adequado financiamento das ações
de saúde.
p.07
“(...) para que se inscrevam na futura
Constituição: (...)
-a garantia da extensão do direito à saúde
e do acesso igualitários às ações e serviços
de promoção, proteção e recuperação da
saúde, em todos os níveis, a todos os
habitantes do território nacional;
p.08 -idem com destaque para “direito à saúde e do acesso
igualitário(...) a todos os habitantes do território nacional”.
Não há, portanto uma ideia de focalização.
Estatização do
Sistema Nacional de
Saúde
“A questão que talvez mais tenha mais
mobilizado os participantes e delegados foi
a natureza do novo Sistema Nacional de
Saúde: se estatizado ou não, de forma
imediata ou progressiva. A proposta de
estatização imediata foi recusada, havendo
consenso sobre a necessidade de
fortalecimento e expansão do setor
público.”
p.02 - Esse trecho demonstra uma tensão no debate: entre os que
apoiavam a estatização imediata e os que apoiavam a
progressiva. Já aponta a meu ver uma dificuldade de instaurar
um sistema de saúde de cunho universal...
“a caracterização dos serviços de saúde
como públicos e essências.”
p.09 -ênfase no caráter público dos serviços de saúde.
“4- o principal objetivo a ser alcançado é o
Sistema único de saúde, com expansão e
fortalecimento do setor estatal em níveis
federal, estadual e municipal, tendo como
meta uma progressiva estatização do
setor.”
p.12 - Estatização progressiva. Saúde responsabilidade do Estado.
120
Acesso Universal “Direito à saúde significa a garantia, pelo
Estado, de condições dignas de vida e de
acesso universal e igulitário às ações e
serviços de promoção, proteção e
recuperação de saúde, em todos os seus
níveis, a todos os habitantes do território
nacional, levando ao desenvolvimento
pleno do ser humano em sua
individualidade.”
p.04 Tema
1- Direito
à saúde
- Mesmo sendo aqui o termo acesso universal, parece ser esse
um sentido ainda voltado para a questão de sistema universal
de saúde, principalmente por entender que é dever do Estado.
“ Deste conceito amplo de saúde e desta
noção de direito como conquista social,
emerge a ideia de que o pleno exercício do
direito à saúde implica em garantir: (...) –
acesso universal e igualitário aos serviços
setoriais em todos os níveis.”
p.04 Idem
b)(...)
-equidade em relação ao acesso dos que
necessitam de atenção.
p.11 item
2-
Reformul
ação do
SNS
121
ANEXO II - QUADRO COM A COMISSÃO ORGANIZADORA DA VIII CNS
Presidente
Doutor Antonio Sérgio da Silva Arouca
Vice Presidente
Doutor Francisco Xavier Bedusch
Relator geral
Doutor Guilherme Rodrigues da Silva
Relatores
Doutor Solon Magalhes Viana
Doutor Roberto Passos Nogueira
Comitê Executivo Secretário
Doutor Otávio Clementino de
Albuquerque
Secretário Adjunto
Doutor Edimilson Francisco dos Reis
Duarte
Tesoureiro
Doutora Maria Salete de Lima
Membros
Senador Lourival Baptista
Deputado Arnaud Carneiro
Doutor Ronei Edmar Ribeiro
122
ANEXO III- QUADRO COM OS TRABALHOS UTILIZADOS PARA A
CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE DA VIII CNS
Trabalhos Expositor
Descentralização e Democratização do
Sistema de Saúde
Cristina de Albuquerque Possas
Reordenamento do Sistema Nacional de
Saúde
Eleutério Rodriguez Neto
Reordenamento do Sistema Nacional de
Saúde
Eugênio Vilaça Mendes
Participação Social em Saúde Francisco de Assis Machado
Participação Social em Saúde:
Experiência do Paraná
Luiz Cordoni Júnior
Descentralização e Municipalização Nelson Rodrigues dos Santos
Financiamento do Setor Saúde Vítor Gomes Pinto
123
ANEXO IV – LISTA DOS TEMAS ESPECÍFICOS TRABALHADOS NOS
GRUPOS DE TRABALHO DA VIII CNS
TEMAS ESPECÍFICOS
1. Saúde e trabalho
2. Vigilância epidemiológica (grandes endemias, doenças evitáveis por
imunização, AIDS).
3. Saúde e Sistema Ecológico
4. Saúde, Produção e Distribuição de Alimentos
5. Medicamentos e Imunobiológicos
6. Saúde Oral
7. Sangue e Hemoderivados
8. Reprodução Humana
9. Práticas Alternativas de Saúde
10. Recursos Humanos
11. Saúde e Políticas Sociais
Migrações
Direito previdenciário
Cultura
Lazer
12. Saúde mental
13. Saúde e Proteção ao Consumidor
14. Infecção Hospitalar
15. Ciência e Tecnologia
16. Administração em saúde
17. Saúde e os Direitos da Mulher
18. Saúde e Violência
19. A Saúde e os Direitos da Criança
20. Proteção à Saúde do índio
21. Proteção à Saúde dos Deficientes Físicos
22. Proteção à Velhice e às Políticas Sociais
124
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