Upload
xikao-xikao
View
213
Download
1
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Catálogo produzido por Samuel Wenceslau para a exposição individual de pinturas de Xikão Xikão, que aconteceu no Centro Cultural de Contagem, no mês de Junho (2015).
Citation preview
xikão xikão
/1
Todo retrato que um artista faz, diz a
crítica, é um autorretrato. Através dele, o autor busca a sua melhor ima-
gem, sua alma e sua essência; ele também procura aí a melhor amostra
de sua arte, seu ofício e seu fazer, no ato da própria prática daquela vida,
se rebatendo ali, em pleno fluxo enfim. Disposto a explorar esse reflexo
desde o início do seu trabalho, Xikão Xikão vem produzindo um jogo efe-
tivo entre imagens de seu rosto, de seu corpo e de seu ser, através de pe-
les gráfico-pictóricas e véus fotográficos, em uma obra de propriedades
poéticas muito peculiares, em novos ciclos cada vez mais interessantes.
Essa sala de espelhos é cheia de possibilidades de humor ou horror, e
traz a chance de um trânsito livre entre interiorização e exteriorização,
através de um trabalho – desenho, pintura, fotografia ou impressão –
tão antigo quanto novo, sempre muito intenso para quem o faz. Por isso
mesmo é que essa força chega ao espectador com uma carga extra de
drama (tragédia, comédia, farsa), conforme se verifica nas imagens do
artista. Como ele mesmo nos informa – ao escolher “Persona” como o
título da exposição – o termo vem do latim per sonare ou soar através de
uma máscara, aquilo que define e potencializa o personagem, um papel
teatral, uma identidade ou um caráter assumido, através de versões de
si mesmo.
No caso de Xikão, primeiro vem a auto-fotografia (com algo de um
Shakespeare reduzido), pontuada por alguns adereços indiciais, criando
um autor-personagem, um pintor quase-performer, que anuncia uma sé-
rie de dualidades que se aprofundam adiante. Depois, ele faz as primeiras
pinturas, aguadas de pinceladas densas e cores sujas (ao contrário das
fotos, de superfícies bastante limpas), quando a beleza da duplicidade
já se estabelece, segue e não cessa mais. O artista nos conta em uma
conversa sobre seu processo: “As vezes sou conduzido pelos materiais e
processos, mas geralmente há uma ideia prévia, um dialogo do ‘eu’ com
o mundo; algumas, poucas, junto com o outro, com os outros (...) que co-
nectam masculino/feminino, criança/adulto, eu/outro, um artista/outro
artista, etc; minhas dualidades (acredito) vem da minha forma de ver o
mundo (...) que enxergo de maneira agridoce; gosto muito da ideia de Yin/
Yang, pois sempre vejo dois lados, situações direita/esquerda, doce/sal-
gado, azul/rosa, etc.”
Aos meus olhos, “Vulnerável”, de 2011, é uma peça-chave para a compre-
ensão do lance que o artista cria no conjunto dessa mostra: nas costas
nuas do criador/criatura representado na vertical, a aparência de sua
própria pele já é a superfície da pintura, tal qual estamos sendo conduzi-
dos a perceber, seja pelas variações das manchas coloridas, pelas pin-
Sala de espelhos /
celadas que vem de um lado e de outro ou ainda pelos volumes da carne
em suas reentrâncias, volumes e peso; ou também pelas erupções ver-
melhinhas no alto da figura ou no cinzas de sua cintura alargada, que se
limita meio fora de lugar no corte do plano real. As fotografias, por outro
lado, permitem fusões quase espirituais entre figuras bastante diversas,
que Xikão traz de volta para o desenho e habilmente leva para a estru-
turação do que vem a seguir. Pois, esse mesmo tema e seu tratamento
ecoam e se desdobram pela série “Dualidades” – em que a fatura ganha
mais preciosismo – e crescem nos “Antiretratos” – em que o personagem
está de frente, quase saindo da tela, pronto para nos socar – de trata-
mento mais cru.
Nesse patamar, as experiências de Xikão Xikão se estendem a outros
rumos, como nos registros/resquícios da performance “Gordura In/Satu-
rada” (que parte voluntariamente da produção das “Antropometrias” de
Yves Klein) justapostos a palavras cifradas, na continuação desse trato
com o próprio corpo-matéria, relacionadas ao seu embate direto com o
mundo social (ao se sentir ora grande, ora pequeno no controle do peso
físico, nos microenfrentamentos pela aceitação, relacionados aos pa-
drões de beleza vigentes, etc.). Tudo envolve uma corajosa movimenta-
ção que preenche as obras de uma força visível e inequívoca, essencial
para que todo trabalho transmutado em fazer ativo salte de um plano
simplesmente visual para outro, emotivo e/ou mental, no qual a imagem
faz sua arte. Isso tudo, também e ainda, faz o artista, o pintor-desenhista-
fotógrafo-performer, como ele mesmo deseja, cria e atua.
Ainda podemos dialogar aqui com as têmperas de Pompéia, os autorre-
tratos de Albrecht Dürer e Van Gogh, as várias versões de pintor & mo-
delo de Picasso, as figuras icônicas de Andy Warhol e até mesmo com
o cinema de Stanley Kubrick (“A Laranja Mecânica” e “Barry Lyndon”) ou
Derek Jarman (“Caravaggio” e “Eduardo II”), lembrando ainda “O Retrato
de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. Como Francisco Costa – o Xikão Xikão
– e todos eles, cada qual inventor de seu próprio quebra-cabeça, imagino
a arte como um moto-perpétuo, um mecanismo contínuo e sistematica-
mente livre, capaz de funcionar eternamente, transformando em traba-
lho toda a energia recebida/produzida, fazendo algo que é aí – a coisa em
reflexo com sua vida – fluir e continuar indefinidamente.
Mário Azevedo / Maio de 2015
/2
/3
/4
/5
/6
/7
/8
/9
/10
/11
/12
/13
/14
/15
/16
/17
/18
/19
/20
legendas
1 Dualidade 1, Acrílica sobre tela, 103 x 91 cm, 2012. Detalhe.
2 Persona, Fotografia digital, 20 x 30 cm, 2012.
3 Persona, Acrílica sobre tela, 104 x 63 cm, 2012.
4 Persona, Fotografia digital, 20 x 30 cm, 2012.
5 Persona, Acrílica sobre tela, 60 x 40 cm, 2012.
6 Persona, Fotografia digital, 20 x 30 cm, 2012.
7 Persona, Acrílica sobre papel, 50 x 35 cm, 2012.
8 Antirretrato 1, Acrílica sobre tela, 158 x 109 cm, 2013.
9 Antirretrato 2 , Acrílica sobre tela, 138 x 93 cm, 2015
10 Dualidade 1, Acrílica sobre tela, 103 x 91 cm, 2012.
11 Dualidade 2, Acrílica sobre papel, 96 x 65 cm, 2012.
12 Dualidade 5, Pastel sobre papel, 30 x 21 cm, 2014.
13 Dualidade 6, Pastel sobre papel, 30 x 21 cm, 2014.
14 Dualidade 4, Acrílica sobre tela, 40 x 30 cm, 2012.
15 3 em 1, Grafite sobre papel, 96 x 48 cm , 2015.
16 3 em 1, Acrílica sobre tela, 75 x 90 cm, 2015
17 3 em 1, Fotografia digital, 42 x 27 cm , 2015.
18 Vulnerável, Acrílica sobre tela, 85 x 77 cm, 2011.
19 Dualidade 3, Óleo sobre tela , 60 x 40 cm, 2012.
20 Série Sobre Peso , Técnica Mista , 66 x 48 cm, 2015.1
21 Dualidade 1, Acrílica sobre tela, 103 x 91 cm, 2012. Detalhe.
Abertura : 02 de Junho de 2015 , 19h
Visitação : 03 a 30 de Junho de 2015.
Centro Cultural de Contagem
Rua Dr. Cassiano, 130, Centro – Contagem/MG
(31) 3352 – 5347 / [email protected]
Realização : Fundação Cultural de Contagem (FUNDAC)
Texto: Mário Azevedo
Catálogo : Samuel Wenceslau
Expografia : Gilson Rodrigues
Comunicação : Diogo Tognolo
/21