240

PE LiceusEescolasTecnicasSecundarias

Embed Size (px)

Citation preview

Liceus escoLas Tcnicas e secundrias

1

229.98 mm

2

Liceus escoLas Tcnicas e secundrias

3

4

LICEU DE MARIA AMLIA VAZ DE CARVALHO, LISBOA

Edio

PARQUE ESCoLAR, EPE Av. infante Santo, n.2, 7 piso, 1350-178 Lisboa, PortugalCooRdEnAo

5

Teresa HeitorAUToRiA

PARQUE ESCoLAR, EPE diRECo GERAL dE PRoJECTo REA dE EdiFiCAESCooRdEnAo EdiToRiAL

ARGUMEnTUM Filipe JorgeTExTo

Alexandra Alegre, Colaborao: Teresa Heitor, Helder Cotrim, diana Vaz, Joo Carneiro da Silva, Jos Freire da SilvadiAGRAMAS

Lus CalixtoFoToGRAFiA AnTiGA

Arquivo Fotogrfico da Secretaria-Geral do Ministrio de Educao Arquivo do Ministrio das obras Pblicas Arquivo Histrico da Cmara Municipal de LisboaFoToGRAFiA ConTEMPoRnEA

Arquivo da Parque EscolarFixAo E REViSo do TExTo

Cristina MenezesdESiGn GRFiCo E PR-iMPRESSo

ARGUMEnTUM Joo MartinsPRodUo EdiToRiAL

ARGUMEnTUM Edies, Estudos e RealizaesiMPRESSo

noRPRinTTiRAGEM

1000 exemplaresdEPSiTo LEGAL iSBn

320191/10

978-989-96106-4-4

1. Edio dezembro de 2010

6

8

PREFCio - (RE)ConHCER o PATRiMnio ESCoLAR

12

inTRodUo - oBRAS PBLiCAS E EdUCAo. noTA SoBRE AS PoLTiCAS EdUCACionAiS do ESTAdo no SCULo xx

34 36 58 74 86 102 112

1. EdiFCioS PARA o EnSino LiCEAL 1.1. os primeiros edifcios liceu: final da Monarquia e i Repblica 1.2. Anos 30: os liceus modernos 1.3. Plano de 38 1.4. Plano de 58 1.5. Estudos normalizados de 1968 1.6. Transio do Ensino Liceal para o Ensino Unificado

124

2. EdiFCioS PARA o EnSino TCniCo E PRoFiSSionAL

140

3. PRoJECToS-TiPo PARA o EnSino SECUndRio

148 150 152 154 156 158 160 162 164 166 168 170 172 174 176

4. EdiFCioS SELECCionAdoS 1. Liceu de Passos Manuel, Lisboa 2. Liceu de Cames, Lisboa 3. Liceu de Pedro nunes, Lisboa 4. Liceu de Alexandre Herculano, Porto 5. Liceu de Rodrigues de Freitas, Porto 6. Liceu de d. Filipa de Lencastre, Lisboa 7. Liceu de diogo de Gouveia, Beja 8. Liceu de d. Joo iii, Coimbra 9. Liceu de Latino Coelho, Lamego 10. Liceu de S da Bandeira, Santarm 11. Liceu de nuno lvares, Castelo Branco 12. Liceu de Alves Martins, Viseu 13. Liceu de Gonalo Velho, Viana do Castelo 14. Liceu de infanta d. Maria, Coimbra

178 180 182 184 186 188 190 192 194 196 198 200 202 204 206 208 210 212 214 216 218 220 222 224 226 228

15. Liceu de Gil Vicente, Lisboa 16. Liceu de d. Joo de Castro, Lisboa 17. Liceu de Carolina Michaelis, Porto 18. Liceu de Jos Estvo, Aveiro 19. Liceu de Sebastio e Silva, oeiras 20. Liceu de Rainha d. Leonor, Lisboa 21. Liceu de Padre Antnio Vieira, Lisboa 22. Liceu de Afonso de Albuquerque, Guarda 23. Liceu nacional de Cascais, Cascais 24. Liceu de d. Pedro V, Lisboa 25. Escola Preparatria do Ensino Secundrio 26. Projecto normalizado para o Liceu-tipo 27. Escola Secundria de Benfica, Lisboa 28. Escola Secundria Professor Herculano de Carvalho, Lisboa 29. Escola Secundria de Vila nova de Santo Andr, Santiago do Cacm 30. Escola de desenho industrial Marques de Pombal, Lisboa 31. Escola industrial de Machado de Castro, Lisboa 32. Escola Tcnica Elementar de Josefa de bidos, Lisboa 33. Escola Comercial de Filipa de Vilhena, Porto 34. Primeiro Projecto normalizado 1960 (Projecto Mercrio) 35. Escola industrial e Comercial de Gabriel Pereira, vora 36. Escola Agro-industrial de Grndola 37. Escola de Regentes Agrcolas de vora 38. Escola Secundria Professor Reynaldos dos Santos, Vila Franca de xira 39. Escola Secundria de Virgilio Ferreira, Lisboa 40. Escola Secundria de d. Martinho Vaz de Castelo Branco, Pvoa de Santa iria

7

230

ndiCE dE iMAGEnS

236

BiBLioGRAFiA

8

(re)conHecer o PaTriMnio escoLar

Parque Escolar EPE, responsvel pelo Programa de Modernizao das Escolas com Ensino Secundrio, procura com esta publicao LiCEUS, ESCoLAS TCniCAS E SECUndRiAS proporcionar a divulgao dos edifcios escolares da rede pblica, e para a fixao da sua memria, garantindo deste modo a continuidade de um percurso iniciado no final do sculo xix. no sendo uma compilao exaustiva trata-se, sobretudo, de subsidiar o estudo da arquitectura escolar em Portugal, mobilizando referncias histricas e procedendo anlise de estudos de caso. Com base nesta informao pretende-se convocar o debate sobre essa histria recente e ainda insuficientemente estudada, e a reflexo sobre os seus modos de produo, ocupao e transformao. A sistematizao desta informao significa tambm a vontade de contribuir para uma maior sensibilizao do valor e significado do edifcio escolar enquanto artefacto construdo portador de uma identidade arquitectnica prpria que o diferencia dos demais edifcios pblicos. o edifcio escolar que, pela sua condio instrumental de lugar destinado educao e formao, estabelece os limites e as condies em que esse servio prestado, que o identifica e lhe d significado, operando como um discurso que instituiu um sistema de valores e prticas de utilizao, reflexo das formas de conceber a educao e as suas relaes com a sociedade (Markus, 1993). neste sentido, esta publicao vai tambm concorrer para a consciencializao das mudanas ocorridas nos modos de ensino e de aprendizagem e nas formas de apropriao quotidiana do espao escolar ou seja na cultura escolar, entendida esta como o conjunto dos aspectos institucionalizados que caracterizam a escola como organizao (Viao, 1994), na medida em que as solues projectuais reproduzem os modelos organizativos das escolas e os mtodos pedaggicos perfilhados. no capitulo introdutrio obras Pblicas e Educao: notas sobre as politicas educativas do Estado no sculo xx proposta uma leitura cronolgica dos modos de produo dos edifcios escolares presentes no universo estudado edifcios destinados ao ensino publico liceal, tcnico-profissional e secundrio tendo como base referencial o sistema educativo portugus e as reformas mais significativas realizadas ao longo dos ltimos 125 anos e que suportaram as evolues formais e organizacionais protagonizadas numa produo diversificada, com perodos de maior ou menor intensidade. nos quatro captulos seguintes agruparam-se os edifcios escolares de acordo com o programa escolar a que se destinavam ensino liceal, tcnico-profissional, unificado e secundrio relacionando o processo de produo que os assistiu e os modelos pedaggicos que reproduzem com as estratgias arquitectnicas adoptadas. Utilizando como suporte a lgica social do momento, procurou-se identificar os factores que influram na sua concepo e geriram a sua construo e ocupao. o esforo analtico foi ento conduzido para a compreenso da expresso arquitectnica e da correspondente gramtica espacial, formal e construtiva. o perodo compreendido entre o final do sculo xix e a dcada de 1930 sobretudo marcado pela produo dos edifcios escolares destinados ao ensino liceal. Embora diminuta, esta produo surge vinculada a modelos importados, inicialmente a partir de Frana e posteriormente alargados Alemanha. Respondendo a situaes especficas, os programas adoptados conciliam preocupaes de natureza pedaggica e funcional, admitindo um regime de semi-internato hoje designado por turno nico. Visando a melhoria das condies de habitabilidade dos espaos de aprendizagem, abandonado o modelo de edifcio conventual e so experimentadas novas configuraes em extenso. Com isto o edifcio deixa de ser um volume compacto, para se estruturar em funo de eixos ortogonais com funo distribuidora. Mas, as inovaes programticas no se resumem questo higinica. no programa de espaos evidencia-se o investimento no ensino experimental e na prtica do exerccio fsico. os laboratrios organizam-se em ncleos autonomizados relativamente s salas de aula aos

a

9

10

quais se associam espaos de anfiteatro permitindo a aula magistral. Ao ginsio, nalguns casos complementado por uma piscina, conferido um papel central na organizao global da escola e uma valorizao da sua espacialidade. Ainda associado s preocupaes com a sade e higiene escolar so introduzidas novas funcionalidades como o caso do gabinete mdico, do balnerio e do recreio coberto. Exibindo um sentido de monumentalidade, reflectido na imagem e na projeco exterior dos lugares onde se implantam, transitam de uma expresso eclctica dominada pelas Beaux-Arts, embora com forte sobriedade decorativa, passando pela influncia do gosto geometrizado do art dco at afirmao da linguagem modernista. Embora com pouco significado em termos de dimenso, esto aqui representados um conjunto de edifcios com reconhecida qualidade arquitectnica, configurando no seu conjunto uma condio de excepcionalidade no patrimnio escolar portugus. A escala e as caractersticas formais e construtivas destes edifcios, o desfasamento que exibem face s actuais exigncias pedaggicas e ambientais e a necessidade de se proceder sua readaptao funcional e estrutural coloca-os numa posio delicada quanto ao impacto da interveno de requalificao. A partir do final da dcada de 1930, e ao longo das trs dcadas seguintes, sob a responsabilidade do Ministrio das obras Pblicas, observa-se uma viragem nas estratgias adoptadas na produo dos edifcios destinados ao ensino liceal e tcnico, visando uma maior eficcia e controlo das fases de concepo e de construo. A par da criao de um corpo tcnico prprio constitudo por arquitectos, engenheiros e tcnicos de apoio sediado na Junta das Construes para o Ensino Tcnico e Secundrio (JCETS) e do consequente abandono da encomenda exterior, so introduzidos instrumentos de normalizao e recomendao tcnica que enquadram as linhas gerais de concepo, de acordo com um programa-tipo no caso dos liceus, e de ante-projectos no caso das escolas tcnicas. A disciplina construtiva e a sobriedade formal a que os edifcios foram submetidos so reflexo das estratgias adoptadas. A persistncia de um modelo educativo de matriz expositiva, vinculado a princpios de ordem e disciplina, traduziu-se em modelos espaciais de grande rigidez funcional, em que a sala de aula, surge como o elemento base dessa mesma organizao e os espaos complementares so reduzidos ao elementar ou conjugados noutros espaos, como o caso do ginsio que tambm pode funcionar como salo de festas ou a biblioteca como sala de actos. nesta abordagem est tambm patente uma forte resistncia face ao debate internacional ento em curso na rea da educao, cujas repercusses na arquitectura escolar contribuam para a sua afirmao, como o caso das escolas projectadas por Richard neutra, Franz Schuster, Hans Scharoun, Alison e Peter Smithson, Arne Jacobsen ou Herman Hetzberger, amplamente divulgadas pela literatura especializada da poca. no inicio da dcada de 1960 surgem os primeiros sinais de mudana. Em causa estava a discusso iniciada no final da dcada anterior sobre a rede escolar pblica, manifestamente insuficiente em dimenso e desajustada face s orientaes pedaggicas emergentes. ento que os modelos experimentados noutros pases, apoiados em sistemas pr-fabricados, apontando um modo de construir mais clere e econmico, se tornam referncias que se procuram adaptar realidade nacional. de forma gradual, e j sob a responsabilidade partilhada do Ministrio da Educao altera-se o programa de espaos. Recorre-se tipologia pavilhonar e coordenao modular e pr-fabricao cuja aplicao se torna recorrente a partir da dcada de 1970. o programa de espaos, ao tornar-se mais exigente justificou a incorporao de novas valncias e relaes de funcionalidade facilitadas pela adopo da tipologia pavilhonar. A par da especializao de espaos lectivos em pavilhes prprios, so incrementadas as reas de apoio actividade lectiva, como o caso dos sectores administrativo e de direco e dos ncleos de apoio scio-educativo. As zonas de convivialidade estendem-se ao interior do edifcio escolar e adquirem lugar prprio. A biblioteca, adquire maior centralidade e assume-se como um espao de trabalho lectivo. o crescente

protagonismo e especializao dos espaos destinados educao fsica transforma o ginsio em pavilho gimnodesportivo. A sala de aula, apesar de se manter como o elemento base da organizao do espao escolar, abandona a estrutura rgida anteriormente adoptada, experimenta a forma quadrada e aumenta a rea, permitindo maior flexibilidade no uso. inicialmente desenvolvem-se e testam-se solues piloto que posteriormente so corrigidas e fixadas em projecto-tipo. os Liceus de Cascais, d. Pedro V e de Sintra e da Escola industrial e Comercial de vora, so disso exemplo. Algumas das solues propostas so entretanto adaptadas aos modelos j existentes, como no caso do Liceu da Guarda onde criado um sector social e introduzido um espao de convvio encerrado, permitindo conciliar actividades musicais, teatrais, desportivas ou assembleias. na dcada de 80, face ao aumento da escolaridade obrigatria e da populao escolar, so desenvolvidos novos projectos-tipo de estrutura pavilhonar visando solues mais eficazes e cleres com custos de construo reduzidos, evitando situaes de ruptura. o investimento dos projectistas ento dirigido para os procedimentos de coordenao modular e de racionalizao da construo. A complexidade programtica presente nos projectos anteriores abreviada, assistindo-se de novo a uma reduo dos espaos especializados. A clula base da organizao espacial destes novos pavilhes a sala de aula de configurao quadrada que, apoiada na modulao estrutural, permite ser ampliada ou reduzida e deste modo acolher diferentes funes e actividades. A par de todo este processo destacam-se alguns projectos desenvolvidos por via de encomendas especiais. neste grupo que se integra o Liceu Padre Antnio Vieira em Lisboa projectado por Ruy Athougia no final da dcada de 1950, a Escola Agro-industrial de Grndola, a Escola de Regentes Agrcolas de vora e a Escola Secundria dos olivais Velho, actual Herculano de Carvalho projectadas por Manuel Tanha, a Escola Secundria Jos Gomes Ferreira, projectada por Ral Hestnes Ferreira. So projectos que ensaiam diferentes estratgias de concepo que se evidenciam da restante produo arquitectnica. no captulo final apresentado, sob a forma de fichas, um repertrio de edifcios escolares, considerados significativos de entre o universo estudado. na concepo das fichas privilegiou-se a informao grfica, embora nem sempre uniforme, devido em parte a dificuldades de compatibilizao dos registos existentes ou sua indisponibilidade. os elementos descritivos seleccionados, foram complementados por esquemas interpretativos da organizao funcional e tipolgica, permitindo identificar permanncias e rupturas e deste modo apoiar uma anlise comparativa. o material agora publicado tambm ilustrativo do trabalho que a Parque Escolar EPE tem procurado fazer no reconhecimento do patrimnio escolar portugus do ponto de vista da interpretao das condies espaciais e da sua praticabilidade, de modo a conciliar os seus atributos e potencialidades com os objectivos do Programa de Modernizao e consequentemente com as novas exigncias de uso que lhe so colocadas, obrigando a repensar o edifcio escolar na sua globalidade. Em colaborao com a Secretaria-Geral do Ministrio da Educao a Parque Escolar EPE encontra-se a desenvolver o projecto Arquivo digital Arquitectura Escolar Passado e Presente, organizando e divulgando um acervo digital de preservao da memria colectiva. Este arquivo ainda pouco conhecido e divulgado, tem sido essencial para a elaborao dos projectos de modernizao das escolas secundrias, permitindo um conhecimento mais claro de solues estruturais e construtivas em complemento da observao directa do estado actual dos edifcios sujeitos a interveno. este conhecimento que tem permitido operacionalizar o programa e a sua forma de concretizao bem como definir os instrumentos para a sua gesto. Teresa V. Heitor,Vogal do Conselho de Administrao da Parque Escolar EPE

11

introduo

oBras PBLicas e educao. noTa soBre as PoLTicas educacionais do esTado no scuLo XX

OBRAS PBLICAS E EDUCAO. NOTA SOBRE AS POLTICAS EDUCACIONAIS DO ESTADO NO SCULO XX

15

o

decreto da reforma da instruo Secundria, de 17 de novembro de 1836, da autoria de Passos Manuel, aprova o Plano dos Liceus Nacionais que ir substituir as aulas dispersas pelo Pas, criadas por reforma pombalina em 1759. o Plano dos Liceus Nacionais procura, por um lado, o desenvolvimento de uma sociedade industrial, assente na instruo tcnica, cientfica e artstica de grandes

massas de Cidados, que no aspiram aos estudos superiores e, por outro, responde necessidade de um ensino laico, exigido pela extino das ordens religiosas em 1834, que tinham dominado o ensino em Portugal. A planificao curricular da reforma de Passos Manuel integra disciplinas das reas humansticas e novos programas nas reas cientficas, procurando atribuir um sentido prtico e moderno ao ensino e preconizando um mtodo de aprendizagem indutivo e experimental. Esta reforma assenta num regime de ensino por disciplinas mas sem um plano que as articule, no define a sua distribuio em cada ano, a sua carga horria e o nmero de anos de frequncia do curso liceal.1 Para alm das questes pedaggicas e de organizao deste ciclo de ensino, tambm as instalaes liceais esto na origem da dificuldade de implementao do Plano; o Estado no possua meios financeiros para a construo de novos edifcios para acolher a populao liceal e as condies arquitectnicas e pedaggicas das instalaes existentes no cumpriam as exigncias da reforma de 1836. As reformas de Jaime Moniz, em 1894-95, e de Eduardo Coelho, em 1905, conferem um impulso de modernizao ao ensino liceal, assente na adopo do regime de ensino por classes.2 So estabelecidas as bases para a construo dos edifcios liceais introduzindo um conjunto de novos espaos no seu programa. da Reforma de Jaime Moniz destaca-se a adopo do regime de classes, afirmando a sala de aula como o espao por excelncia da actividade instrutiva e, consequentemente, como o espao de modelao e organizao de todo o edifcio. Refere-se, tambm, o estabelecimento do regime de semi-internato nos liceus que, ao impulsionar o alargamento do tempo escolar na vida do aluno associado a princpios de auto-governo, promove a introduo de novos espaos programticos, como as salas de estudo, salas de leitura e espaos de refeio. Assiste-se tambm a uma valorizao das zonas no edificadas do edifcio liceu, incorporando elementos como jardins e hortos, zonas de recreio mais vastas e1 Valente, Vasco Pulido; O Estado Liberal e o ensino. Os Liceus portugueses (1834-1930). Lisboa, Gabinete de investigaes Sociais, 1973. 2 Barroso, Joo; Os Liceus. Organizao pedaggica e administrativa (1836-1960), volume i. Coleco Textos Universitrios de Cincias Sociais e Humanas, Fundao Calouste Gulbenkian e Junta nacional de investigao Cientfica e Tecnolgica, Lisboa, novembro 1995.

16

Ginsio do Liceu de Pedro nunes, Lisboa

espaos para a prtica de Educao Fsica e jogos. Todo o conjunto necessita agora de ser protegido por grades ou muros, assegurando a permanncia e proteco dos alunos no interior dos recintos liceais3. Esta reforma divide os liceus em centrais, onde era ministrado o curso geral (cinco anos) e o curso complementar (6 e 7 ano) localizados em Lisboa, Porto e Coimbra; e nacionais, onde era ministrado unicamente o curso geral e localizados em cada capital de distrito. Esta hierarquizao diferencia a oferta de estudos dos diferentes tipos de liceus: os primeiros destinavam-se ao ingresso no ensino superior; os segundos, ao ensino adaptado a um exerccio profissional. da reforma do ensino liceal de 29 de Agosto 1905, da autoria de Eduardo Coelho, salientam-se duas orientaes que se revelaram fundamentais na evoluo dos edifcios liceu: as questes higienistas e de sade escolar, responsveis pela promoo de novas prticas higinicas por parte do aluno e pela obrigatoriedade da prtica de exerccio fsico; e a importncia atribuda s disciplinas cientficas e ao ensino activo e experimental.3 Silva, Carlos Miguel Jesus Manique da; Escolas Belas ou Espaos Sos? Uma anlise histrica sobre a arquitectura escolar portuguesa (1860-1920). dissertao de Mestrado em Cincias da Educao (Histria da Educao), Univer-sidade de Lisboa/Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao, Lisboa, 2002.

Reclamado internacionalmente, o interesse observado pelas questes higienistas no mbito escolar surge em Portugal associado criao da inspeco Sanitria Escolar da direco Tcnica das Construes Escolares em 1901 e implementao de um plano de higiene escolar sob a responsabilidade de mdicos escolares. A crescente importncia dada a este tema reflecte-se na presena permanente de inspectores

sanitrios nas comisses de avaliao de projectos, no sentido de os conformar com as premissas relativas sade e higiene escolar. A obrigatoriedade da prtica de Ginstica e de exerccio fsico exige a existncia de amplos locais que permitissem a sua prtica, que deveriam obedecer a importantes requisitos de higiene. destaca-se o ginsio no conjunto dos espaos do edifcio liceal, conferindo-lhe um lugar central nas reas programticas e no tratamento espacial do seu interior. A reforma de 1905, de influncia positivista, ir consagrar os princpios da educao moderna, reunindo os currculos de carcter humanista e cientfico, tal como se ir manter durante o sculo xx. Mantendo o regime de classes, revoga o sistema de curso complementar nico e estabelece em sua substituio dois cursos: um de Letras ou Humanidades e outro de Cincias, de dois anos cada, privilegiando as matrias modernas em detrimento das clssicas, conforme os ideais do liberalismo. Esta nova organizao liceal reflecte-se no edifcio, que v assim ampliada a sua complexidade programtica e funcional com a introduo de novos espaos e com a incluso de material didctico e de equipamentos necessrios para o ensino dos diferentes saberes, em particular a Fsica, a Qumica, a Geografia e o desenho. Ao conjunto dos espaos liceais adicionado o laboratrio, permitindo o desenvolvimento de prticas de ensino experimental que, em simultneo, promove a aquisio de material pedaggico com carcter museolgico, utilizado e exposto nas salas de aula especiais, laboratrios e museus.

17

Laboratrio do Liceu de Maria Amlia Vaz de Carvalho, Lisboa

18

A reforma de 1905 determinante para a concepo dos novos edifcios liceais programados para a cidade de Lisboa e Porto. o aumento da populao escolar associado expanso urbana das cidades de Lisboa e Porto obriga diviso das cidades em zonas escolares. o decreto de 20 de Janeiro de 1906 contempla a construo de um edifcio liceu por zona escolar, localizado num terreno central. num primeiro momento, refere-se, em Lisboa, o projecto e a construo do Liceu Cames (1907-09), da 1 zona escolar, e Liceu Pedro nunes (1908-11), da 3 zona escolar, da autoria do arquitecto Miguel Ventura Terra; e posteriormente, destacam-se, no Porto, o Liceu Alexandre Herculano (1914-31), na zona oriental, e o Liceu Rodrigues de Freitas (1918-31), na zona ocidental, da autoria do arquitecto Jos Marques da Silva. Para alm dos novos edifcios, esta reforma vai tambm determinar a soluo final do projecto do Liceu Passos Manuel, da 2 zona escolar de Lisboa, iniciado em 1882 com projecto do arquitecto Jos Lus Monteiro e concludo em 1911 por Rosendo Carvalheira. Este perodo de definio da instituio liceal, que cobre o perodo entre 1836 e o final do sculo, coincide tambm com a promulgao das primeiras reformas destinadas a incentivar a instruo profissional exigida pelo Pas no campo das actividades industriais, aps a criao das primeiras aulas pela administrao pombalina. Procurando captar as atenes e o interesse de um pblico mais vasto de modo a dotar o Pas com tcnicos qualificados, Passos Manuel institui os Conservatrios de Artes e ofcios de Lisboa (18 de novembro 1836) e do Porto (5 de Janeiro 1837). Em 1852, o ensino tcnico-profissional alvo de um forte impulso, por via da aco de Fontes Pereira de Melo que ir promulgar a legislao que permitir instituir o ensino tcnico industrial nas cidades de Lisboa e Porto, dividindo-o em trs graus: elementar, secundrio e complementar. neste mbito so criados o instituto industrial de Lisboa (com Museu da indstria e biblioteca especializada) e o instituto industrial do Porto contemplando oficinas para as diferentes reas de especializao.4 no mesmo ano, o plano de modernizao do Pas cria tambm escolas tcnicas orientadas para o ensino agrcola, com trs graus distintos de ensino e destinadas a alunos com mais de dezasseis anos. o primeiro grau, de ensino elementar, seria essencialmente prtico; o segundo grau, terico-prtico, ministrado em Lisboa, Viseu e vora; e o terceiro grau, de ensino superior, funcionaria em Lisboa, no instituto Agrcola. Tambm o ensino comercial alvo de ateno na mesma poca, ao se anexar ao Liceu de Lisboa uma Seco Comercial, dando continuidade antiga Aula do Comrcio instituda pelo Marqus de Pombal,4 Carvalho, Rmulo de; Histria do Ensino em Portugal. Fundao Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986.

em 1755. Mais tarde, em 1869, o ensino comercial integrado no instituto industrial, que passa a denominar-se instituto industrial e Comercial de Lisboa.

19

Escola de desenho industrial de Marqus de Pombal, Lisboa

na dcada de 80, Antnio Augusto de Aguiar prope uma reestruturao do ensino profissional face aos deficientes resultados alcanados pelas reformas anteriores, particularmente evidentes no atraso industrial do Pas, na falta de qualificao dos trabalhadores do sector e no deficiente ensino terico e prtico das suas matrias. Procede-se regionalizao do ensino tcnico, at ento limitado a Lisboa e ao Porto, assistindo-se ento criao, um pouco por todo o Pas, de escolas profissionais. Em 1884, so criadas as Escolas industriais e de desenho industrial, e as Escolas Prticas (agricultura, vinicultura e lacticnios); em 1886 reformulado o ensino agrcola e veterinrio; e em 1884 publica-se o Plano de Organizao do Curso Comercial no instituto industrial e Comercial de Lisboa. Todas as Escolas Tcnicas Profissionais pertencem ao Ministrio das obras Pblicas, Comrcio e indstria. Em 1888, inaugurado em Lisboa, o primeiro edifcio construdo de raiz para escola profissional a Escola de desenho industrial Marqus de Pombal, com projecto do arquitecto Pedro de vila. Com a proclamao da Repblica em outubro de 1910, o sector da educao e da instruo assume particular relevncia no iderio republicano enquanto importante via para a reforma do pensamento portugus. As reformas republicanas incidem em particular no ensino primrio e no ensino superior, e em menor grau no ensino secundrio.

20

Liceu de Pedro nunes, Lisboa

Aps algumas tentativas falhadas, em 1913 finalmente criado o Ministrio da instruo Pblica do qual ficariam dependentes as direces-Gerais de instruo Primria e Secundria, Superior e Especial, bem como todas as escolas dependentes da direco-Geral do Comrcio e indstria. destaca-se deste perodo a segunda escola profissional do Pas, a Escola industrial Machado de Castro, em Lisboa, projectada em 1915 pelo arquitecto Vtor Bastos e concluda no final da dcada de 20. Em 1918, j sob a presidncia de Sidnio Pais, nomeada uma comisso incumbida de rever o ensino secundrio, que procurou conciliar o ensino humanstico com o ensino cientfico, prtico e utilitrio, contemplando tambm a educao artstica. A nvel programtico, o edifcio destinado ao ensino secundrio, contempla uma biblioteca para professores e alunos; a adaptao de uma das salas a salo cinematogrfico; e, quando possvel, a existncia de um ginsio, balnerios e piscina. Estas alteraes reflectem-se na concepo dos edifcios liceu dos anos 30, no mbito dos concursos ento promovidos para a sua construo. Relativamente s escolas tcnico-profissionais, o Governo de Sidnio Pais coloca-as na dependncia do Ministrio do Comrcio e Comunicaes e do Ministrio da Agricultura. Esta situao alterada em 1929, data a partir da qual todas estas escolas so transferidas para o Ministrio da instruo Pblica.

o perodo que decorre entre 28 de Maio de 1926, que instaura a ditadura Militar, e o final da dcada de 50 particularmente relevante no sector da educao, encarada pelo governo como o principal veculo na difuso dos valores nacionalistas. A poltica de rejeio da coeducao, iniciada em 1926, exigindo a separao de sexos nos estabelecimentos de ensino, determina, no caso do ensino secundrio, a construo de escolas tcnicas e liceais especficas para a populao feminina. Como exemplo, refere-se o primeiro liceu feminino, o Liceu Maria Pia, futuro Maria Amlia Vaz de Carvalho, em Lisboa, e os liceus criados a partir de seces deste primeiro liceu: o Liceu d. Filipa de Lencastre e o Liceu Rainha d. Leonor; e ainda o Liceu infanta d. Maria em Coimbra e o Liceu Carolina Michaelis no Porto. As instalaes liceais so objecto de reforma em 1928, quando, por iniciativa de duarte Pacheco, Ministro da instruo entre Abril e novembro de 1928, criada a Junta Administrativa do Emprstimo para o Ensino Secundrio (JAEES; 1928-34), dependente do Ministrio da instruo Pblica, responsvel pela administrao de um emprstimo de 40 000 000$00 (por isso tambm conhecida como Junta dos Quarenta Mil) contrado pelo Governo, destinado ao relanamento das obras de construo do Liceu Maria Amlia Vaz de Carvalho, em Lisboa, e do Liceu Alexandre Herculano, no Porto, iniciadas durante o regime republicano e entretanto interrompidas; organizao dos concursos para a construo dos liceus de Beja, de Coimbra e de Lamego, entre 1929 e 1931; aprovao do Liceu d. Filipa de Lencastre em Lisboa, da autoria do arquitecto Carlos Ramos, e do Liceu Feminino de Coimbra da autoria do arquitecto Cristino da Silva, respectivamente adiada e abandonada; ao fornecimento de material didctico, mobilirio e postos meteorolgicos para os liceus; realizao de obras de conservao nos liceus de Aveiro, Vila Real, vora, Bragana, Guarda e Braga, edifcios no construdos de raiz. A criao da JAEES permite centralizar num organismo administrativo todas as obras referentes a edifcios liceu, promovendo a melhoria das suas condies materiais. A administrao do emprstimo garantida por uma equipa que integrava, entre outros, um arquitecto e um mdico, o que demonstra a importncia atribuda ao planeamento e fiscalizao das obras pblicas e garantia do cumprimento das exigncias relativas higiene e sade pblica nas novas construes. Em 1933, a JAEES passa para a tutela do Ministrio das obras Pblicas e Comunicaes (MoPC) e, em Agosto de 1934 (decreto-Lei n 24 337), substituda pela Junta das Construes para o Ensino Tcnico e Secundrio (JCETS), integrada no MoPC at 1969, altura em que foi extinta passando os seus recursos a integrar

21

22

a direco-Geral das Construes Escolares (dGCE)5. A nvel de competncias, atribuda a esta nova entidade a responsabilidade do estudo e construo dos novos edifcios destinados ao ensino liceal e tcnico. Ainda relativamente ao ensino tcnico, em 1930-31 a reforma das Escolas industriais e Comerciais de ensino elementar procura uniformizar os diversos tipos de escola existentes, procedendo extino de parte delas e criando outras, entre as quais a Escola de Artes decorativas Antnio Arroio, projectada em 1928 pelo arquitecto norte Jnior, em Lisboa. Tambm no ensino mdio se procedem a alteraes no sentido de desdobrar os institutos industriais e Comerciais de Lisboa e Porto em institutos industriais e institutos Comerciais; e no ensino agrcola so criadas as Escolas de Regentes Agrcolas. Em 1936, o ministro Carneiro Pacheco procede a uma reforma no sector da educao, com a inteno de se reforarem os objectivos ideolgicos e pedaggicos do Estado novo. Salienta-se desta reforma a substituio do Ministrio da instruo Pblica pelo Ministrio da Educao nacional (MEn); a criao da Mocidade Portuguesa; a reforma dos currculos e programas escolares; e a adopo do livro nico no ensino primrio6. no mesmo ano, tambm o ensino liceal alvo de uma reforma que introduz importantes alteraes no sistema vigente, e que vigorar, no essencial, at dcada de 70. Em 14 de outubro de 1936 (decreto-Lei n 27 084), atribuda ao ensino liceal a finalidade especfica de dotar os Portugueses de uma cultura geral til para a vida. Esta clarificao do objectivo do ensino liceal veio simplificar a organizao do currculo escolar, abandonando a distino entre Curso Geral e Curso Complementar e a bifurcao do ensino em Letras e Cincias7. Em sua5 A dGCE foi criada por decreto-Lei n 49 169, de 24 de Julho de 1969, no Ministrio das obras Pblicas, constituindo o organismo de fuso de vrias entidades responsveis pela construo escolar nos diversos ramos de ensino. 6 Gaspar, Jorge; Simes, Jos Manuel; Marin, Ana; As redes de equipamentos colectivos in Medeiros, Carlos A. (dir.), Geografia de Portugal, volume 4 Planeamento e Ordenamento do Territrio. Lisboa, Crculo dos Leitores, 2006, p. 107-165. 7 Em Setembro de 1941, Mrio Figueiredo vai repor a distino entre Curso Geral e Curso Complementar e restituir ao 7 ano do curso liceal o carcter preparatrio para o ensino universitrio.

substituio criado um curso liceal constitudo por sete agrupamentos anuais de disciplinas, distribudo por trs ciclos: 1 ciclo, prtico e descritivo com a durao de trs anos; 2 ciclo, terico e experimental com a durao de trs anos; e 3 ciclo, destinado sistematizao de todos os conhecimentos adquiridos, com a durao de um ano. os liceus onde so ministrados o curso completo passam a designar-se Nacional e os que ministram os dois primeiros ciclos, Provinciais. Este decreto aprova, ainda, a cooperao da Mocidade Portuguesa com todos os liceus. Em Abril de 1938 (decreto-Lei n 28 604) aprovado um importante plano de construo, ampliao e melhoramentos dos edifcios liceu, englobando um programa de trabalhos e respectivos encargos, cuja execuo foi da responsabilidade da JCETS. Com o objectivo de retomar e ampliar a iniciativa de 1928, cujas verbas se tinham esgotado em 1937, o programa de trabalhos, designado Plano de 38, incluiu uma lista pormenorizada dos dez novos edifcios liceu a construir e dos liceus objecto

23

Liceu de oeiras (actual Escola Secundria de Sebastio e Silva)

de ampliaes e melhoramentos. Este nmero revela-se, no entanto, insuficiente face procura escolar que durante os anos 40 triplicou. A vitria dos pases aliados e a reconstruo da Europa exigiram um nvel de competitividade e de padres educativos mais elevados que est na origem do aumento da procura escolar que se verifica aps a ii Guerra Mundial, tambm em Portugal. A partir da dcada de 50, assiste-se a uma alterao das polticas educacionais no sentido de combater o elevado ndice de analfabetismo, de absentismo e de abandono escolar verificado nas escolas. As novas orientaes polticas vo no sentido de fomentar a formao de recursos humanos qualificados, dando um novo impulso a uma formao de base tcnica (1947); e de promover a universalizao do ensino primrio e o cumprimento da escolaridade obrigatria, atravs do Plano de Educao Popular (1952-55), e o seu realargamento para quatro anos (1956). A educao encarada como condio determinante de desenvolvimento econmico, seguindo as orientaes da teoria do capital humano.8 A abertura de Portugal ao exterior, atravs da participao na Conferncia Econmica para a organizao e Gesto do Plano Marshall, em Paris (1947-48), revela-se fundamental na evoluo das orientaes que marcaram a educao a partir dos anos 50, terminando com o isolamento que caracterizou o sistema educativo dos anos 30 e 40. Permitiu o acesso, debate e intercmbio de informao8 A teoria do capital humano tem origem nos estudos de Theodore W. Schultz (1902-1998) e difundida por Gary Becker no final da dcada de 50. Atribu ao ensino uma nova finalidade, assumindo que o crescimento econmico depende do nvel de qualificao da mo-de-obra.

24

e de perspectivas que se revelaram essenciais concepo de polticas para a qualificao de mo-de-obra nacional e consequente expanso da oferta escolar. neste quadro de referncia que em 1947 dado um novo impulso ao ensino secundrio. Com a publicao dos Estatutos do Ensino Liceal e Tcnico (decreto-Lei n 37 029 e Lei n 2 025 de 19 de Junho), o ensino secundrio passa a integrar duas vias distintas: o ensino liceal e o ensino tcnico. o ensino liceal, orientado para o prosseguimento de estudos superiores, com uma durao de sete anos, divididos em trs nveis, 1 ciclo (dois anos), 2 ciclo (trs anos) e curso complementar (dois anos). o ensino tcnico, adaptado s exigncias de uma mo-de-obra qualificada, com um 1 grau constitudo por um Ciclo Preparatrio do Ensino Tcnico Elementar e de Pr-aprendizagem Geral, de dois anos, ramo paralelo ao 1 ciclo do ensino liceal, evitando a transio imediata da instruo primria para os cursos profissionais; e um 2 grau, de Cursos de Aprendizagem, Formao e Aperfeioamento Profissionais, com a durao mxima de quatro anos, permitindo o acesso aos institutos Comerciais e industriais nas reas de servios, formao feminina, indstria e Artes. Estas reformas vieram acentuar a separao entre liceus e escolas tcnicas: os primeiros funcionando como via de acesso privilegiada ao ensino universitrio e as segundas visando a formao de mo-de-obra especializada e o acesso ao ensino mdio. o investimento atribudo ao ensino tcnico-profissional aps 1947, levou construo de novos edifcios, em detrimento dos edifcios liceu. Logo em 1948, com o decreto-Lei n 37 028, publicado um programa de construo de novos edifcios bem como de remodelao e ampliao de edifcios existentes. A JCETS, entidade responsvel pela sua concretizao, em colaborao com a direcoGeral do Ensino Tcnico Profissional, define o programa de espaos a estabelecer em cada escola, bem como as caractersticas especficas de cada. durante a dcada de 50, assiste-se por todo o Pas a um incremento na construo de estabelecimentos pblicos destinados ao ensino tcnico, para os graus elementar, mdio e secundrio e para os ramos agrcola, industrial e comercial. So criadas escolas tcnicas elementares, industriais, comerciais, industriais e comerciais, prticas de agricultura, agro-industriais, de artes decorativas, e ainda as escolas de regentes agrcolas, os institutos industriais e comerciais. Em face do elevado nmero de edifcios a construir com caractersticas semelhantes, e para acelerar o desenvolvimento da rede de escolas tcnicas a partir do final da dcada de 40, a JCETS desenvolve um conjunto de estudos com vista sistematizao de solues arquitectnicas que servissem de base aos projectos

das diferentes escolas tcnicas, facilitando, simultaneamente, a sua execuo construtiva e o controlo administrativo do seu processo de concepo e construo9. data de 1947 o primeiro anteprojecto tipo da Escola Tcnica Elementar, destinada ao Ciclo Preparatrio do Ensino Tcnico Elementar, cuja elaborao visou o desenvolvimento de uma soluo construtiva economicamente favorvel e adaptvel a terrenos com diferentes caractersticas topogrficas e de orientao. A Escola Tcnica Elementar do Bairro de Alvalade, em Lisboa, foi a primeira destas escolas a ser construda. Em 1950, o projecto-tipo elaborado para as escolas tcnicas elementares foi alargado s escolas profissionais. As premissas que orientam a concepo destes projectos iro estar na base de concepo das escolas destinadas ao ensino tcnico profissional durante toda a dcada de 50. o aumento do nmero de edifcios a construir, em especial o que tem lugar com o plano de construo datado de 1960, exige uma nova resposta por parte da JCETS, no sentido de dar cumprimento aos prazos de execuo. Surge, assim, o primeiro Projecto Normalizado, em 1960, destinado concepo e construo de escolas industriais e comerciais. A sua designao afirma a sua aplicabilidade a todos os edifcios de igual programa e, simultaneamente, referencia o princpio de modulao da estrutura construtiva e de elementos da construo na sua concepo. Este estudo de normalizao o primeiro de um conjunto de estudos que a JCETS ir elaborar durante a dcada de 60, propondo e testando novos princpios de concepo alternadamente em edifcios destinados a escolas tcnicas profissionais e a edifcios liceu. Quando o volume de trabalho assim o obrigava, os ateliers eram convidados pelo MoP a desenvolver projectos de arquitectura escolar, como aconteceu, no incio dos anos 60, com as Escolas Agro-industrial de Grndola e de Regentes Agrcolas de vora, da autoria do arquitecto Manuel Tainha. na dcada de 60, a sociedade portuguesa marcada por importantes transformaes econmicas, sociais e culturais que, no seu conjunto, promovem a formao individual como um factor de mobilidade social e de melhoria das condies de vida. na origem desta transformao encontra-se a crescente urbanizao do territrio e uma progressiva abertura ao mundo exterior; o aumento de nvel de vida associado terciarizao do emprego; a valorizao dos diplomas escolares, com reflexos ao nvel do escalonamento de salrio e factor de mobilidade social; e o alargamento do mercado de profisses liberais originando a desvalorizao relativa do capital patrimonial em favor do capital cultural/escolar.9 Silva, Jos Costa; As construes escolares do ensino tcnico profissional in Escolas Tcnicas, Boletim de Pedagogia e Didctica, n. 43, Lisboa, Ministrio da Educao nacional/direco-Geral do Ensino Tcnico Profissional, 1971, p. 291-301.

25

26

Assiste-se a um perodo de expanso da frequncia escolar, exigindo do sector educativo novas orientaes polticas que dessem resposta ao crescente aumento da populao escolar10. Em 1959, o governo portugus assina com a organizao para a Cooperao e desenvolvimento Econmico (oCdE) um contrato para um estudo no campo da Educao. deste apoio internacional resulta o trabalho de investigao Projecto Regional do Mediterrneo (PRM)11, centrado no estabelecimento do planeamento de objectivos educacionais para um perodo de quinze anos, com o propsito de repensar o sistema educativo de forma a melhorar a sua eficcia face s necessidades de mo-de-obra qualificada impostas pelo modelo de desenvolvimento econmico almejado. A concretizao das propostas enunciadas no PRM implica um esforo adicional no sector da construo escolar e no equipamento de novas instalaes escolares, sobretudo ao nvel do ensino ps-primrio. Com efeito, parte do investimento na Educao que o Governo se mostrava empenhado em executar destinado concepo, construo e manuteno de instalaes escolares. nesta estratgia adquirem particular importncia os estudos de investigao orientados para a procura de solues que implicavam a utilizao mais eficaz dos meios financeiros disponveis, atravs da pesquisa de novos modos de projectar e construir.

Liceu de Rainha d. Leonor, Lisboa

10 Grcio, Rui; A expanso do sistema de ensino e a movimentao estudantil in Reis, Antnio (dir.), Portugal Contemporneo (1958-1974), volume 3 Declnio e queda do Estado Novo. Inovaes e contradies na estrutura econmica e social. Tempos de mudana na vida cultural. Valores e mentalidades em confronto. Lisboa, Edies Alfa, 1990, p. 221-258. 11 Este programa, da iniciativa do ministro Leite Pinto, para o perodo de 1960 a 1975, envolvia a ajuda tcnica e financeira da oCdE e foi estendido a outros pases mediterrneos: Espanha, Grcia, itlia, Turquia e Jugoslvia.

27

Liceu de Padre Antnio Vieira, Lisboa

Em dezembro de 1963, o MoP e o Ministrio da Educao nacional (MEn) assinaram com a oCdE um contrato de investigao no campo da construo escolar, por um perodo de dois anos. Para o efeito, forma-se o Grupo de Trabalho Sobre Construes Escolares (GTSCE), integrado na JCETS. o objectivo principal do GTSCE consiste no estabelecimento de normas para cada um dos tipos de edifcios escolares, que simultaneamente se ajustassem s exigncias pedaggicas ento em voga, e que fossem compatveis com os investimentos reservados construo escolar, permitindo a obteno do maior rendimento possvel12. As concluses deste grupo de trabalho revelam-se fundamentais para a evoluo da arquitectura escolar em Portugal, em particular no que se refere ao processo de produo (planeamento, programao, concepo e construo), designadamente na adopo de novos conceitos, metodologias de trabalho, regulamentao e tipologia arquitectnica. A metodologia desenvolvida pelo GTSCE, para o estudo e construo de projectos-piloto para edifcios escolares, evidencia dois aspectos fundamentais: por um lado, permite testar as solues desenvolvidas, exigindo um aperfeioamento de tcnicas construtivas e de organizao funcional; por outro, permite a ligao do estudo dos projectos-piloto com o estabelecimento das normas gerais, aplicveis a todos os edifcios escolares de cada tipo e grau de ensino, e a determinao do limite de custo para os edifcios escolares. de facto, a12 Grupo de Trabalho Sobre Construes Escolares (GTSCE); Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmicos; Relatrio do 1 Contrato (31 de Dezembro 1963 a 31 de Dezembro 1965), I Texto. Lisboa, Ministrio das obras Pblicas e Ministrio da Educao nacional, Junho 1966.

28

Liceu nacional de Cascais (actual Escola secundria de S. Joo do Estoril)

concretizao destas normas em projectos-piloto ir permitir determinar, de modo realista, os encargos econmicos dos mesmos; e, simultaneamente, possibilitar a avaliao da aplicao das normas e sua correco. os projectos-piloto ento desenvolvidos, a construir no concelho de Sintra, integram trs situaes distintas: 1) Projecto-piloto para uma escola de Ensino Primrio Elementar em Mem Martins para 160 alunos, sob coordenao da arquitecta Maria do Carmo Matos; 2) Projecto-piloto do mobilirio escolar para o edifcio de Mem Martins (como complemento do projecto anterior); e 3) Projecto-piloto da Escola do Ciclo Preparatrio do Ensino Secundrio em Mafra, para 704 alunos, sob coordenao do arquitecto Augusto Brando. Este ltimo no construdo por apresentar uma soluo em que os espaos comuns eram partilhados por ambos os sexos, prtica no autorizada na poca. Entretanto, em 1958 (decreto-Lei n 41 572), lanado um plano de construo de dezasseis novos edifcios liceu Plano de 58, a ser executado num prazo de oito anos, pretendendo o governo resolver o problema da carncia de edifcios liceu. os edifcios projectados no mbito deste Plano beneficiaram dos conhecimentos e prticas experimentadas pelo GTSCE. A concretizao deste plano reafirma o impulso e a prioridade atribuda ao ensino liceal, preterido na dcada de 50 a favor do ensino tcnico-profissional. A construo destes edifcios decorre durante toda a dcada de 60 e incio de 70 e caracteriza-se pela heterogeneidade das solues arquitectnicas. Verifica-se nos

projectos do Liceu Rainha d. Leonor, em Lisboa, concludo em 1961; do Liceu Padre Antnio Vieira, concludo em 1965; do Liceu da Guarda, concludo em 1969; do Liceu nacional de Cascais, concludo em 1968 e do Liceu d. Pedro V, concludo em 1970. Em 1964, no cumprimento das recomendaes do PRM, o governo aumenta o nmero de anos da escolaridade obrigatria de quatro para seis anos, para ambos os sexos, passando o ensino primrio a compreender dois ciclos: elementar (quatro classes) e complementar (duas classes). Manteve-se, no entanto, o 1 ciclo do ensino secundrio (1 Ciclo do Ensino Liceal ou Ciclo Preparatrio do Ensino Tcnico) para quem pretendia seguir o estudo liceal ou tcnico. no mesmo ano, o ministro Galvo Teles cria o Centro de Estudos de Pedagogia e Audiovisual. A importncia deste organismo no estudo, promoo e realizao de cursos nas escolas com recurso a processos audiovisuais, designadamente o cinema, a projeco fixa, o rdio, a gravao sonora e a televiso, foi decisiva na alterao dos processos tradicionais de ensino-aprendizagem centrados no professor e num modelo expositivo. tambm na dcada de 60 que se inicia a introduo de polticas e aces de planeamento no sistema escolar portugus, como consequncia das recomendaes do PRM e da criao do Gabinete de Estudos e Planeamento da Aco Educativa (GEPAE), em 1965. A integrao de um captulo dedicado ao ensino e investigao no Plano Intercalar de Fomento (1965-67), que se manteve no III Plano (1968-73) e no IV Plano (1974-79), expressa esta preocupao com o planeamento no sector educativo.

29

Liceu de Afonso de Albuquerque, Guarda

30

Escola Preparatria do Ensino Secundrio

Em 1967, assiste-se a uma nova alterao na poltica educacional. Em Janeiro de 1967 (decreto-Lei n 47 480) criado o Ciclo Preparatrio do Ensino Secundrio (CPES) que, fundindo o 1 Ciclo do Ensino Liceal e o Ciclo Preparatrio do Ensino Tcnico, pretende completar e ampliar a formao de base obtida no ciclo elementar do ensino primrio, em ordem a fornecer uma preparao geral adequada ao prosseguimento dos estudos em qualquer ramo do ensino secundrio; orientar os alunos na escola dos estudos subsequentes a partir da observao de suas tendncias e aptides. Conseguia-se, assim, adiar por dois anos a escolha entre curso liceal e curso tcnico, quando os alunos com 12 ou 13 anos de idade estivessem mais seguros das suas vocaes, e, em simultneo, preparar o prolongamento da escolaridade obrigatria para seis anos. Este ciclo era ministrado em edifcios prprios, com separao de sexos, tornando necessria a construo de edifcios escolares, um por concelho. A construo das Escolas Preparatrias do Ensino Secundrio (EPES) envolveu a criao de uma equipa coordenada pelo arquitecto Augusto Brando, integrada na JCETS, em colaborao com a direco de Servios do Ciclo Preparatrio e com o apoio tcnico da empresa Profabril. Em 1968, esta equipa desenvolve um projecto-tipo a ser implantado em diversas localidades do Pas. Simultaneamente, Maria do Carmo Matos desenvolve o denominado Projecto

Normalizado para Liceu-tipo, para a construo de edifcios liceu em diferentes zonas do pais, listados no III Plano de Fomento. Estas escolas respondem definio de diferentes tipologias de edifcios, criadas pelos novos princpios e objectivos educacionais, originando grandes transformaes na sua concepo e execuo apoiadas em novos sistema construtivos e materiais utilizados que reflectiram uma reduo no seu custo. Em 1970, Marcelo Caetano nomeou ministro da Educao Veiga Simo que introduz no discurso poltico o conceito de democratizao do ensino13. no incio de 1971 apresenta para discusso pblica dois projectos de reforma do sistema de ensino Projecto de Sistema Escolar e Linhas Gerais da Reforma do Ensino Superior que fundamentam as bases da sua reforma, assente no fomento da educao pr-escolar, no prolongamento da escolaridade obrigatria, na reconverso do ensino secundrio e na expanso e diversificao do ensino superior. A reforma da educao de Veiga Simo inscreve-se num quadro poltico e educativo instvel, associado a um perodo de transio e de profunda crise acadmica e poltica, marcado pelo Maio de 1968 e as crises acadmicas que a partir de 1969 se registam em Portugal. insere-se no movimento geral de reforma dos sistemas educativos ento em curso na Europa, e beneficiou dos estudos realizados, com o apoio da oCdE, sobre o sistema educativo portugus. Esta reforma reflecte uma ideia de modernizao do sistema educativo ao promover a democratizao do acesso ao ensino e a diversidade de oportunidades de qualificao escolar. Em Julho de 1973 aprovada a nova Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n 5/73) a que deveria obedecer a reforma do sistema educativo, destacando-se: a institucionalizao da educao pr-escolar; a extenso da escolaridade obrigatria de seis para oito anos; a polivalncia do ensino secundrio e acrscimo da sua durao at ao 12 ano; a unificao do 1 ciclo deste nvel de ensino secundrio; a estruturao da educao permanente e a consagrao do princpio da democratizao do ensino. Relativamente ao sistema de ensino, este passaria a abranger: o ensino bsico, obrigatrio, constitudo pelo ensino primrio (quatro anos) e ensino preparatrio (quatro anos), e o ensino secundrio com dois ciclos de dois anos cada. Com o 25 de Abril de 1974 esta reforma educativa no chegou a ser executada. os acontecimentos do 25 de Abril de 1974 e as consequentes transformaes polticas, sociais e econmicas, repercutiram-se de modo determinante no sistema de ensino nacional. A Constituio de 1976 consagra os princpios de direito de igualdade de oportunidades de acesso e xito escolar,13 Ambrsio, Teresa; o sistema educativo: ruptura, desestabilizao e desafios europeus in Reis, Antnio (dir.), Portugal Contemporneo (1974-1992), volume 4 A implantao do regime democrtico e a descolonizao. A modernizao da economia e da sociedade. A cultura em liberdade. Lisboa, Edies Alfa, 1990, p. 281-290.

31

32

responsabilizando o Estado na criao de uma rede de estabelecimentos pblicos que cubra as necessidades de toda a populao garantindo o ensino bsico, universal, obrigatrio e gratuito. Aps o perodo de instabilidade poltica sentida entre Abril de 1974 e Julho de 1976, quando entra em funes o i Governo Constitucional, verificam-se duas importantes alteraes na estrutura do ensino secundrio: a unificao do curso geral, iniciada no ano lectivo de 1975-7614, e a implantao de cursos complementares de via nica para os dois ramos de ensino, em 1978. A unificao do curso geral, com o objectivo social de igualizao de oportunidades, visa igualmente a actualizao de processos e mtodos pedaggicos, baseada na experincia dos 3 e 4 anos ps-ciclo preparatrio, e o reforo da funo social da escola atravs da sua abertura comunidade. Em outubro de 1978 procede-se reestruturao dos cursos complementares15 procurando-se, como se fizera no unificado, eliminar as duas vias existentes, com o duplo objectivo de facultar o acesso ao ensino superior e de facilitar a insero dos jovens na vida activa. Com a consolidao do ensino secundrio unificado a partir de 1976 e aps a extino do ensino tcnico em 1975 assiste-se extino gradual das instituies liceais. Em Abril de 1978, a designao liceu abandonada definitivamente com o decreto-Lei n 80/78, que estipula que todos os estabelecimentos do ensino secundrio passam a ter a designao genrica de escolas secundrias. neste contexto que se desenvolve o projecto do Liceu de Benfica (posteriormente Escola Secundria Jos Gomes Ferreira) entre 1974 e 1978, da autoria do arquitecto Hestnes Ferreira. ainda neste perodo que o arquitecto Manuel Tainha desenvolve um dos primeiros projectos escolares destinados ao acolhimento do ensino unificado a Escola Secundria Professor Herculano de Carvalho, em Lisboa. o processo de concepo desta escola foi marcado pela pesquisa de solues espaciais e funcionais que traduzissem as novas premissas curriculares e educativas que caracterizaram a fase de transio do ensino liceal para o ensino unificado. o esforo colocado na expanso do equipamento escolar destinado ao14 Em 1976 entra em funcionamento o 7 ano unificado; no ano seguinte, o 8 ano, e em 1978-79 o 9 ano unificado. 15 A estrutura dos cursos complementares organiza-se segundo cinco reas de estudo: cientfico-naturais, cientfico-tecnolgicos, econmico-sociais, humansticos e de artes visuais.

ensino secundrio, iniciado no final da dcada de 60, com o Estudo Normalizado para o Liceu-tipo, retomado no final da dcada de 70 de modo a dar resposta s necessidades efectivas do Pas. Uma equipa coordenada pela arquitecta Maria do Carmo Matos e o engenheiro Victor Quadros Martins desenvolve, na direco-Geral de Equipamentos Escolares (dGEE), tutelada pelo Ministrio da Educao (ME), o Estudo Base para a Elaborao dos

33

Escola Secundria de Benfica, Lisboa (actual Escola Secundria de Jos Gomes Ferreira)

Projectos de Execuo de Instalaes para Escolas Preparatrias e Secundrias (EPI-2) (1976-77). o estudo incluiu a definio de modelos de programao de espaos e uma tipologia de escolas por nvel de ensino e por nmero de alunos, visando sobretudo o recurso construo industrializada com a qual se acreditava ser possvel baixar custos e tempos de execuo dos novos estabelecimentos exigidos pelo alongamento do ensino obrigatrio e pela necessidade de oferta em todo o territrio nacional. Em 1978, a Direco-Geral das Construes Escolares (dGCE), sob tutela do MoP, desenvolveu o conceito de Famlias de Solues, destinado concepo de escolas preparatrias e secundrias. no incio da dcada de 80 que, a par dos Planos Especiais de Construo Escolar que recorrem a sistemas de construo industrializada, se desenvolve o projecto-tipo, designado por 3x3, compacto ou monobloco, incorporando elementos prefabricados, ligeiros e pesados. A partir de 1986, na sequncia da publicao da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n 46/86, de 14 de outubro), o Ministrio da Educao assume em exclusivo a responsabilidade pela construo escolar, passando as competncias executivas para as direces regionais de Educao. o conhecimento acumulado relativo aos projectos tipificados resultantes dos programas anteriores transferido para as direces regionais que os continuam a aplicar para resolver situaes de escolas novas.

1.

edifcios Para o ensino LiceaL

1.1.

os primeiros edifcios liceu: final da Monarquia e i repblica

1.1. Os primeiros edifcios liceu: final da Monarquia e I Repblica

39

no contexto das reformas de Jaime Moniz (1894-95) e de Eduardo Coelho (1905) que so construdos os edifcios liceais das primeiras dcadas do sculo xx. A sua concepo denota uma clara influncia dos modelos franceses dos lyces construdos a partir da segunda metade do sculo xix. Estes modelos so reinterpretados pelos arquitectos portugueses1 nos edifcios liceais

que projectam, que se assumem como elementos estruturantes das novas reas de expanso das cidades de Lisboa e Porto. Salientam-se, em Lisboa, o Liceu Passos Manuel (1882-1911), do arquitecto Rosendo Carvalheira (projecto inicial de Jos Lus Monteiro), e os liceus da autoria do arquitecto Miguel Ventura Terra, o Liceu Cames (1907-09) e o Liceu Pedro nunes (1909-11), seguindo-se a construo do Liceu Maria Amlia Vaz de Carvalho (1915-34); no Porto, da autoria do arquitecto Jos Marques da Silva, o Liceu Alexandre Herculano (1914-31) e o Liceu Rodrigues de Freitas (1918-33). Estes projectos reflectem a importncia atribuda s questes pedaggicas e higienistas emergentes no final do sculo xix. A nvel pedaggico so consagrados o regime de classes, o semi-internato e o ensino activo e experimental; as medidas higienistas traduzem-se na melhoria das condies de habitabilidade do edifcio ao nvel da iluminao, do arejamento e da ventilao dos espaos interiores, e na contemplao de espaos destinados prtica da Educao Fsica no recinto do edifcio liceu. semelhana do Lyce Lakanal (1882-85), de A. Baudot, e do Lyce Buffon (1885-88), de . Vaudremer, a concepo destes liceus orientada pela concretizao dos princpios que melhor servem a finalidade social deste equipamento pblico, assentes na procura de uma economia da soluo e qualidade tcnica do edifcio, na melhoria das condies de conforto e higienizao dos espaos, e na correcta resoluo programtica do edifcio, que garantam as novas prticas pedaggicas assentes no contacto com o espao exterior envolvente. Paralelamente influncia parisiense, o processo de concepo dos edifcios liceu acompanhou a poca de transio que caracterizou o incio do sculo em Portugal, em que os valores tradicionais da arquitectura so confrontados com os novos desafios na rea da construo e da aplicao de novos materiais. Em termos urbanos, os edifcios liceu vo adaptar-se aos novos planos de urbanizao e de melhoria da cidade ento projectados, contextualizando-os na sua envolvente urbana e atribuindo-lhes, por vezes, um papel de elemento estruturador.1 influncia adquirida por Jos Lus Monteiro, Miguel Ventura Terra e Jos Marques da Silva aquando da sua estadia e formao em Paris, no final do sculo xix.

40

Liceu de Passos Manuel (1882-1911), Lisboa. Arquitectos Jos Lus Monteiro e Rosendo Carvalheira o perodo decorrente entre o incio da concepo do Liceu de Passos Manuel, em 1882, com projecto de Jos Lus Monteiro, e a sua inaugurao, em 1911, com projecto de Rosendo Carvalheira, foi marcado por sucessivas redefinies do programa a implementar. Estas indefinies revelam um constante ajustar do edifcio liceu a uma instituio que, tambm ela, se encontra em fase de definio, quer na organizao escolar, quer dos seus objectivos e orientaes pedaggicas. As respostas s exigncias pedaggicas, higinicas e econmicas evidenciam um esforo colocado na qualificao funcional dos espaos, na simplificao do desenho dos seus elementos, na introduo de novos processos construtivos e materiais, mais econmicos e de execuo mais rpida. Em Julho de 1881, nomeada uma comisso, presidida por Antnio Augusto de Aguiar, que integra o arquitecto Jos Lus Monteiro, com a tarefa de escolher o local, organizar o projecto e estudar o oramento para a construo do edifcio destinado ao Liceu Central de Lisboa, futuro Liceu de Passos Manuel. Perante a dificuldade de encontrar, na malha urbana de Lisboa, um terreno com as condies ideais e disponvel para a construo de um liceu, e a urgncia em se construir um equipamento desta natureza, foi aceite a sua implantao na freguesia das Mercs, num lote que ocupa parte de um quarteiro de forma

Liceu de Passos Manuel, Lisboa

irregular, limitado a norte pela Rua da Academia das Cincias, a nascente pela Rua do Sculo, a Sul pela Rua dos Poiais de So Bento e a Poente pela Travessa do Convento de Jesus e Largo de Jesus, a partir do qual se acede ao lote onde est o edifcio liceu. o primeiro projecto desenvolvido pelo arquitecto Jos Lus Monteiro, em 1882, com uma planta de forma trapezoidal, reflectia a rea restrita e irregular do lote. o edifcio organizava os diferentes espaos funcionais em torno de quatro ptios interiores, o que garantia, simultaneamente, a existncia de espaos de recreio e a iluminao e ventilao de todos os espaos do programa. Em termos urbanos, a concepo do Liceu de Passos Manuel integrou o projecto da abertura de novos arruamentos, contemplados nos planos urbansticos para aquela zona da cidade, que permitiam a comunicao de importantes artrias da cidade e facilitavam o acesso da populao ao futuro edifcio. Exceptuando a rua a norte do edifcio liceu, nenhuma destas ligaes foi, no entanto, concretizada, registando-se ainda hoje a difcil acessibilidade a esta escola. Em dezembro de 1887, iniciam-se os trabalhos de construo, suspensos em 1888 pela direco das obras Pblicas. nesta data, a expropriao de dois prdios adjacentes ao local permitiu a ampliao do terreno disponvel e a rectificao da planta trapezoidal para rectangular, simplificando a construo e a correco da geometria dos espaos interiores. Esta alterao, que implicou a inutilizao dos trabalhos de abertura dos caboucos realizados, foi realizada por Raphael da Silva e Castro, arquitecto do Ministrio das obras Pblicas (MoP) e responsvel pela construo da obra. Com a morte deste arquitecto, a direco da obra entregue a Rosendo de Carvalheira, tambm arquitecto do MoP, que ir apresentar um novo projecto para o edifcio liceu em 1896, mantendo no essencial a estrutura espacial do projecto primitivo referenciado tipologia colegial. o projecto de 1896 apresenta uma planta simtrica que organiza sequencialmente, no seu eixo central, a entrada principal, a escadaria de acesso ao piso 1 com um zimbrio, o anfiteatro, o laboratrio qumico, e o volume do ginsio destacado do edifcio principal. o anfiteatro tem acesso ao nvel do piso de entrada e dos ptios, e o p-direito ocupa a altura total do edifcio; ao nvel do piso 1, acede-se a uma galeria que contorna toda a sala. os quatro ptios (com 131m2) so divididos, no sentido norte/Sul, por este conjunto de espaos, e no, sentido nascente/Poente, por recreios cobertos que incluem os sanitrios e galerias de circulao e de ligao dos espaos centrais aos restantes espaos lectivos. As salas de aula ocupam as alas nascente, Sul e Poente, constituindo a base de programao referenciada a uma organizao pedaggica assente na classe.Liceu de Passos Manuel, Lisboa

41

42

o sistema natural de ventilao dos diversos espaos do edifcio conseguido atravs da distribuio de tubagens provenientes da caixa de ar existente no piso inferior. A entrada de ar nas salas de aula garantida atravs de amplas janelas existentes nos alados e de aberturas existentes junto aos pavimentos, com dispositivos de regulao da entrada de ar; a renovao do ar conseguida, em conjunto com o p-direito alto, atravs da existncia de bocas deLiceu de Passos Manuel, Lisboa

sada de ar para as galerias, localizadas junto ao tecto, e destas para os ptios ou para o zimbrio, localizado no cruzamento das diversas galerias de comunicao. na relao do edifcio liceu com a envolvente exterior, Rosendo Carvalheira prope um muro de suporte a Poente, definindo simultaneamente o embasamento do edifcio e o plano marginal da Travessa do Convento de Jesus. Para Sul, regulariza a plataforma do ginsio, cota do piso inferior. Para nascente e Poente prope rampas de ligao entre a plataforma do ginsio e a cota de entrada do edifcio, a norte. proposta ainda uma escada que liga directamente a plataforma do ginsio, a Sul, com a Travessa do Convento de Jesus. A rea conquistada com as expropriaes ocupada com campos de jogos e com a casa do reitor. Segundo o Parecer elaborado pelo Conselho Superior de obras Pblicas e Minas, em novembro de 1896, este projecto encontrava-se em condies de ser aprovado, com a introduo de pequenas alteraes que incluam a supresso do zimbrio e sua substituio por um lanternim. Em 1902, a direco Tcnica das Construes Escolares assume esta obra, sendo responsvel pela organizao do projecto definitivo e do oramento para a sua concluso. no mesmo ano nomeada uma comisso2 para rever o projecto de 1896, que, em Parecer de novembro de 1902, recomenda: a adaptao do edifcio s necessidades do semi-internato e prope o dimensionamento das salas de aula para turmas de um mximo de 40 alunos; a existncia de um grande ptio coberto destinado permanncia dos alunos em dias chuvosos ou a refeitrio (no espao do piso trreo destinado ao anfiteatro); a localizao do anfiteatro no primeiro piso, sobre o espao destinado ao ptio coberto; a transformao dos quatro ptios em apenas dois, pela sua juno dois a dois, no sentido norte/Sul; a substituio dos vos existentes ao longo dos ptios por arcadas formando galerias exteriores; a

2 Entre outras personalidades, esta comisso era composta pelo dr. Ricardo Jorge, inspector-geral de Sade Pblica, pelos dr. Antnio de Almeida dias e dr. S. Costa Sacadura, inspectores Sanitrios Escolares, e pelos arquitectos Rosendo Carvalheira, das obras Pblicas, e Ades Bermudes, director das Construes Escolares.

existncia de residncia no edifcio para empregados (porteiro, guardas e contnuos); a construo de um gradeamento em redor do edifcio; e a separao da habitao do reitor do edifcio principal. So ainda propostas algumas solues construtivas no sentido de diminuir o custo total da construo, nomeadamente a diminuio de cantarias, substituindo-as por tijolo vista, e redesenho dos vos das janelas das fachadas.

43

Liceu de Passos Manuel, Lisboa

Em 1907, mais uma vez se interrompem os trabalhos de construo e, em outubro do mesmo ano, Rosendo Carvalheira apresenta um novo projecto, no sentido de tornar a construo menos onerosa, menos imponente e mais adaptada s novas exigncias higinico-pedaggicas e de organizao dos liceus, expressa na reforma de 1905. o projecto final reflecte uma nova concepo espacial orientada para o aumento dos espaos abertos de recreio dos alunos, acentuando a importncia do desenvolvimento fsico em paralelo com o desenvolvimento intelectual dos jovens. os dois ptios rectangulares aumentam o espao destinado ao recreio e formatura dos alunos e na sua zona de ligao foi criado um recreio coberto com um refeitrio para os lanches dos alunos. A distribuio dos diferentes espaos do programa pelos diferentes pisos do edifcio liceu, estabeleceu, no piso trreo, o aproveitamento de toda a ala Sul, com 4m de p-direito, para a localizao de dois museus nos ngulos Sudeste e Sudoeste do edifcio (mais tarde ocupados por balnerios e um ginsio) e a ligao destes espaos aos pisos superiores atravs de um corredor de ligao a duas caixas de escadas localizadas na fachada Sul. Ainda neste piso, para alm da grande caixa de ar, localizaram-se as dependncias destinadas a residncia de empregados do liceu, arrecadaes, postos do chefe de pessoal e outras dependncias menores. nas fundaes j existentes, e afastado do edifcio principal, contemplou-se a

44

instalao de um ginsio, cota do piso inferior do edifcio, e o prolongamento vertical das suas paredes permitiu a instalao de um laboratrio de Qumica, garantindo assim o isolamento necessrio do edifcio principal, mas estabelecendo com ele acesso directo atravs do prolongamento do pavimento do recreio coberto, no piso intermdio. no piso intermdio, piso de entrada na fachada norte, localizam-se oLiceu de Passos Manuel, Lisboa

vestbulo, a partir do qual se acede ao interior do edifcio, a sala de espera, a casa do porteiro, dependncias destinadas aos professores e funcionrios, gabinetes da inspeco sanitria e assistncia mdica, salas de aula e a sala de desenho. no corpo central encontra-se a escadaria para o piso superior e o recreio coberto, os sanitrios, e permite o acesso ao laboratrio de Qumica. A importncia dada ao ensino cientfico e experimental, consagrada na reforma de 1905, expressa na atribuio de praticamente toda a ala nascente deste piso a espaos destinados ao ensino da Fsica e da Electricidade. no piso superior, localiza-se a sala de festas e reunies, ladeada pela sala de professores e pelo gabinete do reitor; os restantes compartimentos destinam-se a salas de desenho, salas de aula, sala de estudo, gabinetes e biblioteca e, sobre o recreio coberto, o anfiteatro. A nvel construtivo foram cumpridas todas as recomendaes propostas pelo parecer de 1902: introduo de processos construtivos mais rpidos e econmicos, como os pavimentos em cimento armado, que apresentam vantagens no assentamento de diferentes revestimentos como o mosaico nas galerias e o soalho de madeira nas salas de aula; estrutura de ferro para a cobertura; e reduo do emprego de cantarias, limitadas ao corpo central e s guarnies dos vos, substituindo-as por tijolo vista. Liceu de Cames (1907-09), Lisboa. Arquitecto Miguel Ventura Terra Em Julho de 1907, Joo Franco assina o decreto que autoriza o governo a contrair junto da Caixa Geral de depsitos um emprstimo destinado aquisio de terreno e construo do Liceu Central da 1 zona escolar, designado por Liceu de Cames. o arquitecto Miguel Ventura Terra elabora o anteprojecto do edifcio, cuja construo decorre entre Janeiro de 1908 e outubro de 1909. A concepo e construo do Liceu de Cames destaca-se como modelo programtico e tipolgico da arquitectura escolar em Portugal e constitui uma referncia relativamente aos prazos (21 meses) e custos da sua execuo. Localizado no primeiro troo das Avenidas novas, na zona de expanso de Lisboa proposta no plano urbanstico de Ressano Garcia, o Liceu de Cames ocupa

45

Liceu de Cames, Lisboa

um lote com cerca de 15 000m2, limitado a Poente pela Praa Jos Fontana, a norte pela Av. do Almirante Barroso, a nascente por propriedades particulares que o separam da Rua de d. Estefnia, e a Sul pela Rua da Escola de Medicina Veterinria. A sua localizao reflecte a tendncia para o afastamento dos edifcios liceu dos centros urbanos que se verificou no incio do sculo xx, respondendo aos requisitos de ordem higienista, que deveriam garantir reas abertas e salubres e permitir futuras ampliaes. Apesar das crticas sua localizao, o Liceu de Cames vai constituir-se como elemento estruturador e motor de desenvolvimento urbano, ao consolidar o espao pblico envolvente e estabelecer a continuidade do conjunto edificado, atravs das fachadas principal e laterais. Esta ideia manifesta-se no desenvolvimento do futuro Bairro de Cames, na relao que estabelece com o edifcio do Matadouro Municipal e a Escola de Veterinria, e com o novo espao exterior pblico a actual Praa Jos Fontana. A opo conceptual de Ventura Terra, por dois ptios exteriores abertos, ladeados por galerias exteriores de circulao de acesso aos diferentes espaos, e a utilizao de novos materiais e acabamentos, como ferro, tijolo de vidro, marmorite e mosaico, traduz as exigncias higienistas em voga. A soluo do Liceu de Cames concretizou o programa de espaos (biblioteca, museu, gabinete de Fsica e laboratrio de Qumica) e as indicaes propostas na

46

Reforma de instruo Secundria de 1905, evidenciando-se a concepo de um ambiente educativo capaz de promover a permanncia dos alunos dentro do espao da escola. o projecto do Liceu de Cames reinterpreta os modelos franceses dos lyces, baseados numa racionalidade da organizao do programa de espaos que expressa uma forte hierarquia programtica associada a uma funcionalidade deLiceu de Cames, Lisboa

cada uma das suas partes constituintes. Para o efeito, adoptado um sistema de construo mais simples e flexvel, que recorre aos novos materiais, salientando-se a sustentao da cobertura do ginsio atravs de delicadas asnas metlicas de grande dimenso e a galeria metlica que envolve este espao. Com o projecto para o Liceu de Cames, Miguel Ventura Terra ir propor um edifcio-modelo que se caracterizar pela racionalidade e eficcia na soluo que apresenta para a resoluo dos problemas da higiene, vigilncia, economia e conforto. A tipologia em pente assume os ptios, agora abertos, como elementos estruturantes na organizao dos espaos lectivos, e com funes de ventilao, iluminao e comunicao. A planta organizada atravs de trs corpos perpendiculares ao corpo principal, que compe a fachada principal do edifcio, e definem, entre eles, dois ptios. no corpo central, para alm das reas administrativas e o refeitrio, localiza-se o novo espao dos edifcios liceais o ginsio , a eixo da entrada e de simetria de toda a composio, atribuindo-lhe hierarquicamente uma posio de destaque. As duas alas laterais so ocupadas com salas de aula normais, que constituem a unidade de modulao da composio de todo o conjunto. na fachada principal, de dois pisos, salienta-se o corpo central com mais um piso destinado habitao do reitor, e os corpos mais altos que resolvem os ngulos do edifcio. Existem nesta fachada trs acessos ao edifcio: a entrada principal no corpo central, e duas entradas de acesso directo a cada um dos ptios, localizadas entre o corpo central e os corpos que resolvem os ngulos do edifcio, garantindo a distribuio separada dos diferentes ciclos no edifcio (classes 1, 2 e 3 na ala norte e classes 4, 5, 6 e 7 na ala Sul). Em termos funcionais, a introduo destes acessos garante a autonomia dos dois ncleos destinados aos diferentes ciclos liceais. Esta disposio espacial assegura assim uma funcionalidade de cada parte constituinte, reforando a racionalidade e hierarquia presentes na organizao do programa de espaos. no corpo central existe ainda uma porta de acesso independente habitao do reitor. A soluo abre os ptios exteriores a nascente, permitindo a iluminao e ventilao das galerias exteriores cobertas localizadas no seu permetro e que

permitem o acesso s diferentes salas de aula. As salas de aula orientam-se, assim, para as fachadas Sul e norte, e os restantes espaos lectivos para Poente, em contacto directo com a envolvente urbana: a norte, as instalaes de Fsica e Qumica, para as classes mais avanadas, no corpo central o museu, a Sul, para alm dos gabinetes de professores, a sala de conselho e a biblioteca. da entrada principal do edifcio acede-se a um guarda-vento e ao trio do edifcio liceu. a partir deste espao, de forma octogonal, que se comunica com os servios administrativos, os dois ptios de recreio, o ginsio, e com dois ncleos de escadas, simtricos, de acesso ao piso 1. o ginsio separa os dois ptios e ladeado por uma galeria interior altura do piso 1. Subindo o ncleo de escadas encontra-se um trio de acesso biblioteca (anteriormente museu), que desenha o piso 1 do corpo central da fachada principal, e, para cada um dos lados estendem-se as galerias que levam s salas de aula. o acesso s salas de aula do piso 2 resolve-se tambm por escadas, acessveis a partir dos ptios, que se localizam nos vrtices dos ngulos do edifcio. na relao que estabelece com a cidade, Ventura Terra prope um edifcio de volumetria compacta, recuado em relao ao limite exterior do lote, e que se abre para o interior do quarteiro atravs dos ptios. Em 1927, a eixo destes ptios, so construdos dois pavilhes destinados ao gabinete de Fsica, a Sul, e de Qumica, a norte. na dcada de 30 levado a cabo um conjunto de obras com vista melhoria das condies das instalaes para acolher o regime de semi-internato e as actividades circum e ps-escolares. Em 1931 inaugurada a cantina escolar; em 1933, atravs da construo de um muro de conteno e da sua terraplanagem, ergueram-se dois campos de tnis, jardins, arruamentos alcatroados e um pomar e regularizou-se a faixa de terreno a Sul, com cerca de 400m2, para a construo de um campo de patinagem. Em 1935 o edifcio foi alvo de obras de renovao que contemplaram a substituio de grande parte dos madeiramentos, estuques e instalao elctrica e pintura interior e exterior. Liceu de Pedro Nunes (1909-11), Lisboa. Arquitecto Miguel Ventura Terra o processo de construo do Liceu de Pedro nunes surge associado criao de uma zona escolar naquela zona da cidade e, em paralelo, a uma operao urbana que permitiu a abertura da nova Avenida lvares Cabral. Em dezembro de 1907, o Governo publica um decreto que prev a compra do terreno de 36 000m2 para instalao da 3 zona escolar (futuro Liceu de Pedro nunes), de uma escola primria para os dois sexos, e de uma escola normal primria mista;Liceu de Cames, Lisboa

47

48

Liceu de Pedro nunes, Lisboa

considerava-se ainda a hiptese de se construir tambm uma escola industrial. Para o edifcio liceu e seus anexos foram reservados 20 000m2 de um terreno limitado a norte pela Rua Saraiva de Carvalho; a Sul, pelo Jardim da Estrela; a nordeste, pelas traseiras de vrios prdios da Rua de Santa isabel; a Sudeste, pela Avenida lvares Cabral; e a Poente, pelo Cemitrio dos inglesinhos. As escolas primrias no foram construdas, e o liceu iria ceder parte dos seus terrenos construo da Escola de Joo de deus e Escola industrial de Machado de Castro, e Cmara Municipal de Lisboa, para abertura da Avenida lvares Cabral.3 Gomes, Fernanda Maria Veiga; Liceu Pedro nunes, Lisboa in nvoa, Antnio e Santa-Clara, Ana Teresa (coord.), Liceus de Portugal, Histrias, Arquivos, Memrias. Porto, Edies ASA, outubro 2003, p. 536. 4 Manifesta-se neste princpio a influncia do iderio do self-government, em voga desde o incio do sculo xx, e divulgado em Portugal pelos defensores da Educao Nova. A presena de Adolfo Lima, defensor deste movimento, no corpo docente deste liceu, veio certamente contribuir para a valorizao da autonomia no projecto educativo desenvolvido para o Liceu Pedro nunes.

o Liceu de Pedro nunes diferencia-se no panorama dos edifcios liceu portugueses construdos no incio do sculo xx por apresentar um projecto educativo cujos objectivos iniciais se orientavam para o ensino e a educao dos alunos3, e que em 1930 viu as suas funes alargadas formao de professores. Esta condio est na base da inteno, por parte dos professores, estagirios e alunos, de fazer deste liceu um lugar de inovao e experimentao, tornando-o um lugar de referncia no panorama educativo nacional. o projecto educativo apoia-se nos princpios do auto-governo baseados nos princpios de autonomia e responsabilidade associados educao, expressos na mensagem continuamente repetida pelo reitor S oliveira: Ns nos educaremos4. do conjunto de experincias pedaggicas decorridas no Liceu Pedro nunes, salientam-se,

entre outras, o regime de semi-internato no perodo entre 1931-32 e 1942-43, as sesses de cinema pedaggico introduzidas em 1936; o posto emissor de rdio, que transmitia duas vezes por semana; e as conferncias pedaggicas realizadas. Ventura Terra substitui a tipologia adoptada no Liceu de Cames por um sistema mais aberto para o exterior, que se aproxima da tipologia pavilhonar, dispondo trs corpos autnomos linearmente no terreno de implantao, junto nova Avenida lvares Cabral. os princpios associados tipologia em ptio, da centralidade e da vigilncia, no encontram sentido num projecto educativo que apela responsabilidade e autonomia na participao de um projecto comum. os distintos corpos permitem a racional distribuio do programa de espaos, em que o edifcio principal acolhe todas as funes de representao e administrao do liceu, bem como os espaos dedicados prtica de Educao Fsica, e os corpos laterais acolhem os espaos lectivos. Simultaneamente, os pavilhes autnomos permitem o cumprimento de todos os requisitos higienistas ento reclamados. A nvel urbano, os pavilhes permitiam uma melhor adaptao ao terreno, de acentuado declive para a avenida, em que o pavilho central, implantado cota da avenida, desenha o seu limite. a partir deste corpo central que se acede entrada principal do edifcio liceu. neste corpo localizam-se, os servios administrativos, a biblioteca e a sala dos professores, gabinetes de fsica e qumica, o grande ginsio/salo de festas,

49

Liceu de Pedro nunes, Lisboa

50

e, dois ginsios com os respectivos vestirios. A proposta assume a importncia atribuda Educao Fsica pela colocao de trs ginsios no corpo nobre do edifcio liceu o corpo central em contacto com a avenida. Esta ideia tambm expressa na concepo da fachada principal, da qual se salientam os vos do ginsio, cujo p-direito duplo permite o desenho de vos de grandes dimenses, que ocupam os dois ltimos pisos do corpo central.Liceu de Pedro nunes, Lisboa

os corpos laterais, recuados e elevados em relao avenida, implantam-se cota do piso 1 do corpo central, acedendo-se a eles atravs dos recreios em contacto com as fachadas posteriores. Estes corpos, com trs pisos, surgem recuados em relao ao corpo central, desenhando um jardim no terreno em declive para a avenida. As diferentes salas de aula esto situadas nos dois primeiros pavimentos de cada um dos corpos laterais, ao longo de amplos corredores de circulao orientados para as fachadas posteriores. o terceiro piso do corpo a Poente ocupado pelas instalaes de Cincias naturais, e o do corpo a nascente pelas instalaes de Fsica. Todas as salas, excepto as que foram construdas para sala de desenho e que se localizam nos topos dos pavilhes, tm janelas para o exterior e para o corredor, permitindo a iluminao bilateral e a ventilao transversal do seu espao interior. os trs corpos, que no comunicam directamente entre si, so articulados volumetricamente por dois corpos mais baixos de piso nico, onde se localizam, a nascente, o anfiteatro de Fsica e, a poente, o anfiteatro de Qumica. Uma galeria trrea com uma estrutura em ferro coberta de telha, circula ao longo das fachadas posteriores, estabelecendo tambm a ligao ao corredor de acesso ao pavilho do refeitrio e anexos, entretanto demolidos, situado no centro do ptio que separava em dois o recreio. os ptios do Liceu de Cames so aqui substitudos por espaos exteriores abertos, dispostos ao longo das fachadas posteriores dos corpos laterais e dos dois recreios, nos quais foram construdos campos de jogos, para futebol, basquetebol, e tnis. Este espao exterior limitado a Sudeste pelas fachadas posteriores dos trs pavilhes, e a norte pelo limite natural do terreno, e dividido, inicialmente, pelo corpo do refeitrio. A localizao dos ginsios nos pisos superiores do corpo central revelou, no entanto, problemas na sua utilizao, sentidos a nvel estrutural, perturbando as restantes actividades lectivas. na dcada de 60 foi construdo, no limite norte do terreno, um pavilho gimnodesportivo, da autoria de Jos Segurado, incorporando tambm um novo refeitrio, o que permitiu a destruio do pavilho destinado para este fim existente no ptio, na poca j usado como ginsio alternativo.

Esta soluo unificou o espao exterior, destinado posteriormente para recreio e campos de jogos. Liceu de Maria Amlia Vaz de Carvalho (1915-34), Lisboa. Arquitectos Miguel Ventura Terra e Antnio Couto o Liceu Feminino de Maria Amlia Vaz de Carvalho, com projecto inicial de Miguel Ventura Terra, inicia a sua construo em 1915, que interrompida em 1921. Em 1929, a construo retomada e o projecto concludo, ampliado e adaptado s bases higinico-pedaggicas entretanto propostas pela JAEES, pelo arquitecto Antnio Couto, aps o falecimento de Ventura Terra, em 1919. Este edifcio ocupa na totalidade um quarteiro com 14 000m2, da malha reticulada que caracteriza o bairro situado a Poente do Parque Eduardo Vii. o terreno limitado a nascente pela Rua Rodrigo da Fonseca, a Poente pela Rua Artilharia Um, a norte pela Rua Sampaio e Pina, e a Sul pela Rua Marqus de Subserra. A sua concepo adopta a mesma tipologia em ptios abertos do Liceu de Cames, apresentando, no entanto, uma volumetria mais compacta. A planta organiza-se em pente, atravs de quatro corpos perpendiculares ao corpo central que constitui a fachada principal do edifcio voltada para a Rua Rodrigo da Fonseca. os quatro corpos resolvem, na sua cota de implantao, a adaptao doLiceu de Maria Amlia Vaz de Carvalho, Lisboa

51

Liceu de Maria Amlia Vaz de Carvalho, Lisboa

52

edifcio ao declive do terreno para Sul, e constroem trs ptios exteriores a diferentes cotas. A anlise da planta do liceu permite concluir que a organizao e a clarificao funcional associada disposio dos diferentes espaos funcionais em alas ou corpos distintos, conforme concebidas para os anteriores liceus de Cames e de Pedro nunes, no encontram paralelo neste liceu, cujo projecto original foiLiceu de Maria Amlia Vaz de Carvalho, Lisboa

alvo de repetidas alteraes. Exceptua-se o corpo central da fachada principal, ao qual esto associados os espaos nobres do liceu: o salo nobre, a biblioteca e a sala dos conselhos; aos quais se acede atravs da escada principal que liga ao trio da escola. Estes trs espaos, de duplo pdireito, desenham o corpo central do edifcio, e so percorridos na parte superior por galerias. os restantes espaos lectivos, como as salas de aula e laboratrios, distribuem-se quer pelo corpo principal quer pelas alas perpendiculares. Tambm a substituio do espao originalmente destinado piscina por seis salas de aula veio reforar este facto. no projecto original, a piscina e o ginsio concentravam-se neste corpo pela possibilidade de um acesso directo rua situada a Sul do terreno. na organizao dos espaos, o ginsio perde o protagonismo assumido nos liceus de Cames e de Pedro nunes, agora localizado no extremo da ala Sul, no se autonomizando volumetricamente. Contrapondo-se ao corpo do ginsio, localizam-se as instalaes destinadas ao refeitrio no corpo norte do conjunto. A fachada principal constituda por um volume central que contacta com a rua, e dois laterais, recuados, que projectam sua frente pequenos recintos ajardinados e protegidos da rua por um gradeamento. inicialmente os corpos laterais tinham dois pisos e terminavam em torrees de trs pisos. na fachada principal abrem-se trs portas; inicialmente s a do corpo principal servia o Liceu, servindo as outras duas para acesso a uma dependncia da Mocidade Portuguesa Feminina e outra para a papelaria da Associao Escolar. nos anos 50, com o aumento da populao escolar ampliou-se em um piso os corpos laterais da fachada principal, entre os torrees e o corpo central, diminuindo a importncia volumtrica atribuda a estes elementos. A partir desta data realizaram-se sucessivas obras de manuteno, das quais se salienta a construo de coberturas inclinadas em todos os corpos, para resolver os problemas de infiltrao que os terraos apresentavam, alterao com impacto significativo na volumetria do edifcio.

Liceu de Alexandre Herculano (1914-31), Porto. Arquitecto Jos Marques da Silva o processo que desencadeou a concepo e construo do Liceu de Alexandre Herculano caracterizou-se pela demora na deciso de construo e na seleco do local de implantao. Ainda que em 1904 a diviso administrativa do Porto considerasse duas zonas escolares e os respectivos liceus centrais, somente em 1913 se definiu a localizao do terreno destinado ao Liceu de Alexandre Herculano, na zona oriental da cidade junto ao Campo 24 de Agosto e ocupando parte da Quinta dos Sacais. A definio da sua implantao ocorre em 1915, aps a elaborao do projecto final e abertura da nova avenida, actual Avenida Camilo Castelo Branco, que permite dar incio aos trabalhos de construo do edifcio liceu, em Janeiro de 1916. A obra, iniciada depois da aprovao do projecto por uma comisso qual pertenceu Ventura Terra, estaria concluda em 1931, com o impulso dado pela JAEES5. Actualmente, os limites do Liceu de Alexandre Herculano so constitudos, a norte pela Avenida de Camilo, a Poente pela Rua Antnio Granjo, a Sul pela Rua do Herosmo, e a nascente pela Rua Antnio Carneiro. A extenso e orientao do terreno permitiram a Marques da Silva a adopo da tipologia em pente, estabelecida por Ventura Terra em 1907, no Liceu de Cames. na proposta final, Jos Marques da Silva abandona a estrutura fechada do edifcio-quarteiro, abrindo os ptios laterais a Sul. o edifcio recua em relao sLiceu de Alexandre Herculano, Porto

53

Liceu de Alexandre Herculano, Porto

5 Cardoso, Antnio; O arquitecto Jos Marques da Silva e a arquitectura no Norte do Pais na primeira metade do sculo XX. Porto, FAUP Publicaes, 1997.

54

ruas envolventes, projectando para norte e em contacto com a avenida uma rea ajardinada, e isolado atravs de um gradeamento ao longo do limite do lote. o corpo principal implanta-se ao longo da Avenida Camilo Castelo Branco, recuado relativamente a esta, destacando volumetricamente um corpo central; perpendicularmente so projectados quatro corpos destinados s salas de aula,