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POLÍTICA NACIONAL BRASILEIRA: DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Sueli Aparecida Novello1
Edinéia Fátima Navarro Chilante2
RESUMO
Este artigo tem como objeto de estudo a Política Nacional Brasileira de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e apresenta os resultados do trabalho desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, do Governo do Estado do Paraná. O objetivo é retomar as discussões já iniciadas sobre a formação integrada durante a implementação pedagógica, ocorrida no Colégio Estadual de Paranavaí, com a equipe pedagógica e professores que atuam na Educação Profissional, como também, o grupo de professores que participaram do Grupo de Trabalho em Rede – GTR. Analisamos a formação integrada por meio dos fundamentos da construção da Política do Ensino Médio Integrado, que desconsidera o Ensino Médio como lócus privilegiado da construção pautada no trabalho. Para tanto, o texto apresenta um breve histórico da Legislação Educacional Brasileira, analisa o processo de elaboração da nossa LDB, cotejando-a aos postulados do projeto de lei original, encaminhado à Câmara dos Deputados, conhecido como Substitutivo Jorge Hage, e, por fim, discorre acerca das dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar para a efetivação de uma prática de integração entre o Ensino Médio e a Educação Profissional.
Palavras-chave: LDB nº. 9.394/96; Ensino Médio; Educação Profissional.
1 Professora PDE-2010, da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná, graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá – UEM, Especialista em Psicopedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari – FAFIMAN.2 Professora-orientadora Edinéia Fátima Navarro Chilante, docente da Universidade Estadual do
Paraná – UNESPAR – Campus de Paranavaí, graduada em História pela Universidade Estadual de Maringá – UEM, Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá – UEM e doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
1 INTRODUÇÃO
O presente texto apresenta a sistematização das ações desenvolvidas no
âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e seu desdobramento
da Intervenção Pedagógica, intitulada Política Nacional Brasileira: Desafios na
Construção do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional. A atividade de
implementação pedagógica foi realizada no Colégio Estadual de Paranavaí – Ensino
Fundamental, Médio, Normal e Profissional.
O objetivo do nosso estudo no PDE foi analisar a proposta de integração do
Ensino Médio à Educação Profissional no contexto das políticas públicas da
Educação no Brasil no início do século XXI. Também foi essa a temática trabalhada
com um grupo composto por 14 profissionais, entre eles, pedagogas e professores
que atuam nos cursos: Técnico em Informática (integrado e subsequente), Técnico
em Administração (integrado e subsequente) e Formação de Docentes (integrado e
aproveitamento de estudos). Todos os participantes da implementação pedagógica
são docentes que atuam nas “disciplinas específicas”3 dos referidos cursos.
Ofertamos também, aos profissionais da educação do Estado do Paraná, o
curso a distância GTR, com a participação efetiva de sete participantes. Durante o
curso, apresentamos os trabalhos e os resultados dos estudos realizados no
programa PDE, tanto os que envolviam a etapa de elaboração do projeto quanto os
resultados da implementação na escola. Os frutos das discussões coletivas levaram
a algumas conclusões que foram fundamentais para a realização de novas
pesquisas, que seguem sintetizadas neste texto. Vale lembrar que as oportunidades
de leitura, discussão e reflexão simbolizam apenas o começo de uma
conscientização dos profissionais envolvidos nessa modalidade de ensino.
Destacamos que um dos primeiros questionamentos por nós levantados e
que motivou a realização deste trabalho foi como buscar o envolvimento de todos os
3 Literatura Infantil, Prática de Formação, Metodologia do Ensino da Arte, Gestão de Pessoas, Administração Financeira e Orçamentária, Organização dos Sistemas e Métodos, Contabilidade, Teoria Geral da Administração, Linguagem de Programação, Fundamentos e Arquitetura de Computadores, Informática Instrumental, Internet e Programação Web, Análise e Projetos, Banco de Dados, Redes e Sistemas Operacionais, Suporte Técnico, Fundamentos do Trabalho, Informática, Linguagem de Programação, Administração de Produção e Materiais, Comportamento Organizacional, Contabilidade, Elaboração e Análise de Projetos, Introdução à Economia, Noções de Direito e Legislação Social e do Trabalho, Marketing, Organização, Sistemas e Métodos, Teoria Geral da Administração.
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professores que atuam, principalmente, no Ensino Médio Integrado. Nesse sentido,
vale lembrar, conforme Ramos (2005), que as possibilidades concretas dessa
integração só se configurarão se nós, professores, nos dispusermos a construí-las,
mediante análises e críticas no âmbito escolar.
Outro desafio a enfrentar foi buscarmos, por meio de mais estudos, entender
o significado da formação integrada, pois, para a maioria dos professores que
participaram da implementação pedagógica e do grupo do GTR, basta um trabalho
de articulação entre as disciplinas. Ou seja, a integração se daria a partir de um
trabalho de interdisciplinaridade, buscando-se, dessa forma, a formação de
profissionais para o mercado de trabalho.
Acreditamos que tal entendimento advém do dualismo estrutural que
historicamente marca a educação no Brasil. Dualismo este, fruto de uma sociedade
dividida em classes, reforçado pela própria legislação vigente, como, por exemplo, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – nº 9.394/96) e as Diretrizes
Curriculares para a Educação Profissional, quando separam, em processos
formativos distintos, a educação básica e a formação para o trabalho.
Salientamos que as discussões e reflexões advindas do estudo do material
didático por nós elaborado e dos textos e vídeos selecionados permitiram-nos
compreender melhor essa formação integrada, como a da pessoa humana, ou seja,
uma educação de qualidade, em que o trabalho seja entendido como princípio
educativo.
Outro ponto relevante, destacado pelos professores, foi a necessidade de
conhecermos e analisarmos melhor os documentos oficiais que adentram as
escolas. Tais documentos conformam nosso todo trabalho e, na maioria das vezes,
não há questionamentos, apenas exercemos o papel de executores nesse processo.
Vale salientar que as atividades propostas para a Implementação Pedagógica
na escola levaram os professores a refletir sobre a política macro que interfere
diretamente no contexto escolar sem que nos demos conta do quanto somos
determinados.
Nesse sentido, afirmamos que só conseguiremos defender essa modalidade
de ensino se a compreendermos a partir da análise das conjunturas econômica,
política e social que a determinam.
Poderemos quebrar paradigmas se nos fundamentarmos para lutarmos, por
meio de cobranças por políticas efetivas e consistentes, para que haja investimentos
3
públicos, naquilo que é público, formação continuada dos professores, em
detrimento da nossa própria formação precária. Que haja, ainda, o envolvimento por
parte de todas as esferas, com o intuito de políticas públicas de formação
profissional, sem negar a base estrutural de uma sociedade capitalista, desigual e
excludente.
Precisamos ter clareza de que a escola, a educação não pode tomar para si
aquilo que cabe à sociedade resolver. Nesse sentido acrescentamos a fala de um
professor durante um encontro:
Considero essas discussões e reflexões, subsidiadas por esse referencial teórico, fundamentais e relevantes para a compreensão da nossa prática pedagógica. Muito temos a fazer, porém, ao mesmo tempo, nos mostra que não somos incompetentes no desenvolvimento do nosso trabalho, pois não temos que resolver os problemas sociais e econômicos emergentes da própria sociedade capitalista, como muitas vezes nos é colocado e cobrado.
Diante de tais desafios, elecandos durante a implementação do projeto,
buscaremos entendê-los nos fundamentos da construção da Política do Ensino
Médio Integrado, que desconsidera o Ensino Médio como lócus privilegiado da
construção pautada no trabalho. Para tanto, o texto apresenta um breve histórico da
Legislação Educacional Brasileira, analisa o processo de elaboração da nossa LDB,
cotejando-a aos postulados do projeto de lei original, encaminhado à Câmara dos
Deputados e conhecido como Substitutivo Jorge Hage, e, por fim, discorre acerca
das dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar para a efetivação de uma prática
de integração entre o Ensino Médio e a Educação Profissional.
2 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO DA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA
A Educação Profissional no Brasil tem sua origem marcada pelo
assistencialismo ao atender aos excluídos, abandonados, expropriados de bens e
conhecimentos, os considerados à margem da sociedade.
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No início do século XX, o ensino profissional continuou mantendo
basicamente o mesmo traço assistencialista, porém, em meio a essa preocupação,
foi sendo agregada outra, que era a de preparação de operários para o exercício
profissional. Uma mudança importante ocorreu em 1906, quando a educação
profissional passou a ser atribuição do Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio, consolidando-se, assim, uma política de incentivo à preparação para os
ofícios integrantes desses três ramos da economia (MOURA, 2010).
Essa preocupação de preparar operários se deu no início do século XX,
porque o Brasil passava por modificações em sua estrutura social e econômica.
Observamos, nesse contexto, um processo de decadência do modelo agrário-
exportador em decorrência de um novo processo, gerado pelo avanço crescente da
industrialização e urbanização.
Assim, é importante salientar que a Educação Profissional se estruturou de
forma dual, isto é, para os filhos da elite, o ensino das ciências e humanidades dava-
lhes suporte às atividades intelectuais, levando-os ao ensino superior. Para os filhos
dos trabalhadores, havia os cursos profissionalizantes, pois estes não iriam seguir
carreiras universitárias.
É importante destacar que, pelas mudanças ocorridas no setor econômico,
derivadas do aumento crescente da industrialização, buscava-se uma nova
organização escolar que atendesse a esse novo momento produtivo.
Assim, na década de 1930, foi criado o primeiro Ministério no âmbito da
educação, denominado Ministério da Educação e Saúde Pública. Em 1931, foi
criado o Conselho Nacional de Educação e efetivada uma reforma educacional
(MOURA, 2010), que ficou conhecida como Reforma Francisco Campos. A partir de
1942, a educação passou por uma reforma, denominada Reforma Capanema, ou
conhecida como Leis Orgânicas do Ensino, que “flexibilizaram e ampliaram as
Reformas Campos” (SILVEIRA, 2007, p. 110). Dessa forma, a Educação Profissional
passou por modificações que Kuenzer (2005) denomina de ajuste entre as propostas
pedagógicas existentes para a formação de intelectuais e trabalhadores em
detrimento das mudanças que estavam ocorrendo no mundo do trabalho.
Houve nesse período, também, a criação do SENAI (Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial), SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e
5
dos demais S4, que deu ao sistema privado o direito de formação de mão de obra
qualificada para atender às demandas impostas pelo crescente desenvolvimento
industrial. Portanto, ocorria nesse momento, por opção governamental, a
transferência da responsabilidade da formação básica dos trabalhadores aos
empresários. Segundo Moura (2010, p. 65), “a partir dessa lógica, o ensino secundário
e o normal formariam as elites condutoras do país e o ensino profissional formaria
adequadamente os filhos de operários para as artes e os ofícios”.
Com a promulgação da 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDB, Lei nº. 4.024 de 1961, determinou-se que tanto o setor público quanto o
privado tinham o direito de ministrar o ensino no Brasil em todos os níveis, também
se previu a plena equivalência entre todos os cursos do mesmo nível. Dessa forma,
pela primeira vez, a educação profissional foi integrada ao sistema regular de
ensino, estabelecendo a equivalência e a flexibilidade entre os cursos, porém, sem a
superação da dualidade estrutural.
Em 1970, em meio a um período turbulento de crise econômica, implantou-se
uma profunda reforma da educação básica, promovida pela Lei nº. 5.692/71, a qual
se constituiu em uma tentativa de estruturar a educação de nível médio, como
profissionalizante, para todos (BRASIL, 2007). Porém, a educação profissional
compulsória se ateve ao âmbito público, pois as escolas privadas continuaram
atendendo às elites por meio dos seus currículos propedêuticos. Assim, essa lei
sofreu modificações, até chegar a 1982, com a Lei nº. 7.044, quando se tornou
facultativa a obrigatoriedade do Ensino Profissional.
Podemos afirmar que a década de 1980 foi um período de grandes
discussões e reflexões no campo da Educação. Cinco Conferências Brasileiras de
Educação (CBE) foram organizadas pela Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação – ANPED, o Centro de Estudos Educação e Sociedade –
CEDES –, e a Associação Nacional de Educação – ANDES. A primeira CBE foi
realizada em 1980 com o tema “política educacional”; a segunda, em 1982:
“educação: perspectiva na democratização da sociedade”; em 1984: “da crítica às
propostas de ação”; em 1986: “A educação e a Constituinte” e em 1988: “A Lei de
4Para Grabowski (2005 apud BRASIL, 2007, p. 12), integram o Sistema “S”: SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, SESI – Serviço Social da Indústria, SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, SESC – Serviço Social do Comércio, SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem dos Transportes, SEST – Serviço Social dos Transportes, SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo e SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
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Diretrizes e Bases na Educação Nacional” (SILVA; NEGRÃO, 2010). Essas
Conferências Brasileiras de Educação tiveram como foco discutir a democratização e
a superação do tecnicismo, impostas pela reforma e política educacional no governo
militar, como também uma educação voltada aos anseios da classe trabalhadora.
Portanto, a sociedade civil organizada lutava por uma educação democrática
e de qualidade para a classe trabalhadora, calcada nos princípios de uma escola
unitária, ou seja, uma escola que pudesse articular cultura geral e cultura técnica.
Em 1988, mediante um contexto social marcado por lutas, greves, reivindicações
e conquistas, ocorreu a promulgação da Nova Constituição Federal Brasileira, que
trouxe aos cidadãos brasileiros a garantia de seus direitos, além de institucionalizar
as bases que permitiriam as mudanças almejadas na área da educação (SILVEIRA,
2007).
3 O LONGO CAMINHO PERCORRIDO PELA NOVA LDB: DEBATES E EMBATES
No ano de 1988, iniciaram-se, também, as discussões acerca da Nova Lei
de Diretrizes Bases da Educação Nacional, cujo projeto original foi constituído pelo
texto integral do Prof. Demerval Saviani, elaborado para apresentação do tema da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação na Revista da Associação Nacional de
Educação (ANDE) no final de 1987 quando os educadores ainda estavam
mobilizados pela aprovação do texto constitucional sobre a educação. O texto do
Prof. Saviani, com modificações ao ser transformado em Projeto de Lei, foi
encaminhado à Câmara Federal, pelo Deputado Octavio Elísio. Trazia, em seu bojo,
discussões, reflexões que vinham ocorrendo nos Seminários, Conferências e
Simpósios da época.
Assim se constitui o texto original que foi encaminhado à Câmara pelo
Deputado Octávio Elísio e que recebeu o número 1.258-A/88, fixando as diretrizes e
bases da educação nacional:
Título I – Dos fins da educação;Título II – Do direito à educação;Título III – Do dever e da liberdade de educar;Título IV – Do sistema nacional de educação;Título V – Da administração da educação e dos conselhos de educação;Título VI – Da educação fundamental:
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Capítulo I – Da educação anterior ao primeiro grau; Capítulo II – Da educação escolar de primeiro grau; Capítulo III – Da educação escolar de segundo grau.
Título VII – Da educação de terceiro grau;Título VII – Dos professores e especialistas;Título IX – Dos recursos para a educação;Título X – Disposições gerais e transitórias.
Segundo Saviani (2004), esse projeto trazia um novo conceito de educação
fundamental, pois abrangia desde as recentes creches até as universidades.
Destaca também o autor que a própria organização da escola de primeiro grau
centrava-se no trabalho, embora de forma implícita e indireta. Para o Ensino de 2º
grau, estava previsto:
Capítulo III – da Educação Escolar de 2º grau:Artigo 35: a Educação escolar de 2º grau será ministrada apenas na língua nacional e tem por objetivo geral propiciar aos adolescentes a formação politécnica necessária à compreensão teórica e prática dos fundamentos científicos das múltiplas técnicas utilizadas no processo produtivo.
Esse artigo centra-se em uma concepção de Ensino Médio voltada para a
busca da relação entre o conhecimento teórico e a prática produtiva, pois destaca-se
nele a preocupação de proporcionar ao adolescente e ao jovem trabalhador uma
formação politécnica. Também podemos perceber a preocupação do projeto de Lei
com a questão curricular: as disciplinas teriam estreita relação com o mundo do
trabalho sem que isso significasse a formação aligeirada para determinada função. A
seguir, destacamos o capítulo 37 que trata dessa questão:
Capítulo III – da Educação Escolar de 2º grau:Artigo 37: os currículos das escolas de 2º grau abrangerão obrigatoriamente, além da língua nacional, o estudo teórico-prático das ciências e da matemática, em íntima vinculação com o trabalho produtivo. Parágrafo único: As escolas de 2º grau disporão de oficinas práticas organizadas preferencialmente como unidades socialmente produtivas.
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Esse artigo reforça anterior, pois também previa o papel a ser realizado pelo
ensino de 2º grau, vinculando os conhecimentos teóricos ao mundo prático do
processo produtivo, e este realizado por meio de “oficinas práticas”. Isso significa
que, para a materialização dessa lei, seria necessária uma ampla modificação nos
espaços físicos das escolas de forma a acomodar as atividades que se
desenvolveriam no ambiente e que Saviani (2004, p. 39) denomina de “oficinas
práticas”.
No segundo grau a relação entre educação e trabalho, entre o conhecimento e a atividade prática deverá ser tratada de maneira explícita e direta. O saber tem uma autonomia relativa em relação ao processo de trabalho do qual se origina. O papel fundamental da escola de segundo grau será, então, o de recuperar essa relação entre o conhecimento e a prática do trabalho (SAVIANI, 2004, p. 39).
Entendia-se que caberia ao ensino de segundo grau a preparação do jovem
trabalhador, uma vez que se integram, nessa modalidade de ensino, os
conhecimentos científicos e práticos para o exercício do trabalho. Portanto, toda a
preparação profissional seria oferecida em conjunto com os conhecimentos teóricos.
Assim, seria papel a ser desenvolvido nessa modalidade de ensino:
No ensino médio já não basta dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento que resultam e ao mesmo tempo contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência, potência espiritual, se converte em potência no processo de produção. Tal explicitação deve envolver o domínio não apenas teórico, mas também prático sobre o modo como o saber se articula com o processo produtivo (SAVIANI, 2004, p. 39).
Vale salientar que não seria o trabalho de apenas reproduzir na escola o
processo produtivo, “mas o de propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das
técnicas diversificadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas
produtivas” (SAVIANI, 2004, p. 39).
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Dessa forma, o ensino médio não teria o objetivo de formar técnicos
especializados, mas sim, politécnicos. Segundo Saviani (2004, p. 39), politécnica
nesse contexto significa:
Especialização como domínio dos fundamentos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nesta perspectiva a educação de segundo grau tratará de se concentrar nas modalidades fundamentais que dão base à multiplicidade de processos e técnicas de produção existentes.
Nessa concepção de ensino médio, Saviani (2004, p. 40) complementa,
afirmando:
Não se trata de entender a profissionalização como um adestramento em uma determinada habilidade sem o conhecimento dos fundamentos dessa habilidade e, menos ainda, da articulação dessa habilidade com o conjunto do processo produtivo. A concepção acima formulada implica a progressiva generalização do ensino médio como formação necessária para todos, independentemente do tipo de ocupação que cada um venha a exercer na sociedade (SAVIANI, 2004, p. 40).
Dentro dessa perspectiva, esse projeto inicial da LDB preocupou-se em
propor um ensino médio que retomasse a relação entre o conhecimento e a prática
do trabalho, entendido como princípio educativo. Para Frigotto (2005, p. 60),
O trabalho como princípio educativo deriva do fato de que todos os seres humanos são seres da natureza e, portanto, têm a necessidade de alimentar-se, proteger-se das intempéries e criar seus meios de vida. É fundamental socializar, desde a infância, o princípio de que a tarefa de prover a subsistência, e outras esferas da vida pelo trabalho, é comum a todos os seres humanos, evitando-se, desta forma, criar indivíduos ou grupos que exploram e vivem do trabalho dos outros. Estes, na expressão de Gramsci, podem ser considerados mamíferos de luxo – seres de outra espécie que acham natural explorar outros seres humanos.
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O trabalho é fundamental ao ser humano e é por meio dele que o homem se
humaniza, adquire consciência e modifica sua vida. Portanto, é “um processo que
permeia todo o ser do homem e constitui sua especificidade. Por isso o mesmo não se
reduz a atividade laborativa ou emprego, mas à produção de todas as dimensões da
vida humana” (KOSIK, 1986 apud FRIGOTTO, 2005, p. 58). Dessa forma, Saviani
(2003, p. 141) ressalta:
Se o ensino médio se constitui sobre esta base e se esses princípios são absorvidos, assimilados, e se o educando que passa por essa formação adquire a compreensão não apenas teórica, mas também prática do modo como a ciência é produzida, e de como se incorpora à produção dos bens, ele compreende como a sociedade está constituída, qual a natureza do trabalho nessa sociedade e, portanto, qual o sentido das diferentes especialidades em que se divide o trabalho moderno. Desta forma, ele estará habilitado a desenvolver qualquer uma dessas atividades específicas por ter assimilado os seus fundamentos.
Porém, no mês de dezembro desse mesmo ano, esse projeto, com essa
concepção de Ensino Médio, passou por algumas emendas e teve como relator o
Deputado Jorge Hage. A partir dessas emendas, surgiram muitas mudanças no
texto original, como, por exemplo, no que se refere à abrangência dos níveis de
ensino. O ensino médio passou a ser entendido como etapa final da educação
básica, como esclarece o artigo 51 desse projeto.
Artigo 51: o ensino médio, etapa final da educação básica, tem os seguintes objetivos específicos:I – o aprofundamento e a consolidação dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental;II – a preparação básica do educando para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar, com flexibilidade, a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posterior;III – o desenvolvimento da capacidade de pensamento autônomo e criativo;IV – a compreensão dos fundamentos cientifico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionados a teoria com a prática no ensino de cada disciplina científica.
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Segundo Saviani (2004, p. 60-61), “embora no texto do projeto ainda persista
certo grau de dualidade entre ensino geral e profissionalizante, deve se reconhecer
que já houve algum progresso no sentido de se localizar o eixo desse grau escolar
na educação politécnica ou tecnológica”. Essa afirmação se mostra bem clara no
artigo 53 desse projeto.
Artigo 53: assegurada aos alunos a integralidade da educação básica, que associa à educação mais geral, nesta etapa, as bases de uma educação tecnológica e politécnica, conforme disposto no artigo 51, o ensino médio poderá, mediante ampliação da sua duração e carga horária global, incluir objetivos adicionais de educação profissional.
É importante destacar que, segundo o artigo, poderiam ser inclusos objetivos
adicionais de educação profissional ao ensino médio, se este viesse a ter um
aumento na duração do curso, como também, da sua carga horária.
Para regulamentar a ideia desenvolvida acima, o artigo 56, da proposta de
LDB, esclarece a possibilidade ao acesso a uma formação técnico-profissional,
como podemos observar a seguir:
Artigo 56: o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental e médio, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, além da garantia da educação básica comum, e das ofertas da educação profissional no ensino médio regular, deverá contar com a possibilidade de acesso a uma formação técnico-profissional específica, que não substitua a educação regular e contribua para o seu desenvolvimento como cidadão produtivo, proporcionando-lhe meios para prover sua existência material.
Mesmo com as mudanças apresentadas em relação ao projeto original
encaminhado pelo Deputado Octávio Elísio, verificamos, pelos artigos acima, a
preocupação em se manter a articulação entre os conhecimentos teórico-científicos
e o processo produtivo, ou seja, ainda se mostra presente nesse substitutivo a crítica
à dualidade entre a formação para o trabalho e a formação básica típica da escola
capitalista (SOUZA, 2005).
No entanto, no ano de 1992, foi apresentado ao Senado Federal, pelo então
Senador Darcy Ribeiro, outro projeto de LDB. Este, por sua vez, foi elaborado em
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articulação com o governo Collor e previa, para o ensino médio, o aprofundamento
de conhecimentos que foram adquiridos no decorrer do ensino fundamental,
formação humana do educando e preparação para o trabalho, porém desvinculada
da Educação Profissional, uma vez que esta seria tratada em outro capítulo. O artigo
35 desse novo projeto nos mostra:
Capítulo VArtigo 35: o ensino médio tem como objetivos:I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental;II – o aprimoramento do educando como pessoa humana;III – a preparação básica para o trabalho.
Acrescenta-se aqui a formação técnico-profissional, com o objetivo de atender
às necessidades do mercado, podendo ainda ser oferecida fora dos sistemas de
ensino, conforme fica claro no artigo 40 desse projeto:
Capítulo VIIArtigo 40: o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental ou médio, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, conta com a possibilidade de acesso à formação técnico-profissional específica.§1º – A formação técnico-profissional é planejada e desenvolvida para atender às necessidades do mercado de trabalho, tendo em vista os interesses da produção e as necessidades dos trabalhadores e da população;§2º – A formação técnico-profissional, oferecida fora dos sistemas de ensino, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho, não tem vinculação obrigatória com o ensino regular e supletivo;§3º – O poder público estabelece processos de coordenação e articulação entre as oportunidades educacionais e as de formação técnico-profissional, incluindo a orientação para o trabalho no ensino médio.
O projeto apresentado pelo Deputado Darcy Ribeiro não mostrava intenção
de articulação entre conhecimentos teóricos e a prática produtiva, pelo contrário,
buscava uma educação voltada exclusivamente para a laboralidade. Porém, sem
avanços na sua deliberação no Senado, o projeto voltou à Comissão da Educação,
onde não mais voltou a ser apreciado.
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No ano de 1993, foi aprovado, na Câmara dos Deputados, o substitutivo
Jorge Hage e, em seguida, encaminhado ao Senado, cujo relator passou a ser o
Deputado Cid Sabóia.
No ano de 1994, o parecer de Cid Sabóia foi aprovado na Comissão de
Educação do Senado e encaminhado ao plenário do Senado. Vale salientar que,
nesse momento, o Brasil era dirigido pelo então Presidente Fernando Henrique
Cardoso o qual tinha aliados no Congresso Nacional.
Segundo Saviani (2004, p. 156), a impressão era de que esse projeto seria
aprovado, significando, assim, um avanço à Educação Brasileira. Mas não foi isso
que ocorreu: “em verdade essa aparência de tranqüilidade escondia um ‘iceberg’
que iria provocar uma reviravolta total no rumo do projeto de LDB”.
No ano de 1995, Darcy Ribeiro apresentou um novo projeto de LDB,
totalmente alterado do projeto original, resultante de acordos firmados com o MEC e
com o próprio Presidente da República. Esse projeto ia de encontro às linhas da
Política Educacional do Governo Federal. Assim, por meio de uma “manobra
regimental”, retirou-se o substitutivo Cid Sabóia, alegando-se inconstitucionalidade
no mesmo, e foi aprovada, em tempo recorde a nova Lei Nacional de Educação.
4 A NOVA LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Após longo período de discussões, debates, conflitos de poder e interesses, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – nº. 9394/96, foi aprovada.
Para Brzezinski (2010), toda a luta ocorrida durante a tramitação da LDB se
deu em função da disputa ideológica entre o poder público e o privado. De um lado,
se defendia uma escola pública de qualidade, em todos os níveis de escolarização,
e, de outro, um ensino, conformando-o a partir da lógica do privado, representado
pelos empresários, que, juntamente com a sociedade política, se empenhavam em
transformar em mercadoria a educação.
É importante ressaltar que, nesse período, o Brasil se encontrava em
processo de globalização, regulamentado a partir de políticas neoliberais e que
seguia as exigências do mercado internacional. Portanto, esse Projeto de Lei era
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compatível com a política dominante do momento, que era a do “Estado
Mínimo”5,que consistia em uma reforma que garantisse uma política mínima de
intervenção do Estado na vida dos cidadãos brasileiros.
Nesse sentido, o grande objetivo era uma retomada da formação geral em
detrimento de uma formação técnica aligeirada para suprir as demandas do mercado
e, é claro, com isso, garantir menos gastos para o Estado, ou seja, pretendia-se
obter o máximo de resultados com o mínimo de despesas.
A Nova lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional significou perdas em
relação aos avanços já conquistados pelo movimento social no que se refere à
relação entre educação básica e formação profissional (SOUZA, 2005).
A Lei nº. 9394/96, em sua redação final, prevê a organização do sistema de
educação em dois níveis: educação básica – formada pela educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio e o ensino superior –, e outras modalidades: educação
de jovens e de adultos, educação profissional, educação especial, educação
indígena e educação a distância.
No entendimento de Saviani (2004), esse conceito abrangente de Educação
Básica, que implicava não apenas uma reordenação do ensino fundamental, mas o
esforço da universalização do ensino médio, na esperança de uma escola integrada,
com o objetivo de formação de homens plenamente desenvolvidos, que poderiam,
assim, adquirir o comando da sociedade ou dominar quem a conduz, e que fora
anteriormente por ele formulado no projeto inicial, resistiu, tornando-se realidade na
atual Lei. Esse conceito significou uma importante conquista, uma vez que
objetivava caminhar em direção a um amplo e verdadeiro sistema nacional de
educação, garantindo, a toda a população, plena escolaridade. Porém, salienta o
autor que esse entendimento sobre o conceito de educação básica não parece ter
sido levado em conta no texto final da LDB, uma vez que a compreensão geral desta
lei conflita, em certos aspectos, com esse conceito. Um exemplo dessa afirmação
está no fato de que, quando a LDB passa a ser interpretada, esse conceito de
educação básica se restringe apenas às séries do ensino fundamental, que vai dos
sete aos 14 anos.
5 Redução do Estado, fortalecendo a concepção de Estado Mínimo, segundo a qual ele deixa de “promover políticas sociais básicas, transferindo à responsabilidade para a própria sociedade, dada a suposta incapacidade deste Estado de responder a todas as demandas sociais” (CRUZ, 2003 apud GIRON, 2008, p. 19).
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Para Saviani (2004), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB
(Lei nº. 9.394/96), é “minimalista”, bastante ambígua e deixa muita coisa em aberto,
como nos mostra o artigo 35, quando se refere ao Ensino Médio:
Artigo 35: o ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Esse artigo evidencia que os objetivos da educação básica serão a
preparação para o trabalho, como também, a cidadania do educando para este
continuar aprendendo e ser capaz de se adaptar às novas condições de ocupação
ou aperfeiçoamento posteriores. Porém, toda essa proposta de preparação para o
trabalho poderá ser realizada em articulação com o ensino regular ou não. Ou seja,
poderá ser feita em um sistema paralelo e independente, levando a uma
desarticulação total entre teoria e prática. Sobre esse artigo, Saviani (2004, p. 213)
faz a seguinte análise:
O ensino médio teve, no texto da lei, um tratamento que, fundamentalmente, não discrepa daquele que recebera nas versões anteriores. Comparado ao Substitutivo Jorge Hage, o texto da lei tem a vantagem de ser mais conciso, mas tem a desvantagem de ter diluído o pequeno avanço representado pelo esforço em explicitar a exigência de uma maior articulação entre os estudos teóricos e os processos práticos; entre os fundamentos científicos e as formas de produção que caracterizam o trabalho na sociedade atual, deixando algum espaço para se encaminhar a organização desse grau de ensino com base na perspectiva da politecnia.
Assim, podemos afirmar que essa ideia de politecnia, contida no projeto
inicial, não foi retomada no texto da lei aprovada. De acordo com essa legislação, o
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ensino médio não garante à grande maioria dos jovens o prosseguimento de
estudos, isto é, o ingresso ao ensino superior, como também não responde às
necessidades do preparo dos mesmos para sua inserção ao mundo do trabalho.
Outro ponto a ser destacado na LDB é em relação à Educação Profissional,
pois esta não aparece em nenhum dos dois níveis de ensino, mas passa a ser
tratada em um capítulo a parte, o que caracteriza explicitamente a dualidade
estrutural existente em nossa sociedade. No entendimento de Kuenzer e Garcia
(2008, p. 37):
A atual LDB 9.394/96 colocou a educação profissional numa situação de limbo, pois não é tratada como educação básica nem superior. Há setores que têm entendimento que ela perpassa os dois níveis, pois os cursos técnicos fazem parte da formação de nível médio e os tecnológicos de nível superior, mesmo com esse entendimento a situação permanece a mesma, a LDB deixa um vácuo, nesta modalidade de ensino.
A partir da Lei nº. 9.394/96, a Educação Profissional passou a ser concebida
como “integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à
tecnologia, de modo a conduzir ao permanente desenvolvimento para a vida
produtiva”, como prevê o artigo 39.
LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL – LEI nº. 9.394/96Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional.Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.Parágrafo único. Os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando registrados, terão validade nacional.Art. 42. As escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade.
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Entendia-se, também, que todo aluno matriculado ou egresso do ensino
fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, teria a
possibilidade de acesso à Educação Profissional, com o reconhecimento e a
certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.
É importante salientar que a LDB prevê, em seu artigo 39, a educação
profissional integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à
tecnologia. Porém, no artigo 40, prevê que a educação profissional será
desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de
educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.
Portanto, configura-se uma separação entre formação básica e profissional.
Saviani (2004, p. 216) salienta que o capítulo que trata da Educação
Profissional “parece mais uma carta de intenções do que um documento legal, já
que não define instâncias, competências e responsabilidades”. O autor questiona se
a responsabilidade por essa modalidade será da União, dos Estados, dos Municípios
ou da iniciativa privada.
Para Saviani (2004), convém ainda salientar que essa indefinição pode ter
ocorrido em detrimento ao Projeto de Lei de nº. 1.603/96 que tramitava no
Congresso Nacional e que normatizaria a educação profissional. Projeto esse de
iniciativa do Governo Federal.
O projeto referido é mais um exemplo do caráter tópico e localizado das iniciativas do MEC. De outro modo como seria possível que um projeto como esse tramitasse concomitantemente, mas de forma independente e paralela ao projeto da LDB? Além disso, esse projeto traz como conseqüência o descomprometimento do MEC em relação às escolas técnicas federais, provavelmente a experiência mais bem-sucedida de organização do nível médio a qual contém os germens de uma concepção que articula formação geral de base científica com o trabalho produtivo, de onde poderia se originar um novo modelo de ensino médio unificado e suscetível de ser generalizado para todo o país (SAVIANI, 2004, p. 216).
O projeto de Lei nº. 1.603/96 buscava a separação entre ensino médio e
educação profissional, a reestruturação dos Centros Tecnológicos de Educação –
CEFET – e as Escolas Técnicas e Agrotécnicas – ETA (KUENZER; GARCIA, 2008).
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O projeto de Lei nº. 1.603/96 ocasionou resistências advindas de diferentes
correntes políticas dentro do Congresso Nacional como também inúmeras
mobilizações da comunidade acadêmica, por seu caráter mercadológico. Assim,
após várias audiências e críticas severas que foram lançadas ao PL, “por
professores envolvidos com o ensino técnico das escolas técnicas e CEFETs, em
particular, e por educadores, em geral, que viam nessas instituições a possibilidade
de se caminhar na direção da formação integral” (SILVEIRA, 2007, p. 143), o
governo Fernando Henrique Cardoso recuou, retirando-o de tramitação. Diante
dessa situação, o MEC, com o pretexto de regulamentar a LBD (já aprovada em
20/12/1996), baixou o Decreto nº. 2.208/1997. Esse Decreto, novo instrumento
normativo, resgatou os fundamentos e concepções do Projeto de Lei nº. 1.603/96,
ou seja, por meio do Decreto nº. 2.208/97, se materializou a política de separação do
Ensino Médio e Educação Profissional.
5 DECRETO Nº. 2.208/97: POLÍTICA DE SEPARAÇÃO DO ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a partir da nova LDB nº. 9.394/96 e
com o novo Decreto nº. 2.208/97, regulamentou-se uma formação para a Educação
Profissional fragmentada e aligeirada, com o intuito de atender às necessidades
imediatas do mercado. Política essa adotada, inclusive, pelo Ministério do Trabalho
e Emprego. Podemos observar a materialização dessa política por meio do artigo 1º
desse decreto.
Decreto de Lei nº. 2.208/97Art. 1° – A educação profissional tem por objetivos: I – promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de atividades produtivas; II – proporcionar a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades específicas no trabalho, com escolaridade correspondente aos níveis médio, superior e de pós-graduação; III – especializar, aperfeiçoar e atualizar o trabalhador em seus conhecimentos tecnológicos; IV – qualificar, re-profissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer nível de escolaridade, visando a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho.
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Observamos que, nesse artigo, a grande preocupação está em adequar a
escola às necessidades do setor produtivo de modo que a formação profissional
possa rapidamente adaptar-se às mudanças no mercado de trabalho. Argumentava-
se que os sistemas de ensino tinham dificuldades de se adaptar às mudanças que
se faziam necessárias, ou seja, uma educação rápida, respondendo aos
determinantes da reestruturação produtiva. Dessa forma, para Pinheiro (2008, p. 32),
“essas políticas apontaram uma formação que permitiria ao indivíduo ser mais
competitivo, mais empregável ou mais auto-empregável e ser mais empreendedor,
produzindo um negócio próprio dado à escassez generalizada de empregos”.
Assim, buscava-se um trabalhador com habilidades e competências que
“superassem outros trabalhadores, que tivessem flexibilidade, que fossem
polivalentes, contribuindo, portanto, para o aceleramento da competitividade no
mercado” (FONSECA, 2006, p. 205).
Dentro desse contexto, observamos no artigo a seguir como a educação
profissional será compreendida:
Decreto de Lei nº. 2.208/97Art. 3° A educação profissional compreende os seguintes níveis: I – básico: destinado à qualificação, re-qualificação e re-profissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; II – técnico: destinado a proporcionar habitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto; III – tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica destinados a egressos do ensino médio e técnico.
Contudo, nos fica claro que o nível básico, apresentado no artigo 3º, se
restringe à preparação, qualificação e requalificação de trabalhadores e seria
realizada pelo setor privado, buscando a rapidez nesse processo de qualificação e
atendendo às exigências do mercado. O nível técnico e o tecnológico ficariam a
cargo do setor público, portanto, seria uma formação que demandaria mais tempo,
uma vez que o objetivo seria proporcionar aos alunos, tanto de nível médio, quanto
de nível superior, uma habilitação profissional.
Essa separação do ensino médio e educação profissional, prevista pelo
Decreto de Lei nº. 2.208/97, retomou a velha dualidade estrutural, ou seja, um
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ensino para o pensar e outro para a formação para o trabalho, como fica claro no
artigo 5º desse decreto:
Decreto de Lei nº. 2.208/97Art. 5° A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este. Parágrafo único: as disciplinas de caráter profissionalizante, cursadas na parte diversificada do ensino médio, até o limite de 25% do total da carga horária mínima deste nível de ensino, poderão ser aproveitadas no currículo de habilitação profissional, que eventualmente venha a ser cursada, independente de exames específicos.
Outro fator relevante a ser destacado nesse Decreto e que se apresenta
também no artigo 5º é a forma como a educação profissional poderia ser oferecida,
isto é, concomitante e sequencial. Verificamos aqui uma grande dificuldade de
acesso, principalmente na oferta da forma concomitante, pois muitos alunos, em
detrimento do seu trabalho, não podem estudar em dois períodos.
Segundo Kuenzer e Garcia (2008), a implementação dessas mudanças
tinham como motivação também as ideias que circulavam entre as agências
internacionais:
essa política de separação entre Ensino Médio e Educação Profissional está financiada através de empréstimo internacional, via Banco Internacional de Desenvolvimento – BID, que resultaram no Programa de Expansão da Educação Profissional – PROEP, e Programa de Melhoria do Ensino Médio – PROMED, estes dois programas de financiamento definiram a política implementada pelo Ministério da Educação no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (KUENZER; GARCIA, 2008, p. 38).
Com a implantação desse Decreto, ocorreu uma profunda regressão na
Educação Profissional. Houve muitas resistências, insatisfações e reflexões acerca do
Decreto nº. 2.208/97, que impulsionaram grandes mobilizações e questionamentos
dos setores educacionais ligados ao campo da educação profissional, sindicatos e
pesquisadores, fazendo-os retornar ao debate, com grande ênfase, sobre a relação
entre o ensino médio e a educação profissional.
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Na análise de Brzezinski (2010, p. 191), o resultado de toda essa política
implementada para a Educação Brasileira por meio da LDB e da materialização do
Decreto nº. 2.208/97 se deu com conciliação e consenso. E isso significou que
houve perdas para dois lados envolvidos nessa negociação. Portanto, diante dessas
perdas, buscava-se o retorno aos debates sobre a formação integrada por uma das
categorias envolvidas nesse processo.
Assim, em 2002, durante a campanha eleitoral para a presidência da
República, podia-se perceber que os grupos descontentes com as políticas até
então adotadas pelos Presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique apostavam
na possibilidade de mudanças nos rumos das políticas econômica e social no Brasil
com a eleição de um presidente comprometido com redução das desigualdades
sociais no país. Especificamente em relação à educação profissional, a eleição de
um ex-metalúrgico e líder sindical representava a possibilidade de mudanças, com a
revogação do Decreto n.º 2.208/97, que separava a educação básica da educação
profissional. Para a Profissionalização dos Jovens trabalhadores, saudava-se a
possibilidade de revogação do Decreto n.º 2.208/97 e esta só veio a concretizar-se
em 2004, frustrando aqueles que esperavam mudanças mais radicais na política de
educação profissional.
Dessa forma, a partir de muitos encontros, discussões e debates realizados
com representantes de entidades da sociedade civil e de órgãos governamentais,
ocorreram a revogação do Decreto nº. 2.208/97 e a promulgação do novo Decreto
nº. 5.154/2004.
6 DECRETO Nº. 5154/2004: UMA NOVA POSSIBILIDADE DE INTEGRAÇÃO DO ENSINO MÉDIO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 21) explicam que a revogação do
Decreto nº. 2.208/97 e a construção do Decreto nº. 5.154/2004 aconteceram num
processo contraditório. Tal processo teve início com a realização dos Seminários
Nacionais “Ensino Médio: Construção Política” e “Educação Profissional: Concepções,
Experiências, Problemas e Propostas” que aconteceram ainda durante o ano de
2003. Além desses seminários, a SEMTEC realizou encontros, audiências públicas e
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debates com a participação de vários atores, entre os quais, representantes da
sociedade civil, Sistema S e representantes do governo, e esse foi um processo
permeado por contradições e disputas teóricas e políticas.
Explicam os autores que, durante o trabalho de preparação do novo texto
legal, surgiram três posições distintas. A primeira defendia a revogação do Decreto
nº. 2.208/97 e a elaboração de uma política de Ensino Médio e Educação
Profissional; a segunda apoiava a manutenção do Decreto nº. 2.208/97 com
alterações mínimas; por último havia os que defendiam a promulgação de um novo
decreto. Foi exatamente esta última posição que prevaleceu sob a justificativa de
que, para se enviar um projeto de Lei sobre educação para o Congresso, este
deveria ter “conteúdo e vigor político para enfrentar as forças conservadoras do
Congresso Nacional” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 31).
Dessa forma, o Decreto nº. 2.208/1997 foi substituído por outro decreto, o de
nº. 5154/2004, que, segundo os autores citados acima, culminou na
elaboração/aceitação de uma proposta de educação integrada que não deve ser
confundida com a politecnia, bandeira de luta dos anos 1980.
Nesse ponto, os autores defendem a ideia de que a integração que estava
sendo proposta naquele momento e concretizada no novo instrumento normativo
seria a “travessia possível” para se chegar a uma “formação básica unitária e
politécnica, centrada no trabalho, na ciência e na cultura”. A simples revogação do
Decreto nº. 2.208/97, para os autores, não seria suficiente para garantir mudanças
reais na educação profissional e haveria um longo caminho a ser percorrido.
O novo Decreto, o de nº. 5.154/2004, em seu artigo 1º, prevê a forma como
a Educação Profissional será desenvolvida:
Decreto nº. 5.154/2004 Art. 1º A educação profissional, prevista no art. 39 da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), observadas as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação, será desenvolvida por meio de cursos e programas de:I – formação inicial e continuada de trabalhadores;II – educação profissional técnica de nível médio; eIII – educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação.
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O artigo 4º do Decreto nº. 5.154/2004 estabelece a articulação do nível
médio com o nível técnico de educação, desde que observadas as Diretrizes
Curriculares Nacionais para essa modalidade. E esta, por sua vez, vem
operacionalizar as ideias de articulação e não integração, reforçando, portanto, a
independência e articulação com o ensino médio. Podemos afirmar também que as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico
estão centradas no conceito de competências, com intuito de proporcionar aos
alunos melhores condições de laborabilidade (CORDÃO, 2005).
Decreto nº. 5.154/2004Art. 4º A educação profissional técnica de nível médio, nos termos dispostos no § 2 do art. 36, art. 40 e parágrafo único do art. 41 da Lei n o 9.394, de 1996, será desenvolvida de forma articulada com o ensino médio, observados:I – os objetivos contidos nas diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação;II – as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino; eIII – as exigências de cada instituição de ensino, nos termos de seu projeto pedagógico.
O decreto ainda prevê, no artigo 4º, o desenvolvimento da Educação Profissional por meio de cursos e programas, em três planos: integrado, concomitante e subsequente.
É importante reforçar que o artigo deixa a cargo da instituição escolar a forma como esta oferecerá essa formação: integrada, concomitante ou subsequente. Pode ser, ainda, oferecida na instituição escolar ou em outras diferentes, reforçando-se, assim, a desarticulação entre teoria e prática, na qual a qualificação aligeirada se opõe à formação integral da pessoa humana.
Decreto nº. 5.154/2004Art. 4º § 1 A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma:I – integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno;II – concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer:a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis;
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b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; ouc) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados; III subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio.
Observamos que, com o Decreto nº. 5.154/2004, mesmo com essa contradição, há o restabelecimento da integração do Ensino Médio e da Educação Profissional, pelo menos no que se refere à legislação, o que pode representar, segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), um “ganho político” se as classes trabalhadoras tiverem acesso a esse tipo de educação.
No entendimento desses autores, “o ensino médio integrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição necessária para se fazer a ‘travessia’ para uma nova realidade” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 43). Com o Decreto nº. 5.154/2004 ressurge a possibilidade dessa travessia.
[...] O ensino médio integrado é aquele possível e necessário em uma realidade conjunturalmente desfavorável – em que os filhos dos trabalhadores precisam obter uma profissão ainda no ensino médio, não podendo adiar este projeto para o nível superior de ensino - mas que potencialize mudanças para, superando-se essa conjuntura, constituir-se em uma educação que contenha elementos de uma sociedade justa (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 44).
Temos a clareza de que o decreto possibilitou a integração do Ensino Médio à Educação Profissional no âmbito da lei, porém, a realização na prática dessa integração não depende apenas dessa legislação, mas passa pela efetivação de implementação de políticas sérias e consistentes, por parte dos nossos governantes, para essa modalidade de ensino. Também são necessários investimentos para que haja expansão de uma educação pública profissional de qualidade, isto é, investimentos em recursos humanos (professores concursados e capacitados) e físicos (espaços adequados, acervos bibliográficos e atualizados, laboratórios, etc.), além da efetiva discussão sobre a proposta curricular, como também a própria organização da escola.
Como afirmam Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 45), “[...] a integração do ensino médio com o ensino técnico é uma necessidade conjuntural-social e histórica – para que a educação tecnológica se efetive para os filhos dos trabalhadores [...]”.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dessa compreensão, retornaremos aos desafios elencados no início deste texto e que nos motivaram à realização deste trabalho, naquilo que se refere ao entendimento dos professores sobre formação integrada, como também da dificuldade de se promover o envolvimento dos mesmos nessa modalidade de ensino. Nosso objetivo foi buscar subsídios teóricos para entender essa realidade.
Portanto, podemos afirmar que, por meio desse trabalho de pesquisa e com a utilização desse referencial teórico, foi-nos permitido entender e perceber as contradições e o jogo de interesses presentes nas políticas que determinam a Educação Brasileira, principalmente para essa modalidade de ensino. Ou seja, há um embate entre a educação pública e educação privada e muitas vezes os resultados são os de acordos de interesses divergentes e que refletem diretamente na prática pedagógica dos professores.
Assim, como pensar em um projeto de formação integrada, onde haja o envolvimento de todos, quando a própria legislação não prioriza a formação integrada, uma legislação, como já dissemos anteriormente, que, ao mesmo tempo em que evidencia possibilidades de articulação entre o Ensino Médio e Educação Profissional, demonstra uma completa desarticulação? Como pensar em uma formação integrada quando a própria legislação deixa lacunas, o que pode permitir ser oferecida aos educandos uma qualificação aligeirada, em resposta aos interesses do mercado?
Vale salientar, também, que, ao longo dos anos, programas são lançados pelo Governo Federal, como políticas públicas para essa modalidade de ensino, como, por exemplo, o Plano Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR)6, o Plano Nacional de Qualificação (PNQ)7, o Programa de Expansão da Educação
6 PLANFOR: Plano Nacional de Qualificação Profissional, foi implementado e coordenado pelo Ministério do Trabalho, através da Secretaria de Formação Profissional – SEFOR. Teve por objetivo desenvolver ações de qualificação e de requalificação profissional, contemplando habilidades básicas, específicas e de gestão, de modo a beneficiar, em grande escala, trabalhadores de baixa escolaridade, desempregados, trabalhadores afetados por processos de reestruturação produtiva e populações excluídas, visando à sua inserção no mercado de trabalho e à geração de renda (Disponível em: <http://www.simposioestadopoliticas.ufu.br/imagens/ anais/pdf/AP04.pdf>. Acesso em: 20 maio 2012.
7 PNQ: Plano Nacional de Qualificação. O Plano deve contribuir para promover a integração das políticas e para articulação das ações de qualificação social e profissional do Brasil e, em conjunto com outras políticas e ações vinculadas ao emprego, ao trabalho, à renda e a educação, deve promover gradativamente a universalização do direito dos trabalhadores à qualificação (PNQ, 2003, p. 26).
26
Profissional (PROEP)8, do Ministério da Educação, e outros. Essas políticas impactam diretamente a Educação Profissional, pois, além do repasse de recursos públicos à iniciativa privada, observa-se uma desarticulação em relação à proposta de formação profissional.
Desse modo, estamos vivenciando, neste momento, em meio a essa proposta de formação integrada, um novo programa Federal, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC)9, que foi aderido pelo Governo do Estado do Paraná no ano de 2011.
A Educação Profissional mais uma vez passa a ser oferecida pelas
instituições públicas estaduais e federais, como também pela iniciativa privada,
como é o caso do Sistema S, uma qualificação aligeirada do jovem trabalhador para
ingresso no mercado de trabalho.
Dessa forma, queremos deixar algumas questões, levantadas por muitos
educadores comprometidos em entender, conhecer e defender essa modalidade de
ensino: Que rumos tomará a formação integrada, no âmbito do Estado do Paraná?
Teremos continuidade nessa política de formação ou ruptura com a implantação do
PRONATEC?
Entendemos que essa proposta de formação integrada, mesmo não se
efetivando no âmbito das escolas, pelos fatores já discutidos, seria, dentro das
nossas condições históricas, uma “possibilidade” de emancipação para os filhos da
classe trabalhadora. Por isso, mesmo diante de todo esse contexto, continuaremos
8 O Programa de Expansão da Educação Profissional – PROEP – é uma iniciativa do Ministério da Educação em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID que pretende ser o principal agente de implantação do Sistema de Educação Profissional no País, através de um conjunto de ações a serem desenvolvidas em articulação com diversos segmentos da sociedade. O Ministério da Educação, através da SEMTEC/Proep, de acordo com a nova legislação sobre educação, visa à expansão, modernização, melhoria de qualidade educacional e a permanente atualização profissional no País, através da ampliação e diversificação da oferta de vagas; da adequação de currículos e cursos às necessidades do mundo do trabalho; da qualificação, reciclagem e reprofissionalização de trabalhadores, independente do nível de escolaridade e da formação e habilitação de jovens e adultos nos níveis médio (técnico) e superior (tecnológico) (Disponível em: <http://www.ufrgs.br/ forumlic/_Estatisticas/proep.html>. Acesso em: 20 maio 2012.
9 PRONATEC – criado no dia 26 de outubro de 2011 com a sanção da Lei nº. 12.513/2011 pela Presidenta Dilma Rousseff, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) tem como objetivo principal expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica (EPT) para a população brasileira. Para tanto, prevê uma série de subprogramas, projetos e ações de assistência técnica e financeira que juntos oferecerão oito milhões de vagas a brasileiros de diferentes perfis nos próximos quatro anos. Serão oferecidos pelas seguintes instituições: Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica; Redes Estaduais de Educação; Sistema S; Redes Privadas de Educação. Público beneficiado: Estudantes do Ensino Médio da rede pública, inclusive da Educação de Jovens e Adultos; Trabalhadores Beneficiários dos programas federais de transferência de renda (Disponível em: <http://pronatec. mec.gov.br/funciona.html>. Acesso em: 20 maio 2012.
27
lutando por essa “possibilidade” para que se materialize na prática essa proposta,
nos limites de uma sociedade contraditória e desigual como a nossa.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto Federal nº. 2.208/1997. Regulamenta o§ 2º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_>. Acesso em: 19 fev. 2011.
______ . Decreto Federal nº. 5.154/2004. Regulamenta o§ 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e dá outras providências. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2004-2006//2004/decreto/D5154.htm>. Acesso em: 19 fev. 2011.
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