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POESIA DA SEGUNDA GERAÇÃO ROMÂNTICA A Voz da História Canto Para A Minha Morte Eu sei que determinada rua que eu já passei Não tornará a ouvir o som dos meus passos. Tem uma revista que eu guardo há muitos anos E que nunca mais eu vou abrir. Cada vez que eu me despeço de uma pessoa Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez A morte, surda, caminha ao meu lado E eu não sei em que esquina ela vai me beijar Com que rosto ela virá? Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer? Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque? Na música que eu deixei para compor amanhã? Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro? Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada, E que está em algum lugar me esperando Embora eu ainda não a conheça? Vou te encontrar vestida de cetim, Pois em qualquer lugar esperas só por mim E no teu beijo provar o gosto estranho Que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar Vem, mas demore a chegar. Eu te detesto e amo morte, morte, morte Que talvez seja o segredo desta vida Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida. Qual será a forma da minha morte? Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida. Existem tantas... Um acidente de carro. O coração que se recusa abater no próximo minuto, A anestesia mal aplicada, A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe, Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio... Oh morte, tu que és tão forte, Que matas o gato, o rato e o homem. Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva E que a erva alimente outro homem como eu Porque eu continuarei neste homem, Nos meus filhos, na palavra rude

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POESIA DA SEGUNDA GERAÇÃO ROMÂNTICA

A Voz da História

Canto Para A Minha Morte

Eu sei que determinada rua que eu já passei

Não tornará a ouvir o som dos meus passos.

Tem uma revista que eu guardo há muitos anos

E que nunca mais eu vou abrir.

Cada vez que eu me despeço de uma pessoa

Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez

A morte, surda, caminha ao meu lado

E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?

Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?

Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?

Na música que eu deixei para compor amanhã?

Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?

Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi

destinada,

E que está em algum lugar me esperando

Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim,

Pois em qualquer lugar esperas só por mim

E no teu beijo provar o gosto estranho

Que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar

Vem, mas demore a chegar.

Eu te detesto e amo morte, morte, morte

Que talvez seja o segredo desta vida

Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida.

Qual será a forma da minha morte?

Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.

Existem tantas... Um acidente de carro.

O coração que se recusa abater no próximo minuto,

A anestesia mal aplicada,

A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida

O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,

Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...

Oh morte, tu que és tão forte,

Que matas o gato, o rato e o homem.

Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar

Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva

E que a erva alimente outro homem como eu

Porque eu continuarei neste homem,

Nos meus filhos, na palavra rude

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Que eu disse para alguém que não gostava

E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...

Vou te encontrar vestida de cetim...

(Raul Seixas)

A partir da segunda metade do século XIX, era comum as pessoas dirigirem-se para cidades como Rio de janeiro,

Recife, São Paulo e Salvador. A vida no campo fica cada vez mais restrita aos proprietários, parte de suas famílias e

aos escravos, pois a modernidade exige que os filhos homens se formassem em algum dos cursos oferecidos pelas

faculdades situadas nestas cidades. O desenvolvimento das cidades implicou em um crescimento de opções de

entretenimento a estes jovens, inclusive criando opções não muito saudáveis de vida noturna.

Nesta época alguns jovens estudantes das faculdades de Direito (São Paulo e Recife) e Medicina (Rio de Janeiro)

tinham uma vida dissoluta que acabava levando a doenças como a tuberculose. Influenciados por autores europeus

como Byron e Musset e ansiosos por viver ao estilo “sturm und drang” (tempestade e ímpeto), estes jovens se

dedicavam ao álcool, fumo e noitadas com mulheres, o que acabava expondo-os a doenças como a tuberculose.

Como afirma Antonio Candido: “A melancolia, o humor negro, o sarcasmo, o gosto da morte traçam à roda do grupo

estudantil um círculo de isolamento que acentua, para o observador, o seu caráter de exceção na sociedade

ambiente. É a típica tonalidade paulistana, difundida por todo o país, contribuição original desta cidade ao

Romantismo brasileiro, ligada à pessoa e à obra de Álvares de Azevedo — principalmente o Macário e A noite na

taverna.”.

Vale a pena ressaltar que mesmo aqueles que não tinham tuberculose gostavam de sentir os efeitos depressivos

da doença e da proximidade da morte, sensação a que se dá o nome de ‘mal-do-século’, algo muito parecido á

sensação niilista (niili – nada)de alguns jovens góticos e emos que observamos na atualidade.

BOX: Byron

George Gordon Noel Byron nasceu em Londres no ano de 1788. Seu pai, John Byron, era um "bon-vivant" que destruiu toda a riqueza e, Catherine Gordon

Byron, sua mãe, vinha da família dos Gordons escocês, uma família tradicional e muito conhecida por sua ferocidade e violência. Logo após o nascimento de

Byron, sua mãe o levou para a Aberdeen, Escócia, onde uma deformidade em seu pé logo ficou evidente. Por isso ele ganhou botas especiais e passou por

inúmeros tratamentos mas logo deixou estas dolorosas experiências para trás. O pequeno George vivia mergulhado em leituras, com atenção especial para a

história de Roma.

Aos sete anos, Byron se apaixonou perdidamente por sua prima, Mary Duff. Aos nove, sua babá o introduziu aos prazeres da carne. Com 10 anos, Byron

herdou o título nobiliárquico de um tio-avô, tornando-se o sexto Lord Byron. Durante um Natal, ele retornou para Newstead, que havia sido alugada por Lorde

Ruthyn, que o iniciou no bissexualismo. Apaixonou-se perdidamente por Mary Ann Chaworth, uma vizinha. Ficou tão obcecado que se recusou a voltar.

Em sua adolescência, Byron foi tomando consciência de seu poder. Possuidor de carisma, beleza e poder de sedução, ele logo começou a aproveitar seus

dons. Envolveu-se com colegas, empregadas, professores, prostitutas e garotas que adoravam um

título de nobreza.

Em 1805, Byron teve um grande choque: sua prima Mary Ann casou-se e isso fez com que ele se

tornasse mais rebelde ainda. Escrevia versos e mais versos e gastava muito dinheiro. Após entrar na

"Trinity College" de Cambridge, em 1807, publicou seu primeiro livro de poesia, Hours of Idleness

(Horas de ócio), mal recebido pela crítica. Byron respondeu com o poema satírico English Bards and

Scotch Reviewers (Bardos ingleses e críticos escoceses), em 1809.

Em 1811, publicou os dois primeiros cantos de Childe Harold's Pilgrimage (Peregrinação de Childe

Harold), longo poema em que narra as andanças e amores de um herói desencantado, ao mesmo

tempo em que descreve a natureza da península ibérica, Grécia e Albânia. A obra alcançou sucesso

imediato e sua fama se consolidou com outros trabalhos, principalmente The Corsair (O Corsário) em

1814 e Lara no mesmo ano; além de The Siege of Corinth (O Cerco de Corinto) em 1816. Nesses

poemas, de enredos exóticos, Byron confirmou seu talento para a descrição de ambientes.

Em 1815 casou-se com Anne Milbanke. Mudou-se para a Suíça em 1816, após o divórcio de Lady

Byron, causado pela suspeita de incesto do poeta com sua meia-irmã Augusta Leigh. Na Suíça escreveu

o canto III de Childe Harold's Pilgrimage, The Prisoner of Chillon (O prisioneiro de Chillon) e o poema

dramático Manfred, enigmático e demoníaco. Em Genebra viveu com Claire Clairmont e fez-se amigo

de Shelley. Passavam horas discutindo filosofia e poesia. Numa noite chuvosa em Diodati, o grupo

decidiu compor histórias macabras. Nasceu ali Frankenstein de Mary Shelley e O Vampiro de Polidori.

Compôs então, em 1818, o canto IV de Childe Harold's Pilgrimage e Beppo - A Venetian Story (Beppo

- Uma história veneziana), poema em oitava-rima, de tom ligeiro e cáustico, em que ridiculariza a alta

sociedade de Veneza. Em 1819 começou o poema herói-cômico Don Juan, sátira brilhante e atrevida, à

maneira do século XVIII, que deixaria inacabada. No mesmo ano ligou-se à condessa Teresa Guiccioli, seguindo-a a Ravena onde, juntamente com o irmão dela,

participou das conspirações dos carbonários.

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Em novembro de 1821, tendo fracassado o movimento revolucionário dos carbonários, Byron partiu para Pisa. Em 1822 fundou, com Leigh Hunt, o periódico

The Liberal. Foi a seguir para Montenegro e daí para Gênova. Nomeado membro do comitê londrino pela independência da Grécia, embarcou para aquele país

em 15 de julho de 1823, a fim de combater ao lado dos gregos, os turcos, onde escreveu o drama The Deformed Transformed (O Deformado Transformado), em

1824.

Passou quatro meses em Cefalônia e viajou para Missolonghi, onde morreu em 19 de abril de 1824, após contrair uma misteriosa febre.

A obra e a personalidade romântica de Lord Byron tiveram, no início do século XIX, grande projeção no panorama literário europeu e exerceram enorme

influência em seus contemporâneos, por representarem o melhor da sensibilidade da época, conferindo-lhe muito de sedução e elegância mundana. Lord Byron

teve uma vida pessoal bastante conturbada: na juventude foi acusado de abuso sexual pela prima, homossexualismo e também foi um dos primeiros escritores a

descrever os efeitos da maconha. Em meio a toda essa agitação existencial, que se tornou o paradigma do homem romântico que busca a liberdade, Byron

escreveu uma obra grandiloqüente e passional. Encantou o mundo inicialmente com seus poemas narrativos folhetinescos, em que não faltam elementos

autobiográficos, como Childe Harold's Pilgrimage, e depois o assustou com a faceta satírica e satânica que apresenta em poemas como Don Juan. Foi um dos

principais poetas ultra-românticos. O cinismo e o pessimismo de sua obra haveriam de criar, juntamente com sua mirabolante vida, uma legião de jovens poetas

"byronianos" por todo o mundo, chegando até o Brasil na obra de grandes escritores, como Álvares de Azevedo.

Fonte: http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/byron.htm (modificada)

Álvares de Azevedo (“Poeta da Dúvida”)

Por volta de 1850, a poesia ganha novos rumos com o aparecimento dos

ultrarromânticos. Esses poetas, desinteressados pela vida político-social, voltam-se para

si mesmos (individualismo exagerado), com uma atitude profundamente pessimista

diante da vida (“mal-do-século”). Vivem entediados, sem perspectivas, sonhando com

amores impossíveis e cultivando um fascínio pela morte.

Os poetas da segunda geração do Romantismo, eram – como já vimos - jovens

universitários do Rio de Janeiro e de São Paulo. Levavam uma vida desregrada, dividida

entre a faculdade, o ócio, os casos amorosos e a leitura de obras literárias européias. A

maioria deles morreu com pouco mais de 20 anos de idade. Eles copiavam o estilo de

vida dos escritores românticos europeus, principalmente Byron e Musset, essa geração

se caracterizava pelo espírito do “mal do século”, quer dizer, por uma onda de

pessimismo doentio diante do mundo, que se traduzia no apego a certos valores

decadentes, tais como a bebida, o vício, e na atração pela noite e pela morte. No caso de Álvares de Azevedo,

principal poeta do grupo, esses traços ainda são acrescidos de temas macabros e satânicos. Subjetivismo,

egocentrismo e sentimentalismo são algumas das características marcantes na segunda geração, cujo marco inicial

pode ser dado pela publicação das Poesias Completas de Álvares de Azevedo, em 1853. Em vez do índio, da natureza

e da pátria, ganham destaque a angústia, o sofrimento, a dor existencial, o amor que oscila entre a sensualidade e a

idealização, entre outros temas de grande carga subjetiva.

Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo, em 1831 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1852, antes de

completar 21 anos de idade. Cursou Letras no Imperial Colégio de D. Pedro II, no Rio de Janeiro e, em 1848,

matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Nos anos seguintes, redigiu os contos de Noite na Taverna, o

drama Macário e ensaios literários sobre Bocage, George Sand e Musset.

Sua obra, que abrange também os poemas da Lira dos Vinte Anos e a prosa do Livro de Fra Gondicário, foi reunida

e publicada em 1942. Álvares de Azevedo é um dos principais nomes da segunda geração do romantismo brasileiro.

Seus poemas, impregnados do sentimento de mal-do-século, também conhecido por “spleen” de românticos como

Byron e Musset, tratam principalmente da morte e do amor, este freqüentemente idealizado.

Lira dos vinte anos é a única obra de Álvares de Azevedo cuja edição foi preparada pelo poeta. Vários poemas

foram acrescentados depois da primeira edição (póstuma), à medida que iam sendo descobertos.

A obra de Álvares de Azevedo apresenta linguagem inconfundível, em cujo vocabulário são constantes as

palavras que expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua busca incessante pelo amor, a

procura pela vida boêmia, o vício, a morte, a palidez, a noite, a mulher... Em Lembranças de morrer, está o melhor

retrato dos sentimentos que envolvem sua vida: “Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens

esquecida/ À sombra de uma cruz e escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida.”

Poesias Completas

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Para entender a extensa obra de Álvares de Azevedo, seria importante selecionar alguns dos poemas mais

representativos e agrupá-los em alguns conjuntos de características. Assim, é possível encontrarmos quatro grandes

grupos de temas recorrentes na poesia do autor. Seriam eles:

1º) Poesias em que a morbidez é a temática central. Nestes poemas fica clara a opção do autor pelo

“spleen”, sensação de desespero e abandono em face da morte. Essa característica também foi chamada de

“mal-do-século”. É importante perceber o tom de evasão de Álvares, que o faz buscar a morte como refúgio

de uma vida infeliz.

2º) Um passo além dessa poesia, mas ainda muito próxima da temática acima, estariam os poemas

satânicos, em que as cenas “demoníacas” fazem a diferença e dão um tom mais “gótico”, como já foi

exposto em vários exames vestibulares.

3º) Há também uma poesia amorosa na qual o autor se debate em atitude contraditória: se por um lado a

mulher é colocada em um pedestal (ou castelo) e idealizada nos princípios da vassalagem amorosa; por

outro ela é vista de maneira mais acessível. Ou seja, no mesmo poema ela pode aparecer como a virgem

intocável e pura e a mulher fatal e devassa.

4º) Por último, mas não menos importante, estariam as poesias prosaicas, também chamadas de irônicas.

São poemas que fogem à idealização romântica do amor e da mulher amada. Neles, o autor chega ao cômico

por intermédio do grotesco e da vulgaridade.

Entre o amor e a morte

Na Lira dos Vinte Anos, primeira obra de Álvares de Azevedo e única que ele preparou minuciosamente para

publicação, emergem, nitidamente, dois poetas: um, muito suave, cantor de mulheres pálidas e inacessíveis; outro,

bastante agressivo e macabro, que louva a morte e enxerga a vida como algo tedioso e enfadonho. Dois poetas

contraditórios, portanto, que reforçam a idéia do tumulto de sua alma. Exemplo dessa dualidade é o poema

Lembrança de morrer”, onde, ao lado da morte desejada como libertação do tédio de viver aparece, também, a

visão da mulher idealizada e amada platonicamente:

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,

Que o espírito enlaça à dor vivente,

Não derramem por mim nem uma lágrima

Em pálpebra demente.

(...)

Eu deixo a vida como deixa o tédio

Do deserto, o poente caminheiro

– Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

(...)

Só levo uma saudade – é dessas sombras

Que eu sentia velar nas noites minhas...

De ti, ó minha mãe! pobre coitada

Que por minha tristeza te definhas!

(...)

Descansem o meu leito solitário

Na floresta dos homens esquecida,

à sombra de uma cruz, e escrevam nela:

– Foi poeta – sonhou – e amou na vida. –

Em outros poemas da Lira dos Vinte Anos pode-se notar, além da obsessão de Álvares pela morte e pela mulher

virgem, a predileção pelos momentos indefinidos do crepúsculo ou pelos encantos da noite escura, com que

identifica sua existência sem perspectivas, como se pode depreender destes versos do poema “Solidão”:

Túmulo de Álvares de Azevedo

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Minh’a!ma tenebrosa se entristece,

É muda como sala mortuária...

Deito-me só e triste, sem ter fome

Vejo na mesa a ceia solitária.

ó lua, ó lua bela dos amores,

Se tu és moça e tens um peito amigo,

Não me deixes assim dormir solteiro,

À meia-noite vem cear comigo!

Entretanto, a Lira dos Vinte Anos traz, também, alguns poemas em que Álvares de Azevedo deixa escapar uma

outra face de sua personalidade, voltada para a sátira e para brincadeira ou ironia, em muitos casos, tão caras ao

meio estudantil. É o exemplo que nos dão os versos de Namoro a cavalo:

Eu moro em Catumbi.

Mas a desgraça

Que rege minha vida malfadada,

Pôs lá no fim da rua do Catete

A minha Dulcinéia namorada.

Morro pela menina, junto dela

Nem ouso suspirar de acanhamento...

Se ela quisesse eu acabava a história

Como toda a Comédia – em casamento...

Ontem tinha chovido... Que desgraça!

Eu ia a trote inglês ardendo em chama,

Mas lá vai senão quando uma carroça

Minhas roupas tafuis encheu de lama...

Eu não desanimei. Se Dom Quixote

No Rocinante erguendo a larga espada

Nunca voltou de medo, eu, mais valente,

Fui mesmo sujo ver a namorada...

Inspirações Byronianas

A obra do autor revela, também, outras posturas: o satanismo, a ironia, o

acentuado sarcasmo. Emerge, aí, outro tipo de mulher, desta vez sensual e livre,

muito diferente da lânguida e pálida namorada.

O gosto pelo fantástico, aliás, é acentuado em Álvares de Azevedo. Exemplificam

bem esse ângulo as narrativas de Noite na Taverna, onde temas satânicos

pontificam: assassinatos, necrofilia, incestos, vinganças etc. Note, na íntegra do

conto “Solfieri”, o tom macabro e a atmosfera de suspense criada pelo narrador:

Solfieri

...Yet one kiss on your pale clay

And those lips once so warm — my heart! my heart!

Cain. Byron

“— Sabei-lo. Roma é a cidade do fanatismo e da perdição: na alcova do sacerdote dorme a gosto a amásia, no leito

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da vendida se pendura o Crucifixo lívido. É um requintar de gozo blasfemo que mescla o sacrilégio à convulsão do

amor, o beijo lascivo à embriaguez da crença!

— Era em Roma. Uma noite a lua ia bela como vai ela no verão pôr aquele céu morno, o fresco das águas se

exalava como um suspiro do leito do Tibre. A noite ia bela. Eu passeava a sós pela ponte de... As luzes se apagaram

uma por uma nos palácios, as ruas se fazias ermas, e a lua de sonolenta se escondia no leito de nuvens. Uma sombra

de mulher apareceu numa janela solitária e escura. Era uma forma branca. — A face daquela mulher era como a de

uma estátua pálida à lua. Pelas faces dela, como gotas de uma taça caída, rolavam fios de lágrimas.

Eu me encostei a aresta de um palácio. A visão desapareceu no escuro da janela... e daí um canto se derramava.

Não era só uma voz melodiosa: havia naquele cantar um como choro de frenesi, um como gemer de insânia: aquela

voz era sombria como a do vento a noite nos cemitérios cantando a nênia das flores murchas da morte.

Depois o canto calou-se. A mulher apareceu na porta. Parecia espreitar se havia alguém nas ruas. Não viu a

ninguém: saiu. Eu segui-a.

A noite ia cada vez mais alta: a lua sumira-se no céu, e a chuva caía as gotas pesadas: apenas eu sentia nas faces

caírem-me grossas lágrimas de água, como sobre um túmulo prantos de órfão.

Andamos longo tempo pelo labirinto das ruas: enfim ela parou: estávamos num campo.

Aqui, ali, além eram cruzes que se erguiam de entre o ervaçal. Ela ajoelhou-se. Parecia soluçar: em torno dela

passavam as aves da noite.

Não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu achei-me a sós no cemitério. Contudo a criatura pálida

não fora uma ilusão: as urzes, as cicutas do campo-santo estavam quebradas junto a uma cruz.

O frio da noite, aquele sono dormido à chuva, causaram-me uma febre. No meu delírio passava e repassava aquela

brancura de mulher, gemiam aqueles soluços e todo aquele devaneio se perdia num canto suavíssimo...

Um ano depois voltei a Roma. Nos beijos das mulheres nada me saciava: no sono da saciedade me vinha aquela

visão...

Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito dela a condessa Bárbara. Dei um último olhar àquela

forma nua e adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos, gemendo ainda nos sonhos como na

agonia voluptuosa do amor. Saí. Não sei se a noite era límpida ou negra; sei apenas que a cabeça me escaldava de

embriaguez. As taças tinham ficado vazias na mesa: nos lábios daquela criatura eu bebera até a última gota o vinho

do deleite...

Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de

um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da

mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal apertados...

Era uma defunta! ... e aqueles traços todos me lembraram uma idéia perdida. . — Era o anjo do cemitério? Cerrei as

portas da igreja, que, ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão.

Pesava como chumbo...

Sabeis a historia de Maria Stuart degolada e o algoz, "do cadáver sem cabeça e o homem sem coração" como a

conta Brantôme? — Foi uma idéia singular a que eu tive. Tomei-a no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios. Ela era

bela assim: rasguei-lhe o sudário, despi-lhe o véu e a capela como o noivo as despe a noiva. Era mesmo uma estátua:

tão branca era ela. A luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar que lustra os mármores antigos. O gozo foi

fervoroso — cevei em perdição aquela vigília. A madrugada passava já frouxa nas janelas. Àquele calor de meu peito,

à febre de meus lábios, à convulsão de meu amor, a donzela pálida parecia reanimar-se. Súbito abriu os olhos

empanados. Luz sombria alumiou-os como a de uma estrela entre névoa, apertou-me em seus braços, um suspiro

ondeou-lhe nos beiços azulados... Não era já a morte: era um desmaio. No aperto daquele abraço havia contudo

alguma coisa de horrível. O leito de lájea onde eu passara uma hora de embriaguez me resfriava. Pude a custo soltar-

me daquele aperto do peito dela... Nesse instante ela acordou…

Nunca ouvistes falar da catalepsia? É um pesadelo horrível aquele que gira ao acordado que emparedam num

sepulcro; sonho gelado em que sentem-se os membros tolhidos, e as faces banhadas de lágrimas alheias sem poder

revelar a vida!

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A moça revivia a pouco e pouco. Ao acordar desmaiara. Embucei-me na capa e tomei-a nos braços coberta com

seu sudário como uma criança. Ao aproximar-me da porta topei num corpo; abaixei-me, olhei: era algum coveiro do

cemitério da igreja que aí dormira de ébrio, esquecido de fechar a porta .

Saí. Ao passar a praça encontrei uma patrulha.

— Que levas aí?

A noite era muito alta: talvez me cressem um ladrão.

— É minha mulher que vai desmaiada...

— Uma mulher!... Mas essa roupa branca e longa? Serás acaso roubador de cadáveres?

Um guarda aproximou-se. Tocou-lhe a fronte: era fria.

— É uma defunta...

Cheguei meus lábios aos dela. Senti um bafejo morno. — Era a vida ainda.

— Vede, disse eu.

O guarda chegou-lhe os lábios: os beiços ásperos roçaram pelos da moça. Se eu sentisse o estalar de um beijo... o

punhal já estava nu em minhas mãos frias...

— Boa noite, moço: podes seguir, disse ele.

Caminhei. — Estava cansado. Custava a carregar o meu fardo; e eu sentia que a moça ia despertar. Temeroso de

que ouvissem-na gritar e acudissem, corri com mais esforço.

Quando eu passei a porta ela acordou. O primeiro som que lhe saiu da boca foi um grito de medo...

Mal eu fechara a porta, bateram nela. Era um bando de libertinos meus companheiros que voltavam da orgia.

Reclamaram que abrisse.

Fechei a moça no meu quarto, e abri.

Meia hora depois eu os deixava na sala bebendo ainda. A turvação da embriaguez fez que não notassem minha

ausência.

Quando entrei no quarto da moça vi-a erguida. Ria de um rir convulso como a insânia, e frio como a folha de uma

espada. Trespassava de dor o ouvi-la.

Dois dias e duas noites levou ela de febre assim... Não houve como sanar-lhe aquele delírio, nem o rir do frenesi.

Morreu depois de duas noites e dois dias de delírio.

A noite saí; fui ter com um estatuário que trabalhava perfeitamente em cera, e paguei-lhe uma estátua dessa

virgem.

Quando o escultor saiu, levantei os tijolos de mármore do meu quarto, e com as mãos cavei aí um túmulo. Tomei-a

então pela última vez nos braços, apertei-a a meu peito muda e fria, beijei-a e cobri-a adormecida do sono eterno

com o lençol de seu leito. Fechei-a no seu túmulo e estendi meu leito sobre ele.

Um ano — noite a noite — dormi sobre as lajes que a cobriam. Um dia o estatuário me trouxe a sua obra. Paguei-

lha e paguei o segredo...

— Não te lembras, Bertram, de uma forma branca de mulher que entreviste pelo véu do meu cortinado? Não te

lembras que eu te respondi que era uma virgem que dormia?

— E quem era essa mulher, Solfieri?

— Quem era? seu nome?

— Quem se importa com uma palavra quando sente que o vinho lhe queima assaz os lábios? quem pergunta o

nome da prostituta com quem dormia e que sentiu morrer a seus beijos, quando nem há dele mister por escrever-lho

na lousa?

Solfieri encheu uma taça e bebeu-a. Ia erguer-se da mesa quando um dos convivas tomou-o pelo braço.

— Solfieri, não é um conto isso tudo?

— Pelo inferno que não! por meu pai que era conde e bandido, por minha mãe que era a bela Messalina das ruas,

pela perdição que não! Desde que eu próprio calquei aquela mulher com meus pés na sua cova de terra, eu vô-lo juro

— guardei-lhe como amuleto a capela de defunta. Hei-la!

Abriu a camisa, e viram-lhe ao pescoço uma grinalda de flores mirradas.

—Vede-la murcha e seca como o crânio dela!”

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Satanismo

A obsessão pelo desconhecido, pelo elemento estranho e por coisas extraordinárias parece atingir seu ponto alto

na obra teatral Macário, nome também do personagem central da peça. A ação se passa primeiro numa estalagem e,

depois, na Itália, misturando-se os espaços, numa atmosfera que oscila entre o sonho e a realidade.

Enquanto dorme, Macário se vê diante de um desconhecido (Satã) – que o convida para uma peregrinação por

diversos lugares, montado na garupa de um burro negro. Enquanto peregrinam, conversam sobre todas as coisas:

amor, mulheres, o mal, o bem, a verdade... No segundo episódio, que se passa na Itália, encontram-se com outro

personagem – Penseroso –, e continuam o diálogo anterior. O fim da peça é a cena de uma orgia, misturada com

uma promessa de Satã a Macário: a posse do mundo.

Obras:

Poesia: Poesias Completas (onde se encontra o livro Lira dos Vinte Anos) e “Poema do Frade”

Prosa: O Livro de Fra Gondicário; Noite na Taverna.

Teatro: Macário

Fagundes Varela (“poeta da dor”)

Fagundes Varela nasceu no município de Rio Claro, Rio de Janeiro, em 1841 e morreu em Niterói, em 1875.

Aos dezoito anos, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo. Preferia, entretanto, a

vida boêmia aos estudos.

Em 1862, conheceu Alice, uma artista de circo com quem se casa e com quem,, no ano

seguinte, tem um filho de nome Emiliano. Varela faz, então, de Emiliano o seu motivo de vida

correta: deixa a boêmia, volta aos estudos e ameaça trabalhar.

Infelizmente, o filho morre aos seis meses de idade, inspirando-lhe o célebre poema

“Cântico do Calvário”:

“Eras na vida a pomba predileta

Que sobre um mar de angústias conduzia

O ramo da esperança. – Eras a estrela

Que entre as névoas do inverno cintilava

Apontando o caminho ao pegureiro.

Eras a messe de um dourado estio.

Eras o idílio de um amor sublime.

Eras a glória, – a inspiração, – a pátria,

O povir de teu pai! – Ah! no entanto,

Pomba, – varou-te a flecha do destino!

Astro, – engoliu-te o temporal do norte!

Teto, – caíste! – Crença, já não vives!”

Após a morte do filho, deixa-se levar pela decadência física, pelo alcoolismo e pela inadaptação social.

Varela destaca-se pela poesia de exaltação da natureza. É célebre o poema “A Flor do Maracujá”, cujo excerto

destacamos abaixo:

“Por tudo o que o céu revela!

Por tudo o que a terra dá

Eu te juro que minh’alma

De tua alma escrava está!...

Guarda contigo esse emblema

Da flor do maracujá!”

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Obra:

Poesia:

Cantos e Fantasias

Casimiro de Abreu (“Poeta da Saudade”)

Nascido na Vila do Capivari, em 1839, Casimiro de Abreu é considerado o mais singelo e

delicado dos poetas românticos brasileiros. Apesar do pai encaminhá-lo ao comércio

(inicialmente estuda no Rio de Janeiro e depois parte para a Europa), seu pendor se estabeleceu

entre o sentimentalismo da segunda geração. Retornando ao Brasil, vive uma juventude boêmia

e desregrada, ao mesmo tempo em que continua trabalhando no comércio. Em 1859 publica seu

único livro: As Primaveras, seu único livro. Falece em 1860, antes de completar 22 anos de idade.

Um poeta da Simplicidade

Os versos simples e musicais de Casimiro de Abreu apontam para situações típicas da vida provinciana que

permanecem até hoje. Podemos observá-la no poema “Meus oito anos”, de onde tiramos o excerto:

“Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,

Naquelas tardes fagueiras

à sombra das bananeiras,

Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias

Do despontar da existência!

- Respira a alma inocência

Como perfumes a flor;

O mar - é lago sereno,

O céu - um manto azulado,

O mundo - um sonho dourado,

A vida - um hino d'amor!

(...)

Oh! dias da minha infância!

Oh! meu céu de primavera!

Que doce a vida não era

Nessa risonha manhã!

Em vez das mágoas de agora,

Eu tinha nessas delícias

De minha mãe as carícias

E beijos de minhã irmã!”

Evasão e infância

A saudade da infância foi um tema comum aos poetas românticos, assim como o amor à natureza, a idealização da

pátria etc. Esses aspectos também aparecem nos poemas de Casimiro de Abreu. O ponto de vista é de um poeta

adolescente. Os temas estão associados a situações do cotidiano, vivenciadas por seus leitores: bailes juvenis,

pequenas brincadeiras de jovens, namoros inconseqüentes, registro de uma vida familiar rotineira.

Esse clima de inocência e singeleza, embora dominante, não é o único em Casimiro de Abreu. Há uma outra face,

menos freqüente, que o aproxima dos poetas do “mal do século” da geração ultra-romântica. Na concepção do amor

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no poeta é possível encontrarmos traços desta timidez amorosa que se opõe a qualquer tipo de amor “carnal”.

Observemos essa dualidade em “Amor e medo”:

Quando eu te fujo e me desvio cauto

Da luz de fogo que te cerca, ó bela,

Contigo dizes, suspirando amores:

– Meu Deus, que gelo, que frieza aquela!”

Como te enganas! meu amor ‚ chama,

Que se alimenta no voraz segredo,

E se te fujo ‚ que te adoro louco...

És bela – eu moço; tens amor, eu – medo!...

Obras:

Poesia:

As Primaveras

Outros poetas da segunda geração

Junqueira Freire (“Poeta Monge”)

Viveu somente 23 anos (entre 1832 e 1855), mas teve uma existência marcada pela dor. Aos 19 ingressa na ordem

dos Beneditinos e, em 1854, abandona a Ordem. No ano de 1855 publica o livro ‘Inspirações do Claustro’. Suas

poesias, ao mesmo tempo em que condenam a vida no claustro, sendo, portanto um modo do poeta cantar a

liberdade; expressam toda a sexualidade do adolescente.

Soneto

Arda de raiva contra mim a intriga,

Morra de dor a inveja insaciável;

Destile seu veneno detestável

A vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,

Contra mim só, o mundo miserável.

Alimente por mim ódio entranhável

O coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;

Sei desprezar um nome não preciso;

Sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso

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De uns lábios de mulher gentis, ufanos;

E o mais que os homens são, desprezo e piso.

Laurindo Rabelo (“Poeta Lagartixa”)

Nasceu em 1826 e faleceu em 1864. Mulato, teve a vida marcada por tragédias familiares. Foi seminarista e aluno

da Escola Militar, antes de optar por Medicina na Bahia, onde publicou seu único livro de poesias: Trovas (1853). Sua

poesia, além de apresentar temas relacionados ao ‘mal-do-século’, versa sobre temas do cotidiano, feitos de

improviso.

Último canto do cisne

Quando eu morrer, não chorem minha morte,

Entreguem meu corpo à sepultura;

Pobre, sem pompas, sejam-lhe a mortalha

Os andrajos que deu-me a desventura.

Não mintam ao sepulcro apresentando

Um rico funeral d'aspecto nobre:

Como agora a zombar me dizem vivo,

Digam-me também morto - aí vai um pobre!

De amigos hipócritas não quero

Públicas provas de afeição fingida;

Deixem-me morto só, como deixaram-me

Lutar contra a má sorte toda a vida.

Outros prantos não quero, que não sejam

Esse pranto de fel amargurado

De minha companheira de infortúnios,

Que me adora apesar de desgraçado.

O pranto, açucena de minh'alma,

Do coração sincero, d'alma sã,

De um anjo que também sente meus males,

De uma virgem que adoro como irmã.

Tenho um jovem amigo, também quero

Que junte em minha Essa os prantos seus

Aos de um pobre ancião que perfilhou-me

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Quando a filha entregou-me aos pés de Deus

Dos meus todos eu sei que terei preces,

Saudades, lágrimas também;

Que não tenho a lembrança de ofendê-los

E sei quanta amizade eles me têm.

E tranquilo, meu Deus, a vós me entrego,

Pecador de mil culpas carregado:

Mas os prantos dos meus perdão vos pedem,

E o muito que também tenho chorado.

Referências Bibliográficas

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