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1 Número 3 | Novembro 2015 OS VALORES DA FLORESTA No dicionário a palavra valor tem diversos significados, desde o pagamento de algo por meio de bens, serviços ou dinheiro, passando por valentia, coragem, utilidade e préstimo, chegando à qualidade que confere a um obje- to material a natureza de bem econômico. Há 3 anos, o Imaflora denominou um conjunto de ações na Amazônia brasileira de Florestas de Valor para des- tacar as riquezas da sociobiodiversidade que coexistem nas grandes florestas protegidas do Norte do país, um país tão grande que mal consegue compreender sua di- versidade e seu potencial. Era preciso mobilizar, ouvir, apoiar a organização de comunidades para se planejar um futuro, um tempo de mais valor para tudo e todos. Se já sabemos que as florestas têm seu valor, o que ima- ginar das pessoas que nela vivem e tiram seu sustento, além de prover com matéria-prima as indústrias e os mercados. Por isso, o Florestas de Valor se preocupou em fazer brilhar não apenas o valor do trabalho de extra- tivistas, quilombolas, indígenas e agricultores, mas suas qualidades físicas, intelectuais e morais, que fazem desses homens e mulheres corajosos. Neste período 3400 pessoas foram envolvidas direta- mente no projeto em treinamentos em boas práticas de manejo, ações de agregação de valor aos produtos do extrativismo, sensibilização sobre consumo consciente de produtos florestais, geração de renda, sistemas sus- tentáveis de produção, organização comunitária, entre outros temas. Cerca de 500 famílias foram beneficia- das diretamente com aumento de renda e melhorias na qualidade de vida. O que ajudou a conservar 40 mi- lhões de hectares de áreas públicas protegidas. O maior aprendizado do processo foi o exercício do diálogo, que fomentou parcerias comerciais éticas entre empresas e produtores, além de colocar do mesmo lado todos os envolvidos nas cadeias produtivas. Ao completar duas décadas de existência, o Imaflora fe- cha o primeiro ciclo do Floresta de Valor comemorando as conquistas concretas e claras e também as experiên- cias e o amadurecimento no percurso dos projetos. “Eles (extrativistas, agricultores e quilombolas) tinham expec- tativas e trabalhamos para viabilizá-las, foi um amadu- recimento muito grande para a equipe e ampliação de sua expertise”, relata Eduardo Trevisan Gonçalves, secre- tário-executivo-adjunto do Imaflora. E a missão em prol das florestas, do comércio ético, do bem-estar e desenvolvimento das comunidades não acabou como acabam os filmes, com ou sem final feliz. Ao contrário, cada experiência acumulada confirmou que o Imaflora está no caminho certo, por isso, também inspirou os próximos dez anos de seu plano estratégico. O Imaflora acredita na conciliação entre conservação da biodiversidade, fornecimento de bens e serviços am- bientais de forma sustentável com garantias para as po- pulações locais das áreas protegidas públicas da Ama- zônia, contribuindo para o desenvolvimento sustentável dos municípios onde estão localizados. E que tudo isso, vai ajudar a acabar com a pobreza e a exclusão dos agri- cultores familiares e extrativistas, fundamentais para a conservação da Amazônia. Realização:

OS VALORES DA FLORESTA - Imaflora · Ao contrário, cada experiência acumulada confirmou que o Imaflora está no caminho certo, por isso, também ... rias para demonstrar que a floresta

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Número 3 | Novembro 2015

OS VALORES DA FLORESTA

No dicionário a palavra valor tem diversos significados,

desde o pagamento de algo por meio de bens, serviços

ou dinheiro, passando por valentia, coragem, utilidade e

préstimo, chegando à qualidade que confere a um obje-

to material a natureza de bem econômico.

Há 3 anos, o Imaflora denominou um conjunto de ações

na Amazônia brasileira de Florestas de Valor para des-

tacar as riquezas da sociobiodiversidade que coexistem

nas grandes florestas protegidas do Norte do país, um

país tão grande que mal consegue compreender sua di-

versidade e seu potencial. Era preciso mobilizar, ouvir,

apoiar a organização de comunidades para se planejar

um futuro, um tempo de mais valor para tudo e todos.

Se já sabemos que as florestas têm seu valor, o que ima-

ginar das pessoas que nela vivem e tiram seu sustento,

além de prover com matéria-prima as indústrias e os

mercados. Por isso, o Florestas de Valor se preocupou

em fazer brilhar não apenas o valor do trabalho de extra-

tivistas, quilombolas, indígenas e agricultores, mas suas

qualidades físicas, intelectuais e morais, que fazem

desses homens e mulheres corajosos.

Neste período 3400 pessoas foram envolvidas direta-

mente no projeto em treinamentos em boas práticas de

manejo, ações de agregação de valor aos produtos do

extrativismo, sensibilização sobre consumo consciente

de produtos florestais, geração de renda, sistemas sus-

tentáveis de produção, organização comunitária, entre

outros temas. Cerca de 500 famílias foram beneficia-

das diretamente com aumento de renda e melhorias

na qualidade de vida. O que ajudou a conservar 40 mi-

lhões de hectares de áreas públicas protegidas. O maior

aprendizado do processo foi o exercício do diálogo, que

fomentou parcerias comerciais éticas entre empresas e

produtores, além de colocar do mesmo lado todos os

envolvidos nas cadeias produtivas.

Ao completar duas décadas de existência, o Imaflora fe-

cha o primeiro ciclo do Floresta de Valor comemorando

as conquistas concretas e claras e também as experiên-

cias e o amadurecimento no percurso dos projetos. “Eles

(extrativistas, agricultores e quilombolas) tinham expec-

tativas e trabalhamos para viabilizá-las, foi um amadu-

recimento muito grande para a equipe e ampliação de

sua expertise”, relata Eduardo Trevisan Gonçalves, secre-

tário-executivo-adjunto do Imaflora.

E a missão em prol das florestas, do comércio ético, do

bem-estar e desenvolvimento das comunidades não

acabou como acabam os filmes, com ou sem final feliz.

Ao contrário, cada experiência acumulada confirmou

que o Imaflora está no caminho certo, por isso, também

inspirou os próximos dez anos de seu plano estratégico.

O Imaflora acredita na conciliação entre conservação

da biodiversidade, fornecimento de bens e serviços am-

bientais de forma sustentável com garantias para as po-

pulações locais das áreas protegidas públicas da Ama-

zônia, contribuindo para o desenvolvimento sustentável

dos municípios onde estão localizados. E que tudo isso,

vai ajudar a acabar com a pobreza e a exclusão dos agri-

cultores familiares e extrativistas, fundamentais para a

conservação da Amazônia.

Realização:

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Uma das maiores riquezas brasileiras ainda é ignorada

por parte da população, que desconhece a relevância

de se proteger e conservar as Unidades de Conservação

da Natureza (UCs), como reservas extrativistas, florestas

nacionais e parques. Entre os esforços do Imaflora no

projeto Florestas de Valor está o de conscientizar o bra-

sileiro sobre esse patrimônio natural e cultural.

“Há muitas riquezas no Brasil que passam despercebi-

das pela maior parte da população, como as áreas pro-

tegidas destinadas a conservar nossa biodiversidade e

culturas de povos da floresta. Estamos trabalhando para

que o brasileiro reconheça os parques, reservas e flores-

tas como seu patrimônio e algo a ser protegido, como

são o Cristo Redentor, prédios históricos e os demais

monumentos em todo o país”, diz Roberto Palmieri, ge-

rente de projetos do Imaflora.

O trabalho inclui influenciar políticas públicas e divul-

gar a importância socioambiental dessas unidades, que

contribuem para a regulação climática, como o regi-

me pluviométrico, a manutenção do modo de vida dos

povos indígenas e de populações tradicionais e com o

fornecimento de matéria-prima para produção de bens

para toda a sociedade.

Para o Imaflora, a melhor maneira de manter a floresta

em pé e proteger as Unidades de Conservação é utili-

zando seus recursos de forma racional e sustentável. “As

áreas não precisam ficar intocáveis ou improdutivas. É

possível conciliar conservação com o uso sustentável

como já acontece em muitos locais. Se temos popula-

ções manejando de forma sustentável essas florestas,

nós temos pessoas zelando por elas todos os dias”, afir-

ma Palmieri.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA SÃO PATRIMÔNIOS DOS BRASILEIROS

Mais de 1 milhão de brasileiros vivem e obtém sua renda

diretamente do manejo das florestas de áreas protegi-

das, que fornece matéria-prima e produtos para a indús-

tria alimentícia, fármacos e cosméticos responsável por

significativo parte dos empregos e PIB (Produto Interno

Bruto) do país.

O Imaflora atua desde 2006 nas Florestas Estaduais do

Trombetas, do Paru e de Faro, Floresta Nacional Saracá-

-Taquera e Reserva Biológica Trombetas localizadas na

Calha Norte paraense e, desde 2010, nas reservas extra-

tivistas Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Rio Xingu (Terra

do Meio).

Várias dessas áreas são desconhecidas da população de

outros Estados e regiões e, às vezes, do próprio Estado

do Pará, o que não diminui sua importância ecológica

no restante do país, seja como fonte de serviços am-

bientais ou produtos agrícolas e florestais.

Foto: Rafael Salazar

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cário e Rede Pro-UCs - lançou a Coalizão Pró-Unidades

de Conservação.

“A ideia é aliar os esforços de conservação de forma co-

ordenada com governos, comunidades, sociedade civil

e empresas, buscando soluções dialogadas e equilibra-

das para diferentes interesses”, diz Palmieri.

As Unidades de Conservação (UCs) correspondem a

10% do território nacional, mas vivem pressionados pelo

avanço da agricultura e pecuária, grileiros, desmata-

mento ilegal, furtos de madeira e outras ameaças. Pen-

sando em conscientizar o cidadão sobre a necessidade

de proteção, uso, manutenção e recuperação das UCs,

o Imaflora - em parceria com a SOS Mata Atlântica, Se-

meia, WWF, Conservação Internacional, Fundação Boti-

COALIZÃO PRÓ-UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

CONGRESSO BRASILEIRO DE UCS

Em setembro, o Imaflora participou do Congresso Bra-

sileiro de Unidades de Conservação (CBUC), principal

evento nacional sobre unidades de conservação (UCs).

Durante o congresso foi lançado o livro “Florestas de Va-

lor: O Uso Sustentável como Estratégia para Áreas Pro-

tegidas” e o “Guia para Comercialização Ética em Áreas

Protegidas”.

O Congresso reuniu mais de 1.200 representantes de

diversos setores envolvidos com o tema, como ONGs,

governos, empresas e universidades. Mais de 1.000 vi-

sitantes passaram pelo estande do Imaflora onde várias

atividades foram promovidas, como nove palestras so-

bre as ações do projeto Florestas de Valor. Os técnicos

do Instituto relataram as experiências de valorização das

populações locais com a promoção do uso sustentável

das unidades de conservação, geração de renda a partir

das atividades econômicas tradicionais, além das práti-

cas da agroecologia. Também teve destaque as certifica-

ções e a verificação de produtos e de carbono, que são

parte da estratégia da instituição. Fotos: Marina Jordão

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O debate teve a presença da diretora do Instituto Pau-

lo Martins, de Belém do Pará, Joanna Martins, além de

Patrícia Cota Gomes, coordenadora de projetos e mer-

cados florestais do Imaflora e das representantes das

comunidades Quilombolas de Oriximiná (PA), Dilena Pi-

nheiro, Suelen Oliveira e Lourdes Oliveira.

As quilombolas de Oriximiná ministraram uma oficina

de culinária com preparação de peixe ao leite de casta-

nha e doce de castanha, no dia 22 de outubro. No dia 23,

a oficina ficou a cargo de Lorena Mangabeira, analista

de qualidade do Imaflora e paraense, que apresentou os

segredos do arroz paraense.

A região amazônica é tradicional pela culinária que usa

castanha-do-Brasil, peixes e caças diversas, cupuaçu,

cacau, açaí e mandioca, entre outros. A riqueza da flo-

resta é base da alimentação local, que vem sendo pre-

servada ao longo das gerações.

Exposição

A Exposição “Amazônia Está Aqui”, que ficou na praça

da área externa do Sesc, reuniu informações sobre a

Amazônia, a importância das cadeias de produtos da

sociobiodiversidade para a conservação da floresta e

geração de renda para as populações locais. A exposi-

ção demonstrou a relação entre o fortalecimento dessas

cadeias e a conservação da Amazônia e, ainda, destacou

como escolhas conscientes de consumo das populações

do Sudeste – mesmo ocorrendo tão longe da floresta -

podem interferir nessa dinâmica. Mais de 1.200 pessoas

visitaram a exposição durante o período do evento.

Não é só a água das chuvas que a Amazônia brasileira

fornece para outras regiões do país. Muitos dos produ-

tos consumidos no Sudeste têm matéria-prima vinda do

outro extremo do país. Ao estilo tão longe-tão perto, a

primeira edição do evento A Amazônia está aqui – re-

alizado pelo Projeto Florestas de Valor do Imaflora em

parceria com o Sesc Piracicaba, de 18 a 31 de outubro –

desenvolveu uma série de atividades culturais e culiná-

rias para demonstrar que a floresta Amazônica está bem

mais perto do que as comunidades urbanas imaginam,

em especial Piracicaba e região.

Para o Imaflora, aproximar a Amazônia e o Sudeste é o

caminho para a conservação da biodiversidade, a pro-

teção do modo de vida das populações tradicionais

amazônicas e dos povos indígenas. A programação foi

desenvolvida para sensibilizar os participantes sobre

consumo consciente de produtos de origem florestal e

também trazer luz à presença da Amazônia no dia a dia

do cidadão do sudeste.

Uma apresentação de carimbó - manifestação de dan-

ça e música paraense – abriu a programação no dia 18,

reunindo Chico Malta e o Grupo Cobra Grande de Alter

do Chão, distrito de Santarém. A programação também

incluiu uma oficina sobre o carimbó, abordando aspec-

tos históricos, rítmicos e de dança dessa manifestação.

A culinária nortista foi destaque durante todo o perío-

do seja pelo debate Culinária e Amazônia: uma mistura

sustentável, que ocorreu no dia 21, ou pelos pratos pro-

duzidos pela comedoria do Sesc, que colocou em seu

cardápio vatapá, bolinho de piracuí, mousse de cupuaçu

com calda de cacau, bolo de macaxeira e outras delícias

da Amazônia.

A AMAZÔNIA ESTÁ AQUI - EDIÇÃO SESC PIRACICABA

Foto

: Mar

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mentação escolar sejam destinados à compra de produ-

tos locais.

O cardápio atual inclui produtos processados como sal-

sicha e almôndegas enlatadas, que não fazem parte da

cultura alimentar da região. Desde 2011, as comunida-

des discutem formas de adequar o cardápio das escolas

à tradição gastronômica local uma herança quilombola

- e também de fornecer alimentos mais saudáveis para

as crianças.

As futuras localizações das unidades foram definidas

no primeiro semestre deste ano. Para serem usadas por

muitas comunidades, as UBAs ficarão em locais estraté-

gicos com fácil acesso e próximas às escolas com mais

alunos.

“Sem mercado, os extrativistas perdem os produtos na

roça ou precisam viajar horas de barco para tentar ven-

dê-los, o que também é uma ação incerta. Beneficiar lo-

calmente e fornecer às escolas irá valorizar a produção

local, aumentar a geração de renda para os agricultores

e possibilitar um cardápio mais nutritivo e adaptado à

realidade local para os estudantes”, diz o coordenador de

projetos do Imaflora.

EXTRATIVISTAS E AGRICULTORES DA CALHA NORTE SE PREPARAM PARA FORNECER SUA PRODUÇÃO PARA AS ESCOLAS LOCAIS

O beneficiamento de produtos da sociobiodiversidade

é uma das estratégias de comunidades quilombolas da

região da Calha Norte (PA) para conquistar o acesso ao

mercado da alimentação escolar. Para isso virar realida-

de, iniciou-se a construção de quatro Unidades de Be-

neficiamento de Alimentos (UBAs) com apoio técnico

do Imaflora, além da parceria do ICMBio (Instituto Chico

Mendes de Conservação da Biodiversidade) e o envolvi-

mento da prefeitura de Oriximixá.

Após período de instalação e adequação, as UBAs serão

gerenciadas pelas comunidades, por meio de suas insti-

tuições de base. Para a construção, instalação de máqui-

nas e equipamentos, treinamentos de pessoal e capaci-

tações voltadas à administração do empreendimento, a

iniciativa contou com recursos do Fundo Amazônia e

com o patrocínio da Petrobras, por meio do Programa

Petrobras Socioambiental.

Léo Ferreira, coordenador de projetos do Imaflora na

região da Calha Norte, explica que para poder forne-

cer produtos para a alimentação escolar os extrativistas

precisam atender às legislações específicas. As UBAs

poderão processar alimentos de origem animal e vege-

tal, como peixe, galinha caipira e polpas de frutas (açaí,

cupuaçu, acerola e taperebá) e produzir doces, assados,

bolos, polpas para sucos e uso culinário, entre outros

itens processados.

“A articulação para o fornecimento de alimento para as

escolas começou há quatro anos e reuniu comunidades,

prefeituras, ICMBio e outros órgãos, mas havia necessi-

dade de processar o alimento de acordo com a legisla-

ção sanitária”, diz Ferreira.

A proposta de inserir os produtos dos agricultores e ex-

trativistas locais na alimentação escolar está respaldada

pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),

que determina que no mínimo 30% dos recursos da ali- Foto

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ar

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SEMANA DO EXTRATIVISMO: MOMENTO DE BALANÇO E PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO NA TERRA DO MEIO

A 2ª Semana do Extrativismo - realizada em maio - foi

um momento de reflexão sobre a produção extrativista,

avaliação das metas alcançadas e sugestão de propostas

para alavancar o arranjo produtivo local e a comerciali-

zação conjunta da produção dos extrativistas e das po-

pulações indígenas vizinhas à região.

Realizado na localidade Roberto, dentro da Reserva Ex-

trativista do Rio Iriri (Resex Iriri) na região da Terra do

Meio (PA), o encontro reuniu extrativistas, empresas,

governos e organizações não governamentais, como o

Imaflora, na busca de melhorias e inovações que pro-

movam uma relação diferenciada entre os povos da flo-

resta, o Estado e as empresas que utilizam os produtos

da sociobiodiversidade.

A região possui grande potencial de produção de borra-

cha, castanha-do-brasil, óleo de copaíba, farinha e óleo

de babaçu, por isso, o foco do Florestas de Valor é forta-

lecer as cadeias de produtos com parcerias comerciais

diferenciadas, que valorizem as populações locais e seus

produtos.

“A expectativa das populações extrativistas e indígenas

que vivem na região é atrair empresas que estejam dis-

postas a construir modelos de negócio que respeitem

o modo de vida tradicional e que valorizem a produ-

ção extrativista. Estes novos arranjos entre empresas e

comunidades têm grande potencial de atrair o interesse

dos jovens por estas atividades e permitir que o merca-

do consiga reconhecer os serviços socioambientais, via

comercialização diferenciada”, diz Patricia Cota Gomes,

coordenadora de projeto no Imaflora.

Para Helga Yamaki, também coordenadora de projeto do

Imaflora, a grande mudança na região é o fortalecimen-

to do arranjo produtivo local, que permita a organização

de extrativistas e indígenas para comercialização con-

junta da produção, o que viabiliza maiores volumes, algo

essencial para os acordos comerciais.

Durante o evento, os participantes se reuniram com as

diversas empresas para avaliar as parcerias já estabele-

cidas e discutir novas. Eles também redigiram uma carta

endereçada à Conab (Companhia Nacional de Abasteci-

mento). O objetivo do grupo é buscar apoio para o for-

talecimento da cadeia produtiva local, além de apontar

alguns entraves que têm dificultado o acesso das popu-

lações às politicas da Conab.

Helga explicou que uma das questões enfrentadas pelos

extrativistas é o impacto do ICMS (Imposto sobre Circu-

lação de Mercadorias de Serviços) sobre os produtos, o

que diminui a competitividade da produção extrativista

quando comparada a outras cadeias da região.

Foto: Helga de Oliveira Yamaki

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WICKBOLD É PARCEIRA DAS COMUNIDADES DA TERRA DO MEIO

Líder nacional na produção de pães especiais, a Wi-

ckbold inaugurou uma nova fase nas parcerias comer-

ciais com as associações do Xingu, que beneficiou os

extrativistas de castanha-do-brasil da região da Terra do

Meio com preços 25% superiores aos que vinham sendo

praticados na comercialização do produto.

A negociação, que teve o apoio técnico do Imaflora e

Instituto Socioambiental (ISA), incluiu visita da empresa

às comunidades, onde seus representantes conheceram

o modo de vida tradicional e sua contribuição na ma-

nutenção da floresta em pé e, consequentemente, na

produção de castanhas.

“A expectativa é que esta parceria com a Wickbold traga

visibilidade e estimule a vinda de outros parceiros para a

região, fortalecendo a cadeia de valor do extrativismo a

partir de relações comerciais mais éticas com as popu-

lações extrativistas”, diz Patrícia.

A empresa se comprometeu, em acordo de longo prazo,

a comprar toda a produção da região. “O importante é o

ganho de escala que isso pode significar mais adiante,

com impacto direto a um número significativo de famí-

lias na região, além dos benefícios de se promover um

produto como a castanha que está entre os cinco pro-

dutos de maior importância econômica e social para a

região Norte”, afirma Patrícia.

O Brasil é o segundo maior produtor dessa castanha e

responde por 36% da produção mundial. Como mos-

tram dados do IBGE, o Brasil produziu em 2013, aproxi-

madamente 38 toneladas de castanhas, dos quais 55%

foram consumidas no mercado interno, mostrando que

o mercado nacional deste produto está aquecido.

A maior parte da comercialização da castanha era feita

por intermediários, o que exclui os castanheiros da ne-

gociação do preço do produto ou da remuneração de

seu trabalho. Com a parceria, os castanheiros ganharam

espaço para diálogo e peso no processo.

“Era importante que a empresa entendesse a forma de

viver das comunidades e respeitasse isso no processo

de negociação, uma vez que estas populações também

se dedicam ao manejo de outros produtos da floresta e

trabalham em suas roças tradicionais para diversificar a

renda e garantir a própria segurança alimentar”, explicou

Helga.

Foto: Helga de Oliveira Yamaki

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SELO ORIGENS BRASIL®

O Imaflora prepara para 2016 o lançamento do Selo Ori-

gens Brasil®, que visa valorizar cadeias de produtos da

sociobiodiversidade e dar transparência à cadeia produ-

tiva, permitindo ao consumidor o rastreamento de toda

história do produto e do produtor.

O Origens Brasil® é um sistema de garantia que assegu-

ra a rastreabilidade da produção e relações comerciais

mais éticas, por meio de uma plataforma tecnológica

de gestão da informação, que permite controle interati-

vo das informações das cadeias produtivas do território

(produção, comercialização e indicadores de impacto).

O Origens Brasil® disponibilizará para cada perfil de usu-

ário (comunidades, empresas e instituições de apoio)

um painel de gestão (dashboard) que permitirá o acesso

às informações consolidadas do produto, produtor, ter-

ritório de origem e suas cadeias produtivas. Os dados

poderão ser visualizados em mapas georreferenciados,

auxiliando a gestão dos negócios e dos riscos associa-

dos à cadeia.

As empresas e comunidades que aderirem à iniciativa

terão um mecanismo, por meio do uso da logomarca

que é o próprio código QR, que permite informar ao

consumidor a história por trás de cada produto, asso-

ciando-os às populações que vivem nas regiões, bem

como sua contribuição para os territórios (abrangidos)

do Origens Brasil®.

Foto

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IMPACTO NAS COMUNIDADES

A atuação do Imaflora em comunidades extrativistas é

positiva, negativa ou neutra? Com essa dúvida o institu-

to em 2012 iniciou o desenvolvimento de um sistema

de indicadores que orientasse seu trabalho e avaliasse

os resultados de forma científica.

O trabalho ganhou impulso com a parceria com o Labo-

ratório de Silvicultura da Esalq/USP (Escola Superior de

Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Pau-

lo) e com o Instituto Socioambiental (ISA). Os parceiros

desenvolveram e aplicaram um método de avaliação de

impactos baseado na abordagem Meios de Vida Susten-

táveis.

A intenção era de avaliar como essas ações impactam

em diferentes dimensões da vida dos extrativistas. São

23 indicadores avaliados, divididos em cinco capitais:

social, humano, financeiro, físico e natural.

O primeiro levantamento foi realizado este ano, com

comunitários de três Reservas Extrativistas da Terra do

Meio (PA), nas quais se verificou os impactos das ações

do Imaflora e do ISA nos contratos diferenciados entre

empresas compradoras de produtos da sociobiodiversi-

dade e extrativistas e também a organização do sistema

de comercialização local, as chamadas cantinas.

Para a avaliação foram realizadas entrevistas com 22

extrativistas. As análises iniciais já apontam resultados

interessantes, com impactos positivos na maioria dos

indicadores avaliados, além de pontos de melhoria para

a continuidade das ações do Imaflora e parceiros na re-

gião.

Foto

: Raf

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O CACAU AGROFLORESTAL DE SÃO FÉLIX DO XINGU

SISTEMAS SILVOPASTORIS (SSP)

O projeto Florestas de Valor fomenta a harmonia entre

floresta, pecuária e agricultura, além de investir e incen-

tivar agricultores familiares da região de São Félix do

Xingu (PA) a utilizar práticas agroecológicas. Trata-se de

uma região onde o cacau é produzido em sistema agro-

florestal, ou seja, a cultura do cacau é consorciada com

outras espécies de árvores.

Coordenador de projetos do Imaflora, Marcos Froes Na-

chtergaele explica que a proposta de sistema agroflores-

tal permite que a produção local mantenha-se equilibra-

da ao longo do tempo, como esperam os agricultores do

grupo de trabalho da região.

“Esses agricultores já se destacam pelo plantio diversifi-

Outra ação do (projeto) Florestas de Valor é a implan-

tação de sistemas silvopastoris (SSP), que começou em

setembro desse ano com seis agricultores. Os pastos se-

rão divididos com cerca dupla, que permita formar cor-

redores de árvores. A proposta inicial é de implantar 300

árvores por hectare.

A pastagem será usada em rotação e o gado ficará de

três a quatro dias em cada pasto. Depois, passará para

outro, enquanto o primeiro se regenera. As árvores dão

sombra e frutas para o gado, massa verde para adubar o

solo, entre outros ganhos. “Com isso, se consegue colo-

car de 4 a 5 cabeças de gado por hectare, enquanto no

sistema convencional temos uma cabeça por hectare”,

diz Nachtergaele.

cado de árvores em suas roças”, diz o coordenador.

No Sistema Agroflorestal (SAF) o cacau é plantado com

outras espécies, que podem ser árvores companheiras

de futuro ou de serviço. O cacau é uma planta que pre-

cisa de sombra para desenvolver, por isso o sistema é

mais que adequado.

As árvores de futuro são espécies que em alguns anos

poderão fornecer madeira ou frutas, como o ipê ou cajá

ou algum outro produto florestal, que será agregado à

renda do agricultor. Já as de serviço, como o ingazei-

ro, são utilizadas para fixar nitrogênio no solo e evitar a

aplicação de ureia ou criar um ambiente favorecendo o

cacau. Além disso, a poda dessa leguminosa misturada

ao solo vira adubo.

Foto: Rafael Salazar

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PESQUISA

O estudo de mestrado de Daniel Braga constatou o potencial dos sistemas agroflorestais na recuperação de áreas

degradadas por pastos ou desmatamento, o que também ajudou na definição das espécies para recuperação. Coorde-

nado pelo professor Flávio Gandara da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP), o trabalho mapeou

a região de SAF-Cacau de São Félix do Xingu sob diversos aspectos: estrutura florestal, florística, qualidade do solo,

micronutrientes, mapas geomorfológicos entre outras informações. Depois, o pesquisador comparou os dados com as

áreas de pastagens e de florestas nativas. O estudo indicou mais de 100 espécies que podem ser utilizadas nos SAFs.

VISITA DA IBC DISCUTE NOVOS RUMOS PARA COMERCIALIZAÇÃO DO CACAU COM DIRETORIA DA CAMPPAX E SEUS COOPERADOS

Os esforços dos agricultores começaram a render frutos,

seja pela qualidade do cacau ou ainda pela valorização

de parcerias comerciais. Em março deste ano, represen-

tantes da Indústria Brasileira de Cacau-IBC, moageira de

Rio das Pedras-SP, estiveram em São Félix do Xingu para

avaliar a safra 2015 com os agricultores familiares coo-

perados.

Em reunião com os cooperados, o Diretor Comercial do

IBC Mauricio Dati Pinho abordou a possibilidade de re-

munerar melhor a parceria se o cacau tiver o certificado

orgânico. “Existe uma demanda crescente por cacau or-

gânico e estamos apostando na possibilidade de apoiar

a certificação de um grupo de agricultores e oferecer

esse cacau para IBC”, declara Nachtergaele.

O cacau é atualmente a principal fonte de renda dos

agricultores familiares cooperados, seguida do gado de

leite e produção de polpas de frutas. Entre 2014 e 2015,

a Camppax comercializou com o IBC aproximadamente

400 toneladas de cacau.

“A gente acredita que a agricultura familiar é compatí-

vel com a conservação de recursos naturais estratégicos

para as Unidades de Conservação”, diz Nachtergaele.

Foto

: Raf

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Ao final do ciclo, as maiores conquistas ressaltadas

foram o protagonismo dos agricultores familiares na

condução da oficina e a construção coletiva do co-

nhecimento por meio da troca de saberes. Além dis-

so, foi desmistificada a ideia de que a produção de

cacau de qualidade requer práticas e técnicas mui-

to complexas, que exigem elevado grau de insumos

e tempo. Também foi possível desvendar o passo a

passo das etapas do beneficiamento.

Os três agricultores facilitadores: Pedro Ribeiro Aguiar,

Natal Pereira da Silva, Raimundo Freires dos Santos,

transmitiram o que aprenderam nos cursos do Ima-

flora e usaram as informações em suas práticas no

campo. A soma dos novos aprendizados com as ex-

periências que já possuíam foi exemplo de diálogo e

valorização do conhecimento local entre agricultores

e agricultoras, mostrando que é possível fazer dife-

rente.

Esta experiência foi um marco em São Félix do Xingu

para o Imaflora no que se refere a espaços de forma-

ção e construção do conhecimento no meio rural. A

metodologia potencializa a difusão dos conhecimen-

tos e inovação, colocando o agricultor familiar como

centralizador do conhecimento e o técnico como um

facilitador do diálogo entre os agricultores.

AGRICULTORES TÉCNICOS

Uma nova forma de socialização e difusão de conhe-

cimento no meio rural vem sendo incentivado pelo

Imaflora, Adafax (Associação para o Desenvolvimento

da Agricultura Familiar do Alto Xingu) e Camppax (Co-

operativa Alternativa Mista Dos Pequenos Produtores

do Alto Xingu) em São Félix do Xingu. Tendo em vista

a necessidade de criar meios diferenciados para for-

talecer a socialização de técnicas agroecológicas para

cultura do cacau, uma nova estratégia de formação foi

utilizada, tendo o agricultor como protagonista do co-

nhecimento. A proposta visa incentivar a discussão de

práticas agrícolas entre os agricultores, a valorização e

construção conjunta do conhecimento adquirido lo-

calmente. Para tanto, as oficinas têm sido conduzidas

não por técnicos agrícolas especialistas, mas sim por

agricultores familiares, que estão no projeto desde o

início e que se destacaram nas práticas.

“Vimos neste método uma grande oportunidade de in-

centivar a troca de ideias e experiências entre os agri-

cultores da região que lidam com as mesmas condi-

ções climáticas, políticas e sociais”, diz Andressa Neves.

A metodologia foi utilizada no período de 4 a 8 de maio

de 2015 em três oficinas de beneficiamento de cacau,

que abordaram temas como colheita e separação dos

frutos, fermentação e estrutura ideal dos cochos.

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Foto

: Raf

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