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Patrimônio cultural e produção de conhecimento sobre a vida no Brasil republicano Maria Helena Versiani [email protected] Museu da República Introdução Este artigo apoia-se na certeza de que as inter-relações entre História, Memória e Patrimônio Cultural são importantes variáveis da produção de conhecimento científico sobre o mundo social. Escrevê-lo guarda o propósito de investigar os modos como o campo do Patrimônio Cultural no Brasil representa o regime republicano brasileiro, e a pretensão é desenvolver o tema por meio de um estudo de caso do acervo museológico preservado no Museu da República – instituição de âmbito nacional, localizada na cidade do Rio de Janeiro. Aspecto a ser preliminarmente examinado diz respeito à Legislação vigente no Brasil tocante ao campo do Patrimônio Cultural: o que reza a Constituição Federal brasileira em relação à questão? Assumimos que a Carta Magna de 1988 definiu avanços importantes no domínio dos direitos sociais e culturais, inclusive a partir do entendimento de que o Patrimônio Cultural deve constituir o amplo direito à memória, com reconhecimento e a valorização da diversidade de memórias presentes na sociedade. Reconhecimento e valorização, portanto, do conjunto das manifestações culturais que abrange os diferentes grupos e movimentos que conformam a sociedade brasileira. O alcance da proposta, inclusive, tornou inevitável a ampliação do conceito de Patrimônio Cultural, que passou a ser reputado, não só aos bens culturais materiais, mas também aos bens imateriais. De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil: O Patrimônio Cultural passou a constituir os bens materiais e imateriais, incluindo: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais

Patrimônio cultural e produção de conhecimento sobre a ...€¦ · Outra Coleção temática é a Numismática Brasileira, que reúne, em sua totalidade, objetos pecuniários

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Patrimônio cultural e produção de conhecimento sobre a vida no Brasil republicano

Maria Helena Versiani

[email protected] Museu da República

Introdução

Este artigo apoia-se na certeza de que as inter-relações entre História, Memória e

Patrimônio Cultural são importantes variáveis da produção de conhecimento científico sobre

o mundo social. Escrevê-lo guarda o propósito de investigar os modos como o campo do

Patrimônio Cultural no Brasil representa o regime republicano brasileiro, e a pretensão é

desenvolver o tema por meio de um estudo de caso do acervo museológico preservado no

Museu da República – instituição de âmbito nacional, localizada na cidade do Rio de Janeiro.

Aspecto a ser preliminarmente examinado diz respeito à Legislação vigente no Brasil

tocante ao campo do Patrimônio Cultural: o que reza a Constituição Federal brasileira em

relação à questão? Assumimos que a Carta Magna de 1988 definiu avanços importantes no

domínio dos direitos sociais e culturais, inclusive a partir do entendimento de que o

Patrimônio Cultural deve constituir o amplo direito à memória, com reconhecimento e a

valorização da diversidade de memórias presentes na sociedade. Reconhecimento e

valorização, portanto, do conjunto das manifestações culturais que abrange os diferentes

grupos e movimentos que conformam a sociedade brasileira.

O alcance da proposta, inclusive, tornou inevitável a ampliação do conceito de

Patrimônio Cultural, que passou a ser reputado, não só aos bens culturais materiais, mas

também aos bens imateriais. De acordo com a Constituição da República Federativa do

Brasil: O Patrimônio Cultural passou a constituir os bens materiais e imateriais, incluindo: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais

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V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil, Cap. 3, Seção II, Art. 216)

Tais avanços decerto não ocorreram por obra do inexplicável, fora do tempo e do

espaço histórico. Deram-se em diálogo estreito com o debate museológico no Brasil em torno

do Patrimônio Cultural e suas práticas, que se renovou com força particular nos anos da

reconstitucionalização democrática do país. Preservar acervos afirma-se desde então como

uma prática pensada para ser expressiva da multiplicidade étnica, regional e cultural da

sociedade brasileira, com potência para impactar a sociedade em prol da igualdade de direitos

e do respeito à diversidade.

Nesses termos, dizer Patrimônio Cultural remete a um domínio inclusivo, que valoriza

cada expressão cultural como parte do mosaico social. Todos os modos culturais do viver no

Brasil importam à formação do Patrimônio Cultural brasileiro, nenhum devendo ser tomado

como inferior ou superior em relação aos demais. Objetivamente, retira-se da marginalidade e

da invisibilidade muitos grupos sociais e experiências culturais que até então não eram

percebidos como realidades ou representações relevantes da vida social. Trata-se do

reconhecimento do outro, e do amplo direito à memória.

Tal pensamento é bem sintetizado pelo historiador Luis Antônio Simas, em trecho de

carta que enviou ao Comitê Olímpico Brasileiro, reputando como racistas certos

procedimentos deste Comitê na organização dos Jogos Olímpicos de 2016: Engana-se quem acha que o racismo se limita ao campo da percepção social das características físicas, certamente a sua manifestação mais odiosa. Ele é um fenômeno que se desdobra em outros campos de percepção. Uma das mais frequentes, praticada e menos percebida manifestação do racismo, se estabelece a partir da inferiorização dos bens simbólicos daqueles a quem o colonialismo submeteu. Quando consideramos que as crenças, danças, comidas, visões de mundo, formas de celebrar a vida, enterrar os mortos, educar as crianças etc. de determinados grupos são inferiores, estamos operando no campo do racismo. (SIMAS, 2016: 4-5).

Nessa perspectiva, resumidamente, o Patrimônio Cultural está relacionado a todas as

formas de pertencimento presentes na sociedade. Um domínio da democratização da memória

e do combate à exclusão, promulgado no texto constitucional de 1988 e não sem impactos nas

práticas contemporâneas dos museus brasileiros – entre os quais o Museu da República. Estes

museus, entre outros pontos, passam a repensar as lógicas de atribuição de valor de

patrimônio aos bens culturais que preservam. O entendimento é que o esforço de dotar os

museus de acervos mais expressivos da multiplicidade de experiências sociais tem relação

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com o esforço em prol da universalização dos direitos de cidadania. Posto que a

universalização de direitos não diz respeito somente a questões de ordem econômica, mas

também ao fato de que parcelas da população são marginalizadas, esquecidas, não havendo

sequer interesse em sua representação simbólica.

Um acervo sobre a República brasileira

O acervo museológico do Museu da República reúne quase dez mil itens, distribuídos

por 74 coleções. Destas, 63 coleções recebem nomes de personalidades da vida nacional e

onze são nomeadas a partir de referências temáticas. Trata-se, pois, de um acervo

predominantemente biográfico. Formado sobretudo por objetos de uso pessoal e profissional

dos titulares das coleções.

Entre os titulares, 29 são ex-presidentes da República, o que decerto tem relação com

o fato do Palácio do Catete, sede do Museu da República desde 1960, ter sido, entre 1897 e

1960, a sede do Poder Executivo brasileiro. Por outro lado, não se pode desmerecer a força

que tem a figura do presidente da República no imaginário político nacional, como

representação do poder e como elemento a influenciar na definição dos nomes das coleções.

Os demais titulares das coleções são principalmente lideranças republicanas, políticos

de outras esferas de governo, militares e antigos proprietários do Palácio. Em comum, todos

gozam de amplo prestígio público.

A prática de atribuição de nomes a coleções museológicas não é neutra. Ela registra

preferências e sugere sentidos para a transformação de objetos em acervos. No Museu da

República, as coleções são nomeadas dentro de um padrão que confere destaque a

determinadas personalidades que transitam em círculos prestigiados, como representantes da

elite política e social historicamente detentora do poder no país.

Por outro lado, doações de acervos privados a um museu público não costuma ser uma

ação desinteressada, posto que formar acervos pode ajudar à criação de representações

positivas para os titulares e seus herdeiros, gerando poder simbólico para eles. Celebrar

memórias é uma forma de garantir lugar entre os imortais e, nesse sentido, as coleções de

titulares aqui em exame de fato reúnem objetos – condecorações, medalhas, diplomas, retratos

e outros – que “confirmam” a importância desses personagens, como pessoas e como figuras

públicas.

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Ao lado das coleções de titulares, o acervo museológico do Museu da República

possui onze coleções temáticas. Duas delas – Coleção Palácio Itamaraty e a Coleção

Presidência da República – remetem a antigas sedes do Executivo Federal. O Palácio do

Itamaraty foi a primeira sede do Governo Republicano, entre 1889 e 1897. O acervo da

Coleção é composto sobretudo por doações do Itamaraty ao Museu da República, quando este

foi criado, com destaque para condecorações e homenagens feitas a militares e civis em

reconhecimento por serviços prestados à nação.

Já a Coleção Presidência da República remete ao exercício da Presidência no Palácio

do Catete. O seu acervo reúne objetos de interiores, tais como cortinas, vasos, espelhos,

lustres etc., e peças do mobiliário. Alguns itens de exposições realizadas no Palácio foram

também incorporados a esta coleção, porém, a grande maioria das peças são registros da

função do Palácio como sede do Poder republicano. Ou seja, a Presidência da República

aparece também nas coleções temáticas como uma categoria central para pensar e representar

a República.

Figura 1: Honório Peçanha. Busto de Juscelino Kubitschek.

Acervo do Museu da República/Ibram/MinC. Fotografia de Rômulo Fialdini &

Valentino Fialdini.

Figura 2: Celso Campos. Talha com figura do presidente Geisel.

Acervo do Museu da República/Ibram/MinC.

Fotografia de Rômulo Fialdini & Valentino Fialdini.

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Também compondo o acervo museológico do Museu da República, seis entre as onze

coleções temáticas fazem referência a levantes e insurreições ocorridos no Brasil: Coleção

Canudos; Coleção Coluna Prestes; Coleção Guerra do Contestado; Coleção Revolta da

Armada; Coleção Revolução Constitucionalista; e Coleção Revolução Federalista.

Entendemos que estas coleções devem ser compreendidas observando-se que todos os

seus itens foram incorporados ao Museu da República a partir de transferências do Museu

Histórico Nacional.

Criado, em 1922, o Museu Histórico Nacional foi o primeiro museu de História

público do Brasil. O acadêmico e escritor Gustavo Barroso assumiu a direção deste museu por

mais de 30 anos, entre 1922 e 1959, tratando de reservar, na instituição, espaço para a

construção de uma memória militarista da História do Brasil. Segundo Barroso, valorizar a

memória militar do país, identificando e glorificando os heróis da pátria, era tarefa

fundamental a um museu de História. Anos antes, inclusive, em 25 de setembro de 1911,

publicara, com o pseudônimo de João do Norte, artigo no Jornal do Comércio, intitulado

“Museu Militar”, em que afirmava: Todas as nações têm seus Museus Militares guardando as tradições guerreiras de sua história, documentando os progressos dos armamentos e exaltando o culto das glórias passadas. Nós ainda não o possuímos. Até hoje ainda não tivemos o cuidado de guardar as nossas tradições militares, de abriga-las, de cuidar delas, de roubar à ferrugem inexorável do tempo as vetustas armas dos guerreiros desaparecidos. (DUMANS, 1942: 384).

Os objetos que formam as seis coleções do Museu da República nomeadas com nomes

de levantes ou revoltas incluem materiais de primeiros socorros para os soldados nas

Figura 3: Salão Ministerial do Palácio do Catete. Fotografia de Ari Versiani/Agência Ponto.

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trincheiras; capacetes de combate; munições; armamentos, entre outras peças próprias da vida

militar. Todos os itens, como dito, são fruto de transferências do Museu Histórico Nacional.

Outra Coleção temática é a Numismática Brasileira, que reúne, em sua totalidade,

objetos pecuniários. A Numismática foi muito reverenciada no século XIX no contexto do

esforço de afirmação da História como Ciência. Naquele momento discutia-se os parâmetros

próprios de uma fonte histórica, tendo em vista garantir a autenticidade das fontes. E a

Numismática foi percebida como um testemunho material isento de subjetividade, por sua

suposta relação “real” com o passado, tendo em vista que os objetos pecuniários costumam

apresentar figuras cunhadas ou impressas que mostram aspectos econômicos, sociais e

culturais de cada época.

O acervo da Numismática do Museu da República inclui sobretudo moedas e cédulas,

produzidas em período que cobre todo o século XIX e avança até os anos 1990. A maioria

são modelos do sistema monetário brasileiro, havendo alguns itens especiais, como, por

exemplo, as primeiras moedas cunhadas após a Proclamação da República.

Figura 4: Peças do Movimento Constitucionalista de 1932. Acervo do Museu da República/Ibram/MinC.

Fotografia de Rômulo Fialdini & Valentino Fialdini.

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Compõe as coleções temáticas em exame também a Coleção Museu da República,

informalmente considerada pelos técnicos do Setor de Museologia do museu como uma

“coleção coringa”, porque nela são reunidos todos os itens do acervo que não encontram lugar

em quaisquer das outras coleções.

Um destaque desta coleção são as figurações e símbolos da República, que incluem

tanto a primeira bandeira oficial republicana, como também grande variedade de

representações que destacam a República como elemento forte da identidade nacional,

sugerindo que o regime republicano é um domínio da agregação simbólica de todos os

brasileiros.

Figura 5: Primeiras moedas cunhadas após a Proclamação da República. Acervo do Museu da República/Ibram/MinC.

Fotografia de Rômulo Fialdini & Valentino Fialdini.

Figura 6: Primeira Bandeira Nacional oficial do Brasil, ca.1890, tecido, 1,80 x 1,30 m.

Acervo do Museu da República/Ibram/MinC.

Fotografia de Rômulo Fialdini & Valentino Fialdini.

Figura 7: Pedro Bruno. A Pátria, 1919,

óleo sobre tela, 1,90 x 2,78m. Acervo do Museu da República/Ibram/MinC. Reprodução fotográfica de Rômulo Fialdini &

Valentino Fialdini.

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Registre-se também que, ao final dos anos 1980, começam a ocorrer mudanças no

perfil do acervo do Museu da República, em diálogo com a renovação do debate em torno do

patrimônio cultural, e com o texto constitucional promulgado em 1988. Exemplar é um

conjunto com mais de 800 bottons, reunidos na Coleção Museu da República. Trata-se de

conjunto expressivo da diversidade dos movimentos políticos, sociais e culturais vivenciados

no Brasil naquele momento de transição democrática. Peças que fazem referência a chapas de

sindicatos; campanhas políticas; campanhas salariais; movimentos sociais pelos direitos da

mulher, contra a fome e muito mais. O conjunto remete ao panorama político e cultural do

país, destacando a diversidade de movimentos sociais envolvidos no esforço de consolidação

da redemocratização do Brasil.

Na mesma direção, a Coleção Memória da Constituinte completa a série de coleções

temáticas. Formada durante o processo constituinte de 1887/1988, os seus itens tematizam a

participação da sociedade naquela Constituinte. Três grandes painéis de arte compõem a

Coleção, em que se vê representações da população brasileira presente, atenta, participativa. É

a população que promove a reconstitucionalização democrática do Brasil e não tão somente as

autoridades políticas.

Figura 8: Bottons de campanha. Acervo do Museu da República/Ibram/MinC.

Fotografia de Mailson Santana.

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Igualmente indicando mudanças ocorridas no perfil do acervo museológico do Museu

da República a partir da década de 1980, em 1996 foi montada uma exposição no Palácio do

Catete, com o título A Ventura Republicana. Com curadoria da Gisela Magalhães e de Joel

Rufino, o seu objetivo era traçar um panorama da República brasileira.

Gisela Magalhães, na ocasião, comentou: Contar alguma coisa sobre a República Brasileira com o acervo do Museu, restrito quase que exclusivamente aos objetos dos presidentes, foi um desafio enorme. (...) Abrimos espaço para os novos acervos dando outros significados aos do museu; criamos salas com temas relevantes para a História do povo (...). Porque espero que uma criança ou um adulto quando virem uma AR-15 ao lado de um tênis na sala dos bustos dos presidentes, não saiam do museu sem se sentirem parte da História. (MAGALHÃES, 1996: Apresentação).

Dentro desta perspectiva, o processo de organização da exposição acabou por

influenciar para a incorporação de novos objetos ao acervo do Museu da República, que

remetem ao vivido cotidiano popular do país. Estes acervos incluem itens relacionados às

religiões afro-brasileiras, às festas tradicionais e à música popular, entre outros. Assim, no

caudal deste processo, acabaram por ser incorporados ao acervo museológico da instituição

esculturas da Pomba Gira e do Zé Pilintra; fantasias de baiana, do cazumbá, cestos indígenas;

Figura 9: Rubens Gerchman. De olho na Constituinte, 1987,

tinta sobre painel, 3,60 x 4,20m. Acervo do Museu da

República/Ibram/MinC. Fotógrafo não identificado.

Figura 10: Newton Cavalcanti. O pandemônio brasileiro, 1987, tinta sobre painel, 3,60 x 4,80 m.

Detalhe de obra produzida dentro da temática da Constituinte de 1987/1988.

Acervo do Museu da República/Ibram/MinC. Fotografia de Mailson Santana.

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um pau de arara; uma AR-15, enfim, entre outros objetos que ajudavam a criar visões da vida

no tempo da República.

Observações finais

Com esta breve discussão em torno dos fatores de origem e de construção ao longo do

tempo que marcaram o perfil do acervo preservado no Museu da República, pretendeu-se

observar a prática da preservação de acervos na instituição como uma dinâmica que está

impregnada de sentidos que são atribuídos pelos indivíduos. Todo patrimônio cultural é

expressivo em relação a valores, percepções e ideais presentes no mundo social. Assim, os

acervos não devem ser percebidos como um patrimônio “natural”, porque são fruto de

escolhas, de preferências de sujeitos históricos.

Mudanças no entendimento do que seja Patrimônio Cultural repercute necessariamente

em mudanças na forma de legitimar a transformação de bens culturais em acervos. No Museu

da República, os efeitos dos debates que ocuparam a cena brasileira dos anos 1980, propondo

novas formas de valorização da diversidade cultural do país, desdobram-se em mudanças

institucionais concretas no campo da democratização da memória – em sintonia com o texto

Figura 11: Máscara de Cazumbá. Madeira, lã, lantejoula, tecido, 42,0 x 63,0 x 55,0 cm. Acervo Museu da República/Ibram/MinC. Fotografia

de Mailson Santana.

Figura 12: Estatueta do Zé Pilintra.

Acervo do Museu da República/Ibram/MinC.

Fotografia de Mailson Santana.

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constitucional de 1988 e a par de reconhecer o lugar do Patrimônio Cultural no processo de

democratização do país.

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SIMAS, Luiz Antônio. Carta aos membros do Comitê Olímpico Brasileiro. Blog Histórias Brasileiras, 5/7/2016 (http://hisbrasileiras.blogspot.com/2016/07/ - acesso em 31/8/2018) VERSIANI, Maria Helena. Criar, ver e pensar: um acervo para a República. Rio de Janeiro: Garamond, 2018.