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Os Procedimentos da Educação Moral' 1 Jean Piaget Tradução de Maria Suzana de Stefano Menin Dados Internacionais de Cataloga ção na Publi cação (CI P) (Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cinco estudos de educação moral Zjean Piaget ... (et ai); organizador Lino de Macedo. - São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. - (Coleção psicologia e educação ) Outros autores: Maria Suzana de Stefano Menín, Ulisses Ferreira de Araújo, Yves de La Taile, Lino de Macedo. Bibliografia. ISBI' 85-85 141-67-0 1. Desenvolvimento moral 2. Educação mora l 3. Psicologia educacional 4. Psicologia de desenvolvimento 5. Psicologia infantil I. Piaget, Jea n. II. Menin, Maria Suzana de Ste fa no . III. Ar a újo, Ulisses Ferreira de. IV. Taílle, Yves de La. V. Macedo, Lino de. V. Série. .Os procedimentos da educação moral podem ser classifica- dos sob diferentes pontos de vista. Prime iramente, do ponto de vista dos fin s perseguidos: é evidente que os métodos serão muito dif e- rentes se desejarmos formar uma personalidade livre ou um indiví- duo submetido ao conformismo do grupo social a que ele pertence. Verdade é que aqui não temos de tratar dos fins de educação moral, mas somos forçado s para classifi car os procedimentos a distinguir aqueles que favorecem a aut onomia da consciência e aqueles que conduzem ao resultado inverso. Em segundo lu gar, pod emos con si- derar o ponto de vi sta das pr óprias técnicas: se queremos alcançar a autonomia da consciência, podemos perguntar se um ensinamento oral da moral - uma "lição de moral" - é tão eficaz como supõe Durkheim, por exemplo, ou se uma pedagogia inteiramente "ativa" é necessária para este fim. Para um mesmo fim podem ser concebí- veis diferentes técnicas. Em terceiro lugar, podemos classificar os CDD-370.114 Índices para catálogo sistemático: L. Criança: Educação mural 370. I L4 2. Educação : Fundamentos éticos 370.114 3. Educação moral 370. 114 96-1853 * V Congresso Internacional de Educação Moral, Paris, 1930.

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Os Procedimentos daEducação Moral' 1Jean Piaget

Tradução de Maria Suzana de Stefano Menin

Dado s In tern acionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Cãmara Bra sileira do Livro , SP, Brasil)

Cin co estudos de ed ucação moral Zj ean Piaget ... (et ai);organ izador Lino de Macedo. - São Paulo: Casa do Psicólogo,1996. - (Coleção psicologia e educação )

O utros autores: Maria Suzana de Stefano Menín,Ulisses Ferreira de Araújo, Yves de La Taile, Lino de Macedo.

Bibliografia.ISBI' 85-85 141-67-0

1. Desenvolvimento moral 2. Educação mora l 3. Psicologiaeducacio nal 4. Psicologia de desenvolvimento 5. Psicologiainfantil I. Piaget, Jea n. II. Menin, Maria Suzana de Ste fa no .III. Ara újo, Ulisses Ferreira de. IV. Taílle, Yves de La.V. Macedo, Lino de. V. Série.

.Os procedimentos da educação moral podem ser classifica­

dos sob diferentes pontos de vista. Primeiramente, do ponto de vistados fin s perseguidos: é evidente que os métodos serão muito dife­rentes se desejarmos formar uma personalidade livre ou um indiví­

du o submetido ao conformismo do grupo soc ial a que ele pertence.Verdade é que aqui não temos de tratar dos fins de educação moral ,

mas somos forçados para classificar os procedimentos a distinguir

aqueles qu e favorecem a autonomia da consciência e aqu eles queconduzem ao resultado inverso. Em seg undo lugar, pod emos con si­derar o ponto de vista das próprias técnicas : se queremos alcançar a

autonomi a da consciência, pod emos perguntar se um ensinamentooral da moral - uma "lição de moral" - é tão eficaz como supõe

Durkheim, por exemplo, ou se um a pedagogia inteiramente "ativa" é

necessária para este fim. Para um mesm o fim pod em ser concebí­veis diferent es técni cas. Em terceiro lugar, pod emos classificar os

C DD-370.114

Índices para catálogo sistemático:

L. Criança: Educação mural 370. I L42. Educação : Fundament os éticos 370.1143. Educação moral 370. 114

96-1853

* V Congre sso Internacional de Educação Moral, Paris, 1930.

2 CiNCO 8>, UDOS DE EDUCAÇÃO M ORALOs P ROCEDIMEI'TOS DA EDUCAÇAO M ORAL 3

procedimentos de educação moral em função do domínio moral con­siderado: um procedimento exce lente para desenvolver a veracida­de, a sinceridade e as virtudes que podemos chamar intelectuais, ébom, também, para a educação da respon sabili dade ou do caráter?

Classificando o conjunto de procedimentos de educação moralsob três pontos de vista e construindo, assim, uma tabela de tripla en­trada, nós corremos o risco de cairmos num caos. Não existe algumadivisão mais simples, algum princíp io que nos permita a orientação

simultânea para os fins, as técnicas e os domínios? ós acreditamosque sim, mas sob a condição de partirmos primeiramente da própriacriança e de aclarar a pedagogia moral por meio da psico logia da mo­

ral infantil. Quaisquer que sejam os fins que se proponha alca nçar,quaisquer que sejam as técnicas que se decida adotar e quaisquer quesejam os domínios sob os quais se aplique essas técnicas, a questão

primordial é a de saber quais são as disponibilidades da criança. Semuma psicologia precisa das relações das crianças entre si e delas.comos adultos, toda a discussão sobre os proced imentos de educação mo­

ral resulta estéril. Conseqüentemente, impõe-se um rápido exame dosdados psicológicos atuais, Isso nos permitir ã, ademai s, classificar semdificuldade os procedimentos em função de seus fins.

I. Os dados psicológicos e os fin s da educaçãomoral

Há uma proposição sobre a qual todos os psicólogos e todosos educadores estão seg uramente de acordo: nen huma realidademoral é completamente ina ta. O qu e é dado pel a constituição

psicobiológica do indivíduo como tal são as disposições, as tendên­cias afetivas e ativas: a simpatia e o medo - compo nentes do "res­peito" -, as raízes instinti vas da sociabilidade da subordinação, daimitação etc., e sobretudo certa capacidade indefinida de afe ição,que permitirá a criança amar um ideal como amar a seus pais e .tender ao bem como à sociedade de seus semelhantes. Mas, deixadas

livres, essas forças puramente inatas permaneceriam anárquicas: fontedos piores excessos como de todos os desenvolvimentos, a naturezapsicológica do indivíduo como tal permanece neutra do ponto de vistamoral. Para que as realidades morais se constituam é necessário umadisciplina normativa, e para que essa disciplina se constitua é nec~ssário

que os indivíduos estabeleçam relações uns com os outros. Que as nor­mas morais sejam consideradas impostas, a priori, ao espírito ou quenos atenhamos aos dados empíricos, é sempre verdade, do ponto devista da experiência psicopedag ógica, que é nas relações interindividuaisque as normas se desenvolvem: são as relações que se constituem entrea criança e o adulto ou entre ela e seus semelhantes que a levarão atomar consciência do dever e a colocar acima de seu eu essa realidadenormativa na qual a moral consiste. Não há, portanto , moral sem suaeducação moral, "educação" no sentido amplo do termo, que se sobre­põe à constituição inata do indivíduo.

Somente - e é aqui que se coloca finalmente a questão dos proce­dimentos da educação moral - na medida em que a elaboração das reali­

dades espirituais depende das relações que o indivíduo tem com seus se­melhantes, não há uma única moral e nem haverá tantos tipos de reaçõesmorais quanto as formas de relações sociais ou interindividuais que ocor­rerem entre a criança e seu meio ambiente. Por exemplo, a pressão exclu­siva do adulto sobre a alma infantil conduz a resultados muito diversos que

a livre cooperação entre crianças e, dependendo de como a educaçãomoral emprega uma ou outra dessas técnicas, ela moldará as consciênciase determinará comportamentos de modos diferentes.

Ora, ao nos referirmos a um conjunto de pesquisas, das quaisutilizaremos especialmente as dos sociólogos - de Durkheim e de suaescola, em particular - e dos psicólogos da infância - os trabalhos deBovet e as experiências ainda inéditas que esses trabalhos nos têm su­gerido! - , cremos que podemos afirmar que existe entre as crianças,senão no geral, duas "morais", isto é, duas maneiras de sentir e de se

I. o result ado dessas experi ênci as aparece na obra intitulada O j ulgamento moral nucriança .

4 CINCO EsT UDOS DF. EDUCAÇÃO M ORAL Os PROCElJIMF.NTOS DA EDUCAÇÃO M ORAL 5

conduzir que resultam da pressão no espírito da criança de doi s tipo sfundamentais de relações interindividuais. Essas duas morai s que se

combinam entre si, mai s ou menos intimamente, ao menos em nos­sas sociedades civilizadas, são muito distintas durante a infância e se

reconciliam mai s tarde, no curso da adolescência. É essa análi sedesse dado essencial que nos parece indi spensável para a classifica­

ção e o estudo dos diversos proc edimentos de educação moral.Admitimos, juntamente a quase todos os estudiosos da mo­

ral , que o respeito con stitui o sentimento fundamental que possibili­

ta a aqui sição das noções morai s. Duas condições, nos diz M. Bovet",são necessárias e suficientes para que se desen volva a con sciên­

cia de obrigação: em primeiro lugar, que um indivíduo dê con selhosa outro e, em segundo Iu gar, que esse outro respeite aquele de

quem emanam os con selhos. Dito de outro modo, é suficiente que a

criança respeite seu s pai s ou professores para que os con selhos

pre scritos por esses sejam aceitos por ela, e mesmo sentidos comoobrigatórios. Enquanto Kant vê no respeito um resultado de lei e

Durkheim um reflexo da sociedade; Bo vet mostra, pelo contrário,

que o respeito pelas pessoas constitui um fato primário e que mes­mo a lei dele deriva. Esse resultado, essencial para a educação

moral, posto que conduz de uma só vez a situar as relações deindi víduo a indi víduo acima de não importar qual ensinamento oral

e teórico, parece confirmar tudo o que sabemos sobre a psicologia

moral infantil.

Porém, se o fen ôm eno do respeito apresenta assim umainegá vel unidade fun cional , pode- se, por ab stração, di stinguir-se

ao men os doi s tip os de respeito (o segundo con stituindo-se comoum caso limite do primeiro). Em primeiro lugar, há o resp eito que

chama remo s unilat eral , porque ele implica uma desigualdade en­

tre aquele qu e respeita e aq uele qu e é respeitado: é o resp eito dopequeno pelo grande, da cria nça pel o adulto , do caçula pel o irmãoma is velho. Esse respeit o, o único em que normalmente se pensa e

P. Bovet: Les conditions de L 'obligation de consciece, An née psych ., 1912 .

no qual Bovet tem insistido muito especialmente, implica uma coa­ção inevitável do superior sobre o inferior; é. poi s, característico de

uma primeira forma de relação social, que nós chamaremos de re­lação de coação. Mas exi ste , em segundo lugar, o respeito quepodemos qualificar de mútuo, porque os indivíduos que estão em

contato se consideram como iguai s e se respeitam reciprocamente.Ess e respeito não implica, assim, nenhuma coação e caracterizaum seg undo tipo de relação social, que nós chamaremos relaçãode cooperação. Essa cooperação con stitui o essencial da s rela­ções entre crianças ou entre adolescentes num jogo regulamenta­

do , numa organização de self-government ou numa di scu ssão sin­

cera e bem conduzida.

São esse s dois tipos de respeito que nos parecem explicar a

existência de dua s morai s cuja oposição se observa sem cessar nas

crianças. De modo geral , pode- se afirmar que o respeito unilateral ,

fazendo par com a relação de coação moral, conduz, como Bovet bem

notou, a um resultado específico que é o sentimento de dever. Mas o

dever primitivo assim resultante da pressão do adulto sobre a criança

permanece essencialmente heterônomo. Ao contrário, a moral resul­

tante do respeito mútuo e das relações de cooperação pode caracteri­

zar-se por um sentimento diferente, o sentimento do bem, mais interior

à consciência e, então, o ideal da reciprocidade tende a tomar-se intei­

ramente autônomo.Tomemos algun s exemplos dessas oposiçõe s, a começar pela

submissão às regras, esse espírito de disciplina no qual Durkheim vêo primeiro e leme nto da moralidade. Quando se estuda de

perto, pela observação sistemática dos jogos espontâneos ou por ques­

tionamentos sobre a consciência da regra, a maneira como as criançasde diferentes idades se submetem a uma disciplina tal como a da regra

do jogo; não se pode deixar de notar a diferença de reação dos peque­nos e dos mais velhos. Os pequenos, de cinco a oito anos mais oumenos, aceitam a regra dos mais velhos por respeito unilateral e a

assimilam a um dever prescrito pelo próprio adulto: eles a consideramimutável e sagrada. No entanto, impondo- se ass im às consciências, a

6 CINCO Es TlJUOS DE EDUCAÇÃO M ORAL Os P ROCEDIMENTOS DA E DUCAÇÃO M OR.'\ L 7

regra permanece exterior a elas e é, de fato, muito mal observada. Osmais velhos, ao contrário , fazem eles mesmos a regra por cooperaçãoe a observam, graças ao respeito mútuo: essa regra autônoma vemparticipar de suas personalidades e é seguida cuidadosamente. Do mes­mo modo, existem deveres impostos pelos adultos que, embora apare­çam como tais, permanecem sem sentido: a regra de não mentir, mes­mo que respeitada pela consciência dos pequenos, não é efetivamenteobservada em seu comportamento. No momento em que esta mesmaregra intervém como condição de cooperação, isto é, quando as crian­ças a praticam entre si, não somente ela é mais bem compreendidacomo verdadeiramente aplicada. Há, então, dois tipos de regras queacompanham os dois respeitos: a regra exterior ou heterônoma e aregra interior; somente a segunda conduz a uma real transformação

do comportamento espontâneo.Em segundo lugar, os efeitos do respeito unilateral e do res­

peito mútuo são muito diferentes no que concerne à personalida­de. A coação adulta, como testemunham os exemplos aos quais

nos referimos , não é, por si mesmo, capaz de reprimir o egocentrismoinfantil. A submissão, mesmo que interior, a este Deus que é oadulto e a fantasia anárquica do eu não são tão contraditórias quantoaparentam: de fato, anomia e heteronomia podem acomodar-se entresi. Quantas crianças nos disseram que é permitido mentir quandoisso não é percebido! Ao contrário, a cooperação conduz a consti­

tuição da verdadeira personalidade, isto é, a submissão efetiva doeu às regras reconhecidas como boas. A personalidade e a auto­nomia implicam-se, as sim, uma a outra, enquanto egocentrismo

e heteronomia coexistem sem se anular.Em terceiro lugar, do ponto de vista da responsabilidade a opo­

sição permanece muito clara. Ao fazer as crianças avaliarem um cer­to número de relatos de mentiras , roubos e transgressões, temos en­contrado o que se segue. Na medida em que as regras de não mentir ede não roubar permanecem como imposições pelo adulto e aceitas porrespeito unilateral, as mentiras e os roubos são avaliados de um pontode vista inteiramente realista, ou como dizem os juristas, inteiramente

"objetivo" : a mentira mais grave é a mais inverossímil, a que mais noscusta crer, a menos "má" é a menos aparente ; o roubo mais grave é ode objeto mais custoso etc. A intenção não desempenha nenhum pa­pel: o ato material, ou melhor, a própria materialidade da desobediênciaà regra é tudo. Ao contrário, quando há cooperação, há responsabili­dade subjetiva e julgamento em função das intenções. Os dois tipos demoral que se evidenciam na história da moral e que têm sido tão bemestudados por P. Fauconnet' se encontram, assim, na criança e cons­tituem o primeiro, sinal da exterioridade ineficaz da relação de coaçãoe o segundo, sinal da interiorização própria do respeito mútuo e dacooperação.

No campo dajusti ça, as mesmas reflexões podem ser fei­tas. Na medida em que o respeito unilateral predomina sobre orespeito mútuo, a autoridade predomina sobre ajustiça. Certamente,o adulto pode ser justo com a criança e, assim, seu exemplo setornará lei como princípio de justiça. No entanto, pode ocorrerque suas decisões entrem em conflito com a igualdade das crian­ças entre si (quando se pede mais trabalho a uns que a outrosetc .). Neste último caso, os pequenos dão, invariavelmente, razãoao adulto: é justo o que está de acordo com as regras recebidas .Pelo contrário, depois dos sete-oito ano s, a vida social entre cri­anças firma-se e regulamenta-se cada vez mais, a necessidadede igualdade se es tabelece com força crescente. A adesão aosgrupos e a cooperação se con vertem em fatores de igualitarismo.A partir daí, a criança colocará a justiça acima da autoridade e asolidariedade acima da obediência. Parece-nos que as noçõesreferentes à ju stiça distributi va con stituem-se , assim, à margemda influência do adulto e, às vezes, às expensas desse.

Quando à justiça retributiva ou à noção de sanção, mostra­remos ainda, para terminar nossa exposição sobre os domínios psi­cológicos do problema , o quanto a reação da criança é diferentequando dominada pelo respeito unilateral ou pelo respeito mútuo. A

P. Fauconn et: La responsabili t é, Par is. Alcan.

8 CINCO EsTUllO S UE EDUCAÇÃO M ORAL Os P ROCEDIMENTOS UA E UUCAÇÃO M ORAL 9

coação do adulto é a origem, senão única, a principal noção desanção expiatória. O único meio de impor urna regra exterior àco nsciência de um indi víduo é, co m efei to, sancio ná-la, seja pelacensura ou por esses símbolos materi ais da censura que são oscas tigos. Ora, como a criança respeita o adulto, essa reação lheparece co mo normal e necessária: toda falta implica, ass im, umacensura e uma dor ; estes constituem a conseqüência obrig atória dadesobediência. Ao contrário, a infração às regras da cooperação edo respeito mútuo não provoca outra conseqüência que a supres­são mom entânea dos laços de solidariedade. Há, então , doi s tiposde sanções ditas naturais, elas implicam sempre uma relação sociale encaixam-se, portanto, nas catego rias precedentes. Ora , quandopossibilitamos às crianças as escolhas de castigos para faltas quelhes relatamos, nós observamos uma reação relati vamente clara:os pequenos, na medida em que são dominados pelo respeito unila­teral, optam todo s pela ex piação e são muito duro s nos modos decastigar; enquanto os mais velhos consideram como mais ju stas assimples medidas de reciprocidade. Pode-se dizer, com Foerster",que a criança recl ama a ex piação. Mas deve-se considerar queisto assim ocorre somente enquanto a criança é dominada por cer­to tipo de relação soc ial que a une ao adulto e que, na medida emque se aprox ima do ideal de cooperação e do self-govern ment,preci samente preconizado por este autor, a cr iança separa-se dasanção expiatória para voltar-se à pura recip rocidade.

Em suma, não há exagero em se falar de duas morai s quecoexistem na criança e que as características de heteronomia e daautonomia conduzem a aval iações e comportamentos muito dife ­rente s. Antes de considerarmos os fins da educação moral desta­camos, ainda, que essas duas morais se encontram igualmente noadulto, porém essa dualidade é verificada desde que enfoquemos atotalidade das sociedades atualmente co nheci das, graças à socio­logia e à história. A moral da heteronomia e do respeito unilateral

F. W. Foerster. Schu ld und S ühne, München , 1920.

parece corresponder à moral das prescrições e das interdições ri­tuais (tabus), próprias das sociedades ditas "prim itivas", nas quaiso respeito aos cos tumes encarnados nos anciões prima sobre todamanifestação da personalidade. A moral da cooperação, ao con­trário, é um produto relativamente recente da diferenciação soc iale do individualismo que resulta do tipo "civilizado" de soli darie da­de. Em nossas sociedades, conseqüe nteme nte, o próprio conteúdoda moral é, em síntese, o da coo peração. Dito de outro modo as,

regras prescr itas, mesmo que na form a de deveres ca tegó ricos ede imperativos de motivos religiosos, não contêm, a título de "maté­ria" , mais que o ideal de j ustiça e de reciprocidade própri os àmoral do respeit o mútuo. Som ente cada um, tendo em vista aeducação que recebeu, pode, no que concern e à "forma", diferen­

ciar o sentimento de dever do livre consentimento próprio do senti­mento do bem .

No que concerne ao fim da educação moral, podemos, pois, poruma legítima abstração, considerar que é o de constituir personalida­des autônomas, aptas à cooperação; se desejarmos, ao contrário, fa­zer da criança um ser submisso durante toda a sua existência à coaçãoexterior, qualquer que seja ela, será suficiente todo o contrário do quedissemos.

Não temos que discutir aqui os fins da educação moral, massomente classificá- los, para saber a que resultados conduzem os dife­rentes procedimentos pedagógicos que agora vamos estudar. Pelamesma razão, não temos aqui que nos posicionar entre uma moralreligiosa e uma moral laica: tanto numa como noutra se encontramtraços pertencentes à moral do respeito unilateral e outros pertencen­tes à moral da cooperação. Só difere a "motivação". Propomo-nos,assim, a situar a discussão sobre um terreno suficientemente objetivoe psicológico para qualquer um, sejam quais forem os fins a que sepropõe, possa utilizar nossa análise.

Dito isso, o problema é o seguinte: entre os procedimentos emcur so na educação mora l, uns ape lam somente para recursos própri­os do respeito unila teral e da coação do adulto, outros apelam so-

la Cisco EsT UOOS DE EDUCAÇÃO M ORAL Os P ROCEDIMENTOS DA EDUCAÇÃO M ORAL 11

mente para a cooperação entre crianças e outros . Enfim, utilizam emgraus variados esses dois tipos de mecani smos . Todos, segundo oque acabamos de ver, repousam sobre as realidades profundas daalma infantil, de tal modo que podemos considerá-los como igual­mente bons. No entanto, longe de se apresentarem sob a forma deuma síntese harmoniosa, os diversos componentes da moralidade dacriança aparecem-nos, ao contrário, como em oposição de uns aosoutros: há duas morais na criança e duas morai s cujos confli toseclodem quando a vida ou a reflexão psicológica lhes dá ocasião dese manifestarem. Se o fim da educação é o de constituir personalida­des aptas à cooperação, podemos, como se vê em geral, utilizar indi­ferentemente uma ou outra das duas tendências fundame ntais demoral infantil e util izal á-las nas mesmas idades? Ou será necessárioutilizá-las sucessiva mente, ou, ainda, fazer prevalecer uma sobre ao utra? Isso é o qu e vamos investigar agora, analisando osprocedimentos de educação moral: primeiramente sob o ponto devista da técnica gera l posta em prática e, em seguida, do ponto devista dos diferentes domínios que habitualmente distinguimos.

II. As técnicas gera is da educação moral

Ao se estudar os procedimentos de educação do ponto devista de suas técnicas gerai s, pode-se considerar três aspectos dis­tintos: conforme sejam fundamentados sobre tal ou qual tipo derespeito ou relaçõe s interindividuais, conforme eles reco rrem ounão à própria ação da crian ça.

a) Autoridade e liberdade

o procedimen to mais conhecido de educação moral é aqueleque recorre exclusivamente ao respeito unilateral; o adulto impõesuas regras e as faz observar graças a uma coação espiritual ou em .parte material. Comum na pedagogia familiar, embora dificilmente

único, esse procedimento encon tra sua aplicação mais sistemáticano domínio da disc iplina escolar tradicio nal. Que se apóie sobre umamoral religiosa ou sobre uma moral laica, o procedimento é o mesmo:para a criança, com efeito, pouco importa que as regras emanem deDeus, dos pais ou dos adultos em gera l, se elas são recebidas de forae impostas de uma vez por todas.

Podemos citar como mode lo de pedagogia moral fundada naautoridade a bela obra póstuma de Durkheim: A Educação Moral.Esse livro é particularmente instrutivo porque é em nome de preocupa­ções puramente científicas (socio lógicas) que o autor procura des­creve r uma pedagogia geralmente combatida pelos homens de ciên­cia e, em segundo lugar, porque o que Durkh eim pretende formarsão personal idades livres e autônomas; ele quer chegar à moral dacooperação por meio da autoridade. Como a tese de Durkheim émuito representati va de nossa educação moral tradicional na Euro­pa, convém que a discutamos em detalhes.

Três elementos principais constituem a moralidade, segundoDurkheim. Primeiramente, o espírito de disciplin a: a moral é um sis­tema de regras que se impõem à consciência e deve-se habituar acriança a respeitá-las. Em segundo lugar, a ligação aos grupos soci­ais: a moral implica o elo social e deve-se cultivar a solidariedade nascrianças. Finalmente, a auto nomia da vontade. Porém, como a regrase impõe ao indivíduo sob a pressão dos grupos, ser autônomo signi­fica não liberta r-se dessa pressão dos grupos, mas compreender suanecessidade de aceitá-la livremente. Como satisfazer a essas trêsexigências na pedagogia escolar ?

o que concerne à disciplina, Durkh eim pretende recorrer,somente, à autoridade do profe ssor e às regras da esco la enquantouma institu ição adu lta. É necessário que a cria nça sinta uma vonta­de que lhe seja superior e é necessá rio que cada uma das ativida­des seja limitada e canalizada por esse sistema de prescr ições einterdiçõe s que são as regra s escolares. É necessário, além disso,que por intermédio do professor só a lei seja respeitada, e todadiscip lina deve tender a esse culto da lei como tal. Daí a necessida­de dos castigos escolares, constituindo a sanção a maneira tangível

12 CINCO EST UOOS OE E DUCAÇÃO M ORAL Os P ROCEDIMENTOS DA E DUCA ÇÃO M ORAL 13

de acentuar a repreensão, tendo esta , por sua vez, a função decon servar e de reforçar o respeito à lei. Quanto à adesão aos gru­pos e à autonomia, Durkheim conta, para constituí-las, com umensino puramente oral; um ensino fundado, igualmente, no respeitoao adulto. Uma vez que a criança tenha sentido, graças a seu altru ­ísmo espontâneo e à disciplina adquirida, a unidade e a coerênciadas sociedades que são a escola e a família , liçõe s apropriadas aconduzirão a descobrir a existência de grupos maiores aos quai sdeverá se adaptar: a cidade e a nação e, enfim, a própria humani­

dade . Por outro lado, a autonomia se adquire graças a um ensinoque faz a criança compreender a natureza da sociedade e o porquêdas regras morais.

Sem entrar na discussão das teses soc io lóg ic as de

Durkheim e simples mente considerando seu livro representativode uma pedagogia de autoridade tão largamente divulgada naEuropa, podemos fazer as observações que se seguem. De umlado, a educação moral, fundada sobre o respeito exclusivo aoadulto ou às regras adultas, de sconhece esse dado es sencial dapsicologia de que existe na criança não uma , mas duas morais

presentes; assim, os procedimentos educativos fundados some nteno respeito unilateral negligenciam a metade, e não a menosimportante, dos profundos recursos da alma infantil . De outrolado, parece ignorar-se que a moral adulta ci vilizada, precisa­mente a das sociedades às quais se procura adaptar a criança,assemelha-se muito mai s à moral da s crianças entre si (a moral

do respeito mútuo e da cooperação) que à moral da autoridade aqual se recorre para for çar o espí ri to da criança . Pode-se per­guntar, então, se não se rá um erro confundir uma únic a noçãode respeito à regra co m duas co isas tão distintas como a coaçãounilateral e a livre coo peração dos espí ritos aut ônomos. No queconcerne à disciplina, por exemplo, há não some nte um, masdois tipos de regras : a regra ex te rior, ace ita pelo respeito unila­teral ; e a regra int er ior , devida ao acordo mútuo. Ora, a obser ­vação psicológica mostra, cremos nós, o quanto a segunda é a mais

eficaz: a criança considera, é verdade , a primeira como sagrada eintangível, mas não a aplica como à segunda, isto é, com sua perso­nalidade por inteiro . Além disso, a segunda não se deriva diretamen­te da primeira. Ela supõe um conjunto de condições funcionais , todauma atmo sfera de atividade e de interes se que só o selfgovernmentpode realizar. Quanto à adesão aos grupo s e à autonomia, pode-secrer, em realidade, que a palavra do profes sor, mesmo que respeita­da, possa valer mais por si mesma que a experiência verdadeira ?Quem será o melhor cidadão ou o espírito mais racional e moralmentelivre? Aquele que tenha ouvido falar, mesmo que com entusiasmo, dapátria e das realidades espirituais, ou aquele que tenha vivido em umarepública escolar o respeito à solidariedade e a necessidade da lei?Não nos é permitido hoje resolver esta questão sem consultarmos aexperiência, e esta nos parece realizada. Recordemos, simplesmente,a título de exemplo, o livro de um autor tão próximo de Durkheim porsua maneira de sentir a vida moral, o respeito à autoridade e a neces­sidade de sanções expiatórias, mas cuja experiência pedagógica lhetenha conduzido a se juntar ao selfgovernment: o livro tão conhecidode F. W. Foerster, A escola e o caráter.

Em um outro extremo da pedagogia moral clássica difundidapor Durkheim, vemos nos trabalhos de certa s escolas experimentaisum procedimento fundado na liberdade absoluta da criança: nenhu­ma coação adulta de qualquer modo que seja, nenhuma indicaçãosobre a maneira de condu zir-se junto aos seus iguais ou com as pes­soas mais velhas". Infelizmente, não conhecemos documentos publi­

cados suficientemente completos para responder ao problema es­sencial que semelhante tentativa coloca: na ausência de toda relaçãode respeito unilateral, a criança, mesmo de 3 a 4 anos, em presençasomente de seus semelhantes, chegará por si mesma ao respeitomútuo e à cooperação? Chegará a constituir uma moral e esta será

s Nós podemos citar o ensaio da Malting House em Cambridge , cujo s resultado sserão discutidos numa import ante obra que S. Isaacs prepara e, também, num artigo emque Pykc trabalha.

14 CIN CO Esruoos DE EDUCAÇÃO M OM L Os P ROCElJIME1'o'TOS DA E DUCAÇÃO M ORAL 15

adaptada a essa nossa soc iedade adulta? Somos obrigados a dei ­

xa r essa qu est ão em ab erto. Por ém , pod em os perguntar: o res­

peito unilat eral não representar á um papel útil e necessário na

medida em que for esp ontâneo? Ora, ele é inegav elmente es­

pontân eo nos pequenos, em particular na famíl ia , e sobre esse

ponto os trabalhos de P. Bovet nos parecem deci si vos. Se colo­

ca rmos em dú vida o va lor dos pr ocedimentos qu e consiste m em

im posições durante tod a a infância e adolescência, se nti mo- nos

cé ticos perante a ten tati va in versa. Qu ando se cons ta ta o tempo

que a humanidad e tom ou simplesmente par a dar lu gar à livre

coope ração ao lad o da coação so cial, pod emos nos perguntar se

não é qu eimar eta pas qu erer co ns tituir na criança uma moral do

res peito mútu o antes de toda moral unilateral. O puro de ver nã o

esgota a vida moral. Mas não é necessári o conhecê-l o para com­

pr eender pl en am ente o va lor desse livre ideal qu e é o Bem? O

resp eito mútuo é um a es péc ie de forma limi te de equil íb rio para

a qual tende o resp eito unilat eral , e pais e pr ofessores de vem

faze r tudo o qu e for possível , segundo cremos, pa ra converte­

re m-se em co labo radores ig ua is à criança. Crem os , no enta nto,

que essa possibilidad e dep ende da própri a crian ça, e pen samos

que durante os primeiros anos um ele me nto de autoridad e fatal­

mente se mescla às relações qu e un em as cri anças aos adultos .

A verdade nos parece estar entre e consiste em não neg ligen­

ciar nem o res peito mútu o nem o res pei to unila teral , fon tes esse nci­

ais da vida moral infantil. É o que buscam os procedimentos "ati vos"

de educação dos quais falaremos adiante. Mas, antes disso, devemos

ainda disc utir o problema do ensino verbal da moralidade.

b) Os procedimentos verbai s de educação moral

Do mesmo modo que a escola em geral, há séculos, pensa ser

suficiente falar à criança para instruí-la e formar seu pensamento, osmorali stas contam com o discurso para educar a consciência. Pode-se,'

na verdade, distinguir um grande número de variações do ensino da

moral pela palavra, do mais verbal ao mais "ativo", isto é, do mais im­pregnado de coação espiritual adulta ao mais direto e próximo da crian­

ça. Há, primeiramente, a "lição mordi" tal qual se pratica na França,conforme um programa sistemático, abarcando os principai s aspectos

da prática moral", Há, em seguida, as conversações morais sob forma

de relatos, de comentários sobre os grandes e pequenos exemplos histó­

ricos ou literários etc. Devemos citar, em particular, o método Gould,assim como os seguidos entre F. W. Foerster e Ch. Wagner. Em terceiro

lugar, deve-se distinguir o procedimento que consiste em não dar à moral

um lugar especial entre o horário das lições, mas utilizar as diferentesmatérias de ensino para tecer considerações morais feitas, assim, ao

vivo. Enfi m, destacamos o procedim ento que consiste em não falar de

moral se não a propósito de experiências efetivas vividas pelas crianças:

a "lição" nada mais é aqui que uma conversação provocada pelas peri­

pécias do self-government ou do trabalho em grupo.1°) Como exemplo de "lições" propriamente ditas, nós podemos

citar o Curso de Moral de Jul es Payot ', ou o Curso mai s rec ente

e vivo devido à F. Challay e e M. Reyni er". O próprio princípio do scursos de moral parece nos colocar as duas qu estões seg uintes .

Em primeiro lugar, consegue-se interessar a cria nça sobre o pro­

blema tratado indep endentem ente da pessoa qu e o trata? Se a liçãode moral pode ser algo admirá vel, enquanto ela é dada por um edu­

cado r entus iasta, não é o co ntato co m o indi vídu o mai s o conteúdo

do curso, o qu e é verdadei rame nte fec undo? E se a lição for dad a

por um indivíduo não excepcio nal (não fa lemos nada além disso) ,não se corre o risco de criar no espírito da criança uma prevenção

co ntra a própria moral? Em segundo lugar, uma lição segundo osprincípios da educação funcional deve ser um a resposta. Para to­car o âmago da alma infanti l, um ensinamento oral deve vir dep ois

" Programas ofic ia is de 18 de agos to de 1920 para as escolas pri mári as, paramen inos e meninas ."

Jules Payot , Cou rs de Mora/e . Paris, Colin.

F. Cha llage e Marg. Reynie r, Cours de Morule à L 'usage des Écoles pri mairessupé rieures et des Cours complémentaires, Paris, Alcan.

16 01'00 EsTUOOS OE Eo uc.AÇÂo M ORAL Os P ROCEOIMW TOS OA EOUCAÇÂO M ORAL 17

e não antes da experiência vivida. Em conseqüência, por mais sedutorase elevadas que sejam as lições as quais nos referimos, nós nos questio­

namos se seu alcance não seria decup licado num meio escolar onde aprópria prática do self-governmeni ou dos trabalhos coletivos tenha co­locado concretamente ao espírito da criança as mil questões que dão seuvalor e sua significação a toda codificação da moral adulta.

Seria conveniente, para resolver essas questões, recorrer-se a

uma investigação experimental sobre os resultados efetivos das liçõesde moral. De um lado, para ver se a lição aperfeiçoou o j ulgamento

moral, seria adequado submeter a provas idênticas crianças que te­

nham seguido um curso e outras que não o tivessem feito. Em segundo

lugar, porém muito mais difícil e supondo-se uma longa e metódica

observação, seria necessário determinar se a lição de mora l, bem com­

preendida pela criança e depois de uma repetição verbal correta, muda

em algo a própria vida da criança. É importante ressaltar que, dospontos de vista científico e psicológico nos quai s devemos necessaria­

mente nos colocar e onde se pode verificar o resultado de qualqu er

método pedagógico, não estamos atualmente, de modo algum, em con­dições de responder essas questões . Existe uma relação entre o aper­

feiçoamento do julgamento mora l - supondo que as lições de fato o

desenvolvam - e a parte prática da moral? Não o sabemos, e uma

série de pesquisas deveria ser realizada sobre esses pontos, antes quese permitisse julgar o método puramente verbal de educação moral .

2°) Quanto às conversações exce lentemente preparadas por F.J. Gould e por F. W. Foerster, seu sucesso na Inglaterra e na Alema­nha mostra suficientemente que elas correspondem a algo no espíritoda criança. O princípio é o seguinte. Em lugar de partir de uma "lição"para ilustrá-la com exemplos, os autores começam relatando históriascuidadosamente selecionadas e classificadas, e a "lição" nada mais éque uma reflexão em com um e uma discussão sobre esses relatos.Deve-se reconhecer que , admitido o princípio, as histórias propostassão exce lentes e altamente sugestivas. Mas certos problemas se colo­cam, a propósito desse método, como a propósito das "lições" propri­amente ditas. Pode-se supor - e a observação parece indicar - que os

relatos concretos e vivos agem com mais vantagens sobre a vida mo­ral da criança que os comentários mais ou menos teóricos . Seria , tam­bém, interessante verificar obje tivamente essa situação, buscando eli­minar o papel pessoal do narrador e determinando com que indivíduosos relatos propostos exerceriam sua ação sobre o espírito da criança.

Porém, é evidente que a personalidade do narrador constitui aqui, comonas "lições", o fator de maior importância. É assim que as falas moraisde Ch. Wagner", que se inspiravam em princípios análogos aos dasconversações de Gould e de Foerster, produziam nas crianças umaimpressão considerável, enquanto as mesmas coisas ditas por um indi­víduo menos vivaz deixavam-nas indiferentes ou, o que é o pior, inspi­ravam nelas uma certa aversão contra essa moral que se quer incul­

car-lhes de fora e impor à sua admiração. A este propósito deve-secolocar uma terceira questão. É possível transmitir, por meio de um

ensino que repousa sobre o respeito unilateral, a moral de um ensinoque repousa sobre o respeito unilateral, a moral da cooperação, dorespeito mútuo e da autonomia preconizados pela maioria dos educa­

dores? O exemplo proposto no relato do professor produz o mesmoefeito que se este exem plo fosse sugerido e discutido pelas próprias

crianças em conseqüência de uma experiência "ativamente" realizadade self-government ou da confi ssão livre, análoga àquelas usadas na"Liga da Bondade"? Aqui também nos faltam materiais, e uma pes­quisa científica nos informaria mais que todas as impressões subjet i­vas dos pedagogos aferrados a seus métodos.

3°) Certos educadores são avessos à idéia de lições de moral;

consideram que a moral não pode constituir uma matéria de ensino

como outra qua lquer, mas sim em um espíri to que deve penetrar todaa educação. Assim, ao lado da atmosfe ra geral da classe , não se

reco rre, nesse caso, para o ensino verba l da moral, mais que nasocasiões oferecidas pelas dive rsas matérias. A história e a geogra­fia, a literatura e as lições da língua, a composição etc., converte m­

se, assim , em espaços para discussões e desenvolvimento morai s.

eh. Wagner , Par lê sourire.

18 CINCO S IUOOS OE EDUCAÇÃO M ORALOs P ROCEOlMENTOS OA E OUCAÇÃO M ORAL 19

Aqui não é lugar para discutir a questão de se a história ou

outras ciências podem servir ou não aos fins morai s. Se qualquer dis­ciplina científica, a história não mais que a outras, não deve ser desvi­ada da pura pesquisa da verdad e, nos parece impossível negar ao his­toriador, como homem que é, o direito de julgar os fatos que ele tenha

estudado e mesmo de tirar deles a lição que desejar. Pelo contrário,

uma objeção freqüentemente feita é a de que se não se der mais lições

de moral, esta corre o risco de não aparecer em nenhum outro lugar:cada professor, levado por sua própri a matéria , deixa para mais tarde

o cuidado de extrair a significação humana e o ano se passa sem dis­cussões morais. Colocando de lado essa dificuldade, devemos confes­

sar que uma conversação organizada sobre as composições das crian ­

ças ou dos fatos da história , da geografia e da literatura é suscetível de

fundir-se muito melhor com as preocupações do aluno e de mostrar­se, assim, mais vantajosa que um ensinamento sistemático e isolado demoral. Mas isso depende unicamente de quanta atividade se concede

às crianças na preparação das conversações. A este propósito se tem

tentado, principalmente na Inglaterra , utilizar para a educação moral aadmiração espontânea das crianças pelos grandes homens. Organi­

zando com alunos come morações periódicas, as "cerimônia incurriculum", consegue -se exaltar tais virtudes, desqualificar tais víci­

os ou transgressões, sem cair no artificiali smo das lições de moralpropriamente ditas. Nessas festas colaboram naturalmente as própri­as crianças que trabalham para documentar e reunir materiais paracelebrar, com conhecimento de causa, o aniversário histórico.

40) Todos os procedimentos orais aos quais já fizemos alusão aqui

têm em comum o fato de suporem como única fonte de inspiração morala autoridade do professor ou do adulto em geral: a lição é, em conseqü­

ência, o lugar de divulgação da verdade toda pronta e a criança é coagi­da a recebê-la de fora. Queiramos ou não, os métodos orais repousamsempre sobre um fundo de respeito unilateral. Que ocorreria se todo otrabalho da classe se baseasse sobre a própria atividade da criança e,em particular, sobre a atividade comum? O respeito mútuo tomando-se,assim, fonte da experiência moral, a "lição" desapareceria inteiramen-

te? Todos os elementos da discussão e da transmissão oral deveriam serproscritos? Nós pensamos que não, mas cremos que a "lição de moral"não deveria ultrapassar o papel atribuído a todas as lições pela pedago­gia modema: constituir a resposta a uma questão prévia. Tomemos comoexemplo as conversações morais, conduzidas com tanta habilidade pe­las diretoras da "Casa das Crianças", ligada ao Instituto de Ciência daEducação da Universidade de Genebra 10. O método dessa escola é o"ativo'', isto é, as crianças dedicam-se individualmente ou em grupos aos

seus trabalhos espontâneos. Evidencia-se logo que essa vida escolarprovoca sem cessar no espírito das próprias crianças os numerosos pro­blemas relativos à vida em comum, à disciplina, ao esforço pessoal etc.

A cada dia, uma pequena mentira, um ato rude ou uma indolência provo­cam uma discussão ou, ainda, a alusão a uma virtude ou a um beloexemplo. Ora, essas discussões que se estabelecem primeiramente en­tre crianças, acabam sempre apelando à opinião adulta . Aí, e somenteneste momento, o professor se encontra em condições de dar uma liçãoproveitosa: longe de intervir de fora, correndo o risco de não ser ouvido ,

ele intervém a pedidos e suas palavras adquirem toda significação. Seesse sistema pode não ser generalizável a todas as idades, veremos eminstantes que isso depende da totalidade do método do ensino.

Queremos apenas ressaltar, no momento, que mantidas as jus­tas proporções a "lição de moral" não deve ser proscrita. Porém , elanão desenvolverá produti vamente a não ser por ocasião de uma vidasocial autêntica e no interior da própria classe.

c) Os métodos "ativos" de educação mo ral

A "escola ati va" baseia-se na idé ia de qu e as matéri as a

serem en sinadas à criança não devem ser impostas de fora, masredescobe rtas pela criança por meio de uma verda de ira investi­gação e de uma atividade espontânea. "Atividade" se opõe, assim, àreceptividade. A educação moral ativa supõe, conseqüentemente, que a

'" Ver Aud em ars M. e t Lafendel Lslnrint erm éd ía íre des Educateurs, passim .

20 CINCO EsrUDOS DE EDUCAÇÃO M ORAL Os PROCElJIMENTOS [lA E DUCAÇAO M ORAL 2 1

criança possa fazer expe riências morais e que a escola constitui ummeio próprio para tais experiências. Pensamos que três pontos devem

ser assinalados a esse respeito.1°) Para os participantes da escola ativa, a educação moral não

constitui uma matéria especial de ensino, mas um aspecto particular datotalidade do sistema. Dito de outro modo, a educação forma um todo, e aatividade que a criança executa com relação a cada uma das disciplinasescolares supõe um esforço do caráter e um conjunto de condutas morais,assim como supõe uma certa tensão da inteligência e mobilização de inte­

resses. Esteja ocupada em analisar regras da gramática, a resolver umproblema de matemática, ou a documentar um ponto da história, a criança

que trabalha "ativamente" é obrigada, não só diante de si como diante dogrupo social que é a classe ou da "equipe" da qual faz parte, a comportar­se de modo muito diferente do aluno tradicional que escuta uma lição ourealiza um "dever" escolar. Enquanto neste, tudo reconduz à obediência eàs virtudes a ela ligadas, isto é, à moral do respeito unilateral, naquele, aocontrário, a investigação escolar implica as mesmas qualidades pessoais e

as mesmas condutas coletivas de ajuda recíproca, de respeito na discus­são, de desinteresse e de objetividade que a pesquisa cientifica de intelec­tuais adultos. A classe constitui, assim, uma associação de trabalho e evi­

dencia-se que a vida moral está intimamente ligada a toda a atividadeescolar. A educação do caráter é, em particular, singularmente intensifica­da e, para estimular o esforço, para canalizar as atitudes e para constituir

o controle pessoal, não é necessário recorrer a meios exteriores artificiais:o próprio princípio da atividade conduz a esses resultados. Para se docu­mentar essas experiências da pedagogia nova deve-se ler a"obras e arti­gos consagrados à educação ativa na Áustria, na Alemanha, na Inglaterra

etc" .

11 Ver Seidel, Arb eitschule , Zurique , 1910. Kerschensteiner, Bregr iff der Arbei tschule ,Leipzig, Teubner, 19 12. G1ogke l., Die Entwi cklung der Wiener Schulwesens, DeutscheVerlag J. Junged U. Vol k, Viena, 1927. Dottren s, L ' Educa tion nouvelle en Autriche ,Del achaux et Nie stlé, 1928. Rugg A. Shu make r: The child-Cenlered School, WordBook Co mpany, Nova York e Chicago, 1928. E o último informe da Liga Internacionalde Educação nova: Toward a New Educ ation, edi ted by W. Boyd , Knopf, Lo ndres e

No va Yor k, 1930 .

2°) A escola ativa supõe necessariame nte a colaboração notrabalho. Ta escola tradicional, cada um tra balha para si: a classeesc uta o pro fessor e, em seguida, cada um deve mostrar no de­co rrer de se us trabalhos e de pro vas apropriadas o qu e ret evedas lições ou das leituras em casa. A classe, desse mod o, nada

mai s é que uma soma de indivíduos e não uma sociedade : a co­municação e nt re alu no s é pro ibid a e a co la bo raç ão qu aseinex istente . Ao co ntrário , na med ida em qu e o trabalho susc ita a

iniciativa da cria nça, torna-se co let ivo ; pois, se os pequen os sãoegocêntricos e inaptos à cooperação, ao se desenvolverem as cri­anças constituem uma vida social cada vez mais fo rte . A liberda­

de do tra bal ho em classe tem implicado, ge ra lme nte, a coo pera­ção na ativida de escolar. Qu er es te procedi men to tenha sido uti ­lizado delib eradamente, co mo no método do "trabalho em gru po"

de Dewey, de Cousinet etc., ou que tenha se formado à margemdo método ativo, ele tem se tornado mu ito comum". Ora, é ev i­dente qu e uma tal tran sformação é ce ntral no qu e concerne àeducação moral. Se, realmente, o desenvol vim ento moral da cri­ança ocorre em função do respeito mú tuo, além do resp eito unila­teral, co mo destacamos desde o início deste capítulo, a coopera­

ção no trabalh o escolar está apta a definir-se como o proced i­men to mais fec undo de educação moral.

3°) Dep ois das duas observações mai s gerais que acaba­

mos de fazer, vejamos agora os procedimentos "ativos" especifi­

camente mo rais . Esses proced imen tos se inspiram na noção bemconhec ida de se/f-government. Para aprender a física ou a gra­

mática, não há método me lhor que de scobrir por si, por meio de

ex periênci a, ou da análi se de textos, as le is da matéria ou as re­

gras da linguagem ; do mesmo modo, para adquiri r o sentido dadisciplina, da solidariedade e da responsabi lidade, a escola "ati­

va' ' se es força em colo car a criança numa situação ta l qu e ela

12 o "Bureau Internacional d 'Éd ucation" realizou uma pesquisa sobre a prática atualdo trabalho em grupos c sobre seus resu ltados nas principais áreas de ensino.

22 CII'Cü EsTUOOS DE E DUCAÇÃO M ORAL O S I' ROCEOIMF.NTOS DA E DUCAÇÃO M ORAL 23

ex pe rime nte diretamente as real idades es pirituais e discut a por si

mes ma, pouco a pou co, as leis co nstitutivas. Ora, posto qu e a

classe forma uma sociedade rea l, uma associação qu e repousasobre o tra ba lho em comum de seus membros, é natural confiaràs próprias crianças a organização dessa sociedade. Ela borando,

elas mesm as, as leis que regul am entarão a disciplina escolar, ele­gendo, elas mesm as, o governo qu e se encarregará de executar

tai s lei s e co nstituindo o pod er j udiciário qu e terá por função a

repressão dos delitos, as crianças adq uirirão a possib ilidad e de

aprende r, pela ex periê ncia, o qu e é a obediência à regra, a adesão

ao grupo social e a responsabilidade indi vidual. Longe de prepa­rar-se para a autonomia da co nsciênc ia por meio de procedimen ­

tos fundados na heteronornia, o estudante descobre as obrigações

morai s por uma experime ntação verdadeira, envolve ndo toda a

sua personalidade.O se/f-government tem se revestido na Euro pa de fo rmas

muito di versas e é difícil hoje saber exatamente o qu e se prat icanos diferent es paí ses sob es te nom e. Às vezes, limi ta- se a confiaràs cr ianças o poder judiciári o : os tr ibunais de classe aprende m,

assim, a avaliar os atos e a j ulgar os indi víduos no decorrer dedeliberações cujos testemunhos têm de monstrado seu caráter pro­fundame nte educativo!' . Outras vezes, vai-se mais longe e as

crianças são revestidas do pod er executivo e me smo do poderlegislativo .

Infelizmente, embora essas ex periências sejam tão impor­

tante s, estamos ainda mal-informados sob re seus resultados exa­tos. Se existem célebres exe mplos de êxito, que se fizeram conhe­cidos, graças aos trabalhos de Foe rste r e de Ferri ére'", sabe-se

tam bém, e nisso se têm insistido menos, que algu mas ex periências

IJ Ver por exemplo na revista Der Sãemanm (Teubner) de abril de 1914 um artigo deJos . Rupp er t sobre o "self-government " judiciário em "Mü nchner Jun gendh eim ".

14 F.w. Foerster, L ' Ecole et le Caract êre, trad. P. Bovet, 5' ed. Delachaux et Niestlé ed. Ad.Ferri êre, L ' autonomie des écoliers, coll. Actual. Ped . Delachaux et Niestlé, ed.

não têm dado resultados. É mu ito difícil de determinar, na avalia­ção das ex per iências , o que resulta do próprio self-government, o

que vêm de outras ci rcu nstâ ncias ex ternas (s ituação da sociedadeadu lta am biente, ex ternatos ou internatos, valores dos professoresetc. ); e, enfi m, o que resulta da pedagogia ge ral da escola interes­sada (escola ativa ou tradi cional etc.). Por essa razão o BureauInternat ional d ' Edu cation tem pesqu isado sobre esse tema, bus­ca ndo analisar com toda a obje tiv idade as experiê ncias fei tas e osresultados obtidos .

Sem poder entrar em detalh es nas referência s, ci tamos, noentanto, um ou do is estudos simplesmente a título de exe mplos . As

experiências mai s instrutivas são aquelas que se con stituíram emcondições excepcionais; nas quais, por força das circunstância s, a

criança pôde, sem prejuízo para si, estar separada do adulto e quefo rneceram, ass im, um indício da capacidade desta para o se /f­government. Por exe mplo, o pedagogo russo Rou gatcheff soubeorganizar em Kfar-deladine, na Palestina, uma república de cria n­

ças com 110 peq uenos refugiados israelitas dos dois sex os ". Ess arepública constitui, sem dúvida, o resultado mais marcante da auto­nomia infantil, tanto pelo grau de orga nização e solidariedade que

alcanço u como pel a diversidade de tarefas que as crianças enfren­tam. Mesm o nos internatos, o se/f-government tem podido alc an­çar uma grande extenção. Citemos como exe mplo a escola novade Frensham , próxima a Lon dres, fundada por Ensor, e na qu al aex periência conti nua obtendo sucesso depois de vár ios anos; osprocessos com relatos das sessões, organizados por alunos e alu­

nas, ate stam a vitalida de das instituições democráticas dessa esco­la e a permanência de um espírito de grupo nas freqüen tes mod ifi­cações nas leis e nos reg ulamentos. Mesmo as Pub/ic-School têmpodido realizar experi ências semelhantes". Se essas são possíveisem tais meios, o serão, seguramente, em outros locais !

" Ver J. Kessel , Terr a d' amo ur, Paris, Flammarion , p. 119- 131.

Ib Ver J.H. Sim pso n: An ad venture in Education, Londres, Sidgwick and Jakson ..

24 Cn.co EsT UOOS DE EDUCAÇÃO M ORALOs P ROCEDIMENTOS DA EDUCAÇÃO M ORAL 25

III. Sobre alguns procedimentos classificadosconforme os domínios da educação moral

Admitindo com a psicologia que a vida moral se desen volve

em função das relações efe tivas dos indi víduos entre si, e admitindo

com a pedagogia funcional que a educação moral está relacionada a

toda "a tividade" da criança, temos, sob o nosso domínio, um prin cí­

pio ger al do qual as tentativas mais recentes da pedagogia européia

têm -se limitado a diversifi car as apli cações. Qualquer que seja o

domínio em que se estenda a edu cação moral, o método ativo buscasem pre: 10 - não impor pela aut oridade aquilo que a criança possa

descobrir por si mesma; 20.:... em conseqüência, criar um meio soc ial

especificamente infantil no qual a criança possa fazer as experiências

desejadas. Vejamos algun s exe mplos .

1º) A formação do caráter e o cultivo dabondade

É necessário citar sobre esse assunto a Liga da Bondade, bem

conhecida aqui, pois a primeira referência sobre suas atividades foi

apresentada, em 1912, no Congresso de Educação Moral de La Haya.Para fazer parte da Liga da Bondade, a cria nça se compromete, sim­

plesmente , a "perguntar, todas as manhãs, o que poderá fazer de bom

durante o dia. À noite, deve dar-se conta do resultado de seus esfor­ços e lembrar-se do bem que tenha desejado faze r ao seu redor" . Os

resultados, quaisquer que sejam, tratem-se de vitória" ou de fracassos,

são escritos numa folha não assinada, que a criança deposita numacaixa colocada em uma classe para esse fim. Essas anotaçõe s anôni­

mas são lidas na classe durante a aula de mora l (extrato da circular

francesa). O sucesso desse método tão simples tem sido surpreenden-.te e contrasta com a carência de benefícios dos métodos simplesmen­

te verbais. De onde vem esse sucesso? Em primeiro lugar, evidencia-

se que toda a atenção está colocada sobre a própria atividade da cri­ança e não sobre o discurso. Os assuntos que servem de matéria paraa reflexão moral não são episódios históric os ou fictícios, que o profes­

sor propõe arbitrariamente e que se mantêm exteriore s aos interesses

espontâneos do aluno: são os próprios atos da criança. Em segundo

lugar, pelo fato de haver uma "liga", uma mutualidade é criada entre ascrianças, e um forte empenho conj unto é, assim, desencadeado. Segu­ramente, continua havendo o risco de que o professor se imponha em

demasiado no decorrer da discussão e substitua o julgamento dos alu­

nos pelo seu. Mas, se há respeito às próprias crianças, o pedagogo

intelige nte poderá se omitir e deixar à classe uma autonomia suficiente

para a organização das "ligas" e para a avaliação de seus membros. É

assim, que, em muitos casos, são as própri as crianças que designam otitular do prêmio anual das "ligas'"? Essa flexibilidade permite, então,

um livre progredir do self-government e da atividade da criança. Ou­tro movimento bastante conhecido, de modo que não preci samos falar

muito dele, deve seu imenso sucesso aos mesmos princípios da ativi­

dad e e da mutualidade: é o escotismo. Limitemo-nos a destacar queessa admirável experiência de educação moral é instrutiva, isto do

ponto de vista que temos adotado neste artigo. Sobre o conteúdo de

sua "lei" , o escotismo não apre senta nada de muito novo. O ape lo à

honra para form ar o caráter, à ajuda aos outros e o equilíbrio entre a

saúde física e a saúde moral são os prec eitos usados; quando Baden­

Powell busca relatar, em seus escritos, os artigos de sua pedagogiamoral não suplanta em quase nada os melhores autore s sobre lições de

moral. Mas, na prática, que psicologia " : A esse respeito, parece-nos

que o central do escotismo é alcan çar um equilíbrio mais flexível entre

as duas morais da criança às quais temos procurado distinguir no de­correr deste artigo . O respeito dos pequ enos pelos mais velhos e des­

tes pelos chefes explica, esse ncia lmente, porqu e os conselhos do edu-

11 Págin a 26 do man ifesto francês .

" Baden-Powell , Le Guide du chef éclaireur; trad . Ca rra rd , Co ll. Actu al. Pédag .1921, p. 11.

26 CiNCO EsTUDOS DE EDUCAÇÃO M ORALOs P ROCEDIMENTOS l)A E DUCAÇÃO M ORAL 27

cador não caem em vão, mas adquirem um valor duplamente obrigató­rio: Baden-Powe ll compreendeu muito bem não só que o exemplo étudo na educação, mas também que as relações das pessoas entre siconstituem a verdadeira fonte dos imperativos morais. Além disso , elecompreendeu, também, e este não é o seu méri to menor, que a moral

do dever c?nstitui-se apenas como uma etapa do desenvolvimento daconsciência e que o respeito unilateral exige, por seus fins, ser mode­rado pelo respeito mútuo, até o mome nto em que será definitivamente

substituído por este. Essa é a razão pela qual o idea l do chefe dosescoteiros é ser um treinador e não um comandante: "O instrutor não

deve ser nem um professor de escola, nem um oficial de tropa, nemum pastor, nem um monitor, ele deve ser 'um homem-criança' , eledeve ter, em si, a alma de uma criança; ele deve colocar-se no mesmoplano daqueles de quem vai ocupar-se" 19. Ademai s, entre o chefe

adulto e o escoteiro-criança, toda uma hierarquia de intermediáriosprovoca uma diluição da oposição entre o respeito unilateral e o mútuoe, em conseqüência, a assimilação progressiva da moral do dever à da

cooperação e do bem. Por outro lado, constitui ndo a sociedade dosescoteiros uma grande fraternidade e, graças ao sistema de patrulhas,uma coleção orgânica de grupos fraternais, é evidente que há as me­lhores condições para o desenvolvimento do respeito mútuo e da coo­peração. Por fim, estando a manifestação da moral da colaboraçãoautônoma ligada, na criança, à prática das regras dos jogos coletivos ,

nota-se que uma das instituições mais notávei s do escotismo é a de terligado a educação do caráter e do altruísmo a todo um sistema dejogos organizados.

2º) Veracidade e objetividade

No qu e co nce rne a esse aspec to , de ce rto mod o intelectu alda vida moral, não se tem encontrado procedime nto melhor de .

'9 Ver o livro de P. Bovet , Le Génie de Bade n-Pawell , edil. Fórum.

educação qu e os métodos de co labo ração no trabalho dos qu aisfa la mos anterio rmen te . Tudo qu e sabe mos atu alm ente da psico­

logia da cr iança parece dem on strar que o pen sament o infantil nãocomporta espo ntane ame nte nem a objetiv idade em gera l, nem averacidade . Co m efeito, a função prim iti va do pensam ento é as­segurar a satisfação dos desejos, mais qu e ada pta r o eu à realida­de objetiva; qu and o a ada ptação sensório- motora não é sufic ie ntepara assegurar essa satis fação, o pen sam en to ass ume esse papel

graças à imaginação e ao jogo. É pelos outros e em função deuma colabo ração organizada qu e nós renunciam os à nossa fanta­sia ind ividual para ver a realidade tal qual ela é e para dar prima­

zia à veracidade sobre o jogo ou a mentira. Ora, a criança é natu­ra lmente egocêntrica e enquanto não ti ver co nseg uido soc ializarseu pensam ento, ela não compree nde rá nem o va lor da verdadenem a fo rtiori a obrigação da verac idade .

Com o conduzi r se u espírito aos valores da verdade? Os con­selhos dos adultos e as me lho res lições se rão suficientes para se

chegar a essa consciência? A experiê ncia nos mo stra o contrá ­rio : mesmo qu e a criança acei te os de veres relati vos à veraci da­de e sinta-se culpada nos casos de infra ção às regras, ela nãochega à incorporar em sua person alidade uma lei que não com­preende intername nte e co ntinua a ser dominada pelas tendênci­as natu rais de sua men talidade. Só a co laboração entre crianças

e a prática da discussão organizada dão a cada um o sig nificadoda objetivida de . Só a ação mútua faz a criança co mpree nde r oque a men tira é em realidade e qua l o valor social da verac ida de.

É isso o que nós temos mostrado na análise das avaliações mo­rais da criança a respeito da mentira: como já dissem os, na idadedo respeito unilateral , o suj eito considera uma men tira, como mai s

culpável quanto mais inverossímil e como menos importante quandoocorre entre crianças, enq uan to na idade da cooperação, a me n­tira é avaliada em função da intenção de enganar e mentir entrecrianças; torna-se mai s "feio" qu e fazê- lo ao s ad ultos.

28 CINCO Esruoos LJE E LJUCAÇÃO M O RAL Os P ROCEll IMENTOS LJAE LJUCAÇ Ã,O M OR4J. 29

3 º) A educação das tendências instintivas

De modo geral, a educação do instinto sex ual ou do insti nto de

agressão é evidentemente subordinado à educação moral geral. Quan­to mais a eficácia de conse lhos for imposta em uma educação pela

autoridade, tanto mais oco rrerá a submissão da cr iança às suas incli­

nações, à raiva, à luta ou a seus maus cos tumes . Qu anto mais acon­tecer, de outro lado, a expansão da personalid ade, graças à atividade

co letiva dos alun os, mais haverá a capacidade de contro le pessoalnos mesmos dom ínios. Port anto, não temos porque rever as vanta­

ge ns dos métodos ditos "ativos" aplicados a esses novos objetivos. O

apelo dos escoteiros ao respeito mútu o e à honra pessoal , o compro­misso em fazer o bem da Liga da Bondade e, sobretudo, os interes­

ses espontâneos tornados ação e as possibilidades de colaboração

são de uma importância decisiva no que concorre ao domínio das

tend ência s instinti vas. Pode-se dizer que uma perturbação sexu al nacr iança pro vém , quase sempre, do indi víduo não ter enco ntrado um

ideal dom inante ao qual co nsagrar-se ; ao remedi ar isso, a educação

ativa interessa, também, à educação sexual.Mas as pesqui sas psicol ógicas'" têm conduzido os pedagogos a

entreve r certos problemas específicos da educação dos instintos: des­tacam-se, por exemplo, os que se originam na curiosidade sobre o

nascimento, seja porq ue os pais enganaram as crianças , seja porq ue

os colegas mal-intencionados tenham se antecipado às lições do adul­to. Tem-se descrito os desvios da sexualidade infantil e, sobretudo, as

repressões e distúrb ios afetivos, resultantes de situações anormai s,

Para evitar esses perigos, têm sido propostas diversas soluções: a ini­

ciação precoce da criança pela família ou pela escola, uma informa­ção biológica elementar dada desde o início da escolaridade etc. Infe­

lizmente, as obras públ icas sobre esses assuntos são, freqüe nteme nte,repletas de noções a priori que vêm dos freudianos ou de educadores

20 Em part icul ar a psicanál ise e, no que diz respe ito ao instinto de agressão, o livro deP. Bovet, L ' instln ct combati]; co I. Act ual, pédag.

hostis às novas tendências, em um espíri to imparcial vê-se obrigado a

reclamar, em um ponto como em tantos outros, inves tigações adicio­

nais. No que concerne aos conhecimentos a serem dados à criança,

um modo adequado de agir parece ser não o de prevenir sua curiosida­de, mas sim o de satisfazê- la com toda a objetividade; no que concerne

à luta contra os maus hábitos, jamais empregar a coação ou a intimida­ção, mas, sim, fortalecer a confiança da criança em si mesma e colo­car toda a atenção na educação do caráter.

Um outro problema, também relativo ao equilfbrio afetivo da cri­ança, é o da co-educação". Sobre esse assunto, as considerações a

priori predominam, infelizmente, sobre a experimentação. Mesmo sem

falar das condenações de ordem religiosa das quais esse procedimento

tem sido objeto, não conseguimo s compreender, por exemplo, as razões

que F. W. Foerster usou para combatê-lo com argumentos pobres de

fatos e dominados por afirmações subjetivas. Na realidade, a co-educa­

ção é aplicada atualmente em todas as escolas ativas da Europa, e elaaparece a seus defensores como um caso particular dessa preparação à

vida, que a escola nova pretende alcançar. Se o sucesso crescente deum método é prova de seu valor, há motivos para se refletir sobre ele.

Se o valor é independente do sucesso, que nos forneçam, então,

um estudo psicopedagógico detalhado sobre o equilíbrio moral de es­

colares submetidos à co-educação comparado àquele de alunos co­

muns. De nossa parte, dificilmente admitiremos, antes que nos de­

monstrem, que homens e mulheres se compreendem melhor na vida

quando são educados separadame nte que quando se entendem desdeos bancos escolares.

4º) Responsabilidade e justiça

O problema das puni ções tem provocado os mai s suges tivosdebates na pedagogia européia. A esco la sem castigos e uma ed uca-

21 Piaget refe re-se à esco la mista. Nota do tradut or.

30 Cisco EsruDOS DE EDUCAÇÃO M ORAL Os P ROCEDIMENTOS DA E DUCAÇÃO M ORAL 3 1

ção da responsabilidade pelo julgamento dos próprios alunos têm seoposto, em um movimento cada vez mais forte ao procedimento tra­dicional da sanção expiatória. Para dizer a verdade, a situação per­manece extremamente confu sa tanto na teoria como na prática, aoponto de vermos participantes da pedagogia sociológica defenderemas punições e protagonistas do self-govem ment.couvs Foerster, con­ceder às próprias crianças a necessidade de expiação. A dificuldaderesulta, aqui como em outros lugares, das interferências emaranha­das provindas das duas morais que fazem parte do espírito da crian­ça, como das aspirações coletivas dos próprios adultos. Duas coisas,no entanto, parecem certas . A primeira é que o desenvolvimento dasanção, como fato social assim como noção moral aceita pela cons­ciência da criança, é corre lativo à pedagogia da autoridade exterior.O castigo corporal, por exemplo, nasceu na escola e passou à famí­lia, como Durkheim demonstrou em páginas que deveriam ser refle­tidas por todos os pais e educadores. Porém, se desaparece de qua­se toda as esco las da Europa, salvo certas exceções bem con heci­das, permaneceu como regra, infelizmente, na pedagogia familiar.As punições não-corporais, mas igualmente expiatórias , permane­cem, por outro lado, necessárias em todos os lugares onde a lei não éestabelecida com a própria criança.

Em segundo lugar, é certo que a disciplina e o sentimento darespo nsabilidade podem se desenvolver sem nen huma puniçãoexpiatória. Têm sido feitas, a esse respeito, as mais precisas experi­ências: as relações de cooperação bastam para provocar nas crian ­ças um tal respeito à regra que a simples censura e um sentimentode isolamento moral , resultantes do ato cometido, conduzem o faltosoà disciplina comum.

Porém, entre esses dois extremos, uma série de situações in­termediárias vêm complicar o prob lema. Confiando às próprias cri­anças a possibilidade de exercer ajustiça retributiva, observa-se fre­qüentem ente que as punições escolhidas pelos juízes são do tipoexpiatório. Deve-se concluir disto a necessidad e das punições e lirni-'tar-se a transpor nossas noções tradicionai s penai s na linguagem do

selfgovernment? É aqui que se pode constatar melhor o quanto aeducação moral é solidária a toda a pedagogia.

Quando o selfgovernment limita-se ao exercício do poder judi­ciário, em oposição aos poderes legislativos e executivos, e sobretudo,qua ndo a autonomia da escola não é acom panhada de uma totalreestruturação na direção da "escola ativa", é evidente que a consciên­cia infantil, no que concerne à sanção, não se transforma. É natural que

a criança adote as punições clássicas quando se trata de impor o respei­to a leis, em cuja elaboração ela não pode intervir. É também natural quevárias possibilidades sejam observadas entre os procedimentos exter­nos, pois o julgamento moral das crianças depende do conjunto de rela­ções interindividuais nas quais elas se encontram engajadas.

O problema das punições é, assim, daqueles em que seria de­sejável uma grande inves tigação científica. E é, também, um dosmais difíceis de resolver.

Quanto às recompensas, igualmente existem todos os intermedi­ários na pedagogia européia, desde o sistema no qual toda a ação indivi­dual é recompensada, aquele no qual a ação e, ela mesma, sua própriarecompensa. A distribuição de prêmios pode ser citada como um exem­

plo do primeiro método. Mas deve-se insistir sobre o fato de que, mesmolá onde a lista de alunos premiados não é mais utilizada (como nas esco­las públicas da Suíça), as notas escolares semanais ou trimestrais equi­valem a um verdadeiro sistema de recompensas ou de sanções. Aocontrário, as escolas de método "ativo" tendem a eliminar toda recom­pensa, não somente pela supressão das notas propriamente ditas, maspelo caráter coletivo adquirido pelo trabalho. Parece-nos que as razõespsicológicas dessa transformação se reduzem a duas. De um lado, tantoa recompensa como a punição são incontestave lmente a marca daheteronomia moral: é quando a regra é exterior ao indivíduo, que, paraconquistar sua sensibilidade, toma-se necessário um símbolo de aprova­ção. O esforço autônomo rejeita tais procedimentos. De outro lado, e,sobretudo, a recompensa é o complemento de certa competição entreos indivíduos, a qual nossa educação moral clássica tem usado comorecurso da pedagogia. Ora, o benefício da educação ativa, em moral

32 CINCO EsTUOOS UE EUUCAÇÃO M ORAL Os P ROCEDIMENTOS UA E UUCAÇÃO M ORA.L 33

como no desen vol vimento intelectual, é ter retido o que é construtivo na

concorrência, para utilizá-lo na competição entre grupos ou equipes de

trabalho e ter rejeitado esse elemento de rivalidade egoísta por meio da

qual o adulto sabe impor-se aos alun os submissos. Qu e seja essa trans­

formação um bem ou um mal, é incontestável que ela se dá dentro do

campo do moral da cooperação e é, ass im, solidária a uma pedagogia

mais próxima da própri a criança e, talvez, das atuais exigências sociais .

Sº) Educação cívica e social

O qu e vimos so bre (J escotismo ou sobre o selfgovernmentpod erá ser co ns ide rado aq ui a propósito da educação do cará ter. Em

particular, o es fo rço do escotis mo para a preparação de cidadãos

livres e, simultaneamente , disciplinados é notável. Porém, gostaría­

mos de destacar certos esforços particulares da educação cívica e

base da iniciativa e do trabalho ativo.

O self-govemment, em virtude de sua flexibilidade, serve admira­

velme nte a esse gênero de experiências . Ao invés de impor às crianças

um estudo apenas verbal das instituições de seu país e de seus deveres de

cidadão, é, efetivame nte, mais adequado aprovei tar as tentativas da crian­

ça na constituição da cidade escolar para informar-lhe sobre os mecanis­

mos da cidade adulta. Quando se comprova até que ponto as sociedades

extra-escolares das crianças (clubes de esporte ou de história natural) são

a ocas ião, para estas, de iniciar a estrutura das sociedades adultas, fica-se

confuso com a lentidão com a qual nossas esco las públicas utilizam ten­

dências sociais da criança em educação cívica e econômica.

A esse respeito é dos países novos que nos vêm exemplos", A

Polôn ia, cujo problema nac ional é o de realizar a assimi lação de três

facções carregadas de trad ições heterogêneas , a Tchecoslováquia e a

22 Este trabalho de Jean Piaget é anterior à Segun da Guerra Mundial. Nota da tradução'em cas telhano por Maria Lu isa Nava rro de Luzuriaga; editorial Losada S.A., BuenosAi res, 1967.

Áustria, novas unidades requi sitadas a viver por si mesmas, compreen­

deram a importância do self-government na educação cívica . Em vári­

as escolas públicas, as classes são constituídas na forma de "comunida­

des" 23. Com órgãos legislati vos, executivos e judiciário s e até com fun­

ções econômicas (cooperativas esc olares) ; as comunidades não são ,

naturalmente, simples redu ções de organizações adultas, poi s tal jogo

artific ial desencantaria a criança desse modelo mais do que lhe prepara­

ria para sua vida de cidadão . A organização da comunidade está calça­

da sobre as funções própri as da escola: administração da classe, regula­

men tação do trabalho, gerência de bibl iotecas e museus escolares, orga­

nização de eve ntos e de um jorn al dos estuda ntes, tribunal de julgamen­

tos entre colegas, reservas financei ras e fundos soc iais, cooperativa eco­

nômica etc. Pode-se notar, após ler os relatos dessas experiências e

constatar sua duração (mu itas "comunidades" continuam a exis tir de­

pois da formatura), o quanto a vida ativa dos alunos nesses fez mais para

iniciá-los nos deveres do cidadão que as melhores lições.

Onde o selfgovernment es tá ausente das esc olas públicas,

como na França, ce rtos trab alhos ex tra-escolares, como as "co o­

perativas escolares" , ass ume m o mesmo papel. Admirávei s esco­

las de aj uda mútua, essas cooperativas têm a va ntagem de iniciar

as crianças nos mecan ismos de uma admini stração e nas realida­des econômicas" .

A ex periê nc ia mostra, então, o qu anto os mét od os ativos são

suscetíveis de se diferen ci ar em em fun ção das di versas necessida­

de s de educação social. A té a ed ucação anti-alcoólic a se ben efici a

com es sas lições. A escola faz muito ao ens inar às cria nças os

perigos do álcool e dar -lhes, tão concretamente qua nto possível , o

saber ind isp en sável para resi st ir ao álcool. Porém, de qu e valem

essas lições enquanto não se co nseguir fazer a criança parti c ipar

de uma atividade au tônoma em direção ao movimento anti-alco óli-

23 Ver Bykowski, Patrowski et Kupczynski, L ' éducation civique em Pologne Varsóvia(ks ieznica Pol ska), 1922 . '

lA Ver Alice Jouenne et Aug . Fauconnet, L ' enlance et la coop ératio n, Paris, PresseUnive rs itai res , 1929 .

34 CiNCO Esruoos ll E W UCAÇÂO M ORAL Os PROCEDIMENTOS DA Ell UCAÇÃO M ORAL 35

co? Fundadores de ligas semelhantes às Ligas da Bondade, da qualjá falamos, têm se oc upado disto: as "Bands ofHope ". "L' Espoir "etc. A questão que aqui se coloca é a de saber se é possível pedirà criança que se engaje nesse campo . Mesmo sem fazermos maisdo que intere ssar a cr iança sobre a docum entação e a propaganda

anti-alco ólica, obtemos dela esfo rços e ações que soz inhos atribu­em sentido ao ensino ora l mais perfeito.

6º) Educação internacional

Citamo s, só a título de recordação, a educação internacionalcujo estud o detalhado nos levaria a outros assuntos e cujos métodos

são muito conhecidos dos membros de nossos congressos.Os principais esforços têm sido realizados sobre as próprias ma­

térias de ensino e sobre os procedimentos ativos de colaboração interna­cional entre crianças. Sobre o primeiro ponto se pode citar as tentativasde utilização da história para criar uma atmosfera de aproximação entre

os povos. Os procedimentos negativos, como a eliminação de tudo oque, nos manuais, evoca as guerras ou as causas de conflitos entre no­ções, têm motivado todo um conjunto de críticas tanto dos historiadores

como dos pedagogos: com efeito, é tão perigoso ignorar o que é ou temsido no campo dos males internacionais quanto seria perigoso educarsocialmente uma criança deixando-a ignorar as taras da sociedade. Masnão temos nada a dizer contra os procedimentos positivos. Fornecer aoaluno um instrumento ativo de crítica histórica, fazê-lo comparar as di­versas interpretações de um mesmo fato, fazê-lo analisar as causas dos

conflitos, é formar um espírito de compreensão cujos benefícios jamaisocorreriam sem essa objetividade histórica. Da mesma maneira, desen­volver a história da civilização e, como pede F. M. Maurette, a históriado trabalho" é completar o ensino da história sem prejudicar em nada a

'" EM . Maurette , L ' Eneignement de L ' his toi re du Travail , Bureau International d 'Educa tio n, Genebr a, 1930.

verdade. Recordemos, também, os esforços realizados no campo daliteratura infantil em tornar conhecido às crianças os diversos países ecivilizações estranhas aos seus" .

Quanto aos procedimentos ativos, deve-se às correspondênciasinteresco lares individuais e às diversas atividades da Cruz Vermel ha

da Juventude" , Me lhor que todos os ensinamentos, não há dú vidasque as trocas de cartas ou documentos, de álbuns e mesmo de jogosentre esco lares de diferentes países, contribuem à informação inter­

nacional da criança e, sobretudo, provocam um interesse difíc il deacontecer sem esses recursos. É isso que explica o marcante suces­so dessas tenta tivas e seu desenvolvimento crescente" . Em alguns

países os grupos da Cruz Vermelha da Juventude adquiriram tantaimportância que possibilitaram uma verdadeira organi zação autóno­ma das crianças ; é assim que na Hungria, J. E. Vajkai aprove itou

uma atividade própria da Cruz Verme lha da Juventude para organi­zar grupos na forma de self-government, cujas repercussões sobreo caráter e os comportamentos das crianças são dignos da maioratenção".

Conclusão

Uma idéia inspi rou este trabalho: a de que os procedimentosde educação mora l devem levar em conta a própri a criança. A esse

respe ito, os métodos ditos "a tivos" nos parecem superiores aos ou­tros . Na realidade, nossa verdadeira conclusão sobre esses pontos éque são essencia is nas verificações experimentais. O que mais falta

U Literature infant ine et col la borat ion international . Buerau Intern ation a l d 'Education, Geneb ra, 1929.

27 La Croix -Rouge de la Jeunesse.

'" Ver P. Bovet. Co rrespo ndances intersco laires . Developpem ents nouveax , Geneb ra,Bureau Interna cional d ' Education, 1929.

,. Ver La sa nt é, Fev, 1927, p. 37-44 ; e sobret udo, Child Sa ving and Child Training ,The Budapest Scheme; J. E. Vajka l, 2 ed., Londr es, The world's Children, 1926.

36 Crxco E STUDOS DE E DUCAÇÃO M ORAL

à pedagogia são as pesquisas de controle. Nós sabemos algo acercado que se faz nas diversas escolas da Europa, mas não sabemosquase nada dos resultados de nossos métodos - dos mais clássicosaos mais recentes - no espírito da própria criança .