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Partículas: a dança da matéria e dos campos Aula 28 – Vácuo: a antítese do vazio 1. Éter & Vácuo: Aristóteles, Torricelli, von Guericke 2. Efeito Casimir 3. Vácuo e polarização 4. Propagadores

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Partículas: a dança da matéria e dos campos

Aula 28 –

Vácuo: a antítese do vazio1. Éter & Vácuo: Aristóteles, Torricelli, von

Guericke

2. Efeito Casimir3. Vácuo e polarização4. Propagadores

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Eter

vs

vácuo

O conceito de éter apareceu de forma recorrente em diversos modelos e teorias físicas ao longo dos séculos

1.

Em Descartes, cujos vórtices serviam de meio material para a propagação das interações.

2.

No eletromagnetismo de Maxwell, como um meio essencial para a propagação luminosa

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Eter

vs

vácuoO vácuo, por sua vez, também marcou sua presença na filosofia (lembrem-se do “A Natureza abomina o vácuo” de Aristóteles) e na ciência. A primeira vez em que foi criado algo que se entendeu como sendo vácuo foi na experiência de Torricelli: em um tubo cheio de mercúrio não havia originalmente nenhum ar; ao ser invertido e colocado em uma cuba também cheia de mercúrio, a coluna de líquido desceu deixando um espaço no tubo selado. O que estava contido nesse espaço? Nenhum ar poderia ter entrado; seguramente era o vácuo. Um exemplo mais espetaculoso é a experiência dos hemisférios de Magdeburg realizada por Otto von Guerick. Nela duas semi-esferas foram unidas e tiveram todo o ar interior retirado: duasjuntas de oito cavalos cada não conseguiram separá-las

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O novo vácuoMais recentemente, os conceitos de éter e vácuo confundiram-se e passaram a andar de mãos dadas na história das idéias.O princípio da incerteza forçou uma reavaliação da nossa concepção do vácuo. Afinal de contas , se ele é caracterizado pela ausência de partículas em um recipiente, isto viola o princípio da incerteza pois implica em uma informação perfeita acerca do estado de qualquer ponto do meio e da energia do sistema em um dado instante do tempo.As idéias de quantização, como vimos anteriormente, levam ao conceito de energia de ponto zero de um oscilador e à impossibilidade de se ter uma partícula com energia zero em uma caixa, levando à substituição da idéia de vácuo como sendo a ausência de matéria pela de estado fundamental (ou estado de vácuo) significando o estado no qual o sistema físico tem energia mínima.Uma analogia pode ser feita com os diversos estado de energia mínima em um terreno ondulado, o que nos leva a uma preocupante extensão desse conceito, qual seja, a multiplicidade de mínimos locais de energia com seus conseqüentes múltiplos estados fundamentais locais.

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Efeito

CasimirA descrição de um antigo manual de navegação (P.C. Caussée, L´Álbum du Marin, 1836) sobre os riscos de se fundear navios paralelamente pode ser entendida por um fenômeno clássico que contém conceitos físicos ligados a propriedades do vácuo quântico.Uma evidência da realidade física do conceito de energia de ponto zero e das propriedades não triviais do vácuo, é encontrada no efeito Casimir:

Entre duas placas metálicas somente poderiam estabelecer-se certos comprimentos de onda, sendo os demais suprimidos, analogamente ao que ocorre com as ondas em uma caixa ou em uma corda.

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Efeito

CasimirNa ausência dessas placas, ou seja, no “vácuo”, todos os comprimentos de onda seriam possíveis.

Com as placas presentes, há um "desequilíbrio" entre a região externa às placas e a interna. Isso dá origem a uma força de atração computável entre elas. Esse efeito foi experimentalmente verificado!

Pior ainda! Imagina-se que com o avanço da miniaturização dos componentes esse será importante:

O efeito Casimir tem importância em sistemas eletromecânicos na escala de tamanhos micro e nano, onde a distância entre superfícies próximas são menores do que 10-6 m.

Nestas escalas de tamanho, o efeito Casimir pode ocasionar a adesão permanente das superfícies próximas.Em outra palavras: o projeto de futuros equipamentos na decrescente escala de miniaturização atualmente praticada, teráque levar em conta esse efeito.

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Efeito

CasimirTrês exemplos de sistemas micro-eletro-mecânicos(MEMS) reais (ver Phys. Rev. Lett. 87, (2001), 211801-1).

Na primeira figura, a curva contínua mostra a alteração na energia potencial de um oscilador, em presença das forças de Casimir.As duas seguintes, são um micro-oscilador de torção (3,5 Ðm de largura e 500 Ðm2

de área) e mostram a freqüência de ressonância desse sistema, bem como as alterações devido a: 1) potencial externo (círculos) e 2) efeito Casimir (quadrados)

Obs: tanto as superfícies do oscilador quanto as da esfera são metalizadas.

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O vácuo

é

polarizávelO espalhamento de partículas carregadas um comportamento interessante: têm que ser feitas correções, débeis, mas computáveis, caso se almeje a concordância entre teoria e experiência.Classicamente, espera-se que a lei de força ∼1/r2 dê conta do recado; na prática não é o que ocorre e a origem desse efeito deve ser buscado na propriedades do vácuo: a grandes distâncias (baixas energias) a carga é blindada pelas excitações virtuais do vácuo.No caso da interação forte, algo semelhante ocorre, embora o efeito tenha "sinal contrário": o fato dos glúons serem carregados faz com que a distâncias muito pequenas os quarks comportem-se como livres (liberdade assintótica).

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O vácuo

é

polarizávelFalemos um pouco sobre a propagação do elétron. A interação do elétron com ele mesmo gera uma auto-energia que parece ser infinita. Isso seria fatal, se não houvesse uma saída, que é olhar o comportamento global.Se o elétron vai de A para B, classicamente descreveria uma linha reta, que corresponde ao elétron “nu”. Quanticamente sabemos que esse é o caminho mais provável. Se o tempo de percurso éΔt, então variações de energia são possíveis, desde que ∆t ~ Ñ / ∆E. Quanto mais tempo uma certa diferença de energia pode ser mantida, mais provável é o processo correspondente.

A B

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Desvio: PropagadoresPropagador de 1 partícula:

Colocamos uma partícula no sistema em (r1,t1) e deixamos que ela se propague pelo sistema por um tempo. O propagador dá a amplitude de probabilidade da partícula ser observada em (r2,t2)

Propagador de 2 partículas:Colocamos uma partícula no sistema em (r1,t1) e outra em (r3,t3)O propagador de 2 partículas dá a amplitude de probabilidade de observarmos partículas em (r2,t2) e (r4,t4)

Propagador de 0 partícula:Não colocamos nenhuma partícula no sistema em t1 e calculamos a amplitude de probabilidade de alguma partícula aparecer no sistema em t2.O propagador dá amplitude de vácuo

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Desvio: Propagadores

Como determinar os propagadores?Resolvendo o sistema de equações diferenciais que eles satisfazem – ou expandindo o propagador em uma série infinita e aproximar o resultado. O que veremos a seguir é uma versão pictórica de como calcular os diagramas de Feynman.

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Desvio: PropagadoresPropagação de um bêbado, que sai de um bar, entra e sai de vários outros, pode – ou não – visitar amigos e pretende chegar em casa.Queremos calcular a probabilidade dele sair de (1) e chegar em (2).Essa probabilidade é o propagador:

É a soma das probabilidades de todostodosos modos diferentes que ele tem para se propagar de (1) para (2), interagindo com os vários bares no caminho.

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Desvio: PropagadoresUma das formas é a propagação livre, em que ele vai de (1) para (2) sem parar em lugar nenhum: a probabilidade desse processo é P0(2,1). A segunda forma de propagação é ele ir livremente de (1) para o bar (A); probabilidade: P0(A,1)Em (A) ele pára para tomar mais um gole:

Essa probabilidade será chamada de P(A). Depois, ele pode ir livremente de (A) para (2), com probabilidade P0(2,A). Um terceiro caminho é ir de (1) para (B), entrar para um gole e depois ir de (B) para (2), que tem probabilidade P0(B,1)P(B)P0(2,B). Ou ainda, ir de (1) para (A), de (A) para (B), voltar para (A) e de lá para (2), ......Vamos assumir que os processos sejam independentes ⇒ a probabilidade do processo completo é a soma das probabilidades dos parciais.

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Desvio: PropagadoresA probabilidade total, de ir de (1) para (2), é então dada pela soma de todos os termos da série infinita:

P(2,1) = P0(2,1) + P0(A,1)P(A)P0(2,A) + P0(B,1)P(B)P0(2,B) + ... + P0(A,1)P(A)P0(B,A)P(B)P0(2,B) + ...

Fazendo piada: essa é uma série perturbativa, pois cada interação com um bar “perturba” a propagação do bêbado.Os elementos básicos desse processo podem ser representados por:

Probabilidade de propagação de (1) para (2)

Probabilidade de propagação livre de (r) para (s)

Probabilidade de parar no bar X para um drinque

Termo Gráfico Interpretação

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Desvio: PropagadoresA série pode agora ser determinada aproximadamente, escolhendo-se os termos mais importantes e somando-os atéinfinito – trata-se da soma parcial. Suponhamos que o bêbado esteja apaixonado pela Alice, dona do bar (A). Nesse caso, P(A) deve ser grande e as outras probabilidades P(X), pequenas. Então os diagramas com (A) vão dominar.Esse diagrama pode ser escrito como:

P(2,1) ≈ P0(2,1) + P0(A,1)P(A)P0(2,A) + P0(A,1)P(A) P0(A,A)P(A)P0(2,A) + ...

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Desvio: PropagadoresVamos assumir que todas as P0(C,S) sejam iguais a c :

P0(2,1) = P0(2,A) = P0(A,1) = P0(A,A) = c.

Então:P(2,1) = c + c2P(A) + c3P2(A) + ...= c {1 + cP(A) +[cP(A)]2 + [cP(A)]3 + ...}

Mas {} = 1/[1 – cP(A)] ⇒ P(2,1) = c{}

)(1

)(11)1,2( 1 APcAcP

cP−

=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛−

= −

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O vácuo

é

polarizávelRetornando ao elétron, podemos dizer que a amplitude é proporcional a: A∝const.xΔt = C/ΔE, onde C é uma constante que depende do que ocorre no vértice. Então a amplitude de um diagrama com 2 loops é proporcional a A2. Tomando a seqüência toda, obtemos: amplitude total = (A + A2 + A3 + ...) = (C/ΔE) + (C/ΔE)2 + (C/ΔE)3 + ... = C/(ΔE – C). Ou seja, quando somamos todos os diagramas, obtemos um elétron vestidopor uma nuvem de fótons. Dá para manter essa amplitude finita, desde que a gente acerte ΔE. Isso pode parecer estranho, pois afinal E = mc2 , portanto acertar a energia significa acertar a massa. Podemos fazer isso? Na verdade podemos, pois estamos ajustando a massa do elétron “nu” entre A e B e sabemos que não podemos observá-lo nessa região sem bagunçar sua propagação. É necessário que a massa do elétron “vestido”, antes de A e depois de B, concorde com a massa medida do elétron. Esse truque é chamado de renormalização da massa e resolve os problemas de auto-energia. É notável que apenas um ajuste resolva todos os diagramas de auto-energia, não apenas os mostrados acima.

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O vácuo

é

polarizávelVamos considerar a propagação de um fóton. O fóton “nu” se propaga em linha reta. Mas pode haver criação espontânea de pares no vácuo – ou seja, o fóton pode criar um – ou mais do que um - par elétron-pósitron. O aparecimento desses pares ao longo caminho do fóton leva o nome de polarização do vácuo.Esse processo é parecido com aquele do elétron. Só que a massa do elétron – e portanto a do pósitron – já foram definidas anteriormente. Mas o que define a intensidade no vértice é a carga do elétron (a constante de acoplamento). Nesse caso temos a renormalização da carga. Ajustamos a carga do elétron “nu”(que não é observável).

O que observamos é a carga do elétron “vestido”, que é observada a grandes distâncias, no laboratório. De novo, apenas um ajuste da carga resolve todos os diagramas de polarização do vácuo.

A B

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O vácuo

é

polarizávelÉ interessante notar que a propagação de uma partícula determina a possível variação de energia, e portanto sua massa. Assim, as possíveis interações de uma partícula determinam sua massa. Um dos aspectos mais interessantes da relação E = mc2 éque ela indica que a massa de uma partícula é determinada pelo meio em que ela aparece.Um fóton que interaja com um elétron quando ele tem uma relação energia-momento diferente da original (por causa de um fóton virtual emitido) vai provocar uma resposta diferente – ou seja, a resposta à força externa vai ser diferente – isso significa que a massa é diferente.

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O vácuo

é

polarizávelE com o fóton? O que acontece quando um fóton se propaga por um meio material? O fóton se propaga à velocidade da luz, c, apenas no vácuo.

Num meio material a velocidade é menor. O fóton “sabe” que ele está atravessando um meio material porque ele interage com as partículas carregadas do meio – no caso mais provável, com os elétrons dos átomos. Quando ele interage, sofre uma mudança de fase – que éequivalente à ação de uma força.Por causa do efeito coletivo dos elétrons do material, a inércia do fóton muda – ele se comporta como se tivesse massa – e a velocidade de propagação diminui.

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O vácuo

é

polarizávelNo caso dos bósons da interação fraca, que têm massa, o caso é um pouco mais complicado, pois o vácuo participa ativamente no processo.Por causa da quebra espontânea de simetria, o vácuo com partículas émais provável do que sem. Uma partícula de Higgs é criada pelo vácuo, forma um vértice com a W e depois é reabsorvida pelo vácuo. É um processo análogo ao do fóton no meio material, só que a interação, nesse caso, é com o vácuo. Como esse é um processo coletivo do vácuo e a inércia do universo pode ser considerada infinita, não há recuo e o momento se conserva. Ou seja, o vácuo é um depósito perfeito para partículas, cargas fracas que não se conservam, é o paraíso do estelionatário.