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pesquisa sobre a religião espírita no Brasil
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Espiritismo: a cura nos centros espíritas e sua relação com a crença daqueles que a
procuram.
Espiritismo e “espiritismos” : Uma introdução histórica sobre a origem do
espiritismo, desde a França ao Brasil e suas diferenciação no campo religioso
brasileiro.
É impossível falar da origem do espiritismo sem mencionar os fenômenos das
mesas girantes que se tornaram popular na Europa do século XIX, assombrando
e despertando curiosidades da sociedade européia, em especial da “classe
média letrada” francesa.
O meio espírita se refere a esses fenômenos como o “pontapé” inicial da
codificação espírita.
Dentro desse contexto surge então um famoso pedagogo francês, conhecido
até então como Leon-Hippolyte Denizard Rivail, que passa a freqüentar as
reuniões em torno desses fenômenos com o intuito de desmistificar tal “magia”.
Inicialmente cético passa a investigar usando-se de método científicos da época,
baseando-se na filosofia positivista e racionalista típica do seu contexto cultural.
No entanto, dentro a sua pesquisa se convenceu da origem espiritual dos
fenômenos e se propôs a estudá-lo e a codificar aquilo que chamaria de Doutrina
Espírita, ou ainda, dos Espíritos, assumindo desde aí o pseudônimo, o qual ficou
conhecido, de Allan Kardec.
Dessa maneira foram publicados os cinco livros base da doutrina espírita: O
Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O
Céu e o Inferno e A gênese; que tinham por tema desde a imortalidade da alma
até elementos físicos e químicos na formação da Terra, todos ditados por
espíritos, ditos mais evoluídos, transcrito por médiuns e organizados pelo próprio
Kardec.
Porém, a antropóloga Sandra Jacqueline Stoll no seu estudo sobre
Espiritismo à Brasileira contra argumenta nessa idéia de Kardec como apenas
um organizador e codificador da doutrina espírita, para ela foi o próprio Kardec
que postulou a doutrina um status cientificista, desenvolvendo, assim também, a
cosmologia inerente do espiritismo.
“O que singulariza o Espiritismo nesse momento, portanto, é o modo como se
produziu a acomodação das informações “dos espíritos” a idéias, modelos e
princípios que têm origem em outro campo – o da ciência. Essa articulação foi
sendo construída por Allan Kardec em meio ao processo de coleta das
informações “dos espíritos” e desenrolar do embate entre correntes diversas do
pensamento científico. [...] O estatuto de ciência que se atribui ao Espiritismo é
uma criação sua. Portanto, uma interpretação pessoal. Essa sua interpretação,
porém, foi assumida como inerente à manifestação “dos espíritos”, dando origem
ao mito de que o Espiritismo seria, na sua versão original, efetivamente
científico.” (STOLL, Sandra Jacqueline. Espiritismo à Brasileira. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; Curitiba: Editora Orion, 2003:48)
Os livros da doutrina proibida, como inicialmente ficou conhecida, por ter sido
rejeitada e combatida, “naturalmente”, pela Igreja Católica, foram rapidamente
difundidos por toda a Europa e atravessaram o atlântico chegando às Américas
em especial no Brasil.
Ao chegar ao Brasil, a doutrina se depara com um campo religioso complexo
e hegemonicamente católico que traçará uma particularidade nesta doutrina no
país, visto que a maioria dos seus adeptos decorreu do catolicismo.
A priori a Doutrina Espírita circulara nas classes mais letradas e cultas do
país, tendo seus livros uma boa saída nas editoras e livrarias. No entanto, no
passar do século XIX ao XX a religião espírita ganhou outras dimensões que
culminou no aparecimento do médium brasileiro Chico Xavier, que segundo
Sandra Stoll representa toda essa singularidade marcante do espiritismo à
brasileira.
É importante, no entanto, falarmos um pouco mais sobre essa discussão do
diferencial entre o espiritismo francês e o brasileiro que levantará questões
essenciais no desenrolar desta pesquisa sobre a cura nos centros espíritas de
Pernambuco e sua relação com a crença dos que procuram essa cura.
Sandra Stoll, neste seu livro já citado anteriormente, Espiritismo à Brasileira,
ressalta que essa diferença que se expressa em um espiritismo mais religioso e
um mais cientificista e experimental, fazendo referência aos antropólogos Sahlins
e Geertz, e refutando algumas teorias anteriores de pesquisadores como
Laplantine e Marion Aubrée sobre o espiritismo brasileiro, decorrem de uma
“adaptação” cultural que transforma os “moldes” franceses em “moldes”
brasileiros, reinterpretando os signos franceses em um campo cultural brasileiro,
embora ambas as partes possua uma mesma base cosmológica espírita que se
encontra na codificação espírita, nos livros citados anteriormente, que constitui a
“fonte última de autoridade” nos debates espíritas, como diz Maria Laura
Cavalcanti no seu livro O Mundo Invisível.
Além disso, esse esforço de uma separação entre o espiritismo francês e o
brasileiro parece ser mais uma tentativa de diferenciação cultural do que uma
diferença realmente singular, ou específica, neste universo religioso, pois é
verificável no meio espírita brasileiro uma não identificação de separação espírita
mesmo que reconheçam que o espiritismo na França seja mais voltado para o
aspecto científico.
Dessa forma é importante citar um acontecimento na história espírita
brasileira, muito citado pelos palestrantes e estudiosos da doutrina espírita no
Brasil, que consiste na formação da Federação Espírita Brasileira (FEB) pelo
médico e político Dr.Bezerra de Menezes.
A formação da FEB ficou marcada pelo profundo debate sobre que caráter a
doutrina espírita brasileira levaria na formulação de suas instituições, visto que a
FEB, representara e representa a principal instituição espírita de difusão e
unificação do movimento espírita brasileiro. Assim, havia aqueles que preferiam
os aspectos científicos e filosóficos, aqueles que preferiam o filosófico e o
religioso, aqueles que apenas preferiam os aspectos religiosos da doutrina e
aqueles que preferiam todos os aspectos da doutrina.
O papel do Dr. Bezerra de Menezes, que vinha de uma origem tradicional
católica do interior do Maranhão, foi então de fortalecer esse movimento e
congregar todos os aspectos da religião, no entanto, os próprios espíritas
brasileiros, falam no ressalve do aspecto religioso que o médico político espírita
transmitiu a FEB e é unânime entre os espíritas brasileiros a idéia que apesar da
doutrina espírita possuir três aspectos, o religioso, o científico e o filosófico, ela é
antes de tudo uma forma de vida, um estilo de conduta moral e religiosa que se
expressa na máxima do estudo, da caridade e da prática da mediunidade.
Enquanto isso, na França a doutrina foi “naturalmente” se empenhado mais
no aspecto cientificista da religião.
É “natural”, como diz Sandra Stoll, que a doutrina tomasse rumos diferentes,
visto suas diferenças culturais. No entanto isso não culmina em uma doutrina
mais ou menos verdadeira, ou mais ou menos racional, apenas demonstra, o que
Geertz e Shalins falam, que o processo de universalização da religião resulta em
práticas distintas de uma mesma doutrina ou se diferencia em aspectos próprios
de cada cultura que é resultado também da tensão com as religiões
concorrentes.
Se por um lado Allan Kardec, cientista, pedagogo, culto e racional, transcreve
o aspecto singular francês, Chico Xavier, por outro, um homem franzino de
origem humilde e católica transcreve o aspecto singular brasileiro, embora
ambos possuam uma caminhada distinta no vivenciamento da doutrina. No
entanto, para desmistificar essa idéia que no Brasil apenas prevaleça o aspecto
religioso, a obra de Chico Xavier possui mais de 400 livros psicografados e
passeiam em temas da astro-física até a vida de santos católicos enquanto que
Kardec possui apenas em torno de 20 publicações espíritas através da ajuda de
médiuns.
Uma curiosidade peculiar é que no meio espírita há quem fale que Chico seja
o próprio Kardec reencarnado, embora essa discussão seja de grande polêmica
dentre os espíritas, o que demonstra que essa diferença tão ressaltada entre os
antropólogos não é muito sentida ou percebida entre os espíritas brasileiros, a
exemplo também, do próprio “mentor espiritual”, de Chico, Emmanuel, que
participou da codificação espírita. Isso porque, dentro da cosmologia espírita
brasileira a visão do percurso da doutrina espírita se ramifica em um destino
traçado por um plano superior que abrange todo o mundo e tem no Brasil um
ponto de referência e partida, é comum escutar nos centros espíritas, por
exemplo, “Brasil coração do mundo, pátria do evangelho”.
Outra questão a ser debatida antes de passarmos para pesquisa proposta
são as particularidades assumidas no movimento espírita ante as diferenças de
classe e status e também a cultural.
Embora não se identifique uma tensão ou separação, propriamente dita,
dentro o movimento espírita brasileiro e que todos sempre se empenham em
uma cordialidade típica ao convívio e ética espírita é notável dentro esse
movimento a concorrência entre duas correntes espíritas, especialmente
verificada no estado de Pernambuco, que consisti em uma corrente mais
tradicional e outra ligada à uma corrente mais flexível que se traduz , no entanto
se perceba uma constante movimentação entre essas instituições,
principalmente quando se refere aos tratamentos espirituais direcionados à cura.
Nota-se, então, que as instituições mais tradicionais são ligadas nos
aconselhamentos direcionados pela FEB, enquanto as menos tradicionais
possuem um direcionamento próprio e até em alguns casos permitem a fusão
com outros campos religiosos geralmente ligados ao esoterismo, a religiões afro-
brasileiras e orientais, ou, ainda, à todas essas religiões misturadas, como é o
caso do Vale do Amanhecer na Várzea, bairro do Recife.
Os tratamentos espirituais, nesse contexto, irão se diferenciar de acordo com
seu grau de “tradicionalismo”, permitindo, assim, os tratamentos espirituais das
mais diversas formas.
Outra diferenciação dos centros espíritas, já citada por Maria Laura
Cavalcanti, é segundo as classes sociais em que estão inseridos. Primeiramente,
é preciso dizer que não se trata de uma religião espírita dos pobres e de outra
dos ricos, mas uma diferenciação um tanto que peculiar que se verifica quando
se vai a um centro espírita no bairro de Prazeres e outro em Boa Viagem,
enquanto estrutura não há muita diferença, mas quando se pergunta a religião
daqueles que freqüentam, nota-se logo tal diferença e quando se coloca em
questão há busca por alguma cura essa diferença se torna mais gritante.
Nosso trabalho, então, consistirá em uma discrição dessas diferenças dentro
o meio espírita pernambucano tendo relação à busca pela cura e a relação com a
crença daqueles que procuram essas instituições religiosas. Buscando, assim, o
contato direto com instituições espíritas de diversos bairros da região
metropolitana de Recife, fazendo entrevistas com dirigentes, médiuns, pacientes
que obtiveram a cura e estudiosos da doutrina espírita em Pernambuco.
Logo então, agradecemos de antemão a todos que colaboraram com a
formulação desse trabalho, em especial a Conceição do Monte e a Rosane Melo,
pela ajuda e o incentivo na pesquisa dentro os centros espíritas.