Paulo de Tarso Salles - Momentos I para violão de Marlos Nobre. Síntese e contraste

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    Momentos I (1974) para violao de Marlos Nobre:SIntese e contraste

    Paulo de Terse Sallese-mail:t a rsosa@ig .com.b r

    Resumo: Esta analise busca descrever as processos estruturais de Momentos I, obra escrita par Marlos Nobrepara 0 vlolao, em 1974, A partir dos elementos da estrutura, sao teitas algumas analogias e cornentarios comrelacao a rnuslca erudita e popular brasiieira em ger81, especialmente sobre a oposicao entre nacionalismo euniversalismo que tanto marcou as debates no Brasil durante a decada de setenta.Palavras-chave: Marias Nobre, rnuslea brasileira, serialismo, nacional.ismo, neoclassicismo, violao.

    Momentos I (1974) for guitar by Marlos Nobre:synthesis and contrastAbstract: This analysis aims at describing the structural framework of Momentos I, a guitar piece composed byMarlos Nobre in 1974, Based on the structural elements identifiedin the analysis, a few analogies and commentariesare made regarding Brazilian dassieal and popular music in genera! and, specially, about the opposition betweennationalism and universalism, an ever present discussion in Brazil in the 1970's,Keywords: Marias Nobre, Brazilian music, serialism, nationalism, neoclassicism, guitar.lntroducaoA formacao de Marlos Nobre sintetiza as duas principais vertentes da rnusica brasilelra. De umlado, 0 nacionalismo de Camargo Guarnieri. De outro, 0 universalismo de H, J, Koellreuter,

    1introdutor das tecnlcas seriais no pais, Nobre foi aluno de ambos os mestres e aperfelcoou-seainda com names de alta cotacao no munda musical, como Ginastera, DallapiccoJa, Maderna,Messiaen, Copland, Bozzarelo e Asuar, freqQentando os cursos oferecidos pelo Instituto Torcuatodi Tella em Buenos Aires, uma especie de Darmstadt transposta para a America Latina,2A carrelra do maestro pernambucano assinala uma trajetoria que parte do nacionalismo (emque Ernesto Nazareth desponta como sua maior influencia entre os anos 1959-1963), aoserialismo, sem desconsiderar sua bagagem folclorica (que deu origem a obras importantescomo Ukrimekrin-Krin, Ciclos Nordestinos, Canticum Instrumentale e Rhythmetron, no periodoque vai ate 1968), Momentos I, escrita em 1974, e a primeira peca de urna serie de obrasescritas para vtolao durante 0 terceiro perfodo criativo do compositor, entre 1969-1977,

    1 0 binornio "universal x nacionaJ", da maneira como usaremos neste texto, embora largamente empregada emvar ios estu dos, nso traduz perfe itame nte a probl ematlca aprese ntada. A teen ica serial, por exem pia, estalonge de ser "universa!", au mesmo internacionaL Mas, tampouco 0 nacionalismo pode ser vista como urnamanifestacao "anti-serial", A oposicao. portanto, aplicada ao caso brasiteiro, reters-se a neqacao, par parte daescola nacionalista, de qualquer expressao musical nao vinculada aos preceitos de Mario de Andrade em seuEnsaio sabre a musics brastleira, 0 qual adota uma linha nitidamente neoclassica no manejo da forma e doreaproveitamento do sistema tonal para tratar os temas folcloricos.

    2 Os cursos de ferias em Darmstadt (Alemanha) foram, durante as anos 1950-60, uma referenda no estudo dacomposicao musical. La atuaram como professores Boulez, Stockhausen, Madema, Berio, Nona, Pousser eoutros compositores renornados, As principals linhas de pesquisa eram a orpanlzacao serial e as possibilidadesde utllizacao de rneios eletronlcos. hoje conhecidos como eletroacustlcos.

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    mailto:[email protected]:[email protected]
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    SALLES, Paulo de Tarso. Momenlos I (1974) para , ,;olao de Mar ias Nobre: s intese e contraste, PerMusi. Bela Har izonte, v .7, 2003. p. 37-51

    Durante esse periodo, Nobre assumiu importantes cargos administrativos em instituicoes comoUNESCO, FUNARTE e Academia Brasi/eira de Musica, 0 que, associado ao momento politicovivido pelo pais, ap6s 0 Golpe de 1964, Ihe valeu 0 estigma de "compositor oficial" do regime.Por isso, sua obra tem sido menos executada ap6s a Abertura Politica. Os desafetos docompositor, devido a algumas controvertidas passagens em que Nobre esteve envolvido, adotamuma atitude pouco amistosa para com sua musica (SALLES, 2002, p.248-263). A propriacomposicao de Momentos I foi encomendada pela Itamaraty. Por isso, ele ficou marcadonegativamente em relacao a muitos de seus colegas, e ainda mais por suas desavencas comClaudio Santoro (VIOTTI, 1989; TACUCHIAN, 1996).Polftica a parte, vernos em Momentos fum uso bastante livre da tecnica serial, "nao a germfmica,mas a italiana, livre e desrespeitoso" (MARIZ, 1994, p.373), decorrente, possivelmente, docontato com os mestres serialistas italianos mencionados anteriormente.No entanto, a aplicacao do metoda serial na musica brasileira encontrou forte oposicao parparte de compositores, interpretes e criticos de tendencla nacionalista. Essa oposicao chegoua ser a centro dos debates durante as anos 1950, marcados pela Carta Aberta que CamargoGuarnieri enderecou aos rnusicos e crfticos do Brasil, onde condenava a aplicacao do rnetodododecafonico por parte de compositores brasileiros (KATER, 2001).A epoca em que Marlos Nobre compos Momentos I essa discussao ja nao representava 0mesmo tipo de dilema. Apesar disso, ainda hoje pode-se encontrar estudiosos que se mostramreticentes quanta as possibilidades da musica brasileira sem referencias diretas ao folclore.Por isso, merece destaque 0 modo como Nobre demonstra superar essa dicotomia universal!nacional, utilizando, com Iiberdade, elementos oriundos de ambas fontes.o primeiro contato que um ouvinte desavisado tern com Momentos f pode ser alga assustador.Especialmente quando ouvida em concerto, essa peca pode surpreender ja desde a primeiranota, um pizzicato Barl6k, ou seja, 0 violonista puxa a corda para cima com forca, deixando-abater na escala do instrumento. Mais adiante, chama atencao 0 momento em que a sextacorda do violao e afinada de Mi para Re, em plena execucao,Ha tambem, em Momentos /, 0 apreco pela tradicao formal com a adocao, tarnbern bastantelivre e inventiva, do arcabouco da forma-sonata classlca como sustentacao estrutural destaobra. Ha alga de verdadeiramente ir6nico e intrigante nas lndicacoes de andamento, dinarnicae expressao. extremamente contrastantes, indo do ppp ao sfff, do delicadamente aovio/entfssimo, do con fUOGOao lentissimo.Assim, e perceptivel tanto 0 elemento reconhecido ( a epoca da cornposlcao da obra) como"vanguarda", coexistindo com 0 chamado "neoclassicisrno", a que configura uma atitudecomposicional no minima ecletica.3 Esse ecletismo marcou tambern outros compositores

    3 Varies estudiosos (Tacuchian, Ripper, Ramaut-Chevassus, Buckinx, etc.) consideram esse trace ecletico nacornposlcao como um elemento caracteristico do p6s-modernismo expresso na rnuslca, especial mente ap6s1960, tema quediscutimos em maior profundidade em nossa Dissertacao de Mestrado (SALLES, 2002).

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    brasileiros durante 0mesmo perfodo, como Gilberta Mendes, Almeida Prado, Ricardo Tacuchian,Lindembergue Cardoso e ate mesmo Camargo Guarnieri (SALLES, 2002).

    Chama a atencao a forma como 0 compositor obteve contrastes ritmicos, intercalandocompassos sem indicacao de f6rmula e repletos de fermatas (obtendo um efeito estatico) comoutros onde indicacoes metronornicas sao subvertidas par feericas indicacoes de aceleracao,combinando valores ritmicamente decrescentes com dinarnica em crescendo. Pode-se mesmointerpretar 0 efeito obtido com 0 pizzicato Barl6k como a ernulacao do sam de um berimbau(QUADRIO, 1982), para dar mais uma referencia do universe nacionalista de Nobre, em francocontraste com 0 universalismo da obra.o titulo da peca pode fazer supor um certo carater lrnprovisatorio, descartado quando se oodeestudar a partitura. 0 autor segue a risca 0 preceito schoenberguiano de "discricao"." EmMomentos I, pode-se apreciar uma esplendida concepcao instrumental," cheia de lancesinventivos, como a tema em apojatura, a "recapitulacao", onde a sexta corda e afinada em R esem interromper a execucao (compasso 20), e a exploracao da tessitura, dos timbres e daressonancia harmonica do instrumento.Acreditamos ser 0 dlalcqo entre elementos de sintese (motivos, series, sonata-forma) e contraste(dinarnica, andamento, timbre, textura, idioma) 0 aspecto composicional mais marcante deMomentos I, e e 0 que pretendemos demonstrar nos t6picos da analise a seguir.SfnteseEm geral, a analise tende a concentrar-se nos elementos relacionados aos materiais ritmicos,tonais (no sentido mais amplo, de sistema organizadar de alturas) e formais. No caso deMomentos I, nota-se como Nobre realiza uma verdadeira sintese de varias possibilidades.1.1 MotivosIdentificamos quatro motivos como fundamentais para a elaboracao desta obra. 0 motivo 1(FIG.1) e a motivo de abertura com uma apojatura sabre uma semibreve. efeito de duracaoindefinida e acentuado pela ausencia de f6rmula de campasso e pela colocacao de fermatas:Tal motivo volta a ser explorado nos compassos 4-5, 15 e 22.

    4 De acordo com Schoenberg, 0 compositor deve ser discrete quanta aos rneios tecnlcos empregados, naorevelando imediatarnente a natureza de uma grande obra. ;'A dlscricao e especialmente necessaria quando sealrneja uma inteligibilidade imediata, tal como ocorre na musica popular" (SCHOENBERG, 1993,. p.48).

    5 Marias Nobre conhece bem 0 violao, e tem com este instrumento uma ligagao sentimental, pois seu pr6prio paiera violonisla (MARIZ, 1994, p.374).

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    o motivo 2 (FIG.2) esta no eompasso 2:

    r '...... ,- ~ q _ ~g- = - - - " - = d'ftdeasoFIG.2: motivo 2

    Um motivo 3 (FIG,3), de carater mais complexo, esta contido, em essencia, entre os compassos6-8. Refiro-me a ecetereciio provocada pela gradual reducao dos valores das figuras. Todaessa aqitacao ocorre enquanto se arpeja um aeorde constitufdo pela superposlcao de quartas:

    FIG.3: motivo 3 (compassos 6 a 8).

    Esta mesma ideia reaparece (com variacoes, evidentemente) nos com passos 16-18; 19-20(onde 0 editor pareee ter se esquecido da barra de compasso, que decidi incluir); 23-32; 32-35.o motivo 4 (FIG.4) e a intervalo descendente de quarta justa, orquestrado em harmonicas,amparados pela ressonancia das cordas soltas do motivo imediatamente anterior:

    Todavia, nao pretendemos centrar esta analise sobre a questao motivica. Apenas nos referiremosa ela quando for conveniente para a compreensao de outros fen6menas.1.2 Serieso usa do princfpia serial atem-se neste caso ao domfnio das alturas. Marias Nobre pareeeutilizar as series como urn princfpio unifieador valido para cada secao, sem se importar com aregularidade das series, que oseilam entre 12 e 9 sons. 0usa "desrespeitoso" da serie tarnberncaracteriza-se pela polarizacao feita sabre a nota Mi, como atesta 0 seu usa como urn pedal naabertura da peca, Seria interessante comparar 0 rnetodo serial de Nobre com 0 de seu antigo

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    professor, Luigi DalJapiccola, segundo a abordagem proposta porAlegants 0 que nao sera. feltoaqui por transcender 0 objetivo inicial desta analise (GRASHOFF, 1999).- 0 autor constr6i seu sistema a partir de duas series baslcas (podemos ate considerar quatro,como veremos a seguir), uma de doze sons, outra de nove.E a serie de doze sons que abre a

    peca (vamos ehama-l a de serie 1"; vide FIG.5),.estendendo-se ate 0 inicio do terceiro compasso.Esta serle e simetricamente dividida em duas metades, uma sendo 0 oposto (retroqrado-invertido) da Dutra, cada qual com uma sequencia de tres semitons e outras tres notas nopadrao 2a manor-S" menor:

    o

    Na sequencia (compassos 3 a 5), surge a serie 1b (FIG.6), que e uma inversao de parte daserie 1, considerando-se a partir da segunda nota da serie original (Fa), indo ate a 10a nota(Do) . lsso resulta em uma serie de 9 sons:

    -f ! #~u - 5 < l ! f l t ! . ' 1 1 )FIG.6: serie 1b

    A sene 1c (FIG.7) surge na altura dos compassos 10 a 18, com notas extrafdas da eerie 1transposta (notas 2-4) e retr6grada (notas 5-9), sobrando as duas notas da extremidade, Mi eMib (Re#), respectivamente as notasinicial e final da setie 1 original. Dessa vez, a resultado euma serie com 10 sons:

    6 Nao faremos aqui Usa dos procedimentos de analise pela Teoria dos Conjuntos,. por considerarmos suficientepara nossas proposlcoes a simples transericao da serie em notacao musical tradicional.

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    No compasso 20 esta a sene 1d (FIG.S), outra variante da eerie 1, onde as seis notas finais saoa retroqradacao do final de 1b . As cinco primeiras notas desta serle correspondem a inversaodo trecho correspondente em 1c, embora a relacao intervalar nao seja preservada integralmente.Aqui, a serie tem 11 sons:

    FIG.S: sene 1dA setie 18 e reapresentada com uma (mica permutacao (a ordem de aparicao das notas Fa eFa# esta invertida), a metade da obra (compasso 22), em movimento retroqrado, sendo chamadade serie 1e (FIG.9):

    FIG.9: serie le, retroqrado de 1a.

    No compasso 5 temos a sene 2 (FIG.10), com apenas 9 sons, sem conexao aparente com asene 1 e calcada num arpejo descendente de quartas, realizado livremente como "ponte" parao segundo tema. Esta ideia sera retomada quase litera!mente (com 0 acrescirno de um 06) nocompasso 18, sendo ainda reaproveitada na coda.

    FIG.10: s ene 2Tal "ponte" esta estruturada sobre urn acorde arpejado de seis notas (constituindo uma novasene, a setie 2), converglndo para 0 mesmo motivo de apojatura inicial, arnpliado para as seiscordas soltas do instrumento, cuja dinarnica decresce subitarnente do sfff para p, em funcaode urn ligado descendente.A relacao harmonica obtida, como se ve na FIG.11, e semefhante a tradicional cadenciaoominante- Tonica, embora num contexte serial.

    FIG.11: "Cadencla Dominante - tonica" serial

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    No trecho entre os compassos 22-32 (a "ponte" da recapitulacao), foi empregado umprocedimento semelhante ao dos compassos 5-9, au seja, a partir de um acorde arpejado vaosurgindo as notas da serie, como se a repeticao rapida das notas as mantivesse suspensas,soando ininterruptamente. As series resultantes, series 3 e 4 (F!G.12), tern elementos extrafdosda eerie 1, como a transposicao livre das 6 notas iniciais (na eerie 3) e a mesma sequenciacrornatlca de 4 notas do final da serie 1 (transposta na serie 4).

    FIG.12: series 3 e 4Encerrando a elaboracao de series desta obra, ao final (a partir do compasso 35, ate 0 43)temos uma serie (FIG .13) que rnescl a elementos da setie 3 (intervalos de 33M) e da serie 2 (amesma sucessao descendente de quartas). A maneira de situacoes anteriores (compassos 5-9 e 23-32), as sons da serie sao arpejados cada vez mais lentamente (agora e 0 processoinverso de desaceleracao que prepara 0 desfecho, contrariando as tendenclas da peca ateeste ponto), desaparecendo nos harmonicas finais da obra:

    FIG..13: serle com elementos das series 2 e 3.

    1.3 Sonata-FormaOutro aspecto de slntese presente em Momentos ' e a estruturacao formal semelhante a sonata-forma classlca, embora com todas as liberdades decorrentes do sistema serial empreqado.'Esta atltude algo neoclassica nao s6 condiz com a formacao do compositor, como resulta emmaior c!areza formal, contraposta a inebriante variacao tirnbrtstlca.

    7 Observe-so que a pr6pria forma-sonata do Classicismo e sujeita a diversas interpretag5es quanto a dimensaoe caracterfstica de suas secoes e temas, multo alern da tormulacao proposta por Czerny no sec. XIX, comodemonstra Charles Rosen em Sonata Forms (New York and London: Norton, 1988) e The Classical Style(Expanded edition. New York and London: Norton, 1.998).

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    Aexposiqao (TAB,1) abrange as compassos 1 a 15, assim divididos:Sel;(ao Compasso Caracteristicas dinarnlcas Deflnicoes de andamentoTemaA 1-5 Violento - pizzicato Bart6k Fermatas; terminaabruptamentePonte 5-9 Padrao t-p-t. AceleracaoTema B 10-15 Pianissimo (fortissimo no final) Lentfssimo; conclui com

    harmonicas urn acarde longo seguidode fermata.

    TAB.1: eventos ocorridos na exposlcao dos temas.Merece destaque a caracterizacao do carater contrastante dos dois temas, onde 0 primeirotern urn carater enerqico (masculino) eo segundo, tranquilo (feminino). Colaboram nesse sentidoas indicacoes de dinarnica, as variacoes de andamento e timbre (elementos de contraste quecolaboram para a sintese do conceito formal).Evidentemente, e fora de proposito buscarmos aqui relacoes tonais entre as temas, mas Nobreira caracterizar significativa "rnodulacao" na recapltulacao, num achado de mestre, como veremosadiante. Ate este ponto, a nota Mi serla a centro gravitacional (uma contradicao estruturaJexpllcavel somente pela liberdade com que 0 autor adota a serie como seu principiaorqanlzacor)."As pontes entre as secoes cumprem uma funcao "rnodulatoria", nao a maneira tradicional, noplano unicamente tonal, mas em um aspecto mais ample, pais concentram transformacoessignificativas de andamento, intensidade e textura. Nao e ldentificavel qualquer principia serialatuando sabre esses elementos, embora todos participem ativamente da elaboracao da obra,como se vera mais a frente.o desenvolvimento, entendido aqui como 0 aproveitamento de elementos dos temas A e 8que ocorre entre os compassos 16 a 19, tern seu ponto de maior densldade no compassodezoito (FIG.14), onde os motivos caracterfsticos de ambos os temas dialogam, com suasrespectivas lndicacoes de dinarnlca:

    FIG.14: "Desenvolvimento" (observe-se a superposlcao dos temas).a Note-se que, na exposicao, 0Mi funciona como ostinato; alern disso, a ultima nota da serie, Re#, nada mais e

    que sua "sensivel" a maneira da Escala Maior (ver fig. 5). Ambos elementos colaboram para reforcar essa fortepelarizacao sobre 0 Mi.

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    A recapitula.;ao (TAB.2), conforme mencionado acima, tern urn recurso rnuito interessantepara evocar uma "rnodulacao" dos temas, a maneira de uma sonata tonal. Apes a reaparlcaoda nota Mi, executado na sexta corda salta do violao, ha uma sollcltacao da nota R e um tomabaixo, obrigando a instrumentista a afinar essa corda durante a execucao. Marlos Nobresabe, como demonstra a forma brilhante de resolver a problema af criado, que a corda levaalgum tempo ate adaptar-se a uma nova aflnacao, tendendo a subir levemente. Ha apossibilidade tarnbern de a Interprets, no calor da execucao, encontrar dificuldades emestabelecer com precisao a nova altura. Mas 0 proprio tema A utiliza 0 recurso mais logico parasolucionar essa questao: a Re grave permanece como urn pedal e a sexta corda deve serafinada em Mi bemol uma vez antes de estabelecer-se a Re grave final, dando tempo para quea executante encontre as reterenclas necessarias, alern de fazer com que a vaivern da afinacaoestabilize a nova frequencia,o tema B, por sua vez, incorporara a ressonancla do bordao, agora em Re (doravante 0 novo"centro"), passando a ser "modulado" para este novo centro e adotando a inclusao de umasegunda voz mais grave, em intervalo de setima. A reaparicao deste delicado tema, orquestradoem harmonicas da declrna-segunda casa do instrumento, acontece - como na exposicao -apos a realizacao do motivo 1, expondo a sam das seis cordas soltas do instrumento, queoferecem sua ressonancia como suporte acustico para os harmonicos de menor sustentacaodas primas (nome dado as tres cordas mais agudas do vlolao).

    Se~ao Compasso EventoTemaA 20-21 o "tema" e transposto urn tom abaixo, em funcao da nova

    aflnacao da sexta cordaPonte 22-35 Apes a reapresentacao da serie em sentido retroqrado (c.22),

    comcca uma secao em arpejos que aceleram progressivamenteate os acordes rasgueados dos compassos 32-34.No final desta secao, ressurge 0 motivo 1, numa serie que seramantida ate 0 termino da peca.

    Tema B 36-40 Retorna com a acrescimo de notas harmonicas situadas uma7a menor abaixo, em decorrencia da nova aflnacao.

    Coda 43 Alterna as motivos 1 e 2. A alteracao da nota mais grave fazcom que soem outros harmonicas no acorde final,uma ambigOidade inexistente na primeira aparicao dos temas.

    TAB.2: Diagrama da "recapitulacao",

    2. ContrasteOs elementos de contraste sao responsaveis pela Irulcao superficial de Momentos l, ou seja,causam as sensacoes mais perceptiveis numa primeira aucicao, Mas a analise revela suaparticipacao importante na estrutura da obra. Veremos, portanto, como Nobre utiliza recursosnao relacionados a altura (series), ritmo (motivos) e forma para tecer uma sofisticada tramasonora.

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    2.1 AndamentoAs alteracoes de andamento (TAB.3) foram cuidadosamente elaboradas no sentido de equilibrarporcoes de movimento vertiginoso e suspensao brusca do tempo. Foram varies os recursosufilizados: express6es em ita!iano(cerca de 20, distribufdas ao longo de quarenta e tres compassos),fermatas, indicacoes metronomicas (6 no total) e grupos de figuras musicals indicando aceleracao,retardo e rapido ad libitum, conforme indicado na tabela de slnais especfficos anexa a partitura.

    lndlcacao de andamento Compasso Se4;aorapido 2 Tema A (exposicao)can fuoco 4 Tema A (exposicao)lentissimo 6 Pontelento poco a poco acce/. al rapido 7-8 Pontetentissimo 10 Tema Bpiu tento 12 Tema Btentissimo 16 Desenvolvimentoacce!. 17 Desenvolvimentoperdendosi 18 Desenvolvimentopoco lento ed accel. 19 Desenvolvimentomarcato ed accel. molto 22 Pontemeno mosso ma agitato 23 Pontepoco a poco animando 24 Ponteanimando piu 29 Ponteaceel. 34 Pontetento 36 e 39 Tema B (recapltulacao)meno rapido 43 Codapiu lento 43 Codapiu lento ancora 43 Codalentissimo 43 Coda-AB.3: Alteragoes de andamento em Momentos {

    Pode-se verificar nesta tabela a nftida dlferenciacao entre as temas A e B eo carater "modulat6rio"e cambiante das "pontes" entre as secoes. Nota-se na secao de desenvolvimento, a recorrenclade todas as gradac;oes, desde 0 lentissimo ate a aceleracao,

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    SALLES. Paulo de Tarso. Momen/os I (1974) para v ioli lo de Marios Nobre: s lntese e coruraste. PerMusi. Belo Horizome, v.r, 2003. p. 37-51

    Merece destaque a maneira como a coda 8 gradualmente desace!erada, atraves de indlcacoesde expressao e sinais gn3ficos das figuras musicals.2.2 DinamicaDe maneira semelhante as indicacoes de andarnento, as mudancas de intensidade mereceramtratamento especial no sentido de caracterizar as secoes e tornar compreensfvel a 16gica doautor. Sobretudo, 8 louvavel 0 seu conhecimento pleno das possibilidades dinarnicas doinstrumento, posto que esta nao 8 a caracteristica mais notavel do violao a prirneira vista. 0uso associado de dlnamicas e timbres proporciona urn efeito "casual" e natural, alern deproporcionar ao lnterprete situacoes muito expressivas de onde se pode tirar bom partido.A interacao intensidade-timbre e tal que optamos par coloca-las em uma unica tabela, situadano item a seguir.2.3 Timbreo vlolao 8 um dos instrumentas que mais se ressente de uma lirnitada capacidade dinarnlca,embora tenha se beneficiado, recentemente, do progressa dos sistemas de arnplificacao desom, No entanto, como instrumento a solo, pade-se apreciar a sua imensa gama de timbres(decorrente de suas diversas possibilidades tecnlcas de execucao), e mesmo as nuances deintensidade em seus diversos registros.As cordas soltas, principalmente as bordoes, sao mais ressonantes e produzem muitasharmonicas naturais (a eleicao da nota Mi como centro da serie nao fai a toa, portanto). Ascordas agudas (primas) tern menor sustentacao, mas nelas se obtern harmonicos isolados9 deboa intensidade na altura dos trastes 5, 7 e 12 (a orquestracao do tema B tira partido dessacaracterfstica).Notas ligadas produzem no violao urn efeito cornparavel a arcada dos instrumentos de cordasfriccionadas, onde somente 0 ataque da primeira nota 8 enfatizado. No caso do violao, a quedade intensidade e ainda mais acentuada, e essa caracterfstica 8 explorada no motivo 1 (FIG.1),ao longo de toda a obra (com efeito particularrnente expressivo na coda).Seria, portanto, incoerente, do ponto de vista idiomatico, escrever para 0 vlolao harmonicascom dlnarnlca em fff, ou solicitar crescendo numa passagem com ligadas descendentes. MarlosNabre saube dosar a profusao de indlcacoes com extremo conhecimento dessas caracterfsticas,como se 0 instrumento "tocasse sozinho".Na TAB.4, a seguir, vemos uma lista dos eventos associados de dlnarnlca e timbre (provocadopelo usa especffico de determinada tecnlca de execucao instrumental), com um breve comentariodescritivo.

    9 A tecnlca usada para a obtencao de harmonicas isalados e comum a maioria dos instrumentos de corda (atemesmo 0piano, quando se explara sua "harpa" internal. consistindo em sensibilizarcom 0dedo 0n6 harmonicaem um ponto determinado, sem no entanto apertar a corda.

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    SALLES, Paulo de Tarso, Momen l o oS I (1974) para v ialeo de Marias Nabr,e: s intese e conlraste. P er M us i, Beta Horizonte. vT, 2003. p, 3751

    Timbre/teen lea Dlnarnlca ' comp. I Efeitopizzicato Bart6k fff 1 A 6a corda ricocheteia como um berimbau. A

    expressao "violento" esta expressa na partitura.pizzicato Bartok + sfff 1- 2 Ap6s a ataque inicial, sobre uma apojatura,ligado segue-se um ligado descendente, fazendo comdescendente que a sam prolongado decresca rapidamente.Martelado ff-sft 4-5 Explorando a ressonancia dos bordoos num

    rap'do crescendo, Usa da expressao can fuoco.Ataque + ligado sfff 8-9; 18; Embora a dlnarnlca expressa indique adescendente 35 intensidade do ataque, a realizacao do

    l.igado implica em decrescendo natural.Harmonicas mp-p 10-14 Aproveita-se a ressonancia dos12a casa bord6es do acarde anterior.16-43

    , Rasgueado mp-ff 19;34 Recurso freqOentemente empregado narnusica popular.

    Glissando na sfff 20 Urn dos grandes achados de Nobre:6a corda + "Desenvalve" a ideia do pizzicato na exposlcaoafinacao + do tema e "modula" 0 baixo de M i para Re .ligada Novamente a dinarnica decresce naturalmente,

    sem indicacao expressa na partltura.Rasgueada + sf 21 Ap6s a toque em sfff do bordao (agora em Re), .harmonicas da seus barrnonicos naturais sao enfatizados12a casa pelos harmonicas da casa 12Rasgueado + ff - fff 38 Desenvolvimento do motivo 1, onde 0 editorligado cometeu urn erro ao escrever Mi no baixo

    (a nota correta e Re) .T AB .4 : E fe .ito s t im brts tic os e d in am tc as e m Momentos {

    Fica evidente a intencao do autor em dar urn carater bastante individual aos temas, comlndicacoes precisas e pertinentes para 0 executante. 0 joga de timbres e intensidades trabalhaefetivamente em conjunto com 0 desenvolvimento 16gico da peca.2.4 TexturaAs textures empregadas na peca compreendem a "monodia" das escalas e a "homofania" dearpejos, au seja, desde a sxposlcao nua e crua da "melodia" serial ate a ausencia desta, na"socializacao de alturas" arpejadas, onde todas as frequencies tern igual lmportancia.Nao ha textures polifonicas au homofOnicas (melodia acompanhada) estritas, 0 que confirma aadocao de uma textura serial pelo compositor, cujos constantes desdobramentas e recorrenclasde seu rnetodo serial fundem 0 norlzontalismo mel6dico (onde eventuais momentos polifonicos

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    SALL ES, Paulo de Tarso. Momenlos I (1974) para vlolao de Marias Nobre: sin lese e contraste. Per Musi. Belo Horizonte, vt,2003. p. 37-.51

    nao chegam a estabelecer vozes reais, de acordo com a polifonia estrita) com umverticalismo acordal," 0 que se pode designar como textura diagonal. Curiosamente, a texturapolif6nica - um dos elementos caracteristlcos do nacionalismo brasileiro, de acordo com Mariode ANDRADE (1972), e constantemente praticada par Guarnieri e demais compositores daescola nacionalista, e aqui totalmente refutada par Nobre.2.5 Nacionalismo e folcloreo pernambucano Marias Nobre teve uma fase marcadamente nacionalista, ancorada por seucontato com a folclore musical nordestino. Mesmo numa composicao tao "universalista" quantaMamentos I, esses traces podem ser detectados como "slntese" (de todos os seus processostecnicos e referenciais) e "contraste" (urn pernambucano, ambientado desde a infancia numatradicao folcl6rica muito forte, manipulando as tecnicas europelas de sonata-forma e dacomposicao serial), que transcendem a trajet6ria individual do compositor e ilustram as dilemasda rnuslca erudita brasileira como urn tOdO.11

    o ato de debrucar-se apaixonadamente sobre a violao, a evocacao do timbre do berimbau, osritmos rasgueados, ate mesmo a evocativo titulo de "momentos" para esta serie de obras (ateo presente no nurnero 4 e projetada para 12 numeros) e a adocao da tecnlca serial nao seriamuma maneira do maduro compositor afirmar sua "lndependencla" em relacao ao conturbado epolarizado meio musical brasileiro dos anos 1970? Par extsnsao, nao seria esse seu ecletismo,bern como sua evidente vontade de expressar-se, uma possivel manltestacao de p6s-

    d . ?12mo emtsmc.Embora nao passe de um exercicio especulativo, nao deixa de ser curiosa imaginar a tema deabertura imerso no contexto ritmico do maracatu (que a proprio Marias considera importante em suaformacao estetica e musical), talvez ate como um pedal "psicoI6gico", subjacente a toda esta obra:13. '- ff - 1 . . ' -~ n ~~TI~~.! !l ' .~ IJr- ! i1 l .1~~!2i~~~~~~~~~~~~~g~~i:.~)~

    FIG.15: Simulacao metrica e suporte rltrnico de maracatu no inicio de Momentos I.

    10 Boulez fala de "complexos com densidade verievet' para explicar a tecnlca serial aplicada as alturas e avariabilidade de texturas. BOULEZ, 1981, p.38.

    11 Boa parte da discussao estetlca sabre a musica no Brasil foi sobre 0 posicionamento entre a pesquisa folclorica,ou referencias ao folclore musical, a chamado "nacionallsrno", preconizado por Mario de Andrade e CamargoGuarnieri (ANDRADE, 1972), e sua oposicao visceral a escola de Koellreuter, que introduziu no pais as tecnicasseriais (KATER, 2001). Nobre transita entre essas duas tendencias,

    12 A maneira como definimos a questao do pos-rnodernisrno na rnusica e no Brasil, bem como a participacao deMarlos Nobre nesse sentido, esta exposta detalhadamente em nossa Dlssertacao de Mestrado (SALLES,2002).

    13 MARIZ, op. cit., p. 372.

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    SALLES, Paulo de Tarso. Momentos I (1974) para viclao de Maries Nobre: slntese e contraste. Per Mus;, Belo Horizonle, v.7, 2003. p. 37-51

    3. Conslderacoes finaisConforme a titulo desta analise pressup6e, Momentos / representa uma canalizacao deprocessos composicionais e esteticos que chamam a atencao tanto por sua sernelhanca (aque aludi com 0 termo "sintese") quanta pelas dlferencas ("contraste").Sob a aparente "casualidade" de sons de berimbau, timbres "estranhos", desafinacoes,afinacoes, a (aparente) carater improvisat6rio (talvez decorrente de sua recusa a qualquerelemento polifonico) e 0 proprio tftulo evocativo ("momentos" soa demasiado intima edesvinculado de qualquer forma tradicional), 0 compositor tece discretamente uma teia deelementos da linguagem musical "pura", que alimenta-se dialeticamente dos ornamentos quenervosamente se agitam em sua superftcie.o dialoqo entre a nacional-universal, presente-passado, tonal-serial, intuitivo-racional, erudito-popular e anailse-fruicao dao a essa miniatura uma densidade tal que nos permite refletir naosomente sabre a diversidade cultural brasileira, atraves do conturbado percurso que a rnusicachamada "erudita" vern realizando no pais, como tarnbem sobre a propria condicao da rnusicaconternporanea (e seu afastamento do ouvinte).Momentos I consegue burlar 0 distanci.amento que a tecnica serial costuma provocar no publico(e interpretes), pois, embora manipulando elementos sonoros em estado bruto, 0 faz de maneiraa oferecer, atraves da acao do interprete, alus6es - ainda que subjetivas, admito - a muslcapopular. Ha tarnbern uma ampia exploracao de procedimentos comuns ao violao - timbresdiversos, afinacao, tecnicas, ressonancia harmonica etc. - os quais perdem parcialmente suaeficacia quando apenas apreciados em disco, desvinculados do gestual do interprets.Oentro desse ecietismo, provocado pelo confrontamento de eventos "Iivres e casuals" com aracionalidade do serialismo, esta peca de 43 compassos parece habitar 0 fundo da contradlcaocomplexidade-comunicabilidade, feito rea!izado em raros momentos da rnusica do seculo XX(vern a memoria obras como Wozzeck e 0 Concerto para Via/ina de Berg, alern do Agon, deStravinsky).Penso que os elementos de sintese e contraste, propostos ao inicio deste estudo, elevam-separa alern das questoes meramente descritivas e tecnicas, propondo uma reflexao de naturezaestetica sabre as caminhos da rnuslca no Brasil, onde a oposlcao entre universal e nacionaltende a ser superada na medida em que a pars nao fundamenta sua identidade apenas sabreo folclore.Refermcias bibliogri3ficasANDRADE, Mario de. Ensaio sabre a Music8 Brasifeira. 3a ed. Sao Paulo: Martins Fontes, 1972.BOULEZ, Pierre. A Musica Hoje. Trad. Reginaldo de Carvalho e Mary Amazonas Leite de Barros. 2a ed. SaoPaulo: Perspectiva, 1981.GRASHOFF, Linda. Brian A/egant Receives NEH Grant to Research the 12-Tone Music of Luigi Dallapiccofa.Oberlin College, Oberlin, Ohio, EUA, Site da Internet (www.oberlin.edu), 26 de janeiro de 1999.KATER, Carlos. Musica viva e H. J , Koellreuter: movimentos em direc;ao a modernidade. Sao Paulo: Musa /Atravez, 2001.MARIZ, Vasco. Hist6ria da Musica no Brasil. 4a ed. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira,. 1994.QUADRIO, Mauricio. Marlos Nobre I Yanomani. Texto de contracapa do LP. Sao Paulo: EMI-ODEON, 1982.

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    SALLES, Paulo de Tarso. Mementos I (1974) para v iotao de Marlos Nobre: slntese e contrasts. PerMl.lsi. Beio Horizon!e, v.t , 2003. p. 37-51

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    Paulo de Tarso Salles e compositor, violonista, professor e pesquisador. Mestre em Musics pelo !AIUNESP, com Especiallzacao em Composicao (Faculdade Carlos Gomes, SP) e Bacharelado emInstrumento (violao, Faculdade Sao Judas, SP). Tem participado de importantes mostras de rnusicaconternporanea como a IV Sudio de Musica do JAIUNESP (Sao Paulo, 2001) e 0 IV Encontro deCompositores e lnterpretes Latino-Americanos (Belo Horizonte, MG, 2002).

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