Pecuária na Amazônia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR NCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZNICOS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL DO TRPICO MIDO MESTRADO EM PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO

LEONELA GUIMARES DA SILVA

PECURIA E AGROINDSTRIA DE EXPORTAO NA AMAZNIA: dinmicas e perspectivas

Belm 2010

LEONELA GUIMARES DA SILVA

PECURIA E AGROINDSTRIA DE EXPORTAO NA AMAZNIA: dinmicas e perspectivas

Dissertao apresentada ao Ncleo de Altos Estudos Amaznicos da Universidade Federal do Par como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Planejamento do Desenvolvimento. rea de concentrao: Economia regional e Desenvolvimento Sustentvel.

Orientador: Prof. Dr. ndio Campos.

Belm 2010

Dados Internacionais de Catalogao de Publicao (CIP) (Biblioteca do NAEA/UFPa) Silva, Leonela Guimares da Pecuria e agroindstria de exportao na Amaznia: dinmicas e perspectivas / Leonela Guimares da Silva; Orientador, ndio Campos. 2010. 104 f.: il.; 29 cm Inclui bibliografias Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Par, Ncleo de Altos Estudos Amaznicos, Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido, Belm, 2010. 1. Pecuria - Amaznia. 2. Agroindstria - Exportao - Amaznia. 3. Pecuria - Comercializao. 4. Economia regional - Amaznia. 5. Comrcio internacional. 6. Concorrncia internacional - Amaznia. I. Campos, ndio, orientador. II. Ttulo. CDD 21.ed. 636. 08809811

LEONELA GUIMARES DA SILVA

PECURIA E AGROINDSTRIA DE EXPORTAO NA AMAZNIA: dinmicas e perspectivasDissertao apresentada ao Ncleo de Altos Estudos Amaznicos da Universidade Federal do Par como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Planejamento do Desenvolvimento. rea de concentrao: Economia Regional e Desenvolvimento Sustentvel.

Aprovado em _____________________ Banca Examinadora Prof. Dr. ndio Campos Orientador NAEA/UFPA

Prof. Dr. Francisco de Assis Costa Examinador Interno NAEA/UFPA

Prof. Dr. Antnio Cordeiro de Santana Examinador Externo UFRA

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a dinmica recente da pecuria da Amaznia. A chegada da agroindstria de exportao esta promovendo uma revoluo na pecuria regional, em termos de transformaes tcnicas para oferecer matria prima de qualidade e com preos competitivos. Mas a principal mudana pode ainda ocorrer na questo ecolgica que envolve a atividade na regio, uma vez que a agroindstria de exportao representada pela empresas JBS, Bertin, Minerva, Marfrig e Independncia, tem submetido a produo de carne bovina da regio s exigncias do mercado internacional: a certificao de um produto legal, sem dar origem a desmatamentos. O resultado pode ser uma reduo no desmatamento e um aumento de produtividade via incorporao de novas tecnologias na pecuria. Palavras-chave: Pecuria na Amaznia. Grande capital agroindustrial. Dinmica recente.

LISTA DE ILUSTRAES

Grfico 1 Exportao brasileira de carne bovina dos cortes in natura e industrializados (mil toneladas), 1994-2005. .............................................................................................................58 Grfico 2 Exportao brasileira de carne bovina dos cortes in natura e industrializados (milhes US$), 1994-2005. ......................................................................................................58 Grfico 3 - Taxa de mortalidade (%) de bovinos at a desmama no Brasil e estados da Amaznia, 2007........................................................................................................................62 Grfico 4 - Taxa de mortalidade (%) adulta de bovinos no Brasil e nos estados da Amaznia, 2007. .........................................................................................................................................62 Grfico 5 - Taxa de natalidade (%) de bovinos no Brasil e estados da Amaznia, 2007.........63 Grfico 6 - Idade do primeiro parto (meses) de bovinos no Brasil e nos estados da Amaznia, 2007. .........................................................................................................................................63 Grfico 7 - Idade do abate (meses) de bovinos no Brasil e nos estados da Amaznia, 2007...63 Figura 1 - Distribuio das plantas frigorficas exportadoras no Brasil, 2008. ........................78

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Principais aquisies realizadas por frigorficos brasileiros no mercado internacional, 2005-2008. .........................................................................................................29 Quadro 2 - Evoluo das reas livres de febre aftosa no Brasil, 1998-2008............................45 Quadro 3 - Estratgia para o setor de carnes de acordo com a Poltica de Desenvolvimento Produtivo. .................................................................................................................................57 Quadro 4 - Empresas lderes da indstria frigorfica brasileira instaladas na Amaznia e pases atendidos por essas plantas, 2010. ............................................................................................79

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Maiores frigorficos exportadores de carne bovina (US$; %), 2006.......................26 Tabela 2 - Concentrao do rebanho bovino (cabeas), e participao percentual (%), Brasil e Regies, 1940/2006. .................................................................................................................37 Tabela 3 - Terras utilizadas com pastagens (ha), e participao percentual (%), Brasil e Regies, 1970/2006. .................................................................................................................39 Tabela 4 - Utilizao das terras com lavouras e pastagens (ha), Brasil e estados selecionados, 1975/2006, e T.G.C. (%), 1975/2006. ......................................................................................40 Tabela 5 - Estabelecimentos registrados no Sistema de Inspeo Federal por regies (unidades) e participao percentual (%), 1995/2006. .............................................................41 Tabela 6 - Produo mundial de carne bovina (T.E.C), e T.G.C. (%), 1992/2008. .................51 Tabela 7 - Consumo mundial de carne bovina (T.E.C.), e T.G.C. (%), 1992/2008. ................52 Tabela 8 - Importao mundial de carne bovina (T.E.C.), e T.G.C. (%), 1992/2008. .............53 Tabela 9 - Exportao mundial de carne bovina (T.E.C), e T.G.C. (%), 1992/2008. ..............53 Tabela 10 - Balano da pecuria bovina brasileira, 1994-2008. ..............................................56 Tabela 11 - Rebanho bovino (cabeas) do Brasil, regio amaznica e demais estados e participao percentual (%), 1990; 2008..................................................................................69 Tabela 12 - Taxa geomtrica de crescimento (%) do rebanho brasileiro, regio amaznica e demais estados, 1974-2008, 1974-1989; 1990-2008. ...............................................................70 Tabela 13 - Evoluo da rea total ocupada (ha), rea de pastagens (ha) e rebanho bovino (cabeas) nos estados da Amaznia, 1975/2006, e T.G.C. (%), 1975/1985; 1985/1995; 1995/2006. ................................................................................................................................72 Tabela 14 - Evoluo da taxa de lotao das pastagens (UA) nas regies do Brasil e nos estados da Amaznia, 1975/2006 e T.G.C. (%) 1975/1985; 1985/1995; 1995/2006...............75

Tabela 15 - Produtividade de criao de gado de corte em pastos plantados em larga escala (5 mil animais) nas regies mais produtivas* da Amaznia e em outras regies do Brasil. ........76 Tabela 16 - Participao (%) dos estados selecionados nas exportaes brasileiras de carne bovina (toneladas), 2004-2009. ................................................................................................80 Tabela 17 - Evoluo dos preos, nominal e real, do boi gordo (R$/@ a prazo), em regies selecionados e T.G.C. (%), 1995-2007.....................................................................................81 Tabela 18 - Evoluo da produo de carne bovina (T.E.C.), de estados selecionados e T.G.C. (%), 1994-2008.........................................................................................................................83 Tabela 19 - Evoluo do abate de bovinos (cabeas), de estados selecionados e T.G.C. (%), 1994-2008.................................................................................................................................84

SUMRIO

APRESENTAO .................................................................................................................10 1 INSERO DA PECURIA AMAZNICA NA NOVA DINMICA DO MERCADO NACIONAL DE CARNE BOVINA....................................................12 22.1 2.2 2.3

DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURA DA INDSTRIA DE CARNES NO BRASIL .......................................................................................................................19A FORMAO DA INDSTRIA DE CARNES NO BRASIL ............................................. 19 A ESTRUTURA DE MERCADO DA INDSTRIA FRIGORFICA BRASILEIRA ........... 22 AS EMPRESAS LDERES DA INDSTRIA FRIGORFICA NACIONAL......................... 25

33.1 3.2

A EXPANSO DA PECURIA NA AMAZNIA.................................................31A PECURIA INCENTIVADA ............................................................................................. 31 DESLOCAMENTO DA PRODUO PECURIA PARA AMAZNIA ............................ 36

44.1 4.2 4.3 4.4

MERCADO INTERNACIONAL E PECURIA NA AMAZNIA .....................43A POLTICA SETORIAL PARA PECURIA E INDSTRIA FRIGORFICA................... 43 MERCADO INTERNACIONAL DE CARNE BOVINA....................................................... 49 O BRASIL NO COMRCIO INTERNACIONAL DE CARNE BOVINA ............................ 55 A FASE RECENTE DA PECURIA NA AMAZNIA ........................................................ 60

4.4.1 4.4.2 4.4.34.5

Evoluo tcnica na pecuria amaznica .................................................................60 Produtividade da pecuria amaznica .....................................................................68 Agroindstria de exportao na Amaznia .............................................................77PECURIA E O DESMATAMENTO DA AMAZNIA: NOVAS PERSPECTIVAS ......... 86

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CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................94

REFERNCIAS .....................................................................................................................96

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APRESENTAO

Este trabalho esta dividido em cinco sees. O primeiro captulo contempla a introduo ao objeto da pesquisa, a construo dos objetivos e das hipteses de trabalho. Para isso, apresenta-se a evoluo da nova dinmica de insero brasileira no comrcio internacional de carne bovina que incorpora a pecuria amaznica como um novo elemento dessa dinmica. Para isso, a aquisio de plantas locais na Amaznia pelo grande capital agroindustrial tem sido a base da expanso desse capital, que assim permite acesso a uma rede de fornecedores de matria prima de qualidade e competitiva. No Captulo 2 apresenta-se a estrutura terica que sustenta a anlise e discusso dos resultados fundamentada na exposio do aporte terico de estruturas de mercado que ajudam a interpretar o fenmeno da chegada da agroindstria de exportao Amaznia. O Captulo 3 trata do aspecto da expanso da pecuria amaznica em dois momentos principais: a pecuria incentivada e a expanso da pecuria no fim dos anos 80, calcada no deslocamento da produo pecuria do Sul e Sudeste para regio. O avano da pecuria na Amaznia se atrela em elementos histricos que se interligam e vo consolidando a atividade na regio. Assim, o primeiro momento expressivo da atividade ocorre entre 1970 e 1985, quando o Estado atravs de uma poltica intervencionista v na pecuria uma atividade propcia a ocupao territorial. Quando os incentivos so reduzidos, a partir de 1985, a pecuria da regio passa por um novo processo de expanso ligado ao deslocamento da produo pecuria nacional de estados da regio Sul e Sudeste, que passam a intensificar a produo agrcola e substituir as pastagens por culturas mais rentveis. O Captulo 4 o centro do trabalho, pois contextualiza trs elementos que deram a tnica para a insero do Brasil no mercado internacional, a saber: a reorganizao da indstria frigorfica e da pecuria nacional; transformaes no mercado internacional de carne bovina; e capacidade produtiva e competitiva para produo dessa commodity no Brasil. Essa expanso implicou que algumas empresas se despontassem no setor frigorfico como lderes do setor e iniciassem o processo de internacionalizao e expanso no territrio nacional. Esse processo implicou na expanso dessa agroindstria na Amaznia, em funo das condies sanitrias e competitivas que a pecuria regional apresenta. Essa agroindstria de exportao chega calcada no processo de mudanas tcnicas que a pecuria regional j experimentava e torna-se elemento indutor de duas principais mudanas: o avano na incorporao de tecnologias na pecuria e a intensificao das pastagens, como forma de reduzir o

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desmatamento causado por pecuaristas no processo de expanso do rebanho. Assim, essa intensificao passa a ser uma conseqncia da chegada dessa agroindstria que agora projeta a carne bovina da regio no mercado internacional, e, portanto, submete a pecuria regional as exigncias do mercado consumidor externo. Assim, procura-se demonstrar a dinmica da pecuria regional submetida a essa agroindstria de exportao e as principais perspectivas para o setor a partir de agora. A ltima seo apresenta as consideraes finais do trabalho.

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INSERO DA PECURIA AMAZNICA NA NOVA DINMICA DO

MERCADO NACIONAL DE CARNE BOVINA

De acordo com alguns estudos do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada1 (IPEA) o padro de insero do Brasil no comrcio internacional muito diferente do padro do comrcio mundial. Prevalece a exportao de commodities primrias e de produtos de baixa intensidade tecnolgica e intensivos em recursos naturais2, que juntos respondem por cerca de 60% do valor das exportaes brasileiras. No caso do comrcio mundial, as exportaes de produtos de mdia e alta tecnologia respondem exatamente por este percentual (ALMEIDA, 2009). Segundo Nakano (2010), entre 1997 e 2007 o investimento lquido nos setores de commodities agrcolas e extrativas apresentou uma variao mdia anual de 16,4%. Os setores de commodities industriais de origem agrcolas e extrativas apresentaram variao de 12,9%; os manufaturados de baixa e mdia-baixa tecnologia 3,4%; e, manufaturados de mdia-alta e alta tecnologia 1,9%. No total, o conjunto das commodities apresentou 13,3% de crescimento no investimento lquido anual, enquanto o conjunto de manufaturados 2,5%. Quando comparadas mdias de dois perodos, o primeiro, 1996-2002 e o segundo, 2003-2007, a taxa de crescimento anual em investimentos lquidos em commodities agrcolas e extrativas foi de 233,3%; em commodities industriais de origem agrcolas e extrativas 99,7%; manufaturados de baixa e mdia-baixa tecnologia, 7,8%; manufaturados de mdia-alta e alta tecnologia, apresentaram reduo de 5,4%. No total, de um perodo para outro, no conjunto dos setores de commodities os investimentos aumentaram 111,8%, enquanto que nos setores de manufaturados reduziram em 0,2%. Assim, Nakano (2010) conclui que a estrutura industrial produtiva brasileira esta regredindo e se especializando em produzir commodities ou manufaturados com base em commodities. A pecuria brasileira se insere neste contexto de especializao regressiva3, uma vezPara consulta ver De Negri e Salerno (2005), De Negri e Arajo (2006), e De Negri e Kubota (2008). Bibliografia sugerida por Almeida (2009). 2 Fenmeno interpretado por alguns autores como doena holandesa, o qual decorrente da existncia de recursos naturais abundantes que geram vantagens comparativas ao pas que os possui e, segundo os mecanismos de mercado, podem lev-lo a se especializar na produo destes bens e no se industrializar ou terminar se desindustrializando, o que inibiria o processo de desenvolvimento econmico. Para Pereira & Marconi (2008), no Brasil o fenmeno cada vez mais presente. 3 Segundo Feij et al. (2005) vrios termos e expresses tm sido utilizados nas discusses sobre as mudanas na estrutura produtiva da indstria provocadas pela abertura comercial e polticas macroeconmicas adotadas ps 1990 no Brasil e em diversos pases latino-americanos. As principais expresses so desindustrializao, desindustrializao prematura, desindustrializao relativa, especializao, especializao regressiva.1

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fornece matria prima para produo da segunda principal commodity da pauta das exportaes brasileiras, a carne bovina. A poltica macroeconmica brasileira induz a essa especializao da estrutura produtiva com um cmbio que no favorece a industrializao e com taxas de juros que inibem o aumento dos investimentos em tecnologia. Assim, produtos como a carne bovina passam ter destaque na economia nacional e nos programas governamentais de incentivos, como a atual Poltica de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lanada em 2008 pelo Governo Federal. Trata-se de uma poltica extremamente abrangente que contempla mais de vinte e cinco setores de atividades, atravs de medidas e aes que foram segmentados em trs grandes categorias de programas: i) mobilizar reas estratgicas; ii) consolidar e expandir a liderana; e iii) fortalecer a competitividade. O complexo produtivo de carnes enquadra-se na estratgia de manuteno da liderana mundial e conquista de mercados, ou seja, faz parte da segunda categoria consolidar e expandir a liderana. A indstria frigorfica recebe ateno em funo do potencial competitivo do setor. Desde 2004 o Brasil lder nas exportaes mundiais de carne bovina e, a partir de 2005 empresas do setor tem se destacado no mercado mundial com a expanso internacional atravs de aquisies de importantes frigorficos mundiais. Entre os objetivos da PDP destaca-se o apoio a internacionalizao de empresas brasileiras. Segundo Almeida (2009) os maiores investimentos para internacionalizao4 de empresas brasileiras realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social5 (BNDES), em 2008, foram destinados a empresas da indstria de carne bovina, a saber: Bertin, JBS, Marfrig e Independncia. O Autor ressalta ainda que estes investimentos no se restringem ao setor de alimentos e tem sido importantes nos setores de minerao e siderurgia (Gerdau e Vale), bebidas (AmBev), petrleo (Petrobrs) e papel e celulose (unio da VCP com Aracruz), entre outros. Ou seja, a poltica destina-se a incentivar a expanso de importantes empresas brasileiras com capacidade de consolidao no mercado mundial, como o caso da JBS que se tornou o maior frigorfico mundial atravs do processo de internacionalizao. Atravs do BNDES o governo brasileiro tem formado alianas estratgicas com as cinco maiores empresas da indstria frigorfica (JBS, Bertin, Marfrig, Minerva e Independncia). Entre 2007 e 2009, estas empresas, que so responsveis porAlem & Cavalcanti (2005) explicam que desde 1995, so consideradas empresas brasileiras quaisquer firmas que tenham plantas produtivas instaladas no pas, independentemente do controle do capital ser exercido por nacionais ou estrangeiros, mas considera-se o processo de internacionalizao aquele referente s empresas nacionais com controle do capital feito por nacionais. 5 Os programas de bioetanol e carnes foram classificados como possuidores da funo de consolidar e expandir a liderana, na PDP, e esto sob a coordenao do BNDES.4

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aproximadamente 50% das exportaes receberam investimentos do BNDES, em troca de aes para o governo brasileiro6. Os trs frigorficos que receberam a maior parte do investimento pblico foram: Bertin, uma das maiores comercializadoras de couro do mundo; JBS, maior grupo de processamento de protena animal a nvel mundial e nacional, e Marfrig, a quarta maior comercializadora mundial de carne (GREENPEACE, 2009). Em 2009, Bertin e JBS realizaram uma fuso, na qual a Bertin tornou-se mais uma marca da empresa JBS. Com esta fuso, o BNDES, que detinha participao nos dois grupos, passou a ter 22,4% do capital total do novo conglomerado (CARVALHO, 2009). O relatrio do GREENPEACE, lanado em 31 de maio de 2009, afirma que essa poltica de internacionalizao apoiada pelo Estado esta influenciando na dinmica da pecuria da regio amaznica, pois a presena desses grandes grupos na regio tem implicado na exportao de carne bovina oriunda de reas desmatadas. Assim, consumir essa carne implica em contribuir para o desmatamento regional. Como conseqncia imediata deu-se o boicote a carne bovina produzida na Amaznia, em especial quela produzida nos frigorficos do estado do Par. O Ministrio Pblico Federal pediu para que as grandes redes de varejistas no comprassem essa carne e a reao imediata dos frigorficos foi a promessa de no adquirir mais o gado de fazendas que desmatam. Esses grupos recebem apoio financeiro atravs dos financiamentos do BNDES para se consolidarem como multinacionais soberanas no mercado de carne bovina mundial e para expandir as exportaes como forma de garantir a liderana do Brasil nesse mercado. A instalao das plantas desses grupos na regio interliga o grande capital agroindustrial a uma base de fornecedores de matria prima capaz de contribuir para ampliao da oferta de carne bovina brasileira no mercado internacional. At meados da dcada de 90 o Brasil tinha parcela significativa no mercado mundial de carne bovina, mas enfrentava dificuldades para expandir sua participao em funo de problemas sanitrios (febre aftosa no rebanho) que implicavam em barreiras no-tarifrias7 pelos mercados importadores. Por exemplo, a Austrlia em 1992, com uma produo correspondente a 4,02% da produo mundial, participava com 23,75% do total mundial exportado. J o Brasil, com uma participao na produo mundial de 9,67%, participava comAlmeida (2009) apresenta que em 2008 a participao societria do BNDES no capital do grupo Bertin S.A foi de 26,92%; no Grupo JBS S.A de 13%; no Marfrig Frigorficos, de 14,66%; e no Grupo Independncia, 13,89%. 7 O comrcio internacional, no um mercado completamente livre para as trocas comerciais. Diversas so as formas de restries que podem ser impostas a no que diz respeito ao fluxo internacional de mercadorias. Destacam-se nesse sentido as Barreiras No-Tarifrias, modalidade mais comum de ao restritiva ao comrcio internacional entre os pases, j que as mesmas no podem ser mensuradas, e referem-se a obstculos resultantes de regulamentaes para o comrcio internacional e englobam medidas sanitrias e fitossanitrias.6

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apenas 8,65% das exportaes mundiais de carne bovina (USDA, 2009). O Brasil participava principalmente com as exportaes de produtos crneos industrializados, para qual no h tantas restries sanitrias como para os cortes in natura. Assim, para tornar-se lder trs elementos foram fundamentais para insero soberana do pas nesse comrcio. Um deles corresponde s aes direcionadas pelo Governo Federal, atravs do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento8 (MAPA) visando reestruturar a cadeia produtiva de carne bovina. Essa cadeia formada pela indstria de insumos; pecuaristas; indstrias de abate e de preparao da carne; distribuidores (atacadistas e varejistas); e consumidor final; sendo a espinha dorsal constituda pelos pecuaristas, indstria frigorfica e varejista (WILKINSON; ROCHA, 2005). As aes estiveram direcionadas para os elos: pecuria e indstria frigorfica. Entre as principais medidas se destacam o Programa de Erradicao da Febre Aftosa (PNEFA) e as Portarias 304 e 145. O PNEFA teve incio em 1992 e obteve o primeiro resultado em 1998 com o reconhecimento da primeira rea livre de febre aftosa com vacinao nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A certificao de rea livre de febre aftosa tem reconhecimento internacional com o aval da Organizao Internacional de Epizootias (OIE). As medidas adotadas a partir das Portarias 304 e 145 introduziram modificaes racionais e progressivas para se alcanar avanos em termos higinicos, sanitrios e tecnolgicos na distribuio e comercializao de carne bovina, bubalina e suna. Essas portarias tambm tiveram, por princpio, a reorganizao de toda a cadeia agroindustrial da pecuria de corte no Brasil (INSTITUTO..., 2000). O segundo elemento corresponde s transformaes no mercado mundial de carne bovina nas duas ltimas dcadas. A incidncia na Europa da encefalopatia espongiforme bovina (BSE), popularmente conhecida como doena da vaca louca; o foco de febre aftosa em 2002 e o caso confirmado da vaca louca nos Estados Unidos e no Canad em 2003; a seca australiana; e os problemas de febre aftosa no rebanho da Argentina; foram alguns dos fatores que contriburam para mudanas significativas. Fatos de ordem sanitria desembocam frequentemente em embargos s exportaes; na reduo do consumo em funo do medo de novas doenas, por parte dos consumidores; e, em sacrifcio de rebanhos, o que, dependendoA partir de 2001 atravs da Medida Provisria 2216-37 de 31 de agosto de 2001 o Ministrio da Agricultura e Abastecimento incorporou em seu nome a designao pecuria, passando a ser denominado Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento. Esta ao se deu em funo da clara demonstrao da importncia deste segmento pelo destaque do agronegcio de carnes no mercado brasileiro, bem como no mercado global (BRASIL, 2009a).8

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da dimenso, implicar na reduo da oferta de matria-prima. O terceiro elemento diz respeito a capacidade produtiva e concorrencial da carne bovina brasileira. O rebanho brasileiro destaca-se aproximadamente desde 1990 como o segundo maior rebanho mundial. O pas estava entre os 10 maiores produtores mundiais de carne bovina desde o incio da dcada de 90. Em 1994 o Brasil era o quinto exportador mundial de carne bovina. Assim, mesmo apresentando capacidade de produo o pas no superava, por exemplo, as exportaes da Austrlia em funo de no atender critrios do mercado consumidor internacional como estar livre da febre aftosa e pela produtividade de algumas reas exportadoras como Austrlia, EUA e Unio Europia. Em relao a competitividade, com vantagens proporcionadas pela abundncia e qualidade de recursos naturais o Brasil concorre no mercado internacional de commodities, com menores custos de produo. Segundo Pineda (2000 apud NEVES et al. 2000) no Brasil os custos de produo so em mdia 50% inferiores aos de outros grandes exportadores de carne bovina, como os Estados Unidos e a Austrlia. Esta vantagem pode ser caracterizada pelo que Bain (1956 apud POSSAS, 1990, p. 95) chama de vantagens absolutas de custos, que so atribudas ao controle de mtodos de produo (com ou sem patentes), insumos, equipamentos, tipos de qualificao do trabalho, capacidade empresarial etc., inclusive vantagens monetrias - em preos favorecidos ou crdito mais barato e/ou acessvel. Outro fator diz respeito alimentao do rebanho brasileiro. O governo federal proibiu a utilizao de rao elaborada com tecidos de ruminantes na alimentao de ruminantes, pois este tipo de alimentao pode provocar a doena da vaca louca. Os trs elementos reorganizao da cadeia produtiva, transformaes no mercado internacional e capacidade produtiva e concorrencial deram a tnica para o Brasil iniciar um processo de expanso em suas exportaes de carne bovina no fim da dcada de 90 e assim tornar-se o lder nesse mercado. A parte a capacidade produtiva e concorrencial, que acompanham a pecuria brasileira, os outros dois elementos passam a se coadunar durante a dcada de 90. Os problemas sanitrios que ocorreram nos rebanhos bovinos de grandes exportadores como Unio Europia, Argentina, EUA geraram um nicho de mercado para outros exportadores na dcada de 90, somou-se, assim, ao processo de reorganizao da cadeia produtiva de carne bovina, e a uma poltica cambial que passava a favorecer as exportaes a partir de 1999. Esse fenmeno exigir da indstria frigorfica atendimento desse mercado consumidor com matria-prima de qualidade. As exportaes de carne bovina brasileira tinham como

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origem a produo de So Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Gois e Mato Grosso do Sul. Esses estados constituem a rea onde a indstria frigorfica primeiro se instala no incio do sculo XX. As empresas a localizadas vo atender a expanso das exportaes brasileiras. No entanto, o consumo brasileiro de carne bovina corresponde ao terceiro consumo mundial e, portanto, expandir as exportaes implicava em no desconsiderar o mercado interno. A partir desse momento a capacidade produtiva da Amaznia comea a se destacar no cenrio da pecuria brasileira no atendimento do consumo interno e pela insero nas exportaes brasileiras de carne bovina. A chegada do grande capital agroindustrial na Amaznia expressa sua insero nesta dinmica. Este trabalho trata das novas relaes entre a pecuria na Amaznia e as empresas lderes da indstria frigorfica de exportao brasileira. Esta configurao recente nos estados da Amaznia. Para essas grandes empresas o fornecimento de matria prima de qualidade com preo baixo fator de competitividade, pois no basta ter o recurso, mas esse recurso precisa ser competitivo. Em grande parte detentoras de processos de certificao para exportao, essas empresas chegam a regio com tecnologia semelhante utilizada nas plantas de origem em suas plantas de origem. Em contrapartida, a Amaznia apresenta capacidade produtiva, competitiva e de qualidade de matria prima para atender a agroindstria de exportao. A chegada dessa agroindstria esta intrinsecamente ligada a capacidade da regio em atender essas empresas com matria prima semelhante a de outros estados exportadores. Partindo dessa perspectiva, este trabalho objetiva analisar a dinmica de relao entre a pecuria da Amaznia e o grande capital agroindustrial que ora se faz presente na regio. A partir disso surge como questionamento qual a nova dinmica e as perspectivas dessa relao para pecuria regional?. Consideram-se como hipteses de trabalho que: a) b) A chegada dessa agroindstria de exportao esta promovendo uma evoluo tcnica A presena dessas grandes empresas vai se tornar um fator de mudana na questo na pecuria regional para oferecer matria prima de qualidade e com preos competitivos; ecolgica, uma vez que essas empresas tem submetido a carne bovina da Amaznia ao mercado internacional. Mercado este que no pretende consumir carne com origem de desmatamento, e, portanto, uma nova fase da atividade pode ser iniciada baseada no aumento de produtividade sem incorporao ilegal de novas reas que promovem o desmatamento da Amaznia. A Amaznia Legal Brasileira formada pelos estados do Acre, Amap, Amazonas, Mato Grosso, Par, Rondnia, Roraima, Tocantins e parte do Maranho (oeste do meridiano de 44). O fenmeno em anlise pode ser visto em uma parte da Amaznia, onde podemos

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encontrar a interligao entre pecuria e grande capital agroindustrial. Assim, nos estados de Mato Grosso, Tocantins, Rondnia, Par e Acre encontra-se instalando plantas das empresas JBS, Bertin, Marfrig, Minerva e Independncia. O fenmeno em anlise, diz respeito a pecuria desses estados da Amaznia que nesse momento tem a presena desse grande capital agroindustrial.

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DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURA DA INDSTRIA DE CARNES NO

BRASIL

2.1

A formao da indstria de carnes no brasil

O setor de abate e processamento de carne bovina no Brasil desponta aproximadamente entre 1913 e 1923, com base em investimentos externos. Aqui se instalaram as norte-americanas Wilson, Armour e Swift e a britnica Anglo, nas regies Sul e Sudeste, com foco nas exportaes para atender a demanda do mercado internacional durante e aps a Primeira Guerra Mundial, trazendo um padro de produo no nvel dos pases desenvolvidos, daquele perodo. As condies tcnicas proporcionadas pelo desenvolvimento nos Estados Unidos e na Europa dos processos de conservao a frio e tambm do transporte martimo refrigerado, impulsionam o mercado mundial de carnes congeladas e processadas (SUZIGAN, 2000). O interesse desses grupos em instalarem-se no Brasil ocorria em virtude da aproximao com Argentina e Uruguai, onde j estavam instalados, dos estmulos proporcionados pelo governo federal brasileiro e pelos governos estaduais, e as possibilidades de desenvolvimento da pecuria bovina no sul e no sudeste do pas (CAMPOS, 1994). Em funo da chegada dessas empresas com foco nas exportaes, data-se de 27 de janeiro de 1915 o primeiro passo para criao de uma legislao voltada para fiscalizao da qualidade da carne bovina produzida no pas. Neste ano surge o Servio de Inspeo Federal9 (SIF), at o momento responsvel pela fiscalizao da indstria frigorfica nacional. Entre 1913 e 1923, onze frigorficos de grande porte foram instalados no Rio Grande do Sul, So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, sendo cinco deles de capital nacional, dois de capital ingls e quatro de capital norte-americano (SUZIGAN, 2000). A elevada capacidade de abate instalada, a escassez de animais e a propagao da febre aftosa, provocaram um aumento nos preos da matria-prima. A concorrncia entre as empresas deEm 1915, no Governo de Venceslau Brs, por meio do Decreto no 11.460, o Servio de Veterinria passou a denominar-se Servio de Inspeo de Fbricas de Produtos Animais. Neste ano, surge o primeiro regulamento, com vinte e trs artigos que definiam as linhas mestras do rgo de Inspeo do Ministrio da Agricultura, Indstria e Comrcio. Ha noventa e quatro anos o SIF atesta a qualidade sanitria dos produtos de origem animal. A atuao junto aos estabelecimentos registrados no Departamento de Inspeo de Produtos de Origem Animal certifica que estes produtos esto aptos ao consumo sob o aspecto sanitrio e tecnolgico, e em conformidade com a legislao (BRASIL, 2009a).9

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grande porte levou absoro dos frigorficos nacionais pelos de capital internacional, e assim a indstria de frigorficos de bovinos passou a ser controlada pelo capital externo (PIGATTO, 2004). No geral, o abastecimento de carne bovina para o consumo interno era realizado em precrios matadouros, que forneciam carne fresca para o consumo local, e em alguns frigorficos nacionais de mdio porte. Em parte essa situao perdura at os dias de hoje, pois ainda possvel verificar o abate clandestino sem fiscalizao destinado s feiras e aougues locais. Segundo Bnkuti (2002) o abate clandestino atingia aproximadamente 50% do abate de bovinos no Brasil em 2001. Durante a segunda guerra mundial, as exportaes de carne bovina cresceram de maneira desordenada, o que implicou na reduo do rebanho, e consequente reduo da oferta de carne bovina para o mercado interno. Esta situao obrigou o governo a intervir proibindo exportaes de carne bovina em 1943 e limitando o abate. A situao estabiliza-se a partir de 1951, quando o governo libera as exportaes (MLLER, 1987 apud CAMPOS, 1994). Com a expanso do mercado interno10, em especial a partir de 1950, o consumo interno de carne bovina assume maior importncia, implicando em um desenvolvimento maior dos frigorficos que abasteciam o mercado interno. O padro de produo dos frigorficos nacionais assume novo carter, incorporando equipamentos mais eficientes de abate, tecnologia e refrigerao. Este processo se estende ao longo das dcadas de 60 e 70 com a industrializao da agricultura brasileira11. Neste perodo a agroindstria de carne bovina passa a se fortalecer e os frigorficos de capital nacional comeam a incorporar tecnologias semelhantes as dos grandes grupos exportadores. A partir da dcada de 60 alm do principal ncleo da indstria, os frigorficosSilva (1996) apresenta que foram o rompimento do complexo rural e o surgimento do complexo cafeeiro simultneo ao processo de substituio de importaes - que permitiram o desenvolvimento do mercado de trabalho e a constituio do mercado interno no pas. Foi um longo processo iniciado a partir de 1850, que se acelerou aps a grande crise de 1929, com a orientao clara da economia no sentido da industrializao, e acaba se consolidou nos anos 50 com a internalizao do D1 (produtor de meios de produo) industrial. Assim, completa-se o processo geral de industrializao e se inicia nos anos 60 o processo de industrializao da agricultura, qual seja, o de montagem do D1 agrcola e do proletariado rural, que respondero pelo fornecimento de capital fixo e varivel, respectivamente, para a nova dinmica de acumulao de capital do campo. A partir disso, o novo centro dinmico da economia, indstria e a vida urbana, impe suas demandas ao setor rural e passa a condicionar suas transformaes, que vo culminar nos anos 70 na constituio dos Complexos Agroindustriais, os chamados CAIs. 11 No final da fase de expanso do ciclo da industrializao pesada brasileira se instalam no Brasil as principais indstrias de insumos agrcolas (em particular a indstria de tratores e mquinas agrcolas, fertilizantes qumicos, raes, medicamentos veterinrios, etc.). A partir da, a agricultura passa a constituir um mercado no apenas de bens de consumo, mas de meios industriais de produo, como compradora de certos insumos e vendedora de outros. a isso que Silva (1982) caracteriza como o processo de industrializao da agricultura brasileira num duplo sentido: o de elevao da composio tcnica nas suas unidades de produo e o da subordinao do setor aos interesses do capital industrial financeiro.10

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exportadores e os frigorficos de mdio porte, que atendiam os mercados locais, desenvolveram-se estabelecimento industriais, atuando em mercados regionais, e iniciando sua participao no comrcio internacional. Esses novos estabelecimentos, alm da produo de carnes frescas, estavam aparelhados para a produo de carne congelada e para o processamento industrial de embutidos (presuntos e principalmente salsichas) e, posteriormente, iniciaram a fabricao de enlatados (CAMPOS, 1994). Neste momento, empresas nacionais comeam a consolidar suas posies e a aumentar a parcela de exportaes que no perodo oscilavam entre 5 e 10%12 do total produzido, considerando-se carnes resfriadas, congeladas e industrializadas. Com o rompimento do salto exportador, em 1974, fruto particularmente da reverso da poltica de estmulos s exportaes do setor, intensificou-se a concorrncia no mercado interno, dando origem a um processo de associao e fuso entre os grandes capitais. No bojo desse movimento, operou-se uma reordenao entre as empresas lderes e a grande maioria das tradicionais empresas estrangeiras foram absorvidas por grupos privados nacionais (MAZZALI, 2000). Em 1972 ocorre a fuso das plantas instaladas no Brasil das multinacionais Swifft e Armour formando a Swifft Armour S.A. No entanto, este segundo estgio no desenvolvimento da atividade frigorfica caracterizado pelo incio da nacionalizao das empresas e pela entrada de empresas do ramos de aves e sunos na indstria de carne bovina. Na segunda metade dos anos 80 ocorreu a absoro da Swift-Armour pela Bordon, empresa de capital nacional. Neste perodo as empresas Ceval e Perdigo adquiriram plantas dos frigorficos Swift-Armour e da Bordon, e a Sadia criou a Sadia Oeste - segmento do grupo voltado para frigorfico de bovinos (CAMPOS, 1994). Na dcada 1980 o quadro era de indefinio, marcado pela intensa variao nas exportaes e pela oscilao da demanda interna, agregue-se, ainda, a existncia de elevada sonegao de impostos, inviabilizando, segundo os empresrios, a competio com os frigorficos de menor porte. Os grandes frigorficos atravessaram um momento delicado, marcado pela retrao dos investimentos e mesmo fechamento de diversas plantas industriais. O grupo Bordon, Sola e Anglo renegociaram dvidas junto aos Bancos; o grupo Kaiowa estava saindo da autofalncia e o grupo Sadia registrava perdas na atividade; o Frigorfico Bordon, que havia investido em uma nova unidade, em Presidente Prudente, So Paulo, para produzir carne bovina congelada e corned beef para atender aos contratos de exportaes com

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De Zen (1995 apud CARRER, 2000, p. 74).

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Israel e CEE, colocou venda, em 1994, sua unidade de industrializao buscando uma sada para sua crise financeira; a Sadia fechou duas unidades de abate em 1993 (MAZZALI, 2000). As empresas do setor de aves e sunos entram na indstria frigorfica de bovinos com foco no mercado internacional. Com a reduo das exportaes abandonam o setor e s retornam aps a retomada do Brasil nesse comrcio. Como exemplo temos a Sadia que reassume em 2006 as operaes de uma planta industrial que tinha arrendado para o JBS em 2000, e a Perdigo que arrenda plantas para abate de bovinos em 2006. Na dcada de 90 houve um ajustamento na indstria frigorfica brasileira. Muitas empresas outrora de renome simplesmente desapareceram, como a Kaiowa, ou abandonaram o setor, como a Sadia e Perdigo. O grupo Kaiowa teve sua falncia decretada durante a dcada de 1990; o grupo Anglo foi vendido em 1993, determinando o fim do capital estrangeiro no Pas (PIGATTO, 2004). As unidades do grupo Bordon foram repassadas para a joint-venture BF Alimentos, sociedade firmada entre 1990 e 2003 pelos grupos Bertin e JBS (nesse momento denominando Friboi). A BF controlava as marcas Anglo, Bordon, Hereford, Swift e Sola no Brasil. Com a diviso as marcas ficaram com a JBS. Nesse processo de reestruturao da indstria frigorfica vo emergir empresas mais bem estruturas e com destaque no setor que antes no apresentavam, como pode ser visto pela evoluo histrica da indstria frigorfica, so as novas empresas lderes: JBS, Bertin, Independncia, Minerva e Marfrig. Os grandes grupos que emergiram a partir da dcada de 90 comeam a despontar com a sada das empresas de capital externo e empresas do setor de aves e sunos. Assim, esses grupos permaneceram atendendo o consumo interno, as exportaes e participando do processo de reorganizao da cadeia produtiva de carne bovina.

2.2

A estrutura de mercado da indstria frigorfica brasileira

As empresas lderes da indstria frigorfica nesse momento constituem um oligoplio que tem como estratgia a centralizao do capital atravs da aquisio de plantas a nvel nacional e internacional para garantir o acesso a rede de fornecedores e expandir a produo e o controle do setor. Possas (1990) apresenta um novo corpo terico para interpretao do oligoplio como estrutura de mercado. O papel que essa estrutura assume, enquanto campo analtico, portanto, deixa de ser interpretado numa anlise baseada na concorrncia, vista

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como mtodo empregado pelas empresas na disputa de parcelas de mercados - atravs dos preos, promoo de vendas etc. - em favor de uma concepo mais ampla, que permita fundar teoricamente a anlise dinmica dos mercados no capitalismo (POSSAS, 1990, p. 163). Sendo assim,A concorrncia deve ser entendida, para o que interessa ao presente contexto, como um processo de defrontao (enfrentamento) dos vrios capitais, isto , das unidades de poder de valorizao e de expanso econmicas que a propriedade do capital em funo confere. Deve ser pensada nesse sentido como parte integrante inseparvel do movimento global de acumulao de capital, em suas diferentes formas, e que lhe imprime, na qualidade de seu mvel primrio e vetor essencial, uma direo e ritmo determinados e em contedo historicamente especfico (POSSAS, 1990, p. 163).

Empresas so elementos de um movimento global de acumulao e, para tanto, a concorrncia se d a um nvel amplo, que no deve ser entendido apenas como uma disputa por uma parcela maior do mercado. Neste sentindo,[...] a anlise da concorrncia deve percorrer as mediaes que permitam passar ao plano das estruturas de mercado, para ai captar suas especificidades; pois estas se definem exatamente a partir dos ramos de atividade capitalista que possuem uma determinada individualidade em termos das caractersticas distintivas do processo competitivo. Esse ltimo engloba, tipicamente, certo nmero de elementos bsicos que comporiam o quadro de um determinado padro de concorrncia para caracterizar as estruturas de mercado. [Este padro de concorrncia esta baseado] nos seguintes elementos: a insero das empresas ou suas unidades de produo na estrutura produtiva, o que envolve desde os requerimentos tecnolgicos utilizao dos produtos; e as estratgias de concorrncia, abarcando as polticas de expanso das empresas lderes em todos os nveis - tecnolgico, financeiro e as polticas de adaptao aos e recriao de mercados (POSSAS, 1990, p. 164).

Possas (1990) prope uma tipologia quanto a insero das empresas na estrutura produtiva, a saber: oligoplio concentrado, oligoplio diferenciado, oligoplio diferenciadoconcentrado e oligoplio competitivo; que so assim conceituados,Oligoplio concentrado, pode-se caracteriz-lo, [...], pela ausncia de diferenciao dos produtos, dada a sua natureza essencialmente homognea, pouco passvel de diferenciao. Como se trata de um oligoplio, marcado, alm disso, pela alta concentrao tcnica, em que poucas unidades produtivas detm parcela substancial da produo do mercado, a competio em preos tambm deve ser descartada como procedimento regular. [...]. Oligoplio diferenciado marcado pelo fato de que a natureza dos produtos fabricados faculta s empresas disputa pelo mercado mediante a diferenciao do produto, como forma predominante. [...]. Oligoplio diferenciado-concentrado ou misto, caracterizado inicialmente por Sylos-

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Labini, tem como caracterstica proeminente, como o nome indica, a de combinar elementos dos dois tipos de oligoplios examinados acima. Essa fuso resulta de diferenciao de produtos dos bens durveis de consumo que configuram este tipo de mercado. [...]. A ltima categoria de oligoplio a ser considerada o oligoplio competitivo, caracterizado pela concentrao relativamente alta da produo, isto , pelo fato de que algumas empresas detm participao considervel no mercado, o que autoriza trat-lo como oligoplio; mas ao mesmo tempo, pela possibilidade de recorrer competio em preos para ampliar as fatias de mercado das unidades melhor situadas, em virtude da coexistncia como empresas marginais, relativamente pouco resistentes eliminao, mas que ocupam um espao no desprezvel no mercado (POSSAS, 1990, p. 179, grifo do autor).

Sendo assim o conceito de oligoplio,Deixa de ser definido, por oposio ao atomismo, pelo pequeno nmero de concorrentes - com a consequente nfase excessiva na rivalidade e nas aes e reaes hipotticas - e passa a ser encarado como uma classe de estruturas de mercado caracterizada pela existncia de importantes barreiras entrada, seno para todos os tipos (ou tamanhos) de empresas que o compem, ao menos para as maiores e/ou progressivas. Desse ponto de vista, a formao dos preos de equilbrio deixa de ser o objeto central da teoria, que se volta para as margens de lucro como varivel mais geral, porm no mais satisfazendo postulados de equilbrio esttico ou dinmico, e sim como expresso sinttica das condies da concorrncia e de seu potencial de transformao da estrutura de mercado (POSSAS, 1990, p. 161).

As empresas lderes da indstria frigorfica brasileira formam um oligoplio competitivo, onde o preo de venda de produtos com pouca diferenciao um elemento importante na estratgia competitiva das empresas. A elevada concentrao dessa indstria que hoje se verifica no Brasil, no fruto de enormes economias de escala, como no setor siderrgico, de cimento e energia eltrica. As plantas industriais no setor de carnes so relativamente pequenas e distribudas em todo o Brasil e as economias de escala so logo atingidas. A concentrao observada , pois fruto de uma estratgia competitiva onde assegurar o fornecimento de matria prima (de qualidade e baixo custo) o elemento essencial no sucesso de uma empresa no longo prazo. No se trata, portanto de economias de escala como no oligoplio concentrado. O sucesso vem de outra estratgia. Trata-se de um oligoplio competitivo, onde se adquirem plantas frigorficas principalmente para assegurar o fornecimento de matria prima (bovino) e, assim, dominar o mercado. Para Campos (1995) trs elementos so fundamentais para determinar a estratgia competitiva da agroindstria. So eles:1. Formao de uma reserva de mercado. Trata-se aqui do bloqueio do acesso ao mercado consumidor a outros complexos de produo agroindustrial, mormente externos. 2. Produtividade do setor da

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transformao agroindustrial. Este fator relativamente fcil de ser analisado, dado que o aumento da capacidade concorrencial via elevao da produtividade do setor da transformao agroindustrial depende basicamente do emprego de mquinas e equipamentos modernos, cujo acesso meramente uma questo de disponibilidade de capital. 3. Produtividade do setor fornecedor de insumos. Definido o mercado interno e suas regras e dada uma base tcnica acessvel a todo o setor da transformao agroindustrial, estabelece-se uma situao de igualdade de condies entre os diversos complexos de produo agroindustrial. Resta o setor agropecurio propriamente dito, cujo insumo ofertado (sunos, aves etc.) componente dos custos de produo do setor da transformao agroindustrial. O maior ou menor poder de concorrncia de um complexo de produo agroindustrial ir depender, em ltima instncia, do preo pago ao produtor pelo insumo fornecido e este, tambm em ultima instncia, da produtividade do setor fornecedor de insumos (CAMPOS, 1995, p. 05).

Em relao a formao de uma reserva de mercado, temos a capacidade de abastecimento do consumo interno de carne bovina no Brasil, sendo que pas apresenta o terceiro maior consumo mundial de carne bovina e assim um mercado potencial neste comrcio, o qual abastecido quase inteiramente pela produo interna. A produtividade do setor de transformao diz respeito ao aumento da capacidade de produo de carne bovina, o qual alm de estar atrelado a disponibilidade de capital, esta atrelado ao terceiro fator, qual seja, a produtividade do setor fornecedor de insumos. O setor pecuarista constitui o terceiro elemento que Campos (1995) apresenta, o setor fornecedor de insumos. Esse setor capaz de determinar a concorrncia da empresa em funo da disponibilidade de matria prima, preo e qualidade. Os preos do boi gordo nos estados da Amaznia livres de febre aftosa so competitivos em relao a outras regies pecurias brasileiras. Este fator atrelado a disponibilidade de matria prima com qualidade esta atraindo a agroindstria de exportao regio.

2.3

As empresas lderes da indstria frigorfica nacional

A Tabela 1 aponta as cinco empresas que controlam aproximadamente 50% das exportaes de carne bovina do Brasil, sendo elas JBS, Bertin, Minerva, Marfrig e Independncia. Esta seo trata de apresentar as principais estratgias de expanso dessas empresas a nvel nacional e internacional, para assim compreender a relao entre o processo de internacionalizao e expanso na Amaznia desse oligoplio competitivo.

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Tabela 1 - Maiores frigorficos exportadores de carne bovina (US$; %), 2006.Empresa JBS Bertin Minerva Marfrig Independncia Margen Quatro Marcos MERCOSUL Mataboi Outros Total Valor (US$) 922,4 838,1 438,4 416,4 243,5 102,2 133,0 173,6 117,8 2.371,8 5.757,2 (%) 16,00 14,60 7,60 7,20 4,20 1,80 2,30 3,00 2,00 41,20 100,00

Fonte: Minerva (2008).

A hoje JBS foi criada em 1953 em Anpolis, Gois. A empresa se chamou Friboi at 2005, ano em que foi criada a marca JBS S.A. A primeira aquisio para expanso da empresa realizou-se em 1968 de uma planta de abate localizada em Planaltina, no Distrito Federal, seguido em 1970 por uma nova aquisio em Luzinia, Gois. Entre 1981 e 2002, expandiu significativamente suas operaes no Brasil por meio de aquisies de plantas de abate e unidades produtoras de carne in natura e industrializada, bem como por investimentos no aumento de sua capacidade produtiva. Em 2004, adquiriu 50% da joint-venture BF Alimentos, da qual era scia juntamente com a Bertin. O grupo iniciou seu processo de internacionalizao em 2005 com a aquisio da empresas Swift na Argentina, seguida pela compra da Swift Foods and Company nos EUA em maio de 2007, e de 50% da empresa italiana Inalca em maro de 2008. A partir da aquisio da Swift Foods and Company a JBS tornou-se a lder mundial no mercado de carnes. A empresa realizou abertura de capital em 2007. Ao total j incorporou vinte e uma novas plantas frigorficas no pas at 2006 por meio de novas aquisies. No final do ano de 2009 realizou uma fuso com o Grupo Bertin que passou a ser controlado ento pela JBS (JBS, 2010a). O Grupo Bertin iniciou suas operaes em 1977, em Lins, no estado de So Paulo. Em 1984 j exportava carne in natura para Europa e em 1992 passou a exportar carne industrializada para esse mercado. O Grupo chegou a Amaznia atravs da aquisio de plantas no estado do Par em 2005, no municpio de Marab; e, em 2007 em Redeno, Santana do Araguaia e Tucum. No estado de Mato Grosso, adquiriu em 2007 uma planta no municpio de gua Boa. A expanso internacional iniciou-se em 2006 na China, Uruguai e Paraguai. Este grupo tambm marcado por uma diversificao em seus negcios, nos setores: agroindustrial, higiene, limpeza, infra-estrutura e energia, e processamento de

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derivados do boi, em especial em couros, setor que j registrava investimentos da empresa na Amaznia em 1995, no estado do Par. A Bertin a maior exportadora brasileira de couros, com participao em mais de 20% das exportaes brasileiras. Mais de 90% de sua produo exportada e entre suas compradoras esto renomadas marcas e grandes empresas globais (BERTIN, 2010). O Frigorfico Minerva do Brasil S.A, iniciou suas atividades em 1992 e teve sua primeira unidade de abate e processamento, localizada na Cidade de Barretos, em So Paulo. Em 1999 arrendou e subseqentemente adquiriu uma unidade de abate e processamento na Cidade de Jos Bonifcio/SP. Em 2001, a Companhia arrendou a unidade de processamento na Cidade de Cajamar, em So Paulo. No ano de 2004 abriu nova unidade de abate e processamento na Cidade de Palmeiras de Gois, em Gois, uma das mais modernas instalaes de processamento da carne bovina da Amrica Latina. Em 2006, firmou contrato de locao de uma unidade de abate e processamento na Cidade de Bataypor, em Mato Grosso do Sul. Em 2007 os investimentos da Companhia foram a construo de uma unidade industrial para a produo de carne cozida e congelada na Cidade de Barretos, em So Paulo, em joint-venture com a empresa irlandesa Dawn Farms Group, a aquisio de uma unidade industrial de abate e processamento em Araguana, Tocantins e outra ainda em fase de construo na cidade de Redeno, no Par, e deu incio construo de uma nova unidade em Rolim de Moura, Rondnia. Em 2008 houve a aquisio do frigorfico Lord Meat, no estado de Gois. Neste ano encerrou as atividades na planta de Cajamar, em So Paulo, que era arrendada. Em maro de 2009, houve a inaugurao da planta de cooked frozen em Barretos, sendo a primeira unidade produtiva da JV Minerva Dawn Farms. A unidade produtiva uma das maiores do pas no processamento de carne para produtos industrializados (MINERVA, 2008). O Grupo Marfrig surgiu em 1986, no estado de So Paulo. Em 1998, iniciou as atividades de seu primeiro Centro de Distribuio na cidade de Santo Andr, em So Paulo. No ano 2000 a empresa arrendou a primeira planta de abate e processamento em Bataguassu, Mato Grosso do Sul (que veio a ser adquirida posteriormente). O negcio de exportao foi criado em 2001 quando a Companhia arrendou sua segunda planta de abate e processamento em Promisso, So Paulo. Em 2003, a Marfrig adquiriu uma planta em Tangar da Serra e, no ano seguinte, arrendou uma planta em Paranatinga (que veio a ser adquirida posteriormente), ambas no Estado de Mato Grosso. Em 2006, iniciou seu processo de internacionalizao com a constituio da Marfrig Chile e atualmente possui plantas abate, industrializados e centros de distribuio no Uruguai, Argentina, Chile, na Europa e nos Estados Unidos. Em setembro

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de 2006 a Companhia firmou junto ao Grupo Margen protocolo de intenes para arrendamento de sete plantas frigorficas, sendo seis plantas localizadas nas cidades de Paranaba, Paran; Taipas, So Paulo; Rio Verde, Gois; Rolim de Moura e Ariquemes, Rondnia; e Me do Rio, Par; pelo prazo de sessenta e trs meses, e outra planta localizada na cidade de Paranava, Paran; pelo prazo de vinte e sete meses. De acordo com a empresa esse arrendamento posiciona a Companhia prxima de outras localidades com oferta de gado, bem como aumenta sua capacidade de produo para a Europa, j que as plantas localizadas em Paranaba/PR; Rio Verde/GO; Rolim de Moura/RO; e Paranava/PR; so habilitadas para tal mercado (MARFRIG, 2010a). O grupo Independncia surge em 1977, em Santana do Parnaba, So Paulo. Obteve a primeira licena para exportao em 1999 pelas unidades localizadas em Presidente Venceslau, So Paulo e Anastcio, Mato Grosso do Sul. Em 2006 iniciou atividades de abate nas unidades de Janaba, Minas Gerais e Rolim de Moura, Rondnia, e implementou certificao da produo do curtume localizado em Colorado do Oeste, Rondnia, adquiriu ainda novos armazns refrigerados em Santos, So Paulo, e de uma planta em Paraso do Tocantins, Tocantins. Em 2007 adquiriu o frigorfico Gois Carne, em Gois e arrendou o curtume localizado em Senador Canedo, Gois, alm de trs plantas no Estado de Mato Grosso (em Juna, Pontes e Lacerda e Confresa). Em 2008, iniciou atividades de produo de biodiesel em Nova Andradina, Mato Grosso do Sul; arrendou unidade de abate e desossa do IFC Foods em Nova Xavantina, Mato Grosso; adquiriu um centro de distribuio, armazenamento refrigerado e logstica do IFC Foods em Itupeva, So Paulo; e arrendou uma unidade de abate e desossa em Colder, Mato Grosso. Neste ano iniciou a internacionalizao do Grupo, com a compra do Frigorfico Guarani S.A. no Paraguai (INDEPENDNCIA, 2010). Nesse oligoplio competitivo vimos que o processo de aquisio de novas plantas fator importante de expanso dessas empresas, uma vez que essas aquisies implicam no apenas ao acesso de uma capacidade instalada, mas tambm, e principalmente, a uma rede de fornecedores de matria prima que j atendiam essa planta. Essas grandes empresas atuam nesse sentido no mercado nacional e internacional, sendo que no mercado internacional atuam na aquisio de grandes empresas do setor em pases importantes na dinmica de comrcio, para se posicionarem como empresas lderes a nvel mundial. Esta foi a estratgia clara da JBS que procurou adquirir a principal empresa do setor mundial, Swift Foods. O processo de internacionalizao inicia-se a partir de 2005 por essas empresas, e em quatro anos, uma delas, a JBS, tornou-se a lder mundial em processamento de protena animal. O Quadro 1

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ilustra melhor o processo de expanso internacional.

Ano 2005 2006 2006 2006 2006 2006 2007 2007 2007 2007 2007 2007 2007 2007 2007 2007 2007 2008 2008 2008 2008 2008 2008 2008 2008

Empresa adquirinte JBS Marfrig Bertin Marfrig JBS JBS Marfrig Marfrig Marfrig Marfrig Marfrig Marfrig Marfrig JBS JBS JBS JBS JBS JBS JBS JBS Bertin Minerva Marfrig Independncia

Empresa adquirida Swift Tacuaremb Canelones Elbio Perez Rodrigues Venado Tuerto Pontevedra La Caballada Quikfood Best Beef S.A e Estncia Del Sur Frigorfico Patagnia Quinto Cuarto Establecimentos Colnia Mirab Berazategui Colonia Caroya SB Holdings Swift Foods Company Inalca S. p. A. (50%) Tasmangroup National Beef Smithfield Beef Riggamonti (50%) Friasa S.A OSI Fernando de LaMora

Pas Argentina Uruguai Uruguai Uruguai Argentina Argentina Uruguai Argentina Argentina Chile Chile Uruguai Argentina/EUA Argentina Argentina EUA EUA Itlia Austrlia EUA EUA Itlia Paraguai Europa Paraguai

Quadro 1 - Principais aquisies realizadas por frigorficos brasileiros no mercado internacional, 2005-2008. Fonte: Bertin (2010); Independncia (2010); JBS (2010); Marfrig (2010); e Minerva (2008).

A expanso nacional tem ocorrido pela aquisio de plantas locais, o que tem envolvido aquisies na Amaznia, pois os estados da regio que tem atualmente a presena desse grande capital atendem exigncias sanitrias do mercado internacional, oferecem matria prima com preos competitivos e figuram entre os estados brasileiros com maior expanso no rebanho. O fortalecimento dessas cinco grandes empresas lderes inicia-se a partir dos anos 2000 com o aumento acentuado das exportaes brasileiras de carne bovina. Assim, essas empresas que emergiram no setor aps a crise que as empresas da indstria frigorfica enfrentam no fim da dcada de 80 e incio dos anos 90 garantiram participar de um momento importante para pecuria brasileira, qual seja o processo de reorganizao da cadeia para atender o mercado internacional.

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Assim, como outras importantes empresas do setor que emergiram nesse perodo, essas empresas foram capazes de aumentar a concentrao de capital que esta levando a centralizao desse capital e a formao desse oligoplio a nvel nacional e internacional. A estratgia para isso: aquisies de plantas frigorficas no mercado nacional e internacional que garante o acesso a uma base de fornecimento de matria prima.

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3

A EXPANSO DA PECURIA NA AMAZNIA

3.1

A pecuria incentivada

O perodo da pecuria incentivada constitui um dos momentos que contribuem para expanso da pecuria na Amaznia. Nesse momento a atividade torna-se um instrumento de ocupao territorial em meio as estratgias intervencionistas de desenvolvimento regional do Estado entre as dcada de 60 e 80. Parte-se desse princpio, uma vez que a pecuria torna-se expressiva na regio a partir desse momento em funo dos incentivos fiscais que recebe e pelo carter que assume de ocupao territorial. Velho (1972, p. 93) coloca que h uma tendncia a identificar o incio do surgimento econmico da Amaznia como a construo da Belm-Braslia, os incentivos fiscais, a criao da Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia (SUDAM) etc.. A pecuria da Amaznia em grande parte associada a este perodo, mas como o mesmo autor ressalta apesar do peso crescente das iniciativas do Estado no processo de desenvolvimento, o fato que elas s se tornam em geral viveis quando carregadas do senso de aproveitamento de determinados movimentos sociais (VELHO, 1972, p. 93). Neste sentido que no se pode desconsiderar um movimento dinmico dessa atividade que pde ser aproveitado para a dinmica de planejamento daquele momento que constitui a fase de interveno estatal13 mais expressiva na Amaznia. Nesse perodo a regio inserida em um contexto de planejamento nacional definido segundo estratgias do Estado que pode ser assim descrita:[...] o Brasil foi capaz de, a partir de 1964, por obra da poltica global entronizada pela Revoluo daquele ano, retificar seus cursos de ao e escolher uma estratgia de desenvolvimento bem diversa do modelo queEntre as primeiras tentativas de planejamento para regio amaznica destacam-se o Plano de Defesa da Borracha em 1912, e a Batalha da Borracha, em 1942, ambas em funo da dependncia econmica que se estabeleceu na regio em relao a extrao da borracha. Pela Constituio de 1946, o artigo 199 disps sobre o estabelecimento de um programa de desenvolvimento para a Amaznia, a ser financiado por uma parcela de 3% do total das receitas de impostos federais durante um prazo de vinte anos consecutivos. Alm disso, os governos estaduais e municipais da regio contribuiriam para esse fim com parcela idntica de suas receitas (MAHAR, 1978, p. 15). No entanto, somente em 1953, atravs da Lei n 1806 o artigo 199 da Constituio de 1946 foi regulamentado, criando Plano de valorizao econmica da Amaznia, que visava diversificar e desenvolver a produo agrcola, mineral e industrial da regio. Tambm foi criado, neste ano, um rgo para administrar esse plano, a Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia (SPVEA). Mas, somente a partir da entrada do governo militar o Estado efetivamente passou a atuar e provocar mudanas significativas na estrutura regional amaznica.13

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presidiu a industrializao dos anos 50. Enquanto o padro de substituio de importao tivera inspirao introspectiva, de concentrao sobre o mercado interno com relativo alheamento do mundo exterior, a poltica de desenvolvimento da fase revolucionria deliberadamente calcada numa abertura para a economia mundial. [...] O perodo 1967/71, aps a fase de recuperao de 1964/66, no se recomenda apenas pelo excepcional desempenho marcado por uma taxa mdia anual de crescimento do PIB superior a 8,5%, mas, sobretudo por uma modernizao de aparelho produtivo e pelo aprimoramento institucional e de estruturas que garantem a construo de uma sociedade progressista, em bases duradouras (QUEIROZ, 1974, p. 78-92 apud IANNI, 1986, p. 20-22).

Inaugurou-se uma fase do planejamento da economia brasileira, baseada na interveno do Estado, que se utiliza da interpretao cepalina14 sobre a condio de um pas perifrico, mas estabelece uma nova estratgia para deixar essa condio, baseado na modernizao do setor produtivo do pas atravs da substituio de importaes, mas com a produo nacional voltada para o mercado externo. Para tanto, o capital monopolista vai ser a base dos investimentos, a base de recursos do qual o Estado lanara mo para promover essa modernizao. A Amaznia ser inserida em um primeiro momento num desdobramento deste modelo a nvel regional. Esse modelo envolvia fundamentalmente a promoo da industrializao via substituio de importaes, financiado por capital externo e interno (MAHAR, 1978, p. 22). Este era o aspecto da poltica econmica para Amaznia. O aspecto geopoltico, outro princpio norteador da poltica regional estava implcito naqueles objetivos que pediam a efetiva ocupao da regio atravs da imigrao inter-regional e estrangeira e a formao de assentamentos permanentes e auto-suficientes nas reas de fronteira (MAHAR, 1978, p. 22). Mas, a Amaznia, no se encaixava no aspecto econmico, tendo em vista a desigualdade de formao econmica regional brasileira. A poltica de modernizao, a nvel nacional, vai se apoderar de setores no qual havia uma pr-disposio para a modernizao. No geral as polticas regionais da ditadura seguiro dois caminhos. Por um lado, principalmente nas atividades agrcolas localizadas no Centro-Sul, o Estado foi levado aNa dcada de quarenta, comeava a se formar na Amrica Latina a escola estruturalista latino-americana, tambm conhecida como Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), que viria a influenciar, atravs de suas anlises, a conduo da poltica econmica brasileira at o incio da dcada de 1970. Essa escola propunha a industrializao como a nica forma de desenvolvimento para os pases perifricos. A estratgia sugerida consistia em reduzir a importao de suprfluo atravs da elevao das tarifas e limite de quantidade; incentivo entrada de capital estrangeiro; realizao da reforma agrria; maior participao do governo na captao de recursos e, implementao de infra-estrutura. A necessidade da industrializao estaria no fato de que os preos internacionais dos bens primrios, nos ciclos econmicos tendem a se reduzir, mas a produo no, diferentemente dos produtos industrializados. A CEPAL conclui, que as economias perifricas, se deixadas sob o comando da mo invisvel, nunca deixariam de ser agroexportadoras e, o Estado deveria intervir na promoo da industrializao, que elevaria estes da condio de periferia condio de centro.14

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favorecer o desenvolvimento intensivo do capitalismo. Por outro lado, [...] na Amaznia, o Estado foi levado a favorecer o desenvolvimento extensivo do capitalismo (IANNI, 1986, p. 16). De uma forma mais clara, a poltica regional vai se orientar pelo Artigo 4. da Lei n 5.173, de 27 de outubro de 1966, para formao de plos de desenvolvimento, ocupao da regio, fluxo migratrio para Amaznia, incentivos ao capital privado e desenvolvimento da infra-estrutura. Vo se constituir como principais instrumentos dessa poltica a Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia (SUDAM), criada em 1966; e, o Banco da Amaznia S.A (BASA), tambm criado em 1966. Para operacionalizar essa poltica formulou-se em 1967 o I Plano quinquenal de desenvolvimento da SUDAM, no qual segundo Mahar (1978), todos os objetivos conformavam-se em geral ao modelo econmico de substituio de importaes pela regio e aos imperativos geopolticos de ocupao humana. No entanto, no incio da dcada de 1970 iniciativas como a criao do Programa de Integrao Nacional (PIN) e do Programa de Redistribuio de Terras e de Estmulo Agroindstria do Norte e do Nordeste (PROTERRA) implicaram uma nova direo a poltica regional da Amaznia, no sentido de estabelecer prioridades de investimentos em atividades agrcolas em detrimento da indstria. Isto se faz, de acordo com os prprios objetivos desses programas, uma vez que o PIN criado para promover a integrao da Amaznia e da regio nordeste com o restante do Brasil atravs da construo das rodovias Transamaznica e Cuiab-Santarm, e a execuo de um plano de irrigao do Nordeste. O PROTERRA criado com o objetivo de promover o mais fcil acesso do homem terra, criar melhores condies de emprego de mo-de-obra e fomentar a agroindstria nas regies compreendidas nas reas de atuao da SUDAM e da Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). O desenvolvimento da Amaznia, assim, esteve intimamente ligado naquele momento ao projeto nacional de Desenvolvimento. O I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), refletiu-se no I Plano de desenvolvimento da Amaznia (PDAm), no perodo 1972-74, e neste plano estava implcito que a agricultura e a pecuria receberiam as mais altas prioridades. Posteriormente formulou-se, para o perodo 1975-79 o II PND, e, conjuntamente o II PDAm. Pelas referncias especficas Amaznia no II PND tem-se a impresso de que as autoridades decidiram afinal que essa regio realmente uma fronteira de recursos (portanto, um grande bem nacional) e no uma tpica regio deprimida (MAHAR, 1978, p. 44). Nesse sentido que a pecuria tornou uma das atividades privilegiadas pelo Governo

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para atender a poltica de ocupao da regio. A partir da dcada de 60, a expanso para Amaznia estimulada por incentivos governamentais, abertura de rodovias e farta distribuio de terras, a bovinocultura abre nova frente de expanso. A derrubada e queimada do mato para o surgimento da pastagem e posterior ocupao com bovinos eram a forma mais rpida, de menor esforo administrativo e mais eficiente para assegurar a posse da terra. Some-se a isso o fato de poder ser usada como justificativa para acesso aos estmulos governamentais, tais como incentivos fiscais e creditcios subsidiados, para que a bovinocultura se propagasse para regio. Segundo Silva (1982) a pecuria pode ser vista como uma expresso histrica de ocupao da fronteira. Em um sentindo de ocupao das terras como reserva de valor, inicialmente. No a ocupao efetiva do solo no sentido de faz-lo produzir, mas sim uma ocupao pela pecuria com finalidade precpua de garantir a propriedade privada daquela terra. essa perspectiva que a pecuria assume na Amaznia nesse perodo. De acordo com Costa (2000),A pecuria de grande porte mostrava-se, assim, duplamente positiva: poderia adequar o uso de grandes extenses de terras com um mnimo de trabalhadores e tolher a expanso da agricultura tradicional de terras novas (a expanso da fronteira agrcola), garantindo mercado para a intensificao da produo de arroz, milho, feijo e mandioca em reas antigas. A grande plantation poderia cumprir parte da tarefa, sendo limitada, contudo, por ser trabalho-intensiva. Conformou-se, a partir da, a poltica de incentivos fiscais que, em conjunto com uma poltica de terras favorecedoras das grandes apropriaes, imprimiu caractersticas prprias fronteira agrcola na Amaznia a partir da segunda metade dos anos 60 (COSTA, 2000, p. 83, grifo do autor).

Mahar (1978) descreve dois modelos de pecuria praticados na Amaznia, antes dos projetos da SUDAM. O superextensivo tradicional praticado no Amap, Roraima, Amazonas o nordeste do Par, e caracterizado por ser praticado em reas desfavorveis a pecuria, mas que sobrevivia devido a demanda por carne nos mercados de Belm e Manaus. O segundo modelo, extensivo tradicional, praticado no Acre, Rondnia, centro e norte do Par, e partes do nordeste de Mato Grosso e Gois, caracterizado como uma regio um pouco mais receptiva a formao de pastagens artificiais e criao do gado em zonas ecologicamente favorveis. [...] a maior parte dos projetos da SUDAM recai numa terceira categoria,conhecida como modelo extensivo-modernizador. As fazendas que adotam este mtodo de produo encontram-se em geral no leste e sudeste do Par, norte de Mato Grosso e Gois, e oeste do Maranho (microrregio de

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Imperatriz). Localizam-se em reas essencialmente favorveis pecuria e tendem a especializar-se na produo de carne. Os tipos de gado usados so muito superiores aos observados nos dois outros modelos, predominando raas indianas, como Gir e Nelore (MAHAR, 1978, p. 146).

Para o desenvolvimento da atividade, o principal instrumento era a Lei n. 5.174 que admitia que pessoas jurdicas brasileiras poderiam descontar at 50% do imposto de renda devido desde que as poupanas resultantes fossem investidas em projetos localizados dentro da Amaznia Legal e aprovados pela SUDAM. Os projetos de investimentos poderiam destinar-se tanto a criao de empresas novas como representar simplesmente expanso e/ou modernizao de empresas existentes; ou destinar-se agricultura, pecuria, indstria e servios (MAHAR, 1978). Exigia-se, por outro lado, que os titulares de projeto candidato aos incentivos fiscais participassem com no mnimo 25% da previso de investimentos na forma de capital prprio - era previsto, assim, que at 75% dos investimentos pudessem vir a ser cobertos por recursos dos incentivos fiscais (COSTA, 2000, p. 53-54). Para Mahar (1978) os resultados provisrios dos programas iniciados no incio da dcada de 1970, mostraram que projetos pecurios intensivos em terras foram preferidos na regio amaznica, sendo que entre 1964 e meados de 1976, a SUDAM aprovou mais de 800 projetos de fundos de crdito fiscal, sendo: 329 industriais, 462 pecurios e 27 em servios bsicos. O motivo, segundo Mahar (1978) seriam que na Amaznia, as vantagens econmicas do investimento em pecuria (em oposio a indstria) so bvias: existncia de terra abundante e barata capaz de produzir rpidos ganhos de capital; requisitos mnimos de pessoal; e um mercado em expanso. Mahar (1978) apresenta que cerca de 90% do investimento projetado total no setor pecurio situavam-se nos estados de Mato Grosso e Par, cabendo ao primeiro mais de 60% desses investimentos. parte a existncia de terra barata e abundante, as preferncias locacionais dos proprietrios de projetos pecurios tm sido influenciadas antes de tudo pelos novos sistemas rodovirios inter-regionais. Da porque encontramos no Par os projetos concentrados nas regies leste e sudeste do estado, em microrregies (principalmente Araguaia Paraense, Guajarina, Xingu e Marab) adjacentes as estradas Belm-Braslia e Transamaznica. A influncia do primeiro sistema rodovirio citado se observa tambm na distribuio espacial de projetos em Gois e Maranho. Os projetos de Mato Grosso, por sua vez, agrupam-se principalmente no eixo da recm inaugurada rodovia Santarm-Cuiab, que proporciona acesso aos mercados das duas cidades e ainda aos de Braslia e Centro-Sul.

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3.2

Deslocamento da produo pecuria para Amaznia

A pecuria de corte no Brasil possui aptido para ocupar reas marginais e desenvolver-se em pastagens naturais, sendo, portanto, uma atividade desbravadora de novas reas. Desse modo, pode ser deslocada para as regies mais afastadas e menos desenvolvidas. A medida, porm, que essas regies se desenvolvem, a valorizao da terra exerce presso a favor de atividades relativamente mais rentveis, da agricultura, que passam a ocupar as reas de pastagens, deslocando-as para reas menos frteis ou para reas desprovidas de infraestrutura econmica. Esse processo, se por um lado responsvel pelos pequenos incrementos observados na pecuria de corte nacional, por outro contribui para a melhoria do rebanho nacional e dos sistemas de produo que permanecem competindo pela ocupao das terras mais valorizadas. Deste fato decorre a existncia de diferentes sistemas de produo com pecuaristas, de um lado, mais intensivos e com maior produtividade e, de outro lado, pecuaristas menos intensivos e menos produtivos. Nesse sentido que a partir do fim da dcada de 80 a regio amaznica passou a comportar uma pecuria que se deslocava das regies Sul e Sudeste a procura de terras mais baratas. Assim, um segundo momento que se sobrepe na pecuria amaznica o que se convencionou chamar de deslocamento da produo pecuria. Para Diniz (2002), a produo agropecuria brasileira passou, e passa, por trs grandes movimentos: deslocamento da produo agropecuria extensiva; intensificao produtiva nas regies mais desenvolvidas; e crescimento nas reas irrigadas do Nordeste. Segundo o Autor, o deslocamento da produo agropecuria extensiva diz respeito ao movimento de deslocamento da fronteira agrcola e pecuria das regies Sudeste e Sul para regies Centro-Oeste e Norte. Esse movimento indica o afastamento da produo agrcola extensiva e mecanizada para regies com menor preo das terras e, adequadas para agricultura mecanizada. Em contrapartida, nas antigas regies de produo agrcola e pecuria extensiva, toma forma a intensificao produtiva em atividades mais rentveis. As alteraes da estrutura da produo agrcola, por exemplo, de So Paulo, com o crescimento da produo de cana-deacar e laranja, alm de horticultura e fruticultura, indicam uma reorientao da produo. Esse deslocamento caracterizado pelo processo de expanso mais acentuado nas reas de pastagens e crescimento do rebanho nas regies Centro Oeste e Norte em contrapartida da estabilizao que se verifica nas regies Sul e Sudeste. Na Tabela 2 observase que em 1940, a regio Norte contribua com 2,91% do rebanho brasileiro, enquanto a

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regio Sudeste tinha contribuio de 34,77%, seguido pela regio Sul com 25,2%, a regio Nordeste com 22,29%, e a Centro Oeste 14,87%. O salto no rebanho da regio Norte observado entre 1975-1985, quando a regio passa de 3.989 no primeiro ano para 8.966 milhes de bovinos em 1985. Assim, evolui de uma participao no rebanho nacional de 3,38% em 1980 para 7% em 1985. Em 2006 o estado participava com 18,38% do rebanho nacional.

Tabela 2 - Concentrao do rebanho bovino (cabeas), e participao percentual (%), Brasil e Regies, 1940/2006.Efetivo Bovino (Mil cabeas) Norte Centro Oeste Sudeste Sul Nordeste Brasil Participao Percentual (%) Norte Centro Oeste Sudeste Sul Nordeste Brasil 1940 999 5.112 11.957 8.664 7.665 34.387 1940 2,91 14,87 34,77 25,20 22,29 100,00 1960 1.235 10.533 20.849 11.678 11.566 55.841 1960 2,21 18,86 37,34 20,91 20,71 100,00 1970 1.706 17.252 26.845 18.953 13.806 78.562 1970 2,17 21,96 34,17 24,12 17,57 100,00 1975 2.130 24.750 35.237 21.516 18.041 101.674 1975 2,09 24,34 34,66 21,16 17,74 100,00 1980 3.989 33.261 34.835 24.495 21.506 1985 8.966 36.116 35.742 24.827 22.391 1995 17.277 50.767 35.954 26.220 22.842 153.058 1995 11,29 33,17 23,49 17,13 14,92 100,00 2006 31.234 53.750 34.994 23.889 26.033 169.900 2006 18,38 31,64 20,60 14,06 15,32 100,00

118.086 128.042 1980 3,38 28,17 29,50 20,74 18,21 100,00 1985 7,00 28,21 27,91 19,39 17,49 100,00

Fonte: Elaborado a partir de Perez (2003) e IBGE (2009).

A regio Centro Oeste assim como a regio Norte apresenta crescimento ascendente na participao da composio do rebanho nacional, sendo que evoluiu de uma participao de 14,87% do rebanho brasileiro em 1940 uma participao de 31,64% em 2006. A regio Sudeste teve maior participao em 1960, correspondendo a 37,34% do rebanho nacional, no entanto, em 2006, reduz sua participao para 20,6%. A regio Sul tambm diminui sua participao de 25,2%, em 1940, para 14,06%, em 2006. Nesse sentido que autores como Diniz (2002) caracterizam o deslocamento da produo pecuria para regies que ofeream menores custos de produo, pois nas reas antigas se estabilizam os rebanhos, assim a pecuria torna-se mais intensiva, com aumento de confinamentos, e a atividade precisa ser rentvel para concorrer pelo uso do solo com outras culturas.

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Segundo Jank (1996) a pecuria de corte se depara com processos rpidos de melhoria de produto e processo, principalmente nas regies onde a terra vai se tornado mais cara. Nestas regies (So Paulo, sul do Mato Grosso Sul e Paran), qualquer simples clculo de retorno sobre o patrimnio mostrar a crescente inviabilizao dos sistemas de cria e engorda extensiva, principalmente em face do custo de oportunidade de atividades como a cana-deacar e a citricultura. No para menos, pois nestas regies vem se desenvolvendo um nmero crescente de confinamento e semi-confinamento de bovinos. Para Frstenau (1995) a diminuio da rea de pecuria observada nos Estados de So Paulo e Rio Grande do Sul teve dois efeitos simultneos, de um lado, deslocou a produo pecuria para os estados vizinhos e, de outro, aumentou os ndices de lotao por rea nesses dois estados, gerando, portanto, aumentos da produtividade fsica da terra. A estabilizao nos rebanhos das regies Sul e Sudeste foi reflexo da estabilizao da expanso nas reas de pastagens, e ao contrrio nas regies onde se verifica a expanso no rebanho ocorre expanso nas reas de pastagens. A regio Norte, assim como no efetivo bovino, apresentou crescimento acentuado na utilizao das terras com pastagens. Em 1970 estas pastagens correspondiam a 2,87% das reas de pastagens no Brasil, cifra que em 2006, aumentou para 18,93%. O aumento maior verificado entre 1980 e 1985, pois no primeiro ano, correspondia a 4,43%, e em 1985, saltou para 11,65%. A regio Sudeste, reduziu a ocupao de terras com pastagens de 29,03%, em 1970, para 18,61%, em 2006. Igualmente, a regio Sul representava 14,03% das reas de pastagens do Brasil em 1970, reduz sua participao para 10,53% em 2006. A regio Nordeste tem participao estvel nas pastagens do pas, em 1970 a participao era de 18,08% e em 2006 de 18,95%. A regio Centro Oeste ocupava 36% das terras utilizadas com pastagens no pas em 1970, chegando a ocupar 38,75% em 1985, cifra que se reduziu para 33,06% em 1985, e em 2006 a ocupao correspondia a 32,98%. Essa regio corresponde a maior parte da ocupao de terras com pastagens no Brasil no perodo analisado, e a regio Sul que tinha a terceira maior participao (14,03%) em 1970, em 2006 passa a corresponder a menor rea de pastagens entre as regies brasileiras (10,53%). Esses dados evidenciam que nas regies Sudeste e Sul tem se reduzido rea destinada a pastagens, e isso pode ser explicado pela intensificao da atividade e pela substituio de pastagens por outras culturas mais rentveis, como nos coloca Diniz (2002).

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Tabela 3 - Terras utilizadas com pastagens (ha), e participao percentual (%), Brasil e Regies, 1970/2006.Pastagem (ha) Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Brasil Pastagem (%) Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Brasil 1970 4.428.116 27.875.111 44.739.276 21.621.679 55.483.348 154.138.529 1970 2,87 18,08 29,03 14,03 36,00 100,00 1975 5.281.440 30.624.044 47.276.785 21.159.758 61.310.221 165.652.250 1975 3,19 18,49 28,54 12,77 37,01 100,00 1980 7.722.487 34.158.706 43.639.266 21.313.458 67.665.720 174.499.641 1980 4,43 19,58 25,01 12,21 38,78 100,00 1985 20.876.442 35.148.125 42.487.399 21.432.343 59.244.117 179.188.431 1985 11,65 19,62 23,71 11,96 33,06 100,00 1995 24.386.621 32.076.339 37.777.049 20.696.549 62.763.912 177.700.472 1995 13,72 18,05 21,26 11,65 35,32 100,00 2006 32.630.532 32.648.537 32.071.529 18.145.573 56.836.902 172.333.073 2006 18,93 18,95 18,61 10,53 32,98 100,00

Fonte: Elaborado a partir do IBGE (2009).

Na Tabela 4 apresenta-se as duas principais ocupaes econmicas das terras, lavouras e pastagens, para corroborar o processo que descrevemos de substituio de lavouras por pastagens em algumas regies do pas que implica na expanso das pastagens em outras reas. No Brasil a ocupao das terras com lavouras aumentou 10,38%, enquanto a rea para pastagens reduziu 1,35%. A substituio de lavouras por pastagens tem sido observado nos estados de So Paulo, que apresenta uma reduo de 14,67% nas reas de pastagens e um aumento de 6,55% a.a. na utilizao de terras com lavouras; Rio Grande do Sul apresenta reduo de 12,03% a.a. nas reas de pastagens e aumento de 3,05% a.a. nas reas com lavouras; o estado de Minas Gerais reduziu as pastagens em 16,85% a.a. nas terras ocupadas com pastagens e teve um incremento de 5,67% com terras ocupadas com lavouras. Entre os estados da Amaznia, Tocantins apresentou reduo na incorporao de reas com pastagens e lavouras, no entanto, a rea de pastagem reduziu 13,02% a.a. e rea com lavoura 1,67% a.a. Alguns estados da regio apresentam expanso nas reas de pastagens e lavouras, mas com maior expanso nas reas de pastagens, como Rondnia que aumentou as pastagens em 176,46% a.a, e lavouras 29,84% a.a; Acre apresentou expanso de 101,52% a.a. nas pastagens e 52,75% a.a. na rea com lavoura; o estado do Par incorporou 48,22% a.a. em reas para pastagens e 30,29% a.a para lavouras. O estado de Mato Grosso apresentou menor incorporao de reas para pastagens, 25,26% a.a., e maior incorporao de terras para lavouras, 121,03% a.a.

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Tabela 4 - Utilizao das terras com lavouras e pastagens (ha), Brasil e estados selecionados, 1975/2006, e T.G.C. (%), 1975/2006.Utilizao das terras Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens Lavouras Pastagens 1975 40.001.358 165.652.250 193.463 224.570 41.187 124.104 704.027 3.037.190 501.267 11.243.468 371.426 192.385 27.098 1.353.168 25.061 350.023 1.055.955 3.808.835 5.179.506 11.355.901 5.929.490 13.772.888 1.274.627 20.793.497 2.561.094 29.164.163 3.980.821 31.931.282 1995 Brasil 52.147.708 41.794.455 179.188.431 177.700.472 Rondnia 530.543 432.308 1.100.876 2.922.069 Acre 68.719 75.939 326.026 614.213 Par 1.078.630 808.354 6.596.393 7.455.728 Tocantins 654.953 267.228 10.650.900 11.078.156 Mato Grosso 2.129.443 2.951.745 16.404.370 21.452.061 Amazonas 456.452 372.840 476.134 528.913 Roraima 27.830 133.012 1.247.213 1.542.565 Amap 33.270 19.853 478.894 244.978 Maranho 1.304.509 821.827 5.446.563 5.310.552 So Paulo 6.524.801 5.256.168 9.926.490 9.062.254 Rio Grande do Sul 6.592.085 5.635.362 12.963.460 11.680.328 Mato Grosso do Sul 1.902.970 1.383.711 21.802.753 21.810.708 Gois 2.928.199 2.174.853 20.894.584 19.404.696 Minas gerais 5.340.110 4.172.135 28.924.183 25.348.603 1985 2006 59.846.618 158.753.866 494.644 4.809.887 163.526 1.038.725 1.872.451 10.825.118 633.265 8.057.429 6.323.475 21.784.735 1.393.564 806.299 114.274 719.653 62.153 267.064 2.448.383 5.728.628 6.876.591 6.898.987 6.905.582 9.206.664 2.183.833 20.943.814 3.606.740 15.709.871 5.194.765 18.039.776 T.G.C. 10,38 -1,35 29,84 176,46 52,75 101,52 30,29 48,22 -1,67 -13,02 121,03 25,26 45,71 55,33 80,07 -15,48 24,71 -13,77 22,89 12,74 6,55 -14,67 3,05 -12,3 13,84 0,22 7,57 -17,55 5,67 -16,85

Fonte: IBGE (2009).

Esses dados evidenciam o carter de expanso da pecuria amaznica em detrimento da intensificao da pecuria em outros estados e a substituio de culturas mais rentveis pela pecuria. No entanto, vale destacar que Tocantins registrou reduo maior na

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incorporao de reas para pastagens em detrimento das reas para lavouras e Mato Grosso teve maior expanso nas reas de lavouras em detrimento das reas de pastagens, demonstrando que nesses estados a pecuria tem se tornado mais intensiva para concorrer com atividades da agricultura mais rentveis como soja e arroz. O deslocamento da produo pecuria fez com que novas unidades de abate fossem instaladas, provocando at mesmo deslocamento de frigorficos anteriormente instalados em outras regies. Neste sentido, uma pesquisa realizada pelo IEL (2000) aponta que a opinio geral dos agentes envolvidos na cadeia produtiva de carne bovina que se devem construir unidades localizadas perto das regies produtoras de animais. Na Tabela 5, apresentamos a evoluo dos estabelecimentos registrados no SIF por regio.

Tabela 5 - Estabelecimentos registrados no Sistema de Inspeo Federal por regies (unidades) e participao percentual (%), 1995/2006.1995 Regies Norte Centro Oeste Sudeste Sul Nordeste Brasil N 13 67 125 85 18 308 % 4,22 21,75 40,58 27,60 5,85 100 N 26 93 99 70 22 310 2000 % 8,39 30,00 31,94 22,58 7,10 100 N 31 94 106 99 22 352 2006 % 8,81 26,7 30,11 28,13 6,25 100

Fonte: Elaborado a partir de Santos et al. (2007).

Em termos de participao no total dos estabelecimentos brasileiros, percebe-se que o Centro Oeste, Sudeste e Sul correspondem a maior concentrao desses estabelecimentos. A regio Norte evoluiu de treze unidades instaladas em 1995, para trinta e uma, em 2006. A regio Sudeste apresenta reduo no nmero de estabelecimentos, entre 1995 e 2000. No primeiro ano havia cento e vinte cinco frigorficos instalados na regio; em 2000, esse nmero de reduz para noventa e nove. No entanto, em 2006, esse nmero aumenta para cento e seis. Mas na participao total dos estabelecimentos brasileiros reduziu de 40,58%, em 1995, para 30,11%, no ano 2000. Assim, o crescimento do rebanho implicou no aprofundamento da agroindustrializao da regio amaznica com deslocamento das unidades de abate de bovinos. As vantagens decorreram alm da fartura de matria-prima, dos preos inferiores aos negociados em So Paulo, da reduo do custo do frete e da existncia de linhas de crdito subsidiadas do Banco

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do Brasil e do BNDES. Alie-se, ademais, a eliminao do stress no transporte dos bovinos (MAZZALI, 2000).

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