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Pitum Keil do Amaral MARIA KEIL uma biografia acelerada para uso na casa da achada

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Pitum Keil do Amaral

MARIA KEIL

uma biografia aceleradapara uso na casa da achada

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Maria da Silva PireS nasceu em Silves, a9 de agosto de 1914. era a mais nova de qua-tro irmãos: dois rapazes, duas raparigas.Seu pai era um pequeno industrial corti-ceiro, brincalhão e bondoso como o são mui-tos algarvios. Casou em segundas núpciascom uma senhora pertencente à burguesialocal, provinciana e preconceituosa.a infância ficaria marcada pela separaçãodos pais, e pela educação da madrasta, maisformal e austera que aquela a que o pai a ha-bituara.Na escola secundária revelou gosto pelo de-senho e um professor – artista e atento – cha-mado Samora Barros, influenciou-a, a ela etambém ao pai, para que seguisse a carreiradas artes.a decisão – ousada para a época – da ida parao curso de pintura das Belas artes, em lis-boa, foi facilitada pelo facto do irmão da ma-drasta ser militar e residir no quartel queexistia, nessa época, dentro do castelo de S. Jorge.em 1930, com 16 anos, veio, pois, viver paraa capital.deve ter sido, imagina-se facilmente, umagrande mudança.desse período ela tem recordado, por exem-plo, a «música» que escutou nos primeirosdias – e que não era mais do que o ruído con-tínuo dos automóveis e eléctricos na baixada cidade.do castelo para o convento de S. Francisco,no Chiado, onde as Belas artes ainda hojesão ensinadas, era um salto, para uma rapa-riga de 16 anos que devia sentir-se livre demuitas restrições... até descobrir que o tiomilitar destacava um soldado para a seguir,todos os dias, naquele percurso a pé.Quanto ao ambiente da escola, certamente

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que também seria novo e estimulante. O nú-mero de alunos era pequeno; faziam-se ami-zades para a vida toda entre os colegas depintura, escultura e arquitectura que parti-lhavam aquele casarão sombrio, e aturavamalguns «mestres» ainda muito arredados doespírito modernista que se vivia nas capitaisestrangeiras.dos colegas, lembro-me de ouvir falar do es-cultor rui roque Gameiro, que morreujovem; da pintora estrela Faria, que aindaconheci. Quanto aos futuros arquitectos,viria a conhecer uma série deles, pois foicom um jovem deste curso que minha mãese apaixonou e iria casar, entrando no meioartístico de lisboa principalmente pelo con-vívio com os arquitectos.Faria da Costa, raul Tojal, dario vieira,adelino Nunes, Paulo Cunha, foram algunsdeles. O curso de meu pai tinha 6 alunos.O curso anterior tinha apenas um!

Quando o namoro se tornou sério, meu paie o gráfico José rocha, que viria a ser meupadrinho, montaram numa moto e foram aoalgarve fazer o pedido formal de casamento.Casaram em 1933. e foram viver para a Cal-çada do Grilo, em Xabregas, numa parte damoradia que tinha sido, imagine-se, a casade praia de alfredo Keil. este residia naavenida da liberdade, mas ia «a banhos»,no verão, para a praia de Xabregas! Custa acrer!Noutra parte da casa moravam minha avó,Guida Keil, e minha bisavó, Cleyde, viúvade alfredo Keil e já muito idosa.É fácil imaginar que uma jovem de 19 anos,desenraizada do algarve, tenha sentido di-ficuldades para se adaptar à alta burguesiaintelectual e artística lisboeta, onde agora sevia inserida. Mas, com o apoio do marido,sobreviveu.Mas a época era estimulante. as artes esta-vam numa profunda transformação e os jo-vens procuravam avidamente apanhar ocomboio, já em movimento rápido no restoda europa e nos estados Unidos, nos trilhosdas ideias e da estética.O que se aprendia na escola das artes pare-cia não ter utilidade alguma.

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apesar do conservadorismo da vida portu-guesa (a Constituição escrita por Salazar é,exactamente, de 1933) ainda se respiravamrestos dos ideais republicanos, e as convul-sões políticas da europa não podiam deixarde se repercutir até nós: as de espanha, aquitão perto; da alemanha de Hitler, da UniãoSoviética.Keil do amaral trabalhara até essa época noatelier de Carlos ramos, um arquitecto da 1.ageração modernista em Portugal, que incen-tivava os seus discípulos a seguirem o cami-nho da contemporaneidade, sem desfaleci-mento.Começando a trabalhar por conta própria,criou o seu atelier em casa, e Maria Keilacompanhou-o nessa espécie de «cruzada».ligaram-se a outros jovens artistas e desen-volveram uma intensa actividade, que pas-sou por trabalhos de publicidade, decoraçãode interiores e, para Maria Keil, também ailustração de livros, em que haveria de sedistinguir ao longo da vida.Um suiço – Fred Kradolfer – veio trazer parao nosso país uma lufada de ar fresco no querespeita à publicidade, que começava a terclientela assegurada. José rocha, de quem jáfalei, criou o primeiro gabinete especiali-zado – o estúdio Técnico de Publicidade –eTP – onde Maria Keil trabalhou. Outrosnomes conhecidos, como Bernardo Marques,estrela Faria, Paulo Ferreira, Tomás de Melo(Tom), até Carlos Botelho, embora maisvelho, estiveram também ligados às artesgráficas, à ilustração e à publicidade – e fica-ram amigos.

Por essa altura nasci eu, em 1935. dizem queera muito feio, e o retrato que minha mãe mefez não desmente essa opinião...Os anos que se seguiram foram de grandeimportância futura – meu pai ganhou o con-curso público para o projecto do Pavilhão dePortugal na exposição internacional de Paris– um marco assinalável para um jovem de 26anos, já com uma linguagem arquitectónicamoderna, e em competição com colegas maisvelhos e consagrados.a equipa que tinha a incumbência de cons-truir e decorar o Pavilhão seguiu para Paris,

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onde permaneceria um ano, até 1937. Certa-mente que foi um período de grande e entu-siástica aprendizagem e convívio.Meus pais fizeram amizade com artistasmais velhos, como o escultor Canto da Maia,o pintor Carlos Botelho, o arquitecto JorgeSegurado.Tiveram oportunidade de visitar a Holandae a alemanha, e absorver o que de mais ac-tual se ia por lá fazendo.eu ficara em lisboa, ao cuidado da minhaavó, que me estragaria com mimo. Minhamãe sofria com a separação, e com o maugosto com que minha avó me vestia, como éexemplo a foto que a fez chorar imenso eaqui está [projectada na sessão].destes traumas, nunca mais nos curámos.Seguiram-se anos pesados. as notícais daGuerra Civil em espanha, tão perto, agita-vam as consciências e revoltavam os espíri-tos mais lúcidos, que anteviam o perigo dasditaduras. Meu pai esteve para partir paracombater o franquismo, mas era já tarde de-mais.em 1939 começa a 2.a Guerra Mundial.entre nós consolidava-se o regime salaza-rista, com a perseguição aos oposicionistas,as purgas dos intelectuais nas universidadese no funcionalismo público, a Pide, e as pri-sões políticas.a vida dos artistas tinha aspectos contradi-tórios. O estado Novo criara o Secretariadode Propaganda Nacional, inspirado na ver-são alemã de Goebbels – que mais tarde,para evitar comparações, mudou o nomepara Secretariado Nacional de informação –SNi. À frente dele estava antónio Ferro, quenão era inculto nem estúpido, e sabia apro-veitar-se dos artistas, mesmo não afectos aoregime, quando isso lhe era conveniente.Grandes eventos de propaganda naciona-lista, como a exposição do Mundo Portu-guês, em 1940, proporcionaram trabalho amuitos artistas – pessoas como quaisquer ou-tras, que precisam de comer e pagar a rendada casa.

O SNi monopolizava as mais importantesexposições de arte que se faziam no país.Um facto curioso, até: era o SNi, através de

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parecer dos seus funcionários, que declaravaque uma pessoa era «artista», para efeito doBilhete de identidade, ou de uma carteiraprofissional. isto para pintores, escultoresou outros, que não tivessem diploma de ne-nhuma escola.O pobre Carlos Botelho, pessoa honesta,amável e delicada, esteve durante anos na si-tuação ingrata de emitir esses pareceres, como que sofria bastante. imaginam-se os casosque lhe passavam petas mãos, e pela vista...Maria Keil era pintora – sem o curso aca-bado, como se disse, mas também sem o avaldo SNi.Nessa altura pintou vários retratos, comêxito. incluindo o seu auto-retrato. e tam-bém outros temas. Poderia ter seguido ape-nas esse caminho.Mas a convivência com a arquitectura, quetinha em casa, todos os dias (mesmo aosfins-de-semana), permitiu-lhe observar co-mo a participação dos artistas plásticospodia ser importante na valorização dasobras construídas.Falava-se muito, nessa época, na «integraçãodas três artes», arquitectura, pintura e escul-tura. lutava-se até, a nível corporativo, diga-mos assim, para que os novos edifíciospúblicos considerassem nos seus orçamen-tos uma verba de 1 por cento para pagar a ar-tistas uma participação no «embelezamento»da obra.e isso foi conseguido. Não sei se ainda pre-valece em vigor. vemos, então, Maria Keildedicar-se à pintura de murais, como os doCine-Teatro Monumental, em lisboa, e ex-perimentar a tapeçaria, cenários para bai-lado, o desenho de móveis, a calçada à portu-guesa, a azulejaria.Os artistas, os intelectuais, os críticos, costu-mam ser mauzinhos uns para os outros.Questões de sobrevivência, talvez.alguns classificaram Maria Keil como umaartista menor, que cultivava as «artes deco-rativas», e praticava formas menos «nobres»,como sejam o desenho, a ilustração, a gra-vura.

Ora, na época em que isto se passava, houveentre nós um movimento de aproximação

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dos artistas que viria a ter um significadoimportante e duradouro.a guerra tinha acabado em 1945. as ditadu-ras europeias de Hitler e Mussolini foramderrotadas e execradas – e todas as esperan-ças se voltavam para os regimes democráti-cos e progressistas. restavam os regimes,residuais, de Franco, em espanha, e de Sala-zar, em Portugal.

Pareciam mesmo periclitantes, sob os ventosde mudança que sopravam por esse mundofora. Os oposicionistas ganharam ânimo eesperança numa transformação próxima dasituação política.Surgiram movimentos semiclandestinos, co-mo o MUd – Movimento de Unidade demo-crática, que agrupava pessoas de diferentesideologias políticas, de diferentes classes so-ciais, irmanadas por uma esperança na liber-dade e, para breve, o advento de um regimedemocrático.No meio artístico, estes movimentos tiverameco sob a forma de um certame, um encontroanua!: as exposições Gerais de artes Plásti-cas, realizadas na Sociedade Nacional deBelas artes em lisboa, cuja direcção (talcomo a do Sindicato Nacional dos arquitec-tos, que funcionava no mesmo edifício)havia sido «tomada de assalto» pelos «es-querdistas».estas exposições visavam, por um lado, li-bertar-se da tutela monopolista do SNi. Poroutro, apresentar, sem censura prévia, asobras que os artistas, sobretudo os maisnovos, não teriam forma de expor noutrolugar. Neste período, denominado do «neo--realismo», os problemas e as imagens reais,por vezes dramáticas, da sociedade do pós--guerra, eram temas dominantes, mas poucoestimados pelo regime fascista.Por outro lado ainda, criavam-se contactosentre as profissões, no tal espírito da «inte-gração das três artes», pois ali estavam pre-sentes, em simultâneo, pintores, escultores earquitectos.Nem todos os objectivos foram alcançados.a censura, por exemplo, fez-se sentir, à boamaneira salazarista, quando a Pide retirou,brutalmente, quadros das paredes por os

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considerar «subversivos». (a Maria Keil, porexemplo, retiraram o «regresso à terra», porser um enterro sem padre).Mas, como porta de entrada no mundo dasartes, foi nessas exposições que surgiramnomes como os de Júlio Pomar, lima deFreitas, Sá Nogueira, Nikias Skapinakis, ri-beiro de Pavia, Cristiano dourado, Charrua,João abel Manta, e também do próprioMário dionísio, em «casa» de quem nos en-contramos hoje.Quanto ao convívio, à camaradagem, ao am-biente estimulante da montagem dessas ex-posições, posso testemunhar que forammomentos especiais, pois ainda tive a sortede participar numa ou duas.O grupo de artistas e intelectuais que se en-volviam nestas actividades seria, talvez, res-trito. Mas eram a «nata» ( palavra horrível...)da cultura portuguesa da época. Que nomesde artistas, escritores, músicos do regime nosficaram desse tempo? lembram-se?Meus pais relacionavam-se com pessoas quejá eram notáveis então: como aquilino ri-beiro, irene lisboa, abel Manta, Canto daMaia – ou que se distinguiriam em breve,como Bento de Jesus Caraça, José rodriguesMiguéis, José Gomes Ferreira, Manuel Men-des, Fernando lopes Graça, Carlos de Oli-veira, e estou a esquecer-me de muitos...

Onde se conheceram, meus pais e Máriodionísio? através de amigos comuns? É pro-vável. Talvez nestas andanças das exposi-ções Gerais de artes Plásticas? Não sei.as exposições duraram dez anos. a últimafoi em 1956.O regime de Salazar, entretanto, não cairá.arrastava-se, sem grandes esperanças demudança para os oposicionistas. as condi-ções sociais e económicas do país foram-sealterando com o tempo. as reivindicaçõespolíticas abrandaram (e a Pide tornou-semais eficiente...).apenas em períodos eleitorais, embora dedesfecho pré-definido, as oposições saíamdo marasmo, aproveitando a fictícia liber-dade de falar.vou dizer agora algo talvez controverso, masa machadada final nas exposições Gerais de

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artes Plásticas não veio do Governo, mas dacriação da Fundação Calouste Gulbenkian edas condições materiais com que acenou aosartistas.Politicamente independente (em princípio),nada obstava a que os artistas se aproximas-sem dessa «árvore das patacas», inesperada-mente surgida entre nós, e que era umaóptima via de promoção.as exposições, as bolsas de estudo da Gul-benkian, a sua projecção além fronteiras,enfim, mexeram com o meio artístico e inte-lectual português.Foi mau? Foi bom? Sim, foi positivo no querespeita à qualidade, digamos, internacio-nal, da produção. Fomos ficando, como sediz, «tão bons ou melhores que os similaresestrangeiros».apetece-me fazer uma analogia: o maestroFernando lopes Graça compôs, para o grupocoral da academia dos amadores de Música– os «canários» – uma série de canções que fi-caram conhecidas como as «heróicas», emque as letras e a música contribuíam paraum determinado fim: um entusiasmo mili-tante e esclarecido, num dado contexto so-cial.as artes e a literatura dessa época estavamtambém nessa «onda», com maior ou menorqualidade e êxito.Mas a onda acalmou, o mar ficou chão, con-tinuou a haver bonitos pores do sol, e algunsefeitos mais ou menos espectaculares detemporal, volta e meia. Mas nada de muitoestimulante nos agitou, até à Guerra Colo-nial, que conduziria ao 25 de abril de 1974e, finalmente, à democracia. Meu pai faleceuem 1975.

Maria Keil ilustrou livros de vários autores.alguns já pertenciam ao círculo dos seusamigos. Outros não o eram ainda, mas pas-saram a sê-lo. esta relação estreita terá sidoimportante para que compreendesse e inter-pretasse melhor o espírito das obras queilustrava.Primeiro as de irene lisboa, Miguéis e, maisadiante, uma série de livros infantis em quecolaborou, com as suas imagens, na «visua-lização» dos personagens ou ambientes de

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aquilino ribeiro, de Maria Cecília Correiae, em especial, de Matilde rosa araújo –

grandes amizades suas. e muitos outros.escreveu e ilustrou também alguns livros ex-clusivamente seus, como o Pau-de-Fileira,Os Presentes, Árvores de Domingo, etc.O último (até agora) chama-se Anjos do Mal,e retrata uma divertida família de diabos. Éde 2002. aos 84 anos...Pessoalmente, gosto muito das ilustraçõesdos Contos Tradicionais Portugueses, edita-dos por José Gomes Ferreira e Carlos de Oli-veira.Com Mário dionísio, Maria Keil colaboroutambém, na apresentação da sua grande obraA Paleta e o Mundo, mas apenas com a capae a paginação.Na década de cinquenta surgiu-lhe uma en-comenda invulgar: embelezar com um mí-nimo de despesa as 19 estações do Metro-politano de lisboa, que se construíram entre1957 e 1972. Usou para isso azulejos-padrão,dando continuidade a uma tradição secularportuguesa, que assim ganhou nova visibi-lidade e dinâmica.a última estação do Metro que tem azulejosseus – S. Sebastião – foi aberta há menos dedez anos, quando Maria Keil teria uns oi-tenta e seis...O seu nome ficará ligado à história do azu-lejo português – material inteligente e alegrede revestimento decorativo, económico, commúltiplas possibilidades – que trabalhou«com as mãos na massa», na fábrica.(desenhar um cartão , por muito «artístico»que seja, e mandá-lo «passar a azulejo» poralguém, é uma outra coisa...).ainda não lhe falta imaginação, e soube usá--la para fazer coisas que, até hoje – vai fazer97 anos – estão ao seu alcance, apesar das li-mitações físicas da idade.Há alguns anos, inspirada pela roupa a secarque via nos estendais dos vizinhos da suacasa no Bairro alto, pintou primeiro umquadro a óleo. Mais tarde, com uma pequenamáquina, fez fotografias e criou, a partirdelas, imagens originais – de que podem veralguns exemplos na exposição-relâmpago,montada para vós aqui na Casa da achada.

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Mário dionísio e Maria letícia dedicaramgrande parte da sua vida ao ensino – activi-dade desgastante, absorvente, e muito poucoacarinhada na época. (Sê-lo-á melhor, hoje?)além disso, Mário dionísio escrevia, e pin-tava, com invulgar tenacidade, produzindouma extensa obra, que aqui podemos hojeadmirar e usufruir.Também Maria Keil e Francisco Keil doamaral trabalhavam num ritmo intenso.eram amigos.Sinto que estas amizades, mesmo quandonão traduzidas por uma grande intimidade,são uma espécie de «reserva», que nos ajudae fortalece.Saber que há pessoas que comungam dosmesmos ideais; que pensam da mesma ma-neira em relação às coisas importantes davida; que podemos contar com a sua solida-riedade e apoio, se tal for necessário, nosmomentos adversos – é um factor de estabi-lidade e segurança indispensável.Às vezes penso: mas, afinal, estes amigosviam-se pouco, os afazeres profissionais fa-ziam-nos andar por caminhos diferentes, en-contravam-se fugazmente numa conferên-cia, numa exposição, num debate político...Não importa, havia um elo de ligação, umacumplicidade intelectual que os aproximava.e isso era bom.Continua a ser bom hoje.No verão, as famílias iam de férias para lo-cais próximos. então encontravam-se mais e,naquele ambiente descontraído, sem horá-rios, sem pressas, conversavam, comiam, tro-cavam ideias e projectos ou, simplesmente,divertiam-se, vendo os filhos a brincar.(Os filhos pensavam que não estavam abrincar, mas a fazer coisas sérias...).aqui têm, por exemplo, a eduarda dionísio,vestida de pastora [foto projectada na sessão],em nossa casa, perto da Praia das Maçãs, arecitar, num francês muito perfeito:«ii était une bergère, qui gardait son mou-ton. et ron et ron, petit patapon».Não sei o que dizer mais.Muito obrigado pela vossa atenção.

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ficha

Este texto, separata da Ficha 3, foi lido pelo Autor na Casa da Achada - Centro Mário Dionísio, no dia 18 de Junho de 2011