Petroquímicos e a greve geral de 1985

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA DISSERTAO DE MESTRADO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

PETROQUMICOS E A GREVE GERAL DE 1985

IAMARA ANDRADE SAMPAIO

RESUMO Petroqumicos e a Greve Geral de 1985 analisa o significado da experincia vivida pelos trabalhadores na greve geral de 1985 realizada em um importante espao socioeconmico da Bahia: o Complexo Petroqumico de Camaari (COPEQ). As mltiplas e complexas faces dessa experincia enquanto um espao de construo de identidade, da vida e da prpria histria so pesquisadas atravs das fontes impressas coletadas no Sindiqumica, do peridico Tarde, das fontes orais fornecidas pelos depoimentos dos petroqumicos e no dilogo com diversas obras relevantes ao tema da dissertao. A hiptese principal deste trabalho que a greve de 1985 foi uma experincia de classe de onde emergiu significados que se converteram para os trabalhadores qumicos e petroqumicos em elementos de identidade que deram sentido a sua existncia enquanto uma coletividade.

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ABSTRACT "Petrochemicals and the 1985 General Strike" analyses the meaning of the experience lived by workers at the general strike that happened in 1985. It occurred in an important socioeconomic space of the state of Bahia: O Complexo Petroqumico de Camaari (COPEQ). The complexity and multiples faces of its experience as a space of identity construction, besides their own lives and story are established through examination collected at A Tarde newspaper, Sindiqumica papers, oral petrochemicals deposition and dialogues with various dissertation theme. The principal hypotheses of this article is that the strike of 1985 became a space of workers class experience, witch allowed the chemicals e petrochemicals workers provide identities elements that gave to themselves as group, a collectively meaning. majors works related with the

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SUMRIO INTRODUO................................................................................................................5 CAPTULO 1 Um Breve Histrico do Plo Petroqumico...........................................15 1.1. A Petroqumica no Mundo........................................................................................17 1.2. A Petroqumica no Brasil..........................................................................................21 1.3. A Petroqumica na Bahia..........................................................................................26 1.3.1. Os anos 50 e 60: rumo industrializao..............................................................26 1.3.2. Os anos 70: a construo do Complexo Petroqumico do Nordeste (COPEC).....33 1.3.3. Os anos 80..............................................................................................................451.3.3.1. O Cenrio Econmico Brasileiro....................................................................................45 1.3.3.2. A Regio Metropolitana de Salvador (RMS)..................................................................46

CAPTULO 2 O Trabalhador Petroqumico................................................................49 2.1.Uma Breve Apresentao do Sistema Petroqumico................................................51 2.2. O Petroqumico........................................................................................................53 2.2.1. O Emprego no Plo Petroqumico........................................................................53 2.2.2. A Formao Educacional e a Seleo dos Petroqumicos....................................55 2.2.3. Gnero no Emprego Petroqumico........................................................................57 2.2.4. Raa no Emprego Petroqumico...........................................................................59 2.2.5. A Faixa Etria dos Petroqumicos.........................................................................60 2.2.6. A Origem Espacial dos Petroqumicos.................................................................62 2.3. O Petroqumico no Mundo do Trabalho..................................................................64 2.3.1. O Tipo de Trabalho..........................................................................................................................65 2.3.2. O Sistema de Turno.................................................................................................67 2.3.3. A Vida Social...................................................................................................................71 2.3.4. A Jornada de Trabalho......................................................................................................732.3.4.1. A Alimentao e o Descanso......................................................................................73 2.3.4.2. A Segurana no Trabalho....................................................................................73 2.3.4.3. O Meio Ambiente e a Sade..........................................................................................75 2.3.4.4. As Relaes Hierrquicas..................................................................................................79

CAPTULO 3 A Greve Geral de 1985........................................................................................84 3.1. O Preldio Grevista.................................................................................................85 3.1.1. Um Breve Histrico dos Antecedentes Sindicais da Greve................................87 3.1.2. O Sindicato..........................................................................................................91 3.1.3. A Classe...............................................................................................................95 3.1.4. O Salrio..............................................................................................................99 3.2. A Greve...................................................................................................................102 3.2.1. O Primeiro Ato: Campanha Salarial e Negociao.............................................103 3.2.2. O Segundo Ato: a Ocupao das Fbricas..........................................................110 3.2.3. O Terceiro Ato: A Concentrao No Novo Mundo* e o Julgamento da Lei...117 3.2.4. O Ato Final: as Cartas de Demisses e o Retorno ao Trabalho..........................124 CONSIDERAES FINAIS........................................................................................................129 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.........................................................................................134 FONTES...........................................................................................................................................139 4

INTRODUO Antonio Srgio Guimares ao analisar a greve de 1985 afirma que o fracasso das negociaes coletivas nessa campanha salarial se deu em funo da deteriorao das relaes entre trabalhadores e a gerncia, com a constante recusa do patronato em aceitar o dilogo com o Sindiqumica, gerando uma crescente insatisfao entre os trabalhadores na medida em que as reivindicaes eram repetidamente reprimidas. Assim, a greve de 1985 foi o estopim de um clima de animosidade e revolta cuja demanda principal era o reconhecimento da representao operria como interlocutor legtimo. Guimares ressalta que o possvel fracasso nas negociaes foi percebido pelos trabalhadores como uma humilhao imposta pelos patres e no um resultado de erros eventualmente cometidos pelo sindicato. Em seu livro, Guimares, afirma, ainda, que a greve significou uma demonstrao de fora do movimento operrio que forou, nos anos seguintes, a mudana do padro existente de gesto do trabalho no Plo, iniciando um perodo de confronto aberto entre sindicalistas e gerentes 1 e foi fundamental para pautar a questo da cidadania operria nas fbricas e deteriorar as relaes de subordinao e de hierarquia existentes at ento. Esses estudos sociolgicos bem sustentados empiricamente indicam a necessidade do aprofundamento da compreenso dos sujeitos participantes do processo da greve, seja em funo dos limites do prprio objetivo do texto, ou de outros, como at mesmo a proximidade temporal do projeto. Nadya Castro afirma que o movimento operrio baiano 2 teria ressurgido nos anos oitenta tendo como um dos eixos de sua mobilizao os trabalhadores petroqumicos, no momento em que o novo empresariado passou a estabelecer relaes fabris conflituosas com os trabalhadores ao negar benefcios sociais. Para Castro havia uma conjuntura de dissoluo do autoritarismo no

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GUIMARES, Antnio S.A. Um sonho de classe. So Paulo, Editora Hucitec, 1998, p. 184.

A respeito ver CASTRO, Nadya. O Movimento operrio baiano nos anos oitenta: retomando alguns elos na dinmica do mercado regional de trabalho e da conformao das classes sociais na Bahia. Salvador, Centro de Recursos Humanos - Universidade Federal da Bahia, 1989.

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regime poltico do pas, de estmulo das reivindicaes populares, de degelamento do peleguismo local e das direes sindicais pouco combativas, fatores que teriam estimulado o movimento sindical em uma direo ascensional. Entretanto, a autora ressalta que a recesso econmica teria colocado a luta sindical em posies defensivas no sentido de garantir o poder de compra, o emprego, etc. A partir do trabalho sociolgico de Castro precisamos problematizar a relao entre as aes coletivas noticiadas e a conjuntura poltica do pas, como as constantes mobilizaes dos trabalhadores modificaram, ou desestabilizaram uma situao histrica de transio poltica alterando os rumos da sua prpria organizao coletiva. Ademais, precisamos problematizar o significado das posies ditas defensivas na luta sindical, j que os diversos riscos (desemprego, derrotas econmicas e polticas, etc.) que os trabalhadores se envolvem numa greve podem caracterizar um outro tipo de posio poltica. Joo Lopes pontuou que os petroqumicos utilizaram eixos diferentes para suas aes ao longo das campanhas salariais 3 realizadas entre os anos de 1979 e 1985, sendo que prevaleceram as reivindicaes econmicas, exceto em 1979. Essas aes diferenciadas dos petroqumicos estariam associadas a uma suposta ausncia de unidade setorial do capital nas estratgias de dominao, apesar do patronato estar sempre buscando manipular os valores reivindicativos. Nessa linha, os graus de mobilizao e politizao estariam variando entre as fbricas at a campanha salarial de 1985. O trabalho de Lopes contribui com uma anlise sobre o significado das reivindicaes prioritrias da greve de 1985 de onde inferiu ter havido uma perda de chance de fazer um enfrentamento poltico e econmico com a reivindicao poltica da jornada de seis horas para os trabalhadores de turno ao priorizar o aumento dos adicionais para 88,5% que no provocava um avano qualitativo na luta dos trabalhadores por ser apenas uma melhoria salarial. Dessas dedues

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A respeito ver As campanhas salariais e a mobilizao dos trabalhadores qumicos e petroqumicos da Bahia. Salvador, Centro de Recursos Humanos - Universidade Federal da Bahia, 1987.

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precisamos problematizar o fato de que as reivindicaes econmicas poderiam significar para os trabalhadores uma forma de enfrentamento poltico. Solange Bastos analisa as relaes de trabalho e a estrutura organizativa da classe trabalhadora da empresa C 4 a partir de informaes colhidas no Grave. Na campanha salarial de 1985 apontada a grande participao do pessoal de turno e razovel a do pessoal administrativo, esclarecimentos do sindicato sobre boatos disseminados pelos patres de possveis acordos realizados e das tentativas do patronato de camuflar as reais condies de trabalho e vida dos trabalhadores petroqumicos tentando passar uma imagem de total segurana industrial. Essa pesquisa explora um importante veculo de comunicao do Sindiqumica, podendo com isso fazer uma leitura das mensagens emitidas pela organizao sindical. Contudo, precisamos identific-las com os sujeitos que as emitem, para que os dados possam oferecer indicaes mais ricas. Em um estudo sobre A exploso das greves na dcada de 80, Eduardo Noronha aponta para algumas motivaes dessas greves, como demandas trabalhistas, descontentamento social ou poltico, demandas reprimidas e a consolidao de novas lideranas sindicais. Uma hiptese desse estudo que a greve no foi o nico canal de manifestaes desses segmentos (os chamados movimentos sociais e as campanhas das diretas so outros exemplos), mas foi certamente a forma mais duradoura, crescente e talvez eficaz de expresso de descontentamento social e poltico alm, claro, do prprio processo eleitoral 5 . Entretanto, ao comparar o volume de greves nesse perodo entre a Espanha e o Brasil o autor afirma que as diferenas na evoluo dos nveis de conflito revela que o crescimento do nmero de greves no pode ser considerado uma conseqncia natural do processo de democratizao, principalmente por conta de um crescimento contnuo das greves aps 1985. Essa perspectiva contribui para problematizarmos o imbricamento entre as greves dessa dcada e as mudanas institucionais na poltica brasileira.A respeito ver BASTOS, Solange. A empresa C sob a tica do Grave. Salvador, Centro de Recursos Humanos Universidade Federal da Bahia, 1989.5 4

NORONHA, Eduardo. A exploso das greves na dcada de 80. In: BOITO, Armando Jr. (org). O sindicalismo brasileiro nos anos 80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 97.

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Para Jorge Nvoa a construo do chamado novo sindicalismo 6 brasileiro est relacionada com a crise do sindicalismo tradicional e a nvel regional com a exigncia das novas condies de trabalho estabelecidas pela consolidao do COPEC. Nessa perspectiva os petroqumicos eram uma categoria estratgica por estarem localizados em um setor de ponta da economia baiana que envolve um importante volume de capital, direta e indiretamente, concentra um grande nmero de trabalhadores e possui periculosidade nas matrias produzidas. Essa grandeza social-produtiva dos petroqumicos teria se constitudo em importncia poltico-sindical provocando o desenvolvimento de um dos maiores sindicatos do norte-nordeste que teria um papel fundamental no avano da formao de classe dos trabalhadores baianos. Todavia, o autor ressalta a necessidade de relativizar o processo de afirmao do novo sindicalismo classista, pois cada tendncia poltica d um significado prprio ao termo classista e no perodo em que o estudo foi realizado a nova prtica no havia se apossado nem criado razes na classe e no caso do Sindiqumica foi um resultado das dificuldades das diretorias em encontrar lideranas intermedirias suficientes para penetrar suas propostas nas fbricas. Essas observaes demonstram a necessidade de considerar a ao poltica para alm da circunscrio da institucionalidade sindical, incluindo um estudo do universo dos sujeitos de uma atuao coletiva. Em um dos trabalhos mais recentes sobre a greve de 1985 Cristvo Galvo 7 relata os acontecimentos no espao poltico das lutas sindicais e no transcorrer da greve, onde a emergncia do sindicalismo classista no Sindiqumica teria provocado o movimento grevista que, por sua vez, significou um alto grau de politizao dos trabalhadores petroqumicos, atingindo seu pice notadamente atravs da campanha de readmisso dos demitidos e em termo organizacionais, o movimento petroqumico chegou maturidade. Essa forma de apreenso requer uma interpretao mais aprofundada dos fatos descritos, uma ampliao das dimenses estudadas, pois se restringe A respeito ver NOVA, Jorge. O sindicalismo brasileiro em perspectiva histrica: hiptese para o estudo do novo sindicalismo na Bahia. Salvador, Centro de Recursos Humanos Universidade Federal da Bahia, 1988.7 6

A respeito ver GALVO, Cristvo. Novas tendncias e concepes sobre o sindicalismo no Brasil: o caso dos petroqumicos na Bahia greve de 1985. Salvador, UCSal, 1996 (Monografia de Graduao Departamento de Histria.

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disputa poltica no mbito da diretoria do sindicato e narrativa dos fatos da greve. Isto pode no dar conta da multiplicidade dos significados elaborados a partir da experincia da greve pelo conjunto dos seus agentes. Maria Alba Carvalho contribui para avanarmos no estudo dos temas relacionados aos movimentos sociais em Salvador nos anos 80 ao traar uma relao entre a excluso dos setores populares do exerccio da cidadania e os conflitos polticos que ocorreram em Salvador nesse perodo. A autora indica que os sujeitos tendem a forjar uma identidade coletiva prpria, balizada na ao poltica que toma forma a partir das organizaes populares. Essas lutas estariam vinculadas aos chamados tempos de normalidade e aos tempos de rebelio. No primeiro h uma predominncia de novas formas de participao em busca da autonomia e da independncia, caractersticas dos chamados novos movimentos sociais. J no segundo ocorre uma grande exploso popular tendo como partida o aumento da tarifa do transporte coletivo que detonou uma ao coletiva violenta, uma ao direta marcada por uma adeso impetuosa e solidria que ficou conhecida como o quebra-quebra de nibus que ocorreu entre os dias 20 de agosto e 3 de setembro de 1981. Carvalho oferece uma possibilidade para compreendermos a dinmica social daquela temporalidade histrica no espao urbano de Salvador, ampliando o universo de abordagem do nosso tema. Para uma reflexo da historiografia dos estudos sobre os movimentos sociais urbanos nos anos 70 e 80 temos uma importante contribuio de Maria da Glria Gohn com um balano bibliogrfico da literatura brasileira dos ltimos vinte anos acerca do tema. Aps apresentar as divises paradigmticas nas anlises dos anos 70, 80 e 90, Gohn observa que um dos mais importantes desafios no futuro imediato para a construo de explicaes tericas dos movimentos sociais latino-americanos est no como construir categorias de anlises que sejam resultantes da reflexo da nossa prpria realidade, pois a forma de viver e representar o vivido tem caractersticas locais, regionais e nacionais peculiares 8 .8

GOHN, Maria da Glria. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clssicos e contemporneos. So Paulo, Edies Loyola, 2000, p. 294.

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Destacamos alguns trabalhos que possuem contribuio relevante por tratar de dimenses do tema em questo e percebemos que apesar de existir inovaes, principalmente no que se refere a transformao do tema em objeto de pesquisa, ainda persiste certas carncias de inovaes metodolgicas, seja em relao ampliao das fontes, das dimenses abertas no estudo, das demarcaes das peculiaridades histricas locais, no plano poltico, econmico, social e cultural no sentido de demonstrar as diferenas significativa que nos indique as mltiplas e complexas faces de uma experincia enquanto um espao de construo de identidade, da vida e da prpria histria. Essas foram algumas preocupaes que destacamos inicialmente para que fossemos capazes de realizar uma (re) leitura da greve dos petroqumicos de 1985, evidenciando um mundo de sentidos, tenses, falas, aes, identidades, realizaes, onde os sujeitos se fizeram enquanto tais produzindo esse universo de significaes. A proposta metodolgica para a investigao histrica dos sujeitos construtores da experincia da greve geral (1985) perpassou pelo uso das fontes orais de modo que pudssemos usufruir suas variadas possibilidades de enriquecimento da interpretao desse fenmeno social na busca pela restituio dessa experincia vivida pelos trabalhadores a um lugar da histria que eles contriburam para fazer 9 . Nesse processo de investigao as fontes orais so utilizadas como uma fonte documental a mais, porque no nos parece procedente falar em Histria Oral, mas preferimos insistir na idia de que o importante utilizar fontes orais para fazer histria10 . Dentre as peculiaridades das fontes orais, encontramos o seu sentido humano que Alczar i Garrido ressalta da anlise de Paul Thompson sobre essas fontes documentais em relao ao que elas proporcionam a uma democratizao da histria e a devoluo aos indivduos do seu passado por meio das suas prprias palavras resgatando o seu papel de protagonista dessa histria.

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ALCAZAR I GARRIDO, Joan Del. As fontes orais na pesquisa histrica: uma contribuio ao debate. Revista Brasileira de Histria, 25/6, pp.36. Ibid. Op, Cit, p.34.

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Assim, a riqueza das fontes orais est no apenas na possibilidade para identificarmos os sujeitos, mas na oportunidade de conhecer atos e situaes que a racionalidade de um momento histrico concreto impede que apaream em documentos escritos 11 . No trabalho com as fontes orais necessrio um mtodo que permita a obteno de um mximo possvel de informaes confiveis cuja utilizao no se limita s transcries das entrevistas. A proposta de Alczar I Garrido para o alcance de tal intento que o historiador possua em mente a idia de que h uma relao dialtica entre as prprias fontes orais e destas com os documentos, e que aquilo que chamam de histria oral um conjunto orgnico e coerente de entrevistas. A partir da necessrio est atento a uma aproximao crtica das fontes orais em funo da seletividade, parcialidade e interesse da memria para que seja possvel realizar uma separao entre o fenmeno histrico e a memria deste e com isso se chegar no s ao conhecimento dos fatos, mas principalmente forma como eles foram vivenciados e percebidos. Na elaborao do mtodo da entrevista mapeamos alguns elementos que precisavam ser esclarecidos, como a identificao do universo social, cultural, tnico e de gnero dos sujeitos que foram entrevistados e a escolha destes foi pautada pelo critrio de que todos tm as mesmas possibilidades de serem entrevistados estando atento ao carter representativo da origem da informao obtida. Os testemunhos foram o el do projeto, apontando caminhos, problemas ou releituras. As fontes orais esto em segmentos diferenciados, desde o trabalhador comum ao dirigente sindical, tentando romper com uma viso restrita sobre a vida poltica apenas no mbito da institucionalidade sindical. Portanto, entrevistamos os trabalhadores petroqumicos, alguns dirigentes sindicais da gesto 85/86 do Sindiqumica, ativistas sindicais e familiares dos trabalhadores, e apesar de no conseguirmos acesso aos diretores do sindicato patronal (85) ou a membros da diretoria das

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Idem, p.36.

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empresas tentamos garantir suas leituras sobre a greve atravs dos discursos publicados pela imprensa baiana. Nesse momento da busca pelos contatos foi fundamental o fornecimento de informaes pelo grupo de demitidos que lutam na justia h quase mais de uma dcada para serem reconhecidos como demitidos polticos e conquistarem a anistia poltica o que implicaria entre outras coisas em uma indenizao financeira. Ento, sem a existncia dessa organizao seria muito difcil reencontrar depois de 21 anos os sujeitos que participaram da greve e mesmo assim foi necessrio um processo de convencimento dessas pessoas da importncia dos depoimentos, muitos se negaram a conversar sobre o assunto e no aceitaram a realizao da entrevista, outros apesar de concordarem no demonstraram muita disponibilidade, houve quem se dispusesse prontamente e aqueles que no participaram das entrevistas, mas nos abriram caminhos no encontro dos testemunhos e na pesquisa de outras fontes. Nas entrevistas buscamos compreender o perfil dos trabalhadores, sua composio social, poltica, cultural, econmica, as mudanas provocadas na sua vida pessoal aps o emprego no Plo, condies de trabalho, relao com a hierarquia, participao ou no no espao sindical, as motivaes e formas de envolvimento na greve e sua trajetria ps-greve, a vida poltica, o nvel de relao dos trabalhadores com o Sindiqumica, os mecanismos de controle, represso e cooptao utilizado pelos empresrios e o grau de colaborao dos trabalhadores com os patres. Danile Voldman destaca a necessidade de uma reflexo sobre a tipologia das testemunhas para percebemos como cada tipo de testemunha est relacionada ao objeto estudado, logo, ao tipo de histria que se deseja fazer. A diversidade de status das testemunhas deve ser conferida no apenas em relao ao objeto da pesquisa, mas segundo outras categorias. Assim, pode-se estabelecer uma classificao a partir da viso que as testemunhas tm do seu papel histrico, distinguindo-se as grandes testemunhas, conscientes do cumprimento do papel pelo qual so solicitadas e as pequenas testemunhas que comeam afirmando que nada tm a dizer, para essa ltima o historiador deve transform-la em sujeito a partir da sua reconstruo.

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Voldman salienta a necessidade de mostrar como a fronteira entre essas testemunhas variam segundo os procedimentos de coleta, verdadeiros responsveis pelo status que lhe dado. O tratamento que damos s informaes provenientes das fontes orais est relacionado anlise de contedo que realizamos na pesquisa, e parti do principio de que o texto transcrito matria-prima para a elaborao da informao numa relao onde (...) paralelamente elaborao progressiva do objeto histrico, ocorre que o status de uma testemunha se transforma, tendo seu depoimento revelado aspectos insuspeitos da pesquisa, acarretado um reexame das hipteses ou simplesmente alterado hierarquias preestabelecidas. 12 No conjunto das fontes impressas, analisamos principalmente o Jornal de maior circulao na Bahia, o A Tarde, essa leitura nos ajudou a perceber a greve na cena pblica, a opinio da imprensa, declaraes do empresariado, alm de proporcionar dados para elaborarmos uma cronologia dos acontecimentos. Na coleta de fontes nos arquivos do Sindiqumica encontramos dificuldades em funo da ausncia de uma poltica de preservao dos documentos, assim muitos j estavam perdidos, mas ainda conseguimos elementos importantes. No manuseio do boletim semanal GRAVE publicado pelo Sindiqumica, encontramos notcias sobre a greve geral, informaes sobre a vida sindical, as idias presentes no seio das lideranas sindicais e os seus mecanismos de atuao. Para tanto, consideramos o seu carter de instrumento de propaganda da posio do sindicato, de aspecto informativo e agitativo, sendo necessrio a confrontao com outras fontes buscando a aproximao com a realidade. Trabalhamos tambm com o Livro de Atas, porm s encontramos trs atas do perodo que identificaram apenas algumas decises em torno da definio das reivindicaes da campanha salarial. As notas e os panfletos foram tambm publicaes ricas de informaes, principalmente por terem sido elaboradas no clmax dos acontecimentos forneceu dados sobre a situao imediata da greve. E encontramos algumas circulares com os rgos estatais, com o Sinper (Sindicato da indstria petroqumica e de resinas sintticas no Estado da Bahia) e com as entidades da sociedade civil.12

Idem, p.39.

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No primeiro captulo realizamos um breve histrico do Plo Petroqumico analisando algumas questes do quadro scio-econmico do Brasil e da Bahia na dcada de 80, ao passo em que levantamos alguns pontos relacionados organizao coletiva dos trabalhadores nesse perodo buscando apresentar alguns elementos do quadro pr-85. No segundo captulo identificamos a composio social do trabalhador petroqumico, levantando a sua origem social, a formao educacional, o imbricamento das questes tnicas e de gnero, o processo de entrada e permanncia no COPEC, as mudanas provocadas na sua vida pessoal aps o emprego no Plo, condies de trabalho, relao com a hierarquia, enfim, as dimenses do caminho que constroem o Petroqumico. O ltimo captulo abordou a dinmica da construo da greve, investigando os elementos que fazem parte desse processo, como a participao na organizao coletiva, as motivaes, reivindicaes, decises, objetivos, expectativas, formas de insero e (re) ao, espaos de atuao e a trajetria dos acontecimentos. Nesse momento analisamos a atuao do sindicato, do Estado, da opinio pblica e do patronato. Portanto, trilhando esse caminho o nosso maior desafio foi contribuir para a (re) construo da histria dos trabalhadores petroqumicos baianos, ao mesmo tempo em que tentamos com esse estudo regional enriquecer a histria poltica da Bahia.

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CAPTULO I UM BREVE HISTRICO DO PLO PETROQUMICO

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Se voc pegar assim um milho de bujo de gs e bota tudo assim e subir em cima o Plo Petroqumico. 13

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Depoimento de um operador.

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1.1. A PETROQUMICA NO MUNDOA indstria petroqumica surgiu dos esforos nos primeiros anos do sculo XX nos Estados Unidos, onde se desenvolveu entre 1920 e 1940, para a obteno de alternativas sintticas para produtos obtidos a partir de matrias-primas naturais escassas. Estes investimentos foram intensificados durante a Segunda Guerra Mundial e possibilitaram no ps-guerra o surgimento do ramo petroqumico da indstria qumica.

Fonte: PETROBRS. A indstria petroqumica no Brasil. In Cadernos Petrobrs n 7, Servio de Comunicao Social da Petrobrs, Rio de Janeiro, 1984.

O pioneirismo norte-americano ocorreu porque o capitalismo atingira nos Estados Unidos, mais do que em qualquer outro pas, um elevado grau de concentrao o que permitia o surgimento de grandes empresas capazes de bancarem a implantao de uma indstria com as caractersticas da petroqumica. 14

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SUAREZ, Marcus Alban. Petroqumica e tecnoburocracia: captulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. So Paulo, Hucitec, 1986, p.48.

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As indstrias petroqumicas norte-americana, que contava com o apoio do Estado, foram beneficiadas pela Segunda Guerra Mundial quando ampliou e diversificou a sua produo diante da reduo de grande parte da base produtiva da indstria carboqumica europia. Na dcada de 50 inicia-se uma segunda fase de desenvolvimento da tecnologia petroqumica que acompanha a expanso capitalista do ps-guerra quando as empresas japonesas e europias passam a dividir a liderana do mercado petroqumico mundial. Enquanto as multinacionais europias e norte-americanas optaram pelo controle total ou majoritrio de seus empreendimentos no exterior, os japoneses adotaram a formao de joint-venture, isto , associaes entre firmas, constituindo uma empresa nova com objetivos, recursos e administrao prprios. As jointventures so formadas geralmente por um ou mais dos seguintes motivos: dividir o risco financeiro, ter acesso a tecnologia do scio, usufruir das suas condies (reputao, mercado, estrutura de distribuio), assegurar o fornecimento de matrias-primas, entre outros. A crise do petrleo em 1973 ao provocar a recesso econmica mundial e o aumento do custo das matrias-primas abalou a indstria petroqumica que foi levada a uma reestruturao numa tentativa de garantir as parcelas do mercado. Esse processo de reestruturao aponta para a tendncia dos pases perifricos produzirem petroqumicos bsicos e commodities, enquanto os pases desenvolvidos se especializam em produtos tecnologicamente mais sofisticados. 15 Dessa forma, a indstria petroqumica aps um dinmico crescimento ao longo dos anos 60 e dos primeiros anos 70 enfrentou profundas alteraes resultantes da elevao abrupta dos preos do petrleo que comearam a emergir na dcada de 80. Em curto prazo, o aumento dos custos elevou a lucratividade o que causou em mdio prazo a ampliao da capacidade produtiva com a construo dos complexos petroqumicos, como foi o caso do complexo da Arbia Saudita que entrou em operao em 1985. Entretanto, a indstria petroqumica tambm foi alvo dos efeitos indiretos dos choques do petrleo sobre o modelo de desenvolvimento capitalista baseado em combustveis lquidos baratosSILVA, Itamar Marins da Silva e. A expanso capitalista e a petroqumica no Brasil: uma reviso bibliogrfica. Dissertao de Mestrado em Administrao, Salvador, UFBA, 1994, p. 55.15

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que provocaram uma crise do dlar e do sistema monetrio internacional resultando na reduo do crescimento das economias capitalistas centrais e, conseqentemente, da indstria petroqumica.

Fonte: United Nations Statistical Office.

Aps o segundo choque do petrleo em 1979 emergiu uma imensa capacidade ociosa da indstria petroqumica que iniciou a dcada de 80 com o eteno (principal petroqumico bsico), por exemplo, com uma capacidade produtiva instalada de 50 milhes de toneladas para um consumo de 35 milhes 16 . Diante dessa conjuntura econmica as grandes empresas americanas e europias redirecionam a sua estratgia para a diversificao de capital enquanto as empresas japonesas j haviam crescido diversificadas com as suas joint-venture. A partir desse momento ocorre o deslocamento da produo dos petroqumicos bsicos para os pases perifricos, como o Brasil, que exigia um custo mais elevado em comparao com as novas tecnologias da segunda metade do sculo XX controladas pelos pases centrais.16

Qumica e derivados, abril, 1983, p.14.

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As diversas etapas que atravessa a industrializao brasileira no podem estar relacionadas apenas ao movimento da acumulao ao nvel do espao nacional. preciso relacion-las ao processo de internacionalizao do capital, que provoca constantes mudanas no mbito do movimento espacial internacional. 17 O que se verifica que a partir do aprofundamento da recesso com o impacto da elevao dos preos do petrleo na dcada de 70 os pases desenvolvidos passaram a desenvolver os setores intensivos em conhecimento, reestruturando as indstrias tradicionais ou maduras. Os investimentos nos setores metal-mecnico e qumico / petroqumico declinam e as indstrias consideradas maduras se deslocam para os pases perifricos. O sistema joint-venture foi aplicado de forma particular na implantao do Plo Petroqumico do Nordeste por meio do chamado modelo tripartite, que estabelecia a associao do Estado com grupos privados nacionais e estrangeiros. Este modelo estabeleceu o controle estatal das matrias-primas (Petrobrs), controle estatal com participao de grupos privados (nacionais e estrangeiros) na primeira gerao, o modelo tripartite para a segunda gerao e o controle privado (nacional ou multinacional) na terceira gerao.

KRAYCHETE, Elsa Souza. A indstria na Bahia 1980: uma interpretaos a partir de ramos industriais e sees produtivas. Dissertao de Mestrado em Economia, Salvador, UFBA, 1988, p. 92.

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1.2. A PETROQUMICA NO BRASILO desenvolvimento do setor petroqumico no Brasil refletiu o estgio da diviso internacional do trabalho baseado no modelo fordista que separava a produo e o desenvolvimento tecnolgico em espaos geogrficos distintos. nosso objetivo estar em cada pas do mundo, pases da Cortina de Ferro, Rssia, China. Ns, da Ford Motor Company, vemos o mapa mndi sem fronteiras. No nos consideramos basicamente uma empresa norteamericana. Somos uma empresa multinacional. E quando procuramos um governo que no dos Estados Unidos, dizemos: De quem vocs gostam? Gr-Bretanha? Alemanha?. Carregamos uma poro de bandeiras, exportamos de todos os pases. (Robert Steveson, executivo da Ford). A origem da indstria petroqumica no Brasil est relacionada com o processo de formao da indstria petrolfera desde a organizao do Conselho Nacional de Petrleo (CNP) em 1938 culminando com a criao da Petrobrs em 1953. O CNP em 1954 reconhece a necessidade de implantao da petroqumica sob a responsabilidade do capital privado e em 1957 a petroqumica excluda do monoplio da Unio, permitindo Petrobrs o exerccio de atividades comerciais e industriais na area petroqumica. Assim, o Estado forneceria matria-prima e a iniciativa privada estava responsvel pela transformao em produtos intermedirios e de consumo final, porm, esse planejamento no foi concretizado nesse perodo, apesar do setor de bens de consumo durveis exigir constantes importaes de produtos petroqumicos. O perodo anterior a 64 foi marcado pela indefinio dos agentes responsveis pelos investimentos da indstria petroqumica. Essa indefinio refletia-se no lento crescimento da petroqumica, contrastando com o dinamismo da economia e constituindo-se em ponto de estrangulamento para o modelo de desenvolvimento do pas, baseado no dinamismo do setor de bens de consumo durveis. 18 A dcada de 50 foi um perodo de indefinio para a petroqumica, enquanto a Petrobrs estava comprometida na concretizao dos 50 anos em 5, o capital nacional no atendia as necessidades tcnicas e financeiras do setor, ao passo em que s multinacionais no interessava investir na instalao de indstrias de primeira gerao em razo do risco de estatizao do setor.

SILVA, Itamar Marins da Silva e. A expanso capitalista e a petroqumica no Brasil: uma reviso bibliogrfica. Dissertao de Mestrado em Administrao, Salvador, UFBA, 1994, p.60.

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A indstria petroqumica manteve um lento crescimento at 1964, pois os recursos da Petrobrs estavam comprometidos com a expanso das atividades de extrao e refino voltadas para o setor de bens de consumo durveis, principalmente a indstria automobilstica. Esse foi o momento de viabilizao do modelo de industrializao nacional-desenvolvimentista instalado pelo do Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek (1955-1960) que uniu o Estado, a empresa privada nacional e o capital estrangeiro na busca de um crescimento econmico acelerado que fosse capaz de diminuir as diferenas em relao aos pases centrais do capitalismo. A poltica desenvolvimentista da segunda metade da dcada de 50 inseriu o Brasil na nova fase do capitalismo internacional quando o capital transnacional dirigia e ajustava a economia brasileira nova diviso internacional do trabalho e da produo. No perodo de 1955 a 1961 entraram no Brasil US$ 2.18 bilhes, sendo que mais de 95% desses recursos foram aplicados nas reas prioritrias do governo. Por outro lado, mais de 80% do capital estrangeiro, no referido perodo, entrou sob a forma de emprstimos e financiamentos. No qinqnio JK, a entrada de capital estrangeiro para investimento direto no setor produtivo alcanou a mdia anual de US$ 113 milhes, uma cifra relativamente elevada quando comparada mdia anual dos qinqnios imediatamente anterior e posterior, de apenas US$ 16.2 milhes e US$ 63 milhes, respectivamente. 19 No ps-guerra a expanso do capitalismo proporcionou a consolidao do imperialismo monopolista sob o comando dos grandes conglomerados econmicos que adotaram uma nova estratgia de internacionalizao e transnacionalizao do capital com a instalao de subsidirias em diferentes pases na busca pelo controle dos respectivos mercados e do mercado mundial. Ao instalar subsidirias no Brasil, as multinacionais garantiam para si um mercado que j era seu: antes, vendiam-nos os produtos industrializados fabricados nas suas matrizes; a partir de ento, passaram a fabric-los ou mont-los aqui, fazendo uso vantajoso da matria-prima e da mo-de-obra barata e utilizando componentes essenciais e tecnologia importados de suas matrizes no exterior. 20 Logo, o processo de industrializao que at ento se realizava sob a liderana do projeto nacionalista passou gradualmente para o comando do capital internacional com as multinacionais

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BRUM, Argemiro J. Desenvolvimento econmico brasileiro. Rio de Janeiro, Vozes, 2002, p.245. Ibid. Op, Cit, p. 246.

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controlando os principais ramos da indstria de bens durveis automobilsticas, eletrodomsticos, eletroeletrnicos. O Estado sob o comando dos militares a partir do golpe de 1964 aplicou um modelo de desenvolvimento econmico, semelhante ao perodo Kubitschek, ao favorecer o capital multinacional e limitar a atuao das estatais a uma simples funo de apoio acumulao privada. Esse modelo formou uma nova estrutura de renda em favor dos setores mdios urbanos e contra os trabalhadores assalariados, primeiro com o financiamento de bens durveis e, depois, mantendo a queda dos salrios mnimos reais e permanecendo constantes os mdios. A reorganizao do sistema distributivo foi uma adequao do mercado ao modelo de desenvolvimento adotado pela ditadura militar que exigia consumidores dos bens durveis. O Estado Militar concentrando as atividades de planejamento econmico criou em 1964, o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), subordinado ao Ministrio da Indstria e Comrcio (MIC), para promover e orientar o crescimento da indstria brasileira, sob o comando da iniciativa privada. E na rea da indstria qumica foi criado um rgo interno ao CDI, o Grupo Executivo da Indstria Qumica (GEIQUIM), responsvel pelo planejamento do desenvolvimento da indstria petroqumica com poder de aprovao de benefcios e financiamentos oficiais para os novos projetos, prenunciando a futura presena do Estado no desenvolvimento efetivo da petroqumica brasileira. A participao da Petrobrs na indstria petroqumica era fundamental para o avano do modelo econmico aplicado pelos militares, j que, no caminho para o milagre o avano do setor de bens de consumo durveis provocou um aumento constante da importao de petroqumicos que chegou a superar a taxa de consumo. Havia, assim, uma necessidade de expanso da petroqumica que s seria possvel com a entrada do Estado diante da fragilidade do capital privado e das incertezas das multinacionais.

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Fonte: ABIQUIM E IPEA

Percentagens calculadas com base nos dados do Quadro II-1.

Contudo, como a Petrobrs estava legalmente impossibilitada de associar-se com grupos privados em qualquer empreendimento, foi autorizada em 1967 a formao de uma subsidiria da estatal, a Petroquisa, para viabilizar a associao com empresas nacionais e estrangeiras, assumindo os empreendimentos da Petrobrs j existentes no setor e associando-se com outros empreendimentos recentes do nascente Plo Petroqumico de So Paulo, entre eles a Petroqumica Unio e a Ultrafrtil, ambas com participao de empresas multinacionais.

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A criao do GEIQUIM e da PETROQUISA significou a consolidao da presena do Estado no setor, contribuindo para a superao dos obstculos que limitavam o modelo adotado de substituio de importaes. O GEIQUIM concedendo benefcios cambiais, fiscais, creditcios e tarifrios aos projetos por ele aprovados, e a PETROQUISA coordenando os investimentos, harmonizando os interesses do setor e selecionando as fontes de tecnologia. Para a concesso das facilidades eram priorizados os empreendimentos que contribussem para o fortalecimento do empresrio nacional, para o aperfeioamento e a disseminao da pesquisa e da tecnologia e a atenuao das disparidades regionais de desenvolvimento. Por conta deste ltimo critrio, no final dos anos 60, alguns projetos foram aprovados para a Bahia. 21

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SILVA, Itamar Marins da Silva e. Op, Cit, p. 62.

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1.3. A PETROQUMICA NA BAHIA 1.3.1. Os anos 50 e 60: rumo industriallizao.A entrada da Bahia nos negcios petroqumicos precisa ser compreendia a luz dos acontecimentos do perodo do ps-Guerra, quando a poltica industrial brasileira ao ampliar a produo no setor de intermedirios provocou o surgimento de novas relaes entre as regies do pas. Ao longo do perodo de constituio da indstria como centro de acumulao de capital, a organizao espacial da economia atravessa dois momentos distintos: o primeiro, determinado pela primazia da circulao de mercadorias, como forma de relaes inter-regionais; o segundo, j derrubadas as principais barreiras circulao, marcado pela penetrao, de forma mais efetiva, do capital produtivo nas regies nohegemnicas. 22 No primeiro momento da industrializao por substituio de importaes a regio centrosul se consolidou como o espao produtivo mais importante na determinao do processo de acumulao, assim, sua crescente produtividade ao exigir novos espaos para a realizao de suas mercadorias levou a superao das barreiras regionais, como o fim do imposto estadual, e a formao de um mercado nacional integrado. Era necessria ampliao da acumulao para alm da unificao do espao de circulao do capital, a diversificao espacial da produo sob o comando da regio hegemnica. As regies no hegemnicas, a depender da existncia de recursos minerais ou energticos, passam a ser palco de investimentos, sobretudo estatais, visando explorao de tais recursos. A Petrobrs e a Companhia Hidroeltrica do So Francisco ilustram essa situao. Esta nova forma de articulao inter-regional defini-se com mais intensidade aps 1960, quando o capital produtivo passa a penetrar de forma mais efetiva na periferia nacional, deslocando para estes espaos segmentos do capital produtivo. 23 O marco da mudana do perfil econmico do Estado da Bahia foi a atividade petrolfera, o recncavo baiano a partir da dcada de 50 passou a fornecer o petrleo necessrio para a indstria brasileira, sendo durante trs dcadas o nico produtor nacional de petrleo. A Refinaria de

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KRAYCHETE, Elsa Souza. Op, Cit, p.93. Ibid. Op, Cit, p.95.

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Mataripe inaugurada em 1952 pelo presidente Getlio Vargas no auge da campanha nacionalista do Petrleo nosso pela estatizao da explorao do petrleo brasileiro provocou conseqncias radicais na economia baiana que no inicio dos anos 50 apresentava uma estrutura industrial pouco diversificada onde se destacavam a produo de alimentos, txteis e fumo. Neste perodo, os principais produtos da indstria de transformao, por ordem hierrquica de importncia, eram: farinha de trigo, acar de usina, tecidos de algodo, charutos e tortas de cacau. Chama-se ateno para a estreita veiculao entre a indstria e a agricultura local, que, a exceo do trigo, fornece as matrias-primas bsicas. 24 A atividade petroleira na Bahia teve impacto no s na economia, mas antes disso, foi tema de longos debates no ps-guerra entre planejadores, associaes de classes burguesas, parlamentares e imprensa. Durante anos o jornal de maior circulao no Estado propagou as reivindicaes em relao ao petrleo na tentativa de pressionar os centros de decises nacionais a tornar aquela atividade em propulsora da industrializao da Bahia. O momento mais expressivo da mobilizao e articulao das foras sociais, de que o jornal A Tarde torna-se porta-voz, ocorre em janeiro de 1959, com a realizao da Conferncia do Petrleo, patrocinada por este jornal e realizada na sede da Associao Comercial da Bahia. O objetivo da Conferncia debater e propor uma poltica de petrleo que atenda aos interesses da regio. 25 A instalao da Petrobrs no Recncavo ao aumentar o volume dos investimentos e da renda salarial mudou o quadro monetrio da Bahia, especialmente da capital. De outro lado, a massa de investimentos da Petrobrs no tem paralelo na histria econmica do estado: entre 1955 e 1959, o total desses investimentos corresponder de 1% at 7.4% da renda total e de 8.1% a 66.9% da renda interna industrial do estado da Bahia. A massa de salrios pagos pela Petrobrs despejada na economia baiana crescer razo anual de 18% reais, entre 1958 e 1969, e no mesmo perodo se elevar de 7.64% a 38.7% do total da renda industrial interna do estado, tendo atingido o nvel de quase 50% no ano de 1967. 26

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SAMPAIO, F. Talma. Aspectos da Regionalizao do Desenvolvimento Industrial: o caso baiano. Tese de concurso de professor assistente, UFBA, 1984, p. 30. KRAYCHETE, Elsa Souza. Op, Cit, p.109. OLIVEIRA, Francisco de. O elo perdido: classe e identidade de classe na Bahia. So Paulo, Perseu Abramo, 2003, p.53.

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Entretanto, a poltica industrial brasileira para o setor petrolfero e dos seus derivados no estabelecia a Bahia como espao prioritrio de inverses que proporcionassem instalaes de plantas industriais no entorno no ramo petrolfero. A presena da Petrobrs na Bahia no significou o investimento em segmentos derivados desse setor, o que ficou para o Estado foi o pagamento de royalties, a remunerao da fora de trabalho e a infra-estrutura (estradas, etc.). A atividade petrolfera apesar de ter dinamizado alguns segmentos industriais, como o qumico, metalrgico, mecnico, minerais no-metlicos e da construo civil, no inicio no estabeleceu relaes com outros ramos industriais, levando alguns a caracterizarem como enclave. Nesse momento o destino das inverses petrolferas baiana seguia dois caminhos: o sul do pas ou o estrangeiro. Assim como o Estado a nvel nacional participou do processo de industrializao, na Bahia a interveno estatal foi fundamental montagem e desenvolvimento da estrutura industrial. E essa trajetria comeou no primeiro ano de governo de Antnio Balbino (1955-1959) quando foi criada a Comisso de Planejamento Econmico (CPE) sob a liderana do economista Rmulo Almeida dando inicio aos estudos sobre a situao econmica e financeira do Estado e suas perspectivas de desenvolvimento econmico que resultaram na elaborao do Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia (PLANDEB) em 1959. O PLANDEB estabelecia mudanas necessrias para a Bahia realizar sua integrao no espao nacional de acumulao de capitais, nesse sentido, propunha a instalao de um ncleo industrial (petrleo, petroqumica, siderurgia, metalurgia dos no ferrosos) de acordo com suas possibilidades e disponibilidades de recursos. A crise em gestao nos primeiros anos da dcada de 60 e a exigidade de recursos apropriados ou transferidos para o governo estadual retardaram a articulao s formas dominantes de acumulao nacional. No geral, entretanto, o esprito do Plandeb se manteve, s se concretizando em suas linhas dominantes, contudo, aps a superao dos limites institucionais responsveis pela crise de hegemonia em 1964. 27

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OLIVEIRA, Nelson. Notas sobre a recente expanso industrial na Bahia, in Caderno do CEAS, n 112, 1987, p.65.

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Juraci Magalhes (1959-1963) estabelece o PLANDEB como o programa do seu governo, porm, no consegue que ele seja aprovado pela Assemblia Legislativa Estadual, o que demonstrou sua incapacidade poltica de centralizar em torno de si todas as decises polticas. Pois, embora Juraci controle efetivamente a maior fora poltica do Estado e tenha uma base municipal slida, a Assemblia no lhe permite ter um programa de investimentos e de governo a longo prazo que lhe possibilite governar sem a interferncia constante da prpria Assemblia. De fato, o Plandeb representava liberar o governo atravs de planificao prvia do uso dos recursos estaduais e federais, da ao pontual e tpica a que se reduzia, na prtica, o poder legislativo do Estado. 28 Todavia, Juraci se tornou, principalmente a partir da eleio de Jnio Quadros em 1960, o interlocutor da classe dominante baiana com o governo federal, conseguindo indicar cargos importantes, como o de Clemente Mariani para o Ministrio da Fazenda e Josaphat Marinho para a presidncia do Conselho Nacional do Petrleo. Assim, a burguesia baiana conquistou um espao poltico importante que se manteve mesmo aps a renncia do presidente. Foi assim que Juraci conseguiu emprstimos com os bancos privados e as agncias de desenvolvimento internacional, e verbas federais, principalmente da Petrobrs, proporcionando a melhoria da rede ferroviria do Estado, de Navegao, do sistema de eletrificao, etc. Tanto a presena do Estado na Sudene quanto sua atuao junto direo da Petrobrs e junto Presidncia da Repblica nas lutas pelo aumento dos royalties do petrleo, pela instalao de indstrias petroqumicas e pelo melhoramento das condies de transporte na Bahia, no apenas tem amplo suporte nas classes burguesas baianas e na sua representao poltica como , na verdade, secundada e consolidada pela ao de seus rgos de classe. 29 A conquista desse espao poltico no mbito nacional sob a liderana de Juraci Magalhes favoreceu o processo de industrializao da Bahia, entretanto, s aps a superao da crise poltica com a vitria dos militares, e da crise econmica com o milagre econmico que haver de fato a consolidao da atividade industrial baiana. Nesse perodo de transio, enquanto o Estado brasileiro era conquistado pelo capital multinacional, o governador Lomanto Jr. (1963-1967) esteve envolvido na maior parte da suaGUIMARES, Antnio Srgio. A Formao e a Crise da Hegemonia Burguesa na Bahia - 1930 a 1964. Dissertao de Mestrado em Cincias Sociais, UFBA, 1982, p.173. 29 Ibid. Op, Cit, p.177.28

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gesto em manobras polticas para garantir seu mandato ameaado pela crise da legalidade poltica. Nessa gesto apesar das paralisaes nas obras de instalao do Plo Petroqumico houve o inicio da construo do Centro Industrial de Aratu (CIA), onde todas as facilidades foram concedidas: baixo preo na venda dos terrenos e infra-estrutura completa (gua, rede de esgotos e despejos industriais, energia eltrica, sistemas virios interno e externo e um porto prprio). Na dcada de 60 a recm-criada SUDENE (Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste) com seus incentivos fiscais foi responsvel pela industrializao do Nordeste, incluindo a Bahia. A regio recebeu capitais do Centro-Sul e internacionais em busca dos benefcios da deduo do imposto de renda, assim, recursos pblicos foram transferidos para empresas privadas chegando a alcanar at 75% do investimento total. A forma de financiamento dessa transferncia de capitais intrinsecamente concentracionista; quem tem uma maior massa de lucros tributvel deduzir mais. Esse mecanismo beneficiar, sobretudo, os grandes grupos nacionais e internacionais: at 1970, as empresas com inverses iguais ou superiores a 20 milhes de cruzeiros da poca participaram em 13% do nmero das empresas e 69% dos investimentos totais aprovados pela Sudene. 30 A rapidez desse processo transformou intensamente a estrutura industrial do Nordeste, aproximando-a do Centro-Sul, e com vantagens, j que os subsdios fiscais transformaram a regio semi-rida num man do deserto. A Bahia ser a principal beneficiada, logo acima de Pernambuco, absorvendo, de 1960 a 1970, 41.3% das inverses totais, as quais criariam 25.6% dos novos empregos do Nordeste. evidente o altssimo coeficiente de inverso por emprego, caracterstica que ainda mais marcante se comparada do Brasil como um todo, devido exatamente ao incentivo fiscal, que tornava quase zero o custo de oportunidade do investimento. 31 O impacto das atividades da Petrobrs e a industrializao sudeniana nos limites de Salvador e de sua regio metropolitana define a direo do planejamento industrial na lgica de complementaridade entre o espao baiano e o nacional. A partir desse momento o processo de industrializao baiano caminha rumo especializao da sua posio na diviso interna do

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OLIVEIRA, Francisco de. Op, Cit, p.45. Ibid. Op, Cit, p.47.

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trabalho e para tornar isso possvel a atuao estatal na regio assume a forma de incentivos fiscais e creditcios favorecendo a instalao de ramos especficos. O parque industrial baiano foi financiado pela SUDENE, por meio do Fundo de Investimento do Nordeste FINOR e dos incentivos fiscais do sistema 34/18 (o nmero dos artigos das leis de criao da Sudene e de seu 1 Plano Diretor que regulamentaram o incentivo fiscal) obedecendo a nveis de prioridade por tipo de empreendimento. Essa orientao tambm se realizou no mbito do financiamento estadual atravs da ao do Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia (DESEMBANCO). As informaes relativas ao volume de recursos carreados da SUDENE para a atividade industrial no Estado demonstram que entre junho de 1960 a 1981 a distribuio desses recursos concentrou-se na seo dos meios de produo intermedirios, que absorveu 75.61% do total de recursos. Nesse conjunto destacou-se o ramo petroqumico que individualmente participou com 47.45% deste total. Os dados apresentados nas tabelas abaixo demonstram como a interveno do Estado da Bahia participou da definio da especializao da indstria baiana no setor de bens de produo intermedirios a exemplo dos ramos petrolfero, petroqumico, siderrgico e metalurgia dos noferrrosos.

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Fonte: Sudene.

A Petrobrs em 1961 instalou uma fbrica de asfalto na Ilha de Madre de Deus, em 1962 passou a aproveitar o gs oriundo dos poos petrolferos com a inaugurao da planta de gs natural que permitiu o surgimento de uma fbrica de amnia e a implantao da Usina Siderrgica da Bahia.

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1.3.2. Os anos 70: a construo do Complexo Petroqumico do Nordeste (COPEC)Contudo, os benefcios resultantes das atividades de extrao e refino do petrleo s sero internalizados na Bahia de forma efetiva de forma efetiva na dcada de 70, quando so aprovados projetos de plantas petroqumicas para instalao no Estado. A implantao da Petrobrs no provocou de imediato a constituio do ramo petroqumico porque a atividade de explorao e refino do petrleo estava submetida ao processo nacional de acumulao de capital que controla a instalao dos ramos nos espaos regionais. De acordo com Elsa Kraychete, o capital produtivo possui um movimento diferenciado na ocupao dos espaos, ou seja, os ramos produtivos no evoluem de maneira uniforme em direo s regies e o ritmo desta evoluo determinado pelas necessidades globais de valorizao do capital, sendo os ramos tcnico-econmicos aqueles que mais avanam em direo s periferias internas.

Esta absoro de elementos do processo produtivo, entretanto, no evolui, regionalmente, a ponto de estabelecer relaes de acumulao entre as sees produtivas. Ao internalizar processos produtivos dspares, a economia regional perde a coerncia setorial de forma a impedir que o processo de valorizao do capital siga seu curso com base em articulaes interindustriais definidas no contexto regional. Desta forma, a setorializao de uma economia regional perifrica s se completa, se define e ganha coerncia quando relacionada com estruturas que determinam a acumulao nacional. Sob um outro ngulo, a especificao de uma economia regional e a definio da sua interregionalidade dizem respeito principalmente presena/ausncia dos ramos em sua estrutura produtiva e dos circuitos que estes ramos sejam capazes de promover. 32 Essa formulao explica como o processo de regionalizao do capital no Brasil na segunda metade do sculo XX definido pela acumulao industrial repercutiu no espao baiano com a instalao de ramos que estabeleceram uma relao de incompletude intra-regional e de complementaridade com o Centro-Sul.

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KRAYCHETE, Elsa Souza. Op, Cit, p.178.

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no governo de Luiz Viana Filho (1967-1971) que a idia da petroqumica encontra condies mais favorveis de desenvolvimento. O governador logo em 1967 solicitou ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apoio financeiro para realizar um estudo sobre os recursos naturais do Recncavo baiano para atividades industriais, especialmente para a petroqumica. O BID enviou uma comisso tcnica para realizar este trabalho juntamente com tcnicos baianos e no seu relatrio reconheceu que a Bahia tinha condies de desenvolver a indstria petroqumica. O governador Luiz Vianna convencido da necessidade do desenvolvimento industrial para conseguir a recuperao econmica do Estado acolheu as sugestes do BID e contratou a CLAN, empresa de projeto dirigida por Rmulo Almeida, para elaborar o estudo das possibilidades reais da Petroqumica na Bahia. O estudo concludo em 1969 pela CLAN apontava a viabilidade de implantao da petroqumica no recncavo baiano, j que, nessa regio havia matrias-primas naturais (petrleo, gs natural), energia eltrica abundante (Companhia Hidroeltrica do Rio So Francisco (CHESF), e estava localizada na rea da SUDENE, o que assegurava os benefcios da aplicao dos artigos 38/18. Contudo, o projeto de implantao do Plo Petroqumico na Bahia encontrou obstculos na oposio dos empresrios do Plo de So Paulo que buscavam naquele momento a ampliao das suas plantas acusando o Nordeste de capricho regionalista e de no possuir mo-de-obra especializada, nem um mercado local para o escoamento dos produtos petroqumicos, de forma que a petroqumica na Bahia se tornava anti-econmica. Diante dessas dificuldades, o governador da Bahia buscou contatos com o Planalto, a Petrobrs e a Sudene, e depois de algumas mudanas de nomes nos cargos do governo do general Garrastazu Mdici (1969-1974), essas relaes se tornaram positivas ao projeto petroqumico baiano. O grupo da CLAN liderado por Rmulo Almeida conseguiu convencer os militares do Conselho de Segurana Nacional (CSN), do qual dependia a aprovao dos projetos, de que a

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concentrao petroqumica em So Paulo tornava a segurana do pas muito vulnervel, alm de apontar que a produo do 2 Plo seria complementar ao primeiro, pois este no conseguia atender demanda crescente do mercado nacional. O argumento da segurana nacional tornou os militares favorveis ao projeto do Plo baiano. Enquanto isso, Luiz Viana conquistava o apoio do presidente da PETROBRS, Ernesto Geisel, que ao chegar Bahia em 1970 declarou publicamente a sua concordncia com o Plo da Bahia como uma realidade irreversvel e no mesmo ano o Conselho de Administrao da PETROBRS estabeleceu as diretrizes para a implantao da petroqumica na Bahia. Assim, o governo ao invs de apoiar a criao de um outro complexo petroqumico ou a ampliao do Plo paulista decidiu implantar o segundo Plo na Bahia, justificando sua escolha por motivos de ordem econmica e pelo interesse em reduzir as disparidades regionais. Em 1971 foi criada a COPENE, empresa subsidiria da PETROQUISA, para realizar os estudos tcnicos e coordenar a implantao do Plo Petroqumico. Mas, nesse mesmo ano, o novo governador da Bahia, Antnio Carlos Magalhes (1971-1975), herdeiro da mquina eleitoral de Juraci Magalhes, no acreditava na viabilidade do Plo Petroqumico na Bahia.

Nesse meio tempo, veio o problema da sucesso do governo do Estado da Bahia. Foi no comeo de 71 e Antnio Carlos Magalhes tinha sido indicado para o governo, pela eleio indireta. Deu entrevista em que no figurava o Plo Petroqumico nas cogitaes do seu governo. Ento, o governador Luiz Viana me chamou e me perguntou se eu tinha constrangimento de conversar com o Deputado Antnio Carlos, j indicado, no sei se j eleito. Eu disse que realmente estava afastado dessa figura, mas pelo interesse pblico estava disposto a conversar com ele. Assim fui pro Rio e o encontrei no seu apartamento no Hotel Trocadero, l na praia de Copacabana. Levei Jos Mascarenhas, com a idia de deixar com este a continuao do dilogo. Conversamos bastante, mostrei a ele o efeito que o projeto podia representar para a Bahia a diferena entre o antes e o depois. Para contrastar o antes e o depois, mostrei a ele o efeito que projeto poderia ter na arrecadao do ICM. Ele se convenceu. Vestiu a camisa. Depois ele convidou Mascarenhas, para ser secretrio. 33

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ALMEIDA, Rmulo. Rmulo: voltado para o futuro. Fortaleza, BNB, 1986, p.148.

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Conquistado o apoio do governador, o Estado contribuiu com 20% dos investimentos na infra-estrutura inicial do Plo, e o governo federal e o BNDE, com 20% e 60%, respectivamente. A PETROQUISA e o MIC em 1972 a partir de estudos de localizao escolheram o municpio de Camaari na regio metropolitana pela vantagem mecnica de solo e pelo menor custo de implantao. E logo no ano seguinte foi iniciada a montagem das Centrais de matrias-primas e de manuteno.

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No plano federal o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) implantou um novo padro de industrializao expresso no II Plano Nacional de Desenvolvimento e que estava baseado na expanso da indstria de bens de produo ou indstria bsica. Essa opo revelava a deciso governamental de completar o processo de substituio de importaes, no mais pela substituio de bens de consumo, mas na busca pela autonomia na rea da indstria de bens de capital e dos insumos bsicos. A estratgia econmica do governo Geisel favorecia os investimentos no setor petroqumico contribuindo para o novo projeto do Plo na Bahia. A conjuntura internacional era de acirramento da concorrncia da indstria petroqumica com a entrada das multinacionais japonesas e suas estratgias associativas, assim, os benefcios e financiamentos oficiais eram fundamentais para as empresas privadas nas negociaes com as estrangeiras no processo de associao. 37

Os diversos mecanismos fiscais e financeiros que subsidiaram a implantao do Plo Petroqumico de Camaari garantiram a rentabilidade e tornaram vivel a instalao do II Plo.

Na estrutura de financiamento para implantao do Plo baiano os recursos internacionais participaram com apenas 24% do investimento total, principalmente nas importaes de equipamentos. De fato, ao analisar a composio das fontes de recursos podemos perceber que o Estado foi o grande financiador dos investimentos baianos atravs de incentivos fiscais e financeiros, com

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papel de destaque para o BNDES. Isso permitiu a PETROQUISA, apesar de scio minoritrio, ter uma influncia poltica maior nos empreendimentos. De acordo com os princpios do II PND a estrutura empresarial do II Plo era baseada no modelo tripartite, ou seja, a associao entre o capital estatal, privado nacional e estrangeiro. Pelo modelo adotado a PETROQUISA deteria 52% do controle acionrio da central de matrias-primas e o restante era dividido entre as empresas consumidoras dos produtos petroqumicos bsicos produzidos pela COPENE.

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Na participao de grupos empresariais privados nacionais predominou a presena de grupos sem experincia no setor petroqumico, como grupos do setor financeiro e da construo civil pesada. No modelo tripartite os critrios para as associaes de capital impediam que o controle majoritrio das empresas estivesse com os grupos privados estrangeiros. Porm, o scio estrangeiro ao controlar a tecnologia possua poder de influenciar nas decises o que no correspondiam ao que os nmeros de aes podiam indicar. Ademais, as remuneraes pelo fornecimento de tecnologia proporcionaram uma rentabilidade bem mais elevada se tornando mais vantajoso em comparao com instalaes de filiais no Brasil. Alm disso, o modelo tripartite criava espao de dilogo entre as empresas estrangeiras e o Estado facilitando o acesso ao crdito oficial. No Plo de Camaari verifica-se a predominncia dos investimentos japoneses, fato que estava relacionado com a estratgia de reestruturao da economia do Japo baseada na sada de capitais sob a forma de investimento direto para o exterior, principalmente para os pases latinoamericanos.

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A implantao do Plo de Camaari ocorre quando a indstria petroqumica mundial na sua fase mais madura estava se reestrurando, com a verticalizao para a qumica fina, alimentar e biotecnologia, se deslocava para os pases perifricos como forma de assegurar o retorno dos investimentos realizados em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). As obras de infra-estrutura foram iniciadas em 1974 e quatro anos depois o COPEC foi inaugurado com cerca de 20 empresas em operao. Durante esse perodo inicial foi crescente o nmero de operrios que trabalhavam na implantao do Plo at 1977 quando trabalharam em mdia 24.000 operrios. E no fim do ano de 1978 quando estava sendo finalizado o trabalho de implantao, o nmero estava reduzido para cerca de 7.000 operrios, que foram em parte reaproveitados para trabalharem na produo das empresas j em operao.

Trata-se de um vigoroso parque fabril com 66 indstrias, ou outras 12 em fase de implantao e mais 10 em projeto. um colosso, na linguagem objetiva dos nmeros: faturamento de US$ 4 bilhes; exportaes de US$ 800 milhes; impostos pagos da ordem de US$ 500 milhes incluso a o ICM; folha de pagamento de US$ 250 milhes e novos investimentos de US$ 1 bilho, se levada em conta s a parte da ampliao que ser

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bancada pelas empresas e a Norquisa, a holding que comanda a Copene e mais outras 18 empresas petroqumicas. 34 O COPEC em 1984 possua 43 empresas em operao representando cerca de 20% do parque industrial baiano at o mesmo ano investiu quase 4 bilhes de dlares, criando 18.706 empregos diretos, aproximadamente 13% da mo-de-obra absorvida pela indstria da Bahia. A produo do COPEC era destinada ao mercado interno at 1981 quando houve um aumento significativo do valor das exportaes, dois anos depois, por exemplo, o valor das exportaes alcanou US$ 287.767 milhes. EXPORTAO DE PETROQUMICOS

O alto valor econmico do Plo Petroqumico no se converteu em desenvolvimento social para a regio e mesmo em relao gerao de empregos o nmero foi pequeno em funo da automatizao das indstrias de processo contnuo como as petroqumicas. Entretanto, essas indstrias alm empregarem com um nvel salarial superior mdia, criaram condies de expanso das atividades industriais proporcionando em longo prazo novos empregos. O outro lado desse colosso so as favelas e a misria de Camaari, os trabalhadores das gatas (empreiteiras), a poluio qumica e o risco permanente de um acidente, que s vezes mata operrios, e que pode atingir grandes propores. 35

Plsticos em Revista, julho/1988, p.19. LOPES, Maria L. Flcon. Conflito distributivo e determinao dos salrios: o caso dos trabalhadores petroqumicos da Bahia (1978-1987). Dissertao de Mestrado em Administrao, UFBA, 1989, p.19.35

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44

1.3.3. OS ANOS 80 1.3.3.1. O Cenrio Econmico Brasileiro:A dcada de 80 foi identificada como a dcada perdida porque a economia brasileira nesse perodo passou por uma profunda crise e todas as tentativas de sua superao foram fracassadas. Foi um perodo de crise do modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro baseado na industrializao por substituio de importaes financiada pelo Estado e pelo capital estrangeiro. No final dos anos 70 no havia mais condies para continuar sustentando a expanso econmica do pas dentro dos padres at ento vigentes. Desde o ltimo ano da dcada de 70, com o segundo choque do petrleo que os bancos internacionais comearam a restringir o crdito aos pases perifricos, inclusive ao Brasil, alm de elevarem as taxas de juros no mercado internacional. Diante da moratria mexicana em 1982 os bancos credores internacionais suspenderam a concesso de novos emprstimos e passaram a cobrar a dvida externa do chamado terceiro mundo. A partir desse momento o Brasil perdeu o financiamento do capital estrangeiro e o Estado passou a desembolsar um grande nmero de capital acumulado com as reservas cambiais para amortizar a dvida e pagar os juros. Depois de vrias dcadas de altos ndices de crescimento econmico, a economia brasileira enfrentava a estagnao e a recesso que traziam o descontrole inflacionrio e o aprofundamento dos problemas sociais. O Estado brasileiro adotou como alternativa a esse quadro de crise financeira a captao de recursos privados para o financiamento do elevado dficit pblico e a rolagem da volumosa dvida pblica interna. A dvida pblica, interna e externa, aumentou a especulao financeira, o que desviava os recursos financeiros do setor produtivo, estagnando a indstria e aprofundando a crise econmica. Os governos desse perodo adotaram planos econmicos que supostamente combatiam a inflao atravs da recesso, isto , com conteno dos gastos pblicos e dos salrios, e da sustentao de elevadas taxas de juros. Nessa conjuntura, o aumento do desemprego agravou a 45

situao de misria de diversas famlias, enquanto aqueles que mantiveram seus empregos viram seu poder de comprar reduzir drasticamente com as altas inflacionrias. A queda no poder de compra do SM ao longo das ltimas trs dcadas foi acompanhada por uma diminuio da participao dos segmentos mais empobrecidos da populao na renda total do pas. Na dcada de oitenta, os 50% mais pobres da populao diminuram a sua participao de 13.4% para 10.4% na renda total do pas. Neste mesmo perodo, os 10% mais ricos aumentaram a sua participao de 46.6% para 53.2%. Deve-se observar que o 1% mais rico se apropriou, sozinho, de mais de 17% de toda a renda do pas, percentual superior quele que coube aos 50% mais pobres. Estudos recentes indicam que o Brasil, juntamente com Botswana (pas da frica meridional), detm os maiores ndices de disparidade interna na distribuio da renda entre ricos e pobres. 36

1.3.3.2. A Regio Metropolitana de Salvador (RMS) nos anos oitenta.Apesar das grandes dificuldades da economia nacional nos anos 80, a indstria petroqumica baiana apresentava excepcional crescimento. A indstria compensou os perodos de retrao no mercado interno com o aumento das exportaes, incentivado por uma conjuntura internacional favorvel com o alto preo do petrleo e dos derivados, e pela expanso das vendas externas incentivadas pela Petrobrs. Apenas nos ltimos anos da dcada de 80 a expanso da indstria petroqumica foi desacelerada com o agravamento da crise da indstria nacional.

Fonte: CEI/SEPLAN SOBRINHO, Gabriel Kraychete. O cenrio econmico da dcada de oitenta. In: Repensando uma dcada: a construo da CUT na Bahia nos aos 80. Salvador, CEPA, 1994.36

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A tardia industrializao baiana nos primeiros anos da dcada de 80 atingiu altos patamares de produo e o impacto dessa expanso econmica resultou em profunda transformao no quadro social da RMS. Contudo, as transformaes ocorridas na regio no melhoraram as condies de existncia da maioria de seus habitantes, estes foram submetidos a novos mecanismos de empobrecimento e excluso, que atuavam em todos os espaos sociais. O processo de metropolizao com o aumento populacional da RMS acentuou as desigualdades do espao urbano marcadas pela precariedade das condies de moradia, sade e saneamento bsico. O emprego na indstria de transformao localizada na RMS entre 1975 e 1980 cresceu 46%, mas na dcada de oitenta, as oportunidades de emprego no setor secundrio se tornaram mais restritas.

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CAPTULO II O TRABALHADOR PETROQUMICO

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O HOMEM VIVE EM MUITOS MUNDOS MAS CADA MUNDO TEM UMA CHAVE DIFERENTE, E O HOMEM NO PODE PASSAR DE UM MUNDO PARA OUTRO SEM A CHAVE RESPECTIVA, ISTO , SEM MUDAR A INTENCIONALIDADE E O CORRESPONDENTE MODO DE APROPRIAO DA REALIDADE. 37

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KOSIC, Karel Dialtica do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p.23.

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2.1. UMA BREVE APRESENTAO DO SISTEMA PETROQUMICO Inicialmente, faz-se necessrio apresentar algumas caractersticas mais gerais do universo no qual os sujeitos estavam inseridos. Para tanto, cabe definir que um processo produtivo petroqumico consiste em submeter os insumos (gs natural, nafta, gasleo, hidrognio e outras matrias-primas) a determinadas condies de temperatura, presso e vazo de modo a se obter, mediante reaes qumicos-fsicas, a sua desintegrao e transformao em substncias com composio distinta. 38 Os processos produtivos so diferenciados de acordo com o ponto de transformao qumica em que operam. As chamadas indstrias de primeira gerao so aquelas que realizam os processos bsicos responsveis pela produo de produtos aromticos como benzeno, tolueno e amnia ou de oleofitas, como eteno, buteno e butadieno a partir do gs natural, do oxignio e da nafta. As indstrias de segunda gerao realizam os processos intermedirios utilizando os aromticos e oleofitas como insumos para fabricar outros insumos, como xido-eteno, estireno, etc., que por sua vez so utilizados como insumos para novos processos petroqumicos. Por ltimo, as empresas de terceira gerao finalizam os processos produzindo insumos apenas para a transformao industrial de outros ramos. Toda essa estrutura possui uma engrenagem formada por equipamentos como esferas e tanques de armazenamento; fornos que aumentam a temperatura dos produtos antes destes entrarem em reatores, que aceleram ou retardam reaes qumicas; compressores que aumentam a presso e a temperatura do gs; permutadores de calor que resfriam reatores; torres onde se processam algumas reaes e bombas que movimentam os produtos entre os diversos equipamentos. Alm desses, uma rea industrial sempre congestionada por tubulaes por onde se transportam insumos e produtos. Essas tubulaes esto guarnecidas em pontos estratgicos por vlvulas de regulao de vazo, e, assim como todos equipamentos, por instrumentos de medio de variveis. Alm dos equipamentos, e das misturas de

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GUIMARES, Antnio S.A. Um sonho de classe. So Paulo, Editora Hucitec, 1998, p. 64.

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insumos, o processo utiliza catalisadores e solventes para apressar as reaes qumicas ou outros produtos qumicos para proteger os equipamentos de desgaste excessivo. 39 Nesse processo o trabalho humano continuo, nunca interrompido, exigido seja na manuteno emergencial ou preventiva e na manuteno geral durante as paradas. A jornada de trabalho estava dividida em dois tipos: a administrativa, de quarenta horas semanais, de segunda sexta, com uma folga mensal na primeira segunda-feira do ms, e a de turno, com quatro turmas que se revezavam pelas jornadas de 0 s 8 horas, de 8 s 16 horas, e de 16 s 0 hora e aplicada aos trabalhadores da operao, do laboratrio, da vigilncia patrimonial e da manuteno emergencial. Havia em 1985 o sistema de revezamento de turno, o mais encontrado era o chamado 3-2-2, em ciclos de nove dias, cada turma trabalhava trs dias consecutivos em um turno, passava depois dois dias consecutivos em outro turno e finalmente mais dois dias consecutivos num terceiro turno, para folgar os dois ltimos dias.

A organizao das petroqumicas brasileiras possua como matriz os padres da Petrobrs, por isso podemos utilizar como exemplo o sistema organizacional da Central de Matrias Primas para compreendermos um pouco como funciona essa rea industrial. Em Camaari, a Central de Matrias Primas estava dividida em quatro diretorias - administrativa, financeira, comercial e industrial. A fbrica e o setor industrial localizavam-se no distrito industrial ou Plo, enquanto os setores restantes localizavam-se na capital do estado. Na fbrica funcionava uma Superintendncia de Produo (compreendendo trs grandes Divises: Operao, Manuteno e Engenharia de Produo, alm de um setor de Segurana Industrial), uma Gerncia Tcnica (compreendendo uma Diviso de Engenharia Geral e uma Coordenao de Automao Industrial) e a Superintendncia Administrativa (congregando quatro Divises, dentre as quais a de Relaes Industriais). A Diviso de Operao era composta por cinco setores Aromticos, Olefinas, Utilidades, Transferncia e Estocagem e Resinas de Petrleo. A Diviso de Manuteno compunha-se de seis setores 39

Ibid. Op, Cit, p.65.

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Instrumentao, Mecnica, Caldeiraria e Tubulao, Eltrica, Manuteno Complementar, Planejamento, alm de uma Coordenao de Trabalhos. A Diviso de Engenharia de Produo compreendia os setores de Planejamento, Controle de Qualidade e Controle de Produo. 40 2.2. O PETROQUMICO 2.2.1. O EMPREGO NO PLO PETROQUMICO O primeiro passo compreender como ocorre a insero desses indivduos no espao petroqumico, o porqu da escolha dessa rea de trabalho, para essa indagao pode encontrar algumas justificativas como essas de dois operadores:Trabalhava nos correios desde 1970, j vinha tentando, aquela coisa de voc querer melhorar de vida, ter um melhor salrio, galgar uma condio social melhor. Foi at bom porque naquela poca era a nica fonte de trabalho bem remunerado que tinha na poca, era como se fosse a Petrobrs, naquela poca quem no gostaria de entrar na Petrobrs, era uma oportunidade de mudar de vida, um salrio melhor. A implantao do Plo Petroqumico foi um marco histrico.

Podemos identificar que um emprego no Plo no final dos anos 70 e inicio dos anos 80 significava para uma populao, de mais ou menos dois milhes de residentes na rea metropolitana, uma possibilidade de mudar a condio financeira e social. Alguns nmeros podem fornecer alguns dados delineadores. Em 1985, 20.000 pessoas eram diretamente contratadas pelas empresas do Plo, divididos em quatro grupos: 1. O escalo superior, formado por diretores, gerentes, e coordenadores dos diferentes setores, totalizando 7,4% dos empregados. 2. Tcnicos de nvel superior da rea administrativa e de produo, representando em conjunto 8,2% dos empregados do COPEC. 3. Empregados administrativos, o segundo grupo em termos de importncia numrica no COPEC, onde se enquadram 24,7% dos empregados. 4. Os operrios, que em conjunto representam quase 60% da mo-de-obra empregada no COPEC, sendo 40,3% de pessoal com qualificao profissional especializada e 19,4% de operrios semi ou no-qualificados. 41

Idem, p.61. SILVA, Edelzuita dos Anjos Silva e PEREIRA, Rosa Maria Viana. Revista Fora de Trabalho e Emprego, Salvador, (8/9): 36-38, Set/Dez/86 e Jan/Abr/87, p.5.41

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Podemos perceber que 40% dos empregados eram operrios qualificados que recebiam em mdia 8,7 salrios mnimos e possuam uma das menores mdias salariais em relao a outras funes, superior apenas aos tcnicos administrativos, em funo dos adicionais de turno, e aos operrios semi/no qualificados. Entretanto, segundo os dados abaixo, em 1985, das 2.198.301 de pessoas empregadas na Bahia apenas 110.753 recebiam entre 5 10 salrios mnimos, isto , apenas 5% de baianos empregados estavam nessa faixa salarial. Ento, est no Plo naquele momento significava fazer parte de uma minoria da sociedade baiana, isso, principalmente, para filhos de pedreiros, pescadores, saboeiro, carpinteiro, faxineiras, costureiras ou donas-de-casa, que estudaram em escolas pblicas e possuam apenas o 2 grau completo para disputar a insero no mercado de trabalho.

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42 43

Idem, p.5. DIEESE. Retrospectiva 85 do mercado de trabalho baiano, Salvador, p.10

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2.2.2. A FORMAO EDUCACIONAL E A SELEO DOS PETROQUMICOS O nvel de instruo formal majoritria entre os empregados do Plo era o segundo grau, como podemos ver na tabela abaixo, 55,7% dos empregados do COPEC possuam apenas o segundo grau. Para o sindicato patronal essa realidade um resultado da absoro de muita mo-deobra das empresas responsveis pela montagem das suas instalaes industriais, e nessa mo-deobra era bastante elevado o nmero de analfabetos por isso foram realizados programas especficos pelas empresas com recursos prprios e em convnio com algumas entidades governamentais para permitir o acesso da formao escolar a esses trabalhadores. Por outro lado, o patronato avalia como significativo a presena de 24% de trabalhadores com nvel superior, justificando que esse percentual evidencia a caracterstica da indstria petroqumica de constante risco de obsolescncia de produto e de processo e a necessidade, das empresas, de contar com esses profissionais para buscar solues inovadoras em suas respectivas reas de atuao, de modo a garantir a sua sobrevivncia e perpetuidade. O que podemos perceber nos depoimentos sobre a forma de ingresso no Plo, que a primeira gerao que entrou na dcada de 70, e participou do lanamento das plantas, todos foram aprovados em concursos de grande concorrncia realizados por uma parceria com a Petrobrs que exigia uma instruo formal, na maioria dos casos, o segundo grau completo, e depois havia a capacitao profissional especfica, que se adquiria tanto na prtica efetiva de trabalho como atravs

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Idem, p.11.

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de cursos e estgios promovidos pelas empresas, em suas dependncias ou fora delas, e at mesmo em outros Estados, conforme a poltica de capacitao de pessoal dos diversos setores, que de um modo geral inclui uma combinao dessas prticas. Dois operadores que foram admitidos em 1976 e 1977, respectivamente, nos seus depoimentos, relatam como era o processo preparatrio ps-concurso:Fiz o concurso para operador de processo, depois um curso de oito meses, com um perodo de estgio de dez meses na REPLAN, em So Paulo, no retorno a planta estava em montagem, a gente acompanhou todo aquele processo de preparativo para a partida e foi aonde a gente foi adquirindo conhecimento tcnico e prtico. O concurso era provas de matemtica, portugus e conhecimentos gerais. Depois fizemos um curso para operador de processo petroqumico, onde estudamos qumica, fsica, matemtica, operaes unitrias e equipamentos resfriadores, bombas tanques, vlvulas, parafusos, tubulaes, com professores da Bahia e de outros estados, engenheiros da fbrica, operadores-chefes e supervisores. O sistema Petrobrs/Copene depois distribua para outras fbricas de acordo com a necessidade de cada uma. Realizei um estgio na Copene de seis meses, vrias etapas que voc vai vencendo, depois uma matria chamada o processo em si, que era o processo especfico da fbrica que voc ia trabalhar, para poder ir para dentro da fbrica com o conhecimento terico do que voc vai produzir de como voc vai fazer aquilo e porque. Tomar conhecimento, estudar muito para na hora H as pernas no tremerem, voc partir uma fbrica mesmo como voc criar o primeiro vo de um avio, nessa hora tem que ter coragem porque o risco de acidente muito grande.

A segunda gerao petroqumica da primeira metade dos anos 80 foi recrutada de forma predominante a partir da anlise de curriculum, ... apontado como mtodo mais usado pelas empresas seguido de anncio em jornais e utilizao dos servios de empresas de recursos humanos e de rgos formadores de mo-de-obra. A seleo de pessoal feita preferencialmente atravs de entrevista, forma utilizada pela maioria das empresas, que lanam mo tambm de testes de conhecimentos, especficos e gerais. importante na seleo de pessoal, a apresentao de referncias de empresas onde o candidato j trabalhou e ainda experincias de estgios, sendo de menor importncia os cursos profissionalizantes realizados. 45 Devemos ressaltar que entre os entrevistados, cujo perodo de admisso no Plo varia entre 1975 e 1981, nenhum deles foi egresso da Escola Tcnica Federal da Bahia, o que nos faz supor que ou a presena destes no era majoritria no setor de operao, ou ento, sua presena tornou-se marcante no Plo na segunda metade dos anos 80. Alm disso, poucos eram aqueles que antes de ingressar no Plo realizaram algum curso profissionalizante.

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Idem, p.6.

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2.2.3. GNERO NO EMPREGO PETROQUMICO

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Na tabela acima, assim como, no grfico abaixo verificamos a inexpressiva presena feminina na petroqumica. Guimares, para explicar como a fbrica dos homens tambm um importante espao de relaes de gnero, mesmo quando a presena masculina to preponderante que anula o feminino, realizou uma pesquisa comparativa, em 1987, entre uma empresa estatal e privada sobre as ocupaes femininas, inserindo, inclusive, o aspecto racial. A primeira hiptese formulada que a discriminao feminina resulta de desigualdades nas oportunidades de emprego industrial e, conseqentemente, de renda e de acesso ao mercado de bens e servios 47 , essas desigualdades esto associadas cor, aparncia e ao sexo. O discurso utilizado pelo Sindicato das Indstrias Petroqumicas e de Resinas Sintticas (SINPER) para justificar a predominncia masculina (86.13%) recorre ao chamado papel social da mulher que a impossibilitaria de se adequar s condies do trabalho petroqumico, isto demonstra como as funes sociais so impostas pelos padres culturais. Embora no exista qualquer preconceito com relao a sexo, por parte das empresas, a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos que culturalmente tem sido atribuda s mulheres, torna a opo de trabalhador no Plo pouco atrativa para elas dada distncia que fica de Salvador e a dificuldade de acompanhar o que est acontecendo na sua casa durante o dia. 48

Idem, p.6. Pesquisa realizada pelo Sindicato das Indstrias Petroqumicas e de Resinas Sintticas entre 16 empresas com um efetivo total de aproximadamente 9.300 trabalhadores e publicada na Revista Fora de Trabalho e Emprego, Salvador, (8/9): 36-38, Set/Dez/86 e Jan/Abr/87. 47 GUIMARES, Antnio S.A. Op. Cit. p.95. 48 Sindicato das Indstrias Petroqumicas e de Resinas Sintticas (SINPER). Perfil do trabalhador do Plo Petroqumico. Revista Fora de Trabalho e Emprego, Salvador, (8/9): 36-38, Set/Dez/86 e Jan/Abr/87, p. 36-38.

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A anlise de Guimares sobre a condio feminina na Petroqumica parte da idia de que a manipulao das diferenas fsicas entre os sexos so recriadas socialmente em relaes de gneros, atribuindo papis e competncias diferenciadas entre os sexos e criando grupos e redes de solidariedade por sexo. Disso resulta mecanismos e articulaes que fazem com que as mulheres sejam empregadas em nmero muito inferior ao dos homens e apenas em alguns setores e em algumas ocupaes, principalmente no trabalho de escritrio, desempenhando funes de chefia com menor freqncia e de menor importncia que os homens. Para explicar a excluso feminina o autor argumenta que as prticas de recrutamento e seleo para alguns postos de trabalho discriminavam as mulheres, utilizando, para tanto, de forma oportuna, de dispositivos legais, como a lei que proibia o trabalho feminino noturno. Ademais, Guimares salienta a existncia de uma auto-excluso feminina resultante de prticas culturais de formao profissional e de socializao, onde prevalece a diferenciao de gnero, seja no aprendizado transmitido na relao mestre/aprendiz, ou na formao de valores durante a criao de coletivos de trabalho, bem como, a prpria representao social da profisso, caracterizada pelos sacrifcios, desprendimentos, riscos, resistncia fsica, entre outros atributos que49

Idem, p. 36.

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serviam para manter as mulheres distncia. E por fim, a prpria incompatibilidade entre as trajetrias familiares, de me e dona-de-casa, com o emprego no Plo. 2.2.4. RAA NO EMPREGO PETROQUMICO Guimares pesquisou, tambm, as desigualdades raciais, ou melhor, como o mercado de trabalho e as condies de trabalho na empresa eram regulados por uma seletividade racial. De acordo com essa interpretao, esse recurso discriminatrio era utilizado tanto no momento de insero no mercado de trabalho, como na ascenso ocupacional, e era mais efetivo quanto mais evidente as marcas fsicas da negritude. Por isso, o nicho negro estava nas ocupaes manuais da produo, notadamente aquelas que exigem esforos fsicos e baixa escolaridade, enquanto que os brancos do sexo masculino com maior escolaridade, so aqueles que majoritariamente possuem o diploma universitrio e ocupam cargos de chefia. A escolarizao no somente parecia atuar como um discriminante das possibilidades de mobilidade profissional entre grupos raciais, como se tornava um verdadeiro mecanismo de seleo (por atributos como sexo e cor) para o acesso a posies de mando (no mundo administrativo ou tcnico-operacional) da indstria. 50 O acesso ao nvel superior indicava a confluncia entre as diferenas raciais e de classe. Entre os homens, os brancos que ocupavam cargos de chefia em sua maioria possuam o terceiro grau completo, j os negros, ger