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Paraíso em chamas - Construção midiática do Black Metal norueguês

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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 9º. Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo

(Rio de Janeiro, ECO- Universidade Federal do Rio de Janeiro), novembro de 2011

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Paraíso em chamas: Construção midiática do movimento Black Metal na Noruega.

Gabriel Ferreira Carvalho 1

Resumo: Recentemente é noticia o ataque sofrido pela Noruega. Neste mesmo país, no início da

década de noventa, igrejas foram queimadas e muito foi noticiado sobre os acontecimentos. O

uso de referências “nazistas” foi amplamente utilizado pela mídia em questão, para referenciar

os acontecimentos gerados por grupos ligados a música, o Black Metal. Na época a grande mí-

dia (tradicional) apenas noticiava os acontecimentos, enquanto Fan-zines conseguiam entrevis-

tas com os causadores dos ataques. Considera-se aqui a linguagem e o discurso do jornalismo

como instrumentos de construção de uma realidade que é multifacetada. Na atualidade blogs e

sites tomaram o espaço que era do Fan-Zine, de informativo contracultural, ou alternativo à

grande mídia. Este artigo analisa o caso “Inner Circle”, em texto e vídeo documentários princi-

palmente, norueguês pela ótica da divulgação midiática, imprensa tradicional e alternativa.

Palavras-chave: Noruega; Mídia; Varg Vikernes; Jornalismo; Discurso.

1. Introdução: Noruega e Mídia.

No Brasil a Noruega é mais conhecida pelo bacalhau e pela tradição em vitórias em

cima da seleção brasileira de futebol. Situada no extremo norte da Europa ocidental di-

vide fronteira com a Suécia e com a Finlândia, chamados países Escandinavos ou nórdi-

cos.

Na década de 90 o país ficou mais conhecido pelo estilo musical chamado de Black

Metal. Segundo nota publicada no site de noticias “negodito” este fenômeno musical é

tão conhecido pelo mundo que a Noruega possui cursos para embaixador se especializar

no assunto, apenas para responder perguntas sobre o Black Metal enquanto música e

1 Bacharel em Comunicação Social- habilitação jornalismo e Mestrando em Ciências Sociais Aplicadas

pela Universidade Estadual de Ponta grossa.

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cultura e os acontecimentos gerados pelo movimento intitulado de Inner Circle, ou

“Circulo Interno”. Segundo o site de noticias o governo norueguês oferece aulas sobre

Black Metal para os diplomatas residentes no país. Kjersti Sommerset, representante do

Ministério do Exterior, afirma, na entrevista divulgada pelo site, que as aulas visam dar

maiores subsídios para que os representantes de países estrangeiros possam entender o

que significa o Black Metal para o povo norueguês. Em entrevistas concedidas a produ-

ção do vídeo-documentário “Ruido das Minas” aparecem depoimentos de bandas que

afirmam que uma das principais influências da cena black metal norueguesa foi o grupo

brasileiro, de Minas Gerais, Sarcófago, que no final dos anos 80 lançou álbuns que ser-

viram de base para a sonoridade desenvolvida por alguns dos maiores ícones do Black

Metal, especificamente o disco INRI, de 1987.

Na Noruega, a partir do final dos anos 80 e até meados dos anos 90, oito igrejas fo-

ram incendiadas, e um bombeiro morreu durante um desses incêndios. Varg Vikernes,

que na época tinha 20 anos, era o único membro da banda de Black Metal Burzum e o

maior suspeito destes incêndios. Conhecido como Coutn Grishnacht, foi condenado a 21

anos de prisão (não apenas por queimar igrejas). Na época a polícia começou a investi-

gar grupos ligados ao estilo musical e que possuíam ideias politico-culturais assumidas

anti-cristãs. Grupos como Satanic Terrorists e Devil Worshippers, os quais eram presi-

didos por Arseth Oystein, também conhecido por Euronymous, membro da banda de

Black Metal Mayhem e dono da loja de discos e gravadora Helvete. (MOYNIHAN,

MICHEAL; DIDRIK SODERLIND, 1998).

Em uma das entrevistas concedidas ao Fan-zine norueguês “Slayer Magazine”, um

dos membros do Inner Circle e membro da banda Emperor, Faust, afirmava: “Algumas

coisas aconteceram, outras não, as bandas velhas falavam de igrejas em chamas – as

bandas de hoje põem fogo nelas”. (KRISTIANSEN, 2011).

A época Euronymous, com 25 anos, era a figura mais visada na dita cena Black Me-

tal, principalmente por ser o dono da loja de discos e também do selo de distribuição de

bandas o “Deathlike Silence”. A Helvete era a única loja que vendia discos de Heavy

Metal na cidade. Varg Vikernes, que era acusado de incendiar as igrejas estava ainda em

liberdade, chegou a integrar a banda Mayhem e, ao lado de Euronymous, eram os gran-

des nomes da cena underground norueguesa.

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Após o lançamento do primeiro opus de sua banda, o Burzum, Varg Vikernes passa

a ter alguns desentendimentos com o dono da loja de discos. Varg Vikernes foi conde-

nado a 21 anos de prisão pelo assassinato de Oystein Aarseth (Euronymous) em agosto

de 1993.

“Duas facadas na cabeça, cinco no pescoço e 16 facadas nas costas, foram

um total de 23 facadas deferidas contra o guitarrista da banda Mayhem, no

dia 10 de agosto de 1993 Varg dirigiu-se até o flat de Euronymous em Oslo.

Uma briga começou e Euronymous foi apunhalado até morrer. Há rumores de

que Euronymous planejava matar Varg Vikernes, e por isso este o matou”.

(Video-Reportagem, Det Svarte Alvor, 1994).

Em março de 1993 a revista inglesa, kerrang!, uma das mais importantes revis-

tas de musica da época, publicou em capa e matéria de 6 páginas, o que chamou de in-

vestigação sobre o lado “feio” do movimento black metal. Na capa estourava uma foto

de Varg Vikernes empunhando facas e armas e foto da banda Emperor. Segundo entre-

vista de Faust e Varg Vikernes para o Vídeo-documentário Until the Light take us a

matéria da revista Kerrang! Induzia o publico a crer que se tratava de um movimento

satanista, o que nunca aconteceu, construindo uma realidade paralela a do movimento.

Com a exaustiva cobertura midiática criou-se um movimento totalmente diferente do

que era, “um movimento onde adolescentes de 15 anos queimavam igrejas e pixavam

símbolos satânicos por acharem que era disso que se tratava, a mídia construiu um mo-

vimento que não existia”. (VARG VIKERNES, 2008)2.

O vídeo-documentário Until the light takes us conta com entrevistas de vários

membros do movimento Black Metal norueguês. Contem falas onde, por exemplo, Kris-

toffer Rygg, da banda Ulver, afirma ser nauseante ver a “beleza” de algumas culturas

especificas serem contaminadas por determinadas facetas de outras não tão belas assim.

Mas, o mesmo, coloca que acredita ser parte de um processo no caminho para o retorno

a uma fonte primitiva. A produção áudio visual deixa claro algumas posições dos mem-

bros deste movimento, ao transparecer nas entrevistas que se trata de um retorno, um

resgate da tradicional cultura pagã nórdica, uma identificação com a religião ancestral.

A religião de Odin. Varg Vikernes (1998) relata que noruegueses não são cristãos. E

que as igrejas que foram queimadas o foram por terem sido erguidas em cima de solos

2 As falas de Varg Vikernes e outros músicos, findando referencias, foram retiradas de entrevistas conti-

das nos vídeo-documentários analisados e referenciados durante o paper e não constam como Bibliografia

de Referência.

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onde haviam antigos círculos de rituais pagãos. “Os cristãos não tiveram nenhum res-

peito com a cultura norueguesa, porque então o povo norueguês deveria respeitar os

cristãos?” (VIKERNES, 1998).

É frequente nos vide documentários sobre o assunto os entrevistados afirmarem

que os jornalistas modificam o conteúdo de suas entrevistas e constroem suas falas em

um contexto ao qual a fala fica deslocada. Em fala ao documentário, Until the light ta-

kes us, Vikernes afirma que as suas falas não foram simplesmente recortadas, o que a-

conteceu foi que o jornalista ao qual ele concedeu a entrevista foi até a policia local e o

entregou. Após o ocorrido ele foi preso e o jornalista que o entregou passou a ser a fonte

oficial de suas falas, onde todos os demais jornais, entrevistam o jornalista ao invés de

falar com a fonte primária.

O importante da relação estrutural entre a mídia e os definidores primários

institucionais é que permite aos definidores institucionais estabelecer a defi-

nição ou interpretação primária do tópico em questão. Então esta interpreta-

ção „comanda a ação‟ em todo o tratamento subsequente e impõe os termos

de referência que nortearão todas as futuras coberturas ou debates" (HALL et

al., 1993, p.230 APUD VIZEU, p07, 2003).

Algo único também nos registros audiovisuais sobre o movimento da década de

90 é o fato de em todos ficar claro que os entrevistados defendem uma Noruega não

cristã. Em uma fala de Vikernes ele utiliza a queima da biblioteca de Alexandria, como

exemplo, para justificar a falta de registros sobre culturas da antiguidade.

“Vemos mais poluição hoje do que anteriormente, claro que podem ter havi-

do períodos piores, mas não sabemos, os cristãos queimaram os registros que

nos diriam isso, como ao queimarem a biblioteca de Alexandria. Em todo lu-

gar que católicos, protestantes, cristãos, chegaram a cultura foi destruída. E-

les arruinaram essa cultura, destruíram, queimaram todos os registros destas

culturas. Isto inclui as culturas européias, africanas, Asiáticas, americanas. O

cristianismo é a raiz de todos os problemas do mundo moder-

no.”(VIKERNES, 1998)

Em 1998 foi publicado o livro Lords of Chaos: The Bloody Rise of the Satanic

Metal Underground do jornalista norte americano Michael Moynihan e do norueguês

Didrik Soderlind. Eles exploram no livro os acontecimentos através do que foi publica-

do pela mídia norueguesa, da queima de igrejas, do Inner Circle e o movimento Black

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Metal. O livro agora se encontra em projeto para se tornar filme, nas mãos do diretor

japonês Sion Sono.

Em entrevista concedida ao jornalista Pal Nordseth do Site Dagbladet.no, Satyr,

da banda Satyricon, e um dos participantes do movimento da década de 90, afirmou:

“Agora que o foco no black metal finalmente voltou-se para a música em si,

o jornalismo de fofocas no formato de um livro será transformado em um

filme. Visto que 'Lords of Chaos' é um livro incrivelmente ruim, eu apenas

posso presumir que o filme será tão ruim quanto. É triste que uma história tão

inexata, escrita por alguém que não entende o black metal, seja transformada

como livro de referência. E é triste que alguém deseja ir tão longe para tirar

proveito da história do black metal." (Satyr, 2008)

Tanto nos vide documentários quanto nas entrevistas a sites, fan-zines, os mem-

bros deste movimento mostram que o evento conhecido foi assim definido através da

construção midiática, os jornalistas moldaram o evento e o transformaram no que ele foi

conhecido, compondo os aspectos da construção social daquela realidade. “Os fatos

constituem um imenso universo de matéria-prima; a estratificação desse recurso consis-

te na seleção do que irá ser tratado, ou seja, na escolha do que se julga matéria-prima

digna de adquirir existência pública de notícia, ser noticiável, ter noticiabilidade”. (VI-

ZEU, p07, 2003)

Em um pronunciamento postado no site Burzum.org em 2004, Varg Vikernes falou

sobre o livro Lord of Chaos e afirmou que a maioria das declarações feitas no livro

foram mal interpretadas pelos jornalistas, os quais as colocaram fora de contexto. Ele

acrescentou, ainda, neste pronunciamento do site: “Este livro serve apenas para um úni-

co propósito, que é o de criar um mito ao redor do meu nome e me mistificar. Se esse

era o objetivo deles eles de fato tiveram sucesso com seu trabalho”. (VIKERNES,

2004).

O estudo deste caso especifico norueguês recai sobre teorias construcionistas e es-

truturalistas do jornalismo. Onde a construção e utilização do discurso jornalístico pode

criar realidades, reafirmar ideologias. Neste artigo e estudo deste caso, deu-se foco ao

jornalismo como construtor da realidade social.

2. Aporte Teórico Dos Contextos.

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O mundo atual é permeado por relações mediadas e é, também, revelado (quase

que exclusivamente) através dos meios de comunicação (KELLNER, 2001). Quer dizer,

precisamos elevar nossas discussões ao entendimento dos processos sofisticados que

perpassam a comunicação, pois, assim, tem-se métodos mais eficazes para superação de

cadeias de simples consumo, os mesmos, que criam o sistema entrópico de sustentação

da sociedade. Ao tratar a sociedade atual como da cultura midiática em Kellner, Comas-

seto e Souza vão escrever:

Tudo é feito para impressionar e vender, é transformado em mega-evento, do

escândalo das celebridades às guerras arquitetadas sob as lentes das câmeras e

transmitidas pelos canais de jornalismo em tempo integral. Estamos tão acos-

tumados ao espetáculo que nossa atenção já não responde a estímulos que não

se caracterizem como tal. As corporações da mídia e os gigantes do mercado

sabem disso melhor que ninguém, mas também sabem os governos, os atores

da política e os protagonistas dos movimentos contrários à hegemonia domi-

nante, que mais sobressaem pelo inusitado de suas ações e pela publicidade que

lhes é dada que pelas próprias causas que querem levar a efeito. Estas, aliás,

parecem desaparecer, fazer cada vez menos sentido, num mundo que só res-

ponde pelo trágico, pelo chocante, pelo maravilhoso que enche os olhos do es-

pectador, mesmo quando à custa de milhares de vidas. (2006. P. 246)

Com isto pode-se entender a necessidade de se incorporar noções sobre os pro-

cessos midiáticos de construção social da realidade a compreensão da construção cultu-

ral dos povos contemporâneos. Através da compreensão da instrumentalização da mídia,

elevar-se-á a consciência cidadã, onde o constructo de eventos elevados a categoria de

show, e\ou mega evento não mais satisfaça anseios sociais e culturológicos.

Outra característica importante da mídia relacionada a esse aspecto é a possível

exclusão, pelo debate público, de temas não retratados pelos meios. Têm mais chance de

serem noticiáveis, portanto, os fatos que já se mostram presentes em um possível agen-

damento temático. Conhecida como teoria da agenda-setting, o estudo proposto por

McCombs e Shaw em 1972 estabelece ainda que, em decorrência da escolha do que é

notícia pelos jornalistas e da ausência de um repertório que garanta o conhecimento

sobre diversos assuntos, o público tem sua percepção da realidade social construída, em

grande medida, pelos meios de comunicação de massa.

A linguagem jornalística torna-se a padronizadora ou encarregada de normalizar

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a sociedade, é ela que traz em si modos de amenizar um possível caos social. Esta vai

corresponder a uma ideologia de um grupo e vai atribuir visibilidade, ou apresentar suas

ideias através da mídia, ela torna‐se a ideologia dominante, o grupo que tem o poder

sobre a informação. O poder da mídia, estaria, então, em fornecer temas que compõem o

debate dos cidadãos, mostrar o que a sociedade deve, ou não, discutir. Além disto, deve,

também, apresentá-las como se a definição tivesse acontecido baseado em critérios de

noticiabilidade e que teria "a verdade" como princípio.

Marcondes Filho (1989) relata que através da produção jornalística grupos e in-

divíduos encontram formas de afirmar publicamente opiniões e informações que julgam

competentes para dar forma a posições pessoais e de classe. Ainda nos dias de hoje um

dos fatores de credibilidade da produção jornalística é a dita objetividade e neutralidade

na construção de noticias ou narração do recorte da realidade. Adelmo Genro Filho

(1989) fala que esta (objetividade) esconde uma ideologia com o objetivo de reproduzir

e confirmar as relações capitalistas. Para Genro Filho a “ideologia da subjetividade” do

jornalismo esconde uma nova modalidade de sociedade, a do conhecimento, sempre

ligada ao capitalismo no decorrer da história e que agora tem um potencial que o ultra-

passa.

A ideologia se apresenta através do discurso. Ele pretende coincidir com as coi-

sas, ou seja, tenta unificar o pensamento, a linguagem e a realidade para obter a identifi-

cação de todos os sujeitos, formando uma imagem universalizada. Este tipo de discurso

é denominado, por Chauí (1980), de discurso competente.

O discurso competente pode existir em qualquer classe social, basta que os ato-

res tenham prestígio e capacidade de convencimento dos outros sujeitos existentes no

processo. Para entender melhor a criação deste discurso é preciso referi-lo a um proces-

so histórico: a burocratização/organização. Dentro da organização se tem a impressão de

que ninguém exerce o poder porque “este emana da racionalidade imanente do mundo

organizado ou, se preferirmos, da competência dos cargos e funções que, por acaso,

estão ocupados por homens determinados” (CHAUÍ, 1980, p. 10). Com a burocratiza-

ção, a ideologia converteu-se em discurso anônimo e impessoal, ou seja, deslocou-se

dos atores sociais legalmente reconhecidos para falar.

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Tentar instituir a ideologia a partir de uma instituição genérica, sem sujeitos, lu-

gar e tempo determinados, facilita o convencimento de que o sujeito social não é capaz

de entender o mundo a partir de suas próprias ideias.

Charaudeau (2006), vai mapear algumas questões, as quais, problematizam o

papel do discurso das mídias jornalísticas na formação da opinião pública. Pelos quais

perpassam a (des)construção do que é informar, estratégias de encenação da informa-

ção, gêneros do discurso de informação e o debate sobre a capacidade de manipulação

ou não das mídias sobre a opinião pública. Ainda para Charaudeau (2006) o discurso se

volta a outro fim além das regras normativas de uso da língua. Segundo ele o discurso

provém da combinação de circunstâncias. O que se fala e o que se escreve com o modo

pelo qual se fala. O autor divide ainda 3 tipos de lógica que orientam as produções mi-

diáticas. A Lógica Econômica que trata do jornal enquanto empresa, a Lógica Tecnoló-

gica responsável pela qualidade de transmissão das mensagens e a Lógica Simbólica

que é onde vai se construir as estratégias discursivas.

Para Charadeau (2006) o universo da informação midiática é, portanto, efetiva-

mente um universo construído. Não se configura a partir de reflexos do espaço público,

como se afirma, mas no resultado de uma construção. A transmissão dos fatos nunca é

realizada em sua totalidade, ou no modo como ocorre. Pois, anteriormente ao processo

de transmissão ela sofre racionalizações, através dos critérios de noticiabilidade atribuí-

dos pelos atores produtores. O momento midiático impõe ao cidadão a visão de mundo

que foi previamente articulada e apresentada como se fosse, esta, a visão natural do

mundo.

Para Foucault (2006) por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca

coisa, as interdições que o atingem revelam logo sua ligação com o desejo e com o po-

der. E Charaudeau (2006) pode ainda complementar ao afirmar que as mídias não cons-

tituem um poder, mas participam do jogo complexo do poder, na condição de lugar de

saber e de mediação social indispensável à constituição de uma consciência cidadã.

As relações são mediadas e entender estes processos são ferramentas para busca

de teorias e práxis que possam dar conta de compreender estas relações. Assim como

afirma Zerzan (1994) ao inferir que a autenticidade humana estaria nos instintos e bus-

ca-se, de certa forma, um modelo nos modos de vida primitivos. Mas a ação suposta-

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mente instintiva, que visa o desejo natural, não nos torna imunes à influência de racio-

nalidades (econômica, politica, instrumental) e de uma cultura internalizada.

O caso especifico da construção midiática sobre os acontecimentos na Noruega

na década de 90 podem dar pistas, ou, servir como exemplo de como a realidade de sen-

tidos é construída através dos instrumentos midiáticos.

3. Métodos.

Em primeiro momento para confecção deste paper foi realizado análise documen-

tal, foram mais de 12 Fan-zines impressos de acervo pessoal do autor. Para contextuali-

zação dos eventos da época. Além do levantamento de entrevistas e reportagens ainda

existentes em sites e blogs pela internet. O grosso da pesquisa se deu na analise de vídeo

documentários produzidos sobre a cena underground norueguesa. Incluindo vídeo jul-

gamento de Varg Vikernes, Det Svarte Alvor (1994), foram analisados seis obras, pro-

duzidas entre 1994 e 2008. São elas Satan rir Media|Satan Rides the Media (1998),

Norsk Black Metal (2003), True Norwegian Black Metal – VBS Production (2007),

Once Upon a Time in Norway (2008), Pure Fucking Mayhem (2008), Until The Light

Takes Us (2008). O método utilizado foi da analise de conteúdo.

Martin Bauer (2003) elenca várias vantagens nesse processo. Segundo o autor, a

utilização de métodos como a análise de conteúdo permite ao pesquisador fazer inferên-

cias a partir de um texto para o contexto social, de maneira objetivada. Além disso, pos-

sibilita trabalhar com grande quantidade de material empírico. No que se refere especi-

ficamente ao seu emprego nas pesquisas em jornalismo, Herscovitz (2007) também res-

salta que a análise de conteúdo pode ser utilizada para detectar tendências e modelos na

análise dos critérios de noticiabilidade, enquadramentos e agendamentos.

4. Considerações.

Esta pesquisa aparece aqui ainda de forma inicial, portanto não da conta de expli-

car, ou ainda, fazer maiores inferências sobre a influência da produção midiática nestes

contextos abordados.

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O que pode ser percebido ao olhar todos os vídeo documentários é que o conteúdo

é relativamente o mesmo. Claro que são focos diferenciados abordados em cada um,

mas a essência das entrevistas e linhas narrativas são muito semelhantes e muito próxi-

mas. O conteúdo principal é a tentativa da desmistificação do movimento da década de

90. A tentativa e o esforço maior das produções do ano 2000 em diante é desfazer a i-

magem que havia sido anteriormente construída pela mídia. E reconstruir esta imagem

de forma, agora, mais madura, tanto pelos veículos de mídia, quanto pelos atores sociais

e midiáticos envolvidos.

Em olhar sobre matérias veiculadas tanto na imprensa televisiva, quanto, na escri-

ta da década de 90, é notado como os meios de comunicação de fato construíram o mo-

vimento, que de acordo com os atores do mesmo, nunca existiu da forma como foi pas-

sado. O jornalismo, como representante social e legitimador do discurso, consegue

construir realidades, e dotá-las de sentido. O que resta são dúvidas de, se nos dias de

hoje, tais realidades ainda podem ser construídas. A utilização de ferramentas como o

Twitter, parecem dificultar processos do jornalismo enquanto construção social da rea-

lidade e, isto será analisado no decorrer da pesquisa.

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