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A perspetiva dos estudantes de Medicina sobre o testamento vital Medical students’ perspective on living will Catarina Filipe Lima Barbosa Candidata ao Grau de Mestre em Medicina | 6.º ano do Mestrado Integrado em Medicina. Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal. Rua de Jorge Viterbo Ferreira n.º 228, 4050-313 Porto, Portugal. Unidade Curricular: Dissertação/ Projeto/ Relatório de estágio | Artigo de Investigação Médica. ORIENTADOR: Mário Paulo Canastra Azevedo Maia, MD Unidade de Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal. CO-ORIENTADOR: Carolina Luísa Cardoso Lemos, PhD Instituto de Biologia Molecular e Celular, Porto, Portugal. Ano letivo 2013-2014| Porto, Junho de 2014

Perspetiva dos estudantes de medicina sobre o testamento …

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A perspetiva dos estudantes de Medicina sobre o

testamento vital

Medical students’ perspective on living will

Catarina Filipe Lima Barbosa

Candidata ao Grau de Mestre em Medicina | 6.º ano do Mestrado Integrado em Medicina.

Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal.

Rua de Jorge Viterbo Ferreira n.º 228, 4050-313 Porto, Portugal.

Unidade Curricular: Dissertação/ Projeto/ Relatório de estágio | Artigo de Investigação Médica.

ORIENTADOR:

Mário Paulo Canastra Azevedo Maia, MD

Unidade de Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal.

CO-ORIENTADOR:

Carolina Luísa Cardoso Lemos, PhD

Instituto de Biologia Molecular e Celular, Porto, Portugal.

Ano letivo 2013-2014| Porto, Junho de 2014

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 1

LISTA DE ABREVIATURAS

DAV: Diretiva Antecipada de Vontade

TV: Testamento Vital

PCS: Procurador de Cuidados de Saúde

RENTEV: Registo Nacional do Testamento Vital

RCAAP: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal

MIM: Mestrado Integrado em Medicina

FMUP: Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

ICBAS-UP: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto

UP: Universidade do Porto

EUA: Estados Unidos da América

PSAÚDE: Profissionais de Saúde

OR: Odds ratio

IC: Intervalo de confiança a 95%

ELA: Esclerose Lateral Amiotrófica

H: Hospital

IR: Insuficiência respiratória

PCR: Paragem cardiorrespiratória

VA: Ventilação artificial

DC: Doença crónica

Nota: Este trabalho foi redigido ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 2

RESUMO

Introdução| A lei que regula as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), sob a forma

de testamento vital (TV), entrou em vigor em Agosto de 2012. Considerando a

importância e atualidade das questões médicas relativas ao fim da vida dos doentes e o

papel que os futuros médicos terão na assistência ao doente e suas famílias, este estudo

pretende avaliar o conhecimento e atitude dos estudantes perante situações relacionadas

com o TV.

Materiais e Métodos| Realizou-se um estudo observacional, transversal, baseado na

aplicação de um questionário, previamente validado, por via informática, a alunos de

Medicina da FMUP e do ICBAS-UP.

Resultados| No estudo, participaram 200 estudantes, sendo 150 do ICBAS-UP e 50 da

FMUP. 74% são do sexo feminino, 54% são católicos e 67% frequentam o ciclo clínico.

Relativamente ao nível de conhecimento, há uma relação estatisticamente significativa

com o “grupo etário” e o “ano de curso” (p<0,05), sendo o “ano de curso” o melhor

fator preditivo positivo de resposta correta (OR do ciclo clínico superiores às do ciclo

básico). Quanto à atitude dos estudantes perante as questões de fim de vida, existe uma

relação estatisticamente significativa mais forte com o “ano de curso” e o “grupo etário”

(p<0,05). As variáveis “sexo”, “faculdade” e religião” também influenciam a tomada de

decisão (p<0,05). Na abordagem holística do doente, 45% dos estudantes acham que o

valor da qualidade de vida é mais importante do que o valor da vida (23%). A maioria

respeitaria a vontade do doente, particularmente da FMUP (ORFMUPvsICBAS =4,608), do

ciclo clínico (OR[BÁSICOvsCLÍNICO]=0,303) e dos católicos (OR[NÃOvs.CATÓLICO]=0,177).

Conclusões| O nível de conhecimento da amostra sobre o tema é adequado. As decisões

de fim de vida são influenciadas, principalmente, pelo “grupo etário” e “ano de curso”,

e, de acordo com o contexto clínico, sociocultural e familiar vigente, pela “religião”,

“faculdade” e “sexo”. Não há uma garantia de que, perante uma situação adversa e de

incapacidade, a vontade do doente seja sempre respeitada. Mas, para os inquiridos, é

mais importante que as atitudes médicas proporcionem qualidade de vida do que

quantidade de vida ao doente.

PALAVRAS-CHAVE

Testamento vital; Diretivas antecipadas de vontade; Procurador de cuidados de saúde;

Decisões de fim de vida.

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 3

ABSTRACT

Introduction| The law governing the living will came into force on August 2012.

Considering the currently importance of end of life decisions on patients’ lives and the

role of future physicians in assisting patients and their families, this study aims to access

their knowledge and attitude regarding the living will.

Material and Methods| An observational transversal study was performed to FMUP

and ICBAS-UP’ medical students by an online validated survey.

Results| Responses were obtained from 200 students – 150 from ICBAS-UP and 50

from FMUP. 74% are females, 54% are Catholics and 67% are attending the clinical

levels. Concerning the level of knowledge, there is a significant statistical association

with “age group” and “academic level” (p<0,05). The “academic level” is the best

positive predictive factor in a correct answer (OR of clinical levels are higher than the

ones of basic levels). Considering students’ attitude in end of life decisions, there is a

stronger significant statistical association with the same variables (p<0,05). However

“sex”, “college” and “religion” also influence them (p<0,05). To 45% of the inquired

students, quality of life is more important than quantity of life (23%). Most of students

respect the patient’s will, particularly the ones from FMUP (ORFMUPvsICBAS=4,608), the

Catholics (OR[NONvsCATHOLICS]=0,177) and the ones from the clinical levels

(OR[BASICvsCLINICAL LEVELS]=0,303).

Conclusions| The inquired students have demonstrated a good degree of knowledge.

When facing end of life decisions, the variables that most influence them are “age

group” and “academic level”. According to the clinical, sociocultural and familiar

context, “religion”, “sex” and “college” also influence that process. There is no

guarantee that, when facing an adverse and disabling situation, the patient’s will is

always going to be respected. However, for the inquired students, in the clinical practice

is much more important to assure quality of life than quantity of life.

KEYWORDS

Living will; Advance health care directive; Health care agent; End of life decisions.

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 4

ÍNDICE

Lista de abreviaturas [1]

Índice de tabelas [5]

Índice de figuras [6]

RESUMO [2]

PALAVRAS-CHAVE [2]

ABSTRACT [3]

KEYWORDS [3]

INTRODUÇÃO [7-9]

MATERIAL E MÉTODOS [10-11]

Desenho do estudo [10]

Análise Estatística [10-11]

RESULTADOS [12-28]

Caracterização da amostra [12-14]

o Relações entre as variáveis em estudo [13]

o Opinião pessoal quanto ao testamento vital [13]

Nível de conhecimento da população [13-17]

o Influência das variáveis no nível de conhecimento da amostra [15]

o Diferenças esperadas quanto ao nível de conhecimento [16]

o Fatores preditivos positivos do nível de conhecimento [16-17]

Influência dos valores pessoais, sociais e culturais e da formação académica na

tomada de decisão em situações de fim de vida [17-26]

o Influência das variáveis na tomada de decisão em situações de fim de vida [21-24]

o Diferenças esperadas na tomada de decisão em situações de fim de vida [24]

o Fatores preditivos positivos da tomada de decisão em situações de fim de vida [25-

26]

DISCUSSÃO [27-30]

Vantagens e limitações [29]

Conclusões [29-30]

Conflitos de Interesse [31]

Fontes de Financiamento [31]

Agradecimentos [31]

Referências [32-33]

Anexos [34-41]

Anexo 1: Modelo facultativo de Diretiva Antecipada de Vontade [34-37]

Anexo 2: Questionário aplicado aos estudantes [38-41]

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 5

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1. Caracterização demográfica da amostra [12]

Tabela 2. Características da amostra que influenciam o nível de conhecimento [15]

Tabela 3. Fatores preditivos positivos do nível de conhecimento [16]

Tabela 4. Relação entre as variáveis e a tomada de decisão em situações de fim de vida [22]

Tabela 5. Relação entre a religião e a tomada de decisão em situações de fim de vida [23]

Tabela 6. Relação entre outras variáveis e tomada de decisão em situações de fim de vida [24]

Tabela 7. Doente competente em situação de perigo de vida: se o médico considerar a terapêutica fútil e o

doente a solicitar, o que deve fazer o médico? – Fatores preditivos positivos de tomada de decisão [25]

Tabela 8. Cenário 1 – Fatores preditivos positivos de tomada de decisão [25]

Tabela 9. Cenário 2 – Fatores preditivos positivos de tomada de decisão [26]

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 6

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1. Intenções futuras face ao testamento vital [13]

Figura 2. Avaliação do nível de conhecimento da amostra [14]

Figura 3. Dever do profissional de saúde face ao doente incapaz [17]

Figura 4. Atitude do médico perante um doente competente em perigo de vida [18]

Figura 5. Doente competente, em perigo de vida: Quem pode tomar decisões no fim de vida? [18]

Figura 6. Doente não competente: Quem pode tomar decisões no fim de vida? [19]

Figura 7. Ação do futuro médico perante situações críticas no fim de vida – Cenário 1 [20]

Figura 8. Ação do futuro médico perante situações críticas no fim de vida – Cenário 2 [21]

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 7

INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas, o exercício da Medicina alterou-se substancialmente

devido ao desenvolvimento científico e tecnológico, ao envelhecimento da população e

à atomização da família nuclear1. A postura paternalista tradicional da Medicina tornou-

se menos aceitável, sendo a decisão clínica progressivamente partilhada com o doente e

a sua família2. Neste contexto plural, as decisões médicas no fim da vida assumem

particular relevância, porque a morte de uma pessoa é encarada de modo distinto pelos

diversos cidadãos3. Em doentes terminais, a determinação de limites à intervenção

médica é cada vez mais o paradigma de atuação, impondo-se a existência de normas no

ordenamento jurídico que permitam uma interpretação adequada da vontade das

pessoas2.

Assim, em matéria de cuidados de saúde, a questão central é saber se o doente deve ou

não poder ser livre para se autodeterminar e fazer escolhas livres, informadas e

esclarecidas2. Por “autonomia” entende-se “independência, ausência de imposições ou

de coações externas”4. Nesta lógica, o consentimento informado constitui uma

implicação do princípio da autonomia e dele depende toda e qualquer intervenção no

domínio da saúde5.

O direito à autodeterminação individual é especialmente protegido, pelo que as DAV –

de que o TV é um bom exemplo – são hoje prática corrente em muitos países

ocidentais1.

Apesar do tema ser discutido há anos em Portugal, no âmbito da Bioética, da Medicina

e do Direito, apenas em 2006 a Associação Portuguesa de Bioética efetuou uma

proposta à Assembleia da República de legalização desta prática6. Em 2011, foram

apresentados novos projetos que resultaram na lei n.º 25/20127, que regula as DAV, a

nomeação do PCS e a criação do RENTEV. Contudo, só a 5 de maio de 2014 a lei foi

regulamentada, através de indicação do Ministério da Saúde para o funcionamento do

RENTEV a partir de 1 de julho do mesmo ano8.

As DAV são um documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo

próprio, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre inabilitada por

anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e

esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja ou não receber, no caso

de se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente9. As

situações clínicas passíveis de serem incluídas em tal documento (anexo 1) incluem:

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 8

não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais nem a

tratamentos que se encontrem em fase experimental nem a tratamento fútil ou

desproporcionado que apenas vise retardar o processo natural de morte; receber os

cuidados paliativos adequados a uma intervenção global no sofrimento determinado por

doença grave ou irreversível; autorizar ou recusar a participação em programas de

investigação científica ou ensaios clínicos9. Findo o prazo de validade de cinco anos, o

documento terá de ser renovado9.

O valor do TV é fortemente vinculativo. Contudo, em caso de urgência ou perigo

imediato para a vida, os profissionais de saúde não têm o dever de o cumprir9. É-lhes

também assegurado o direito à objeção de consciência, desde que indiquem a que

disposições do documento se referem9.

Tal como contemplado na lei, o PCS poderá ser qualquer pessoa maior de idade, não

interdita por anomalia psíquica, capaz de dar o seu consentimento consciente, livre e

esclarecido, que não seja membro do RENTEV nem do cartório notarial nem gestor ou

proprietário de entidades que administram cuidados de saúde (excetuando-se, para a

última categoria, as pessoas que tenham uma relação familiar com o outorgante)8.

Assim sendo, ao PCS são atribuídos poderes representativos9. Todavia, em caso de

conflito, prevalece a vontade do outorgante expressa naquele documento9, o que poderá

transmitir uma aparente contradição. Na verdade, o PCS é a pessoa nomeada pelo

outorgante, no qual ele deposita total confiança quanto às decisões relativas à sua saúde,

detendo, assim, uma vantagem evidente sobre o testamento vital: a sua atualidade2,7

.

Em Portugal, de acordo com pesquisa na Internet através dos motores de busca RCAAP

e Pubmed, os estudos aplicados a estudantes sobre esta temática são inexistentes. É um

facto que existem diferenças entre as médias de curso das diferentes Faculdades

Médicas, que podem sugerir diferentes critérios de avaliação ou discrepâncias nas

características dos alunos10

. Todavia, os estudantes desempenham um papel terapêutico

vital na assistência ao doente e suas famílias à luz da medicina moderna atual11

. Desta

forma, a análise desta população assume especial interesse, pela sua complexidade e

desafio futuro12-14

.

São múltiplas as variáveis que influenciam a formação de cada ser humano, desde grau

académico, nível sociocultural, valores morais e éticos e religião11,16,17

. Várias culturas e

religiões têm diferentes pontos de vista no que concerne aos assuntos relacionados com

a qualidade de vida11

. Por exemplo, a maioria dos cristãos (classe religiosa mais

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 9

representativa a nível nacional) defende que o TV é compatível com os ensinamentos

bíblicos15

.

Partindo de uma amostra representativa - os estudantes do MIM da FMUP e do ICBAS-

UP – o estudo tem como objetivo, em primeira instância, avaliar o grau de

conhecimento quanto à temática do TV e, em segundo lugar, analisar em que medida

formação académica (faculdade e ano de curso), idade, género e religião influenciam a

tomada de decisões perante situações com as quais já foram ou poderão vir a ser

confrontados, mas que, na verdade, nunca executaram.

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 10

MATERIAL E MÉTODOS

Desenho do estudo

Foi realizado um estudo observacional, transversal, com base na disponibilização de um

questionário (anexo 2) a uma amostra de conveniência - os estudantes de Medicina da

FMUP e do ICBAS-UP. As faculdades foram escolhidas de acordo com a proximidade

geográfica associada ao facto de uma das instituições ser aquela à qual a investigadora

pertence, e pelas diferenças a nível de currículo académico, representativas da

diversidade de escolas médicas a nível nacional10,13,14

.

O questionário foi projetado por via informática, a partir do Google forms, e divulgado

com recurso ao email dinâmico e facebook das comissões de curso de cada ano e das

associações de estudantes de cada faculdade. Os resultados foram, automaticamente,

contabilizados numa folha de cálculo do Google docs. O questionário esteve disponível

para preenchimento desde 25 de fevereiro a 10 de maio de 2014, sob anonimato. Todos

os participantes forneceram informação sociodemográfica e responderam a questões

acerca do TV previamente validadas por um grupo de dez alunos do ICBAS-UP.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do ICBAS-UP.

Análise Estatística

A análise focou-se em três momentos: (1) Caracterizar a amostra, tendo em conta a

idade, faculdade, ano de curso, religião, importância da religião e intenções futuras; (2)

Avaliar o nível de conhecimento da população em estudo; (3) Compreender os fatores

responsáveis pela tomada de decisões em questões relacionadas com o fim de vida dos

doentes.

Os dados foram tratados com recurso ao Excel 2007® (Microsoft Inc., Redmont, WA) e

analisados com recurso ao software IBM® SPSS

® Statistics Versão 22.0.0 (IBM

Corporation, Somers, EUA).

As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio padrão e comparadas com

recurso ao teste de Mann-Whitney U, ideal para comparar as diferenças entre dois

grupos independentes quando a variável dependente não assume uma distribuição

normal18

. As variáveis categóricas foram apresentadas como distribuições de frequência

e comparadas pelo teste de Qui-Quadrado, utilizado para perceber se existe alguma

relação entre duas variáveis categóricas19

. Foi utilizada a regressão logística binomial

para avaliar a possibilidade de um dado fator desencadear influência sobre uma variável

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 11

dependente20

e a regressão logística multinomial, com o mesmo objetivo, quando a

variável dependente incluía mais de duas categorias21

. No caso da regressão, todos os

modelos foram ajustados para as mesmas variáveis.

Um valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo para todos os testes.

A caracterização da amostra incluiu a descrição de: sexo, idade, faculdade, ano de curso

e religião.

Por vezes, dado o tamanho da amostra, houve necessidade de transformar os dados das

variáveis, de acordo com o número de respostas obtidas, com vista à correta aplicação

dos testes estatísticos. O ano foi agrupado em ciclo básico (1º ao 3º ano) e ciclo clínico

(4º ao 6º ano). A idade assumiu duas opções – grupo dos 17 aos 21 anos e grupo dos 22

aos maiores de 26 anos. A religião foi agrupada em católicos e não católicos (inclui

protestantes, budistas e agnósticos). Nas questões cuja resposta incluía uma opção da

escala de Likert de cinco valores, a mesma foi reduzida a duas categorias (as

percentagens dos três pontos que representam respostas negativas e as percentagens dos

dois pontos que representam respostas positivas). As percentagens para cada uma das

categorias foram calculadas14

. Em três questões teóricas, as respostas foram agrupadas

em corretas/positivas e não corretas/negativas.

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 12

RESULTADOS

Caracterização da amostra

Neste estudo participaram 200 estudantes, 150 do ICBAS-UP e 50 da FMUP. A

representação demográfica da amostra encontra-se na tabela 1. A idade média dos

estudantes foi de 22,35±3,33. 74% dos inquiridos eram do sexo feminino. O ano de

curso com maior representatividade de respostas foi o 6.º (29%) por oposição ao 1.º

(8,5%). 73% dos inquiridos assumiram-se católicos, apesar de 54% reconhecerem que a

religião é pouco importante nas suas decisões de vida.

Tabela 1: Caracterização demográfica da amostra.

Variável N Frequência (%)

Grupo etário*

82

118

41

59

17 – 21 anos

22 - >26 anos

Sexo

148

52

74

26

Feminino

Masculino

Faculdade

50

150

25

75

FMUP

ICBAS

Ano

66

134

33

67

1.º-3.º ano

4.º-6.º ano

Religião

146

54

73

27

Católicos

Não católicos

Importância Religião

108

92

54

46

Pouca

Muita

Total

200

100

*Média: 22,35

Desvio Padrão: 3,33

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 13

o Relações entre as variáveis em estudo

Existe uma relação estatisticamente significativa (p<0,001) entre as variáveis: “idade e

ano de curso” e “sexo e ano de curso”. Não foram encontradas relações estatisticamente

significativas entre: “idade e sexo”, “idade e faculdade”, “sexo e faculdade”, “faculdade

e ano de curso” nem “sexo/idade/faculdade/ano e religião” (p>0,05).

A relação entre “religião e importância da religião” foi considerada estatisticamente

significativa (p<0,001). O número esperado de católicos para os quais a religião assume

pouca importância foi superior ao observado.

o Opinião pessoal quanto ao testamento vital

Relativamente às questões de caráter pessoal (Fig. 1), que definem a amostra quanto às

suas intenções futuras, constatou-se que das 189 pessoas que dizem ter conhecimento

sobre o TV, nenhuma tem TV. Dos restantes 11 estudantes, 10 não pretendem fazer TV.

Quando questionados quanto à eventual nomeação de um PCS, 59,5% referem que não

pretendem fazê-lo. Não foram encontradas relações estatisticamente significativas entre

a intenção de nomear um PCS e o ano ou a faculdade dos inquiridos.

Figura 1. Intenções futuras face ao testamento vital.

Nível de conhecimento da população em estudo

Procurou-se perceber o grau de conhecimento da amostra, através da avaliação do

número de respostas corretas às questões teóricas sobre o tema (Fig. 2).

100%

83.3%

59.5%

0,0%

16,7%

39,5%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Tem TV? Pretende fazer um TV? Pretende nomear um PCS?

Não Sim

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 14

Figura 2. Avaliação do nível de conhecimento da amostra.

* À data da resposta ao questionário, o RENTEV não existia, pelo que a realização do TV não era gratuita.

** Resposta correta=Resposta afirmativa; Resposta errada=Resposta negativa.

É de salientar que 95% dos estudantes têm conhecimento da existência do TV, contudo

apenas 35,4% sabem que existem limitações à nomeação do PCS.

49,2% dos estudantes sabem que a maior idade estabelecida para a realização do TV é

de 18 anos, contudo 44,7% não sabem a resposta.

Durante o período atribuído ao preenchimento do questionário, o RENTEV ainda não

existia, pelo que a realização do TV não era gratuita. Nesta questão, 57,8% dos

inquiridos admitiram não saber a resposta. Todavia, as respostas corretas superaram as

erradas (22,6% Vs. 19,6%).

Quanto à validade do TV, 44,5% dos alunos sabem que não é vitalício.

Relativamente às situações contempladas no TV, nomeadamente a autorização para a

participação em investigações, 46,5% dos estudantes sabem que é possível considerá-la.

Quanto às exceções ao TV, particularmente em situações de urgência ou perigo

imediato para a vida, 47,2% dos inquiridos sabem que não será obrigatório cumprir o

TV, sendo plausível a alegação do direito à objeção de consciência (56,5%).

95

35.4

49.2

22.6

46.5

44.5

47.2

56.5

88

5

64.6

6

19.6

14

34.5

34.2

19

1.5

0

44.7

57.8

39.5

21

18.6

24.5

10.5

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Tem conhecimento sobre o TV?**

Há limitações à nomeação do PCS?

Para efeitos de TV, qual a maior

idade?

Tem de pagar para fazer um TV?*

O TV permite a participação em

investigações ou ensaios clínicos?

O TV é válido para toda a vida?

Situações urgentes/perigo imediato:

obrigatório cumprir sempre o TV?

Direito à objeção de consciência: é

sempre reservado aos PSaúde?

DAV e Eutanásia são sinónimos?

Resposta correta

Resposta errada

Não sabe resposta

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 15

Os termos “DAV” e “eutanásia” são claramente entendidos como distintos pela maioria

(88%), apesar de 10,5% admitirem que não conhecem o seu significado.

Constata-se que os estudantes responderam corretamente a seis das oito questões

colocadas.

o Influência das variáveis no nível de conhecimento da amostra

Foram determinadas as relações estatisticamente significativas entre as variáveis que

definem a amostra e o seu nível de conhecimento. O “ano” é aquela que melhor se

correlaciona com o grau de conhecimento, nomeadamente nas questões 3, 5 e 8

(p<0,05) e 6, 7 e 9 (p=0,001) da tabela 2. Salienta-se a relação estatisticamente

significativa entre o “grupo etário” e as questões 7 e 9 (p<0,05) da mesma tabela. Para

as variáveis “sexo”, “faculdade” e “religião” não se obteve qualquer relação

estatisticamente significativa.

Tabela 2. Características da amostra que influenciam o nível de conhecimento.

QUESTÕES

GRUPO ETÁRIO ANO

Valor de

teste Valor de p

Valor de

teste Valor de p

1. Tem conhecimento da existência do

TV? 0,004 >0,05 0,092 >0,05

2. Há limitações à nomeação do PCS? 0,626 >0,05 2,443 >0,05

3. Para efeitos de TV, qual a maior

idade considerada? 2,566 >0,05 5,630 0,018

4. Tem de pagar para fazer um TV? 0,341 >0,05 4,788 >0,05

5.O TV é válido para autorizar a

participação em investigações ou

ensaios clínicos?

3,547 >0,05 10,064 0,007

6. O TV é válido para toda a vida? 3,679 >0,05 14,722 0,001

7. Situações urgentes/perigo imediato:

obrigatório cumprir sempre o TV? 9,788 0,007 23,905 <0,001

8. Direito de objeção de consciência: é

sempre reservado aos PSaúde? 1,732 >0,05 10,237 0,006

9. DAV e Eutanásia são sinónimos? 10,035 0,002 10,108 0,001

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 16

o Diferenças esperadas quanto ao nível de conhecimento

Quanto às relações estatisticamente significativas, salientam-se observações comuns às

variáveis “ano de curso” e “grupo etário”: para a questão 7 da tabela 2, o número

esperado de respostas incorretas foi superior ao observado para o grupo mais jovem e do

ciclo básico; quanto à questão 9, para o mesmo grupo, o número esperado de respostas

corretas foi superior ao observado.

o Fatores preditivos positivos do nível de conhecimento

Através da análise da regressão logística, foi possível verificar que tanto o “sexo” como

o “ano de curso” são preditores positivos do nível de conhecimento, tal como

demonstrado nas questões 3, 4, 5, 8 e 9 da tabela 3.

Tabela 3. Fatores preditivos positivos do nível de conhecimento.

Para as questões 3 e 8, o “sexo” constitui um fator preditivo positivo de resposta correta,

sendo o número de respostas corretas inferior para o sexo masculino.

QUESTÕES

ANO SEXO

Valor de

p OR IC a 95%

Valor de

p OR

IC a

95%

3. Para efeitos de TV, qual

a maior idade

considerada?

0,008 0,314

0,196

a

0,821

0,012 0,401

0,196

a

0,821

4. Tem de pagar para fazer

um TV? 0,028 3,486

1,146

a

10,609

>0,05 0,779

0,328

a

1,850

5.O TV é válido para

autorizar a participação

em investigações ou

ensaios clínicos?

0,042 2,537

1,034

a

6,224

>0,05 1,426

0,517

a

3,928

8. Direito de objeção de

consciência: é sempre

reservado aos PSaúde?

0,002 5,137 1,852

a

14,248

0,045 0,397 0,161

a

0,981

9. DAV e Eutanásia são

sinónimos? 0,025 0,210

0,054

a

0,824

>0,05 0,289

0,078

a

1,063

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 17

O “ano” também é determinante para uma resposta correta nas questões 3, 4, 5, 8 e 9: o

número de respostas corretas é inferior para o ciclo básico.

Influência dos valores pessoais e socioculturais e da formação académica na

tomada de decisão em situações de fim de vida

A amostra foi submetida a várias questões relacionadas com a sua atitude como futuros

médicos, com vista a avaliar quais os fatores mais preponderantes [pessoais e

socioculturais (sexo, idade, religião e importância da religião) e formação académica

(faculdade e ano de curso)] na tomada de decisão perante situações de fim de vida.

Quando questionados quanto ao dever do profissional de saúde perante um doente

incapaz, 56,5% assumem que o mais importante será preservar a vida se garantir a sua

qualidade (Fig. 3).

Figura 3. Dever do profissional de saúde face ao doente incapaz.

Perante um doente competente em situação de perigo de vida, em que o médico ache

que a terapêutica será ineficaz (Fig.4), 59,5% defendem que nunca se deverá agir contra

a vontade do doente. Uma grande parte dos estudantes defende que o médico deve

procurar convencer o doente, tal como representam as respostas obtidas para os graus

3,4 e 5 da escala de Likert (percentagem cumulativa: 75,5%). A maioria da amostra é da

opinião de não referenciar o doente para outro médico que siga a sua vontade, tal como

a percentagem cumulativa dos graus 1 e 2 da escala de Likert traduz (53%).

22

56.5

21.5

Qual o dever do profissional de saúde quando o doente

se encontrar incapaz de expressar a sua vontade?

Preservar a vida acima de tudo

Preservar a vida se garantir

qualidade de vida

Limitar esforços terapêuticos

se não puder garantir aceitável

qualidade de vida

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 18

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Convencer o doente

Agir contra a vontade do doente, segundo o

que o médico achar melhor

Agir de acordo com a vontade do doente

Encaminhar o doente para outro médico que

siga a sua vontade

9.5

59.5

5.5

20.5

14.5

19

17

32.5

25.5

15.5

31.5

28

25.5

4

28

11.5

24.5

1.5

16.5

6.5

Doente competente em situação de perigo de vida: se o médico

considerar a terapêutica fútil e o doente a solicitar, o que deve

fazer o médico?

1

2

3

4

5

Figura 4. Atitude do médico perante um doente competente em perigo de vida.

Face ao doente competente, em perigo de vida, com TV prévio com decisão contrária à

sua vontade atual, 83% dos inquiridos defendem que o poder de decisão acerca de não

iniciar terapêutica cabe ao doente (Fig. 5). A maioria assume que nem o capelão

(84,5%) nem o grupo de amigos (62,5%) devem poder decidir. Quanto ao poder

concedido à equipa médica, família e PCS, os resultados revelam uma tendência a favor

da sua intervenção no processo, tal como as percentagens cumulativas dos graus 3,4 e 5

da escala de Likert traduzem.

Figura 5. Doente competente, em perigo de vida: Quem pode tomar decisões no fim de vida?

0.5

23

17

84.5

62.5

21

1

19.5

15

8.5

22.5

8

4.5

31

30

2.5

9.5

24

10

22

27

1

2

35

83

3

9

1

10.5

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Doente

Família

Equipa médica

Capelão

Grupo de amigos

PCS

Doente competente, em perigo de vida, com testamento vital prévio

com decisão contrária à vontade atual: Quem pode tomar decisões

acerca de não iniciar terapêutica para lhe salvar a vida?

1

2

3

4

5

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 19

Por outro lado, face ao doente não competente, em perigo de vida, 54% consideram que

a pessoa responsável por tomar decisões acerca de não iniciar terapêutica para salvar a

vida do doente é o PCS (Fig.6). Tal como na questão anterior, a maioria defende que

nem o grupo de amigos (53,5%) nem o capelão (86,5%) devem interferir na tomada de

decisão, ao passo que a família e a equipa médica devem ser consideradas, tal como

representa a percentagem cumulativa dos graus 4 e 5 da escala de Likert.

Figura 6. Doente não competente: Quem pode tomar decisões no fim de vida?

Quando inquiridos quanto aos valores inerentes às respostas supramencionadas, 45%

apontaram o valor da qualidade de vida, 23% referiram o valor da vida e 31%

assumiram a posição intermédia entre ambos.

Em questões de fim da vida, 86,5% defenderam que as Comissões de Ética para a Saúde

são úteis aos profissionais de saúde, enquanto que 2,5% não o acha e 10,5% mantêm-se

indecisos.

Foram colocados dois cenários aos estudantes relacionados com situações passíveis de

serem encontradas na prática clínica.

Relativamente ao cenário 1 (Fig.7), a maioria defendeu que a vontade explícita no TV

nunca poderá ser desrespeitada pela equipa médica (52%) nem pelos familiares não

nomeados como PCS (66,5%) nem com o objetivo de salvar a vida contra a vontade da

11

7

86.5

53.5

6

8

2

7.5

25.5

6.5

21

14

3

13

11

34

42

1

3.5

22

25

33.5

0

54

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Família

Equipa médica

Capelão

Grupo de amigos

PCS

Doente não competente em perigo de vida: Quem pode tomar decisões

acerca de não iniciar terapêutica para lhe salvar a vida?

1

2

3

4

5

2,5

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 20

doente (55,5%). Quanto à decisão do PCS, os inquiridos sustentam a sua importância,

tal como as percentagens maioritárias dos graus 4 e 5 da escala de Likert traduzem.

Figura 7. Ação do futuro médico perante situações críticas no fim de vida – cenário 1.

O cenário 2 (Fig. 8), relata uma situação urgente, onde 55,5% dos estudantes referem

que nunca agiriam contra a vontade do doente em prol da preservação da vida e 66%

assumem que não respeitariam o TV nessa situação. A alegação de objeção de

consciência não é opção para a maioria. 71,5% realçam que agiriam contra a vontade do

doente, visto que o TV não se aplica neste caso.

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Em caso de PCR, marido e filhos podem

decidir, escolhendo prolongar a vida

Só o pai poderá responder pela doente em

caso de morte iminente

Doente deve ser intubada, contra a sua

vontade, de modo a salvar-lhe a vida

A equipa médica pode desrespeitar sempre

o TV nestas circunstâncias

66.5

7

55.5

52

19.5

6.5

20.5

25.5

9

13.5

12

13

4

37.5

7.5

5

0.5

35

4

3.5

Mulher de 33 anos com ELA, chega ao H por IR grave. Tem TV: “Não pretendo ser reanimada em caso de

PCR nem receber tratamentos que prolonguem a vida; Pretendo ser tratada com cuidados que garantam fim

de vida digno. Nomeio meu pai PCS." Classifique:

1

2

3

4

5

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 21

Figura 8. Ação do futuro médico perante situações críticas no fim de vida – cenário 2.

o Influência das variáveis na tomada de decisão em situações de fim de

vida

A tabela 4 apresenta as relações estatisticamente significativas entre as variáveis e as

problemáticas em análise nesta secção. O “grupo etário” e o “ano de curso” são as

variáveis que melhor se correlacionam com a tomada de decisão, nomeadamente nas

questões 11, 12, 13 e 15 (p<0,05) e 14 (p<0,001). Salienta-se também a relação

estatisticamente significativa entre o “grupo etário” e a questão 10 (p<0,05).

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Respeitaria vontade expressa no TV e do

PCS, não recorrendo à intubação nem VA

Alegaria objeção de consciência e enviaria

doente para outro colega/equipa

Agiria contra vontade do doente e do PCS:

é mais importante preservar a vida do que

respeitar vontade do doente

Agiria contra vontade do doente e do PCS,

visto que a situação não se enquadra no

âmbito do TV

66

59.5

55.5

9.5

8

11

14.5

3

10

13.5

22

6.5

8

9

4

9

7.5

5.5

2.5

71.5

Doente dá entrada no H por quadro de asfixia por corpo estranho, em esforço respiratório e com

pulso fraco. Tem TV onde se lê: “Recuso intubação e VA em caso de DC progressiva

incapacitante”. O PCS aponta TV e reforça recusa de VA. O que faria?

1

2

3

4

5

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 22

Tabela 4. Relação entre as variáveis e a tomada de decisão em situação de fim de vida.

QUESTÕES

GRUPO ETÁRIO ANO

Valor de

teste Valor de p

Valor de

teste Valor de p

10. Qual o dever do PSaúde quando o

doente se encontrar incapaz de

expressar a sua vontade?

7,563 0,023 3,891 >0,05

11. Doente competente, em perigo de

vida, com testamento vital prévio

com decisão contrária à vontade

atual: Quem pode tomar decisões

acerca de não iniciar terapêutica

para lhe salvar a vida?

8,901* 0,004* 11,939* 0,003*

12. Doente não competente em perigo

de vida: Quem pode tomar decisões

acerca de não iniciar terapêutica

para lhe salvar a vida?

4,961† 0,029

† 4,731

†† 0,040

††

13. Acha que as Comissões de Ética

para a Saúde nos Hospitais são úteis

para a equipa médica no que

concerne à tomada de decisões do fim

de vida do doente?

5,211 0,022 0,019

14. Mulher de 33 anos com ELA,

chega ao H por quadro de IR grave.

Tem TV que diz: “Não pretendo ser

reanimada em caso de PCR; Não

pretendo receber tratamentos que

prolonguem a vida, mesmo que

experimentais; Pretendo ser tratada

com todos os cuidados que garantam

um fim de vida digno. Nomeio o meu

pai como PCS.”. Classificar ações

como futuro médico.

13,561‡ <0,001

‡ 21,755‡ <0,001

15. Doente dá entrada no H por

quadro de asfixia por corpo estranho,

em esforço respiratório e com pulso

fraco. Tem TV onde se lê: “Recuso

intubação e VA em caso de DC

progressiva incapacitante”. O PCS

legalmente nomeado reforça recusa

de intubação e VA. O que faria como

futuro médico?

8,387#

10,689¥

0,004#

0,001¥

9,007#

15,595£

5,555¥

0,003#

<0,001£

0,018¥

Legenda (tabela 4): * válido para a opção de resposta “Amigos”. †

válido para a opção de resposta “Família”. ††

válido para a opção de resposta “Amigos”. ‡ válido para a opção de resposta “Em caso de PCR, marido e filhos podem decidir, escolhendo prolongar a vida”.

# válido para a opção de resposta “Respeitaria a vontade expressa no TV e do PCS, não recorrendo à intubação nem VA”.

£ válido para a opção de resposta “Agiria contra vontade do doente e do PCS: é mais importante preservar a vida do que respeitar vontade do

doente”.

¥ válido para a opção de resposta “Agiria contra vontade do doente e do PCS, visto que a situação não se enquadra no âmbito do TV”.

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 23

A religião é a terceira variável que melhor se correlaciona com a tomada de decisão,

nomeadamente nas questões 15 e 16 (p<0,05) (Tabela 5).

Tabela 5. Relação entre a religião e a tomada de decisão em situações de fim de vida.

Legenda (tabela 5): #

válido para a opção de resposta “Respeitaria a vontade expressa no TV e do PCS, não recorrendo à intubação nem VA” ¥ válido para a opção de resposta “Agiria contra vontade do doente e do PCS, visto que a situação não se enquadra no âmbito do TV”.

† válido para a opção de resposta “Convencer o doente”.

‡ válido para a opção de resposta “Encaminhar o doente para outro médico que siga a sua vontade”.

A tabela 6 evidencia outras relações estatisticamente significativas que foram

encontradas, nomeadamente entre “sexo” e perguntas 12 e 15 (p<0,05), “faculdade” e

questão 16 (p<0,001) e “importância da religião” e pergunta 17 (p<0,05). Assim se

verifica que estas variáveis são aquelas que menos se correlacionam com a tomada de

decisão perante situações acerca do fim de vida.

QUESTÕES RELIGIÃO

Valor de teste Valor de p

15. Doente dá entrada no H por quadro de asfixia

por corpo estranho, em esforço respiratório e com

pulso fraco. Tem TV onde se lê: “Recuso

intubação e VA em caso de DC progressiva

incapacitante”. O PCS legalmente nomeado

reforça recusa de intubação e VA. O que faria

como futuro médico?

5,585#

4,942¥

0,018#

0,026¥

16. Doente competente em situação de perigo de

vida: se o médico considerar a terapêutica fútil e o

doente a solicitar, o que deve fazer o médico?

4,972†

9,109‡

0,026†

0,003‡

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 24

Tabela 6. Relação entre outras variáveis e a tomada de decisão em situações de fim de vida.

QUESTÕES

SEXO FACULDADE IMPORTÂNCIA DA

RELIGIÃO

Valor de

teste Valor de p

Valor de

teste Valor de p

Valor de

teste

Valor de

p

12. Doente não competente

em perigo de vida: Quem

pode tomar decisões acerca

de não iniciar terapêutica

para lhe salvar a vida?

4,291# 0,038

# 1,350

# >0,05 0,043

# >0,05

15. Doente dá entrada no H

por quadro de asfixia por

corpo estranho, em esforço

respiratório e com pulso

fraco. Tem TV onde se lê:

“Recuso intubação e VA em

caso de DC progressiva

incapacitante”. O PCS

legalmente nomeado reforça

recusa de intubação e VA.

O que faria como futuro

médico?

3,910¥ 0,048

¥ 1,285

¥ >0,05 0,000

¥ >0,05

16. Doente competente em

situação de perigo de vida:

se o médico considerar a

terapêutica fútil e o doente a

solicitar, o que deve fazer o

médico?

0,078† >0,05 17,552

† <0,001

† 0,704

† >0,05

17. Respondeu às perguntas

supramencionadas de

acordo com o valor da vida

ou da qualidade de vida?

0,171 >0,05 1,988 >0,05 4,998 0,025

Legenda (tabela 6): #

válido para a opção de resposta “Família”. ¥ válido para a opção de resposta “Agiria contra vontade do doente e do PCS, visto que a situação não se enquadra no âmbito do TV”.

† válido para a opção de resposta “Agir de acordo com a vontade do doente”.

o Diferenças esperadas quanto à tomada de decisão em situações de fim

de vida

Relativamente às relações mais preponderantes estatisticamente, destacam-se

observações comuns às variáveis “ano de curso” e “grupo etário”: (1) Na questão 15, o

número esperado de estudantes mais jovens e do ciclo básico que não concordavam em

respeitar a vontade expressa no TV foi superior ao observado; (2) Na questão 13, o

número esperado de respostas favoráveis à existência das Comissões de Ética nos

Hospitais foi superior ao observado para o mesmo grupo.

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 25

o Fatores preditivos positivos na tomada de decisão em situações de fim

de vida

A partir da análise da regressão logística, foi possível verificar que tanto a “religião”

como a “faculdade” são preditores positivos de tomada de decisão em situações de fim

de vida (p<0,05). Tal como apresentado na tabela 7, os não católicos não tentam

convencer o doente tantas vezes quanto os católicos e estes tendem a encaminhar menos

vezes o doente para outra equipa médica capaz de seguir a sua vontade. Os estudantes

da FMUP agem mais frequentemente de acordo com a vontade do doente do que os do

ICBAS-UP.

Tabela 7. Doente competente em situação de perigo de vida: se o médico considerar a terapêutica fútil e o

doente a solicitar, o que deve fazer o médico? – Fatores preditivos positivos de tomada de decisão.

QUESTÕES RELIGIÃO FACULDADE

Valor de p OR IC a 95% Valor de p OR IC a 95%

Convencer o doente.

0,020 0,429

0,210

a

0,875

>0,05 1,007 0,518

a

1,957

Agir de acordo com a

vontade do doente. >0,05 1,027

0,497

a

2,119

<0,001 4,608 2,250

a

9,436

Encaminhar o doente

para outra equipa

médica que siga a sua

vontade.

0,002 4,111 1,677

a

10,081

>0,05 1,883 0,820

a

4,324

Quanto às questões expostas na tabela 8, tanto o “sexo” como o “grupo etário” são

fatores preditivos positivos de tomada de decisão (p<0,05). O sexo feminino tem

tendência a respeitar mais vezes a função do PCS. O grupo etário mais jovem tende a

respeitar menos a vontade da doente expressa no TV.

Tabela 8. Cenário 1 – Fatores preditivos positivos de tomada de decisão.

QUESTÕES

SEXO GRUPO ETÁRIO

Valor de

p OR IC a 95%

Valor

de p OR IC a 95%

Só o pai poderá responder pela

doente em caso de morte

iminente.

0,031 2,363 1,084

a

5,151

>0,05 0,703 0,329

a

1,501

A doente deve ser

intubada/ventilada para

tratamento da sua IR, contra a

sua vontade, de forma a salvar-

lhe a vida.

>0,05 2,166 0,653

a

7,183

0,019 0,273 0,093

a

0,807

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 26

O “sexo”, a “religião” e o “ano de curso” são os fatores preditivos positivos implicados

na tomada de decisão nas situações apresentadas na tabela 9. Em situação urgente, em

que o TV não se aplica, os estudantes não católicos, do sexo masculino e do ciclo básico

têm maior dificuldade em não cumprir o TV do que os alunos católicos, do sexo

feminino e do ciclo clínico.

Tabela 9. Cenário 2 – Fatores preditivos positivos de tomada de decisão.

QUESTÕES

SEXO RELIGIÃO ANO

Valor de

p OR

IC a

95%

Valor

de p OR IC a 95%

Valor

de p OR

IC a

95%

a) Respeitaria a

vontade do doente

expressa no

testamento vital,

assim como do seu

procurador de

cuidados de saúde,

não recorrendo à

intubação/ventilação.

>0,05 ,499

0,168

a

1,480

0,010 0,177

0,047

a

0,667

0,044 0,303

0,095

a

0,967

c) Agiria contra a

vontade do doente e

do seu procurador,

expressa no

testamento vital, visto

que: é mais

importante preservar

a vida do que

respeitar a vontade do

doente.

>0,05 1,162 0,114

a

11,841

>0,05 1,791

0,411

a

7,807

0,002 0,071

0,013

a

0,383

d) Agiria contra a

vontade do doente e

do seu procurador,

expressa no

testamento vital, visto

que: o testamento de

vida da doente não se

aplica, porque a

situação apresentada

não se enquadra no

âmbito do testamento

vital.

0,011 3,469

1,323

a

9,097

0,023 3,590

1,192

a

10,808

>0,05 2,929

0,991

a

8,658

PERSPETIVA DOS ESTUDANTES DE MEDICINA SOBRE O TESTAMENTO VITAL 2013/2014

CATARINA FILIPE LIMA BARBOSA 27

DISCUSSÃO

Esta investigação providencia informações importantes sobre a perceção dos estudantes

de Medicina relativamente ao TV e, necessariamente, sobre as questões de fim de vida a

ele associadas.

A análise dos resultados obtidos demonstra que a maioria dos inquiridos tem um bom

nível de conhecimento sobre o tema e que este é mais dependente do ano de curso e do

grupo etário, no entanto nem a faculdade nem a religião influenciam o nível de

conhecimento. Destaca-se a razão de verosimilhança encontrada entre o maior número

de respostas corretas e os estudantes do ciclo clínico e do sexo feminino. Na visão da

investigadora, tais resultados poderão demonstrar ou a adequada formação académica

ao longo dos seis anos de curso ou o interesse e curiosidade crescentes pelos temas da

atualidade médica ao longo do tempo de formação. Além disso, segundo outros estudos,

são o espelho da realidade encontrada nas escolas médicas portuguesas, no que

concerne à proporção sexo masculino:sexo feminino 22

.

É interessante verificar que a maioria dos inquiridos não tem ou não pretende ter um

testamento vital. Estes resultados permitem indagar sobre os eventuais motivos

subjacentes a essa decisão: “Por se tratar de um tema delicado, uma vez que se cruza

com o conceito de morte, estarão os estudantes pouco à vontade para abordá-lo?”. Tal

pensamento pode ser explicado à luz do modo como cada um interioriza a morte – “uma

pessoa que viveu de modo responsável a vida interiorizará a morte de outra maneira que

não a de uma pessoa que viveu permanentemente na modalidade do medo e da angústia

face a todos os acontecimentos da vida”23

.

O foco da discussão detém-se no modo como os estudantes encaram situações passíveis

de serem encontradas na futura prática clínica e na forma como as características

pessoais e culturais podem influenciar essa decisão. Perante os resultados, salienta-se

que o grupo etário e o ano de curso são as variáveis que melhor se correlacionam com a

tomada de decisão em fim de vida. Contudo, em menor grau, o sexo, a faculdade, a

religião e sua importância, também a influenciam.

Os resultados obtidos demonstram que, para os respondedores, o valor da qualidade de

vida suplanta o valor da vida na atuação perante o doente em fim de vida. Além disso,

revelam que, na maioria das situações, a vontade do doente será respeitada, o que está

de acordo com a Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, que salvaguarda que, em

situação de doença, o respeito pela dignidade humana adquire particular importância,

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devendo ser respeitado por todos os profissionais de saúde24

. Todavia, os resultados

também apontam razões de verosimilhança entre religião e faculdade e a atitude

paternalista do médico face ao doente em fim de vida, que não cumprem na totalidade o

último propósito. Tais resultados sugerem que, no decorrer da futura prática clínica,

possam surgir situações de conflito entre a vontade do doente e a boa prática médica ou

estado de arte2.

Na escola médica, os inquiridos são ensinados a respeitar os princípios da Bioética

idealizados por Beauchamp e Childress - autonomia, não maleficência, beneficência e

justiça26

– e a interpretá-los como regras práticas de orientação do exercício clínico. De

um modo geral, as respostas obtidas sugerem esta forma de atuação. Todavia, talvez

porque o público em geral atribua mais ênfase à beneficência11

e os próprios estudantes

o reconheçam, eles são unânimes em afirmar que, em situações de perigo de vida, quer

o doente esteja ou não competente para decidir, nem o capelão nem o grupo de amigos

do doente deverão poder intervir no processo de decisão quanto à terapêutica e objetivo

a seguir. Este resultado deverá recordar a influência da religião em matéria de cuidados

de saúde. Na presente investigação, numa maioria de católicos, verifica-se que a religião

não influencia a ação dos futuros médicos em prol do princípio da beneficência, mas

antes em vigor dos princípios da não maleficência e da justiça, o que está de acordo com

estudos internacionais25

. Salienta-se ainda a razão de verosimilhança encontrada entre

sexo feminino e o papel da família na tomada de decisão perante um doente em fim de

vida que, à semelhança de resultados internacionais, realça a influência dos valores

culturais nas decisões de fim de vida25

.

A nomeação e função do PCS parecem ser bem compreendidas pelos estudantes,

inclusive quando coexistem as vontades expressas no TV e a vontade do PCS. No

entanto, foram também encontradas opiniões discordantes, que poderão equacionar a

hipótese de que os futuros médicos estão alertados para o facto de poderem surgir

situações em que a posição do PCS possa não coincidir com a vontade real do doente27

– o que sugere que novos estudos permitirão melhorar a compreensão da influência das

características pessoais e culturais dos estudantes no modo de atuação em matérias

relacionadas com o fim de vida.

Os resultados obtidos neste estudo permitem propor a implementação de estratégias

inovadoras relacionadas com o desenvolvimento e aquisição de competências em

matérias delicadas como o fim de vida13,28

, de modo a formar estudantes cada vez mais

competentes. Um outro aspeto essencial passaria pela organização da sociedade de

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forma a incluir, acompanhar e integrar todos os doentes terminais e as pessoas

portadoras de doenças crónicas29

, de modo a unificar a saúde e os doentes.

Vantagens e Limitações

Como o estudo avalia as perceções dos estudantes de medicina sobre o TV, uma das

limitações relaciona-se com a possibilidade das respostas serem baseadas em

impressões, preconceitos e informação incompleta, em detrimento de informação

objetiva. Todavia, o estudo não é, por isso, menos importante, visto que muitas decisões

ao longo da vida assentam, precisamente, em perceções ou experiências14

.

A utilização do formato eletrónico possibilitou uma adequada e cómoda adesão dos

estudantes. Dado que decorreu sob anonimato, não foi possível aceder às características

daqueles que não responderam a algumas questões nem ultrapassar as limitações do

tamanho da amostra. Assim, seria recomendável, em estudos futuros, o alargamento da

amostra a um maior número de estudantes de Medicina, bem como a aplicação de

estratégias que possibilitem uma maior adesão dos estudantes do primeiro ano a este

tipo de iniciativas, de forma a colmatar as diferenças observadas entre anos neste

estudo.

Conclusões

Existe um nível de conhecimento adequado sobre o TV entre os estudantes de Medicina

da UP, que depende mais marcadamente do ano de curso e do grupo etário. Por outro

lado, face às decisões de fim de vida, apesar dessas variáveis serem as que mais

influenciam a tomada de decisão, verificou-se que a religião, o sexo e a faculdade

também podem estar implicadas, de acordo com o contexto clínico, sociocultural e

familiar.

É reconhecido que as DAV, sob a forma de TV, constituem um passo fundamental na

promoção da autonomia pessoal e, consequentemente, da dignidade de cada ser

humano: os resultados obtidos permitem pensar que, perante uma situação adversa e de

incapacidade, a vontade do doente será quase sempre respeitada, assim como a sua

própria visão sobre a morte. Todavia, os estudantes inquiridos farão depender o

exercício da Medicina mais em função da garantia de qualidade de vida do que da

quantidade de vida do doente.

Face aos resultados obtidos e à atualidade e riqueza em questões médicas e ético-legais

deste tema, é premente a sensibilização e educação da população. Uma das estratégias

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poderá passar pela aplicação de estudos similares num âmbito alargado, começando

pelos profissionais de saúde, dado o confronto diário com situações idênticas às

expostas neste estudo.

A promoção do debate pluridisciplinar permitirá que aspetos tão pessoais como a

antevisão e planificação do final da vida sejam cada vez mais providos da maior

dignidade e serenidade possíveis.

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CONFLITOS DE INTERESSE

A autora declara a inexistência de conflitos de interesse.

FONTES DE FINANCIAMENTO

A autora declara que não houve fontes de financiamento.

AGRADECIMENTOS

A autora gostaria de agradecer:

A todos os estudantes de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Instituto

de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto que participaram neste estudo;

Ao Dr. Paulo Maia e à Dr.ª Carolina Lemos, por todo o apoio, disponibilidade, confiança e motivação;

Aos meus Pais e Irmãos, pela paciência e confiança.

Ao Diogo, pela compreensão, apoio e companheirismo.

Aos meus Amigos, pela confiança e motivação.

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ANEXOS

Anexo 1| Modelo facultativo de Diretiva Antecipada de Vontade

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Anexo 2 | Questionário aplicado aos estudantes

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