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2 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

COORDENAÇÃO GERAL

Sônia Maria Franco Xavier

REDAÇÃO

Jornalista responsável: Alexandre Toler Russo

(MTb 33212)

Digitação de Textos: Fabiana Soler Amaral

Digitalização de Imagens: Fabíola Fioravante

Pesquisa: Cristina Toledo de Carvalho

Secretaria e Coordenação: Maria Ap. M. Fedatto

Assessoria: Paula Ferreira Fiorotti

Conselho Editorial: Alexandre Toler Russo, Celso de

Almeida Cini, Domingo Glenir Santarnecchi,

Humberto Pastore, Maria Aparecida M. Fedatto, Mário

Del Rey, Mário Porfírio Rodrigues, Paula Fiorotti,

Sônia Maria Franco Xavier (presidente), Yolanda

Ascêncio.

IMAGENS

Fotografia: Antônio Reginaldo Canhoni

Capa: Neusa Schilaro Scaléa

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO

INTEGRAÇÃO - Ponto a Ponto, Bairro a Bairro,

Notícias e Variedades / Antonio Devanir Leite Júnior -

MTb 19.866

FOTOLITOS E IMPRESSÃO

Gráfica Provo

A revista está aberta à colaboração de pesquisado -

res da História do ABC paulista. A seleção do mate-

rial é de responsabilidade do Conselho Editorial.

Originais encaminhados à Redação não serão de-

volvidos, com exceção de fotografias. Opiniões

emitidas nos artigos são de exclusiva responsabili -

dade de seus autores e não refletem, necessaria-

mente, a opinião da revista.

ISSN 1415-3173Ano XVII - Número 32- Dezembro de 2005

A Revista RAÍ Z ES é uma publicação semestral com distr ibuição gratuita .

Editada e Publicada pelaFundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

Av. Dr. Augusto de Toledo, 255 - Sta. PaulaCEP 09541-520 – São Caetano do Sul (SP)Fonefax (011) 4221-9008 e 4221-7420

www.fpm.org.bre-mail: [email protected]

[email protected]

Nossa Capa RAÍZES

Nossa Capa, deste número de Raízes, traz

uma montagem fotográfica para ilustrar as histórias

sobre o teatro amador, que, feito em São Caetano do

Sul há décadas, é tema do dossiê desta edição.

Destaque-se o brasão do SCEC – São

Caetano Esporte Clube, criado em 1914.

A foto original foi t irada na inauguração do

palco do clube, na rua Perrella, em 1933, com a

apresentação da peça Os Dois Sargentos, e pertence

ao acervo da Fundação Pró-Memória de São Caetano

do Sul.

Em cena os atores Matheus Constant ino,

Otávio Tegão, Pina Tegão e Abramo Cavassani, além

de duas pessoas não identif icadas.

Ilustrando a contracapa, uma foto do ator

Fernando Piva.

Palavra do Prefeito

R A Í Z E S 3D E Z E M B R O - 2 0 0 5

É gratif icante poder apresentar a você, caroleitor, mais uma edição da revista Raízes,publicação destinada à busca do resgate históricode São Caetano do Sul. Fruto da união do trabalhoda equipe da Fundação Pró-Memória com oscrescentes colaboradores, que fazem questão dedar depoimentos e expor suas memórias, trata-se deum documento que desperta sensações variadas eapaixonantes.

Em Dossiê, o enfoque é dado à história doteatro amador em nosso município, no séculopassado. Além da parte objetiva, baseada emdocumentos reunidos por historiadores da região,que tentam organizar os fatos de forma fidedigna,existe também um outro lado, subjetivo. Este podeser verif icado nos depoimentos repletos denostalgia, com toda a emoção peculiar aosprotagonistas daquela época. Essa deliciosa misturade jornalismo e arte torna a leitura agradável einquietante, o que também pode ser comprovado noartigo sobre a pinacoteca.

Na seção Artigos, a edição de número 32apresenta uma análise de nosso patrimônio cultural,esmiuçando aspectos que muitas vezes passamdespercebidos no nosso atribulado cot idiano.Também é lembrado um lado religioso, dentreoutras formas, por intermédio de um trabalhorealizado com as rezadeiras e benzedeiras de nossacidade, com destaque para sua fé. A história deRibeirão Pires também é contemplada nessa seção,conferindo um caráter regional a esta edição.

A voz dos munícipes ecoa em Depoimentos.Com relatos ecléticos, variando de lembrançasfamiliares a experiências internacionais, será umaseção capaz de despertar sentimentos imprevisíveisnos leitores, se estes se colocarem nos cenáriosdescritos minuciosamente pelos depoentes.

A parte de esportes traz curiosidadesacerca do lendário futebol de várzea, como apelidose expressões mais comuns nesse meio. Tambémsão retratadas muitas memórias do nosso futebol,sob a óptica de personagens que vivenciaram esseesporte conhecido como a paixão nacional.

Finalizando este número em grande estilo, oleitor é presenteado com registros fotográficosbastante peculiares, retratando toda a genealogia datradicional família Del Rey. É uma inovação nessaparte de Raízes.

Boa leitura!

Editorial

Sônia Maria Franco Xavier

presidente da

Fundação Pró-Memória de São Caetano Sul

José Auricchio Júnior,médico e atual prefeito deSão Caetano do Sul

Essa Raízes de que tanto nos orgulhamosé muito mais do que objeto cultural que resgata amemória de São Caetano do Sul. Encaro a revistacomo ferramenta didática não só como cidadãosulcaetanense, mas também como gestor. Ao medeleitar com os depoimentos que resgatamacontecimentos marcantes de nossa história,acrescento elementos fundamentais à execuçãode políticas públicas para nossa cidade.

É por não deixar o passado de lado, epromover a mescla bem dosada entre as visõesdo ontem, do hoje e do amanhã, que o gestor quebusca a eficiência e a transparência acima detudo constrói programas e os executa — poistenho comigo e sempre passo a meuscolaboradores que um governo sério é aquele quetransforma planos em realidade.

Justamente por possuir tal perfil deagregar conhecimento, Raízes deve ser leituraobrigatória para nossas crianças e jovens,aqueles que um dia estarão à frente de SãoCaetano do Sul. Uma cidade que pretendoentregar mais estruturada, mais justa e maishumana a nossos filhos.

Que o que vivemos hoje seja contadocomo uma bela história nas Raízes do amanhã.

Viva a memória de São Caetano do Sul!

As lições da memória

5 - Trajetória do Teatro Amador de São Caetano do SulCrist ina Toledo de CARVALHO

14 - Os Primórdios do Teatro na cidadeOscar GARBELOTTO

24 - Eu e o TeatroUrames Pires dos SANTOS

28 - Minha participação no teatro amador da cidadeJosé Bonifácio de CARVALHO

33 - Paulo Tachinardi Domingues: um homem polivalenteSonia Maria Franco XAVIER

37 - Núcleos Coloniais do ABC – O Núcleo de Ribeirão Pires e

a História do MunicípioCelso de Almeida CINI

59 - A importância das chaminés

61 - Caminhos da MemóriaAndré Luis Balsante CARAM

66 - E o Papa era brasileiro?!João Tarcísio MARIANI

69 - Mulheres de féPriscila GORZONI

77 - Pinacoteca como vitrine de arteNeusa Schilaro SCALÉA

82 - Giovanni, Piet ro e GeraldoAlexandre Toler RUSSO

85 - Antônio Alves, nordestino centenário, em São CaetanoYolanda ASCENCIO

87 - Lembranças do meu paiMaria de Lourdes VERTICCHIO

90 - Apelidos e expressões usados na várzeaNarciso FERRARI

95 - Memórias do nosso futebolPaulinho da VILLA

98 - Giuseppe Piet ro Lorenzini “ In w eiter ferne, so nah!”

Mário DEL REY

105 Paula FIOROTTI

Dossiê / Teatro

Regionais e Art igos

Cultura

Depoimentos

Esportes

Memória Fotográfica

Registro

4 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Índice

a década de 1920, o Brasil acha-va-se sob o domínio político dasoligarquias agrárias de SãoPaulo e Minas Gerais. Esta si-tuação, que resultou de um

esquema de poder idealizado durante apresidência de Campos Salles (1898-1902), perduraria até 1930. A partir dosprimeiros anos do decênio de 1920, odescontentamento de determinados seg-mentos da sociedade diante da estruturaoligárquica implantada tornou-se maisevidente. Em 1922, militares de baixa emédia patente deram início a uma série derebeliões contra o regime vigente. Estemovimento, que ficou conhecido comotenentismo, expressava, de uma certaforma, a indignação dos grupos sociaisurbanos em face da hegemonia das oligar-quias rurais no cenário político brasileiro.Nesta época, o clima era também de efer-vescência na cultura brasileira. Basta citara Semana de Arte Moderna, evento rea-lizado, em fevereiro de 1922, em São

Paulo. Na ocasião, diversos artistas e in-telectuais apresentaram-se no TeatroMunicipal com um único propósito:romper com os padrões estéticos vigentes.Foi durante este contexto de rebeldia eirreverência da História do Brasil que avida sociocultural de São Caetanocomeçou a ganhar ritmo intenso. O teatrofoi um dos elementos marcantes deste

Trajetória do Teatro Amador de

São Caetano do Sul

NN

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Dossiê/ Teatro CRISTINA TOLEDO DE CARVALHO (* )

Alguns integrantesdo grupo de teatrodo Grêmio InstrutivoRecreativo Ideal, emfoto da década de1920. Em pé, daesquerda para a dire-ita: MatheusConstantino, AldoNegrini, TeodomiroSigolo e OtávioTegão. Sentados, daesquerda para a dire-ita: dr. Constantinode Moura Batista,Ida Rutighiani (atrizde São Paulo que,posteriormente, tra-balhou na TV) eDante NegriniA

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processo de ascensão dasociabilidade local. Naépoca mencionada, a artedramática ensaiava seusprimeiros passos na cidadecom os seguintes atores:Arthur Garbelotto,Abramo Cavassani,Otávio Tegão, MatheusConstantino, entre outros.Com o objetivo de resgatara trajetória do teatroamador de São Caetano,este artigo apresenta, deforma breve, alguns fatosrelativos à evolução destaarte na cidade, no períodosituado entre 1922 e 1985. INÍCIO- Ao longo dasprimeiras décadas do sécu-lo passado, o lazer em SãoCaetano era promovidopor clubes e agremiaçõesesportivas. A finalidade

dessas instituições, porém, não serestringia exclusivamente à diversão dapopulação, uma vez que apresentavamtambém uma preocupação com a for-mação cultural dos sancaetanenses. Sendoassim, era comum os clubes possuírem emsuas sedes grupos de teatro. Um dosprimeiros grupos cênicos que surgiu noentão Distrito de São Caetano foi o doGrêmio Instrutivo Recreativo Ideal,agremiação fundada no dia 11 de janeirode 1922 com o intuito de promover even-tos sociais e desenvolver a cultura, pormeio do teatro. Apresentando umrespeitável elenco, o grupo do Ideal conta-va com a experiência de atores que jáhaviam passado pelo departamento deteatro do São Caetano Esporte Clube,como Matheus Constantino e OtávioTegão.

Por inúmeras vezes tal grupo apre-sentou-se em Santo André, Taubaté,Campinas, entre outras regiões. Mas

memorável foi a passagem pela cidade deItu, em 1925, a convite das autoridadeslocais. Na ocasião, os componentes doelenco do grupo cênico do GrêmioInstrutivo Recreativo Ideal encenaramDeus e a Natureza. A impecável apresen-tação dos atores conseguiu sensibilizar atémesmo um integrante da conceituada Cia.de Carrara (grupo profissional de teatroque, na época, atuava em São Paulo), queestava entre a numerosa platéia.

Conforme relatos, as peças destafase inicial do teatro amador de SãoCaetano eram montadas em italiano, emvirtude da grande influência exercida nacidade pela colônia italiana. A peça LaSorella del Cieco (A Irmã do Cego), apre-sentada na Sociedade de Mútuo SocorroPríncipe de Nápoles, em 1923, constituiexemplo disso.

A atuação de atrizes profissionaisde São Paulo foi outra característica mar-cante dos primeiros anos das atividadesteatrais em São Caetano. O conservadoris-mo e os tabus inerentes à sociedade doperíodo em questão explicam a grandedificuldade de se conseguir a participaçãode senhoritas e senhoras sancaetanensesnas montagens da primeira fase do teatroamador local. Mas isso não quer dizer quea população desaprovava a prática teatral.Muito pelo contrário. Tal era a aceitaçãodo público em relação ao teatro, que, em1927, São Caetano promoveu festivaisdramáticos, com grande repercussão nosmeios de comunicação da época. Isso semfalar do concurso realizado, em 1932, paraincentivar os artistas locais. A repercussãodeste evento na imprensa foi também sig-nificativa, uma vez que foi divulgado pelojornal O Imparcial. Três categorias com-puseram aquele concurso de 1932. Foramelas: melhor grupo de amadores dramáti-cos de São Caetano, melhor elementomasculino e melhor elemento feminino.

Em janeiro daquele ano, o resulta-do (ainda em fase de apuração) do concur-

No dia quatro deagosto de 1923, oCinema Centralcedeu seu espaçopara a apresen-tação da peçaAmor e Orgulho.Produzida pelogrupo cênico doGrêmio InstrutivoRecreativo Ideal, apeça em questãoarrecadou fundospara os festejos emlouvor ao padroeiroSão Caetano

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so foi publicado pelo jornal O Imparcial,conforme segue:

IGREJA - A Igreja Católica tambémocupou um papel de destaque na trajetóriado teatro amador da cidade. Oenvolvimento da comunidade católica deSão Caetano com a arte dramática teveinício em 1931, ocasião em que o padreAlexandre Grigolli organizou um festivalcênico no Grêmio Instrutivo RecreativoIdeal (na época, situado na Rua RioBranco, 45), em benefício do ExternatoSanto Antônio. Animado com o sucessoalcançado pelo evento, o padre AlexandreGrigolli resolveu dar continuidade aotrabalho de incentivo às artes cênicas coma finalidade, não só de proporcionarcondições para a formação da população,mas também com o propósito de angariarfundos para as obras de construção daIgreja Sagrada Família, que estavam nasua fase inicial, naquele ano de 1931. Paratanto, construiu, ao lado de tais obras, umsalão paroquial para a encenação deespetáculos dramáticos, que, mesmo apósa concretização daquelas obras,continuaram sendo organizados, primeirosob a direção do padre Alexandre Grigollie depois sob o comando do padre ÉzioGislimberti. As peças O Satã e O ChineloPerdido na Neve inauguraram asatividades teatrais naquele salãoparoquial. Na década de 1950, a IgrejaSagrada Família ganhou um novo salão,graças aos esforços do padre Ézio.Tratava-se do Teatro Paroquial PadreAlexandre Grigolli, espaço que passou a

concentrar a programação cultural daparóquia, da qual faziam parte asapresentações de teatro e outros eventosartísticos.

Após muitos anos de atividades, émuito difícil mencionar todos os atoresque passaram pelo grupo de teatro amadorda Igreja Sagrada Família. Sendo assim, omais viável é destacar alguns nomes queatuaram com maior freqüência, como:Antônio Coppini, Ignácio Borges, JoséBorges, Acácio Montini, Mário JorgeMontini, Carmo Perrella, BeneditoPavani, Waldomiro Kaminski, PauloTachinardi Domingues, Leonor Fiorotti,Aparecida Crivelari, Fanny Scartozzoni,entre outros nomes.

A Igreja da antiga Vila São Josémanteve também um grupo cênico, sob adireção de João Almendra, que já faziateatro desde os tempos de operário em SãoPaulo e feirante em São Caetano. Antes decoordenar aspeças na VilaSão José,dirigiu osg r u p o steatrais doss e g u i n t e sclubes dac i d a d e :Lázio, SãoC a e t a n o ,Monte Alegre e Cerâmica.

Um fato bastante curioso marcou oteatro do bairro em questão. Segundoconsta, antes da construção do salãoparoquial daquela igreja, as peças eramapresentadas na carroceria de umcaminhão. A falta de estrutura nãoprejudicou, contudo, o desenvolvimentoda arte dramática na Vila São José. Ogrupo cênico desta localidade de SãoCaetano foi convidado para inaugurar, emmeados da década de 1950, o cinema daIgreja Nossa Senhora da Candelária,paróquia situada no Bairro Oswaldo Cruz.

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Grupo Dramático Ideal 39 votos

Grupo Dramático 14 de Julho 28 votos

Otávio Tegão 16 votos

Dante Negrini 16 votos

Fernando Piva 11 votos

Antônio Fernandes 8 votos

Júlia Negrini 7 votos

Josefina Tegão 5 votos

O Monte AlegreFootball Club,

agremiação fundadaem 1917, tinhatambém o seu

grupo cênico. Nestafoto de 1930,

aparecem atores doclube caracteriza-

dos por ocasião deuma peça teatral.Foram identif ica-dos, da esquerda

para a direita:Merenciano Garcia

(o segundo, nafileira de cima),

Gregório Gil (o ter-ceiro, na fileira de

cima), LuizFernandes (o quin-

to, na fileira decima), CláudioWamondes (o

penúltimo, na fileirade cima) e Américo

Marzano (oprimeiro, em baixo)

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O elenco que seapresentou naocasião eraformado por:O r l a n d oM e r l i n o ,Antônio da CruzFaria, OrlandoA c o r i n t e ,Armando Osti,

Luciano, José Ribeiro, Durval Marçon,José Caçavara, Romeu Merlino, GabrielOsti, José Antônio Moreno e OtáviaGonçalves Bugesi.

NOVIDADE - Urames Pires dosSantos, que, entre meados da década de1940 e o ano de 1971, exerceu o cargo deengenheiro de produção de refratários naCerâmica São Caetano, envolveu-se como teatro da cidade numa época em que a

Paróquia Sagrada Família exercia umcerto domínio em matéria de iniciativasculturais. Durante a entrevista concedida aMônica de Souza, no dia 20 de março de1995, entrevista esta que integrou oprojeto da Fundação Pró-Memóriadenominado Histórias de Vida, Uramesfalou de sua experiência à frente do grupocênico do Cerâmica São Caetano FutebolClube, entre 1949 e 1958: RobertoSimonsen tinha muita visão social. Ele

achava que não era simplesmente pagarum ordenado para o empregado. Eleachava que (...) tinha que dar um confortomaterial, um conforto moral. Então eleincentivou criar na (Cerâmica) SãoCaetano uma cooperativa de consumo dosempregados; uma associação dosempregados; um fórum, onde se discutiamos problemas entre os operários; umteatro experimental. Fui, então, entrandonessa área. Eu já era ligado ao teatro. Naépoca de estudante (...) fazia curso naEAD (Escola de Arte Dramática). Então,fiquei entusiasmado (...) Fiz váriosespetáculos no (...) Cerâmica FutebolClube. (...) Chegamos a montar oprimeiro Teatro de Revista. A peçachamava-se “Brasil em Revista” (...)Aldemir Martins (renomado gravurista)foi quem fez todo o cenário. A peça erasimples. Usava moças e moços,funcionários da empresa, e treinava-ospara representar o estado de origemdeles. (...)

Urames Pires dos Santosprossegue recordando sua passagem peloteatro amador de São Caetano e chama aatenção para uma novidade que marcou aevolução da arte cênica na cidade: (...) euintroduzi em São Caetano um teatro semponto (...).

Este recurso a que se refereUrames consistia na transmissão do textoao personagem, técnica que deixou de serutilizada nos palcos brasileiros graças aZiembinski, ator e diretor polonês quechegou ao país no dia seis de julho de1941. O primeiro contato desse polonêscom a arte dramática brasileira ocorreuatravés d’Os Comediantes, grupo de teatroamador do Rio de Janeiro, do qual fizeramparte Agostinho Olavo, Bellá Paes Leme,Santa Rosa, Graça Mello, AuristelaAraújo, Stela Perry, Carlos Perry, entreoutros.

Urames Pires dos Santos destacoutambém em seu depoimento a influência

Flagrante d' OCastigo do Céu,peça produzida pelogrupo de teatro doCírculo Operário deSão Caetano doSul, sob a direçãoartística deFernando Piva. Foiexibida no CerâmicaSão CaetanoFutebol Clube nodia 31 de janeiro de1953

Flagrante da peçaUma Flauta para umNegro, de PedroBloch. Foi encenadano Teatro ParoquialPadre AlexandreGrigolli, em 1958.No elenco estavamPaulo TachinardiDomingues e NadirFerrari. UldericoGentili foi o autordo cenário

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exercida por Ziembinski junto ao teatrobrasileiro: O Ziembinski introduziu noBrasil o teatro sem ponto. Chegou aqui,viu o Procópio Ferreira, Dulcina deMoraes, Aracy Cortes, Jayme Costa, tra-balhando com ponto. Ele disse:

-Isso não existe. Teatro, hoje, naEuropa, é sem ponto.

Então, foi um alarme tremendo noRio de Janeiro e em São Paulo para intro-duzir o sem ponto. E foi o mesmo proble-ma que eu tive para introduzir o semponto em São Caetano. (...) Então, foiuma novidade, afirmou Urames.

Apesar dos esforços inovadoresdeste último, o teatro com ponto subsistiuem São Caetano até o início da década de1960, período de forte mobilização cultu-ral no município, em decorrência da atua-ção da Associação Cultural e Artística deSão Caetano do Sul (Acascs), instituiçãocriada em 1957.

ACASCS- A Acascs foiresponsável pela centralização da vidasocial de São Caetano, uma vez quereuniu atividades pertencentes a váriascategorias artísticas, com a finalidade deentreter a população e, principalmente,criar condições para sua formaçãocultural.

O teatro foi uma das principaisatividades mantidas pela instituição, quechegou a contar com três grupos cênicosna época em que estava instalada noquarto andar do Edifício Vitória, naesquina das ruas Baraldi e Santo Antônio,centro de São Caetano. Sob a direção dePedro Pardo Oller, Jayme da Costa Patrão,Carlos Rivani e Milton Andrade, taisgrupos, que assumiram o nome de TeatroExperimental, encenaram inúmeras peçase ganharam notoriedade na cidade e foradela. A montagem d’A Ceia dos Cardeais,de Júlio Dantas, teve granderesponsabilidade na divulgação do

trabalho desenvolvido pelaAcascs na área das artesdramáticas, pois, além deter sido apresentadadiversas vezes em SãoCaetano, foi exibida emSão Carlos e em SantoAndré, ocasião em queparticipou da abertura do IFestival de Teatro Amadordo Estado de São Paulo,em outubro de 1963. Noano seguinte, a Acascsmarcaria novamentepresença nesse festivalestadual de teatro com apeça Fogo Frio, de Benedito RuyBarbosa.

Em 1965, a programação teatral dainstituição continuou intensa. Clássicos dadramaturgia, como Eletra, de Sófocles(adaptada por Alberto Cavalcanti), e AsMáscaras, de Menotti Del Picchia, foramproduzidos sob a direção de MiltonAndrade e Jayme da Costa Patrão,respectivamente. As Máscaras, aliás,juntamente com As Mãos de Eurídice, dePedro Bloch, Pic-nic no Front, deArrabal, Antes da Missa, de Machado deAssis, e Humulus, o Mudo, de JeanAnouilh, foram apresentadas durante ascomemorações de aniversário da cidadedaquele ano, evento que se encerrou coma peça O Resto é Silêncio, estrelada peloconsagrado ator Sérgio Cardoso.

A Acascs reservaria ainda aopúblico de São Caetano do Sul amontagem de Odorico, o Bem Amado, deDias Gomes. Tal peça, que chegou a serexibida, não só no Grande ABC, comotambém em inúmeras cidades do Estadode São Paulo e do sul de Minas Gerais, foia última produção da Acascs. Asmudanças verificadas na direção dainstituição foram responsáveis pelaretirada de apoio ao teatro. Após algunsanos de atividades ininterruptas, o Teatro

João Almendra: atore diretor de teatro.

Escreveu váriaspeças e coordenouo grupo cênico dos

clubes Lázio, SãoCaetano, Monte

Alegre e Cerâmica,além de ter dirigido

o grupo da Igreja daantiga Vila São

José. Nesta foto dadécada de 1930,

ele aparece emplena encenação

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Experimental da Acascs chegava ao fim.A TURMA- O encerramento das

atividades cênicas na Acascsdesencadeou, no início de 1967, osurgimento de um novo grupo de teatroamador em São Caetano do Sul. Tratava-se do grupo A Turma. Ao contrário do quevinha sendo observado no teatro amadorda cidade, o novo grupo não se encontravavinculado a nenhum clube ou instituição.Composta de nomes que estiveramligados ao teatro da Acascs, sua diretoriaera a seguinte: presidente: MárioDal’Mas; vice-presidente: Jayme da CostaPatrão; primeiro tesoureiro: JoãoFernandes; segundo tesoureiro: PlínioTurco; diretor artístico: Milton Andrade;diretor técnico: Carlos Rivani;propaganda: Armando Joel Nelli eAntônio Carlos de Carvalho; conselhofiscal: João Batista de Carvalho, ÂngelaPedutto e Roberto Fraga; suplentes: PauloTachinardi Domingues, Vera Ribeiro eYeda Feijão.

Duas peças marcaram o início dasproduções do grupo A Turma, em abril de1967: Odorico, o Bem Amado, comdireção de Milton Andrade, e A Raposa eas Uvas, de Guilherme Figueiredo, comdireção de Carlos Rivani. Ambas foram

apresentadas no Auditório MunicipalSantos Dumont, pois o grupo não possuíaainda um espaço próprio. Até a obtençãodeste, os ensaios foram realizados naantiga sede do São Caetano EsporteClube, na Rua Perrella. As condiçõesprecárias de tal prédio dificultavambastante as ações do grupo.

A solução para o problema surgiuquando a General Motors desativou o seusetor de heliografia, que funcionava nosótão de um prédio que ficava no nº 1005da Rua Baraldi. Neste lugar, foiconstruído um teatro de arena, que ficouconhecido como Sótão 1005. MiltonAndrade, no dia seis de maio de 1995,durante o evento Vamos Falar de SãoCaetano, realizado no SESC, recordoualgumas passagens que cercaram aconstrução da sede do grupo A Turma,como a seguinte: O Mário (Dal’Mas)achou um cinema em São Paulo queestava fechando as portas, e comprou aspoltronas, que a ZF doou (sic). (...) Máriodisse ao gerente da ZF, Herbert Graemer,que estávamos montando um teatro, e eledeu a quantia total. As cadeiras eram doCine Estrela, no Jabaquara, na Praça daÁrvore (...).

No dia oito de setembro de 1967, o

Elenco de Eletra, deSófocles, peça pro-

duzida pelo grupode teatro da

Acascs, em 1965.Em pé, da esquerdapara a direita: João

Fernandes, MárioDal'Mas, Milton

Andrade, IdaPedutto, Dárcio

Martorelli, DeolindaSpinello, Ângela

Pedutto, CaetanoNóbile, VeraRibeiro, JoséBonifácio de

Carvalho, PaschoalRaimundo, Jaymeda Costa Patrão e

Josmar Martins.Sentados, da

esquerda para adireita: Antonieta

Maffei, Yeda Feijão,Paulo Tachinardi

Domingues eAntônio Carlos de

Carvalho

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Sótão 1005 abriusuas portas aopúblico sul-sancaetanense. Naocasião, foi exibida acomédia Boa Tarde,Excelência, do autorgaúcho SérgioJ o c k y m a n .Protagonizada porPaulo Goulart, NiceteBruno e Lutero Luize dirigida porAntônio Abujamra, areferida peçainaugurou umperíodo de sucessivas encenações degrupos profissionais no Sótão 1005.

O primeiro espetáculo produzidopelo grupo A Turma no novo espaço foiNa Época dos Inocentes, dirigido porCarlos Rivani e encenado no dia oito deabril de 1968. Em seguida, observou-seuma remontagem de Fogo Frio, que, sobo comando daquele diretor, contou com oseguinte elenco: Nanry Negrini, Rubensde Carvalho, José Bonifácio de Carvalho,Vera Ribeiro, Dario Cavana, Jayme daCosta Patrão, Marco Antônio Rivani eJosé Maria.

A Mandrágora, de Maquiavel, foia montagem seguinte d’A Turma. Noelenco desta produção, que foi dirigidapor Milton Andrade, estavam: MárioDal’Mas, José Bonifácio de Carvalho,Josmar Martins, Roberto Fraga, JoãoNascimento, Ângela Pedutto e VeraRibeiro.

OUTROS GRUPOS- No edifícioonde estava instalado o Sótão 1005ocorria uma constante movimentação deestudantes residentes na cidade. Issoporque o grupo de teatro do CentroAcadêmico de São Caetano do Sulencontrava-se lá sediado. Fundado em1963, sob a orientação do professorDyrajaia Barreto, tal grupo de teatro era

formado, predominantemente, poruniversitários. Entre estes estavam LuizAntônio Cicaroni, Adilson Rolim, PauloMarchesan, Hélio Savioli, AntônioCláudio de Souza e Antônio Aurélio.

A peça Do Tamanho de umDefunto, de Millor Fernandes, marcou,em 1963, a estréia do grupo, que assumiua denominação Grudyba (Grupo DyrajaiaBarreto), em homenagem ao seu principalincentivador. Posteriormente, houve amontagem d’A Inconveniência de SerEsposa, de Silveira Sampaio, e de TodaDonzela tem um Pai que é uma Fera, deGláucio Gil. A temática sociopolíticapassou a ser abordada pelo grupo nasproduções subseqüentes, como forma dediscutir a truculenta realidade pela qualpassava o Brasil naqueles tempos deditadura militar. Dentre as peças queintegraram esta fase de maior politizaçãodo Grudyba merecem destaque ARevolução na América do Sul, de AugustoBoal, e O Santo Inquérito, de DiasGomes, cuja estréia ocorreu no dia 19 dejaneiro de 1968, ano da entrada em vigordo Ato Institucional nº 5 (AI-5), atravésdo qual a repressão no país atingiu suafase mais severa.

O ano de 1968 foi também muitosignificativo para o teatro amador de São

Elenco deOdorico, o BemAmado, peça quemarcou a estréiado grupo ATurma, em abrilde 1967. Em pé,da esquerda paraa direita: AntônioCarlos Mazer,Roberto Fraga,Tarcísio Cardieri(ao fundo), MárioDal'Mas, Jaymeda Costa Patrão eSílvia Tessuto.Sentados: JosmarMartins e VeraRibeiro

Acervo:José Bonifácio de Carvalho

D E Z E M B R O - 2 0 0 5 RAÍZES12

Caetano do Sul, pois além da atuação d’ATurma e do Grudyba, mais dois gruposestavam em plena atividade na cidade, noperíodo assinalado: Grupo Teatral Scala(liderado por Hortência Rodrigues eRichards Paradizzi) e Grumasa (GrupoMaria Salete), que pertencia ao ColégioEstadual de Vila Barcelona, atual EscolaEstadual Idalina Macedo da Costa Sodré.

O envolvimento da cidade com oteatro já era bastante evidente quando SãoCaetano foi escolhido para sediar, emagosto daquele ano, no AuditórioMunicipal Santos Dumont, a faseeliminatória do VI Festival de TeatroAmador do Estado de São Paulo.Contando com a presença de 12 elencosda região (estando entre eles os quatrogrupos de São Caetano), tal evento foibastante conturbado. Isso porque aFederação Andreense de Teatro Amador(Feanta), responsável pela organizaçãodaquele festival, tentou desclassificar oGrudyba quando este solicitou um outroespaço para O Santo Inquérito, espetáculoque havia sido preparado pelo grupo paraser encenado em arena. Em sinal deprotesto, os quatro grupos sul-sancaetanenses e mais dois de SantoAndré optaram pela saída do festival.Caso a interferência de Cacilda Becker,então presidente da Comissão Estadual deTeatro, não tivesse ocorrido, o VI Festivalnão teria se concretizado. Apaziguados os

ânimos, o evento prosseguiu. O SantoInquérito sagrou-se vencedor da faseeliminatória, chegando, posteriormente, àfinal do VI Festival de Teatro Amador doEstado de São Paulo como representantedo Grande ABC.

A década de 1960 marcousobremaneira a trajetória do teatro amadorde São Caetano do Sul. Os espetáculosproduzidos pela Acascs, o aparecimentode outros grupos cênicos e a realizaçãodaquele VI Festival são apenas umamostra do que foi registrado em termos dearte dramática na cidade, no períododestacado.

Os anos de 1970 reservariamtambém acontecimentos importantes aoteatro amador local, como o surgimentodo MCTA (Movimento Cultural, Teatral ede Artes) e do Grupo Labore de Teatro.Este último foi fundado pouco tempodepois do encerramento das atividadesd’A Turma, que, impossibilitada, pormotivos diversos, de continuar usando oSótão 1005, chegou ao fim. Alguns deseus ex-integrantes, como MárioDal’Mas, Jayme da Costa Patrão, CarlosRivani, entre outros, resolveram, então,fundar o Grupo Labore de Teatro, com afinalidade de dar continuidade ao trabalhoque vinham desenvolvendo na artedramática desde os tempos da Acascs. OLabore teve uma existência breve. Aprimeira e única peça que montou foi acomédia A Guerra Mais ou Menos Santa,de Mário Brasini. Apresentada no Porão(nome dado ao pequeno espaço quefuncionou na Rua Baraldi, 811, como sededo grupo), a montagem foi assistida porautoridades municipais da época, queprestigiaram o espetáculo logo na suaestréia, no dia 14 de outubro de 1977. Oêxito obtido neste trabalho não foi,todavia, suficiente para conservar o grupoem atividade. As dificuldades para mantero espaço, aliadas a outros fatores, foramresponsáveis pelo término do Grupo

Elenco e equipe técnica de TodaDonzela tem um Paique é uma Fera,uma das primeiraspeças produzidaspelo Grudyba, grupoque iniciou suasatividades em 1963.Em pé, da esquerdapara a direita: João Ortuño,Gongora(Joãozinho),Miguel Romano eAntônio Carlos deCarvalho. Sentados, daesquerda para adireita: Luiz AntônioCicaroni, Adilson Rolim, Israel Laterman eNelson Savioli. As atrizes são as irmãs Sílvia (à esquerda) eBeth Martinez

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Labore de Teatro.Enquanto este saía de cena, o

MCTA dava seus primeiros passos nacidade. A estréia do grupo que foifundado por Carlinhos Lira ocorreu em1976, com a montagem da peçaFratricida. Inúmeras produções vieram naseqüência, entre elas O Último Trem dasOnze, espetáculo encenado, em 1985, comum dos maiores elencos já montados noGrande ABC.

Ao longo dos seus 29 anos deexistência, o MCTA foi premiado emfestivais regionais e nacionais. Mas isso jáé assunto para uma outra pesquisa. O fatoé que o teatro amador, em todas as fasesde sua trajetória na cidade, envolveudiferentes gerações em torno de ummesmo ideal: o amor pela arte deinterpretar.

RAÍZES D E Z E M B R O - 2 0 0 5 13

- Atores do MCTAencenando O ÚltimoTrem das Onze, deCarlinhos Lira. Anode 1985

(*) Cristina Toledo de Carvalho é graduada em História pelaUniversidade do Grande ABC e pesquisadora da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

FONTES -

BOTTEON, Mário. “O teatro amador de SãoCaetano do Sul (14)” in Jornal de São Caetano.05/12/1987. p.3.________________. “O teatro amador de SãoCaetano do Sul (19)” in Jornal de São Caetano.30/01/1988. p.3.________________. “O teatro amador de SãoCaetano do Sul (26)” in Jornal de São Caetano.19/03/1988. p.3.________________. “O teatro amador de SãoCaetano do Sul (27)” in Jornal de São Caetano.26/03/1988. p.3.FAUSTO, Boris. História do Brasil. 8 ed. SãoPaulo: Edusp, 2000.FRANCO, J. B. “O teatro em São Caetano comomeio instrutivo” in Jornal de São Caetano.27/07/1963. p.7.MEDICI, Ademir. Migração e Urbanização: APresença de São Caetano na Região do ABC.São Paulo: Hucitec; Prefeitura de São Caetano doSul, 1993._______________. Uma História de Campeões:Os 89 Anos do São Caetano Esporte Clube. SãoPaulo: Neo Graf, 2003.MICHALSKI, Yan. Ziembinski e o TeatroBrasileiro. São Paulo: Hucitec; Ministério daCultura/ Funarte, 1995.SILVA, José Armando Pereira da. “Teatro localcentralizava atividades culturais nos anos 60” inRaízes. Ano XI, nº 21. São Caetano do Sul:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul,Julho/2000.VALENTIM, Osmar Costa. “MCTA, 20 anos deatividades teatrais ininterruptas na cidade” inRaízes. Ano VII, nº 14. São Caetano do Sul:Assessoria de Comunicação Social da Prefeiturade São Caetano do Sul, Julho/1996.VERONESI, Henry. “Foi uma vez umasociedade...” in Raízes. Ano III, nº 5. São Caetanodo Sul: Assessoria de Comunicação Social daPrefeitura de São Caetano do Sul, Julho/1991.

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

14 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

A VIDA CULTURAL EM SÃO CAETANO

NO INÍCIO DO SÉCULO XX

A juventude local era muitointeressada nas manifestações culturais queocorriam na capital paulistana. Talvez adescendência européia, em sua maioriaitaliana, com sua formação cultural bastantedirecionada para as artes, particularmentepara a música, fosse o principal fator queimpulsionava a vontade de ver e participar dosespetáculos, apesar das dificuldades a sersuperadas. E não eram poucas. Todos eram defamílias relativamente pobres, nas quais nãohavia espaço para o supérfluo; raros eram osque possuíam situação financeira maisconfortável. O único transporte para SãoPaulo era o trem. Servia, porém, apenas para aida, já que o último saía da Estação da Luzpara São Caetano às 19 horas, não havendonenhum outro horário para a volta. Mas

sempre havia alegres grupos que, para nãoperder os espetáculos que terminavam porvolta das 23 horas, aventuravam-se em outraalternativa para o retorno: voltavam de bondedesde a Praça da Sé até o Largo da VilaPrudente ou até o Sacomã e seguiam a pé orestante do caminho até São Caetano.

Outros fatos interessantes ilustramesta época, entre os quais, digno de nota, agrande preocupação dos jovens quedesejavam ser atores em procurar sempre asprimeiras fileiras dos teatros para observar deperto os gestos, a entonação de voz e tudo oque pudesse lhes trazer aprendizado.

Olindo Quaglia, em depoimento amim dado em l993, lembrou que eracompanheiro de Arthur Garbelotto nasviagens a São Paulo, onde freqüentavamteatros. Afirmou que Arthur tinha tantointeresse na atuação dos atores que acabou porreceber dos amigos o apelido de Sting,

Dossiê/ Teatro OSCAR GARBELOTTO (* )

Os primórdios doteatro na cidade

Estatutos do São Caetano E.C. de 26 de setembro de 1919, nos quais jáestá prevista a Corporação Dramática

R A Í Z E S 15D E Z E M B R O - 2 0 0 5

conhecido personagem da peça ÁguasQuietas, encenada no Teatro Boa Vista, poruma companhia italiana

Na cidade, poucas eram asmanifestações culturais. A SociedadeBeneficente Principe di Napoli era a únicaatuante, desde sua fundação em 1892,promovendo festividades cívicas em datasimportantes (promovia os festejoscomemorativos da chegada dos italianos, em28 de julho, entre outros), sempre com apresença de bandas musicais. Em muitasocasiões, pequenos grupos encenavam peçasalusivas às datas, mas nada que pudesse secaracterizar como teatro.

No campo musical, a Principe diNapoli deu enorme passo ao formar a BandaCasa de Savoia, com a participação dehabitantes locais, sob a regência do maestroJoaquim Capocchi (de São Paulo). Não sesabe a data de sua formação, mas existemregistros da importância e da fama destabanda, que obteve a segunda colocação emconcurso de bandas realizado no Jardim daLuz, bem como de suas apresentações emcidades vizinhas e do interior, como Jundiaípor exemplo. O Museu Municipal guarda umdos lindos uniformes da banda.

As quermesses eram outros locaisonde se apresentavam as bandas musicais(merecem ser lidas as poéticas palavras deNicola Perrella sobre as quermesses e sobre avida em São Caetano em seu livro Entre asTorbas de São Caetano).

Enquanto o teatro aguardava sua vezpara surgir na cidade, a música expandia-senas reuniões, quermesses, festas e nosencontros familiares. O canto,

particularmente, trazido pelo hábito defamílias italianas aqui chegadas na década de20, deixou marcas expressivas na cidade. EmSão Caetano, havia um grupo de cantores,formado pelas famílias Piccolo e Ceschin, quecantava canções populares italianas, árias deóperas e trechos corais famosos como oNabuco, de Verdi. Os seus membros eram:Girolamo Ceschin (muito conhecido comoMomi) e os piccolos Cândido e Amália e seusfilhos Ângelo, Humberto, Victorio, Thereza,Rosa, Amabile e Albino, mais conhecidocomo Bepi, que estudou e participou do Coraldo Teatro Municipal de São Paulo, além dosgenros Mero Mario Basso e GilbertoGrigoletto .

AS DÉCADAS DE 10 E 20

Pelos depoimentos orais existentes, osjovens locais, nesse período, procuravam algomais consistente, que viesse servir,simultaneamente, como entretenimento ecomo veículo para a formação cultural. Sabe-se que São Caetano era local de gentehumilde: trabalhadores braçais de oficinas, deolarias, da construção; dos plantadores depequenas hortas; de alguns operários dasindústrias que aos poucos surgiam. A culturanão era o forte da população local, mas umpequeno grupo - os freqüentadores dos teatrospaulistanos - começou a mudar o perfil dacomunidade, como veremos adiante.

Elenco de Manhãsde Sol, de OduvaldoViana, uma daspeças de maiorsucesso no SãoCaetano E.C.(1934). Em pé, daesquerda para adireita: (?), AldoNegrini, (?), (?),Vitório Menin,Valdemar Veiga,Arthur Garbelotto,Ferruccio Manilli,Germano Miazzi,Aladino Grecchi eAbramo Cavassani.Sentados, daesquerda para adireita: (?), CarmelaPaolillo, (?), (?) eAugusto Barone.Sentadas, no chão,da esquerda para adireita: LucilaCavassani, EdaCavassani (f ilhas deAbramo) e LeonorNavarro. A peça seria reapresentada diversas vezes. Aúlt ima em 13 denovembro de 1937

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16 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Com a instalação da Paróquia de SãoCaetano na Matriz Velha, em l924, ossacerdotes católicos trouxeram conhecimentoe cultura italiana, influenciando,decisivamente, na introdução de outrosvalores na mente dos humildes cidadãos daépoca. Na verdade, estas décadas foram osdegraus da evolução cultural local.

Não há muitos documentos nahistoriografia local a respeito do surgimento eda trajetória do teatro. No entanto, a históriaoral, as atas e outros documentos da Principedi Napoli e do São Caetano Esporte Clubepermitem traçar, com alguma margem desegurança, a história do teatro na provincianacidade.

Da Principe di Napoli temos atas desua fundação (de l892 até 1911), retomadasapenas em 1929. Do São Caetano E.C., as atasguardadas são do período de nove de maio de1922 em diante. Do Grêmio InstrutivoRecreativo Ideal, outro importante núcleoteatral, nada restou a não ser a história oral.

A PRIMEIRA PEÇA ENCENADA

EM SÃO CAETANO

a) no São Caetano Esporte Clube

No livro do São Caetano E.C., deautoria de Ademir Medici (Uma História deCampeões – 2003), escrevi um artigoabordando o teatro no clube. Referi-me a umahistórica reunião que promovi em l974, noIMES, quando Manoel Cláudio Novaes e

Mario Dal’Mas afirmaram que, segundohaviam escutado, a primeira peça teatral nacidade foi encenada na Sociedade de MútuoSocorro Principe di Napoli, em sua sedesocial da Rua Perrella, em l923. O título eraLa sorella del ciecco (A irmã do cego),totalmente falada em italiano, porque erarealizada na escola de italiano da referidaentidade. Não se tem notícia de quem era seudiretor, porém, segundo Mario Botteon[1], osatores foram: Dante Negrini, MatheusConstantino, Otavio Tegão, Aldo Negrini,João Barille, Ângelo Veronesi e Madame DeCamillis (atriz profissional convidada). Oelenco foi confirmado por Mario Dal’Mas. Noentanto, após renovadas pesquisas, sou pelareformulação dessa opinião, para afirmar queas primeiras peças foram realizadas no SãoCaetano Esporte Clube. Vamos aos fatos.

Como resultado de uma fusão entredois clubes, Clube dos Amigos e Rio BrancoF.C., nasceu o São Caetano Esporte Clube, emprimeiro de maio de l914. Surgiu mais fortesocialmente, o que permitiu uma vida socialmais intensa, mais organizada. Era o quefaltava à cidade. Um clube queproporcionasse, além do futebol,entretenimento às famílias.

Como já se mencionou, a Principe diNapoli era uma sociedade assistencial queproporcionava lazer apenas em ocasiõesespeciais. Sendo assim, o recém-fundadoclube foi realmente o primeiro com umdepartamento social específico e também oprimeiro a ter um departamento de arte

Cena da peça OsDois Sargentos

(1933). SegundoJácomo Lorenzini,

foi a peça queinaugurou o novo

palco do SãoCaetano E.C., naRua Perrella. Em

cena, da esquerdapara a direita:

MatheusConstantino,

Octávio Tegão, (?),Pina Tegão,

Abramo Cavassani(sentado) e (?).Atuaram ainda

Arthur Garbelotto,José Cavassani e

outros

1.- Mario Botteon -Jornal de S.Caetano,

dezembro de 1987.

Notas

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R A Í Z E S 17D E Z E M B R O - 2 0 0 5

dramática. Diz o artigo 32 do Estatuto doClube, aprovado em Assembléia Geral de 28de setembro de 1919: A CorporaçãoDramática ficará a cargo de um Director-Scenico, para esse fim nomeado pelaDiretoria (sic)[2]. No mesmo Estatuto, emseu artigo primeiro, comenta-se sobre os finsda sociedade: ...e Arte Dramática.

Os estatutos foram elaborados porcomissão constituída pelos sócios JúlioMarcucci, Ângelo Veronesi e João Barile.

Ambas as referências indicamclaramente a existência de atividades voltadaspara o teatro, pelo menos desde l9l9. É certoque a sede social da Rua 28 de Julho,inaugurada em 1922, veio dar melhorescondições para a realização de peças teatraiscom seu palco, mas outros fatos confirmam aexistência de peças teatrais anteriores a l922,no São Caetano, em pequeno salão que,anteriormente, pertencia à Principe di Napoli,na Rua Rio Branco, onde hoje há uma loja decalçados.

Os fatos referidos são depoimentos deGermano Miazzi[3] e Thereza PiccoloGarbelotto. O primeiro participou, juntamentecom João Domingos Perrella Neto, nosserviços de montagem de cenários, ainda nasede da Rua 28 de Julho. É dele ainda alembrança da adaptação do palco, comlâmpadas na ribalta e no alto para facilitar otrabalho teatral. Miazzi e Perrella erammarceneiros, aptos, portanto, ao trabalho demontagem em madeira, como eram oscenários na época. Thereza P. Garbelotto, porsua vez, sempre foi categórica ao afirmar queArthur Garbelotto, que viria a ser seu marido,um dos principais atores e dirigentes do teatrono São Caetano, ingressou no grupo teatralaos l6 anos. Considerando que Arthur nasceuem l904, teve sua iniciação teatral, no clube,em l920.

Se esses fatos não bastam paraconcluir que o São Caetano E.C. foi opioneiro do teatro na cidade, surgiu emrecente pesquisa a prova final: texto da ata doclube de 12 de dezembro de 1922, página 29,diz: ...foi deliberado promover uma festadançante dramática para o dia 25 dedezembro.[4]

Ora, se já não existisse um grupo

atuante, pessoas leigas no assunto jamaisensaiariam uma peça teatral em apenas 12dias.

Concluímos, portanto, pelo conjuntode provas, que o São Caetano E.C. foi oprimeiro clube local a ter um grupo teatralorganizado e produzindo espetáculos. Eapesar da única prova material disponível, écerto que, em anos anteriores, já haviadedicação de muitos ao teatro.b) no Grêmio Instrutivo Recreativo Ideal

Outro fato importante para concluirpela existência real do teatro local, antes damencionada peça La sorella del cieco, foi afundação do Ideal em 11 de janeiro de l922.Em artigo na Revista Raízes[5] HenryVeronesi dá notícia da primeira sede desteclube ...num pequeno salão situado nocruzamento das ruas dr.Rodrigues Alves eHeloiza Pamplona, em frente à propriedadeda firma Irmãos Barile. Continua: ... com odesenvolvimento das atividades culturais esociais, a sociedade foi arrebanhandodezenas de novos sócios, o que obrigou aentidade a mudar-se para um edifíciomaior...e um enorme palco onde eramrepresentadas as peças teatrais.

A mudança para o novo salão, na RuaRio Branco, deu-se em data desconhecida.Posteriormente, quando o Ideal mudou-separa a Rua Santa Catarina, este mesmo salãofoi ocupado pelo C.E. Rio Branco, fundadoem primeiro de maio de l930.

J.B.Franco, em artigo jornalístico [6],ressalta fatos que merecem atenção.Respondendo à própria indagação de comocolaborar com a cultura da cidade, afirma:Havia necessidade de aproveitar os elementosque sabiam representar no palco...

Segundo Franco, no próprio clube foicriada a Companhia Teatral de São Caetano,nome pelo qual apresentavam-se as peçasteatrais. Os ensaios teriam tido início em l922,e as apresentações, assim que os problemas deespaço e palco foram superados, aconteceramem data que, infelizmente, perdeu-se notempo.

Os elementos que sabiam representarnos palcos eram os mesmos elementos que jáatuavam nos palcos do São Caetano E.C.Disto não haverá dúvidas se compararmos as

2.-Estatuto doS.Caetano E.C. de28 de setembro del9l9 (acervo deArthur e TherezaPiccolo Garbelotto).3.-Depoimento deGermano Miazzi inRaízes nº. 7, julhode 1992.4.-Ata doS.Caetano E.C. del2 de dezembro del922, pág. 29.5.- Henry Veronesiin Revista Raízesnº. 5, págs. l7 a24.6.-J.B.Franco -Jornal de SãoCaetano de 27 dejulho de l963.

Notas

18 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

listas dosfundadores doIdeal – citadaspor Veronesi eFranco – comos militantesdaquele clube.Se incluirmos,então, osa t o r e senumeradospor Franco,s e r áindiscutível a

dedução de que quase todos os atores do SãoCaetano, pela experiência adquirida, atuavamtambém pelo novo clube. Neste contextopodemos citar: Octávio Tegão, MatheusConstantino, Abramo Cavassani, ÂngeloAladino Grechi, Aldo Negrini, João Barile,entre outros.

Na verdade, esse intercâmbio artísticoexistente entre os grupos teatrais locais, nãosó entre São Caetano e Ideal, mas, também,entre os grupos que surgiram após, era muitonatural. Se existiam rivalidades, estas nãoatingiam os membros do teatro, quevalorizavam a cultura acima de tudo. Quandoera necessário um determinado perfil de atorpara certas peças, os convites eram,naturalmente, formulados. Era sadio orelacionamento.

Para mim, não resta nenhuma dúvidade que, por ocasião da peça La sorella delcieco, encenada em l923 na Principe DiNapoli, São Caetano E.C. e Ideal já possuíamgrupos teatrais atuantes e, por isso mesmo,uniram-se para formar o elenco daquela peça.

OS GRANDES NOMES DO TEATRO LOCALE SEUS “ENSAIADORES” NO INÍCIO DA DÉCADA DE 20

A própria constituição do elenco queencenou a peça La sorella del cieco aponta osnomes dos pioneiros do teatro local, quasetodos pertencentes ao São Caetano E.C.. Doelenco, apenas Dante Negrini era associadodo clube. A atriz convidada era profissionalde São Paulo. Mas é provável que Danteacompanharia seu irmão Aldo, já queformavam um grupo bem homogêneo e bem

definido em seus propósitos.Esse grupo deixou o São Caetano na

cisão entre Octávio Tegão e o presidente JoãoVamondes, relatada na ata de oito de março de1923, págs.58 a 61. Tegão é eliminado porcontagem apertada: 59 contra 49. Afinaltratava-se, já na época, de nome importante noclube, graças a sua atuação nos palcos e aosserviços prestados ao clube. Era inclusivesócio benemérito. Sua demissão descontentoua muitos, e nomes importantes solicitaramdemissão: Matheus Constantino, AntonioBarile, João Barile, Ângelo Veronesi, entreoutros. Era o grupo do teatro.

Até oito de março de 1923, Tegão eConstantino, apontados como fundadores ediretores do Grêmio Instrutivo RecreativoIdeal, em 11 de janeiro de 1922, continuavamcomo sócios, diretores e militantes no teatrodo São Caetano E.C. É de se supor que adesavença tenha gerado transtornos tambémpara o grupo teatral, mas não a ponto deromper com a amizade e o relacionamentocultural que movia os integrantes do teatro.

Tegão foi logo reintegrado ao clube,assim que houve o afastamento do presidenteVamondes. Em quatro de dezembro de 1923,sua demissão foi reconsiderada e nunca maisse afastou do clube, tendo, inclusive, sidoeleito presidente para a gestão de 1951/52,após ter sido vice-presidente de 1938 a 1942.Por sua vez, Antonio, João e Orlando Barile eMatheus Constantino, que afastaram-se eml923, retornaram ao clube em 29 de setembrode 1925; em seis de outubro de 1925,retornaram Ângelo Veronesi e Aldo Negrini.Era parcela de fundadores do Ideal e notóriosatores que retornavam ao berço do SãoCaetano.

O que devemos considerar, noentanto, é que o teatro local ganhava novadimensão com a criação da Cia. Teatral deSão Caetano, sob os auspícios do Ideal.Afinal, eram dois os grupos atuantes, emborahouvesse atores comuns a ambos.

Enfim, reunidos num mesmopropósito, o grupo teatral do São Caetanoatingiu seus melhores momentos. Sob aliderança de Arthur Garbelotto e AbramoCavassani, este também “ensaiador”, atoresde méritos indiscutíveis tais como Aladino

Lateral esquerda dopalco na noite deinauguração da novasede do São CaetanoE.C. Senhoritas doclube (vestidas debranco e preto), adiretoria e outrasautoridades recepcionaram oprefeito de SãoBernardo, FelícioLaurito, e suaesposa. (Nove dedezembro de 1933)

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

R A Í Z E S 19D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Grecchi (também “ensaiador”), OctávioTegão, Matheus Constantino, HermenegildoNetti, Aurélio Tenca, Antenor Alonso, donaPina Tegão, Mario Menim, Victorio Menim,Aldo Negrini, Teodomiro Sigolo, FranciscoFiorotti e as atrizes paulistanas maisfreqüentemente contratadas Leonor Navarro,Nara Navarro, Amélia Ilema e Elena Santinifreqüentavam os palcos locais e lotavam ossalões. Augusto Barone, companheiro deLeonor Navarro, também atuou como“ensaiador” e orientador dos atores locais.

Em 1924, um novo “ensaiador” foicontratado pelo São Caetano: UldericoNegrini, (provavelmente parente dessaextraordinária família de artistas, os Negrini),que vinha de São Paulo para dirigir os artistaslocais. Logo a seguir, Ulderico pediuautorização para estrear um drama no dia l9de abril de 1924. Sem perda de tempo,anunciou, também, em primeiro de abril, oprograma para aniversário próximo de doispequenos dramas, um em italiano e outro emportuguez (sic)[7].

Já a esta época o Ideal, através de suacompanhia, também estava em plenaatividade, e pontificavam, praticamente,quase todos os nomes já referidos além deFernando Piva, João Barile, Adriano Galiazi,Duílio José Quaglia e José Costa. Integrava ogrupo o dr. Constantino Moura Batista, autorde várias peças de grande sucesso, tais comoCocaína e Escravo.

A cultura, a arte e a populaçãoganhava com a grande atividadedesenvolvida.

Eis algumas peças citadas porJ.B.Franco [8], levadas pela Cia. de Teatro DeSão Caetano, na década de l920: Amor eOrgulho, Otello, A Morte Civil, Deus e aNatureza, Morgadinha de Valflor, A Inimiga,Os Dois Sargentos e Paixão de Cristo. Estaúltima, sempre encenada na Semana Santa.

Já no São Caetano E.C. podemoscitar: Manhãs de Sol, Feitiço, a opereta Rosasde Nossa Senhora, Os Dois Sargentos, Barãoda Fonte Arcada, Terra Bendita, A Inimiga,Compra-se um Marido, São Luiz Gonzaga,Deus lhe Pague, Ré Misteriosa, Paixão deCristo, entre outras.

O ano de 1928 e os seguintes

Destaco o ano de l928 pelo fato deencontrarmos, neste ano, referências maioressobre o teatro local no quase desertodocumental que envolve os primórdios.Mesmo as atas do São Caetano dão, como eranatural para a época, destaque ao futebol e às

atividades sociais. Nelas encontramosesparsas citações do teatro. E como nada ficoudo Ideal e sua companhia, a não ser artigosmemorialistas, vamos ao São Caetano Jornal,deixando de lado, pelo menostemporariamente, o belíssimo álbum de fotose recortes organizado por Fernando Piva(acervo da Fundação Pró-Memória) pelaimpossibilidade de pesquisa no momento epela premência do tempo para a edição desteartigo. Fica o compromisso para ampliar opresente trabalho com o acervo de FernandoPiva e outros eventuais que surgirem.

O São Caetano Jornal, órgão surgidoem 1928 para defender as idéias autonomistasdo então distrito de São Caetano, a partir desua edição nº 22, de l7 de junho de l928 [9],começou a publicar notícias sobre os clubes.

Diz o Jornal: São Caetano tem noveclubes esportivos e quatro recreativos :G.I.R Ideal – com um bem dirigido corposcenico.São Caetano E.C. – com grupo dramático deprimeira linha.Clube Flor do Mar - possuindo tambémoptimo corpo scenico.Monte Alegre F.C. – igualmente possuindocorpo scenico excelente.( sic).

Deixo de citar os demais porque não

7.- Ata doS.Caetano E.C. del924.8.- J.B Franco - art .citado.9.- Acervo daFundação Pró-Memória.

Notas

A Principe di Napolisempre festejava

datas comemorati-vas. Aqui patrocinou

Festival DramáticoDançante para

comemorar o 57ºaniversário da

cidade. O elenco erado São Caetano E.C.

(28 de julho de1934)

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Sul

possuíam corpo de teatro.Como pode-se concluir, a existência

de quatro corpos cênicos numa cidade com,aproximadamente, 18 mil habitantes, naépoca, traduzia o alto interesse pela artedramática.

Do mesmo período, extraímos váriasinformações de espetáculos anunciados porestes clubes:. No São Caetano E.C. – O drama Arnaldo,em três atos, com Amélia Illema (artista deS.Paulo), Aurélio Tenca, Antenor Alonso,Abramo Cavassani, Arthur Garbelotto, F.D.Agostini, Antonio Guerreiro e FerruccioManille. (Edição nº 24, de primeiro de julhode 1928.). No Flor do Mar – Programa duplo com odrama O Verdadeiro Amigo, em três atos, comHermenegildo Netti, Octavio Tegão, JoséCosta, C. Arantes e srta. Julia Negrini. UmHotel Modelo, com M.Paraventi, DanteNegrini, José Costa. A. Pannunzio, C.Arantes, Victorio Menim e sra. Julia Negrini.(Edição nº 29 de três de agosto de l928, queainda anunciava que o espetáculo seria nosalão do Ideal.). No Monte Alegre F.C. – Os Ladrões daHonra, com Luiz Alcoba, Isaías Polido,Fernando Piva, João Matiello, GabrielFernandez, Luiz M.Filho e srta. DomingasBalsamo. (Edição nº 33 de dois de setembrode l928, que ainda informava que o espetáculoseria no Cinema Monte Alegre, tambémconhecido por Cine Parque, na RuaMaranhão.). No São Caetano E.C.- O Condenado, comPedro Spina, Abramo Cavassani, ArthurGarbelotto, José Cavassani, Antonio

Matarrazzo, Ricardo Manille e srta. PalmiraFranco. (Edição nº 34 de nove de setembro de1928.) Os Dois Sargentos – não cita o elenco.(Edição nº 69 de sete de abril de 1929. Estaera a segunda apresentação desta peça noclube. A primeira, já sob a direção de PedroSpina, foi encenada em seis de outubro del928.) . No Monte Alegre – Os Quinze Anos dePrisão – não cita o elenco. (Edição nº 69, desete de abril de l929, que dava a informaçãode que o clube iria construir sua sede na RuaBaia - atual rua Rio Grande do Sul -, ondehoje existe um colégio, próximo à Rua MonteAlegre. Edição nº70.)

Sobre o Ideal, apenas a edição de l3de janeiro de l929 trouxe artigo sobre suafundação e citou alguns fundadores e algumaspeças já encenadas pela sua companhiateatral: Paulo, o Enjeitado; Deus e aNatureza; O Poder do Ouro; Os Ladrões daHonra. Informou ainda que, neste ano del929, Octávio Tegão era presidente e AntonioBarile vice-presidente.

No entanto, Henry Veronesi [10] nostraz outras informações preciosas sobre oclube. Depois que saiu do pequeno salão daRua Rodrigues Alves, o Ideal ocupou o prédioda Rua Rio Branco, 45, em meados dos anos20, quando iniciou intensa atividade teatral,que perdurou mesmo com a mudança de salãopara a Rua Santa Catarina. Porém, em funçãoda transferência para o segundo andar doprédio, o clube foi obrigado a terminar com ocorpo cênico,... pela razão de não haver nosalão de reuniões o palco necessário... Comisso, o corpo cênico se extinguiu, deixandouma lacuna na sociedade cultural da cidade.

20 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Terra Bendita trouxegrandes emoções ao

fiel público do SãoCaetano E.C. O

elenco da primeiraapresentação, pela

ordem dos personagens:

Abramo Cavassani,Arthur Garbelotto,

Mario Menin, LeonorNavarro, Antonio

Garcia, AladinoGrecchi e Valdemar

Veiga (1937)

l0 . - Henry Verones i -a r t . c i tado .

Notas

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R A Í Z E S 21D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Embora não sejam citadas datas, acreditamosque esse fato tenha ocorrido entre l937 e l940.

Em l944, em assembléia com o intuitode salvar o clube, o seu nome foi mudadopara Clube Comercial. Morria, assim, o Ideal.O novo clube tornou-se apenas um clube debailes, marcando época a partir de l956,quando se mudou para o moderníssimo salãono recém-inaugurado prédio Vitória.

Mas é importante ressaltar quãoimportante foi o teatro do Ideal nas décadasde l920 e l930. Seu corpo cênico, compostode atores de excelente qualidade, como já foicitado, representou a cidade, por diversasvezes, em teatros do interior e da Capital -inclusive no então famoso Teatro Colombo,no Brás, e no Teatro Carlos Gomes, em SantoAndré.

Henry salienta que uma das peças demaior sucesso foi Cocaína, de autoria domédico local, Constantino de Moura Baptista,e encenada em diversos teatros.

J.B.Franco acrescenta outrosdetalhes, particularizando a participação doIdeal na cidade de Itu, perante exigenteplatéia. O sucesso foi tão grande que umrepresentante de uma importante companhiateatral italiana, que se apresentava em SãoPaulo, fez reconhecimento público no palco,em especial ao ator principal da peça, OctavioTegão. Cita ainda os convites feitos a Tegão ea sua futura esposa, Pina, para o cinemaitaliano e outros convites feitos a ambos e aMatheus Constantino para integrar renomadacompanhia teatral brasileira.[11]

Enquanto isso, dois fatossignificativos aconteciam no São CaetanoE.C., ainda em 23 de julho de l928. Oprimeiro dizia respeito à contratação de novo“ensaiador”, anunciado por Aurélio Tenca.Tratava-se de Pedro Spina, “ensaiador” e atorde São Paulo. Anuncia também a peça OCondenado para apresentá-la no próximo dianove de setembro, no palco da Rua 28 deJulho. Para desenvolver seu trabalho foiatribuído o pagamento de ...passe mensalferroviário na importância de l8$000“dezoito mil réis.”[l2] O segundo fatosignificativo, indicando a grande disposiçãode Spina e seu grupo, foi o anúncio daencenação da peça Os Dois Sargentos. A

primeira vez a ser encenada na cidade seria nanoite de seis de outubro de l928. Obteve tantosucesso que vários grupos teatraisapresentaram a mesma peça. No São CaetanoE. C. foi encenada por várias vezes. O SãoCaetano Jornal nada publicou a respeito.[l3]

O final da década mostravaclaramente que o teatro local estava em plenaatividade e com grande sucesso de público aponto de surgir, com grande ousadia edeterminação, a primeira opereta no SãoCaetano E.C., a exemplo do que ocorria naCapital, com companhias estrangeiras.

Ettore Dal’Mas, secundado por seuirmão Mario, é quem relata:

Era o ano de l929 quando o elenco doSão Caetano E.C. encenou a operetaportuguesa “Rosas de Nossa Senhora”, emsua sede da Rua 28 de Julho. O organizador,ensaiador e ponto foi Ferruccio Manille. Oenredo e alguns personagens: Antenor (ouÂngelo) Veronesi era o barítono; viviahomem letrado e culto, que tinha um irmão,rústico e homem do mato que vivia nasmontanhas , o personagem Carapicho (nãolembra o nome do artista). Carapicho, desciasempre das montanhas para namorar a filhade um fidalgo, vivido por Abramo Cavassani.O irmão culto (Veronesi) não aceitava onamoro de Carapicho com a filha do fidalgoe disso se queixava a Maria (não lembra aartista) em belas canções. Lembra parte deuma delas:

ll.- J.B.Franco -art. citado.l2.-Ata SãoCaetano E.C. 23 dejulho de l928.l3.- Idem de dez desetembro de l928.

Notas

Os Dois Sargentos:espetáculo levado aoC.E. Lazio que, após

a Segunda GuerraMundial, passou a

chamar-se C. E. RioBranco. O elencomesclava atores

experientes de outros clubes e

novatos do clube.Leonor Navarro fez o

principal papel feminino

(1937).1)AgostinhoPannunzzio,

2)Antonio Pires,3)HermenegildoNetti, 4)Antonio

Catelan,5)(?), 6)(?),7)Antonio

D'Agostinho,8)Giacomo Costa

Curta, 9)(?), 10)NaraNavarro, 11)Antonio

(?), 12)Ari Lodi,13)Dino D'Agostini,

14)Fernando Piva,15)(?), 16)Leonor

Navarro, 17)(?)

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“Olá, Maria, que te Salve Deus.Olá, luz dos olhos meus.Tenho muito que te dizer, muito que te falar.”

E continuava o barítono a cantar afalta de condições de seu irmão Carapichopara namorar uma dama, filha de fidalgos.

Acrescenta Ettore que havia uma bemtreinada orquestra e um coral acompanhando.Lembra-se de alguns nomes do coral: JoãoDal’ Mas, Reinaldo Lodi, Américo Perrella,Mauro Moretti, Alcides Cavassani, IgnesGarbelotto.

É notável a lembrança de Ettore Dal’Mas se considerarmos que, na época, tinhaapenas oito anos...

A década de 30

Os anos 30 encontraram o teatro localainda mais fortalecido. O surgimento docinema, em 1922, com a inauguração daprimeira sala na Rua Perrella – o Cine Central– após incipientes tentativas [l4] e o sucessodo filme cantado e falado em l927 – O Cantorde Jazz - com All Jolson e do primeiro filmeinteiramente falado – Luzes de Nova York –com Brian Foy, em l928, secundados peloaparecimento dos grandes títulos e dosgrandes atores que, finalmente, aderiram aocinema falado a partir de l929 [15], não forammotivos suficientes para afastar o grandepúblico dos palcos.

Em nove de dezembro de l933, o SãoCaetano E.C., em memorável Sessão Solenepresidida pelo então presidente HenriqueLorenzini, inaugurou sua nova sede social.

Pela primeira vez em São Caetano,

um clube construía um palco próprio para oteatro: as dimensões; a grande altura acima da“boca do palco”, igualando-se aos teatrosprofissionais da época; o espaço amplo nascoxias; o maquinário para movimentaçãohorizontal e vertical dos cenários, permitindorápidas trocas de ambientes entre os atos.Enfim, era o palco “dos sonhos” dos atoreslocais. Tanto assim que tornou-se o preferidopara certas peças encenadas até por outrosclubes.

Com todos estes melhoramentos, foinatural o crescimento cênico no São Caetano.As peças, sempre precedidas dos bailes,continuaram a ocorrer quase quemensalmente, mesmo porque, quando eramencenados os “dramas”, o preço do ingressoera maior e constituía importante fonte derenda para o clube.

Algumas peças se tornaram grandessucessos. E, atendendo aos pedidos, eramreprisadas várias vezes. Entre estas podemosdestacar: Os Dois Sargentos, Manhãs de Sol,Terra Bendita e a comédia Barão da FonteArcada.

Sobre Terra Bendita, última peça emque meu pai, Arthur Garbelotto, atuou, aofinal de l937, algumas particularidades podemser mencionadas, graças ao único textoguardado por ele, quando, no início de 1938,com o falecimento de seu pai, deixou o teatroe se desfez de centenas de textos arquivadosem sua casa. Trata-se de drama em três atos deAssis Machado, ambientado em uma fazenda.O “ensaiador” foi Aladino Grecchi. Asanotações feitas a lápis, ora nomeando ospersonagens, ora adaptando fartamente otexto original, foram feitas por ArthurGarbelotto, num livreto, e por AladinoGrecchi em outro. Pelos elencos anunciados,nota-se que a peça foi apresentada três vezes,pelo menos. Atuaram na primeiraapresentação: Abramo Cavassani, ArthurGarbelotto, Victorio Menin, Leonor Navarro,Antonio Garcia, Aladino Grecchi, ValdemarVeiga, Francisco Fiorotti e Bolinha. Esteúltimo personagem foi criado para substituir afigura original de Maria, personagemportuguesa, indicando a dificuldade emencontrar atrizes locais.[l6]

A Principe di Napoli, por sua vez,

22 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Leonor Navarro foia "grande dama"do teatro de SãoCaetano, nasdécadas de 20 e30. As melhorespersonagens femininas exigiam asua presença. Aquiaparece também oseu maridoAugusto Barone

l4.-Sonia MariaFranco Xavier in

Revista Raízes nº.5 , pág.39

l5.- EnciclopédiaConhecer, vol. XII,

Pág. 2993.

Notas

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continuava anualmente a promover festivaisdramático-dançantes, nos salões do SãoCaetano, com a finalidade de angariar fundos.Como não possuía corpo cênico próprio,atuavam atores dos clubes, normalmenteassociados daquela entidade.

Outro clube que realizava festivaisdramático-dançantes, duas vezes por ano, erao Clube Esportivo Lazio, fundado emprimeiro de maio de 1930 e que logo apósocupou o mesmo salão que havia sido doIdeal. Segundo depoimentos, o corpo cênicoera constituído de atores de outros clubes,para os papéis principais, e de novatos dopróprio clube, nos papéis secundários.Documentalmente, restaram fotos do festivalde 1937, com a peça Os Dois Sargentos, quepossuía como “ensaiadores” José Costa,Fernando Piva e Hermenegildo Netti e como“pontos” José Costa e Ernesto Ceschin. Aconhecida artista de São Paulo, LeonorNavarro, também participou.

Se de outros clubes nada restou pordocumentos, é certo que na memória dealguns ficaram os ótimos momentosproporcionados por tantos e bons atores. É oexemplo de Octávio Tegão - um completoartista, autor e tradutor de peças - e deMatheus Constantino que, até a década de 40,atuavam em muitas peças encenadas no SãoCaetano E.C. e no palco da Matriz SagradaFamília.

Podemos destacar a presença dosatores: Matheus Constantino, AladinoGrecchi, José Costa, Mario Menin, veteranosdos velhos clubes, ainda em peça de 1950,patrocinada pelo Ypê Clube, com renda paraconstruir o Hospital São Caetano[18].

O teatro continuou a ser uma paixãolocal. Mudaram-se os locais, mas a velhaguarda, enquanto pôde, freqüentou os palcos.

Na Igreja Sagrada Família, o padreAlexandre Grigolli, o padre Ezio e o padreAldo mantiveram excelente corpo cênico novelho salão paroquial, de onde saíram valoresprofissionais da estirpe de Mario JorgeMontini e Paulo Domingues. Tal era oentusiasmo que, no início da década de 50, osestigmatinos construíram o que seria porlongo tempo o melhor teatro de São Caetano.

O teatro continuou, sim. Nas mãos de

idealistas como Urames Pires dos Santos, noCerâmica; no clube da General Motors, comLeonardo Sperati; na Acascs, com PedroPardo Oller, Jaime da Costa Patrão, MarioDal’ Mas, Milton Andrade e Rivani; e com osgrupos A Turma, O Sótão, O Porão, CentroAcadêmico, entre outros...

Mas isso será outra história...

(*) Oscar Garbelotto é advogado e professor universitário.Dedica-se também ao estudo e à pesquisa da História deSão Caetano do Sul. Tem a colaboração de Morisa PardiGarbelotto Rodegher

R A Í Z E S 23D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Os quatro grandes nomes masculinos do teatro de São Caetano:Arthur Garbelotto, Matheus Constantino,

Octávio Tegão e Abramo Cavassani

l6.- Livretos dos tex-tos de Terra Bendita -acervo de Arthur eThereza P.Garbelotto.l7.- Atas doS.Caetano E.C. desete de abril de l931e da S.B.Principe diNapoli de 28 de julhode l934.l8.- Henry Veronesi inRev. Raízes nº. 8,págs.34 a 37.

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24 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

á nos primeiros anos, desde afundação da cidade, houvemanifestações pelo teatro em SãoCaetano. Os italianos, espanhóis eportugueses trouxeram muita coisada cultura européia para nós. Nas

últimas décadas tivemos o teatro daCerâmica, do Clube Comercial, do SESI(Serviço Social da Indústria), da SagradaFamília, da Acascs (Associação Cultural eArtística de São Caetano do Sul) e dediversos grupos amadores independentes.Mas o meu depoimento está restritoapenas a minha participação pessoal nosgrupos de teatro da comunidade daCerâmica S. Caetano.

Desde meus oito anos (1933)demonstrei inclinação para o teatro.Morando em Mococa, cidade do interiorde São Paulo, admirava as pantomimasapresentadas nos circos, principalmente asdo Pavilhão François, ondepredominavam os dramalhões de JuracyCamargo. Na escola primária participei doteatro infantil e de musicais produzidospela Professora Marieta Lacerda, (doterceiro ano), pianista e entusiasta dasartes. Cheguei a participar de um musicalintitulado Copacabana, no qualmontamos, com os recursos da época,uma praia em pleno palco.

No curso secundário (1937),

JJ

Eu e o t e a t roEu e o t e a t ro

Dossiê/ Teatro URAMES PIRES DOS SANTOS (* )

Elenco de Brasil emRevista, musicalapresentado, em1949, pelo grupode teatro doCerâmica FutebolClube

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

R A Í Z E S 25D E Z E M B R O - 2 0 0 5

comecei a trabalhar no jornal Gazeta deMococa, aos sábados, como revisor. Namesma época, fui ser apresentador deprogramas no serviço de alto-falantes dacidade, a Audição Pública Mocoquense,das 20 às 22 horas, diariamente.

Fiz parte do coral da escolaquando de sua exibição no auditório daRádio Gazeta, em São Paulo, ainda noprédio da Rua Brigadeiro Tobias.

Vindo para a Capital, em janeirode 1941, para cursar engenharia no entãoMackenzie College, freqüentei aSociedade de Cultura Artística e oAuditório da Rádio Cultura na AvenidaSão João. No ano seguinte, consegui um“bico” como distribuidor das falas dostextos de peças aos atores de rádio daRádio Tupi de São Paulo, cuja sede era naRua Sete de Abril. Aprendendo a escrevertextos, fiz alguns pequenos diálogos paraum programa romântico da PRC-9 RádioEducadora de Campinas (1942). Foiquando tive de encerrar minha atividadeextra-escolar, uma vez que meu cursopassara a ser ministrado em períodointegral. Mesmo assim eu freqüentava, ànoite, os estúdios da Rádio Tupi –Difusora, no Sumaré, e tocava guitarra emum conjunto de jazz do Mackenzie que seexibia na Rádio América, num programade Roberto Corte Real, para a divulgaçãoda Mack-Med, famosa competiçãoesportiva da época entre alunos doMackenzie e da Escola Paulista deMedicina. Nesse período (1944) conseguiter algumas aulas na EAD, Escola de ArteDramática de São Paulo, fundada porAlfredo Mesquita. A EAD funcionava naAvenida São João, defronte da AgênciaCentral dos Correios. Ali tive o primeirocontato com o chamado teatro moderno,do qual foi precursor o Teatro doEstudante, criado por Paschoal CarlosMagno no Rio de Janeiro, e com osgrupos Os Comediantes e Teatro dosNovos, ambos liderados pelo grande

diretor e ator polonês Ziembinski.(Vieram depois o TBC e demais teatrosda época.)

Desde o início do ano de 1941 eumantinha contato com Roberto Simonsene a Cerâmica São Caetano, mas somentevim a ser empregado, como seuengenheiro, em 1946, após minhaformatura.

À margem da profissão, encontreium ambiente inteiramente voltado para osocial, conforme a filosofia de RobertoSimonsen. Tínhamos uma assistênciamédica gratuita e completa, umacooperativa de consumo e um clube defutebol, o Cerâmica F.C. Suas assistentessociais, dona Lavínia Cardoso de MelloVasconcelos e dona Nancy Vargas, eramcompetentes e dedicadas. Encontrei, jáformado, um grupo de teatro liderado poruma senhora entusiasta, dona AlziraGalifani, esposa de um motorista daempresa. Comecei a estudar aspossibilidades desse grupo até que, em1949, por iniciativa de dona NancyVargas, concebi a montagem de ummusical. O palco foi o da sede doCerâmica F.C., antigo prédio do Guarani,na Av. Roberto Simonsen, esquina com aRua Castro Alves. O tema pretendiamostrar músicas e costumes das diversasregiões do país, daí o título de Brasil emRevista. Na parte musical tivemos acolaboração de Olindo Toscano,funcionário da cerâmica e músico de

Urames Pires dosSantos (no centro)

juntamente comNancy Vargas (a

segunda, daesquerda para adireita), Lavínia

Cardoso de MelloVasconcelos (a

quarta, da esquer-da para a direita) eAlzira Galifani (dire-

tora do grupo deteatro do Cerâmica

Futebol Clube).Foram tambémidentif icados os

atores Leoglinger eOdair Ferraz. Anode 1949: musicalBrasil em Revista

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26 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

muita sensibilidade. A cenografia coube aDionísio Furlan, chefe da carpintaria dafábrica. Para o cenário, dona Nancyconseguiu um pano de fundo pintado porum jovem pintor, hoje famoso, AldemirMartins. A direção artística foi de donaAlzira. Um sucesso. Em março de 1951,chegou-se a considerar o Teatro OperárioExperimental como entre os de maiorentusiasmo do Centro Juvenil RobertoSimonsen, liderado por Walter Mariano.Em contato com os elementos do CorpoCênico do Cerâmica F.C., do qual faziamparte Geraldo Plates, Yone Gamba, JoséOndei, Mercedes Rodrigues e Francisco

Russo, notei que eles tinham potencialpara o teatro moderno. O que faltava eraconvencê-los disso. Foi então que, emdiversas palestras, expliquei-lhes asvantagens da memorização de texto comoo fator principal da naturalidade darepresentação e da firmeza do diálogo.Disse que assim o ator viveria opersonagem, não apenas o representaria,como costumava acontecer no caso dasfrases jogadas pelo ponto. Nessa época, ojovem Francisco Indelicato, encarregadode uma sessão de refratários, escreviapeças, entre as quais destacamos Históriasque a vida conta, cuja apresentação foipatrocinada pelo DepartamentoRecreativo da Associação dosEmpregados da Cerâmica São Caetano.Em outubro de 1951, tentou-se a formaçãode um conjunto permanente de teatro, jános moldes modernos, para a apresentaçãode peças de Nelson Rodrigues, Sartre eoutros clássicos do teatro. Mas somenteem 1952 o Corpo Cênico do Cerâmicaestreou no teatro moderno, após longapreparação que envolveu cursos dedicção, de impostação de voz e expressãocorporal, além da memorização exigida. Apeça de estréia foi Pinguinho de Gente, já

Flagrante da peçaEsquina Perigosa,

exibida em setem-bro de 1958, no

jardim da residên-cia de Urames Pires

dos Santos

Em 1958, UramesPires dos Santosmontou um teatrode arena no jardimde sua residênciapara a encenaçãoda peça EsquinaPerigosa. A iniciat i-va foi aprovadapelo público, queprestigiou oespetáculo

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

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com Leoglinger e Francisco Russo. Erauma adaptação da peça Pedacinho deGente, (do teatrólogo italiano DarioNocodemi), cujos direitos deapresentação nos haviam sido cedidos porBibi Ferreira, com permissão de VeraNunes, que exibia a mesma peça numteatro de São Paulo. Além da direção deAlzira Galifani, atuou como contra-regraMarianita Ramos. O espetáculo foi tãobem recebido que o grupo o representoudiversas vezes em benefício do HospitalSão Caetano. Em 1953, com o nome deTeatro Experimental de Comédia, o grupoapresentou a peça As Aventuras de umRapaz Feio , versão de Cirano deBergerac, feita por Paulo Magalhães. Dogrupo faziam parte: José Ondei, ArmindaAmaral, Helena de Martini, Cidinha deBarros, Roberto Fraga, Odair Ferraz,Ernesto Ferrari e Luiz Tavares. A direçãofoi de Alzira Galifani e os cenários deRubens Faria e Dionísio Furlan. A estréiafoi prestigiada pela presença de AnacletoCampanella, então prefeito municipal, edo ex-prefeito Ângelo RaphaelPellegrino. Diversas sessões foramrealizadas em benefício da creche doInstituto N.S. da Glória. Outra peça desucesso foi Ângelus, de Bibi Ferreira,

cujos direitos nos foram conseguidos porEvaldo Gracia. Em 1956 a mesma turma,com o nome de Pequeno Teatro deComédia, encenou Os inimigos nãomandam flores, de Pedro Block, com osatores Martins Garcia e Sarah CastroAlves. Em 1958 encerrei minhaparticipação no teatro da Cerâmica com aencenação da peça de Priestley EsquinaPerigosa, cuja estréia foi num teatro dearena montado no jardim de minharesidência, casa que ainda existe ao ladodo parque Chico Mendes.

No período de 1948 a 1958 fuicomentarista do Jornal de São Caetano,escrevendo, semanalmente, uma colunasobre Cinema e Teatro . Naquelaoportunidade, sempre incentivei osgrupos amadores de teatro existentes nacidade.

Elenco de Esquina Perigosa

(*) Urames Pires dos Santos, engenheiro, ex-vereador

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

28 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

iz esta descoberta após exatos 42 anos detrabalhos no palco ou em função dele. DoFogo Frio de Benedito Rui Barbosa aosatuais projetos de desenvolvimento detemas sob medida, teatro – escola –empresa, nos quais reúno a experiência deteatro com a de consultor em RecursosHumanos, adquirida em grandes, médias epequenas empresas do nosso ABC. Mas oassunto deste artigo é o Teatro Amador deSão Caetano do Sul, que vivenciei de1963 a 1967, na Acascs – AssociaçãoCultural e Artística de São Caetano doSul, e de 1968 a 1972 na Turma – grupoamador com sede no Sótão 1005 ( RuaBaraldi ).

O gosto pelas artes cênicas deveter sido despertado quando, ainda garoto(anos 50), ia assistir, levado por meu pai,aos chorosos dramalhões encenados pelosatores e atrizes da época (Otávio Tegão,Aladino Grechi, Aldo Negrini, entreoutros) nos palcos dos clubes: Ideal, SãoCaetano e Cerâmica. Lembro-me d’Os

Transviados , que começava com umjulgamento e cuja novidade era a mãe doacusado sentada na platéia, como extensãoda sala de um tribunal. Tempos maistarde, como frequentador da Acascs, pudeassistir aos últimos dramas – com ponto egrandioso cenário - sob a direção de PedroPardo Oller: O Mundo não me quis e ABaronesa , por exemplo. (Textos jáencenados no Auditório Santos Dumont,inaugurado em 1958, como parteintegrante do complexo educacional doColégio Estadual Cel. Bonifácio deCarvalho.) No início dos anos 60 doséculo XX, com a chegada de MiltonAndrade – itapirano e advogado daempresa ZF –, veio a grande virada doteatro local: a encenação da Ceia dosCardeais, de Júlio Dantas, em arena e semo ponto, foi uma agradável e bem-sucedida experiência. Em seguida, veioCarlos Rivani – de origem circense, atorde radionovela da Rádio Record evendedor da Kibon, fábrica de sorvetes, e

Minha participação noSou apenas um HOMEM DE TEATRO.

Sempre fui e sempre serei um HOMEM DE TEATRO ( trecho do poema “Da profissão do poeta” de Geir Campos)

Dossiê/ Teatro JOSÉ BONIFÁCIO DE CARVALHO (*)

FFPeça Fogo Frio - 15de dezembro de1963. Parte doelenco da primeiramontagem: ElziBeloti (Neco), JoséBonifácio Carvalho(Júlio), MariaTereza Oliveira(Nitinha) eValdemar Olivatti(Zuza)

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depois da Copas, indústria de adubos.Nem sei bem por qual motivo fuichamado para participar da peça FogoFrio, no papel de Júlio, um dos filhos docasal de sitiantes de café que perde tudopor causa da geada (fogo frio) que queimatoda a plantação de café. O tema sertanejoé recorrente em Benedito Ruy Barbosa,hoje famoso pela autoria de novelas dogênero. Estreamos em dezembro de 1963,fato documentado pelo Acascs Jornal.Recentemente resgatei, dos arquivos doclube, o exemplar em que a estréia foiregistrada. Em 1968 (na Turma)remontamos este texto. Meu papel entãoera Zuza, agregado da família e namoradoda Nitinha, filha dos sitiantes, por sinalinterpretada pela Vera Ribeiro, atriz eesposa há 37 anos. A direção dos doisespetáculos ficou a cargo do CarlosRivani. Na segunda versão, ele era o“Seu” Zeca, pai da família. Pérola deBastidor: Numa das apresentações,resolvemos fazer uma falseta com oRivani. Na cena em que chega da rua, nanoite que antecede a geada, a personagempede uma pinga – para se livrar do frio.Ao invés de colocar água, pusemos acachaça mesmo: ele tomou de umatalagada e se engasgou de verdade.Seguiu na peça xingando - entre dentes -todo o elenco.

Em 1964, atuei em Os DeusesRiem, de A. J. Cronin, também dirigidapor Carlos Rivani. No elenco estava o seuRoque Maria, ator veterano e cobradordas mensalidades do clube (de porta emporta). A sua presença cênica eraimpecável; o texto, porém, vinha doponto. Aliás, este espetáculo marcou umatransição nas peças da Acascs, pois havia

atores que já decoravam o texto e um oudois veteranos que dependiam do ponto.Pérola de Bastidor:o seu Roque, já comuma certa idade, tinha problemas deaudição. Não bastava o ponto na caixa àfrente do palco. Havia também anecessidade de vários pontos atrás docenário - que possuía grandes portas ejanelas, felizmente - para que, quando elese aproximasse de uma janela, por

exemplo, lá estivesse alguém paraassoprar-lhe o texto.

Uma passagem que sempre mevem à memória aconteceu quando aAcascs homenageou o poeta RachidBuchala, que havia participado doprograma de televisão O céu é o limite,(famoso na época), respondendo questõessobre a vida e a obra de Castro Alves.Uma semana antes do evento deram-me atarefa de decorar o Navio Negreiro, épicopoema do autor baiano. Foi uma prova defogo que me convenceu, sem falsamodéstia, de que eu tinha jeito para ofazer teatral. 1965 - Incentivado por Carlos Rivani,Jayme da Costa Patrão e Milton Andrade,

teatro amador da cidade

Segunda montagem da peça

Fogo Frio, em 15de setembro de

1968. Da esquerdapara a direita: Vera

Ribeiro (Nitinha),Rubens Carvalho

(Neco), NanryNegrini (Donana) eJB Carvalho (Zuza)

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prestei vestibular na EAD –Escola de Arte Dramática doprofessor Alfredo Mesquita,pioneira no ensino das artescências. Após três anos vocêera considerado umprofissional de teatro. Fuiaprovado (com direito apublicação no jornal O

Estado de São Paulo) mascursei apenas seis meses, sob osprotestos dos meus colegas de

turma, hoje famosos no teatroe na TV: Antônio

Petrin, SôniaGuedes, AnalyA l v a r e z ,A l e x a n d r eDressler, Dilmade Mello (todosdo ABC),U m b e r t oMagnani eRegina Braga. Apropósito, com

os colegas do ABC encenamos Eles nãousam Black-Tie, de GianfrancescoGuarnieri, no aniversário de Santo André(oito de abril de 1965), sob a direção deAntônio Chiarelli. Isso graças a umadeferência especial do professor AlfredoMesquita, que não permitia que os alunosda EAD participassem de montagensenquanto estudantes. Desisti do curso,(que era feito à noite, nos porões da atualPinacoteca do Estado, no Jardim da Luz),pois estudava pela manhã no quarto anode direito da Faculdade do Largo de SãoFrancisco (USP) e, à tarde, erafuncionário público estadual. Oprofissionalismo poderia esperar.

Continuei exercitando o teatroamador na Acascs. Participei daencenação do Auto da Compadecida, deAriano Suassuna, um dos maioresclássicos da nossa dramaturgia. Fiz opadre João, enganado pelas histórias de

João Grilo e Chicó e chantageado parafazer o enterro do cachorro. Este textovoltei a encenar, em 1978, no GrupoCênico Regina Pacis, de São Bernardo doCampo, e então interpretei o Chicó,companheiro inseparável de João Grilo;aliás, o Alcides Médici ganhou o prêmioGovernador do Estado de São Paulo pelasua interpretação do João Grilo. Ainda em1964 atuei em Eletra, de Sófocles,clássico texto grego. Pérola de Bastidor:O Milton Andrade, além da direção,interpretava um escravo. Em determinadacena, ele entrava carregando nos braços amãe de Eletra, morta, convenientementecoberta com um lençol, pois não se tratavado corpo da atriz que fazia o papel -Deolinda Spinello - mas da Dedê Feijão,menos pesada. Na estréia da peça, oMilton percebeu, ao entrar nesta cena, quenão havia tirado a aliança de casamentodo anelar esquerdo. Agindo rapidamente,conseguiu tirar a aliança e, para escondê-la - estava com as mãos ocupadas e ofigurino era apenas um “camisolão” -,jogou-a dentro de uma ânfora – vasogrego – que compunha o cenário. Tudoperfeito, não fossem os ruídos produzidospela aliança ao cair no vaso de louça.Somente após o espetáculo é que ficamossabendo quem havia provocado osestranhos sons durante a peça.

Outra montagem interessantedesse mesmo ano foi As Máscaras, poemade Menotti Del Picchia. No elenco, JBCarvalho, Antônio Carlos de Carvalho(meu irmão, que também atuou em váriosespetáculos, falecido em 1995) e DedêFeijão, sob a direção de Jayme Patrão. Emmarço de 1972, remontamos a peça, sob adireção de Milton Andrade, com um únicoobjetivo: homenagear os 80 anos do autor,itapirano como o diretor. Assim, ao finalde um banquete na terra natal deles,interpretamos o poema. No elenco,Josmar Martins (Arlequim), SílviaTessuto (Colombina) e JB Carvalho

José Bonifácio deCarvalho em Os Deuses Riem -12 de setembro de1964

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(Pierrot). Eu havia feito o Arlequim naversão anterior. Pérola de Bastidor: Derepente, no meio da peça, deu um“branco” no Josmar. Prontamente toda aplatéia de conterrâneos e fãs do Menotti,quase em coro, assoprou o texto econtinuou a declamá-lo conosco. 1966 - Fizemos peças curtas como:Humulus, o mudo; Pic-nic no Front; A ViaSacra de Henry Gheon, traduzida por D.Marcos Barbosa. Esta última, por sinal,representamos durante vários anos - e emvárias versões - na Semana Santa.Inclusive este primeiro espetáculo foirealizado por José Expedito Marques,dramaturgo formado pela EAD queconvidou atores do ABC como VivaRamos, Valdir Orico (de São Bernardo) eOsvaldo Ferreira (de Santo André), alémde mim e da Vera Ribeiro (de SãoCaetano do Sul). Participei, ainda, deoutro projeto no Centro Acadêmico XI deAgosto (Faculdade de Direito da USP):fiz o Vasconcelos de Pedreira das Almas,de Jorge Andrade. Pérola de Bastidor: Ofigurino do meu personagem era umaroupa pesada e quente para a primaveradaquele ano. Cortei, então, a manga dacamisa, deixando-a como regata. Mas, pordentro do punho do paletó, foi costuradoum retalho do mesmo tecido da camisa –para parecer manga comprida. Numa dasminhas entradas em cena, esqueci opaletó, e não ficou nada elegante ummilitar de camisa sem manga. Aceitei,também, dirigir um grupo de funcionáriosda Alcan, fábrica na divisa de SãoCaetano com Santo André. Montamos aNoite de São João. Novidade é que noelenco que me apresentaram, já compapéis definidos, havia uma descendentede japoneses representando umaportuguesa. Não tive dúvida em trocá-lade papel.1968 – Teatro. Casamento e mais teatro.Tendo sido convidado (o grupo de teatro)a se retirar da Acascs, no final de 1967,

constituímos (os membros do antigogrupo) A Turma e realizamos a maiormaratona cênica de que se temconhecimento em São Caetano do Sul.Assim, nas eliminatórias do ABC do VIFestival Estadual de Teatro Amador,sediada em São Caetano do Sul,concorremos com três espetáculos no mêsde agosto de 1968: Dia 17, AMandrágora, de Maquiavel; dia 18, FogoFrio, de Benedito Ruy Barbosa; dia 29,Odorico, o bem amado, de Alfredo DiasGomes. Eu estava nas três peças, como,respectivamente, Calímaco, Zuza eManeco Pedreira, (acumulando a funçãode assistente de direção nas duas últimas),e isso exatamente dois meses após meucasamento (22 de junho de 1968) comVera Ribeiro, que também atuou nas trêspeças como Lucrécia, Nitinha e Lenilda,respectivamente. Da nossa união, quatrofilhos, duas noras, um genro e uma neta:Manuela.

No final dos anos 60 do séculoXX, havia uma rixa saudável na nossaregião, em se tratando de teatro amador:em São Bernardo do Campo, o GrupoCênico Regina Pacis, (para onde metransferi em 1972), comandado porAntonino Assumpção, Viva Ramos eLeode Montibeller; em Santo André, aScasa – Sociedade Cultural e Artística deSanto André, sob a batuta de Antônio

Ângela Peduto(Eletra), Dárcio

Martorelli (Orestes),José Bonifácio de

Carvalho (Egisto) eJosmar Martins

(Preceptor) na peçaEletra

Acervo:José Bonifácio de

Chiarelli eP a s c h o a l i n oAssumpção; emSão Caetano doSul, A Turma.Nos festivaisp r o m o v i d o s ,a n u a l m e n t e ,pela Secretariade Cultura,Esportes eTurismo doEstado de SãoPaulo, osrepresentantesde cada cidadese revezavamnas premiações.

Pérolas de Bastidor: na apresentação quefizemos do Odorico, em agosto de 1969,em Itapira, cidade natal do diretor MiltonAndrade, a Vera já estava no sexto mês degestação, com a barriga começando aaparecer. Sua personagem, Lenilda, amulher do prefeito, não poderia, dentro doseu papel, aparecer grávida. Para tentardisfarçar a situação, o jeito foi carregar namaquiagem - inclusive com peruca - paraque a atenção do público fosse desviada. 1971 – O Milton Andrade foi o fundadore diretor, por 14 anos, da Fundação dasArtes – escola de teatro, música, dança eartes plásticas que está completando 37anos. Em 1971, ele solicitou da SecretariaEstadual de Cultura uma verbacomplementar (a escola é uma autarquiada Prefeitura) para enfrentar os gastoscom a manutenção. A Secretariarespondeu que poderia atender o pedido,desde que houvesse a montagem de umespetáculo para justificar o envio daverba. O Milton, então, procurou osalunos formandos da Escola de Teatropara, com eles, cumprir a exigência. Osalunos, porém, condicionaram suaparticipação ao recebimento de cachêartístico. Diante desta situação, e não

podendo dividir com os alunos o valor aser concedido, o diretor da Fundaçãorecorreu aos colegas da Turma: em 15dias pusemos em cena a peça A Farsa deInês Pereira, de Gil Vicente. Fizemos asapresentações de portões abertos, (semcobrança de ingressos), sob o protesto dosalunos, com exceção de dois deles(Richards Paradizzi e Neide Calegaro),que participaram conosco. A verba foiconcedida após as justificativas do Miltonà Secretaria, à qual os alunos descontenteshaviam recorrido.

Em 1972, A Turma encerrou suasatividades, tendo cada participantetrilhado seu destino: uns continuaramfazendo teatro amador; outros, comoJosmar Martins e Roberto Fraga,tornaram-se profissionais. Eu e a Vera(agora Carvalho) fomos para o GrupoCênico Regina Pacis, de São Bernardo doCampo. Em 2001 obtive o meu registroprofissional, junto à Delegacia Regionaldo Trabalho/SP, como artista/ator. Desdeentão tenho alternado apresentações comrecebimento de cachê artístico comapresentações beneficentes. Como arte-educador, atualmente, ministro oficinas deteatro e de roteiro para teatro pelaSecretaria Estadual de Cultura e peloProjeto Juventude Cidadã da Prefeitura doMunicípio de São Bernardo do Campo.Tenho me empenhado em desenvolver otema Inclusão dos Portadores deDeficiência.

Para finalizar, quero agradecer aoportunidade que me foi oferecida pelaFundação Pró-Memória de São Caetanodo Sul, na pessoa de sua presidente SôniaMaria Franco Xavier, de contribuir para arealização deste dossiê. Foi muitoprazeroso fazer esta retrospectiva, quereforça, ainda mais, a minha convicção deque sou um homem de teatro.

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JB Carvalho eSilvia Tessuto emA Farsa de InêsPereira

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(*) José Bonifácio de Carvalho é ator, diretor e produtorteatral

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Dossiê/ Teatro SÔNIA MARIA FRANCO XAVIER (* )

Paulo Tachinardi Domingues:um homem polivalente

esquisando a história dasatividades significativas naárea da cultura,encontramos o teatroamador como forte e

marcante expressão na cidade de SãoCaetano do Sul. Isto está sendom i n u c i o s a m e n t erelatado neste dossiê. Noentanto, um personagemchamou-me bastante aatenção, devido à suaversatilidade em relaçãoao desempenho emdiferentes atividadesculturais, como teatro,cinema, televisão,pintura e música, aolongo de meio século.

Nascido emIndaiatuba, no dia cincode dezembro de 1939,começou sua carreiraartística muito jovem:fazia cartazes de propaganda de filmes doCine Max. Foi nessa época que conheceuo teatro através do padre AlexandreGrigolli, que desenvolvia essas atividadesna casa paroquial. Lembra-se comsaudade do padre Ézio Gislimberti e do dr.Manoel Novaes, com quem atuou eaprendeu muito. Sua produção artísticavinculada às artes cênicas não se limitavaaos holofotes. Trabalhava também comocenógrafo.

No início da década de 1960,participou ativamente do ciclo Acascs

(Associação Cultural e Artística de SãoCaetano do Sul). Nesse ciclo integrouelenco das peças de maior destaque,como: Fogo frio, dirigida por CarlosRivani; Odorico, o bem amado e Eletra,de Sófocles, ambas dirigidas por MiltonAndrade; O resto é silêncio, com Sérgio

Cardoso. Ainda emrelação ao teatro,participou dos gruposA Turma e Labore.

A p a i x o n a d opelas artes e sempre embusca de novosdesafios, lançou-se deforma efetiva aocinema. Embora suasatividades nesse ramotenham se iniciadoconcomitantemente àfase áurea do teatro, naentão incipienteC o m p a n h i aCinematográfica Vera

Cruz (1951), foi na década de 60 que suaatuação foi mais ativa e destacada. Apartir de 1963, passou adedicar-se maisestreitamente ao ciclocinematográfico, tanto nopapel de ator como no decenógrafo. Participou de18 filmes, com maiordestaque para O guarani,de Fauzi Mansur. O autororgulha-se de terparticipado de tal obra,

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Paulo Tachinardi Domingues - 1957

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Acervo:Paulo Tachinardi Domingues

Flagrante da peçaMinha Sogra é daPolícia, encenada

no Teatro ParoquialPadre AlexandreGrigolli (ParóquiaSagrada Família),

no início da décadade 1960. Paulo

TachinardiDomingues aparece

à direita. Atuaramtambém na peçaAcácio Montini,

Norma Gimenez,Raul Gardezani,

Viva Ramos, entreoutros

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que demorou oito meses para ser montada.Recebeu o prêmio Leão de Bronze pelofilme.

Sua carreiracinematográfica perdurou até1979, quando resolveu afastar-sedo cinema por discordar daideologia de pornochanchadasexistente na época. Alguns outrosfilmes dos quais participou nesseperíodo foram: Noite em chamas;O estripador de mulheres; Festim

macabro; Sedução, no qualcontracenou com Sandra Brea;Atração satânica, co-produçãoBrasil-Argentina; Dois mil anos

de confusão; Portugal minha

saudade, entre outros.No que tange às suas

experiências na televisão, podem serresumidas ao ano de 1968, quando

participou de várias novelas no extintocanal Excelsior. Dentre elas, Pequena

órfã, As minas de prata, Sangue do meu

sangue e A muralha, tendo sido estaúltima recentemente regravada pela TVGlobo.

A infindável produção artísticadesse abnegado sul-sancaetanense aindaconta com suas produções no campomusical. Componente do Trio Prelúdio,formado em 1956, conquistou grandereconhecimento na época. Ao lado deRoberto Barbosa (o Canhotinho doCavaco, dos Demônios da Garoa) eAparecido, teve momentos de inspiração.

Como se não bastasse, enveredou-se também pelas artes plásticas,apresentando obras tanto na área depinturas em igrejas como na derestaurações de monumentos públicos.Aqui cabe um registro sobre as produçõesde maior destaque. As igrejascontempladas com sua arte são: MatrizSagrada Família (mural frontal, capela,construção e pintura no quinto andar),Paróquia Nossa Senhora das Graças

Paulo TachinardiDomingues ao ladodo cenário queelaborou no CineVitória para a divul-gação do filmeCasinha pequenina,em 1962. Carlos,operador do cine-ma, tambémaparece na foto Paulo Tachinardi Domingues caracterizado de caipi-

ra na peça Não te Conto Nada, apresentada noTeatro Paroquial Padre Alexandre Grigolli, no início

da década de 1960

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(localizada na Vila Gerte), ParóquiaNossa Senhora da Candelária (altar-mor)e Paróquia São João Batista (localizada naRua Piauí). As pinturas retratam desde aSanta Ceia até a Via Sacra. Paulo fazquestão de mencionar que aprendeupintura com os irmãos Pedro e UldericoGentili, autores dos belos trabalhos daMatriz Sagrada Família.

Algumas estátuas em que pode serverificado o trabalho de restauração dePaulo são: busto do Padre AlexandreGrigolli (Praça Cardeal Arcoverde),estátua de Vitório Dal’Mas (Praça DiThiene), estátua de São Francisco(Cemitério Vila Paula), mural Mauá(família Milanezi) e um mural localizadona Rua Santa Catarina, no prédio dapapelaria Ao Carioca.

Esse cidadão sul-sancaetanense éencontrado com facilidade nos dias dehoje. Quem tiver oportunidade de passarem frente ao antigo Cine Vitória, (hojeuma casa de shows), na Rua Baraldi, teráo prazer de ouvir as histórias desse íconede nossa cultura. Dentre as mais recentesatividades, desempenhou a função de

diretor artístico do extinto grupo CappellaÁurea, pertencente à igreja SagradaFamília. Também passeia pela cidade,refazendo pinturas de bustos e painéis deigrejas, dentre outras atividades.

Paulo Domingues, aos 67 anos,ainda tem disposição para, juntamentecom o fotógrafo Augusto Coelho,desenvolver projetos de registrosfotográficos de imagens urbanas de algunspontos pitorescos da região. Essesregistros são comparados a pinturas feitashoje por Paulo. Para fazer essas obras,nosso protagonista recorre à sua memória,retratando como eram tais locais

Elenco do filme Oguarani. Paulo

TachinardiDomingues, que

assumiu em seustrabalhos na TV eno cinema o nomeartístico de Paulo

Aguilar, é o ter-ceiro, em pé, a par-

tir da direita.Participaram tam-

bém desta pro-dução David

Cardoso (ajoelhado,à esquerda), Flávio

Portho, LuigiPicchi, entre out-

ros. Final da déca-da de 1970

Apresentação do TrioPrelúdio no CírculoOperário de SãoCaetano do Sul, noinício da década de1960. Da esquerdapara a direita: PauloTachinardiDomingues, RobertoBarbosa (Canhotinho)e Aparecido

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antigamente. Trata-se de uma propostaextremamente original que, além docaráter nostálgico, transmite a idéia deuma cidade em crescimento e constantetransformação. Esse trabalho foi realizadoem parceria com o SESC-SP e com a

Fundação Pró-Memória de São Caetanodo Sul. Será exposto no Espaço VerdeChico Mendes durante o mês de janeiro de2005.

Atualmente, Paulo mora em umacasa no Bairro Santo Antônio, juntamentecom sua família: Irene, sua esposa; asduas filhas, Kellem e Kátia. Tem doisnetos adolescentes, Ronaldo e Rodrigo,sobre os quais adora falar. Continuaparticipando de congressos sobre arte emostra-se sempre disposto a colaborar emprojetos ligados à memória de nossomunicípio, com sua vasta experiência nosdiferentes campos do mundo das artes.Exemplo de sua prestimosidade é o atualprojeto cenográfico que vemdesenvolvendo para o filme Treze

cadeiras, conto russo adaptado por FauziMansur e que já foi gravado por Oscarito,em outros tempos.

É um autodidata, testemunha daevolução de nossas manifestaçõesculturais.

Cartaz de divul-gação do filmePortugal minhasaudade (direçãode Pio Zamuner).Na ocasião, PauloTachinardiDomingues (osegundo, a partirda esquerda) con-tracenou comMazzaropi, umadas grandes estre-las do cinemanacional

(*) Sônia Maria Franco Xavier é professora de Filosofia eHistória, foi diretora do Museu Histórico Municipal e,atualmente, é presidente da Fundação Pró-Memória de SãoCaetano do Sul

O Cine TeatroItaquera, perten-

cente ao SESCItaquera, foi proje-tado e construído

por PauloTachinardi

Domingues.Constitui um dos

trabalhos maisrecentes do artista

Acervo:Paulo Tachinardi Domingues

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FONTES -

Depoimento prestado por Paulo TachinardiDomingues, em 26 de outubro de 2005.MEDICI, Ademir. "Um filme para o VI Congresso"in Diário do Grande ABC. 30/03/2000. p.2.NORONHA, Heloísa. "SESC São Caetanoresgata cinema da região" in Diário do GrandeABC. 23/03/1995. Caderno D/Cultura e Lazer.VIEIRA, Dinilson. "Ex-ator de cinema pintaafrescos em São Caetano" in Diário do GrandeABC. 10/11/1991. P.2 - Caderno B/Cidades.

R A Í Z E S 37D E Z E M B R O - 2 0 0 5

uito interessante, do ponto devista da história, da expansão,da influência das tradições, dacultura e dos costumes, naregião, foi a criação dosnúcleos coloniais[1], instalados

no ABC no final do século XIX, paraacolher a mão-de-obra agrícola,especialmente de famílias italianas decamponeses pobres. A idéia comprovouseu acerto pela decisiva influência nosurto de desenvolvimento de toda aregião, localizada entre São Paulo e as

vizinhanças da Serra do Mar. Entre essesnúcleos, o de São Caetano já foi objeto deprofundas pesquisas e notáveis trabalhospublicados nesta revista e em livros, deinegável valor histórico. Com relação aosdemais núcleos, entretanto, os informes ea memória histórica estão esparsos,provavelmente, por não terem merecidopesquisas mais dedicadas. Talvez, por istomesmo, faltaram-nos maior riqueza edisponibilidade de informações seguras.Nosso imaginário não seria bomconselheiro histórico.

Regionais e Artigos CELSO DE ALMEIDA CINI (* )

Núcleos Coloniais do ABC

MM

O Núcleo de Ribeirão Pires e a

História do Município

1913 - Grupo depessoas defronte

da Estação de Pilar(hoje Mauá). A

estação havia sidoinaugurada em1883, 30 anos

antes

1- No Estado de SãoPaulo foram 15 osnúcleos - W.S.Antecedentes Históricos do ABCPaulista: 1550 a1892, pág. 251.

Notas

38 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

O presentetrabalho busca reunirfatos históricos einformes importantessobre essas colônias,resgatando, além depersonagens efamílias, a graça daprosperidade quep r o p i c i a r a m .Pretendemos, ainda,dedicar especialatenção ao NúcleoColonial de RibeirãoPires, assinalando os

fundamentos da história do município, oque nos conduziu ao início do séculoXVIII, para reunir informes sobre ocapitão-mor, Antonio Correa de Lemos, ofundador, na época em que criou a Capelade Nossa Senhora do Pilar, com suatocante história e o advento da família dosPires que ligou seu nome à cidade.Revolvemos, ainda, informes maisremotos, relativos ao século XVI, para oexame do possível registro de fatoshistóricos locais ao longo do períodocolonial. Seguimos, depois, em frente, atéo advento da Estrada de Ferro SPR e daenergia elétrica da Light canadense e doseventos políticos, estendendo-nos atéprincípios do século XX, para encontrar aconsagração de Ribeirão Pires comomunicípio. Impossível, por óbvio, esgotara matéria. As fontes primárias nemsempre são acessíveis. Um trabalho demaior fôlego há de surgir de pesquisasmais lentas e apuradas, talvez em novosartigos de Raízes, revista séria que a cadadia está mais dedicada e comprometidacom o resgate da memória histórica deSão Caetano e da região do ABC, onde acidade se insere. Em razão disso, algunsinformes poderão considerar-seespeculação, embora assentados emfontes e pesquisas fidedignas,descartando-se o simples imaginário.

O Núcleo Colonial de Ribeirão Pires

O terceiro núcleo colonial dovelho Município de São Bernardo (hojeABC paulista), o de Ribeirão Pires, foifundado em 1888, 11 anos após ainstalação do Núcleo de São Caetano(1877) e dez depois da instalação doNúcleo de São Bernardo [2]. Este núcleo(de Ribeirão Pires) continuava a sercolonizado ... em junho de 1893[3], isto é,prosseguia acolhendo imigrantes noúltimo decênio do século XIX. Estacolônia apresenta pitorescos pormenoresque fundamentam igualmente parte dosalicerces históricos e da grandeza regionaldo ABC, especialmente do atualMunicípio de Ribeirão Pires. O Núcleo,que deu impulso à localidade, faz parte eintegra sua história.

Naturalmente, o ressurgimento depovoados antigos, dispersos e de poucaexpressão, existentes na vasta região queincluía o Alto da Serra, Rio Grande,Ribeirão Pires, Cassaquera (Mauá), ArturAlvim, Guaianazes, Itaquera, São MiguelPaulista e outras paragens circunvizinhas,que compunham o remoto Caguassu,depois bairro do Pilar, logo após apassagem do quinhentismo, deve muito aoadvento dos núcleos coloniais e daferrovia e, especialmente neste caso, ao deRibeirão Pires.

Sua existência mostra laços dehistoricidade irmã com os Núcleos de SãoCaetano e de São Bernardo, já pelasrazões políticas e econômicas, quelevaram o Imperador D. Pedro II a criar –às véspera da Lei Áurea – locais parareceber a mão-de-obra substituta dosimigrantes, já pelo modelo que todos osnúcleos seguiram, já por sua proximidadee pela origem das próprias famílias –italianas em sua maioria – que cadacolônia recebeu ao longo de sua existênciae, entre as quais, figuram, tanto em SãoCaetano quanto em Ribeirão Pires e em

Década de 1930 -Grupo de imi-grantes italianos deRibeirão Pires. Daesquerda para adireita: AníbalContente, GiovanniCarpinelli, LuigiTolezano eDomingosBenvenuto

2-Em 1878, abrig-ando colônias em

várias linhas.3-W.C . op. cit . pg.

269.

Notas

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São Bernardo, nomes comuns de notóriodestaque como os Baraldi, Boteon,Cassetari, Coppini, D’Agostini, De Nardi,Ferrero, Furlan, Gallo, Leoni, Madella,Meneghel, Pessotti e outros; já, ainda,pelas olarias e carvoarias – rústicasprofissões da incipiente indústria dacerâmica e da produção do carvão – muitomovimentadas nos três núcleos e que,embora herança dos pioneirosbeneditinos, podem revelar contatosprofissionais entre as famílias dessascolônias e já, finalmente, por outrasrazões que as dobras do tempoesconderam ou que se afiguraramirrelevantes a pesquisadores locais, emsuas informações de pouca profundidade.

Chegada dos imigrantes e

divisão de lotes - Como sabemos, osprimeiros imigrantes italianos deRibeirão Pires chegaram ao lugar em1888 e a demarcação da área central dacidade ocorreu em 1893. A sede doNúcleo de Ribeirão Pires foi traçada naparte alta da cidade, onde está hoje aigreja de São José, construída em 1895.Foram também abertas duas linhas naparte baixa, ao longo do Caminho doPilar, todas com lotes rurais. A primeiralinha (da sede) recebeu 24 lotes e asegunda, em torno da Capela do PilarVelho, ficou com 20 lotes.[4]

Um importante Relatório daIntendência (Prefeitura) de São Bernardo,de 1893, preparado pelo conselheiroManoel José de Oliveira Cata Preta, (vice-presidente), informa que no Núcleo deRibeirão Pires foram recebidas 149famílias, 103 em lotes urbanos, próximosda estação férrea do mesmo nome, e 46em lotes suburbanos, na denominadaLinha do Pilar, em torno da capela, amaior parte composta de italianos. NoNúcleo de São Bernardo, o total defamílias chegava a 667 (138 em lotesurbanos, 529 em suburbanos). Nos lotesaqui (urbanos) distribuídos

preponderavam os italianos. Masexistiam também lotes cedidos abrasileiros, alemães, espanhóis, russos,austríacos, franceses e suíços. Além dacolonização dos três núcleos, havia azona do Curucutu, num dos pontos maisafastados ... do Município de SãoBernardo, no Distrito de Riacho Grande.Ali, em 1893, estavam divididos edemarcados 244 lotes suburbanosdestinados aos Voluntários da Pátria.Destes, 100 já tinham sido entregues nogoverno de Américo Brasiliense. ... Amaior parte dos colonos dedicava-se àcultura das videiras. Nos três núcleos -São Caetano, São Bernardo e RibeirãoPires - foram plantados 510 pés de uvas,parte dos quais ainda sem frutos em1893[5]. A afirmativa não nos pareceinteiramente verídica quanto a SãoCaetano, onde o plantio das videiras deveter tido início já em 1877, no começo daprimavera (setembro/outubro), com boaprodução de vinho já nos anos seguintes[6]. O declínio vem noticiado no final doséculo XIX, pelo aparecimento daperonospera e da filoxera, pragas quedizimaram as videiras, sem recuperaçãoposterior. O mesmo não deve teracontecido nos núcleos de São Bernardo,Riacho Grande (Curucutu) e RibeirãoPires. Aliás, até há bem pouco tempohavia notícia de produção de vinho e daexistência de videiras de colônia, naregião de Riacho Grande.

1944 - Vista par-cial do centro de

Ribeirão Pires,vendo-se: Ruas

Ovídio Abrantes edo Comércio, aAvenida Santo

André, Largo daMatriz e o Grupo

Escolar Dom JoséGaspar

4-Wanderley dosSantos op cit . págs.258. 5-idem, ibidem pág.269.6-Em 1887, SãoCaetano produziu 33pipas de vinho (cercade 3.300 lit ros).

Notas

40 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Antigos moradores de Ribeirão

Pires - Mesmo sem informações segurassobre os nomes de chefes de família dosprimeiros grupos de imigrantes italianosque ali chegaram, parece-nos importantemencionar, segundo Wanderley dosSantos, os patronímicos das famílias queali viviam, entre os anos de 1880 e 1920,juntamente com outros, vindos antes oudepois da primeira leva de imigrantes,dentro do mesmo período. Entre essasfamílias – a maioria pertencente aosnúcleos – registravam-se sobrenomescomo: Andreoli, Arnoni, Bafile, Belloti,Benvenutto, Bersan, Bertoldo, Bettega,Boareto, Boaventura, Borelli, Botacin,Bozza, Bressan, Capelli, Carcillo,Carpinelli, Cecchi, Contente, Cortucci,Crussiani, Del Corto, Del Santo, DeNardi, Diccieri, Franco, Franchi, Gallo,Gasperini, Ghilardini, Golla, GonfiantinGoduto, Grecco, Giannasi, Giachello,Laurito, Loretto, Luppi, Maciota,Maggiotto, Mano, Maziero, Menatto,Molon, Mozzelli, Nanini, Nappoli, Pacin,Pavani, Pandolfi, Pedrassan, Pellegrini,Pellisone, Penaroli, Peralta, Pescarin,Prisco, Ravazzi, Rippoli, Roncon, Salero,Scomparin, Soma, Sortini, Stamatto,Tollesano, Tomazzini, Torelli, Ugliengo,Zampol, Zapavigna, Zombatti, para citarapenas os de origem italiana,mencionados nos Antecedentes do ABC,por W.Santos, e nos Anos da Pérola, deGemecê Menezes, que cita o Livro Tombodo Arquivo Público do Estado de São

Paulo. Evidente, todavia, que ali já havia

outras famílias, de mistura combrasileiros. Moradores, na sua maioria,fora dos núcleos e de nacionalidades eorigens as mais diversas, que ali seencontravam, no mesmo período, de quesão exemplos algumas figuras de destaquecomo Abdalla Chiedde, Achilles Letieri,Adelino de Paschoa Lima [7] Adib Eid,Adolfo Knoppoli, Antonio Arruda,Antonio Daraia, Antonio Ferreira deMoraes, Antonio de Figueiredo, AntonioGonçalves Couto, Antonio José deMoraes, Antonio Melão, Antonio NunesVieira, Antonio Pereira Figueiredo,Antonio Pires, Antonio Rodrigues,Antonio Rodrigues Nascimento, AugustoCourbille, Augusto Rebecki, FamíliaBairoth, Benedito Antonio Fidélis,Benedito Antonio de Souza, BeneditoCordeiro, Benedito Ferreira da Costa,Benedito Pedro Cardoso, Benedito PiresDomingues, Caetano Pires, Carlos Rohn,Família Carvalho, César Caçapava,Cherubim Duarte, Capitão ClaudinoPinto, Domingos de Oliveira, EduardoDuarte, Elias de Paula, Euclides Moreirada Silva, Francisco Cordeiro, FranciscoNascimento Fernandes, Francisco dePaula Rodrigues, Francisco Serafim,Giomodécio de Castro, Jesuíno Cardoso,J. Faria, João Aires, João Alves, JoãoBatista de Moraes, Coronel João Batistade Oliveira Lima, João Cordeiro, JoãoDuarte Júnior, João Nunes de Moraes,João Pedro Alves, João Pinto, JoaquimBrito, Joaquim Pires, José BatistaDuarte, José Bonifácio Fernandes, JoséBueno de Castro, José Francisco deCarvalho, José Gonçalves Cali Júnior,José Julião, José de Lima, José MariaFigueiredo, José Mariano Garcia, JoséMoreno, José Oliva, José Pereira daSilva, Juvenal Rocha, Lourenço Pinto,Luiz Fortir, Manoel José de Oliveira

1915 - Olaria pertencente àfamília Bertoldo, noBairro de SantaClara, RibeirãoPires

7-Tabelião deS.André (1º),

conhecido pessoal-mente pelo autor

em 1952. Buscavaassinaturas defranceses em

escrituras públicasde venda e compra

da Cia. QuímicaRhodia Brasileira.

Notas

R A Í Z E S 41D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Catta Preta, Manoel Pires, MárioCamargo Teixeira, Medeiros Viana,Família Moreira, Oirevas Inafetis,Orestes Rebeck, Pedro Antônio Soares,Família Oliva, Família Peixoto, CapitãoPimenta, Família Pinto, Família Queirós,Ricardo Cheick, Família Ritchers,Roberto Zimmerman, Salvador de Souza,Família Siqueira, Tomaz Cruz, ValladãoCatta Preta, Yutaka Nogami [8] .

Meu avô, Domingos Zampol, o paide meu pai, Affonso Zampol, haviaseguido para a Argentina, com o irmão,Pedro Zampol e se desiludiram comMendoza e seu clima: um local de muitovento! Além disso a política local estavamuito agitada. Decidiram, então, retornarà Itália. Porém, na volta, o navio parouem Santos para cuidados sanitários e ospassageiros foram para São Paulo, paraexames médicos. De trem, os irmãosforam conhecer Ribeirão Pires. Moraramali três meses, no prédio que depois seriade Luigi Tolesano e onde funcionou oantigo cartório. Clima e hospedagem lhesagradaram. Com recursos, decidiramficar morando na futura Rua AlferesBotacin, na saída para a Estação de RioGrande. Montaram uma olaria e umafabrica de óleo e sabão e, mais tarde,trouxeram da Itália minha avó, ÂngelaNadim Zampol e outros familiares, quechegaram em dois de maio de 1902, commuita festa, banda de música e foguetes.Os Zampol construíram dois casarões. Oda Rua Cândido Mota, na Vila Aurora,próximo da Av. Santo André, ficou prontoantes de 1910 e ainda existe, em ruínas.Affonso, muito criança, na época, cresceuali, no Casarão dos Zampol. Conheceu,depois, na família Bertoldo, Thereza ecom ela casou-se, em 1910. Comemoramsuas bodas de ouro em 1960. Meu avôDomingos faleceu em 1935. O segundocasarão, da família de Pedro, é de 1915;fica na ponte seca. Foi vendido, maistarde, à família Eid. Quem nos conta isso,

com muita graça, é a sra. Iole ZampolBernardes, (82), filha de Affonso Zampole Thereza Bertoldo Zampol. Muitosimpática e acolhedora, ela mora só, nocentro de Ribeirão Pires.

Primórdios da história de Ribeirão Pires

Naturalmente, a presença marcantedos imigrantes, seu amor ao trabalho e àfamília, sua vida, suas tradições, oscostumes, a língua, a fé religiosa e atémesmo seus rudimentos de cultura(incluindo o encanto de sua música), alémde suas atividades profissionais no NúcleoColonial, e depois fora dele, do mesmomodo que ocorreu em São Caetano e emSão Bernardo, contribuíramdecisivamente para o progresso e odesenvolvimento de Ribeirão Pires como,de resto, para todo o ABC. Mas éimportante que se atente para outrosfatores, associados à rápida evolução,como o advento do transporte ferroviário,da energia elétrica e da disponibilidade deágua em qualidade e quantidade. Ummilagre de evolução, sim, mas bemalicerçado por instrumentos e progressosnunca acessíveis anteriormente. Acombinação dos fatores ocorreu a tempo ehora, produzindo o milagre graças àconjunção convergente.

Embora existente como aldeia, por

1935 - Capela deSão José, no dia

da missa de 7º diada morte do

imigranteDomingos Zampol

8-W.S. esboço inédito da História de Ribeirão Pires.

Notas

42 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

volta de 1558, é só no início do séculoXVIII que surgem as primeirasreferências documentais sobre o territórioda localidade que daria origem ao recenteMunicípio de Ribeirão Pires, inicialmenteconhecido como Caaguassu ou Caguassue depois como bairro do Pilar. A falta deseguras referências históricas nãoautorizaria a afirmação de que RibeirãoPires tenha nascido no século XVI, ou queo local já existia como pequenoagrupamento de famílias, em abril de1553,[9], pois não há registro de fatosdignos de nota naquela localidade. E estaé uma afirmação do próprio Wanderleydos Santos em esboço inédito a respeito,informação essa alterada mais adiante,para reconhecer que a regiãoprovavelmente tivera vida sim, mas nãocom organização que pudesse comparar-se a Santo André da Borda do Campo, aVilla Velha quinhentista[10] .

É verdade, entretanto, comoveremos mais adiante, que na segundametade do século XIX a Ferrovia SãoPaulo Railway desempenhou papelpreponderante nesse quadro. A nosso verfoi fator fundamental para o surgimentode Santo André atual – município esseque nada tem a ver com a extinta VillaVelha de João Ramalho, de seu amigo esogro, o cacique Tibiriçá, e de sua filha,Potira (Bartira), com a qual o vetustoportuguês se amasiou. Do mesmo modo, a

inglesa SPR, inaugurada em fevereiro de1867, teria sido responsável peloressurgimento de aldeias e povoados quepouco a pouco desapareciam do cenárioda denominada Borda do Campoquinhentista ao alcançarem o limiar doséculo XIX, estando entre os quais,provavelmente, também a localidade doCaguassu, quando já era conhecido comobayrro do Pilar e até como sítio RibeirãoPires.

Caguassu, depois Pilar Velho –Por sua posição geográfica, é razoávelaceitar, entretanto, que a região possa dealgum modo ter participado deacontecimentos históricos ocorrido nosséculos XVI e XVII, o que equivale adizer, ao contrário daquela primeiraafirmação do insigne pesquisador W.Santos, que teria existido um povoadoregular nesse território, a quedenominavam Caguassu . Os gentiospodem ter-se espalhado por essas bandas,no final do século XVI, chegando até aregião que, bem mais tarde, seriaconhecida como Ribeirão Pires, em razãode um incidente de invasão e apossamentodas terras, por intrusos, onde seencontrava a Aldeia de Ururaí – origemdos indígenas Maripaqueres – e dos quaisera líder o chefe esquivo, Pequerobi [11],local esse mais tarde conhecido como SãoMiguel (Paulista). Como se nota, a área doCaguassu, depois bairro do Pilar, tinhauma vasta extensão, vindo desde o Alto daSerra, hoje Paranapiacaba, até Itaquera eGuaianazes, passando por Rio Grande,Ribeirão Pires, Ouro Fino, Cassaquera(cercados velhos), depois Mauá, ArturAlvim e alcançando São Miguel Paulista.

Os Intrusos e os Maripaqueres –Realmente, segundo menciona umdocumento régio, de Portugal, da épocacolonial, ...um certo Antonio Machado,descendo a serra existente no distrito deMogi das Cruzes, constatou e trouxe anotícia da invasão de intrusos naquela

Década de 1950 -Missa em domingoensolarado, naMatriz de SãoJosé. Note-se abela arborização àdireita, introduzidapelo padreFernandoSpezzagni, nadécada de 1940

9-Tomé de Souzaconcedeu foral deVilla ao azemel de

S. André da Borda do

Campo, de JoãoRamalho, em

1553. E, em 1560,ele próprio decidiupela sua ext inção.

10-W.S. Esboçocitado, inédito.11-Af fonso E.

Taunay, História daCidade de São

Paulo, pág. 11 Ed.Melhoramentos

(1954).

Notas

R A Í Z E S 43D E Z E M B R O - 2 0 0 5

região e da perigosa dispersão dosindígenas, os Maripaqueres, que diziaminteressar-se pela fé cristã. Desconfiados,os portugueses pediram e conseguiramuma ordem de El-Rei, para que o entãoCapitão Mor, Antonio Correa de Lemos,os perseguisse e os prendesse, intrusos eindígenas, trazendo-os para São Paulo dePiratininga para serem punidos, o querealmente ocorreu com o concurso deAntonio Borbas e seu primo Francisco deBorba Gato. O capitão Lemos, depois,conservou-se no posto de capitão-mor,governador das Capitanias de São Vicentee de São Paulo até 1707 [12].

Documentos do século XVIIcomprovam que, por volta do ano de1677, o capitão Antonio Corrêa de Lemostinha a prática da disciplina militar, comoCapitão de Infantaria da ordenança, poreleição dos oficiais (vereadores) daCâmara da Villa de São Paulo dePiratininga, para o descobrimento deminas de prata, exercitando o dito postode Capitão no bayrro de Cahaguassu,onde morava. Aliás, o Capitão Lemossucedera a Thomaz da Costa Barbosa, emmarço de 1703, para assumir o realserviço de Capitão Mór daquelasCapitanias (São Vicente e SãoPaulo)[13].

Mais tarde, documento datado deseis de março de 1705, sob o título deCarta de D. Álvaro da Silveira deAlbuquerque a Antonio Correa de Lemos,Capitão Mor de São Vicente e de SãoPaulo, (fala) sobre os índiosMaripaqueres, aprisionados pelos primosBorba Gato. O documento esclarece queafirmavam os índios terem vindo embusca da doutrinação na fé cristã. Taisgentios, que ocupavam as localidadesribeirinhas do lendário Rio Tietê,chamavam a esta região de Cahaguassuou Caguassu, cujo significado é MataGrande [14].

A Capela de Nossa Senhora do Pilare seu fundador

Havendo recebido terras desesmarias no local, o capitão AntonioCorrêa de Lemos passara a viver nessaregião, por volta de 1677. Nascera em SãoPaulo. Seu pai tinha o mesmo nome e suamãe era Maria de Quadros. Seus irmãoseram José Correa de Lemos, SalvadorCorrea de Lemos, Francisca e Maria dasNeves. De fato, os desfechos das cartas desesmarias setecentistas comprovam: asquais terras lhe concedo ao suplicante(capitão-mor, Antonio Correa de Lemos)para que as haja, logre e possua comocoisa própria tanto ele como todos os seusherdeiros ascendentes e descendentes,sem pensão, nem tributo algum mais (do)que os dízimos N.S. dos frutos que nelastiver a qual concessão lhe faço nãoprejudicando a terceiro e reservando ospaus reais que nas ditas terras houverempara embarcações e cultivará as ditasterras de maneira que deem frutos e darácaminhos públicos e particulares aondeforem necessários para fontes, pontes,portos, pedreiras como é estilo e SuaMajestade. E não venderá as terras semexpressa ordem do dito senhor e seráobrigado a cultivá-las, demarcá-las econfirmá-las dentro dos dois ditos anoscom declaração [15]. É certo que essasterras abrangiam o enorme território jácitado anteriormente, até as margens doTietê, e que a Capela de Nossa Senhora do

Outubro de 2005 -Estado atual da

Matriz de SãoJosé, Ribeirão

Pires, vendo-se àdireita o remanes-cente da arboriza-

ção criada pelopadre Fernando

Spezzagni nos anos40

12-W.S. esboço cita-do da História deRibeirão Pires.13-W.S. esboço cita-do id. Ib.14-Idem, ibidem.15-Idem, ibidem.

Notas

44 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Pilar situava-senas terras deMauá e RibeirãoPires, maisparticularmente.Daí ter existidono Sítio deCassaquera aEstação (férrea)do Pilar (depoisMauá).

No iníciodo século XVIII,já capitão-mor,Antonio Corrêade Lemos foraacometido degrave moléstiaque, por pouco,não lhe tirava a

vida. Muito doente, fez um pedido e umapromessa à sua santa de devoção, NossaSenhora do Pilar, implorando pela própriacura. A origem dessa santa remonta aoencontro da imagem, por um dosapóstolos de Cristo, [16] às margens doRio Ebro, na cidade de Zaragoza, naEspanha. Conta a lenda que, enquanto oapóstolo e seus discípulos oravam naquelalocalidade, encontraram uma imagem deNossa Senhora, rodeada de anjos edisposta sobre uma coluna de mármore,em forma de pilar. Daí a escolha bizarrada denominação de Nossa Senhora doPilar.

Construção e benção - Havendo ocapitão Corrêa de Lemos recuperadointegralmente a saúde, comprometeu-se aconstruir uma capela em louvor à suasanta salvadora. Assim, com o apoio deprofissionais artesãos, entalhadores,taipeiros e o concurso do trabalho deescravos que ele próprio cedeu, foierguida a capela sobre uma colina - adredeescolhida para aquele fim - e construídapelo sistema da taipa, isto é, com pilaresde madeira trançados de esteiras de palha

e barro, com paredes de 40 centímetros deespessura.

Em seguida, conforme provisãodo bispo dom Francisco de São Jerônimoe respectiva benção do guardião freiPacífico, da Igreja de São Francisco e,ainda, por despacho clerical, fundou-se esagrou-se, no então denominado bayrroCaguassu, a capela, em honra de NossaSenhora do Pilar, em 25 de março de1714. Trata-se do templo mais antigo daregião, não considerando a Capela deSanto André (1553), extinta com a VillaVelha em 1560, por ordem do governadorgeral.

Conforme registro de datasconsagradas a santos, feito em uma tábuapendente na sacristia do Mosteiro de SãoBento, em São Paulo, destinou-se, o dia25 de março, às comemorações em louvorda santa, por haver indulgência plenárianesse dia. Datam dessa época novosrumos para este longínquo ponto da serraque recebeu de pronto algumas famílias,transferidas para junto da pomposaermida, no sopé da colina. Com a capela,o local passou a ser conhecido comobayrro do Pilar.

Na verdade, nessa época a capelahavia de ser realmente uma pomposaermida, que contava com majestosoportal, composto de peças inteiriças demadeira, sem juntas ou dobradiças. Eseus movimentos de abrir e fechar faziam-se girando suportes sobre eixos demadeira, assentados em orifícios no piso,junto aos batentes da porta, nas partesinferiores e superiores. O altar morostentava entalhes de madeira, pintadosem branco, azul e dourado e sempreapresentaram boa conservação.

A imagem original de NossaSenhora do Pilar é antiga, contando já emtorno de três séculos. Buscando fotografá-la, fomos informados de que: Pois é, essaimagem foi furtada daqui por ladrões deantigüidades, em 1998. Recuperada

Outubro de 2005 -Capela de N.S. doPilar, Ribeirão Pires.Estado atual, apósreformas

16-Provavelmente,o apóstolo São

Thiago.

Notas

R A Í Z E S 45D E Z E M B R O - 2 0 0 5

meses depois, em Minas Gerais, em 1999,ela não voltou mais ao altar primitivo. Aimagem atual é uma réplica da original,contou-nos Ederli Ferreira, filha do casalde zeladores da Capela do Pilar, BrazSoares Ferreira e Luzia de Farias Ferreira,que ali residem há 30 anos e mantêm emordem essa preciosidade histórica. Asdemais imagens que adornam a capela sãode gesso e foram elaboradas e alientronizadas mais recentemente[17].Atualmente, o pároco da Igreja de SantaLuzia, Padre José Silva, celebra missas naCapela do Pilar, a cada primeiro domingodo mês. Recentemente celebrou-se nessacapela o casamento de jovens dalocalidade.

A Família Pires - Passados doisanos, depois da construção e sagração daCapela de Nossa Senhora do Pilar, recebeo lugarejo do Caguassu, em meados de1716, a família do mestre de campo,Antonio Pires de Ávila, filho de Manoelde Ávila e de Ana Ribeiro Razão. Asterras que essa família ocupou ficaramconhecidas pelo nome de Sitio RibeirãoPires, em razão do ribeirão próximo, quepassava pelas referidas terras. Esseribeirão, entretanto, fora anteriormenteconhecido por (Rio) Grande, porque erade fato o maior das redondezas.

O citado mestre de campo, naturalde São Paulo, distinguira-se na luta contraa invasão dos franceses no Rio de Janeiroentre 1710 e 1711 e, em 27 de dezembrode 1713, fora nomeado sargento-mor dosauxiliares de Pitangui, por dom BrazBalthazar da Silveira, conselheiro de ElRei, tendo ali erguido o pelourinho da vilaem 1715. Antonio Pires de Ávila erairmão de Isabel, Maria, Tereza, Josefa,Cecília e Miguel. Sua esposa, AnaMoreira de Godoy, era filha de IgnácioMoreira de Godoy e de Catarina deUnhate de Medeiros. Acompanhavam-noscinco filhas: Tereza, Úrsula, Catarina eoutras duas, cujos nomes são

desconhecidos. Seus feitos

como sertanista eauxiliar da Coroaautorizavam-no e elerequereu, então, possedas terrasmencionadas atravésde Dom BrazBalthazar da Silveira,do Conselho de SuaMajestade, que Deusguarde ... Mestre deCampo General dosseus exércitos,Governador e CapitãoGeral da Capitania deSão Paulo. Foi-lhe,então, concedida carta(de sesmaria) nosseguintes termos:Faço saber aos que esta minha cartavirem que tenho consideração a merepresentar o Mestre de Campo AntonioPires de Ávila, que ele possui um sítio quetinha fabricado na paragem chamadaCassaquera (cercados velhos) - depoisMauá -, e por que ele se quer alongar enecessita de mais terras em que acomodecinco filhas que tem, e estão devolutas asque ficam na vizinhança do dito sítio mepedia lhas concedesse por sesmaria asquais começam da barra de um ribeiroque chama Isrricantam, correndo peloribeiro acima para o sertão e da barra dodito ribeiro pelo Rio dos Couros, abaixoaté a barra de Itororon, dahi pelo ditoribeiro adiante até o caminho velho domar e correrá a rumo pelo dito caminhoaté o Rio Grande e atendendo o que éconveniente que povoem e cultivem asditas terras e (para) poder acomodar osuplicante nelas sua família. Dada em 24de março de 1716.

Anos depois, já assentado na área,volta Pires de Ávila a dirigir-se àautoridade local pedindo confirmação

Outubro 2005 -Interior da Capelade Nossa Senhora

do Pilar, com detalhe da imagem

atual, réplica daoriginal que não

retornou ao altarapós ser recupera-

da de furto, em1999

17-W.S. ops. citadas- div. págs.

Notas

4 6 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

dessa propriedade emdez de outubro de

1733, semn e n h u m a

o p o s i ç ã o .H a v i apassado paraSão Paulo,onde foran o m e a d omestre de

campo dosauxiliares por

patente de 21 deoutubro de 1721,

seguindo depois paraas minas de Cuiabá, por volta

de 1722. Fora ele classificado pordocumento régio de 21 de junho de 1723como um dos melhores sertanistas (do)seu tempo. De grande capacidade e muitoprático em todo o sertão [18].

Desse modo, estes precursores dofuturo Município de Ribeirão Pires,ambos possuidores de documentos régiosdas terras de sua posse, tendo cumpridotarefas que os credenciaram comopioneiros setecentistas da referidaparagem, poderiam merecer, cada umdeles, a qualificação e a glória defundador. Entretanto, parece certo que ocapitão Antonio Corrêa de Lemos, queantecedeu Antonio Pires de Ávila e suafamília, e que foi o fundador e artífice daCapela de Nossa Senhora do Pilar, detémo título de fundador da cidade de RibeirãoPires, consoante afirmação dopesquisador W. dos Santos, de saudosamemória, em esboço inicial incompleto,intitulado História de Ribeirão Pires,citada nos Antecedentes Históricos doABC. E, particularmente, consideramosque o destaque e o louvor a ambos émerecido, a fim de que não permaneçamignorados, como simples notas de rodapé,em obras de historiadores.

Decadência da Capela e do

Bairro do Pilar – Entretanto,empobrecida, a localidade começou adefinhar ainda na primeira metade doséculo XVIII, com a morte, em 1739, docapitão-mor, Antonio Correa de Lemos,sepultado no interior da capela que elepróprio construíra, 25 anos antes. Idênticodestino deve ter tido sua esposa, falecidaem 1721. Daí por diante, por algumtempo, além do negro Ignácio, ficaraencarregado de cuidar da Capela de NossaSenhora do Pilar o filho e herdeiro docapitão Correa de Lemos, FranciscoCorrêa de Lemos. Mas a notícia era de queesse herdeiro estava distante, a serviço daCoroa portuguesa, também nas minas deCuiabá, Mato Grosso.

Esse abandono foi igualmentesentido e registrado pelo primeiro bispoda Diocese de São Paulo, criada conformedecreto assinado por dom João V, em 29de abril de 1745[19]. Por aquele decretorégio, a localidade ficou integrada nogrande território da Freguesia da Sé, cujoprimeiro bispo, dom Bernardo RodriguesNogueira, chegou a São Paulo em oito dedezembro de 1746.

Ao organizar sua diocese nocampo e planalto de São Paulo dePiratininga, o referido bispo visitou todasas igrejas da Freguesia da Sé. E, quando sereferiu à Capela do Pilar, observou que nobayrro do Pilar distante desta igreja (Sé)oito léguas pouco mais ou menos, háfregueses dela, que necessitam sacerdoteque lhes diga missa na Capela de N.Senhora do Pilar aí sita. Mas como nobayrro não vive sacerdote e não possuemos moradores, por pobres, com que sesustentem, porque lhes falta ainda onecessário de que vivam, a sua sumapobreza os faz passar a ouvi-la algunsdias do ano em alguma capela ou nestaCidade (São Paulo), donde a teem semdispêndio e ordinariamente só, vem cadaano a receber os sacramentos que nasenfermidades não perdoam ao pároco a

José Luiz Fláquer,senador estadual evulto de projeçãoem todo o Estado

18-W.S. esboçopara Hist . Rib.Pires

- págs. 6, 7 e 8.19-Portugal det inha

o direito de padroado, concedido pelo papa,

no século XVI: aCoroa podia criar

bispados,mosteiros

e nomear sacer-dotes etc (in O

Livro das Religiões- 2002).

Notas

R A Í Z E S 47D E Z E M B R O - 2 0 0 5

jornada trabalhosa para lá lhesadministrar.

E, em seguida, no mesmodocumento, o bispo repete a descriçãosobre a instalação, benção e sagração daCapela do Pilar pelo guardião de SãoFrancisco, frei Pacífico. E prossegue, emsua avaliação, informando que (a capela):Acha-se com bastante ruína e mato, faltade ornamentos porque só tem duascasulas velhas e frontais. Que tem maisum negro por nome Ignácio ... ... Não temprotetor, ainda que dizem ficara um filhodo fundador por nome Francisco Correade Lemos, ora assistente nas minas deCuiabá. Não consta tenha patrimônio ...Está a Capela destituída sem ter quemdela cuide ou administre e falta de toda aveneração por não ter ornamentossuficientes e com iminente ruína se achapouco digna [20].

Neste mesmo ano de 1748,conhecendo o estado de abandono dalocalidade, vereadores de Moji das Cruzesmanifestaram a pretensão de incluir emseu território a maior parte da região deCaguassu, também conhecida como Pilar.Mas tal pretensão não chegou a seroficializada e foi esquecida.

No censo populacional realizadopelo Morgado de Mateus, em 1765,constatou-se, no então “Cagoassu”, aexistência de 112 pessoas (62 mulheres e50 homens). Porém, na sua maioria,residiam distantes do centro do Pilar, naparte que mais tarde se desenvolveu comoItaquera e Guaianazes. É que a localidadede Caguassu , depois Pilar – queWanderley dos Santos denomina de célulamater da futura cidade de Ribeirão Pires–, resumia-se realmente a algumascasinhas abaixo da colina onde se situavaa Capela do Pilar, e outras, espalhadaspela vasta mata.

A torre dessa capela, acrescentadacerca de um século depois de erguida aprópria capela, ao que consta, foi obra de

construção já no século XIX,iniciada por volta de 1809 ecusteada pela colaboraçãode fazendeiros da região,como os capitães JoãoFranco da Rocha e JoãoJosé Barbosa Ortiz.

O bispo domMateus de AbreuPereira, da Diocese daSé, em São Paulo,determinou, em 27 deagosto de 1819, umdesmembramento doterritório da Sé, comremanejamento de outras regiões,ocasião em que a localidade do Pilar(a comunidade paroquial) foi deslocadapara a jurisdição da Freguesia do Senhorde Matozinhos, do Brás, e, apresentandominuciosa descrição das divisas, conclui oreferido bispo, com a afirmação ficandoem consequência compreendido todo obairro do Pilar para a dita novaFreguesia. Desse modo, embora o tempoestivesse minando as estruturas da frágilcapela, oficializada a transferência doBairro do Pilar para a Freguesia do Brásvinha, de vez em quando, celebrar o santoofício da missa no Pilar, o reverendopadre Joaquim José Rodrigues.

Doze anos mais tarde, porém, emcinco de setembro de 1831, o comendadorda Ordem de Cristo e bispo de São Paulo,dom Joaquim Gonçalves de Andrade,retificou a jurisdição então vigente em1819 e anexou o Bairro do Pilar àFreguesia de São Bernardo, visto situar-seo mesmo a três léguas da Matriz de NossaSenhora da Conceição da Boa Viagem,sendo que, do Brás, essa distância era decerca de sete léguas. Retornava, dessemodo, a comunidade paroquial dalocalidade do Pilar a integrar a região quemais tarde seria conhecida como ABC,como de resto todo o território de RibeirãoPires se mantinha sob a jurisdição da

Coronel JoãoBaptista de Oliveira

Lima, de saudosamemória. Pioneiro

do progressobernardense e

ribeirão-pirense

20-W.S. ops.

Notas

48 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

mesma Freguesia de SãoBernardo política eterritorialmente. Por essetempo, a denominação deRibeirão Pires já sepopularizara. Porémmantinha-se a idéia, aindaantiga, de que se tratava deum sítio e não de um bairro,distrito ou cidade.

Daí por diante, aligação do Pilar com SãoBernardo firmou-se tanto que,ainda hoje, existem vestígiosdessa localidade no Municípiode Santo André, próximos àdivisa (Vila Gilda) com São

Bernardo, existindo ali uma via pública,denominada Rua Caminho do Pilar, aqual atravessa a Avenida Pereira Barretojá nos domínios de São Bernardo atual esegue em direção à localidade conhecidacomo Vila Baeta Neves, rumando nadireção da Serra do Mar, com o nome deRua Tales dos Santos Freire. Aliás, em1893, quando São Bernardo já ostentavaforos de município desde 1889, o vice-presidente do Conselho, Manoel José deOliveira Cata Preta, escreveu um relatóriorespondendo a um questionário, dizendo:que havia mais uma estrada emconstrução, a qual tem por fim ligar oNúcleo (Colonial) de Ribeirão Pires como de São Bernardo. Esse caminho para oPilar já conta, portanto, com cerca de 112anos.

Quanto à propriedade, denominadaSítio Ribeirão Pires, em terras dalocalidade de Cassaquera (que depoisseria Mauá e Ribeirão Pires), quepertenceu a Feliciano José Rodrigues, foiela, em 1830, transferida a José Fernandesda Silva. No ano seguinte – 1832 – esseproprietário doou o Sítio a José Alves deSiqueira.

De outro lado, mesmo localizando-se próximo da Freguesia de São Bernardo,

depois da morte de seu fundador, ocapitão Antonio Corrêa de Lemos, eestando seu filho, Francisco Corrêa deLemos, nas minas de Cuiabá, no MatoGrosso, permanecia o lugarejo do Pilarcom aquele triste aspecto decadente deabandono. Entretanto, resistindo, como defato resistiu, mais três décadas, receberia,o Pilar Velho, a energia do progresso, queo faria ressurgir como a Pérola da Serrado Mar, com a chegada da Estrada deFerro SPR, que por ali passaria, vencendoa abrupta Serra do Mar, a caminho doPorto de Santos. O destino do Pilar era ode incorporar-se ao progressista ABC,salvando-se da decadência e da sombriaameaça de desaparecimento.

O advento da Ferrovia SPR – Já,entre 1836 e 1838, leis provinciaisautorizavam o contrato para a construçãode uma estrada de ferro entre São Paulo eSantos, mas o projeto não prosperou.Vinte anos depois, o surto do café em todoo interior da Província de São Paulo e anecessidade de levá-lo rapidamente e emgrandes quantidades ao Porto de Santos,para exportação, marcaram a retomada doprojeto, mais seriamente. Pelo Decreto1.759, de 26 de abril de 1856, o ImperadorD. Pedro II concedeu ao conselheiro JoséAntonio Pimenta Bueno, (futuro marquêsde São Vicente e professor da já entãofamosa Faculdade de Direito do Largo deSão Francisco, fundada em 1827), aomarquês de Monte Alegre e ao ilustrenobre do Império, Irineu Evangelista deSouza, o barão (depois visconde) deMauá, o privilégio da concessão deexploração dessa ferrovia, por 90 anos.Graças aos esforços do barão de Mauá,essa concessão foi negociada e cedida àempresa The Sao Paulo RailwayCompany Ltd., organizada em Londres,em 1860. A gigantesca empreitada dosserviços de instalação da ferrovia quedevia vencer os 800 metros da Serra doMar coube à firma Robert Sharp & Sons,

Dr. Felício Laurito,de família deRibeirão Pires. Foioperoso prefeito deSão Bernardo

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que incumbiu o engenheiro JamesBrunless de completar o projeto, o qual foirealizado pelos engenheiros DanielMackinson Fox e seu auxiliar, Bolland . Oinício da construção da ferrovia teve lugarno Porto de Santos. Dali os trabalhosseguiram em direção ao planalto, a partirde 15.05.1860[21].

A Estação de Ribeirão Pires -Um ano depois, em 28 de junho de 1861,o proprietário, Antonio José de Moraes,vendeu parte do Sítio Ribeirão Pires, noBairro do Pilar, à ferrovia. Estas terras,onde mais tarde foram construídos umaestação (com o nome do sítio) e osrespectivos armazéns da ferrovia,pertenceram a José Alves de Siqueira,falecido em 1845, e à viúva, FranciscaAlves Bicudo, que as registrou em seunome em 1855, transferindo-as três anosmais tarde ao sobredito Antonio José deMoraes. O tráfego ferroviário foiinaugurado em 16 de fevereiro de 1867sem, ainda, deixar estação ou parada,nessa localidade, talvez porque jáhouvesse, relativamente próximas, asestações de São Bernardo (primeiro nomeda futura Estação de Santo André) de umlado (a Estação Pilar, depois Mauá, foicriada em 1883) e, de outro lado, aEstação de Rio Grande, já bem próximada Serra do Mar. Todavia, com aexpansão dos sitiantes de Rio Grande, quese estabeleceram nestas vizinhanças,verificou-se a necessidade da instalaçãode outra estação intermediária que serviriatambém para o abastecimento de água àslocomotivas (a vapor, naquele tempo).

Desse modo, 18 anos após o iníciodo tráfego, em primeiro de março de1885, na altitude de 751 metros acima donível do mar, foi inaugurada a paradaferroviária Estação de Ribeirão Pires,cujo nome se deveu realmente ao sítiohomônimo, adquirido em parte pelaferrovia, pois que o ribeirão daquelestempos era conhecido como (Rio) Grande,

e não como Ribeirão(dos) Pires, como ficoumais tarde conhecido,em razão da chegada dafamília Pires quemanteve larga influêncialocal. Nesta época, oSítio Ribeirão Pirespertencia à viúvaFrancisca Maria deLima, que o recebera,em 1881, porfalecimento de seumarido, Antonio José deMoraes, o mesmoproprietário que venderaparte da propriedade à ferrovia, em 1861.

Apesar da existência, comprovadapelo histórico anterior, de povoado local,o próprio pesquisador Wanderley dosSantos admite que: A exemplo de Mauá, oantigo Pilar, e de Santo André, a antigaEstação de São Bernardo, o Municípioatual de Ribeirão Pires surgiu a partir daexistência da estação férrea local, ...inaugurada em primeiro de março de1885. Antes disso existiam, no local,apenas habitantes esparsos, ao redor dacolina onde foi erguida a Capela de NossaSenhora do Pilar.

A criação do Núcleo Colonial - Efoi, então, em torno da Estação deRibeirão Pires, que se criou, em 1887, aColônia dos Imigrantes Italianos. E tãobem se ajustou o Núcleo Colonial, naregião, que a povoação surgida em tornoda estação de Ribeirão Pires superou a doPilar, (onde também havia uma linha doNúcleo local), mantida, desde então,como espécie de bairro subordinado aRibeirão Pires, que foi elevado a Distritode Paz em 1896. Mas Ribeirão Pires sóalcançaria sua autonomia político-administrativa tornando-se município, em1953, após o plebiscito autorizado por lei.

Com efeito, não existe referênciahistórica alguma comprovando que o

Fioravante Zampol,de Ribeirão Pires,

presidente daCâmara e prefeito

de Santo André

21-W.S.Antecedentes, op.cit .

Notas

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Bayrro do Pilar tenha sidoelevado ou tenha recebido otratamento de distrito de paz,distrito fiscal ou distritopolicial, o que, aliás, só tevelugar, com Ribeirão Pires, emfevereiro de 1890, pois apartir da Lei nº 38, de 12 demarço de 1889, quetransformou a Freguesia deSão Bernardo em Villa(equivalente a município),ambos os locais passaram apertencer ao território de SãoBernardo, do mesmo modoque Santo André e SãoCaetano. Nova mudança naterritorialidade só viria aocorrer em 30 de novembrode 1938, com o Decreto9.775, pelo qual, graças a seu

maior desenvolvimento em relação àantiga Villa de São Bernardo, pelaintensa atividade ferroviária e industrial,Santo André passou ao foral de municípioficando, as demais áreas [22], comosimples distritos ou segundas zonas,subordinadas ao novo Município de SantoAndré, que englobava, então, todo o ABC,até o alto da Serra (Paranapiacaba).

Embora Wanderley dos Santosnão atribua ao trabalho e à prosperidadedos imigrantes italianos que viviam noNúcleo Colonial parte do progressoexperimentado por Ribeirão Pires, éinegável que o impulso e o dinamismorecebidos dos imigrantes, vindos em1888, a exemplo do que ocorreu com SãoCaetano e com São Bernardo, foramdiretamente responsáveis pela rápidaevolução e pelo surto de progresso aliregistrados. Naturalmente, tal fato estáassociado e se deve também aos meios detransporte da Ferrovia SPR, à energiaelétrica vinda para São Bernardo em 1905(do qual Ribeirão Pires era um distrito) eà disponibilidade de água, decorrente da

criação das Represas Billings eGuarapiranga (1907) pela Light & Power,a empresa canadense que explorou ainiciativa durante mais de 80 anos e que,em 1946, realizou também o represamentodo Rio Tietê, aumentando a vazão de águada Billings para maior turbinamentoenergético para Cubatão.

Desde 1871, com a Lei Provincialde 30 de março, colocou-se a base dosistema para aceitação de imigrantes. Porvolta de 1874, fazendeiros de caféassociados a grandes proprietáriospaulistas decidiram recrutar diretamentena Europa a mão-de-obra que deixaria deexistir com a abolição da escravatura em1888. Antonio Queiroz Teles, futurobarão e visconde de Parnaíba, governadorde São Paulo em 1878, decidira tambémaceitar a imigração italiana. Sob suapresidência constituiu-se a SociedadePromotora de Imigração em dois de julhode 1886. E, em fevereiro de 1887, foicriado, oficialmente, o Núcleo Colonial deRibeirão Pires. Entre dezembro de 1887 emarço de 1888, sob a orientação doengenheiro Joaquim Rodrigues Antunes,concluíram-se trabalhos de medições deterras cedidas para a composição doNúcleo, que explorou também as terrasadjacentes à localidade em torno daCapela de Nossa Senhora do Pilar (linhado Pilar).

O Núcleo Colonial de duas

linhas - A princípio, o Núcleo Colonial sedividiria em duas linhas: a Linha Central,próxima à Estação de Ribeirão Pires, e aLinha do (bairro) Pilar. A Linha Central,que ocupava a área onde estãoatualmente os arruamentos dos jardinsColonial Boa Sorte, Dois Melros,Alvorada, Fazenda Bandeirantes, BosqueSantana, Estância Paulista e as vilasCleide, Fonseca, Elisa, Colônia,Conceição, Bertoldo, Prisco, Maracá,Nova Fortuna e Sônia, limitava-se peloantigo Ribeirão Grande, depois Ribeirão

Padre Luigi Capra,da Pia SocietàMissionaria di SanCarlo, do serviçoreligioso na Igrejada São Caetano ecolaborador eméritoda construção daCapela de SãoJosé, de RibeirãoPires

22-São Bernardo,Diadema, Rudge

Ramos, RiachoGrande, São

Caetano, Ribeirão Pires,

Mauá, Rio Grandeda Serra,

Paranapiacaba.

Notas

R A Í Z E S 51D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Pires. Esta área era atravessada por umcaminho, considerado a única ligaçãocom a Capela do Pilar, caminho esse queforma hoje as ruas do Comércio (parte),Miguel Prisco e a Estrada da Colônia.Tinha 27 lotes grandes.

Já a Linha do Pilar, que selocalizava entre as terras de JoséFranchi, José de Lima, Caetano Pires,Benedito Cordeiro, Joaquim de Brito eSalvador de Souza, constituía-se de 20lotes, muito maiores que os da linhaanterior. A Linha ou Núcleo do Pilar (quejá era conhecido como Pilar Velho), como advento da estação ferroviária do Pilar,inaugurada em 1883, no local do atualMunicípio de Mauá, voltou a ser ponto deatração popular.

Em descrição feita pela Secretariada Agricultura, em 1892, informa-se queeste Núcleo, cuja fundação data defevereiro de 1887, foi estabelecido parteem terras devolutas, descriminadas pelaComissão Especial, e parte em terrasgratuitamente cedidas ao governo porFrancisco de Paula Rodrigues. Comoserra e com a salubridade de clima, olugar é entusiasticamente procurado porabastados negociantes da praça de Santos[23].

A Capela de N.S. Pilar recupera

prestígio – Nos fundos da secular Capelade Nossa Senhora do Pilar, foraconstruído um cemitério, que emboraimprovisado, determinou a paralisaçãodefinitiva das inumações no interior daigreja. O último corpo ali enterrado foi odo devoto Joaquim Mariano, falecido aos40 anos, em 21 de agosto de 1861. Noreferido cemitério, ficara encarregada eera responsável pelos enterros(inumações) a senhora Palmira de Tal.

Nesta ocasião, a presença dosimigrantes, fiéis praticantes da fé cristã eassíduos frequentadores da capela,certamente moveu a comunidade a fazer,por sua conta, a manutenção e melhorias

necessárias e tambéma reclamar a presençade um pastor dealmas. Aliás, arequerimento doantigo morador,Benedito AntônioFidelis, a históricaigreja recebeu, dadiocese, em dois deoutubro de 1902, provisão quinquenal,para celebração de santas missas,realizadas pelos Missionários de SãoCarlos. Posteriormente, recebeu a capelaoutra provisão para o mesmo fim, em 25de maio de 1904. Nova provisão anual foipassada em 20 de setembro de 1909.

Distrito Fiscal - Entrementes, em1905, Ribeirão Pires já era distrito de pazda Villa (Município) de São Bernardo.Figuras importantes haviam tomado possepara a legislatura desse ano, comovereadores: coronel João Batista deOliveira Lima, José D’Angelo, AlfredoLuiz Flaquer, Carlos Prugner, BeneditoCesário do Nascimento, João Evangelistade Lima, José Anibal Coleone e ManoelCosta Marques. Durante a sessão deinstalação ficou decidida a divisãoadministrativa de São Bernardo emdistritos fiscais. Desse modo, no Distritode Paz de Ribeirão Pires foram criadosdois distritos fiscais: o da sede e o do Altoda Serra, (hoje Paranapiacaba), em data dedez de janeiro de 1905. Isso motivava adiocese a fortalecer a capela.

Desse modo, em 22 de outubro de1913, foi nomeado o padre FranciscoNavarro, pelo cônego padre JoséRodrigues de Carvalho[24]. Enfim, com apromoção, foi o padre Francisco Navarronomeado zelador, com atribuições defabriqueiro[25].

Como se vê, a comunidadeconseguiu da diocese que fosse garantidaa provisão de sacerdote para a capela,sendo celebradas missas com regularidade

Década de 1920 -O casarão do imi-grante DomingosZampol na épocaem que ainda erahabitado por sua

família

23-W.S. Esboçoinédito, citado, pág.18.24-Já nomeado, em14 de setembro de1913, como vigário,pelo bispo domDuarte Leopoldo eSilva, para a Matrizde São José, a ant igaCapela de RibeirãoPires.25-Const rutor ezelador de todos osbens daquela igreja.

Notas

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pelo vigário provisionado. A Capela doPilar tornara-se, portanto, Matrizprovisória, onde se realizavampraticamente todas as cerimôniasreligiosas.

Em 20 de maio de 1916, a Capelado Pilar recebeu doação de terreno docasal José Pereira da Silva e sua mulher,Francisca Maria de Oliveira, onde seconstruiu a primeira casa paroquial, (daregião), conhecida como casa dos padres.Graças a esse florescimento, a capelarecebeu a prestigiosa visita de superiores,como o padre José Chiappa, em 1918.

Isolamento: o destino do Pilar -

Entretanto, ironicamente, a capelahistórica estava fadada a nova decadêncianas décadas de 1920 e de 1930.Provavelmente, este período foi marcadopela saída de muitos imigrantes do NúcleoColonial que, já ostentando melhorescondições financeiras, abriam negóciosem locais junto ao centro, ou passavam aresidir mais próximos da estaçãoferroviária, ou, ainda, migravam para asindústrias surgidas a partir de 1915 e quemarcaram o início da era industrial doABC. Isso determinou novo isolamentoda velha Capela do Pilar e do cemitérioanexo, com sepulturas – na maioria decolonos italianos – também sinalizandoabandono. Não obstante isso, escrituras eregistros públicos locais, relativos aimóveis das proximidades, jáidentificavam sua localização como

Bairro da Capela de Nossa Senhora doPilar.

A pomposa ermida chegou apermanecer abandonada, no meio damata, servindo de abrigo aos animais, pormais de 20 anos! Seu piso internomostrava sinais de ruína e crateras. Paraalcançá-la fazia-se o percurso a pé,partindo-se da estação ferroviária,conforme narrativa do devoto José Obedaque, anualmente, fazia lá uma romariaparticular. Morador de Santo André, JoséObeda visitou a capela pela primeira vezem 1936 e prometeu recuperar o local.Cumpriu sua promessa: fez renascer,ainda uma vez, o povoado do Pilar Velho.Contava com o apoio de policiamento quefora reivindicado por Fioravante Zampole pelos padres, também vindos de SantoAndré.

Em antiquíssima e enormecômoda, encontravam-se roupas (ascasulas) dos padres que por ali passarampara celebrar o santo sacrifício dasmissas. A idéia das romarias propagou-see experimentou grande crescimento. Apartir de 1940, já eram feitas em ônibus ecaminhões, crescendo cada dia mais onúmero de devotos de Nossa Senhora doPilar que passaram a visitá-la a cadaprimeiro de maio, prática que se estendeupor mais de 30 anos. José Obeda, oiniciador das romarias, faleceu em três demaio de 1955. Desde então sua viúva,Maria Castilho Obeda, e os filhos, José,Josefina Maria do Carmo, Rosária,Beatriz, Francisca, Trindade, Rafael,Bruna Aparecida e Irani, prosseguem coma tradição das romarias à Capela do Pilar.Outras famílias adquiriram o hábito epassaram a cuidar da capela.

Em primeiro de maio de 1957, asfamílias de Eduardo Flório, de AtílioNazareth e de José Padovani, bem comooutras famílias residentes em SantoAndré, todas devotas de Nossa Senhora doPilar, como romeiros, inauguraram

15.10.56 - O casalAffonso Zampol eThereza BertoldoZampol que habitouo Casarão Zampolapós casamentoem 1910. Affonsoera filho deDomingos Zampol

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diversos melhoramentos no templo, com areforma total do piso, a instalação de novaporta, a pintura geral da igreja e a capinada vegetação que invadira o adro.Adornaram, ainda, a igreja com imagensde outros santos, com quadros da via sacrae doaram castiçais novos para os altares.

Risco de desabamento –Entretanto, a exemplo de outras obrascongêneres, mormente as antigas, com suafrágil construção de taipa, a Capela doPilar, por volta de 1965 – com seus 250anos de existência – esteve sujeita adesabamentos periódicos, por seulastimável estado, com fendas nas paredese com o forro ameaçando ruir, devido àsua antiguidade. Para evitar odesabamento iminente, a Municipalidadede Ribeirão Pires reconstruiu as paredes ereforçou a pequena torre. A reforma, nãoorientada por especialistas em arte,retirou grande parte das característicasprimitivas, daquele estilo barroco ecolonial paulista, que a distinguia comotemplo setecentista, estilo que estiverapresente naquela obra artesanal do iníciodo século XVIII, de iniciativa do capitão-mor Antonio Corrêa de Lemos e suagente. A verdade é que suas origens, suahistória, tudo estava já esquecido nessaépoca. Ninguém havia que soubesse oupudesse contar com segurança a históriadessa preciosidade da arte religiosasetecentista no ABC.

A busca das origens - Por issomesmo, em 1966, com a chegada do padreOlavo Paes de Barros Filho[26], narecém-criada Paróquia (no Bairro) deSantana, que jurisdiciona a Capela doPilar Velho, passou-se a pesquisar asorigens do vetusto templo sobre o qual,até então, só se tinham suposições.Organizou-se uma comissão com oobjetivo de visitar, em Moji das Cruzes, osaudoso carmelita holandês, FreiThimóteo Van Den Broeck, que vinhaestudando a matéria há algum tempo. Em

25 de agosto de 1967, Frei Thimóteorealizou, na Câmara Municipal deRibeirão Pires, magnífica palestra arespeito, respondendo gentilmente aperguntas que lhe foram formuladas.Entretanto, suas conclusões não passavamde suposições elaboradas em torno dafarta documentação existente noConvento do Carmo, de Santos, acercadas sesmarias quinhentistas de BrásCubas. Frei Thimóteo faleceu em 13 defevereiro de 1968.

Também a Secretaria de Turismodo Estado de São Paulo publicou, em1970, dados relativos às principais capelasde interesse histórico no interior paulista.Todavia, as informações disponíveis,sobre a Capela do Pilar, não estavamcorretas no trabalho nem esclareciam suaverdadeira origem.

Afinal, a emblemática Igreja deNossa Senhora do Pilar foi, na década de1970, objeto das pesquisas do notávelWanderley dos Santos, a cujo trabalhodevemos as luzes de sua verdadeiraorigem, na primeira década do séculoXVIII, em razão do cumprimento pessoalde uma promessa do então capitão-mor,Antonio Corrêa de Lemos, num temporemoto em que a localidade era conhecidacomo bayrro de Caguassu. Sua benção ereconhecimento como capela deu-se em

Década de 1960 -Casal Affonso e

Thereza BertoldoZampol com filhos

e netos, porocasião da festa

comemorativa dasbodas de ouro do

casal

26-Padre Olavo que,nos anos 70, seriapároco do Santuáriode N.S. Aparecida deSão Caetano do Sul

Notas

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novembro de 1714, como vimos.Desapropriação no Pilar em

1971 – O prefeito eleito de Ribeirão Pires,Antonio Simões, pelo Decreto 976, de 19de fevereiro de 1971, declarou deutilidade pública, a fim de seremadquiridas por desapropriação, as áreas deterrenos situadas onde se encontra a Igrejado Pilar, destinadas à preservaçãohistórica e ao Centro de Turismo. Nessaocasião, essas terras constavam pertencerà Congregação de São Carlos e aoInstituto Cristóvão Colombo.

O Externato Nerina Adelpha

Ugliengo – Inaugurado em 14 defevereiro de 1932, pela Sociedade SãoJosé de Ribeirão Pires, como asilo. Em 15de maio de 1933, chegaram à localidadeas primeiras irmãs de São José,hospedadas na casa do comendador JoãoUgliengo: madre Davídica Petres, asirmãs Feliciana Petres, Clorinda Baro e apostulante Abigail Romeiro César seriamas primeiras professoras do ExternatoNerina Adelpha Ugliengo, hoje uma dasmais tradicionais escolas de RibeirãoPires. Fundada com o nome de asilo, afamília Ugliengo nada cobrou pelo uso doimóvel que, posteriormente, foi doado àCongregação das Filhas de São José, pelosUgliengo. Uma imagem dos anos 30mostra as primeiras professoras, asreligiosas de São José, ao lado de senhorasda sociedade local.

A Igreja Matriz de São José

Entre as diversas igrejas existentes

no município, está a Capela de RibeirãoPires, iniciada provavelmente no últimodecênio do século XIX e construída porobra de uma comissão composta delíderes locais: major Manoel José deOliveira Catta Preta, capitão ClaudinoPinto, engenheiro Carlos Rohn e AntonioPereira de Figueiredo. Enquanto seedificava esta capela, o povo aindamantinha a tradição de suas romarias àCapela do Pilar Velho. Esta foi construídalentamente, mercê de donativosparticulares e com a ajuda das esmolas dopovo, sendo concluída ainda em 1893.Depois disso, aumentaram-se suas bases ealicerces para uma futura ampliação,enquanto os padres Missionários daCongregação de São Carlos vinham rezarmissas e ministrar sacramentos, com aautorização do Vigário da Matriz de N.S.da Conceição da Boa Viagem, de SãoBernardo. Vieram, desde o superior, padreFaustino Consoni, assim como outros,padre Carlos Pedrassino, o piedoso padreLuigi Capra e padre João Raviolli, queauxiliou com recursos próprios, foidiretor, carpinteiro e até pedreiro dessaobra. Com o concurso da devota, VirgíniaFerraz Nápoles, a obra ganhou seurevestimento interno. Uma comissão,composta e encabeçada pelo dedicadoAntonio Ferraz Nápoles, Luiz Bottacin eJuvenal Rocha, passou a cuidar doandamento das obras. Aliás, o padre LuigiCapra foi grande benfeitor desta capela.Não mediu esforços para auxiliar na buscade recursos e oferecer de seu própriobolso o apoio financeiro para prosseguirnas obras de ampliação dessa igreja.

Em 27 de junho de 1902, essacapela passou a contar com a colaboraçãode João Gonçalves do Canto Júnior,empossado nesse dia como zelador e,provavelmente, também encarregado dealgumas funções de fabriqueiro, comovinha sendo usual em algumas capelas daregião. Segundo consta, desde a fundação,

Outubro de 2005 -Casa de Controleda Ferrovia S.P.R.na Estação deRibeirão Pires. Oprédio é de maiode 1885

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em 1895, realizavam-se, ali, solenidadesda festa de São José. Talvez em razãodisso mesmo, um devoto do santo,alemão, morador local, de nome Reichert,doou à capela a imagem de São José,vinda da Alemanha e que ficara por longotempo retida na Alfândega de Santos, comalto custo de emolumentos para sualiberação.

Entronizada a imagem doada, acapela passou a ser conhecida comoCapela de São José, sob a jurisdição daParóquia de Nossa Senhora da Conceiçãoda Boa Viagem, de São Bernardo,município esse em cujo território estava oDistrito de Santo André, onde se incluíaRibeirão Pires, além de outras localidades.

Mais tarde, em 12 de julho de1909, o então vigário de São Bernardonomeou, por provisão dessa data, para asfunções de fabriqueiro, a Antonio DiasFerraz Nápoles e, como conselheiros,Juvenal Rocha, José Canto, PedroPellissone e Luiz Bottacin. Ainda nessemesmo ano passou aquele vigárioprovisão anual para a celebração do santoofício de missas, em 17 de setembro. Doisanos mais tarde, em 21 de novembro de1911, a Capela de São José foi elevada àcategoria de segunda matriz de toda aregião do ABC, por decreto episcopal dedom Duarte Leopoldo e Silva, comjurisdição das áreas distritais de RibeirãoPires até Paranapiacaba, no alto da Serrado Mar. O decreto diocesano foi lido aopovo de Ribeirão Pires em 31 dedezembro de 1911, pelo padre AurélioFraissat.

A presença do Padre Luiz Capra

- O primeiro vigário provisionado para acapela foi o reverendo padre TarcízioZanotti, da Congregação de São Carlos,natural da Itália e pertencente à Diocesede Brescia, da província de mesmo nome.Segundo informes locais, tratava-se de umsacerdote de 45 anos, muito distinto e bompregador, que era também vice-diretor do

Seminário Episcopal. A provisão traz adata de 20 de janeiro de 1912, dando-se aposse do vigário nessa mesma data, napresença do vigário da recém-criadaParóquia de Santo André – figurahistórica e grande benfeitor dessa mesmacapela, hoje muito reverenciada no ABC –o revemo. Padre Luigi Capra .Testemunharam o ato, como padrinhos, ofabriqueiro, Antonio Ferraz Nápoles, eJosé Gonçalves Carli Júnior. Todavia,menos de um ano depois, padre TarcízioZanotti foi transferido para Rio Claro,como diretor de um orfanato local [27].

Nova provisão, com portariaepiscopal assinada em 14 de fevereiro de1913, pelo bispo, dom Duarte Leopoldo eSilva, em favor do padre FranciscoNavarro, da Paróquia de Santo André, àqual, nesta época, estava anexada aCapela de São José. Figuraram comopadrinhos as testemunhas do fabriqueiroAntonio Ferraz Nápoles e do comendadorNorberto Giorgi. Nessa ocasião, apopulação da paróquia somava 7.500almas.

Data igualmente de 1913 aconstrução da Casa Paroquial da Matrizde São José destinada a acomodar ovigário padre Francisco Navarro.Importantes nomes da nascente sociedaderebeirão-pirense apressaram-se a fazersuas contribuições em dinheiro: VirgíniaViana Nápoles, Maria de AtaídeBittencourt, dr. José Maria Witacker,Aristolina Bittencourt, Eugênia Maciota,

Década de 1930 -As religiosas,

Madre DavídicaPetres, FelicianaPetres, Clorinda

Baro e AbigailRomeiro César,

respectivamente,diretora e auxiliares

do antigo asilo,depois Externato

Escolar NerinaAdelpha Ugliengo,acompanhadas de

senhoras dasociedade

ribeirão-pirense

27- Cinco anosdepois, em 13 deoutubro de 1917,ocorreu o precocefalecimento do PadreTarcízio Zanott i, quecontava então 50anos de idade.

Notas

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prof. Domingos Loreto, Vicente Laurito,Paschoal Boareto, César Caçapava, JoséJulião, João Pedro Alves, Maria NápolesAssis e Gimodécio de Castro. Outros quecontribuíram com materiais de construçãoforam: Luiz Bottacin, Domingos Zampol,J. Faria, Francisco Serafim e comendadorNorberto Giorgi.

Em 20 de janeiro de 1918, novovigário foi para ali nomeado: o padre JoséChiappa, que tomou posse em dez defevereiro desse ano, figurando comoparaninfos o mesmo fabriqueiro, AntonioDias Ferraz Nápoles, e João Carpinelli.Nesta ocasião a Matriz de Ribeirão Pirespassou a fazer parte da CircunscriçãoEclesiástica da Penha de França, naCapital, e os padres da Ordem dosRedentoristas passaram a freqüentar aigreja, realizando suas pregaçõesreligiosas. Por volta de 1919, a populaçãoparoquiana alcançava 9.942 almas.

Em dois de fevereiro de 1921,tomou posse o quarto vigárioprovisionado, padre Leonardi Salvador,que permaneceu por dois anos,despedindo-se no final de 1922. Emprimeiro de janeiro de 1923, foiprovisionado novo vigário, oreverendíssimo Carlos Porrini, oriundodas colônias do Rio Grande do Sul.Tomou posse em 15 de janeiro de 1922, eforam testemunhas do novo vigárioGiovanni Ugliengo e João Carpinelli.Padre Carlos, muito dinâmico,

desenvolveu grandes esforços para dotar amatriz de novos altares, para o SagradoCoração de Jesus e para Nossa Senhora,em cujo empreendimento foi auxiliadopor João Carpinelli, Marcelina Tolesano eJudith Ugliengo. Até esse ano, aCircunscrição Eclesiástica de RibeirãoPires fazia limite com a Paróquia deNossa Senhora do Rosário, de Santos,tendo sido, nessa época, criada a Paróquiado Valongo, ocasião em que se ausentou ovigário, padre Carlos Porrini. O sextovigário provisionado foi o padre PedroNegri, que tomou posse em primeiro denovembro de 1924, apadrinhando o ato odr. Virgílio Golla e Américo Bernardi.Padre Negri permaneceu ali por dois anos.Em dez de maio de 1926 retornou para amatriz o padre Carlos Porrini, agora,porém, como coadjutor, juntamente comfrei Marcelino. Padre Negri alipermaneceu até dois de julho de 1928.Antes de sua partida, em setembro de1926, a matriz recebeu a honrosa visita doreverendíssimo monsenhor Biccognani,da Congregação Consistório de Roma.

Nesse tempo, a paróquia, como jáera conhecida, não tinha como atender atoda a comunidade, razão por quenomearam-se ajudantes, além do padreMarcos Simoni, para cuidar dos fiéis deRio Grande e de Paranapiacaba, o qualpassou em sete de julho de 1928 a vigárioparoquial.

Outros padres contribuíram muitopara o desenvolvimento da fé cristã local,como o padre Luiz Corsi, muito eficiente,que, vindo em novembro de 1941,remodelou inteiramente todas asirmandades da igreja e lançou, comgrande solenidade, a pedra fundamentalpara a construção local da nova igrejamatriz. O vigário seguinte, FernandoSpezzagni, que tomou posse em dez demaio de 1948, teve como testemunhasFioravante Zampol (futuro prefeito deSanto André) e Daniel Carpinelli. Padre

Década de 1930 -Antigo prédio doasilo, depoisExternato NerinaAdelpha Ugliengo,de Ribeirão Pires

R A Í Z E S 57D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Pezzagni reuniu fundos e iniciou as obrasda nova matriz que antecedeu o temploatual, dirigindo ele próprio as obras, comose fora engenheiro.

Para adorná-la, construiu, do ladodireito da entrada, que fazia esquina coma Rua Albuquerque Lins (atual AvenidaSanto André), vistoso jardim arborizado,adornado-a com o encanto de folhagens ecoqueiros, visíveis e imagem dos anos 50ainda hoje, em 2005. Do lado esquerdo daigreja, na esquina com a Rua Herculanode Freitas, atual Com. João Ugliengo,ergueu grossa muralha de pedras bemajustadas. Nos fundos, junto à CasaParoquial, construiu amplo salão socialpara reuniões e lazer da comunidade.Desse modo, foram bastante produtivos osnove anos de permanência local do padreFernando. Líder notável, conseguiumotivar e receber a colaboração dedicadados paroquianos em recursos, donativosde firmas e proprietários industriais depedreiras e olarias, além de trabalhovoluntário dos paroquianos.

Em 17 de março de 1957 haviatomado posse o padre Alcides Valentini,que permaneceu até 21 de julho desse ano,sendo precocemente substituído pelopadre Maximiliano. O povo dacomunidade não se conformou com aalteração e insistiu no retorno do padreValentini. O poder eclesiástico diocesanoatendeu o pedido, fazendo o padre Alcidesretornar em nove de março de 1958, o quese deu com grande júbilo para a cidade.Seu retorno foi cercado de muito carinhopela comunidade dos fiéis.

Paróquias de Mauá e Rio

Grande da Serra - Em 1953, vastoterritório foi desmembrado desta paróquiapara formar a Paróquia de Nossa SenhoraImaculada Conceição, de Mauá. Em 1960verificou-se novo desmembramentoterritorial para a criação da Paróquia deSão Sebastião de Icatuaçu, atual RioGrande da Serra. O reverendo padre

Francisco Dodi tomou posse em quatro dejunho de 1961.

A emancipação de Ribeirão Pires

Por volta de 1943, isto é, quatroanos após tornar-se um distrito de SantoAndré, em 1939, pela remodelaçãoterritorial, a comunidade local já dava asasao seu próprio movimento autonomista deemancipação.

Lentamente, trabalharam para essefim e, em 1949, a exemplo de São Caetanodo Sul, criaram uma associação paracuidar da concretização do sonho. Assim,em 1949 surgiu a Sociedade Amigos deRibeirão Pires e com ela a elaboração daproposta oficial de emancipação. Em 30de abril de 1953, essa sociedade entregouà Assembléia Legislativa reivindicação nosentido de ser permitida a consultapopular – o plebiscito – que permitiria aelevação do distrito ao nível de município.Marcado para 22 de novembro de 1953, oplebiscito realizou-se pacificamente,sendo vitoriosa a proposta deemancipação, com o comparecimento de649 votantes, sendo 594 favoráveis àautonomia e apenas 45 votos contrários,tendo ainda 10 votos nulos ou brancos.

O Governo do Estado de São Paulosancionou, em seguida, a Lei 2.420, de 18de dezembro de 1953, criando oMunicípio de Ribeirão Pires, na mesma

1936 - Data Cívica.Alunos do

Externato NerinaAdelpha Ugliengo.

A sra. Iole Zampol,filha de Affonso

Zampol, com 11anos, está entre as

alunas do 3º anoprimário, misto

58 D E Z E M B R O - 2 0 0 5

ocasião emque criou aComarca deSanto André,que passou acompreendert a m b é mRibeirão Pires.

O sAutonomistas – Entre os dedicadoscidadãos que almejaram a emancipação,destacam-se os nomes de Abdala Chiede,Alberto Cinquetti, Artur Gonçalves deSouza Júnior, Alfredo Dib, Antonio T. deLima, Antonio Giachello, Adib Eid,Arcangelo Mano, Dorival H. Golla,Francisco Tocci, Francisco Arnoni,Francisco M. Mazzei, Gildo Giachelo,Irineu de Souza, Ivair de Souza, JoãoNetto, José Alonso, José P. Mendes,Juvenal T. Lima, dr. José Salero,Leonardo Meca, Luiz Baroni, ManfredoC. Vonogleihn, Mário Netto, MiguelCruz, Moacir Garcez, Lucas AngeloArnoni, Nicolau Presti, Natalino Bertoldo,Santinho Carnavale, S. L. Scurachio,Shugi Miyasaka, Wadi Eid, WagnerMoreno, Zeferino Zampol e Luiz Bettega.

A Lei 2.456, de 30 de dezembro de1953, que dispõe sobre o quadro territorialadministrativo e judiciário do Estado deSão Paulo, acrescenta: O Município deRibeirão Pires é criado com sede na vila

de igual nome e com terrasdesmembradas do respectivo distrito. Poroutro lado, a mesma lei cria nesse novomunicípio dois distritos: de Icatuaçu, comsede no povoado de Rio Grande, e Iupeba,com sede no povoado de Ouro Fino.

Emancipação do Distrito de

Icatuaçu – Em dezembro de 1963, dezanos após sua vitoriosa emancipação, oMunicípio de Ribeirão Pires perdeu odistrito de Rio Grande. Medianteplebiscito, esse distrito ganhou foral demunicípio com o nome de Rio Grande daSerra, sendo o fato confirmado pela Lei8050 de 31 de dezembro de 1963,permanecendo entretanto subordinado aRibeirão Pires, até a efetiva instalação desua primeira Câmara de Vereadores, o queocorreu em março de 1965.

Comarca de Ribeirão Pires – ALei 8059, de 31 de dezembro 1963, crioua Comarca de Ribeirão Pires,considerando-a de segunda entrância, quefoi instalada em 31 de dezembro de 1966e iniciou suas atividades em três dejaneiro de 1967. Sua jurisdição abrangeRibeirão Pires, com seu distrito, OuroFino Paulista, ex-Iupeba, e Rio Grande daSerra. O primeiro juiz local foi o dr. ÉlcioMiragaia de Souza Nogueira.

Naturalmente, muita evolução egrandes feitos públicos ocorreram nosúltimos 50 anos, fatos e atos importantesque marcam o rápido progresso eprecederam a consolidação da grandezado Município de Ribeirão Pires, tambémchamada Pérola da Serra do Mar. Esteperíodo de grandes transformaçõesdeverá, naturalmente, merecer destaqueem novo artigo, oportunamente,evidenciando-se também a vida políticalocal e as obras realizadas pelasadministrações pós-autonomia, em 1953.

BIBLIOGRAFIA

Fontes consultadas e obras citadas:SANTOS, Wanderley - Antecedentes Históricosdo ABC Paulista - 1550 - 1892 (PMSBC - 1992)SANTOS, Wanderley - Esboços inéditos (xeroxincompleto) - A História de Ribeirão Pires (obrainacabada)CALDEIRA, João Netto - Álbum de São BernardoMARTINS, José de Souza - Diário de Fim deSéculoMÉDICI, Ademir - Migração e Urbanização- Migração, Urbanismo, Cidadania- São Bernardo, Seus Bairros, Sua GentePESSOTTI - Attílio - Vila de São Bernardo

Outubro de 2005 -Detalhe da antigaescadaria sobre ostrilhos da ferroviaSPR (hoje Santos aJundiaí), na Estaçãode Ribeirão Pires

(*) Celso de Almeida Cini é advogado, professor, pesquisador

da Fundação Pró-Memória e membro da Academia de Letras

da Grande São Paulo.

R A Í Z E S

R A Í Z E S 59D E Z E M B R O - 2 0 0 5

or definição, chaminés sãotubulações verticais atravésdas quais os gasesprocedentes de umacombustão ou de outros

processos industriais são lançados naatmosfera. A velocidade do fluxo dosgases, ou seja, a tiragem da chaminé, éfunção da diferença de temperaturainterna e externa e da altura da chaminé.As chaminés muito altas (40 e 60 metros),

construídas principalmente para fornoscerâmicos, têm como finalidade aumentara velocidade do fluxo e evitar que osgases poluentes sejam lançados perto dosambientes coletivos. No caso específicodas cerâmicas, as chaminés expelem osprodutos poluentes resultantes da queimade lenha, carvão ou óleo (CO – CO2 – NO

– NO2 – SO3), vapor d’água, além de

partículas sólidas indesejáveis.

A importânciadas chaminésPP

60 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

As chaminés sempre estiveramligadas a nossa vida cotidiana, quer asestacionárias das fábricas, quer as móveisdas locomotivas, quer as de uso domésticocomo as das lareiras, churrasqueiras,padarias e, por que não dizer, as dossaudosos fogões a lenha. As chaminésfazem parte do potencial econômico deuma região, tanto assim que até há poucosanos o número de chaminés de umacidade era considerado como um índiceexpressivo de sua pujança industrial. SãoCaetano estava entre as cidades onde sepodia medir o progresso pela grandequantidade de chaminés que adentravam océu da cidade. O próprio poeta José deAlmeida Filho, ao escrever a letra do Hino

de São Caetano do Sul, mencionou emuma estrofe:

Mais e mais chaminés se levantam...

apitos fazem-se ouvir

do trabalho a tua glória

da grandeza será teu porvir.

São Caetano, berço da cerâmicabrasileira, chegou a possuir quase umacentena de grandes chaminés que, aospoucos, foram sendo desativadas edemolidas a fim de acompanhar atransformação político-social da cidade ea alteração dos processos industriais. Coma inovação tecnológica e a necessidade docontrole da poluição ambiental, elas foramaos poucos sendo substituídas porequipamentos mais adequados. Com aexigência da retenção dos detritos sólidos,da lavagem e da despoluição dos gases aexpelir, o seu lançamento na atmosferapassou a ser feito por pequenas chaminésmetálicas de exaustão dinâmica.

Os tempos mudaram. Naatualidade, as altas chaminés de alvenariajá não são sinais de progresso, massímbolos de nosso glorioso passado.

Em todas as partes do mundo as

velhas chaminés têm um valor dememória considerável, quer pelo seudesempenho durante anos quer paraconhecimento das futuras gerações. Sealguma ainda resta na cidade, como a dasantigas Indústrias Matarazzo, construídana primeira metade do século XX, noBairro da Fundação, ela deve serpreservada, pois é um marco histórico daprodução de azulejos e de diversosprodutos químicos em São Caetano doSul. Como uma das últimas obras domestre Silvio Caneco Buso, ela guarda alembrança de um passado industrial e daluta de um povo pelo seudesenvolvimento em épocas difíceis sobtodos os seus aspectos políticos e sociais.Aquela chaminé deve permanecer altiva,altaneira, dando aos futurossancaetanenses uma demonstração dotrabalho de seus antepassados. Temos acerteza de que assim estaremosprotegendo o patrimônio histórico ecultural da cidade. (Urames Pires dos

Santos.)

R A Í Z E S 61D E Z E M B R O - 2 0 0 5

m São Caetano do Sul,várias ruas da cidadeescondem uma pluralidadede espaços singulares,estruturas arquitetônicas e

artefatos urbanos significativos para aidentidade coletiva de seus moradores,mas nem sempre são claramentereconhecidos, interpretados e valorizadospela comunidade como marcos a serempreservados. Sejam quais forem osmotivos, o importante é que o resgate, apesquisa histórica e a identificação dessassingularidades urbanas, que se expressamna paisagem como valioso patrimôniohistórico e cultural, fruto de ação coletiva,

são um dos caminhos para que asociedade mude a forma de ver e usufruira cidade, passando, desse modo, a intervirobjetivamente nos processos detransformações que envolvem o espaçocoletivo.

Pensando na valorização dessepatrimônio cultural urbano, a FundaçãoPró-Memória criou o projeto Caminhosda Memória com o objetivo de pesquisar,resgatar e divulgar o patrimônio históricoe arquitetônico da cidade, através de umacaminhada em que a comunidade percorreos principais marcos culturais da cidade,estimulando o sentido de educação,valorização e preservação do patrimônio

Caminhosda

Memória

Regionais e Artigos ANDRÉ LUIS BALSANTE CARAM (* )

Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a suaresposta) que, quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de

cidades distantes, melhor compreendia as outras cidades que haviaatravessado para chegar até lá, e reconstituía as etapas de suas

viagens, e aprendia a conhecer o porto de onde havia zarpado, e oslugares familiares de sua juventude, e os arredores de casa, e uma

pracinha de Veneza em que corria quando era criança.

Italo Calvino, As cidades invisíveis.

EE

Participantes emfrente à Paróquiade São Caetano,

construída por imi-grantes italianos

62 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

cultural urbano. Com esse projeto, aFundação Pró-Memória de SCS procuracumprir sua principal função perante asociedade, que é a de criar, organizar,instalar e manter estabelecimentos eatividades voltadas para a preservação,manutenção e divulgação do patrimôniohistórico do município.

Educação Cultural

O projeto Caminhos da Memóriateve início no primeiro semestre de 2002,visando à pesquisa e ao resgate históricodo patrimônio cultural edificado. Ostrabalhos iniciaram-se com a pesquisahistórica que identificou os principaismarcos de interesse cultural e histórico.Depois de analisadas, as informaçõesconverteram-se em vários produtos queforam repassados ao público por meio demapas, roteiros históricos de visitação,informações sobre os marcos culturais e,principalmente, por meio da própriacaminhada, em que a comunidadepercorre as ruas reconhecendo in loco opatrimônio cultural de sua cidade. Dessaforma, o projeto aborda de formainterdisciplinar os principais focos deinteresse, entre eles o educacional, queestimula o sentido de valorização dopatrimônio cultural urbano, e o de

identificação, que envolve a pesquisahistórica e a sinalização dos bens complaca de cerâmica contendo informaçõessobre o local.

Desde sua criação, já foramrealizadas três caminhadas abrangendoalguns bairros da cidade. O públicoparticipante, de acordo com oDepartamento de Esportes e Turismo,chegou a aproximadamente 1100 pessoas,distribuídas por diversas faixas etárias,tanto do município quanto da região,tendo sido também notória a presençaefetiva do público da terceira idade, demembros do governo da cidade, derepresentantes de entidades locais e degrupos organizados, como os da guardamirim e dos escoteiros. Esse dado mostratanto a diversidade do público participantecomo o interesse da sociedade emconhecer melhor o espaço urbano, aarquitetura histórica e o patrimôniocultural de sua cidade.

Entre os pontos visitados,destacamos os que fizeram parte das trêscaminhadas: Primeira Caminhada -7/04/2002 - Museu Histórico Municipal,Indústrias Reunidas F. Matarazzo,Paróquia São Caetano, Escola SenadorFláquer, Cinema Central, Casas dosFerroviários, Viaduto dos Autonomistas,Matriz Sagrada Família, Paço Municipal;Segunda Caminhada - 19/10/2003 -Árvore da Amizade, Porcelana Teixeira,Capela dos Cavanas, Loja MaçônicaFraternidade São Caetano, Edifício CineVitória, Sociedade Religiosa Israelita,Grêmio Ideal e Rádio Cacique, EdifícioFortaleza, Primeira Prefeitura Municipal,Capela Santo Antônio e Antigo GrupoEscolar Roberto Simonsen; TerceiraCaminhada 10/07/2005- Estátua de SãoPedro, Igreja Ortodoxa AutocéfalaUcraniana Paróquia São Waldomiro eParóquia Proteção da Santíssima Virgem,Associação Beneficente Brasil Unido,

Sede da PrimeiraPrefeitura de São

Caetano do Sul

R A Í Z E S 63D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Paróquia Nossa Senhora Aparecida,Edifício da COOP, Instituto RochaPombo, Painel Artístico de Sinval Correae Painel de Azulejos “Anhanguera” deJayme da Costa Patrão.

Reunindo a população para umpasseio pelos pontos de interesse históricoda cidade, o projeto é também umexercício lúdico de educação cultural e decidadania, colocando a sociedade emcontato direto com o seu patrimôniohistórico, para que ela possa compreendera importância desse patrimônio tanto paraa história da cidade como para amanutenção da identidade social ememória coletiva. Com esse propósito, oprojeto também objetiva tornar asociedade mais consciente em relação aoseu patrimônio cultural, a sua história e asua cidade.

Por ser uma iniciativa de caráterprático, lúdico e educacional, aparticipação direta da comunidade é umdos focos fundamentais de interesse desseprojeto. Num contexto mais amplo, pode-se dizer que é a própria sociedade que dárespaldo às atividades de preservação deum bem cultural, pois é em função delaque a história, a memória, a arquitetura eas várias manifestações artísticas eculturais, criadas pelas antigas gerações,são preservadas. É para ela e paratestemunho das gerações futuras a práticade preservação de um determinado bem,seja pelas suas qualidades excepcionais,seja pelo simples fato de esse bem contercaracterísticas intrínsecas que dão suporteàs relações de identidade entre o homem eo seu meio ambiente, devendo, portanto,receber medidas que resguardem o valorimaterial desse patrimônio. Por outrolado, esse sentido de preservação só podeser alcançado na medida em que asociedade passa a (re)conhecer aimportância desses bens históricos comosuporte de sua própria identidade, de suahistória e de sua memória.

Valor izandoos aspectos históricosdo patrimôniocultural, a suaimportância naformação daidentidade local e dacidadania, tirando-odo terrível anonimatoe envolvendo apopulação para(re)conhecer, em seupróprio ambiente cotidiano, a riqueza desua história, o projeto ganha projeçãosingular tanto para a sociedade quantopara a Fundação Pró-Memória.

Tombamento

Palco das manifestações humanas,a cidade passa por contínuo processo detransformação e desenvolvimento,tornando o trabalho de identificação epreservação dos bens históricos, muitasvezes, impraticável, pois nem sempre épossível a identificação clara e objetivadas antigas estruturas que compunhamaquele espaço, uma vez que sofreramvárias interferências humanas e açõesclimáticas que as descaracterizaram. Emalguns casos, nem mesmo vestígiossimbólicos sobraram dessas antigasestruturas. Assim, o trabalho depreservação é um caminho que corre emsentido contrário ao da ação modificadoradesses espaços. Para se evitar que essesartefatos desapareçam da história dacidade e da memória social de seushabitantes, o tombamento é uma das açõesdestinadas a preservar o bem material.

Em São Caetano, o único bemtombado é a Igreja da Paróquia de SãoCaetano, construída no final do séculoXIX, que foi considerada MonumentoHistórico Municipal pela Lei Municipal1.412 de 12 de novembro de 1965,

Placa Cerâmicacom histórico da

Igreja OrtodoxaAutocéfala

Ucraniana ParóquiaSão Waldomiro,inaugurada em

1953

64 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

recebendo, assim, seudevido mérito.Mesmo tendo apenasum único bemmaterial tombado,São Caetano contémoutras valiosasedificações e sítios

urbanos que merecem o mesmotratamento. Ainda que a cidade nãodisponha, até o momento, de umalegislação específica para preservação deseu patrimônio histórico e cultural, amedida acima tomada garantiu oreconhecimento e a salvaguarda dessemonumento.

Outra questão importante é emrelação à própria palavra tombamento, queé mal compreendida pela sociedade, que aentende como “congelamento”, isto é,como uma determinação que impedequalquer intervenção após o tombamento,principalmente quando se trata de bensparticulares. Neste caso, o proprietáriorecorre, até mesmo, à demolição daedificação para se evitar a intervençãolegal em seu imóvel. Tal processo ocorreem vários municípios e conseqüentementetambém em São Caetano do Sul.

Percebe-se a nítida falta deesclarecimento por parte da populaçãoquanto às questões de tombamento epatrimônio histórico, seu conceito e seusignificado para a valorização da própriasociedade. O que não se leva emconsideração é que o imóvel, uma vezinserido na cidade, faz parte de umcontexto coletivo urbano e, portanto, a suapreservação ou não depende de seusvalores intrínsecos e imateriais para amemória e para história daquelasociedade.

A antigüidade não é o único nemo mais importante critério,tampouco a nostalgia dos “bons

tempos”. (...) Só podemos contarcom o presente, e dele depende ofuturo – e este, sim, está a merecernosso esforço de imaginação. Éimprescindível que cada cidademantenha um inventário atualizadode seus bens culturais, do qual apopulação deve estar ciente, deforma a acabar com a triste maniade se descobrir a importância de umedifício somente quando estiver emvia de demolição. Esse inventáriodeveria integrar o código deedificações e ser incorporado à leide zoneamento.[1]

A tarefa de preservação dos bensculturais é um grande desafio para asinstituições, entidades, ONGs e tambémpara São Caetano. A identificação dosbens é o primeiro passo para a longa tarefade preservação até se chegar aotombamento. Mesmo não dispondo delegislação específica, salvo a da Paróquiade São Caetano, a igreja mais antiga dacidade, a caminhada da memória e osprodutos que dela derivam sugerem um“caminho” para as questões depreservação do patrimônio culturalurbano. Principalmente quando expõe àsociedade a riqueza cultural de seus benshistóricos, sua paisagem urbana e seupatrimônio arquitetônico, por meio dessepasseio.

Esse projeto é uma forma de seinverter o modo como a comunidaderelaciona-se com o patrimônio cultural dacidade, além de tirá-lo do anonimato evalorizá-lo como bem culturalestruturador das relações de identidadeentre o homem e seu meio ambiente.Chamando a atenção dos participantespara a riqueza de seu patrimônio culturalurbano, o projeto também propicia aformação de um público mais conscienteem relação ao patrimônio cultural da

Fachada daPorcelana Teixeira,fundada em 1940,inicialmente com onome de PorcelanaSão Paulo

1-TOLEDO,Benedito Lima. Darfuturo ao passado.Jornal O Estado de

São Paulo, 30 dejulho de 2001.

Notas

R A Í Z E S 65D E Z E M B R O - 2 0 0 5

cidade e de sua importância para aformação da cidadania e a manutenção daqualidade de vida.

A participação da coletivadade éfundamental. A educação deveriacomeçar nas escolas, aproveitandoa curiosidade natural das crianças.Com os idosos temos muito aapreender, mas são as crianças quefuturamente irão preservar nossoacervo cultural.

(...) é preciso lembrar que amaior garantia para preservaçãodo patrimônio cultural, emqualquer lugar do mundo, é aafeição que a população tem porseus bens culturais.[2]

Pela forma como abordou aquestão do patrimônio histórico urbano, oprojeto abre caminhos para a criação deoutros projetos nessa área e para futuros

trabalhos que contemplem meioslegislativos mais abrangentes para aproteção dos bens culturais da cidade.Como forma de mobilização social, oprojeto Caminhos da Memóriademonstrou que, com poucos recursos,pode-se desenvolver um bom trabalho deeducação patrimonial junto à sociedade,fazendo-a valorizar o seu patrimônioambiental urbano através deentretenimento e de diversão.

(*) André Luis Balsante Caram é arquiteto e pesquisador da

Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

Igreja OrtodoxaAutocéfala

Ucraniana ParóquiaProteção da

Santíssima Virgem,iniciada em 1951

2-Idem.

Notas

E o Papa era E o Papa era brasileiro?!brasileiro?!

66 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

cada um de nós tem uma forma carinhosae muito pessoal de chamar e tratar pai emãe. Desde que me conheço por gente,sempre chamei meu pai de papa, não depapá, como seria normal para nósdescendentes de italianos.

Por outro lado, sempre pensamosem duas figuras de pai: a do pai da terra ea do Pai do Céu. Existe, porém, outrafigura de pai: da terra e do céu, ao mesmotempo. Dois pais num só: o pai da terraporque igual a nós, origem humilde,pobre, sofrido, da luta; o outro, Pai doCéu, porque consegue falar de paz, amor,perdão, palavras de vida eterna. Essafigura dupla de pai é a do Papa e aqui,especialmente, a figura de João Paulo II.

Ele tinha carisma de pai da terra,ou de papa, e carisma de Pai do Céu, oude Papa.

Quando o carismático Papa JoãoPaulo II faleceu, brotaram do mundointeiro manifestações de pesar e deespecial carinho pelo pontífice. Aqui noBrasil, os sentimentos de profundaadmiração e apreço foram tão eloqüentesquanto os expressos a ele quando de suasvisitas ao nosso país. Poderia alguémdizer que ele era assim com todo mundo?

Ou que, gentilmente, ele sabia agradar atodos os povos que, durante seu papado,teve oportunidade de conhecer?

Nós gostaríamos de guardar umaimagem de João Paulo II e mostrá-la aosque tiverem a boa vontade de ler estepequeno artigo. Nós somos daquelescatólicos leigos, de pouca expressão, atémesmo em nossa cidade natal, SãoCaetano do Sul, mas que, por capricho dodestino, tivemos o privilégio de estar napresença do Papa e “conversar” com ele.O “conversar” está entre aspas exatamenteporque, quando se estava diante de JoãoPaulo II, era muito mais fácil ouvir do quefalar. E é essa experiência que queremoscontar aos amigos leitores de Raízes.Tenham a certeza de que essa histórianada tem a ver com a pretensão de contaralguma vantagem pelo ocorrido, e simjustificar, com um fato vivenciado há 12anos , a afirmativa inicial de que a empatiado povo brasileiro com João Paulo IImarcou-o e mereceu dele recíproca deigual e até maior intensidade.

Meu irmão, Alberto F. Mariani,que em 2006 completará 50 anos desacerdócio, estava trabalhando na sede desua congregação religiosa em Roma e nos

Regionais e Artigos JOÃO TARCÍSIO MARIANI (* )

C

R A Í Z E S 67D E Z E M B R O - 2 0 0 5

convidou, (eu e minha esposa), em 1993,para visitá-lo. Era seu último ano demandato como secretário geral daCongregação Estigmatina, que há 80 anosdirige os destinos da Paróquia SagradaFamília, a tradicional Matriz Nova de SãoCaetano.

Em cinco de outubro de 1993, diado aniversário de meu irmão, enquanto eue minha esposa imaginávamos comemorara data levando presentes aqui do Brasil, opadre Alberto Mariani havia preparadouma surpresa para nós. Iríamos festejar oaniversário dele no Vaticano, participandoda missa rezada por nada mais nadamenos que o Papa João Paulo II. A nossa

posição na capela interna do Vaticano eranas últimas fileiras de bancos, lá nofundão, e, ainda assim, apesar dadistância, a emoção de estar no mesmoambiente que o Sumo Pontífice eraindescritível. A figura do Papa dominavao recinto, até porque ele estava em plenaforma nessa época. Terminada a missa,acompanhamos, até onde foi possível,todos os detalhes da movimentação esaída de João Paulo II. Comentávamos,eufóricos, eu e minha esposa, aoportunidade de ter estado tão próximosdo Papa, enquanto saíamos, levados pormeu irmão, da capela para um salão nobreao lado.

Da esquerda para adireita: Alberto F.

Mariani, JoãoTarcísio Mariani,

Lia Elisa PisaneschiMariani e o Papa

João Paulo II, emcinco de outubro

de 1993

Acervo:João Tarcísio Mariani

68 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Das 500 pessoas que haviamassistido à missa, agora sóaproximadamente 50 estavam nesse salão,(enorme para tão pouca gente), espalhadasde maneira a formar um semicírculo.

Enquanto todos falavamanimadamente sobre a recenteexperiência, eis que de repente umsilêncio tomou conta do salão. Adentrou olocal o Papa, sem pompa nemcircunstância, manso e humilde, saudandoalegremente a todos num largo aceno debraços e num sonoro Buon giorno!

Eu e minha esposa, estupefatos,acompanhávamos cada gesto do sumopontífice, que iniciou um passeiocumprimentando, um a um, todos os queestavam no salão.

Conforme João Paulo II paravadiante de cada um dos visitantes, era-lheanunciado de onde provinha a pessoa.Após um cordial aperto de mãos, o Papaconversava animadamente com osindivíduos na língua natal de cada umdeles.

Parecia a passagem bíblica dosdiscípulos de Cristo falando as línguas detodos os diferentes povos. E, como noepisódio da Sagrada Escritura,poderíamos todos perguntar: mas ele nãoé polonês? Como é que cada um conversacom ele em sua própria língua? A gentepensava que ele só era capaz de ler textosem muitas línguas; mas não, ele falou,com desenvoltura, tantos idiomas quantoseram os visitantes. A perplexidade e aemoção de ter o Papa na minha frente nãome permitiam sequer responder àsperguntas dele, quanto mais dizer algumacoisa ou manifestar a comoçãoexperimentada. Além de cumprimentar econversar, o Papa dava a cada um de nósum terço como lembrança do encontro.

Quando ele cumprimentou minhaesposa, os italianos que depois viram asfotos referiram-se à postura dela naquelemomento, em bom dialeto, como

verdadeiramente immagata (enfeitiçada,magnetizada).

Já eu, desastradamente, nãopercebia que João Paulo II falava comigoem bom português e eu insistia em quererfalar italiano, que, se ao menos fosse“macarrônico”, vá lá - mas nem isso era.

Meu irmão, fluente em italiano,explicou ao Papa que eu e minha esposairíamos comemorar, em breve, nocellod’argento (bodas de prata). O Papa mecumprimentou naquele momento,dizendo: Muito bem; “nocello d’argento”,eh? Felicidades. Eu não me lembro bemse eu repeti para ele: Si, “bodasd’argento”, ou, Si, “nocello de prata”. Sósei que me embananei por completo.

Ele, sem ligar para os meusdeslizes lingüísticos, me disse, comoconclusão, algo que ficou guardado atéagora e que compartilho, nestaoportunidade, com vocês que estão lendo.

O Papa falou, com o sotaquecaracterístico: Eu gosto muito do Brasil.Leva meu abraço ao povo do Brasil. Eurezo sempre pelos brasileiros . Estaspalavras calaram fundo pela sinceridade ealegria com que foram ditas e pelasatisfação e emoção com que foramouvidas e, carinhosamente, guardadas.

Papa João Paulo II, agora que osenhor já está no Céu, por favor, continuerezando pelo Brasil. A coisa aqui andapoliticamente preta. Nós estamosprecisando muito de suas orações.

(*) João Tarcísio Mariani, filho de Primo Mariani, é consultor

de empresas nascido em São Caetano do Sul

R A Í Z E S 69D E Z E M B R O - 2 0 0 5

primeira vez que ouvi falar embenzedeiras foi quando minha mãedisse que só dona Maria poderiadar jeito no meu medo de sair decasa. Eu era então uma menina de

dez anos, que gostava de brincar pelosquintais e praças de São Caetano. Derepente, sem saber o porquê, deixei degostar de sair e passei a ter medo debrincar na rua. Foi então que nosindicaram uma benzedeira. Ela morava aduas quadras de casa, no Bairro SantoAntônio. Quando cheguei lá, percebi quea mulher tinha muitos santos católicosdistribuídos pela casa e um olhar terno deavó. Ela pediu calmamente para que eume sentasse em uma poltrona diante dela

e ficasse de olhos fechados. Fiquei parada,mas dei uma leve olhada e a vi rezando,com um pequeno santo nas mãos. Percebique ela fazia o sinal da cruz com um terçoem minhas costas e senti uma sensação detranqüilidade. Foi assim e não sei explicaro motivo: simplesmente deixei de termedo de brincar na rua. Mais tarde ouvifalar de dona Angelina, uma senhoraitaliana muito simpática que benzia comcarinho quem lhe procurasse. Quandocheguei a sua casa, encontrei-a sentada emuma poltrona. Semblante tranqüilo, olhosclaros e aparência de uma daquelas nonasitalianas. Dona Angelina, 85 anos,continuava benzendo, mas andava doente,por isso estava parando com o oficio. Com

Regionais e Artigos PRISCILA GORZONI (* )

A

Mulheres de féPalavras mágicas, rezas, terços, santos e a sabedoria ancestral dasbenzedeiras mantêm viva uma tradição que recebemos dos antigos

colonizadores europeus e africanos. Essas mulheres de fé doam-se emuma corrente de energia, ajudando milhares de pessoas....

Dona Dolorespassa os dias ben-zendo as pessoas

que chegam devárias partes da

cidade e de regiõesvizinhas

Acervo:Priscila GorzoniAcervo:Priscila GorzoniAcervo:Priscila Gorzoni

70 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Segundo o artigo “Solidariedade”,escrito por Manoel Cláudio Novaes nolivro Nostalgia, nos primeiros 30 ou 40anos de sua fundação São Caetano nãocontava com médicos nem farmácias. Porisso, muitas vezes, a população buscava

nas benzedeiras, rezadeiras e “raizeiras”um alento para suas doenças. Nessaépoca, as pessoas recorriam a ervas, aóleos de cozinha, a banha de animais: tudocom base em receitas - transmitidas viatradição oral - de suas avós e bisavós. Mas

a voz suave e uma certa dificuldade emouvir, ela contou um pouco de sua históriaantes de me benzer. Foi seu pai, umfazendeiro italiano, quem lhe ensinou aarte ainda na Itália. No início, ela oobservava de longe enquanto ele benzia;depois, com sete anos de idade, tambémpassou a benzer. Naquele tempo não tinhamédico, então nós ajudávamos aspessoas. Quando alguma criança ianascer, chamavam o meu pai, que benziaa mãe e o bebê nascia, conta. Foi assimque dona Angelina deu continuidade àarte do pai, interrompida por doençadecorrente da idade. Depois que terminoude contar a sua história, dona Angelinaolhou para mim com olhar atento, como sevisse algo além, e disse: Preciso te benzer.Você tem muita facilidade em pegar olhogordo. Pediu, então, para que eu mesentasse diante dela e começou a fazersuas orações. Durante alguns momentosrezou e fez com as mãos o sinal da cruz.Terminada a reza, levantei-me, sentindo-me melhor. Os anos se passaram e, muito

tempo depois, dona Maria já falecida,perdi o contato com dona Angelina;porém, descobri outras mulheres com osdons nas mãos e nas palavras. Entre elasestá Dolores Avalo Canhedo, umaespanhola de 94 anos, conhecida nasredondezas do Bairro Santo Antônio porsuas benções infalíveis. Dona Doloresvive há mais de 85 no Brasil, dos quais 50em São Caetano do Sul com sua filhaTerezinha. Antes de visitá-la, resolvitelefonar para sua filha, que me explicoucomo chegar à casa de dona Dolores.Quando cheguei a sua simpática casa, deimediato me recordei dos velhos tempos.

Contudo, antes de entrar na históriade dona Dolores, é preciso voltar umpouco no tempo e resgatar as lembrançasdas primeiras benzedeiras de São Caetano,Celestina De Nardi entre elas. (Ela nãomedia esforços para ajudar quem aprocurava. Fazia chás para socorrer ascrianças que precisavam de ajuda.) Outrapioneira, mais conhecida, foi FláviaCoradini Veronesi.

Nos primeiros tempos em São Caetano

Dona Flávia travouuma grande lutacontra o Mal deSimioto, nosprimeiros temposde São Caetano, esalvou milharescom rezas e carin-ho

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Dona Celestinasocorria as criançascom chás e rezas

Dona Dolores tem com certeza umavida que daria o enredo de um filme.Vinda para o Brasil com os pais aos dezanos, a espanhola morou em váriascidades do interior de São Paulo antes dedescobrir São Caetano. Inicialmente,estava previsto que somente o pai dabenzedeira viria, pois pretendia arranjaremprego aqui e começar uma vida nova.Lá na Espanha não tinha serviço paraninguém, pois o país passava por umagrande crise econômica. Então meu painos disse: “Ou vamos todos para o Brasil

ou irei sozinho para a Argentina”. Comoqueríamos ficar juntos, resolvemos vir.Viajamos de barco. Naquela época a

R A Í Z E S 71D E Z E M B R O - 2 0 0 5

todos esses medicamentos naturaisvinham acompanhados de rezas ebenções, pois se tinha a idéia de que adoença é um castigo de Deus. Algunsproblemas, como o “mijacão” e oquebrante, (segundo relatos do texto“Medicina Caseira”, de Henry Veronesi),nas primeiras décadas imediatamenteposteriores à fundação de São Caetano doSul, eram tratados apenas com bençõesespecíficas e, muitas vezes, usados comodesculpa para outras finalidades. Oquebrante, diziam, era causado pelo mau-olhado. Isto serviu de pretexto para queos portugueses, após o século XVI,motivados pela ganância doenriquecimento da realeza portuguesa,viessem a confiscar bens e propriedadesde brasileiros, condenando-os por crimede deitar mau-olhado em criança [1].Curiosamente, outra doença muitocomum nessa década, o Mal de Simioto,só era curada, segundo os velhosmoradores de São Caetano, se houvesse“benzimentos” e rezas. Em São Caetanopoucas pessoas tinham esse dom, porquetal qualidade era transmitida de pai parafilho, tendo se diluído no tempo em razãoda extinção de muitas gerações

familiares, escreve em seu texto HenryVeronesi [2]. A respeito desse assunto, opróprio autor foi testemunha de um“benzimento” contra Mal de Simioto feitopor sua mãe, Flávia Coradini Veronesi,em 1939. Depois desse “benzimento”,dona Flávia tornou-se conhecida e salvoumilhares de crianças que sofriam do malcom muita reza, carinho e fé. Atualmente,algumas mulheres preservam a tradiçãodo “benzimento”, embora um dosproblemas maiores das benzedeiras sejaencontrar pessoas interessadas em darcontinuidade a essa arte. Apesar de o“benzimento” ser um legado rural,católico, nas metrópoles ele acabou sendodiluído entre outras religiões; no entanto,o objetivo continua sendo o mesmo:auxiliar nas dificuldades espirituais efísicas. Aqui, como na maioria dascidades grandes, as benzedeiras seconcentram em bairros mais afastados docentro, locais onde existem poucoshospitais e postos de saúde. Nesseslugares elas são mais requisitadas. Masexistem exceções. Uma delas é donaDolores, que vive no centro da cidade enos relata uma vida cheia de aventuras.

“Benzimentos” em espanhol

Dona DoloresAvalo Canhedo

juntamente com omarido e os filhos.Em primeiro plano,da esquerda para a

direita: EduardoLopes Avalo, Maria

Carmem LopesAvalo e FernandaLopes Avalo. Em

segundo plano, daesquerda para a

direita: FranciscoLopes, Dolores

Avalo Canhedo,Felicidade LopesAvalo, Terezinha

Lopes Avalo eFrancisco Lopes

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1-Veronesi, Henry."Medicina Caseiranas primeirasdécadas da fundaçãode São Caetano doSul" . Revista Raízes.Janeiro de 1998.2-Idem

Notas

72 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

viagem era sofrida e diferente: os homensficavam de um lado do convés e asmulheres do outro, conta. Chegando aoBrasil, a família de dona Dolores partiu detrem para o interior do Estado e lá, duranteanos, viveu na roça. Nos primeiros anossofremos bastante. Minha avó não seacostumava com a comida. Elaestranhava muito o arroz branco, amandioca (...) Entender o portuguêstambém era bem complicado, explica aespanhola. Como a maioria dosimigrantes, a família de dona Dolores foitrabalhar na lavoura de café. Meu pai e euapanhávamos café e minha mãe cuidavada comida. A mãe levantava às quatrohoras da manhã para buscar lenha, conta.Nessa época, a miúda velhinha ainda nãosabia que teria uma grande missão navida: a de benzer. As rezas e os“benzimentos” entraram na vida de donaDolores (quando ela contava com 17 anosde idade) através das mãos de sua tiaCarmem, que já benzia e se ofereceu paralhe ensinar a arte. Dona Dolores tinhafacilidade para aprender e, por isso, logoabsorveu as rezas em espanhol. Depois depouco tempo começou a receber pessoas.Eu rezo e benzo cobreiro, erisipela,

quebrante, mau-olhado. Antes de morrer,o meu filho dizia que eu deveria benzeraté o fim. Então é isso o que farei. Gostomuito de ajudar os outros, relata donaDolores. Todas as rezas são feitas emespanhol e devem ser repetidas três vezes,evitando-se os domingos e dias santos.Converso muito com quem chega. Se vejoque é um caso de reza, eu rezo, massempre indico a visita ao médico, relata.Todos os dias a sua casa fica cheia depessoas. Elas vêm de toda parte da cidadee de regiões vizinhas. São mães comcrianças no colo, mulheres com dor decabeça e até homens com problemas nojoelho. Vêm pessoas inclusive do interiordo estado. Tem vezes que nem dou conta,mas tenho que atender a todos, diz.Quando a criança ou o adulto está commau-olhado, só de olhar dona Dolores jápercebe o problema. Começo a bocejar.Mas isso logo sai, porque eu sempre estourezando. Nada de ruim fica em mim,ressalta a espanhola, que pretende benzeraté o dia de sua morte. Junto de donaDolores outras mulheres de fé trazemalento aos doentes. Entre elas estão donaPia e dona Sílvia.

Sílvia Ribeiro Gonçalves, 62 anos,de Ribeirão Pires, começou a benzer há 20anos, por pura necessidade. Eu sempremorei afastada dos centros e naquela

época não havia tantos postos de saúde.Por isso, para tratar dos problemas demeus filhos comecei a benzer. Mas oaprendizado foi puramente intuitivo,

Comecei por necessidade...

Dona Sílviacomeçou a benzerpara curar os fil-hos. Depois tam-bém passou a rece-ber os vizinhos

Ace

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Pris

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Dona Pia, 92 anos, veio da Itáliacom nove anos, morou durante muitotempo em São Caetano e hoje vive nadivisa da cidade. Nunca conseguiuentender por que motivo, ao chegar pertode uma criança, consegue fazer com queela melhore de quebrante ou mal-estar.Ela aprendeu o “benzimento”, (algunsanos depois que se converteu aoespiritismo), por um acaso, um dia, comuma vizinha sua. Ela chegou até mim edisse: “Estou ficando velha e precisopassar os meus ‘benzimentos’ para vocêcontinuar”. Então me ensinou a benzerquebranto, lombriga. Às vezes avizinhança sabia que eu benzia, entãotrazia a criança. Mas não precisa, eubenzo a distância. Mentalizo e faço aprece do quebrante. Se, ao jogar o óleodentro da água, ele se espalhar, é porqueé quebrante bom; do contrário, é ruim.Mas é preciso fé e ter pensamento bom,conta. Segundo dona Pia, qualquer pessoapode benzer: é só ter fé e convocar aproteção divina. Sem entender comocurava as pessoas, um dia resolveu

perguntar ao seu mentor, que lhe explicou:Só de pensar em benzer já se faz o bem.Adepta do espiritismo há mais de 33 anos,mediante essa religião ela aprendeu acompreender a vida. Nada é por acaso. Senão for fruto daqui é de outro local. Vocêencontra as respostas para tudo. Lá meencontrei. Acho normal benzer.

ninguém me ensinou, conta. No início,dona Sílvia preparava chás, com ervas deseu quintal, para as crianças com dores.Depois, percebeu que a eficácia dependiade algo mais: a reza e a fé. Eu dava o cháe pedia pelo meu anjo da guarda, rezandoo Pai Nosso e a Ave Maria. Não dava nemuma hora e a criança já estava bem,lembra. Com o tempo, a fama dabenzedeira foi se espalhando e, além deseus filhos, apareciam outras crianças comproblemas. Hoje Sílvia estuda oesoterismo e se utiliza dele também paracurar as pessoas. Antes eu não usavanenhum elemento simbólico. Agora usofaca, adaga e o punhal para cortar as másenergias que afetam a pessoa. São elas

que trazem as doenças, explica. Ela benzequalquer um que aceite e não diferencia o“benzimento” de criança do de adulto.Para todos antes é preciso fazer umalimpeza energética e depois o“benzimento” para determinadoproblema, ensina. As ervas e as rezas sãoescolhidas em função da doença. Só deolhar numa pessoa já sei se ela está comenergia negativa. Isso é o que traz osoutros males, sentencia. Para se proteger,Sílvia usa o pentagrama e o cordãomágico (um terço com 100 contas e mais11 pedras). Depois do “benzimento”,costumo rezar nele. Vou ao quintal e façotambém um “escalda-pés”. Afinal,ninguém é de ferro, finaliza.

R A Í Z E S 73D E Z E M B R O - 2 0 0 5

“Benzimentos” em família

Dona Pia começoua benzer por acaso,

quando uma vizin-ha quis lhe passara continuidade da

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74 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

A energia da fé

Mulheres como dona Dolores,Sílvia e Pia são procuradas diariamentepor milhares de pessoas em busca deajuda para a resolução de problemasemocionais e de saúde. Nas sociedadesocidentais, a existência de benzedeirasrevela uma busca pela compreensão domundo espiritual. No entanto, para a“magia” funcionar é necessária aexistência de três pontos: o feiticeiro, oenfeitiçado e toda uma coletividade quedê respaldo ao processo. Por isso,geralmente, as benzedeiras não sãopessoas quaisquer, mas personalidadesreconhecidas nas comunidades. Elasocupam uma posição especial eestabelecem relações de reciprocidadepelos seus saberes e poderes, relembraSônia Weidner Maluf, antropóloga daUniversidade Federal de Santa Catarina eautora do livro Encontros Noturnos:bruxas e bruxarias na Lagoa daConceição: Ed. Rosa dos Tempos. Amaioria das benzedeiras é católica, vindada roça, com conhecimentos místicosabsorvidos de outras áreas no intuito deobter aceitação nos meios urbanos. Numprimeiro momento, pode-se pensar que abenzedura seja um resíduo de tempospassados, reflete Alberto M. Quintana,professor do Departamento de Psicologiada Universidade de Santa Maria do RioGrande do Sul e autor d’A Ciência daBenzedura: Edusc. Seu papel éfundamental nessas sociedades, pois elascriam um vínculo com a natureza eproporcionam alentos às doenças maisdiversas. As benzedeiras são mulheres queaprenderam com os seus antepassadosrezas para curar quem precisa. Elasadquirem esse conhecimento oralmente eo empregam para tratar os males físicos,emocionais e psicológicos, reflete o dr.José Antipa Ward, médico e pesquisadorde benzedeiras. Segundo Ward, em São

Caetano, atualmente, elas se concentramnos bairros Nova Gerti, Cerâmica,Prosperidade e São José, onde existemmais nordestinos. Na década de 60 muitosvieram para São Caetano trazendo seussaberes populares, entre eles o uso deervas, rezas e curas [3].

As benções, curas e magias

Os “benzimentos” e rezas são, semdúvida alguma, algumas das formas decura mais antigas do mundo. O conjuntodesses conhecimentos remonta aoscurandeiros antigos, nos primórdios dahumanidade, há pelo menos 30 mil anos.Os xamãs de todos os continentes usavamervas, rezas e invocações para curar.Todos os benzedores receberaminfluências da tradição xamânica,especialmente os das regiões norte ecentro-asiática e os das Américas doNorte, Central e do Sul. No Brasil, aimagem do xamã equivale à do pajé, e asbenzedeiras são originárias dessa tradiçãosecular passada de mãe para filha. Os“benzimentos” são praticados por váriasculturas, de formas o mais diferentespossível, e contam com o auxilio doselementos da natureza e da religião. Noentanto, todos visam às mesmas coisas:abençoar, curar e proteger os seres dasforças negativas do universo. Na maioriadas religiões, as benções são praticadascom o objetivo de pedir proteção e boasenergias.

Benções em outras culturas

Entre os judeus é comum os paisabençoarem seus filhos pedindo a Deusque os proteja antes das refeições, dassextas-feiras e nas noites de festas. Abenção das meninas evoca as boasqualidades das quatro matriarcas do povojudeu: Sara, Rebeca, Raquel e Léa. Paraos meninos, as benções de Jacó para os

3-Ward, JoséAnt ipa. " Rezas,

benzeduras e sim-pat ias" . Revista

Raízes nº 6.

Notas

R A Í Z E S 75D E Z E M B R O - 2 0 0 5

netos Efraim e Menashe. Entre os hindus,existe o Sadhu, ou homem santo hindu,comum em cidades e aldeias da Índia. Talhomem apresenta uma marca horizontalna testa, que simboliza ser ele umseguidor de Shiva. No pescoço carrega umrosário de contas sagradas; no corpo,roupa em cor-de-açafrão, consideradasagrada. Ele abandona todas as suasposses para dedicar a vida às orações emeditações. Os Sadhus caminham pelacidade recebendo oferendas de alimentose dinheiro das pessoas. Em troca,agradecem com benções. Por outro lado,em várias culturas ancestrais encontramossemelhanças entre o poder dasbenzedeiras e o dos feiticeiros. Entre osazandes, das fronteiras do Congo, a crençanos feiticeiros é tão forte que se acreditasejam eles os responsáveis pelosinfortúnios, acidentes, doenças e mortes.Assim como as benzedeiras, os feiticeirosrecebem o dom da magia hereditariamente- dom esse que curiosamente éidentificado no interior de seu intestino.Os feiticeiros e os curandeiros, na maioriadas culturas, são os intermediários entreos seres terrenos e os divinos. Por essarazão, têm a capacidade de curar asenfermidades da terra. Também secostuma dividir a magia entre branca enegra. A primeira é direcionada para obem; a segunda, ao contrário, para o mal.Existem feiticeiros que trabalham para osdois lados. As benzedeiras e rezadeiras,porém, estão do lado da magia branca,pois tradicionalmente recorrem a Deus,aos anjos e aos espíritos para conseguir opoder de que precisam. Nas sociedadesprimitivas, a magia branca sempre esteveassociada a uma extensa variedade deatividades. Tanto que o mago dascomunidades rurais atuava, inclusive,como “veterinário”, tratando das doençasdos animais com palavras, rezas e ervas.Por isso, a posição hierárquica do mágicoera elevada dentro dessas comunidades.

Mas nem sempre foi assim. Asbenzedeiras viveram momentos sombriosdurante a história. Na Idade Média, elasforam perseguidas e queimadas em praçapública, relata Mário Luís Cabrálio daSilva, terapeuta filosófico e autor deFilosofia como terapia, do Centro deCiências Clínicas de Campinas. Issoporque o seu poder passou a competir como da Igreja Católica, que tambémpraticava rituais de exorcismos e prestavaassistência no campo da saúde. Mesmoassim, naquela época, em algumas regiõesseus serviços continuaram a ser usados,especialmente nas zonas rurais, ondefaltavam recursos médicos. A noção dedoença continuava associada ao castigodivino: daí a importância das rezas.

Sensação do bem

É comum irmos às benzedeiras evoltarmos curados. Se não voltamosassim, pelo menos ficamos melhor do quequando fomos. Podemos dizer que a curaé um efeito de fé, boa energia, fenômenode sugestão ou inspirada por bonsespíritos. As benzedeiras são pessoas deDeus e isso já é um grande fator paracurar os males, relembra Léo Artése,xamã e autor d´O Vôo da Águia: EditoraRoka. Por outro lado, os “benzimentos” sófarão efeito se a comunicação entrebenzedeira e paciente for feita. A eficáciade seus serviços está em sua linguagemmágico-simbólica, muitas vezes sócompreendida por quem está aberto aosseus serviços, exemplifica o terapeutafilosófico. Essas palavras tambémfuncionam como mantras. Elas têm umtoque mágico que a gente não sabeexplicar. São como os mantras, relataWard. Por outro lado, as benzedeiraspossuem uma energia psíquica muitoacentuada, e por isso suas atividadessurtem tanto efeito. Elas trazem dentro desi conteúdos inconscientes que jamais

76 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

serão totalmente conhecidos ouinterpretados. São pessoas que trocamenergia a partir da fé de quem as procura,diz o acupunturista Carlos Frederico Maiade Carvalho. Também do ponto de vistapsicológico e antropológico os“benzimentos” resolvem váriosproblemas. O ritual do “benzimento”ajuda a organizar uma situação de caos,desordem, como é o caso de uma doença,resume Sônia. A maioria das benzedeiraslança mão de utensílios domésticos, rezase ervas. Algumas curam apenasdeterminados problemas, enquanto outrasse propõem a curar vários. Isso dependeráde sua afinidade com o tema e de seuaprendizado. Os objetos usados tambémsão simbólicos: geralmente machados,facas e adagas que servem para cortar omedo e a doença. Os “benzimentos” queusam a costura são empregados nos casosde torções, dores musculares ou fraturas eimitam uma cirurgia através de linha eagulha. As ervas receitadas após o“benzimento” servem cada qual paradeterminada finalidade e complementamo tratamento.

Uma visão espiritual

Por outro lado, os benzedeiros e“rezadeiros” possuem uma energiapsíquica muito acentuada, e por isso suasatividades surtem tanto efeito. Do pontode vista espiritual, os “benzimentos”encontram respaldo em uma energia sutil,que a benzedeira detecta e possui. Elaspercebem uma energia que a ciênciaainda não comprovou, que está para asbenzedeiras assim como o ar está paranós, explica Paulo Giraldes,administrador, pintor mediúnico eespírita. Além dessa função, sua eficáciase deve em parte à sintonia que mantêmcom o paciente. Quando nos sintonizamoscom algo, passamos a ter contato,percebê-lo, e então nos curamos, contaGiraldes.

BIBLIOGRAFIA -

Weidner, Sônia Maluf. Encontros Noturnos:bruxas e bruxarias na Lagoa da Conceição: Ed.Rosa dos Tempos.Quintana, Alberto M. A Ciência da Benzedura:Edusc.Cabrálio da Silva, Mário Luís. Filosofia comoterapia: Centro de Ciências Clínicas deCampinas.Artése, Léo. O Vôo da Águia. Ed. Roka.

(*) Priscila Gorzoni é jornalista e pesquisadora da Fundação

Pró-Memoria.

R A Í Z E S 77D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Segunda Vitrine de Arte foi aterceira exposição que aPinacoteca Municipal realizouem 2005.

Um início de anomuito bom. Em termos dequalidade artística, decomparecimento de público e

do trabalho educativo, a primeira mostrado ano, Gravura – Arte e Técnica,

possibilitou à cidade acolher um acervoimportante de obras dos grandes artistasdessa linguagem especial que é a gravura.Além das obras que pertencem à própriaPinacoteca, (Hanna Brandt, EvandroCarlos Jardim, Paulo Mentem, HansSullivan Grudzinski, Gregório Gruberentre outros), recebemos, para essamostra, obras de Aldemir Martins, MariaBonomi, Livio Abramo e Carlos Oswald,do acervo particular do mestre impressorRoberto Gyarfi. O público, não só dacidade, mas de toda a região, visitou aexposição, participou de oficinas, assistiuaos vídeos e ouviu e viu Maria Bonomiem palestra, no teatro Santos Dumont.Com satisfação registramos o maiornúmero de visitantes jamais recebido e

atendido pela pinacoteca, (3.932), sendodigno de registro que todos, alunos,professores, visitantes espontâneos ouinduzidos, receberam a mesma atenção daequipe de Ação Educativa. O relatóriofinal, engrossado por material fotográficoe trabalho de ateliê, é ainda motivo desatisfação para toda a equipe.Inauguramos nessa mostra um contatopós-visita: através da Internet remetemosàs escolas, aos professores e aosestudantes fotografias realizadas noespaço expositivo e nas atividades doateliê. Além da agradável surpresa quelhes proporciona o recebimento de e-mailscom fotografias deles próprios, asimagens ainda reforçam as experiênciasque ocorreram durante a visita.

Em julho abrimos uma exposiçãodiferenciada, pode-se dizer, bastantearrojada, que celebrava a liberdade deexpressão, a sensibilidade acima datécnica, o estar e o fazer. Os integrantesdo Grupo Poeticidade – Artur Cole, EdsonBaeça, José Romero e Flávio –,percorrendo a cidade de São Caetano doSul, registraram a paisagem conformeseus sentimentos, conforme as emoções

Cultura NEUSA SCHILARO SCALÉA (* )

Pinacotecacomovitrine de arte

AAMaria Bonomi visita

a Mostra deGravura na

Pinacoteca apóssua palestra - 2005

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

78 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

que os locais despertavam. Desenhos,realizados durante esses percursos, foramapresentados de forma espontânea, emsuportes de papel de várias gramaturas etexturas; experiências sensoriais do estar-

onde-estou. Uma interferência coletiva,que teve como suporte um dos brancos esagrados painéis do espaço expositivo,inteiramente utilizado como uma tela ouparede, recebendo riscos agitados decarvão, grafite, pastel, lápis-cera, oucolagens e impressões.

No espaço reservado ao acervo,fizemos um contraponto, colocando obrasemblemáticas da segunda metade dadécada de 1960 até 1980. Restauramostrês obras do artista João Parisi Filho,nunca antes expostas, premiadas noSegundo Salão de Arte Contemporânea deSão Caetano do Sul em 1962. Parisi foilocalizado pelo setor de pesquisas daFundação Pró-Memória e compareceupara rever sua obra, depois de mais de 30anos!

E então, em setembro, chegamos àterceira exposição do ano: a esperada,trabalhosa e sempre polêmica mostra dosartistas da cidade, a Vitrine de Arte.

Embora o título possa sugeriralguma dose de superficialidade, esta éuma mostra muito séria, importante e,como as demais ações da pinacoteca,também faz parte de um projeto, de umafilosofia de trabalho.

A idéia de uma vitrine de arte

surgiu em uma das reuniões da comissãoorientadora em 2002, quando se discutia oretorno dos Salões de Arte. E surgiuporque, pessoalmente, questiono ointeresse ou a validade desses salões quejá não cabem no universo da artecontemporânea. Ressalto que essa não éuma posição da instituição, mas minha.Acredito que os Salões de Arte jácumpriram sua missão, pelo menos emsua forma original. O fato de que o acervode nossa pinacoteca é constituídobasicamente de obras que participaramdos Salões de Arte Contemporânea dacidade, promovidos entre 1962 e 1981,prova que os salões foram muito bemrealizados e renderam frutos, mas, aindaassim, considero a realização desse tipo demostra como inócua e desnecessária hoje.

Entendemos que os salões, debelas artes ou contemporâneos, tiveramgrande influência e formidável utilidade,mesmo depois de sua desmedidaproliferação, mas agora mostram o ranço,não da idade, mas dos vícios e conceitosque trazem em sua concepção.

Acredito que os salões devam sersubstituídos por vitrines e amostragensque envolvam a sociedade, as açõesmanuais, a tecnologia de ponta e suportesinéditos recolhidos na sucata do mundocontemporâneo, como nas grandesmostras bienais (São Paulo, Veneza, ouKassel). E o artista volta, nem na proanem na popa, mas na quilha do navio dotempo, local menos cômodo e de maiorrisco, mergulhado no sal e na água, àfrente.

Pode ocorrer, como sempreaconteceu, que em dado momento hajamaior quantidade, menor qualidade eproliferação de falsos conceitos (como atolice, ouvida até em ambientes artísticos,

segundo a qual na arte contemporâneacada um vê na obra o que quer ver, comose o artista não tivesse nada a dizer, nadaa mostrar, nada tivesse criado). Ou a arte

Visita de alunos daEscola EstadualCel. Bonifácio deCarvalho àSegunda Vitrine deArte na PinacotecaMunicipal - setem-bro de 2005

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

R A Í Z E S 79D E Z E M B R O - 2 0 0 5

vendida aos metros, nos shopping centers,ou realizada como em linha de montagem,nos ateliês! Ou ainda a mostrainternacional de vacas! (algo que percorrevárias capitais do mundo colhendocheques de sete dígitos de multiparceiros,multinacionais). Tudo isso não cabe a nósdestruir, coisa que o tempo fará, mas (equando digo nós, refiro-me aosmuseólogos, críticos, mestres,professores, estudiosos e todos os quefruem da Arte) perceber, separar, estudar,fazer reflexões.

Muitas vezes, nos salões, aexperimentação, a busca e o arrojo cedemlugar ao conhecido, ao menos chocante,ao menos contestador, porque há sempreum prêmio em jogo: o artista participanteirá sempre saber que o julgamento traráum benefício material e de certa formaisso corrói a essência do fazer. Apremiação e a classificação instigam asegregação e a opinião parcial em relaçãoao vasto universo da arte contemporânea.

Mesmo para instituições e pessoasacima de quaisquer ingerências ou pré-julgamentos, que agem com total lisuraquando da escolha dos trabalhos, julgararte contemporânea e classificá-la comonuma disputa esportiva vai contra aessência das aberturas arduamentebuscadas. E isso exatamente no momentoem que são discutidas a validade decoleções fechadas, a importância da artepública, a participação do espectador naobra, a obra que se desfaz ou se modificapela ação de elementos naturais, as novasmídias ou meios, enfim, tudo o que a pós-modernidade, ou seja, a artecontemporânea, nos trouxe.

(Isto é, amostragens que forneceminformações e propiciam reflexões emcampos que, embora pareçam distintos, naverdade são parte integrante da Arte:sociologia, história, ecologia etecnologias.)

Voltando ao nosso caso particular,

a Pinacoteca Municipal, que deseja estarentre os espaços contemporâneos de Arte,tem vocação para formar públicos aptos afruir o objeto artístico, tem acervo bemcuidado e, embora muito jovem, vemcaminhando com firmeza em busca daqualidade do trabalho sério e responsável.Há mais sentido em promover uma vitrinedo que um salão. E vamos nos lembrar deque não se trata de cuidado ou temor empremiar ou não premiar nem de medo dasrepercussões no ambiente de uma cidadetradicional. Aliás, justamente por isso,realizar uma mostra aberta, mas ao mesmotempo criteriosa, é um desafio que nãocausa temor quando se tem o propósito detrabalho em sintonia com o atual estágiode entendimento da Arte.

A Segunda Vitrine foi mais ampla,em número de participantes e emlinguagens representativas, do que aPrimeira Vitrine, realizada em 2003, masseguiu com os propósitos iniciais deaprimoramento e formação: não julgou,não segregou, não proibiu. Apenasapresentou e propôs reflexões.

Nossa Segunda Vitrine acolheu,em um mesmo espaço, trabalhosproduzidos pelo pessoal que faz grafite epelos acadêmicos mais sérios, obrasrepresentativas ao gosto da arte de

shopping center, desenhos realizados comtinta em spray e trabalhos em sofisticadaencáustica. Desenhos - ao estilo deFrançois Boisrond, artista contemporâneo– em formato de selos, expostos, seguindoa orientação do artista, para serem vistoscom lupas, e também trabalhos em ferroretorcido. O mais jovem participante tem17 anos e o mais idoso 83. Bastantedemocrática, não acham?

E ainda é preciso que noslembremos da importância da comissão deseleção. Claro está que seus membrosentenderam a proposta da pinacoteca aoaceitarem, com entusiasmo, o nossoconvite. Todos demonstraram muito

80 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

interesse e se dispuseram a doar tempo eatenção para analisar e selecionar asobras.

Célio Rosa, professor de artesplásticas e visuais da Faculdade BelasArtes de São Paulo, que reside e tem seuateliê em Santo André. João Delijaicov,crítico de arte, coordenador do EspaçoHenfil e da Pinacoteca Municipal de SãoBernardo do Campo, onde reside.Marilucia Botallo, mestra em artecontemporânea pela Escola deComunicação e Artes da Universidade deSão Paulo, que trabalha no setor demuseologia do Museu de Antropologia eEtnologia dessa mesma universidade ereside na Capital. Valdo Rechelo,coordenador dos cursos de Arte daFundação das Artes de São Caetano doSul, que possui ateliê e reside em SãoPaulo. Foram esses os participantes dacomissão de seleção. Trabalharam emtranqüila liberdade, sem nenhum contatocom o currículo dos artistas, analisandounicamente as obras.

Antes do final da exposição algunsmembros da comissão participaram de umprofícuo encontro com os artistas. Esseencontro informal e aberto representa acomplementação dessa etapa da nossabienal de arte.

A Pinacoteca tem agora novasações em arte-educação. Estamoscolocando em prática uma proposta detrabalho acalentada já há algum tempo. É

nossa intenção que a orientadora,pedagoga, arte-educadora trabalhe nosentido de instigar, ao invés de oferecerconceitos prontos. Ela deve serquestionada, muito mais do quequestionar. A visita dos alunos será vaziase forem oferecidas orientações banais,porque a intenção não é propiciarentretenimento. Estamos em 2005, e jánão há sentido em mandar o aluno copiartrabalhos de arte sem saber o motivo, ouentão dar uma mãozinha no desenho paramelhorá-lo, segundo a vontade doprofessor, (como se pudéssemos melhorar

um desenho infantil!), ou, ainda, tolher aação criativa e a mente inquieta.

Estimular atitudes deemancipação, inclusivas e críticas,estimulantes para o intelecto e para ossentidos. São ações que impõemconhecimentos atualizados econscientização da pós-modernidade, eesta traz à tona códigos simbólicos,significados anteriores, interculturalidade

e respeito às múltiplas versões darealidade. Sabemos que é uma propostacomplexa, difícil. Mas uma vezcompreendida pela arte-educadora, torna-se muito agradável, lúdica, indo aoencontro de ações naturais na infância,muitas vezes tolhidas por um sem-númerode fatores coercitivos. O mestre e o alunodescobrem o prazer de montar, cortar,formar, impor clareza, limpeza e ordem,mesmo quando todo o trabalho tem umaaparência caótica.

Soluções de como deve ser pintadauma obra, como deve ser esculpida umaescultura, parâmetros rígidos, regrasescritas, datadas, consagradas, que nãopermitiam dúvidas sobre o tema, a forma,a abordagem e as soluções, tudo issoestava claro e conhecido. Mas hoje épreciso ter um repertório mais amplo esintonizado com o tempo. Ao contrário doque parece, a pós-modernidade, acontemporaneidade exigem mais

Alunos preparam-separa trabalho noAteliê Pedagógicoda Pinacoteca,depois de visitar aMostra Gravuras2005

Acervo:Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul

R A Í Z E S 81D E Z E M B R O - 2 0 0 5

conhecimento, exigem mais pesquisas emais atenção. As pobres releituras, tãomal interpretadas, nada são sem oreferencial - passam a ser cópias malacabadas. Os simulacros têm sentidoquando a criação sobre um ícone tem aintenção de mostrar-se como réplicairônica, crítica ou sugestiva. Ensinar Arte,(se isso for possível), não é nossoobjetivo, mas sim formar pessoas aptas areconhecer-se e reconhecer o mundo aoseu redor e interagir com ele através daArte.

Quando se abre a mente doeducador para a arte contemporânea, elereconhece que já não é possível elaborarum manual do como fazer arte! Receitaspara bolos, decididamente, não se prestampara orientar o verdadeiro artista, aqueleque entende o momento em que vive, queintui o momento futuro e que escolhe,entre milhões de materiais, o suporte, aferramenta e o meio com os quais irá seexpressar.

Encerramos o ano de 2005 comuma exposição integrante da Bienal deGravura da Casa do Olhar de SantoAndré: Vinte e cinco anos do Ateliê de Iole

Di Natalle.Para 2006 já estão

compromissadas cinco exposições muitoimportantes, inclusive com a mostra dedoações recentes, que incluem 24 obras deColette Pujol, que a Fundação Pró-Memória, gestora da pinacoteca, recebeudo grupo responsável pela preservaçãodas obras da artista em mais uma prova daconfiança e do respeito que nossa jovemPinacoteca já adquiriu.

Infelizmente, na imprensa localainda há jornalistas que não praticam overdadeiro jornalismo cultural. Muitasmatérias “culturais” apenas listam eventosde qualquer natureza. As entrevistas jánem são feitas por telefone: limitam-se asintetizar o já sintético press-release ediscorrem sobre exposições não visitadas.

Quem perde com isso são as pessoas, poisrecebem poucas informações, quaseinúteis em termos culturais, mas quefazem imaginar que nada acontece nacidade.

Os Salões de Arte surgiram em 1667, na França, ereceberam essa denominação devido ao fato de serem realizados noSalon Carré, do Louvre. De início não eram periódicos, o que sóveio a ocorrer a partir de 1831, quando passaram a ser realizadosanualmente. Mas já em 1863 foi realizado o primeiro Salon des

Refusés, seguindo-se outros, como o Salão dos ArtistasIndependentes, em 1884, e o Salão de Outono, a partir de 1903.

No Brasil, devido à forte influência francesa, a AcademiaImperial de Belas Artes passou a realizar Exposições Gerais daAcademia, a partir de 1840, por iniciativa do pintor Félix ÉmileTaunay. As obras premiadas, geralmente com bolsas de estudos naFrança, passavam a fazer parte da Pinacoteca da Academia. Anosdepois, o Salão Nacional de Artes Plásticas substituía asExposições Gerais. Outros Salões foram surgindo em diversosestados brasileiros. A respeitada Academia Imperial ditava asregras, e as obras, embora apresentassem inegáveis qualidades,seguiam as rígidas regras acadêmicas. Poucos artistas quereceberam bolsas tiveram oportunidade de entrar em contato comnovas propostas. Em realidade, a maioria deles precisava seguir asregras dos ateliês franceses mais retrógrados, sob pena de perdersuas bolsas de estudos. O próprio imperador, homem que respeitavae incentivava as artes, tomava conhecimento do progresso dessesartistas no exterior. E as regras da pintura ou escultura acadêmicasdeveriam ser seguidas.

O Salão Nacional e os demais, em suas versões estaduaisou regionais, apresentavam o artista aos apreciadores ecolecionadores. As premiações e participações forneciam aoapreciador/comprador segurança quanto à qualidade do trabalhoartístico, ofereciam uma forma de valorização da obra e faziamcrescer o número de obras dos acervos oficiais, com benefíciosinegáveis para as instituições e para os artistas.

O sistema, se podemos assim dizer, de Salões de Arte,permaneceu mesmo depois dos modernistas e chegou àcontemporaneidade, influenciando, de início, as BienaisInternacionais. Mas, estas sim, traziam uma nova proposta, umnovo posicionamento dos críticos e estudiosos de Arte, oferecendoespaço para a liberdade de criação, diminuindo as classificações eampliando as participações. Proposições mais saudáveis eadequadas à pós-modernidade.

(*) Neusa Schilaro Scaléa, fotógrafa, professora, designer

gráfica, especialista em museus de arte. Atualmente é

coordenadora da Pinacoteca Municipal da Fundação Pró-

Memória de São Caetano do Sul

R A Í Z E SD E Z E M B R O - 2 0 0 582

Depoimentos ALEXANDRE TOLER RUSSO(* )

Giovanni, Pietro e Geraldo

Ace

rvo:

Ger

aldo

Bra

ido

eraldo Braido, nascido em29 de janeiro de 1924,resgatou, por conta própria,boa parte da história de suafamília. Remontou a muito

antes do ano de seu nascimento, chegandomesmo a conseguir documento escrito queregistra o desembarque de seu avôGiovanni e de seu pai Pietro no Porto deSantos. Além disso, preservou imagensantigas de seus familiares, quer no dia-a-dia das olarias quer em momentos dedescontração, bem como objetosrelacionados ao passado (tijolos de olaria,equipamentos antigos etc.), construindo,por assim dizer, um pequeno museuparticular. Esses vestígios materiais,aliados a sua boa memória, resultaramnum relato bastante rico da trajetória dosBraidos desde a Itália até São Caetano doSul.

Em Treviso, Itália, no final doséculo XIX, Giovanni Braido sofreu umaperda bastante dolorosa: Ágata Coan, suaesposa, morreu no parto do primogênitoPietro, nascido em 26 de julho de 1886.Desolado, Giovanni, no início do anoseguinte, zarpou com o filho recém-nascido para o Brasil. Aportou em Santosno dia 18 de janeiro de 1887, com 31 anosde idade e um filho de seis meses, como

está escrito em documento oficial daAssociação Pró-Memória do Imigrante.

Foi enviado, com Pietro ainda nocolo, para Jundiaí. Lá trabalhou durantealgum tempo, mas, decepcionado edesiludido, (pois na Itália lhe fora pintadoum retrato bastante irreal do Brasil),voltou para sua terra natal. A desilusãocom o Brasil era algo bastante comumentre os imigrantes europeus que vinhampara o país em busca de prosperidade. Nomais das vezes, encontravam dificuldadesimensas e pouco retorno financeiro. É oque se lê, por exemplo, em carta deGiacomo Garbelotto preservada por suaneta, Adazir Joana Garbelotto, esposa deGeraldo Braido:

São Caetano, 14 de fevereiro de 1889

Caro amigo,

... [a] carta [de] abril de 1888 [é]para que saibas o quanto é necessário que

qualquer dos nossos conterrâneos com o

intuito de vir para o Brasil antes se

informe muito bem a respeito de tudo,

pois, no mais das vezes, quando aqui

chegam, na Imigração, em São Paulo,

precisas ver o que lhes sucede: são tantos

os italianos enviados aos “senhores” (...)

GGPietro Braido,(apontado com aseta), pai deGeraldo Braido, naOlaria dos Perrellas

R A Í Z E S 83D E Z E M B R O - 2 0 0 5

Um promete uma coisa; outro, outra coisa

(...) Garanto-te que poucos estão

contentes (...) e há quem chore de fome

sem poder encontrar trabalho (...). (Estacarta, no original, está escrita em italianoinculto. Traduzimos apenas algunstrechos, adaptando-os ao português culto.)

Quando Giacomo Garbelottoescreveu esta carta, em 1889, GiovanniBraido já havia tomado coragem eretornado, pela segunda vez, ao Brasil.Neste segundo retorno, estabeleceu-se, deinício, na casa do próprio GiacomoGarbelotto, em São Caetano. A despeitodas dificuldades, os italianos já fixados noBrasil costumavam ajudar os conterrâneosrecém-chegados na medida do possível –e foi isso que aconteceu entre Giacomo eGiovanni.

(Pietro, ainda pequeno, também seinstalou na casa de Giacomo, lá tendo sidocuidado pela avó daquela que um dia seriaa esposa de seu filho Geraldo.)

Não demorou muito e GiovanniBraido arrumou trabalho em olarias deSão Caetano. (Também em São CaetanoGiovanni casou-se novamente, desta vezcom Tereza Garbelotto.)

Pietro, seguindo os passos do pai,já aos oito anos de idade exercia a funçãode auxiliar de oleiro. Em 1912, quandoainda trabalhava na Olaria dos Perrellas,Pietro casou-se com Maria CarmelaFiorotti. Recém-casados, Pietro e Mariaforam morar em uma casa de colonosdentro da própria olaria. Nessa casanasceram quatro dos sete filhos do casal –inclusive Geraldo Braido, em 1924.(Águeda, Rosa, Laura, Renato, Geraldo eWaldemar são os filhos de Pietro e Maria.Houve uma criança que morreu ainda nainfância.)

Depois meu pai saiu da Olaria dos

Perrellas (...) Em 1935, ele teve de fechar

uma olaria na Vila Alpina, da qual ele era

dono, e perdeu muito dinheiro (...) Vendeu

todos os seus tijolos, pela metade do

preço, para as docas de Santos (...)

Quando acabou o negócio na Vila Alpina,

meu pai arrendou uma olaria no Jardim

Independência (...) Um pouco depois, com

sócios, arrendou a Olaria dos Parentes,

nela trabalhando até 1944. Em 1944, ele

comprou um armazém de secos e

molhados na antiga Travessa São José

(...), comentou Geraldo Braido.

Em 1944, aos 20 anos, GeraldoBraido foi trabalhar com o pai noarmazém. Antes disso, contudo, já haviafeito muita coisa. Já com seis anos eu

estudava no Colégio Santo Antônio, onde

fiquei até os oito anos. Então fui para o

Grupo Escolar Senador Flaquer (...)

Estudava de manhã e ajudava meu pai à

tarde nas olarias (...) Aos 13 anos arrumei

um trabalho na Farmácia São Caetano,

propriedade de João Cambaúva. Depois,

fui trabalhar no escritório comercial de

Filhos de GeraldoBraido. Da esquer-

da para a direita:Ivone Braido,

Neusa Braido eEunice Braido (em

cima); SelmaBraido e Sueli

Braido (em baixo)

Da esquerda para adireita: Alf ioGarbelotto,

GiacomoGarbelotto, Adazir

Joana Garbelotto eMafalda Garbelotto

diante da casa deFrancisco

Garbelotto, que sesituava perto do

atual Carrefour

Acervo:Geraldo Braido

Acervo:Geraldo Braido

84 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Giardullo e Lorenzini (...) Em 1941, fui

trabalhar na Raiom (Matarazzo). Saí de lá

em 1942, ano em que me transferi para a

Argilex (...) Em 1942 também me formei

em contabilidade (...) Em 1944, fui

trabalhar com o meu pai.

Quando se casou, em 1947,Geraldo ainda trabalhava no armazém dopai. Sua esposa, Adazir Joana Garbelotto,filha de Francisco Garbelotto e MariaMantovani Garbelotto, era neta deGiacomo Garbelotto, italiano queacolhera o conterrâneo Giovanni Braido,avô de Geraldo, em sua casa. (Docasamento entre Geraldo e Adazir

nasceram Neusa, em dois de agosto de1948; Ivone, em 30 de novembro de 1950;Eunice, em 24 de dezembro de 1952;Selma, em 15 de março de 1958; e Sueli,também em 15 de março de 1958. Osfilhos geraram netos: Fabiano BraidoCapelasso, filho de Neusa Braido, nascidoem 21 de abril de 1973; Fabíola BraidoCapelasso, filha de Neusa Braido, nascidaem 24 de julho de 1974; Giovana BraidoMateus, filha de Eunice Braido, nascidaem 17 de janeiro de 1980; EugênioVoltarelli Braido, filho de Ivone Braido,nascido em 27 de março de 1984 – jáfalecido. Os netos geraram bisnetos:Bruna Portillo Capelasso e LorenzoPortillo Capelasso, filhos de FabianoBraido Capelasso e Mariana PortilloCapelasso.)

Em 1949, Geraldo Braido deixou oarmazém do pai e foi trabalhar, comodiretor financeiro, na Cerâmica Sul-Americana. Em 1969, isto é, 20 anosdepois, deixou o emprego e montou, comamigos, a Recolax – Madeira eRevestimentos. Aos 81 anos GeraldoBraido ainda pode ser visto, diariamente,na empresa que montou há 36 anos.

Família de GeraldoBraido. Da esquer-da para a direita:Fabiano, Mariana,Arthur, Neusa,Michele, Fabiola,Eunice, Giovana,Eugenio, Ivone,Eugenio Neto,Lorenzo, Bruna,Selma, Adalzir,Geraldo e Sueli

Lua-de-mel deGeraldo Braido eAdazir JoanaGarbelotto Braido.Da esquerda para adireita: FranciscoGarbelotto, PedroBraido, MariaBraido, MariaMantovaniGarbelotto,Marilene Molinari,Renato Braido,Adazir JoanaGarbelotto Braido,Geraldo Braido,Alfio Garbelotto,(?), (?). Ano de1947

Acervo:Geraldo Braido

Acervo:Geraldo Braido

(*) Alexandre Toler Russo é jornalista

R A Í Z E S 85D E Z E M B R O - 2 0 0 5

ntônio Alves, neto deRaimundo AlvesRocha e filho deJoão Alves Rocha,nasceu emPernambuco, nacidade de BomConselho de

Papacaça, no dia 15 de março de 1899.Completou, em 2005, 106 anos de idade,com lucidez e boa saúde. Segundo ele,passou a infância na Fazenda Guaribas,propriedade do avô, que mantinha ali todaa família, em regime patriarcal.

Quando Antônio Alves tinha 16anos de idade, seu pai, João Alves Rocha,mandou-o para Alagoas, onde morou comparentes, trabalhando, como colono emuma fazenda, até 1923.

Foi, então, que o jovem Antônioresolveu correr o mundo, em busca de seulugar, conforme ele mesmo nos disse emsua entrevista.

Veio para São Paulo, onde passoupor várias cidades, inclusive por SãoCaetano: Aqui era só campo, nos contouele, referindo-se a São Caetano.

Foi viajando por diversos pontos dointerior de São Paulo, trabalhando umpouco de tempo em cada cidade,geralmente em fazendas. Em suas

andanças, o jovem Antônio acabou indopara o Rio de Janeiro e, não se sentindosatisfeito em lugar algum, decidiu voltarpara Alagoas, numa difícil viagem denavio, conforme nos relatou.

FORMANDO FAMÍLIA – Umavez em Alagoas, Antônio Alvestrabalhou, por algum tempo, comocolono, conseguindo, afinal, comprar suaprópria fazenda. Foi, então, que conheceua jovem Maria, também filha denordestinos, nascida no dia 12 dedezembro de 1906, com quem se casou,na cidade de Quebrângulo (Alagoas), nodia 28 de julho de 1926.

Já com uma filha, Alzira, o casalmudou-se para São Paulo, instalando-se,primeiramente, em Cafelândia, ondenasceram os filhos Jorge e Manoel.

Mudaram-se, em seguida, paraMirandópolis, cidade da qual AntônioAlves foi um dos fundadores. Foi emMirandópolis que nasceram mais setefilhos do casal: João, Martins, Joaquim,Aurora, Ilda, Alceu e Marilisa (esta veiopara São Caetano com apenas 40 dias denascimento).

Como em Mirandópolis era comuma construção de casas de madeira,Antônio Alves, sempre preocupado emmelhorar suas condições de trabalho para

Depoimentos YOLANDA ASCENCIO (* )

Antônio Alves, nordestino centenário, em São Caetano

AA

Ano de 1952.Antônio Alves eMaria Alves na

casa da RuaMaceió, 755

Em 15 de março de 1999, quando completou 100 anos, Antônio Alves distribuiu umalembrança. Tratava-se de uma foto com os dizeres: A vida é simples. Faça só o que ocoração pede. Amor, Trabalho e Paciência. É o meu lema. São 100 anos de vida. Antônio

Ace

rvo:

Ant

ônio

Alv

es

Acervo:Antônio Alves

8 6 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

sustento da família, decidiuaprender o ofício decarpinteiro, ofício no qual seespecializou e que acabousendo sua profissão até os cemanos de idade: Sou carpinteiroaté hoje, afirma ele, com muitoorgulho.

EM SÃO CAETANO –Em 1950, Antônio Alves veio

para São Caetano, com toda a família.Comprou o terreno, onde o filho Jorge jámorava, e, juntos, construíram a casa queaté hoje é da família, na Rua Maceió, nº755, Bairro Barcelona.

Excelente profissional emcarpintaria, Antônio Alves(nosso entrevistado) pôdesustentar sua família de dezfilhos fazendo o madeiramentoda maioria dos prédios dacidade. Fez, segundo ele, todo omadeiramento da parte nova doHospital Beneficência

Portuguesa. As filhas lhe levavam oalmoço, porque ele não queria interrompero trabalho nem para comer.

Segundo Ilda, sua filha, Antônio fezo madeiramento de um prédio, na RuaTibagi, quando já estava com mais de 80anos de idade. Todos os meus filhosestudaram, só eu que não. Aprendi a ler ea escrever sem ir para a escola, nosconfidenciou Antônio.

CASAMENTO FELIZ – EnquantoAntônio trabalhava incansavelmente, paraque os filhos pudessem crescer saudáveis,preparando-se cada qual para a profissãode sua escolha, a esposa, D. Maria,

cuidava da casa e administrava os gastos.Foi, realmente, um casal perfeito.Celebraram bodas de ouro, na igreja SãoFrancisco, em 1976. D. Maria Alvesfaleceu em 1989, vítima de câncer.Antônio nos conta: Vivi sessenta e trêsanos e quatro meses com a minha velha.

HOJE – Atualmente, AntônioAlves, já com 106 anos de idade, mora namesma casa que construiu, em 1950, sobos cuidados das três filhas: Ilda(enfermeira), Aurora (professora) e Alzira(costureira), todas já aposentadas.

Os dez filhos lhe deram 21 netos e24 bisnetos.

Antônio Alves leva uma vidasaudável e tranqüila.

Adorou nossa visita, sentou-seconosco à mesa para o café da tarde e fezquestão de participar da conversa.

Contou-nos, ainda, que é católico,mas reza em casa. Sempre gostou muitode ler, mas a vista já não ajuda. Deita-se àsoito horas da noite e levanta-se quandoquer. Gosta muito de doce, principalmentede chocolate. Também fez questão de noscontar que tem um neto que é juiz dedireito.

Despedindo-nos de Antônio Alves,que nos deu uma grande lição de vida,ousamos lhe perguntar quantos anos maisgostaria de viver. Abraçando-nos, comcarinho e doçura na voz, ele concluiu: IssoDeus é que sabe.

Festa de bodas de ouro em julho de 1976.Aurora Alves Pereira (filha) e Maria Alves(mãe)

Missa de aniversário de 100 anos deAntônio Alves. Logo atrás, o filho JoaquimAlves

Durante a oração do Pai Nosso, na cele-bração das bodas de ouro, toda a famíliadeu volta ao redor do altar

Ace

rvo:

Ant

ônio

Alv

es

Acervo:Antônio Alves

Acervo:Antônio Alves

Antônio Alves, LuizAugusto Alves(neto) e Lucas (bis-neto)

Família de AntônioAlves. 1) Neta:Maria HelenaAlves; 2) Bisneto:Guilherme Alves; 3)Neta: Odila Alves;4) Filho: AlceuAlves; 5) Nora eNeto (colo):Aparecida RúbioAlves e BrunoDaniel Alves; 6)Antônio Alves, 7)Bisneto e Neta:Lucas Alves eLúcia Alves; 8)Neta: Estela MariaAlves; 9) Neto eBisneto (colo): LuizAugusto Alves eCecília Alves

(*) Yolanda Ascencio, professora, pedagoga, advogada,escritora

R A Í Z E S 87D E Z E M B R O - 2 0 0 5

ra o mês de setembro, ooutono já começava amudar. Meu pai,Bernardino Verticchio,(que neste tempo tinha 13anos de idade), percebeuque algo diferente estavaacontecendo na casa.

Homens, que ele não sabia quem eram,muita conversa em segredo, o nonoviajando para Perugia, aprontando osdocumentos, a nona Maria que chorava efazia a arrumação das poucas roupas. Masnenhuma palavra aos filhos, que erammuito pequenos.

Naquele tempo os pais nãocomentavam nada de suas decisões comos filhos, tivessem eles a idade quetivessem. A recordação triste que ficou namente de meu pai foi a despedida dosparentes, tios e primos, em Castelnuovo diFarfa. Depois meu nono SabatinoVerticchio, nona Maria Pezzotti e os seisfilhos pequenos tomaram o trem paraRoma.

O trem chegou a Roma de tarde, ea lembrança que sempre o comovia era tervisitado a e rezado na Igreja de SantaMaria Maggiore.

À noitinha tomaram o trem paraGênova. Depois, chegaram ao porto. Láestava o grande navio. Lá estava o pouco

do mar que viram...Só muitos dias depois meu pai

entendeu que Roma, Laquila, Casaline dePreturro, Castelnuovo di Farfa, FaraSabina, a Itália, iam ficando para trás,longe, longe. A viagem foi demorada etriste. Eles não viam nada além daquelaspessoas estranhas. Nenhum amigo ouconhecido. Nos porões do navio, muitositalianos, todos juntos, mas cada um coma sua família e com suas próprias idéias.Os jovens eram alegres, com pressa dechegar. Os casais estavam esperançosos;os velhos, tristes e já saudosos dos quehaviam ficado.

Meu pai também contava que,depois de uns dias de viagem, um senhorde idade, muito alegre, animava ascrianças, cantava com elas, contavahistórias, recitava versos e poesias. Ascrianças aprenderam com ele a declamarversos e poesias. Muitas dessas poesiasmeu pai aprendeu e nunca mais esqueceu.Pela idade do nono e da nona e pelas suaspalavras, eles não vieram em busca deaventura. Vieram pressionados pelapobreza e pela falta de trabalho. Tinhammedo de não poder criar os filhos, pois opequeno já andava doentinho. Aspromessas de trabalho e de uma vida bemmelhor eram convincentes.

Sabatino, Maria e os filhos

Lembranças do meu pai

EE

Depoimentos MARIA DE LOURDES VERTICCHIO (* )

Eunice (neta deBernardino

Verticchio) naescadaria da Igreja

de Santa MariaMaggiore, em

Roma

Ace

rvo:

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88 D E Z E M B R O - 2 0 0 5 R A Í Z E S

Bernardino, com 13 anos,Josefa com dez anos,Nazareno, oito anos,Domingas, seis anos,Laura, quatro anos eDomenico, dois anos.Desembarcaram do navioem Santos no dia primeirode novembro de 1901.Depois, de trem,atravessaram mata fechadae chegaram à cidade de SãoPaulo. Foram levados para

a Hospedaria dos Imigrantes. Ficaramdias aguardando uma definição. Asfamílias com pais fortes e filhos jovenseram levadas para as fazendas em francaprodução. As famílias com crianças eidosos eram levadas para lugares distantese mais afastados. Iam sem saber o lugarque deveriam desmatar a fim de preparar a

terra para novas plantações.Foram se acostumando com os

hábitos do lugar e, com muita força devontade, muita fé e esperança, cuidaramde cumprir as tarefas e de plantar hortascaseiras para o consumo da família.Depois que moraram em outras fazendas,nasceu mais um filho, meu tio Arcângelo.Os filhos foram crescendo. Meu paiaprendeu a ler e a escrever com um senhorque ensinava na fazenda. E a vidacontinuava.

Já adultos, os filhos de Sabatino e

Maria se casaram com italianos oudescendentes.

Bernardino casou-se com JosefaCoscia. Josefa casou-se com FranciscoAndrieto. Nazareno casou-se com MariaPecinini, (em memória), depois comLuíza Morrone. Domenica casou-se comFortunato Escarassate. Laura casou-secom Caetano Marchiori. Arcângelocasou-se com Catarina Andrieta. Omenininho Domenico faleceu logo quechegou ao Brasil. Já com os filhos todoscasados e com netos, em 1930, meu nonoe minha nona Maria vieram morar em SãoCaetano. A cidade já oferecia trabalhosem depender do clima das secas ou daschuvas. Vieram morar na Rua SantoAntônio, (atual Avenida Senador RobertoSimonsen), e o dono da casa era o sr.Elizeo Carnevale e sua esposa D. Palmira.Infelizmente, em 1933, meu nono faleceu.

Em 1936, foi a nossa vez de virpara São Caetano do Sul. Meus irmãosmais velhos haviam arrumado emprego nacidade: uns foram trabalhar nas LouçasAdelinas; outros, nas Louças Cláudia(Matarazzo); outros, ainda, na Raiom(Matarazzo). Meu pai foi trabalhar comoguarda, à noite, em uma metalúrgica,durante três meses. Em dezembro, no dia26 do mesmo ano, foi trabalhar na RaiomMatarazzo, até se aposentar. Trabalhou 23anos. Meus irmãos trabalharam commecânica, desenho mecânico,ferramentaria, solda. Cada qual, com ofruto do trabalho, pôde sustentar suafamília.

Nós somos em sete irmãos. O maisvelho, Alexandre, casou-se com LídiaBertucci. Ângelo casou-se com MariaSandrini. Antônio casou-se com CarmemRinaldi. Aparecida casou-se com José B.Calamari. Ivo casou-se com Jandira MiamMaluchi. Leonilda, que é solteira,costureira, sempre atendeu uma ótimaclientela. Costurava vestidos de noiva, demadrinha, para formaturas, vestidos de

BernardinoVerticchio junta-mente com seusfamiliares. Daesquerda para adireita: Leonilda,Josefa, Alexandre,Lídia, Maria deLourdes eBernardino

BernardinoVerticchio e a bisneta Cíntia

Acervo:Leonilda Verticchio

R A Í Z E S 89D E Z E M B R O - 2 0 0 5

bailes, roupas de primeira comunhão e,até hoje, quando a saúde permite, elacostura, pois a essa profissão se dedicacom amor. Também lê e escreve muitobem em italiano, pois é ela que secomunica com nossos parentes na Itália(em Roma, Casaline e Preturo).

Já comentei que meu pai semprese lembrava de um senhor de idade queanimava as crianças, cantava com elas,contava histórias, recitava poesias eversos em italiano. Meu pai aprendeu umapoesia da qual nunca mais se esqueceu.Quando, já na fazenda, aprendeu a ler e aescrever, procurou pela poesia quecarregava na memória em diversaslivrarias. Contudo, como não sabia onome do autor, foi difícil encontrá-la.

Porém um dia, almoçando com suaneta, Eunice, falou da procura por essapoesia. A neta pesquisou com a professorade português e descobriu que a poesia queo avô havia decorado se encontrava nacélebre Divina Comédia, de DanteAlighieri.

Meus pais são falecidos. Hoje,nossa família é grande: filhos, netos,bisnetos e tataranetos.

Eu cheguei a São Caetano comnove anos de idade. Vim com meus pais,Bernardino e Josefa, e meus irmãos,Alexandre, Ângelo, Antônio, Aparecida,Leonilda e Joãozinho (falecido). Ivo, meuoutro irmão, nasceu em São Caetano doSul. Cursei e concluí, com muito orgulho,o primário no Grupo Escolar SenadorFlaquer. Tenho ótimas lembranças dosmeus professores e de meus colegas.Lembro-me muito bem das professorasCacilda Pinto, Maria de Lourdes Silveira,Maria Virgínia de Moura, Dona Ilka Leitede Souza e da nossa querida professora doorfeão, Bruna Cassetari Ricci, queanimava as festas com cantos e poesias.Lembro-me da comemoração de datascomo sete de Setembro, 15 de novembro,entre outras. Também não me esqueço dos

trabalhos escolares, do encerramento doano com exposições, bordados,pinturas e artes em madeira. Tudocom muita dedicação e capricho. Atodas as nossas professoras, meumuito obrigado pelos seusensinamentos, não só relativos aosaber, mas também ao amar, aoviver e ao servir. Passei minhaadolescência alegre e tranqüila.Meus irmãos, minhas tias, meusprimos e primas faziam do domingoum dia muito alegre. Logo cedo,íamos à missa, na Matriz. Depois, diantede nossa casa havia sempre um circo ouum parquinho de diversões, com muitamúsica ...

Havia ainda os clubes quepromoviam peças de apresentação teatralcom um ótimo grupo de artistas do bairroe alguns de São Paulo. Lázio, MonteAlegre, Cerâmica, Ideal, São Caetano ...

Escrevi tudo isso motivada por umúnico propósito: homenagear os mais de100 anos da chegada de minha família aoBrasil. A maioria das histórias aquicontadas remonta, em última instância, aodia primeiro de novembro de 1901, dataem que meus avós Sabatino e Maria, meupai Bernardino e meus tios Nazareno,Josefa, Domenica, Laura, Domenico eArcângelo chegaram a Santos.

Hoje, graças a esses pioneiros, afamília é bem maior.

Mandamos celebrar, emhomenagem a nossos queridosantepassados, Missa em Ação de Graça noSantuário de Nossa Senhora Aparecida.Padre Geraldo Vicente Voltolini presidiuà celebração.

Maria PezzottiVerticchio, avó de

BernardinoVerticchioo

Maria de LourdesVerticchio

(*) Maria de Lourdes Verticchio é memorialista e moradora deSão Caetano do Sul

Acervo:Maria de Lourdes Verticchio

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uando os clubesvarzeanos disputavam oscampeonatos organizadospela Liga Santoandreensede Futebol, no início dadécada de 1940, nãopossuíam técnicosespecializados para

dirigir suas equipes. Elas eram dirigidaspelo diretor esportivo escolhido pelopresidente da diretoria. Era mais fácildirigi-las, pois era comum, inclusive nasequipes da Capital, a adoção da seguinteformação: goleiro; beque (back) direito ebeque (back) esquerdo; half direito;center-half e half esquerdo; ponta-direita;

meia-direita; centroavante; meia-esquerdae ponta-esquerda. Era o tradicional 2-3-5.

Com a promulgação da lei doacesso e descenso, em 1948, osentendidos em futebol criaram fórmulaspara não descer. Estas fórmulascomeçaram com os pequenos clubes.Caetano de Domenico, técnico do SPR,hoje Nacional, e Newton Anet, técnico doCanto do Rio, do Rio de Janeiro, jáextinto, inventaram a famosa“cerradinha”: 11 jogadores na defesa paragarantir o empate de 0 a 0.

Posteriormente, os grandestécnicos inventaram outras fórmulas,como por exemplo o 4-4-2: zagueiro

QQ

Apelidos e expressõesusados na várzea

América do SulFutebol Clube. Dadireita para aesquerda, em pé:Maneco, Fritola,Tin-Tin, Oire,Mosquito e DurvalMonteiro (técnico).Agachados: ArturDe Menis (Passa-Óleo), Nevada,Joaquim, Binga,Macalé e Fifo.Local: Campo doAmérica do SulFutebol Clube, noBairro Fundação,em 1950

Acervo:Narciso Ferrari

Esportes NARCISO FERRARI (* )

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central, volante, armador,meia de ligação,desarmador, ponta-de-lança.

Em São Caetano,como em outras cidadesque possuíamrepresentantes noscampeonatos da segundadivisão de profissionais,começou-se a adotar amesma tática. FranciscoMarinotti, técnico do SãoCaetano EC, e MárioVenelli, conhecido comoGostoso, do GeneralMotors EC, bem como osdiretores esportivos dos clubes varzeanos,adotaram esse sistema.

Hoje em dia, há escolas paratécnicos de futebol em todo o mundo. Osjogadores são submetidos a treinamentoso dia todo, com esforço físico além de suacapacidade, o que provoca sériosproblemas de saúde nos atletasprofissionais.

Os clubes bem organizadosmantêm, além do técnico, um auxiliartécnico, um treinador de goleiro, umpreparador físico, um psicólogo, umgerente de futebol e um fisioterapeuta.

Com a popularização do futebol egraças à alegria do povo brasileiro, emmuitos casos os nomes e os sobrenomesdos atletas foram trocados por apelidos.No meio esportivo de São Caetano, paraser mais específico, muitos desses atletas -até hoje - não são conhecidos senão peloapelido.

Quem conheceu Antônio Brazi,Mário de Sordi, Benevenuto Spagnuolo,Benedito Silva e Vicente Braco? Talvezpouca gente. Todavia, certamente muitaspessoas já ouviram falar do Bobeira(Lázio), do Chipio (Lázio), do Bombes(Comercial), do Lão (São Caetano EC) edo Coador (Cruzada).

(O “chipio”, aliás, sabemos que éum pássaro de peito amarelado. Emfunção do som de seu cantar, “chipio”/cipio, foi apelidado pela colônia italianacom este nome, mas seu nome exato étipió.)

Ainda com referência aos apelidos,devem ser mencionados aqueles usadosno âmbito familiar, os domésticos,geralmente criados a partir do diminutivodos nomes próprios. Citamos alguns.(Expusemos vários outros nos quadros emanexo.)

De origem italiana, os maisconhecidos são: Keko, Nino, Ninin, Gijo,Toni, Dinho, Tico, Tonico, Zinho.

De origem espanhola, temos: Pepe,Paquito, Manolo, Chiquito.

De origem lusitana: Maneco,Mané, Quim, Juca.

Além dos apelidos, o futebol devárzea também foi marcado por uma sériede gírias e expressões bastante peculiaresnascidas do encontro de diversas raças depovos nos campos e nas arquibancadas.De fato, para falar apenas de São Caetano,tínhamos italianos (Lázio e Cruzada, porexemplo), alemães (Teuto), espanhóis(Monte Alegre), lituanos (Vila Bela e VilaAlpina), entre outros.

São CristóvãoFutebol Clube,

1965. Da esquerdapara a direita, empé: José Bonesso

(massagista),Binga, Branco,

Dito, Nego, Baia,Date e Rodolfo

Amorim (diretor).Agachados:

Nivaldo, Ticinha,Mário, Zacarias e

Tuna. EstádioMunicipal Anacleto

Campanella

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Bobeira Antônio Brazi Centroavante - Lázio

Coador Vicente Braco Lateral esquerdo - Cruzada Esportes

Fome Renato Lugli Centroavante - Cruzada Esportes

Passa-Óleo Artur Demenis Centroavante - América do Sul FC

Zé Granfo Lateral direito - Bonsucesso FC

Máquina Geraldo Mosca Lateral direito - CA Ipiranguinha

Meia-Noite Meia-esquerda - Cerâmica FC

Boxeador João Bernhard Ponteiro-esquerdo - Teuto

Escovinha Tradinoro Strufaldi Lateral esquerdo - São Caetano EC

Fubá Vivieri Perego Meia-direita - São Caetano EC

Chico Canapia Centroavante - São Caetano EC

Vinte e Sete Aristides Balsamo Centro-médio - São Caetano EC

Fritola Alberto Codello Meia-esquerda - América do Sul FC

Bisteca Olímpio Scardelatto Goleiro - Corinthinha

João Pandeiro Lateral - CA Tamoio

Prego Paschoal Corsato Ponteiro-esquerdo - Cruzada Esportes

Parpite Antônio Sanches Garcia Carregador de camisas - Teuto

Biju Lateral esquerdo - Atlético V. Alpina

Dedão Vitório Boscolo Lateral - Cerâmica FC

Bororó Meia-direita - União Jabaquara FC

Mijola Edmílson Cavalcanti Zagueiro central - V. São José FC

Caculé Lateral direito - Atlético Vila Alpina

Bitcha Otacílio Dardin Lateral direito - América do Sul FC

Focinho Centro-médio - Botafogo FC

Brahma Cláudio Defendi Zagueiro central - CA Tamoio

Pistão Edson Centroavante - Grêmio Pontiac (GM)

Botega Centroavante - CA Ipiranguinha

Picão Bedani Zagueiro - Atlético Vila Alpina

Chulé Salvador Martins Goleiro - América do Sul FC

Zé Malandro Zagueiro - CA Tamoio

Sabugo Médio-volante - Guarani FC

Fala Fina Mário Goleiro - Flamengo - Vila São José

Paletó Lateral direito - V. São José FC

Toicinho Odécio Brogliato Zagueiro central - América do Sul FC

Stiopa Stephan Gerbali Árbitro - Liga Sancaetanense

Mário Gostoso Mário Venelli Técnico - General Motors EC

Leiteiro Goleiro - Barcelona

Peneira Fernando Gil Garcia Goleiro - Cruzada Esporte

Chevrolet Luiz Pereira Zagueiro - GM

Apelidos usados na várzea

Nos quadros que se seguemprocuramos, no primeiro, listar alguns dosapelidos mais populares das várzeassancaetanenses e, no segundo, algumas

das expressões e gírias mais usadas porjogadores e torcedores da cidade.

(*) Narciso Ferrari é empresário e memorialista de SãoCaetano do Sul

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Quindão Moacir Favime Centroavante - Arco-Verde e GM

Abobrinha Ponta-direita - Flamenguinho V. São José

Bananeira Frederico Corduglo Lateral direito - América do Sul FC

Espiga Cláudio Celiberti Centroavante - Transauto FC

Jararaca Lateral direito - Paulistano

Garnizé Ângelo Perin Meia-esquerda - Corinthinha

Cavalinho Nickfor Terpan Ponteiro-esquerdo - CA Ipiranguinha

Canguru Humberto Ferrari Lateral esquerdo - Cruzada Esporte

Bode Valter Bortoletto Centroavante - América do Sul FC

Burro Luiz Munari Centroavante - São Caetano EC

Pato Centro-médio - A.A. Matarazzo

Mão de Onça Goleiro - CA Piratininga

Boi Paulo Zanoni Ponteiro-direito - C.A Ipiranguinha

Marreco Centroavante - Grêmio Pontiac (GM)

Peixinho Eduardo Lorenzini Ponta-esquerda - São Caetano EC

Peru Orlando Tomé Lateral direito - América do Sul FC

Bodinho Clélio Meia-direita - EC Vila Bela

Javali Zagueiro central - Guarani FC

Macaco Centroavante - Cruzeiro FC

Mono João Guita Lateral esquerdo - Corinthinha

Bigato Ponteiro-direito - Bonsucesso FC

Mosquito Emígdio Perrella Lateral direito - Lázio

Besouro Oswaldo Ferraz Lateral direito - Olinda FC

"Bisorrinho" Meia-esquerda - Tamoio

Pulga João Toth Meia-esquerda - Atlético Vila Alpina

Chipio Mário Sordi Goleiro - Lázio

Corruíra Bortoletto Repórter Esportivo - Jornal de São Caetano

Sabiá Centroavante - CA Monte Azul

Pica-pau Meia-esquerda - EC Vila Bela

Laranja Meia-direita - CA Monte Azul

Marrom Vilmar Zagueiro - CA Ipiranguinha

Amarelo Meia-esquerda - V. São José FC

Titaco Nelson A. Oliveira América do Sul FC

Bombes Benevenuto Spagnuolo Comercial FC

Tarzã Ernesto Novi Jabaquara FC

Bolão Lauro Fiorotti São Caetano EC

Balila Alexandre Orasmo São Caetano EC

Sossego Goleiro - V. Prosperidade

Lão Benedito Silva Zagueiro - São Caetano EC

Escafedeu Perder o gol praticamente feito

Frege Briga entre torcidas

"Sédia" Sede local de reunião de diretores

Ofício Proposta para disputa de uma partida

Fubecada Encontro entre dois jogadores

Góde Driblar o adversário

Embirocar Acertar a bola no ângulo

Chanca Chuteira

Bigolin Bico de borracha para encher a bola

Estrumbicado Jogador contundido

Peteleco Agressão a um jogador

Bagaçada Chute forte

Pelada Partida mal jogada

"Enviazada" Bola chutada em curva

Carreira Jogador rápido

Bicanca Chutar a bola com o bico da chuteira

Sururu Briga em campo

"Vargea" Várzea local onde eram disputados vários jogos

Fiança Chute com o lado de fora dos pés

Tirombaço Chute forte

Cacetada Chute forte

Gaveteiro Juiz que atuava com parcialidade

Banheira Jogador em impedimento

Fingido Jogador que simula contusão

Melê Confusão na área

Bichado Jogador permanentemente contundido

Tento Gol

Cidadela Trave

Rabudo Goleiro com muita sorte

Fundo Jogador de pouca categoria

Ents * Mão na bola

Fuçador Atacante que vivia entre os zagueiros

Chapa Chutar com a parte de dentro dos pés

Gomo Divisão do couro da bola

Se apincha Goleiro que se atira ao chão para praticar a defesa

Esgueio Chutar a bola com efeito

Frequiqui ** Sobrepasso cometido pelo goleiro

Gortipa *** Goleiro

Petardo Chutar a bola com perfeição e forte

"Artibancada" Arquibancada: lugar para acomodar a torcida

Tunda Levar uma goleada

Esbórnia Torcedor que ficava bêbado durante o jogo

Chiveta Mulher que comparecia aos jogos de futebol

Tabefe Bofetada entre os jogadores

Esteca Torcedor que bebia antes do jogo

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* Ents - pronúnciaerrada da palavra

Hands - Mãos* * Frequiqui -

pronúncia de trêsquiques misturando

três em inglês" three" com o verbo

" quicar" (derivado dosom da bola batendo

no chão) - t rêsquiques

* * * Gort ipa -pronúncia errada da

palavra Goalkeeper -Goleiro

Notas

Expressões usadas na várzea

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odovia Fernão Dias...Uns 50 minutos de SãoPaulo a Mairiporã. Otúnel da Mata Fria, hojemodernizado. Passando

por ele, a entrada ou a estradinha que vaiao encontro do sítio dele. Quantas equantas vezes estive lá. Não sei...inúmeras... incontáveis.

Numa delas, da varanda, eucontemplava..., à frente e por entre asárvores, depois do regato, a estradinha... e,no alto, uma plantação. De quê? Não sei.Acho que de melancia ou de abóbora. Seilá... Sei que era uma verdadeira pintura e,naquele momento, um céu moreno-azulextraordinário, às 18 horas: uma visão deparaíso... Esta, além do sítio... Aquém,perto de mim, em frente, a churrasqueira ea mesa de snooquer... Ao lado direito, apiscina de uma ladrilhada água azul... E,abaixo, o campo de futebol, esse da foto.E, algum tempo depois, o aniversário domeu cunhado: para mim, o Cris; para afamília dele, o (Zé) Quinha; para o mundo,o José Cristiano.

Uma festa de arromba no sítiodele... Era o aniversário do Quinha...Houve de tudo: churrasco, música (não sódo aparelho de som, mas também atravésdo meu violão) ... Nesse dia, acho quetodas as filhas do Gone cantaram comigo,e também a Cláudia, namorada do seuirmão Cláudio, hoje falecido, infelizmente.Antes do churrasco, o jogo de futebol.Nesse campo que vocês, leitores, vêem nafoto acima.

Pequeno, mas gramado... Vocês

não vêem, mas, ao lado direito, muitasbananeiras. Ao esquerdo, um imensobambuzal que projetava sombra sobre ogramado e canalizava um ventinhodelicioso, trazendo um frescor que aliviavao calor do jogo e dos participantes. Adisputa estava empolgante. Meuconcunhado, o Quinha, era o nossogoleiro. Eu e o Marcinho, seu filho, nalinha. Do outro lado o Roberto, genro doGone, que metia o pé pra caramba. Eu e omeu sobrinho deitamos e rolamos em cimadeles. E, num lance mais agudo e um tantoviolento sobre mim, ele (o Gone) berrou:- Futebol é pra homem... meu!

Um tanto receoso, em virtude dolance, pensei: Pô, já pensou quando elejogava pra valer... Depois, ao comentar olance com o Quinha, este foi taxativo.-O Gone nunca foi desleal... Sempre jogouduro, mas na bola... Agora, quandoqueriam fazer “gracinhas” diante dele...Entusiasmado, o Quinha me contou ahistória, primeiro do dono do sítio, ocidadão, João Cristiano, depois do dono dabola, para a família o Gone, para o mundodo futebol, o Cristiano.

No primeiro dia do ano de 1932, naFazenda Poty, em Sertãozinho, Estado deSão Paulo, nascia o segundo filho do casalGeraldo Cristiano e Justina Bachega.Cristiano, o primeiro; a Ziza; a terceira aAmélia; o quarto o meu cunhado Quinha;o quinto o Cláudio; a sexta, a caçulaCleide, hoje esposa de um corintianíssimoamigo, o Toninho. Uma família da qualtenho boas recordações, menos da Ziza,que realmente não conheci.

Esportes PAULINHO DA VILLA (* )

Memórias do nossofutebol

RRSítio do João

Cristiano

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Eles vieram, por volta de1942/43, para a Vila Alpina,Bairro de São Paulo, vizinho deSão Caetano, e fixaram residênciana Rua Ilha Seca. Alguns anosdepois se mudaram para a VilaGerti, para a Rua dos Meninos.

Aqui, “seu” Geraldo, que gostava de jogartruco, percebeu que seu segundo filho, oJoão Cristiano, fumava escondido, aos 20anos de idade. Isso revelava que, sob umespírito rebelde como o dele, até hojeainda havia um certo respeito pelaeducação tradicional. Educação esta que,mesmo que não quisesse, passaria a seusfilhos.

Esse o homem que conheceu, naTecelagem Samara, no Jardim Samara,Zona Leste de São Paulo, (firma na qualera contra-mestre ), uma linda moça: alta,bonita, simpática, olhos azuis, como ele:a Helena Perez. Foi um namoro tranqüiloque se transformou num noivado e que,em 24 de dezembro de 1955,transformou-se em casamento. Com este,os frutos: o Sidney, único varão, e asfilhas Ivani, Nanci, Roseli e Gisleni.Todos os nomes terminavam em “i”... Porquê? Não sei, esqueci de perguntar.

João Cristiano, o irmão mais velhodo Quinha... Sempre se deram bem, tantoque juntos já viajaram muito. E aí estãoeles, nesta foto, em Goiás, nada mais,nada menos que no Serra Dourada, umdos mais badalados estádios de futebol dopaís. Um campo que nada tem a ver comaqueles em que o João Cristiano jogou,

em sua época de ouro, aqui, em SãoCaetano do Sul. E é deste jogador defutebol que, agora, iremos falar.

Cristiano. Era assim, pelo seusobrenome, que o já nosso Gone, carosleitores, era conhecido no futebol de nossavárzea. Vocês viram, na foto anterior, ele eo Quinha no majestoso Serra Dourada, emGoiás. Pois bem! Os campos em que noseu tempo jogou não tinham nada de Serra

Dourada. Como já dissemos, eram, sim,campos abertos (serras sim, mas nãodouradas) através do trabalho doscomponentes do time.

Assim eram os campinhos defutebol das peladas, e também o do XV deNovembro da Vila Alpina, primeira equipepela qual ele jogou. De lá, a família veiopara a Vila Gerti. Ele, então, começou ajogar no Estrela, que felizmente nãoconheci. Com ele, segundo o Quinha,nomes famosos na época: Walter, Lonha,Argemiro, Abílio... E a foto acima foitirada num campo, aqui na Vila Gerti,situado na Rua Nelly Pellegrino.

De manhã, era do Estrela; à tarde,do Santa Helena, time em que ele tambémjogou. De um lado, uma casa cuja donaxingava todo mundo, porque a bola batiana parede de trás, deixando-acompletamente suja; do outro, o nãopobre, mas paupérrimo, vestiário onde osatletas se trocavam.

Mas, sobre a carreira dele, nem oquestionei muito. Deixei com o Quinha apalavra e este soltou o verbo...- O Gone... nem te conto... aprontoudemais.- Sério... Quinha! Me conta...

Pensou bastante e lembrou-se.- O Bar do Serafim... que, alguns anosdepois, seria dono de um supermercado.Ele era muito amigo do Cristiano (oJoão). Neste local, aconteciam as reuniõesdo Estrela, porque na verdade era a sededo clube; além disso, havia inúmerosjogos, como bilhar, pebolim, carteado ...Neste último, geralmente, os jogadores“passavam a noite”. Acho que era a“concentração” dos craques do Estrela.- E o Estrela, Quinha?- Ah! Na época era considerado o melhortime de São Caetano... E muitos eram osrivais: Guarani, Santa Helena, Vitória...Aliás, uma das maiores atuações do Gonefoi num festival, contra o Vitória. Oprefeito Samuel Massei, não só doou um

João Cristiano.Personalíssimo,um ar um tantoirreverente, comas mãos paratrás, num gestoque revelacomando.

João Cristiano,com as mãos paratrás, numa pose dexerife, (pose quesempre ostentoucomo jogador defutebol), e seuirmão Quinha -irmão e maior fã

Acervo:Paulinho Villa

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jogo de camisa e os troféus, como deu opontapé inicial... Ele (o Gone) foi um dosmelhores em campo... Fez o gol da vitória,de cabeça, em cima do Abílio, central doVitória, (que jogou no Corinthians), numcruzamento do nº 11 Calói.- Pô... Quinha, que rivalidade, observei.- É... Num outro Estrela x Vitória, a brigafoi feia... As torcidas desmontaram a cercaque circundava e separava a casa... docampo de futebol..., e os torcedoresusaram as ripas... como armas... O Gonedeu uma sova no Barba Azul... - Barba Azul, Quinha... Quem é? –perguntei.- Você não conhece? É o irmão da Geny...,amiga da Marisa... E, se você quer saber,... prima do Arizão.- Do Arizão? – perguntei, perplexo. DoArizão? – repeti.- Do Arizão..., meu amigo de infância...- E meu também, Quinha! Dos tempos emque joguei no Bonsucesso.

- E... Haja recordações... ! Eu... e oQuinha... Questionei novamente:- Quinha... e o festival, no campo daSociedade Amigos da Vila Gerti, na épocaem frente da hoje Sabesp, lá na Rua BoaVista?- Você sabe... - e deu uma risadinha, dequem detém a resposta - os festivais daépoca eram assim. O dia inteiro todos osconvidados jogavam, uns contra os outros,de acordo com o regulamento. O vencedor,o melhor de todos os festeiros, (como eramdenominados os times convidados),jogava contra o idealizador do festival ...E o Estrela, nesse dia, ganhou o direito dedisputar, contra o dono da festa, a taça devencedor... Bem disputado o jogo... Mas,com uma porrada que o Gone levou,possivelmente do Cacetão (irmão deMirão e do Meia-Noite), o Estrelaperdeu... Com a ausência dele (Gone).- É, Quinha, percebe-se que, se tivesse tidocondições, o João Cristiano, o Gone, teriasido profissional.

- Com certeza, respondeu. Tantoque treinou no Corinthians e noJuventus, na tentativa de seprofissionalizar.- E... aí, como foi, Quinha? -perguntei.-Tanto no Corinthians como no Juventusele foi aprovado, mas precisava trabalhar,para ajudar no sustento da família... E daínão adiantou o Rato, treinador doCorinthians na época, tê-lo convidadopara voltar... Nem ele ter praticamentedado um nó no Bonfiglio, no treino doJuventus, fazendo dois gols em cima dele.- O homem era fera! Mas, para encerrar,conte o episódio Priminho/Wilsinho/Gone...- O Wilsinho você conheceu. Jogava noIpiranguinha da Vila Paula. O Priminhoera “olheiro” do Sport Club CorinthiansPaulista. Havia uma certa pressão paraque o Priminho levasse o Wilsinho para oTimão, mas ele não gostava do Wilsinho...Achava-o fraquinho.- E daí, Quinha? – questionei, curioso.- No domingo, o Estrela enfrentaria oIpiranguinha. O Priminho, muitomatreiro, chamou de lado o Gone eordenou: “Não deixa o cara pegar nabola!”. No primeiro lance, o Gone chegou“junto”, e o Wilsinho fugiu da raia. Nessedia ele perdeu a oportunidade de ir para oCorinthians... E justificou a opinião doPriminho.

Como vimos, leitores, o Gone,irmão do meu concunhado, o Quinha, temhistórias. Estas são algumas. Asmuitíssimas outras que possui ele asguarda para si mesmo. Tanto que selembrou desse time da foto acima, no qualjogou. Ele é o primeiro, em pé, nodestaque, da esquerda para a direita(notem o ar de liderança expresso pelamão na cintura).

(*) Paulinho da Villa é professor aposentado da redemunicipal e estadual de São Paulo

Acervo:Paulinho Villa

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Giuseppe Pietro Lorenzini:“In weiter ferne, so nah!”

In weiter ferne, so nah! (Demaisdistante, tão perto!) é o título do filme doalemão Wim Wenders, realizado em 1993e que teve sucesso nos Estados Unidoscom o título Faraway, so Close (Tãolonge e tão perto).

Nesse filme existe o anjo-signoque é capaz de aproximar os distantes.Aqui neste artigo temos as fotos queparecem repetir o que os anjos dizemnaquele filme: Somos os mensageiros queaproximam os que estão distantes. E defato acredito que as fotos abaixo exibidasnos aproximam dos distantes, como umaapresentação para muitos e como umagrata lembrança para outros. Elas não sãoapenas um meio privilegiado de acesso aoreal, mas também de acesso ao tempo.

Conforme ensina PauloMenezes[1]: A foto assume aqui não seulugar como representação, mas seu papelmágico como re-presentificação ao noscolocar em presença de algo já distante,no tempo e no espaço.

Vamos privilegiar neste artigo asfotos, mas acredito que o texto

(comentários sobre as fotos) vai ser útilpor trazer novas informações sobre opassado dos nossos antepassados e denossa cidade.COMENTÁRIOS - Para Ernest H.Gombrich[2]: A foto não é uma réplicasimples da realidade em questão, mas simuma transformação visual que deve sernovamente interpretada pelo observadora fim de assegurar a informaçãonecessária.FOTO 1 – Acredito que esta foto seja apièce de résistance de nosso artigo, poisapresenta pela primeira vez ao público - ea muitos familiares - Giacomo Lorenzini,O Patriarca dos Lorenzini. (Como dizKandinsky em Sonoridades: Daher fängtauch alles an - É a partir daí que tudocomeça.) Giacomo nasceu na Itália, naProvíncia de Treviso, em 1839. Chegouao Brasil pelo Porto de Santos, no navioAdria, em 11 de abril de 1891. Tinha naocasião 52 anos e era casado com SarahGaratti, nascida na Itália em 1853.Acompanhavam o casal os filhos:Giuseppe Pietro (nascido aos 13 minutos

A história é um grande presente e não somente um passado.Émile Chartier (Alain)

As águas verdes da memória, onde tudo cai. É necessário remexer. Algumas coisas tornam a subir à superfície.

Jules Renard

Foto 1

Memória Fotográfica MÁRIO DEL REY (*)

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de 11 de setembro de 1874 e falecido emtrês de novembro de 1935); PietroGiuseppe (nascido em sete de setembro de1878 e falecido em 30 de dezembro de1968); Massimiliano (Maximiliano:nascido em 18 de julho de 1882 e falecidoem 21 de julho de 1948); Napoleone(nascido em 1884 – falecido criança em188?) e Giuseppe (nascido em 1886 –falecido criança em 188?).

É interessante citar que existemvárias famílias na Itália com o sobrenomeLorenzini. Sem dúvida alguma, oLorenzini mais famoso da história é oescritor Carlo Lorenzini, conhecido pelopseudônimo de Carlo Collodi, autor d’Asaventuras de Pinocchio (o boneco/meninoque quando mentia tinha seu narizaumentado). Carlo Lorenzini nasceu emFirenze, em 24 de novembro de 1826, etinha o pseudônimo de Collodi emhomenagem à cidade natural de seus pais.FOTO 2 – Giuseppe Pietro Lorenzini(também conhecido como José PedroLorenzini ou Pedro Lorenzini) e SantaLeoni Lorenzini em 1899. Eles se casaramem 29 de abril de 1899. José Pedro nasceuna Itália, região do Veneto, na Provínciade Treviso, região Vittoriese, na Comunade Colle Umberto, próxima da cidade deVittorio Veneto (originária da união dasantigas Ceneda e Serravalle, que jáexistiam na época romana). O pai de SantaLeoni Lorenzini era habitante de VittorioVeneto e veio em 1877 para São Caetanodo Sul (na primeira leva de imigrantes,sendo considerado um dos “fundadores”da nossa cidade). A forte influência deGiuseppe (meu nonno, avô) sobre osfamiliares chegou a marcar ocomportamento do autor, tantas foram ashistórias ouvidas a seu respeito.

Apesar de o autor ter nascido dezanos após o falecimento de José Pedro, oscostumes, a moral do antepassado semprelhe vêm à mente. Vieram-lhe à mente,inclusive, no momento em que escrevia

este artigo, fazendo com quese lembrasse da poesia dofilósofo norte-americanoGeorge Boas:

Beside me while Islept, has walked behind

Me like my shadow,silent when I would

Some warning voicemight speak. He is not kind,

No, nor unkind, sim-ply a presence standing

C o n g e a l e a d ,unspeaking, dead-and yetdemanding.

Ao meu lado enquanto durmocaminha atrásDe mim, como minha sombra,

silencioso quando eu desejoQue fale alguma voz admonitória.

Não é bomNem mau, só uma presençaCongelada, muda, morta, mas

exigente.

FOTO 3 – Eliseo Leoni e Maria Varoliem 1896. Estão presentes na foto os trêsfilhos: Bárbara (à esquerda), Santa eAndrea. Vide o artigo deste autor, EliseuLeoni(e), um dos primeiros imigrantesitalianos do Núcleo Colonial (Raízes nº23, julho de 2001). Aqui gostaria, numaespécie de fiat lux, de estender o assuntoda possível origem judaica dos Leoni,conforme tratei naquele artigo. O fato denomes bíblico-judaícos serem usados nafamília - Jacob ou Sarah - não éconclusivo, uma vez que muitos cristãosusavam nomes bíblicos. Recordando afrase dita por Sherlock Holmes ao Dr.Watson - Você não sabia para onde olhare, portanto, você perdeu tudo o que eraimportante - e aprofundando a pesquisasobre a família, descobri que o nomeJacob era utilizado na Itália só por pessoas

Foto 2

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de origemj u d a i c a .A s s i mtemos, pore x e m p l o :Jacob DanielOlmo, Estherben JacobMontalcino,Jacob Bonfil,Jacob Calo,Jacob Binfil,Jacob Hai

Gentile etc.O nome Jacob também era

utilizado por pessoas de língua alemã.Pode-se citar, por exemplo, o historiadorsuíço Jacob Burckhardt. Na Itália,contudo, o nome equivalente a Jacobutilizado pelos não judeus era Jacobo ouIacobo. Raramente encontramos Jacopo,Giacobbe ou Jacobi, mas não Jacob! Nospaíses de língua inglesa o nome Jacob foimudado pelos judeus para Jackson.

Da mesma forma o nome Sarahnão era utilizado por não judeus na Itália.O nome utilizado normalmente era Sara(sem o h). Como exemplo de Sarah deorigem judaica podemos citar SarahClava.

Indícios da possível origemjudaica dos Leoni e de outras famílias daProvíncia de Treviso, da cidade deVittorio Veneto e de outras pequenascidades vizinhas encontramos no fato deque nessa região Vittoriese,diferentemente do que ocorria na Itália emgeral, (onde existiam poucos ghettosjudaicos), havia pelo menos dois ghettosjudaicos: um na antiga Ceneda (que hojefaz parte da cidade de Vittorio Veneto) eoutro em Conegliano (também bempróxima de Vittorio Veneto). Às vezes asfamílias judaicas adotavam o nome dacidade onde haviam nascido, e assimencontramos: Sansone Cenede, SalomonConegliano (1660). Em Ceneda, no ano

de 1619, moravam um Joel e uma RachelConegliano.

Pesquisando na minhaEnciclopédia Judaica e navegando porsites da Internet descobri que o antigonome de Judah deu origem aos nomes dasfamílias judaicas Leon, Leoni, Lyon eLionel. Já em 1200, na Espanha, Mosesben Shem Tov Leoni escrevia tratadoskabalísticos (sobre a cabala, ou melhor, akabalá). Existe na coleção de Cecil Toth(University of Leeds, 1997) um livro de1600 sobre poemas e hinos que devem serlidos no momento de uma circuncisão.Ele foi escrito por Israel Mondolfo, emPesaro, Itália. Nele consta, numa daspáginas, que esses hinos eram executadospor Moses Leoni, Samuel Altaras eoutros.

Encontramos na Itália um Mosesben (que significa filho de) Isaac Leoninascido em 30 de novembro de 1566 efalecido em 1641. Myer Lyon (tambémchamado Leoni), falecido em 1796, eracantor na Grande Sinagoga de Londres.

Parece a este autor que, além dasdificuldades financeiras por que passavamalguns habitantes da região Vittoriese, em1876, havia ainda outro motivo queincentivava a emigração: era o livrar-sedo estigma de cristãos de sangue hebreu.Aqui é interessante ressaltar que SarahGaratti, esposa do patriarca GiacomoLorenzini, passou, depois de vir morar noBrasil, a utilizar o nome de Chiara, nolugar de Sarah. Outro fato, que nossoquerido ex-prefeito Walter Braido deveignorar e que demonstra essa possívelorigem judaica de várias famílias antigasde São Caetano do Sul, é que descobri quea família Braido tem origem judaica,sendo que durante a Segunda GuerraMundial alguns membros dessa famíliaforam levados pelos nazistas para umcampo de concentração na Alemanha.Além do sobrenome Braido, a avó deWalter chamava-se Ágata Coan (um

Foto 3

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nome certamente judaico). Entãopodemos concluir que os Braido tinhamessa origem. E, com todos os indícios quejá descobri, também é praticamente certoque os Leoni e outros imigrantes tenhamessa origem judaica. Pode ser que paraalguns esse fato não agrade, mas para esteautor que admira a cultura judaica, suaescrita, a Tora, a Kaballah e nomes comoSigmund Freud, Alfred Adler, TheodorW. Adorno, Walter Benjamin, HannahArendt, Saul Bellow, Bernard Berenson,Sir Isaiah Berlin, Leonard Bernstein,Bruno Bettelheim, Harold Bloom, MartinBuber, Marc Segal, Jacques Derrida,Émile Durkheim, Albert Einstein, SergeiM. Eisenstein, Max Factor, GeorgeGershwin, Allen Ginsberg, Marc Bloch,Carlo Ginzburg, Samuel Goldwyn, MeyerGuggenheim, Eugéne Ionesco, HowardJacobson, Franz Kafka, Vladmir IlyichLênin, Arthur Miller, Helena Rubinstein,Leon Trotsky, só para citar alguns nomesdo século XX, é motivo de orgulho.

Ainda com relação à cidade deVittorio Veneto, na parte da antigaCeneda existe uma Via F. Marinotti , oque significa que lá existia umantepassado do meu finado sogro,Francisco Marinotti (antigo proprietárioda Cerâmica Marinotti e antigo jogador etécnico do São Caetano Esporte Clube).

Neste momento vem a idéia da origemdessa família tradicional de nossa cidade eda qual tenho dois filhos descendentes:Daniel e Laura. Há algum tempo haviadescoberto uma família de origem alemã,de sobrenome Marenholtz, que teria vindopara a Itália e mudado o seu nome paraMarinotti. Agora, com essa ligação comCeneda e Vittorio, fica a mesma perguntafeita com relação aos demais imigrantesque vieram para São Caetano do Sul: quala verdadeira origem da família?

Para terminar o assunto VittorioVeneto, devo mencionar o seu filho maisilustre: Lorenzo Da Ponte, nascido em dezde março de 1749, no ghetto de Ceneda,com o nome de Emiliano Conegliano.Quando tinha 14 anos, em 24 de agosto de1763, durante a festa de São Bartolomeufoi convertido ao catolicismo juntamentecom seu pai, Geremia, e seus irmãos,Baruch e Anania. A partir dessa data,mudou seu nome para Lorenzo Da Ponte(nome do bispo local). Ficou famoso porter sido o autor de alguns libretos dealgumas das óperas de WolfgangAmadeus Mozart e porque, mais tarde,morando nos Estados Unidos, foiprofessor na Columbia University eintroduziu Dante Alighieri naquele país.

José Pedro Lorenzini e Santa Leoni Lorenzini em 1916.

Sforza animosamente il tuo destino.E i lacci rompi, e poi leggiadra e cioltaDirizza i tuoi passi a piu sicur cammino.(Ite, pensier fallaci e vana spene – Veronica Franco)

[Força com alento o teu destino.E os laços rompe, e depois graciosa e livrementeDirige os teus passos para mais seguro caminho

(Ide, pensamentos ilusórios e vã esperança – Veronica Franco)]

Na foto estão sete dos oito filhos (só falta Olga Maria, que nasceuem 22 de fevereiro de 1922). Os filhos são, da esquerda para adireita: Zulmira (Argemira), Henrique Mario, Jacob Elyseu, AndréArthemio, Palmira, Ida e Eduardo.

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A irmã de Santa, BárbaraLeoni, com seu maridoDesire Malateaux (sic).Bárbara nasceu em 12 dejunho de 1879 e faleceu em20 de outubro de 1958.Desire Malateaux nasceuem 21 de julho de 1879 efaleceu em 18 de março de1961.

Pedro José Lorenzini (irmão de José Pedro) com suaesposa, Josephina Moretti. Ele nasceu em sete de setembrode 1878 e faleceu em 30 de dezembro de 1968. Josephinanasceu em 24 de setembro de 1889 e faleceu em 30 dedezembro de 1967. O casal teve 11 filhos: Jacob JoãoLorenzini, Santina, Maria, Tereza, Hugo, Frugoli, Celestina,Escolástica, Edna, Joaninha e Anacleto.

José Pedro Lorenzini e Santa LeoniLorenzini, em 1933, com a filha caçula, Olga Maria Lorenzini Del Rey.Olga nasceu em 22 de fevereiro de1922 e faleceu em quatro de novembro de 1984.

Relembrai vossa origem, vossaessência.Dante Alighieri (Divina Comédia)

A ruminação do olhar. O sobrado (palazzoto) da família Lorenzini em 1926.Ficava na Travessa São José (atual Rua Perrella) nº 25, perto da esquina com

a Rua São Caetano (atual Av. Conde Francisco Matarazzo), defronte daEstação de Trem de São Caetano do Sul. No fundo havia um quintal enormecom muitas árvores frutíferas. Existiam também parreiras com cujos frutos a

família fazia vinho.O autor nasceu nesse sobrado aos 15 minutos do dia 20 de

fevereiro de 1945. Boa parte de sua infância viveu ali e do local guarda algumas recordações. Nos dois lados do portão, no alto, ficavam dois leões de

pedra, que eram o símbolo dos Leoni. A residência era ladeada por enormeshortênsias que deixavam o ambiente com um perfume típico. A bomba de

água que fornecia o precioso líquido era de cor vermelha, funcionava manualmente e ficava no quintal do sobrado. Todo final de semana a família

se reunia em torno da “Santa” para jogar baralho (ela adorava isso). Nos diasde festa a família costumava tocar e cantar músicas italianas. Nas festas

juninas havia fogueira, queima de fogos e balões. No carnaval havia guerra deconfetes e lança-perfumes. Quanto ao futebol, havia certa rivalidade entre osfamiliares: a maioria era palmeirense (incluindo a nonna, a avó Santa), havia

dois tios são-paulinos e meu pai e o tio João eram corinthianos. Mais duasrecordações não tão agradáveis vêm à memória: o barulho dos trens e da

estação que ficava na frente do sobrado e o ponto de carroças de aluguel quetambém ficava bem próximo, com suas inconveniências: estrumes e moscas

Travessa S. José (atual Rua Perrella) vistapróxima do portão do sobrado.A aproximadamente 60 metros ficava a propriedade dos primos Leoni (prédio à esquerda). Lá funcionava a “padaria dos Leoni”.

Em 1950, na Travessa S. José, João LopesSanches (marido de Palmira Lorenzini Lopes). Eleestá na sua “possante máquina italiana”, diante doportão do sobrado. Ao fundo, a linha de trem que

ficava em frente do sobrado (só havia uma cerca dearame separando os trilhos da rua e, uma vez,

brincando no local, o autor cortou a perna nessearame farpado e levou dez pontos de sutura no

pronto-socorro local, que ficava na Rua Baraldi).

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Jacob Elyseu Lorenzini com o pai (José Pedro)em 1934. Elyseu teve durante muitos anos um

armazém de secos e molhados na Rua ManoelCoelho. O autor lembra-se do seu tio brincando,

dizendo que toda a colônia judaica compravano seu armazém e o chamava de patrício, por

causa de seu nome Jacob e de sua aparência.Pelas últimas pesquisas sobre a família, achoque eles não estavam muito errados! Elyseu

era o tio com o qual o autor tinha maioramizade e do qual sempre se lembra pelas

suas gentilezas e bom humor.

Olga Lorenzini Del Rey (à moda Charleston) com Santa LeoniLorenzini em 1928. Como filha caçula, Olguinha era paparicada

pelos familiares e estava sempre vestida na moda. Andava sempreatrás das saias da mãe (sempre attacata alle gonne della ...).

O autor, como filho da caçulinha, era sempre chamado pela nonna,no dialeto Veneto: Caro mi putin (Meu querido menininho).

MammaVorrei poter cangiar vita com vita,Darle tutto il vigor degli anni miei,

Veder me Vecchio, e leiDal sacrificio mio ringiovanita”.

(Edmond De Amicis – A mia madre).

[MamãeGostaria eu de poder trocar vida com vida,

Dar-te todo o vigor dos anos meus,Ver-me velho e ver-te,

Pelo sacrifício meu, rejuvenescida.(Edmond De Amicis – Para minha mãe)]

O vice-prefeito de SãoCaetano do Sul,Giacomo Lorenzini, em1956. Ele nasceu emsete de setembro de1904 e faleceu em 16de abril de 1988. Eleera filho de PedroJosé Lorenzini eJosephina Moretti. Foicasado com AssumptaMaria Tegon Lorenzini.O casal teve três filhos: Hélcio José,José João e MariaTereza. Parece quetodos os Lorenzini tinham uma grandepaixão pelo nomeJosé!Giacomo foi diretor-presidente daCasa Bancária S.Caetano do Sul S/A.Foi vereador naprimeira legislatura dacidade e seu vice-prefeito.

Massimiliano(Maximiliano)Lorenzini, irmão maisnovo de Pedro José.Nasceu em primeirode julho de 1882, emVittorio Veneto, e faleceu nesta cidade(São Caetano do Sul),em 21 de julho de1948. Foi pioneiro na construção de cinemas nesta cidade(Cine Central, CineMax, Cine Primax eCine Urca). Casou-secom Maria Garbelotto.O casal teve seisfilhos: HermírioJacobb, Gentil, Ricieri,Mafalda, Anésia Clarae Guiomar.

Ricieri Lorenzini, sobrinho de José Pedro.Nasceu em 13 de janeiro de 1910 e faleceu em 20 de março de 1960. Ele participou, em 30 de abril de 1940, daprimeira iniciação maçônica nesta cidade.A cerimônia foi realizada no Templo daFraternidade São Caetano. Na ocasião, elefoi feito aprendiz maçom, juntamente comBenito Campoi.Ricieri casou-se com Victoria EscanõLorenzini e com ela teve quatrofilhos: Aldo, Décio Maximiliano, Walter eMarilena.

Eduardo Lorenzini com a esposa,Maria do Carmo Lorenzini, em 19 demarço de 1952. O vereador JorgeSalgado é filho de Edith Lorenzini eneto de Eduardo e Maria. O casalteve três filhos: Pedro, Eduardo eEdith. Maria do Carmo Lorenzininasceu em 25 de novembro de1909 e faleceu em 25 de novembrode 1955. O autor tinha dez anosquando a tia Maria faleceu, mas serecorda de toda a ajuda médica queseu pai e o genro dela, o vereadorOswaldo Salgado, procuraramdurante meses na tentativa desalvá-la. Eduardo, da mesma formaque o irmão Henrique, foi campeãopaulista de futebol pelo SãoCaetano Esporte Clube.

A família junto ao primeiro piano em 1950. Estãona foto, da esquerda para a direita: Zulmira

Lorenzini, Maria Aparecida Lopes Perrella, SantaLeoni, Maria Helena Del Rey, João Alberto Lopes

Sanches e Palmira Lorenzini Lopes. A Olga e aPalmira tocavam piano, sendo que a Palmira

dava aulas de piano. Pela influência do períodofascista na Itália, a família às vezes cantava a

Giovenezza, acompanhada no piano pelaPalmira (o autor foi presenteado pela tia com

uma partitura antiga). Segundo contava Palmira,ela chegou a tocar piano no Cine Central,

acompanhando os filmes mudos. Dizia que haviaum intervalo no qual jogavam água na tela

porque ela ficava superaquecida.

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Henrique MarioLorenzini. Presençaafirmando a ausência...Ausência afirmando apresença. Nasceu em26 de maio de 1902 efaleceu em 17 de abrilde 1985. Ele foicampeão de futebol dointerior paulista peloSão Caetano EsporteClube em março de1929. Também foi presidente do SãoCaetano Esporte Clube.

André Arthemio Lorenziniem 1931. Ao lado as filhas,

Odete Lorenzini Bettini eLourdes Lorenzini Braido (ouElza?). Arthemio nasceu em

18 de fevereiro de 1900 efaleceu em 15 de dezembrode 1984. Foi um dos líderes

do comércio de materiaispara a construção, junta-

mente com seu genro RenzoBettini e seu neto, CésarBettini Lorenzini (queridoprimo e “irmão” do autor,falecido recentemente).

Mortalem vitam mors cumimmortalis ademit [Esta vida

mortal a morte imortal adestruiu – (sic)]. Lucrécio –De rerum natura (Sobre a

natureza das coisas) – I.A.C.

Henrique Lorenzini presidindo reunião doPartido Republicano.Henrique era um excelentejogador de bocha, e o autorsempre tem na memória as maravilhosas partidas quedisputaram juntos. (Pareceque o primo HenriqueLorenzini Filho também éum ótimo jogador debocha). Em 1998 o autorjogou pela seleção cariocade bocha de rafa e obteveo terceiro lugar no campeonato brasileironessa modalidade. O gostopor este esporte pareceque está no sangue dosLorenzini. O nonno (avô)do autor, Pedro JoséLorenzini, jogava uma partida de bocha em trêsde novembro de 1935quando teve um derramecerebral, vindo a falecernaquela data.

Rosa FiorottiLorenzini, casadacom Henrique MarioLorenzini em 28 denovembro de 1926.Nasceu em dois defevereiro de 1904 efaleceu em oito desetembro de 1980.Teve três filhos comHenrique: Celso,Clara e HenriqueFilho.

Arthemio Lorenzini visitando em1954 a biblioteca do cunhadoIgnácio. Arthemio foi vereador

por São Bernardo (naquelaépoca São Caetano pertencia a

São Bernardo) entre 1936 e1937. Foi também presidente da

Associação Comercial eIndustrial de São Caetano.

Concurso da mais belavoz de São Caetano em1960. Da direita para aesquerda: o prefeito,Oswaldo Samuel Massei;o vencedor do concurso;Olga Lorenzini Del Rey;Ignácio Del Rey; vereadorOdilon de Souza Mello.

Reunião com a nonna (avó) em1948. Da esquerda para a direita:Ignácio, Mario, Maria Helena,Olga, Zulmira e Santa. Ignácio eOlga casaram-se em 28 de outubro de 1939 (perto do inícioda Segunda Guerra Mundial).Ignácio nasceu em 20 de setem-bro de 1913 e faleceu em sete dejaneiro de 1969. Olga nasceu em22 de fevereiro de 1922 e faleceuem quatro de novembro de 1984.Zulmira Lorenzini,

Nicolino Pucetti eOlga Lorenzini DelRey. Nicolino eracasado com a primaNezia LorenziniPucetti e foi presi-dente do HospitalSão Caetano e con-strutor de sucesso nacidade.

Padre Olavo, Grão-Mestre JoséTrevisan, Ignácio Del Rey e OlgaLorenzini Del Rey em 1965.

(*) Mario Del Rey, escritor, tradutor e pintor, é membro daUnião Brasileira de Escritores e do Conselho Editorial daRevista Raízes

BIBLIOGRAFIA

[1] – MENEZES, P. - A Trama das Imagens. SãoPaulo, Edusp, 1997.[2] – GOMBRICH, Ernest H.- Image and code:Scope and limits of conventionalism in pictorialrepresentation in image and code, org. STEINER,W. Michigan, University of Michigan, 1981.

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As impressões de quatroartistas sobre a cidade de SãoCaetano do Sul estiveram namostra Poéticidade, de 30 dejunho a três de setembro, naPinacoteca Municipal.

Artur Cole, EdsonBeaça, Flávio Camargo e José

Romero percorreram os espaços urbanos da regiãodurante três meses. Depois de avaliar aspectos como osignificado de São Caetano através da história,topografia, vias principais e seus limites, os artistasproduziram os desenhos e aquarelas presentes namostra. Segundo eles, tais desenhos e aquarelas servem

de instrumentos de interpretação e representação doacontecimento da imagem em São Caetano.

Neste mesmo período, a mostra de longaduração exibiu obras do acervo da Pinacoteca,produzidas nas décadas de 1960 e 1970, dos artistasBethe Giudice, Guima, Jandira Martini, João ParisiFilho, Lya Amaral Souza, Sergius Ederlyi e UbirajaraRibeiro.

As duas mostras permitiram ao visitante fazeruma análise comparativa entre os trabalhos produzidosna época da censura, tempos em que havia um severocontrole das manifestações artísticas e intelectuais, eobras feitas com total liberdade, tanto no processo deprodução quanto no de exposição.

O Museu HistóricoMunicipal conduziu seusvisitantes a uma volta pelasprofundezas da cidadeatravés da exposiçãoAcervo Arqueológico - Umpasseio pelo subsolo de SãoCaetano, que revelou omaterial encontrado nas

escavações realizadas no Bairro Fundação, dentro deum projeto da Fundação Pró-Memória em parceria como Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.

O projeto teve início nos primeiros anos dadécada de 1990 e consistiu na escavação de áreas

próximas da Paróquia São Caetano, principalmente noentroncamento das ruas 28 de Julho e MarianoPamplona. O objetivo era localizar os vestígios daFazenda São Caetano e da ocupação dos imigrantes, naépoca do Núcleo Colonial.

A escavação encontrou fragmentos de diversaspeças como telhas, materiais de construção, lajotas,ladrilhos de cerâmica, pregos, vidros e metais. Depoisde coletado e limpo, todo o material foi identificado enumerado, passando a formar o Inventário de Peças doMuseu Histórico Municipal. Peças originais efotografias do processo estiveram na exposição AcervoArqueológico, (14 de junho a 27 de agosto), quemostrou ainda uma réplica de um campo de escavação.

Registro PAULA FIOROTTI (*)

ExposiçõesAcervo Arqueológico -

Um passeio pelo subsolo de São Caetano

Poéticidade

Fotografias de famíliasoriundas de diferentes partes doBrasil e do mundo, queadotaram São Caetano do Sulcomo terra natal, estiveram na

exposição Quadros da vida sul-sancaetanense, queficou em cartaz no Salão de Exposições I, da FundaçãoPró-Memória, de 26 de julho a 30 de setembro.

Através de 79 imagens de diferentes famílias, amostra prestou uma homenagem aos povos que

contribuíram para o desenvolvimento da cidade.Estiveram expostas fotografias dos primeirosimigrantes italianos que chegaram a São Caetano em1877, como a família Rossi, que apareceu em imagemde 1894 (a mais antiga da exposição), além de grupos deoutras nacionalidades que imigraram durante asprimeiras décadas do século XX. Os migrantes tambémestiveram presentes na mostra, como a família CunhaLeite, que chegou à cidade em 1939.

Quadros da vida sul-sancaetanense

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De 20 de setembro aquatro de novembro, aPinacoteca Municipal exibiu83 obras de 58 artistas plásticosda cidade, dentro da 2ªVITRINE – Mostra Coletiva deArtistas de São Caetano do Sul.

A segunda edição do projeto foi uma parceria entre aFundação Pró-Memória e a Diretoria de Cultura.

Tendo como objetivo o conhecimento e adivulgação da produção artística da cidade, além derevelar novos talentos, a VITRINE movimentou o

cenário das artes plásticas no município. Foram 73artistas participantes, que inscreveram 189 obras, entrepinturas, esculturas, objetos e instalações.

A seleção dos trabalhos foi feita por umacomissão formada por Célio Rosa, artista plástico eprofessor da Faculdade Belas Artes, João Delijaicov,crítico, curador e coordenador do Espaço Henfil deDepartamento de Ações Culturais e da Pinacoteca deSão Bernardo do Campo, Marilúcia Botallo, mestra emArte Contemporânea pela ECA/USP, e Valdo Rechelo,coordenador da Escola de Artes Visuais da Fundaçãodas Artes de São Caetano do Sul.

Em comemoração aos 30 anosdos supermercados Carrefour noBrasil, a Fundação Pró-Memóriaexibiu, de 20 a 30 de setembro, a

mostra São Caetano por Waldomiro Chomem. A filialde São Caetano, que passou por uma reforma, foi palcoda exposição que conta com 30 imagens de paisagensurbanas das décadas de 1950 a 1960.

A mostra transportou o passado para o presente,produzindo uma história visual que enfoca o espaço

social em suas constantes transformações urbanas.Todas as obras fazem parte do acervo da Fundação eforam doadas pelo próprio Chomem. Encontramos nacoleção fotos do momento em que o trem chega àestação e das chaminés das fábricas exalando fumaça,numa imagem panorâmica da cidade.

Nascido em Curitiba, Waldomiro Chomemmudou-se para São Caetano quando tinha oito anos epermaneceu na cidade por mais 20. Atualmente, mora nacidade de Extrema, em Minas Gerais.

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Inaugurada no dia 12 deagosto, no Salão de Exposições II, amostra Astros e Estrelas em SãoCaetano apresentou 28 imagens queservem como registro das inúmeraspersonalidades do cenário artísticonacional que passaram pela cidadede São Caetano do Sul.

Entre o final da década de

1950 e meados dos anos 70, a Rádio Cacique, cujosestúdios situavam-se na Rua Santa Catarina, foi umadas grandes responsáveis pela vinda de artistasconsagrados a São Caetano. Figuras famosas natelevisão, rádio e cinema eram presença garantida noseventos realizados. Outros destaques desta época foramos programas e shows que mobilizaram a populaçãosul-sancaetanense ao longo das atividades da emissora.

De cinco desetembro a 26 denovembro, o MuseuMunicipal apresentoua exposiçãoBonifácio deCarvalho – Ano 55. Amemória de umaescola, em

homenagem ao aniversário de 55 anos da EscolaEstadual Coronel Bonifácio de Carvalho.

A exposição contou a história da escola desde aépoca de sua fundação, em primeiro de março de 1950.Estiveram expostas mais de 50 fotos, em tamanhonatural e ampliadas, além de flâmulas e jornais queforam elaborados pelos próprios alunos na época emque estudaram no colégio. Também foi homenageadona exposição o primeiro diretor da escola, o professorJosé Teixeira Gonçalves. O visitante conheceu, atravésde fotografias, os primeiros funcionários e professoresda instituição, bem como viu de perto antigos boletins ehistóricos escolares.

Astros e Estrelas em São Caetano

Bonifácio de Carvalho – Ano 55. A memória de uma escola

2ª VITRINE - Mostra Coletiva de Artistas de São Caetano

São Caetano, por Waldomiro Chomem

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A Fundação Pró-Memória expôs, de 15 deoutubro a dois de dezembro, no Salão de Exposições II,a mostra Fé Bahá’i - 50 anos em São Caetano do Sul,em comemoração aos 50 anos da instalação, em SãoCaetano, da mais jovem das religiões mundiaisindependentes.

A exposição apresentou um acervo de imagense toda a filosofia criada por Bahá’ulláh (1817 – 1892),

fundador da religião, além deseus seguidores presentes nacidade. A Fé Bahá’i foi trazidapara São Caetano porAbdulláh Sahihi e sua famíliaem 1955. Mais tarde, outrasfamílias também seestabeleceram na cidade.

Fé Bahá’i - 50 anos em São Caetano do Sul

No dia 22 de julho de 1975, nas páginas dojornal Diário do Grande ABC, era publicada a primeiratira do personagem Cubinho, de autoria de MárioMastrotti. Desde então, foram diversos outrospersonagens, publicados em várias páginas. Paracomemorar os 30 anos de publicações do cartunista deSão Caetano, a Fundação Pró-Memória preparou aexposição Mastrotti: três décadas de traço, que ficou

em cartaz no Salão de Exposições I de 17 de outubroa 17 de novembro.

A mostra fez uma ampla apresentação docartunista, que atualmente é também professoruniversitário e editor. Divididos por décadas (1975-1985, 1985-1995 e 1995-2005), painéis apresentam

reproduções de tiras, quadrinhos institucionais,ilustrações de seus livros, charges, cartuns e caricaturaspremiados nacional e internacionalmente.

Mastrotti já publicou seus trabalhos em mais de30 jornais do Brasil e editou livros de mais de 80 autoresde todo país. Suas participações em salões de humor járenderam premiações no Brasil, na Síria e no Irã.

Mastrotti: três décadas de traço

Ateliê Calcográfico Iole – 25 anos: uma coleção

Desde o dia oito de novembro, a exposiçãoAteliê Calcográfico Iole – 25 anos: uma coleção é aatração da Pinacoteca Municipal. Integrando aprogramação da 3ª Bienal de Gravura de Santo André,a mostra apresenta uma verdadeira retrospectiva daprodução do ateliê da artista italiana, com 91 obras.Trabalhos de seus alunos, gravuras de artistas quevisitaram o local e algumas aquisições também fazemparte da exposição, que ficará em cartaz até o dia setede fevereiro de 2006. Destaques para gravuras deRenoir, Babinsky, Marcelo Grassman, Lívio Abramo,Evandro Carlos Jardim, Carlos Oswald e NereoTedeschi.

A gravadora, aquarelista, desenhista e escultoraIole Di Natale chegou a São Paulo, vinda da Itália, em1949. Licenciada em Desenho e Artes Plásticas pelaFaculdade Santa Marcelina, freqüentou o curso de

xilogravura da Escola Belas Artes de São Paulo ecursou calcografia e xilogravura com Evandro CarlosJardim. Estudou escultura com José Van Acker. Suaformação artística ainda conta com curso de gravuracalcográfica na Calcografia Nazionale (Itália) e cursode caligrafia chinesa, com o mestre Shinshu Goto.

De 1969 a 2001, Iole foi professora daFaculdade Santa Marcelina e ministrou aulas deExpressão em Superfície, Movimento e Volume (1969a 1981), Técnicas de Gravura e História da Gravura(1976 a 1984) e Aquarela (1984 a 2001).

Já expôs em São Paulo, no Rio de Janeiro e noNordeste. No exterior, seus trabalhos foram vistos empaíses como Itália, Egito, Paraguai, Iugoslávia, México,Alemanha, Hungria, França e Holanda. Desde 1980,mantém o Ateliê Calcográfico Iole para cursos degravura.

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A Pinacoteca de São Caetanopromoveu, no dia 20 de outubro,um encontro entre os artistasparticipantes da 2ª VITRINE –Mostra Coletiva de Artistas deSão Caetano do Sul, e Valdo

Rechelo, artista plástico, coordenador da Escola deArtes Visuais da Fundação das Artes de São Caetano doSul e um dos membros da comissão que efetuou a

seleção das obras que integraram a exposição. A reunião aconteceu no próprio espaço

expositivo da Pinacoteca e permitiu que os 32 artistaspresentes ficassem próximos de suas obras. Osobjetivos foram promover a integração entre osprofissionais e demonstrar, de forma clara, como sedesenvolvem os trabalhos da Pinacoteca, suas intençõese projetos, além de permitir que todos soubessem quaishaviam sido os critérios de seleção da 2ª VITRINE.

No dia 24 de outubro,São Caetano do Sulcomemorou os 57 anos de suaautonomia política eadministrativa. Para celebrara data, a Fundação Pró-Memória participou da

Semana da Autonomia, com três eventos.

No dia 21 de outubro, o Museu abriu umaexposição especial sobre a autonomia. Durante um mês,a maior sala do local ficou repleta de fotografias,objetos e documentos que permitiram ao visitanteconhecer todo o processo que levou à emancipação dacidade. Entre os objetos, destacam-se a mesa ocupadapelo primeiro prefeito, Ângelo Raphael Pellegrino, e ascadeiras da primeira Câmara Municipal.

Continuando sua homenagem, a Fundação Pró-Memória abriu, no dia 22, a exposição A AutonomiaPolítico-Administrativa de São Caetano, no EspaçoVerde Chico Mendes. Oito painéis, localizados noscorredores do quiosque principal do parque,apresentaram 15 fotografias que retratam o caminhopercorrido pelos autonomistas na busca pela liberdadepara a cidade.

As comemorações da Fundação terminaram nodia 24 de outubro com o lançamento do livro UmJornal, uma Vida – A Saga do Jornal de São Caetano eoutras mais. De autoria de Mário Porfírio Rodrigues,um dos líderes autonomistas, a publicação foi editadapela Pró-Memória e enfoca a história do Jornal de SãoCaetano, peça chave do movimento que levou SãoCaetano da condição de subdistrito de Santo André paraa de município independente.

Eventos

3ª Caminhada da MemóriaA Fundação Pró-Memória realizou, no dia dez

de julho, mais uma etapa do projeto Caminhos daMemória. Um verdadeiro passeio pela história dacidade, a 3ª Caminhada da Memória teve como ponto departida a Igreja Ortodoxa Ucraniana – Paróquia SãoWaldomiro, no Bairro Barcelona.

O projeto Caminhos da Memória consiste nasinalização de locais (geralmente antigos prédios ouconstruções) que podem ser considerados marcoshistóricos ou que têm importância dentro da evolução dacidade. Placas de cerâmica definem cada local comoBem Cultural de Interesse Histórico. Com essasdemarcações, o objetivo é informar e fazer com que oscidadãos desenvolvam o hábito de valorizar opatrimônio da cidade e despertar na população ointeresse pelo assunto.

Para divulgar o projeto, a Pró-Memória realiza

as Caminhadasda Memória,que percorremos pontoss ina l izados ,combinandoconhecimento histórico com atividade física. As duasprimeiras edições do evento movimentaram cerca de600 pessoas, que passaram por 16 pontos emplacados.

A 3ª Caminhada da Memória passou pelosseguintes locais históricos: Igreja Ortodoxa Ucraniana –Paróquia São Waldomiro, Instituto Rocha Pombo, IgrejaNossa Senhora Aparecida, Associação BeneficenteBrasil Unido, Igreja Ortodoxa Ucraniana – ParóquiaSantíssima Virgem, prédio da COOP e o mural do artistaplástico Sinval Correa Soares, localizado no TeatroPaulo Machado de Carvalho.

Encontro de artistas na Pinacoteca

Semana da Autonomia

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A artista plástica italiana falou sobre sua carreira e obras em palestrapromovida pela Pinacoteca Municipal, no dia 12 de novembro. Uma exposiçãocomemorativa aos 25 anos do ateliê da artista já está em cartaz no espaço desdeoito de novembro e nele permanecerá até sete de janeiro de 2006.

Projetos

A Fundação Pró-Memória de São Caetano doSul e a Faculdade Editora Nacional (Faenac) assinaramum protocolo de intenções, em cerimônia realizada noGabinete do Prefeito, no dia 22 de agosto, queestabeleceu parceria entre as duas instituições, para arealização de projetos voltados para as áreas de história,memória e pesquisa, além da realização de exposições eda publicação de livros. Assinaram o acordo o prefeitoJosé Auricchio Júnior, a presidente da Fundação Pró-Memória, Sônia Maria Franco Xavier, e o diretor-geralda Faculdade, Valmor Bolan.

Nas duas primeiras semanas de agosto, aexposição São Caetano por Waldomiro Chomem, daFundação Pró-Memória, permitiu que alunos eprofessores apreciassem imagens da cidade das décadasde 1950 e 1960. Outro projeto também definido foi apublicação do livro Contos e Causos: Imigrantes eMigrantes na História Oral, que reuniu pesquisadoresda Pró-Memória e alunos do curso de Letras da Faenac.

Além das pesquisas e da realização deexposições, o acordo estabeleceu o intercâmbio deexperiências metodológicas nos campos daArquivística, Museologia e Defesa Cultural, bem comopreviu a criação de um banco unificado dedepoimentos.

De acordo com o convênio, o Centro deDocumentação Histórica da Fundação Pró-Memóriafica disponível para que os estudantes da Faenacpossam realizar pesquisas diversas. Os alunos poderão,ainda, apresentar suas monografias em palestras emespaços da Fundação Pró-Memória, e esses trabalhospoderão ser publicados na revista Raízes, editadasemestralmente pela instituição.

Outro objetivo da Pró-Memória, com aparceria, é envolver os alunos, principalmente do cursode Turismo, com os projetos ligados à preservação dopatrimônio cultural e histórico do município, como oCaminhos da Memória e o Traços e Trilhas.

Palestra de Iole Di Natale

Convênio com a Faenac

Uma parceria entre a Fundação Pró-Memória ea Coordenadoria Municipal da Juventude permitiu arealização de cursos no espaço do Museu HistóricoMunicipal em 2005.

Nos meses de outubro e novembro, 32 jovensfreqüentaram as aulas dos cursos de Customização dePeças e Vestuário e Técnicas Básicas de Montagem deBijuterias, que foram promovidas na área deconvivência do prédio do Museu. No final dos cursos,houve uma exposição dos trabalhos dos alunos.

Parceria com Coordenadoria da Juventude

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No dia 17 de novembro, às 14h, a FundaçãoPró-Memória realizou o primeiro evento da Série deColóquios Preservação e Acesso. A proposta épromover, a cada seis meses, encontros entreespecialistas, técnicos e funcionários de órgãos ligadosao patrimônio cultural e público interessado na troca deidéias e experiências a respeito de questões referentes àpreservação e divulgação deste patrimônio.

O projeto é uma parceria com a ComissãoTécnica das Instituições Oficiais de Memória doGrande ABC e traz novos conhecimentos e perspectivassobre questões de interesse regional. A cada colóquio,

um profissional de uma instituição de fora da região doABC participa como convidado.

O primeiro colóquio teve como tema Ética, e aespecialista convidada foi Marilúcia Bottallo,museóloga documentalista e coordenadora do curso deextensão Questões éticas na gestão patrimonial, noMuseu de Arqueologia e Etnologia da Universidade deSão Paulo. Foi professora de Ética Profissional, Estéticae Museologia no Instituto Paulista de Restauro de 1991a 1998. Desde 1999, leciona na USP a disciplinaSalvaguarda Patrimonial – DocumentaçãoMuseológica.

A Fundação Pró-Memória encerrou ascomemorações dos 57 anosda autonomia política eadministrativa de SãoCaetano, no dia 24 deoutubro, com o lançamentodo livro Um Jornal, UmaVida – a saga do Jornal deSão Caetano e outras mais,de autoria do autonomistaMário Porfírio Rodrigues.

As mais de 200pessoas que prestigiaram o evento emocionaram-secom um vídeo, produzido pela Pró-Memória, que,através de imagens e depoimentos, relatou a saga domovimento que lutou pela liberdade de São Caetano. Osautonomistas presentes (Desirée Malateaux, ÉttoreDal´Mas, Luiz Rodrigues Neves, Mário Dal´Mas,

Nelson Infante, Mário Porfírio Rodrigues e OlgaMontanari de Mello) receberam uma cópia do vídeo,como presente.

De autoria de Mário Porfírio Rodrigues, um doslíderes autonomistas, a publicação foi editada pelaFundação Pró-Memória e enfoca a história do Jornal deSão Caetano, peça chave do movimento que levou SãoCaetano da condição de subdistrito de Santo André paraa de município independente.

O autor participou ativamente da campanhapela emancipação da cidade e fez parte do grupo de 95pessoas que liderou o movimento. Nas 256 páginas dolivro, Rodrigues conta a história de sua vida, desde suainfância até quando fundou o Jornal de São Caetano, aolado do amigo Luiz Rodrigues Neves, e iniciou seuenvolvimento no movimento autonomista.

Colóquio Preservação e Acesso – Ética

PublicaçõesLivro Um Jornal, Uma Vida – a saga do Jornal de São Caetano

(*) Paula Fiorotti é jornalista

Desde novembro,os visitantes do MuseuHistórico Municipal, nosegundo sábado de cadamês, estão tendo aoportunidade de conhecer,não só a história de SãoCaetano através dosobjetos e documentos

expostos no local, mas também saber o que os artesãosda cidade estão produzindo. Uma parceria com aAssociação dos Artesãos de São Caetano do Sul estápermitindo a realização de uma pequena feira deartesanato na área de convivência do Museu. Osvisitantes podem apreciar e adquirir camisetas, peças decrochê, bordados, bolsas, vidros pintados, bijuterias eoutros tipos de artesanato. Em média, oito artesãosparticipam da feira a cada mês.

Artesanato no Museu

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Fundação Pró-MemóriaSão Caetano do Sul

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