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Políticas culturais internacionais do Brasil e Ibero-América
Antonio Albino Canelas Rubim*
Durante muito tempo a inserção internacional do Brasil no mundo se deu de modo
subordinado, seja pela condição de colônia de Portugal (1500-1822), seja pela posição de
país dependente de potências mundiais (Inglaterra e França e depois Estados Unidos da
América). Só a partir dos anos 30 do século XX, o país começou a vislumbrar uma política
externa mais independente e alicerçada em seus próprios interesses, quando Getúlio
Vargas (1930-1945) utilizou a política externa para barganhar projetos de interesse
nacional (VIZENTINI, 2005, p.17-18). Desde então, o país vive um zigue-zague nas suas
relações exteriores, oscilando entre momentos mais independentes e outros de submissão
aos desígnios norte-americanos.
As políticas externas de subordinação às potências dominantes, ao definir a visão de
mundo, interditaram um olhar mais atento aos países da América do Sul, da América
Latina e da Ibero-América. Neste último contexto, a situação se agravava pela
convivência história muitas vezes complexa entre ex-colônias e antigas metrópoles.
Eduardo Lourenço, por exemplo, traça reflexões instigantes sobre o mito da comunidade
luso-brasileira, seus distanciamentos e os desencontros das concepções de brasileiros e
portugueses acerca da relação entre as duas nações (LOURENÇO, 2015).
Com avanços e recuos, aos lampejos iniciais se somaram construções mais elaboradas de
políticas externas, como as esboçadas pelos presidentes Jânio Quadros (1961) e João
Goulart (1961-1964). O ministro das Relações Exteriores San Tiago Dantas (1961-1962)
deu consistência às formulações e práticas da política externa independente inaugurada
no governo anterior (VIZENTINI, 2005, p.26). Como princípios da política externa
independente podiam ser elencados, conforme Paulo Vizentini (p.23): exportações
brasileiras para todos países, inclusive socialistas; defesa do direito internacional, da
autonomia e autodeterminação dos povos; política de paz, desarmamento e coexistência
pacífica; apoio à descolonização e formulação autônoma de planos nacionais de
desenvolvimento.
A Ditadura Militar (1964-1985) impõe, de início, uma política alinhada aos interesses
norte-americanos, depois abandonada em prol de relações exteriores mais independentes.
Esta atitude permite uma aproximação, ainda tênue, dos países vizinhos, geográfica ou
historicamente. Emblemático a ditadura militar brasileira ter sido o primeiro país a
reconhecer a independência de Angola, protagonizada e governada pelo Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA), assumidamente de esquerda.
A tessitura da política externa independente, após mais de um século da independência,
permitiu ao Brasil se inscrever no mundo a partir de outros olhares, nos quais os países
vizinhos ganharam atenção. Ela se acentua, com idas e vindas, nos governos democráticos
pós-ditadura (MIYAMOTO, 2000): José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Melo
(1990-1993), Itamar Franco (1993-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A
“convergência perversa”, no dizer de Evelina Dagnino (2005), entre o processo de
democratização em andamento e a presença do neoliberalismo no plano internacional e
sua penetração no país, provocou, em maior ou menor graus, tensões e ambiguidades
advindas desta convivência conflituosa. De tudo modo, as contradições não conseguiram
obscurecer a atenção para as regiões vizinhas, em horizontes geográficos ou históricos. A
constituição do Mercado Comum do Sul (Mercosul) entre 1991 / 1994 apareceu como
marco da nova circunstância de integração regional (RECONDO, 1997). A fundação da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 1996, expressou igualmente
esta atitude nas relações exteriores (NOVAIS, 2013, p.163). A inédita Reunião dos
Presidentes da América do Sul, acontecida em Brasília, em 2000, reforça a busca de
cooperação e integração, mesmo privilegiando projetos de conexão física (LAFER, 2004,
p.56).
A política externa independente, com suas renovadas visões de mundo, se aprofundou no
governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e se manteve no governo Dilma
Rousseff (2011-2016). Sem desconsiderar as relações com a Europa e os Estados Unidos
da América, tradicionais polos das relações internacionais do Brasil, a política externa
independente buscou a diversidade de parcerias em uma visão multipolar do mundo. Ela
destinou atenção especial à América do Sul, à América Latina e Caribe, aos grandes
países em desenvolvimento, à África e aos países árabes. Nada casual, a constituição
nesses anos de organismos como: União das Nações Sul-Americanas (UNASUL);
Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e articulações
como a que envolveram Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS), além da
atenção com o Mercosul, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e outros
parceiros internacionais (GUIMARÃES, 2015). O processo de integração da América
Latina e Caribe foi tratado com detalhes por Nils Castro (2015).
Cultura e relações internacionais
O panorama das relações internacionais se alterou bastante depois da Segunda Guerra
Mundial. O número de países independentes, desde então, cresceu continuamente: de 50
em 1945, eles passaram para 120 em 1964, 170 em 1989 e 196 países em 2011 (RIBEIRO,
2011, p.21). Os organismos multilaterais proliferaram. Mudanças, na economia, nos
transportes e nas comunicações resignificaram o mundo. As relações internacionais se
tornaram cada vez mais vitais no admirável mundo novo.
O contexto das políticas de relações exteriores também se alterou com mudanças advindas
do campo cultural. Após 1945 surgem diversos organismos multilaterais dedicadas à
cultura, a exemplo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), em 1946, e da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI),
em 1949, e aparecem os primeiros estudos dedicados à cultura nas relações internacionais.
Em 1947, McMurry e Lee afirmam a dimensão cultural como parte constitutiva da
política externa dos estados (MCMURRY; LEE, 1947). Os temas culturais passam a
frequentar com mais constância a agenda política nacional e internacional. A criação do
Ministério dos Assuntos Culturais na França, em 1959, inventou as políticas culturais
nacionais (URFALINO, 2004). A UNESCO teve papel destacado na internacionalização
e na ocupação cultural do cenário mundial (RUBIM, 2009). Seus debates, encontros,
estudos e legislações colocaram em cena temáticas como: identidades culturais nacionais,
patrimônio cultural, políticas culturais, cultura e desenvolvimento e diversidade cultural
(BOLÁN, 2006, p.77-109). Entre 1971 e 2005, por exemplo, ela gerou por volta de 10
convenções e declarações sobre assuntos culturais (MONTIEL, 2005, p.102). A
diversidade cultural mobilizou ampla discussão supranacional e resultou na Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural (2001) e na Convenção sobre a Proteção e a
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005).
Outros fatores contribuíram para a presença mais ampla da cultura no ambiente e nas
relações internacionais. O desenvolvimento da economia da cultura, que emergiu no
século XIX e se intensificou no século XX, colocou a cultura como relevante ativo, sendo
uma das áreas econômicas mais dinâmicas e promissoras na atualidade. A economia
criativa, que ganhou visibilidade nos anos 90 do século XX, inicialmente na Austrália e
na Grã-Bretanha, amplificou mais ainda o lugar da cultura na economia contemporânea.
A globalização, que caracterizou o final do século XX e inícios do século atual,
potencializou a inscrição da cultura na agenda internacional, dado que ela incitou ampla
discussão sobre seus impactos, agendando debates sobre mundialização, homogeneização
e diversidade culturais. (LESSA, 2012). A velocidade da circulação das informações e a
ampliação potencial de troca de ideias redefinem o lugar ocupado pela cultura no mundo
atual (RIBEIRO, 2011, p.23). O global e o local passaram a ser arenas de intensas
disputas, inclusive culturais, como ocorreu na Convenção sobre a Proteção e a Promoção
da Diversidade das Expressões Culturais.
Na contemporaneidade, moldada por mudanças econômicas, políticas, sociais, culturais,
comunicacionais e tecnológicas, floresceu a diplomacia cultural. Definida como
“...utilização específica da relação cultural para consecução dos objetivos nacionais, de
natureza não apenas cultural, mas também política, comercial e econômica” (RIBEIRO,
2011, p.33) ou, de modo quase similar, como “...utilização das questões e/ou fatores
culturais para o alcance de objetivos relativos à política externa...” (LESSA, 2012, p.170),
a diplomacia cultural tem seu embrião na atitude pioneira da França de criar, a partir de
1910, uma divisão no Ministério dos Negócios Estrangeiros para tratar da difusão da
língua e da cultura francesas no exterior (RIBEIRO, 2011, p.70). Bruno Podestá
considerou que a definição de Willy Brandt da cultura como terceiro pilar da política
exterior, junto com a política e a economia, viabilizou a vigência do termo diplomacia
cultural (PODESTÁ, 2004, p. 54). Monica Lessa, que adere ao uso do termo diplomacia
cultural, entretanto, fala da cultura como quarta dimensão das relações internacionais
(LESSA, 2012, p.170). Edgard Telles Ribeiro e Bruno Podestá, dentre outros autores,
acreditam que a diplomacia cultural expresse a política cultural externa de um país. No
ano de 2000 aconteceu a Primeira Conferência da Casa Branca sobre Cultura e
Diplomacia, em uma evidente demonstração, da importância que a temática passou a
despertar na contemporaneidade.
Outra noção, mais recente, tem sido crescentemente acionada para inscrever a cultura nas
relações internacionais. Trata-se do termo “soft power”, imaginado por seu criador,
Joseph Nye (2004), como capacidade de um estado obter mudanças de comportamento
de outro em seu proveito, através do poder de atração da sua cultura e das suas ideias.
Para ele o desafio do “soft power” consiste em fazer com que tais elementos de atração
se traduzam em poder a favor de suas posições nos assuntos mais diversos. O “soft power”
pode ser traduzido por poder brando ou poder de convencimento. Edgar Montiel fala em
“poder intangível” ou “poder versátil”, pois considera que, na sua acepção inglesa, a
expressão parece forçada ao associar duas palavras com sentidos contraditórios: força e
leveza (MONTIEL, 2010, p.88). Para além das discussões conceituais, importa ressaltar
a presença crescente da cultura na diplomacia e nas relações internacionais.
Políticas culturais nacionais e internacionais do Brasil
As transformações da sociabilidade contemporânea conformam o ambiente da ascensão
de Lula à presidência do Brasil (2003-2010). Este governo se caracterizou por ampla
aliança política de classes, visando superar mazelas nacionais - fome, desigualdades
sociais, regionais e educacionais - através de um desenvolvimento nacional, democrático,
inclusivo e soberano. Políticas sociais, diversidade social, democratização do estado e
política externa independente afloraram como algumas das marcas diferenciais do
governo.
A diplomacia cultural brasileira envolveu, pelo menos, os ministérios das Relações
Exteriores; Cultura; Educação; Ciência e Tecnologia; Esporte; Turismo e Indústria,
Desenvolvimento e Comércio Exterior, conforme Bruno Novais (2013, p.76). O seu
estudo abrangeu, especificamente, a diplomacia cultural empreendida pelos ministérios
das Relações Exteriores, Cultura e Educação. Eles, através do Ajuste Tripartite assinado
em 1987, elaboraram documento inaugurador, intitulado Política Cultural Brasileira no
Exterior, que afirmava a conexão desta política com o desenvolvimento nacional
(RIBEIRO, 2011, p.95) e colocava as áreas prioritárias de atuação na seguinte ordem:
América Latina, África, Estados Unidos, Europa, Oriente Médio e Ásia (RIBEIRO, 2011,
p.49).
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) já possuía experiência na difusão
internacional da cultura, em especial, através de Departamento Cultural (DC) e suas
atividades no exterior. Com a redemocratização, na segunda fase dos anos 80, os
primórdios da construção da política cultural externa se conformam. Em 1987, no
Instituto Rio Branco, Edgard Ribeiro defendeu tese pioneira, denominada Difusão
cultural: uma alternativa a serviço da política exterior brasileira, que ampliada se
transformou em livro no ano de 1989. Em 1988, o Instituto de Pesquisas de Relações
Internacionais do MRE promoveu o seminário Cultura e relações internacionais. Todas
as iniciativas apontam o interesse nascente e crescente com a questão da cultura nas
relações internacionais no âmbito do MRE.
O Ministério da Cultura atuou em sintonia com diretrizes do governo Lula. Gilberto Gil,
ministro entre 2003 e 2008, chegou a afirmar que: “...o governo Lula e o Ministério da
Cultura vêm deslocando as políticas culturais para o centro do debate do desenvolvimento
nacional e das relações de intercâmbio do Brasil com outros países” (GIL apud NOVAIS,
2010, p.220). Notável a convergência, deliberada ou não, entre a promoção da diversidade
social, realizada pelo presidente, e a política de diversidade cultural, empreendida pelo
ministério. Ambas buscavam superar o tratamento desigual das pessoas no Brasil a
depender da sua origem e caracteres sociais. As políticas culturais desenvolvidas pelo
ministério assumiram um conceito ampliado de cultura; a construção de política públicas,
discutidas e definidas por meio de variados canais de participação; a criação de programas
culturais abrangentes e inclusivos, a exemplo do Cultura Viva; a atuação nacional do
ministério; a democratização da formulações e ações do estado nacional na área cultural;
a busca de políticas culturais mais estáveis, a exemplo do Plano Nacional de Cultura e do
Sistema Nacional de Cultura e o alargando da base social do ministério, para além de
artistas e profissionais de patrimônio. A persistência de problemas, alguns deles graves,
a exemplo das modalidades de financiamento e da dimensão do ministério, não impediu
que tais políticas colocassem a cultura em outro patamar no país (RUBIM, 2011).
Afinado com a política de maior presença internacional do Brasil, o Ministério da Cultura
atuou, associado com o Ministério das Relações Exteriores, na expansão do trabalho
cultural fora do país. A convergência de esforços ocorreu na delicada construção da
convenção da diversidade cultural, na qual os dois ministérios realizaram uma competente
ação conjunta, reconhecida por ambos e por estudiosos (KAUARK, 2009; KAUARK,
2010; NOVAIS, 2010). Vários projetos comuns aconteceram, a exemplo do ano da
França no Brasil e do Brasil na França, em 2005, e da Copa da Cultura na Alemanha, em
2006. O Fórum Internacional de Economia Criativa, realizado em Salvador, no ano de
2005, com a participação de cerca de 20 países, sintonizado com a discussão internacional
sobre o assunto, pode ser lembrado como outro momento de convergência da atuação das
duas instituições.
O Ministério da Cultura esteve sempre articulado com o Departamento Cultural (DC) do
Ministério das Relações Exteriores, órgão institucional já existente com larga experiência
de atuação na área da cooperação cultural internacional. O DC, na época, possuía cinco
divisões destinadas à: promoção da língua portuguesa; difusão cultural; assuntos e
acordos multilaterais; temas educacionais e divulgação. Em 2007, o DC criou a Divisão
do Audiovisual (DAV) para tratar das políticas de audiovisual no exterior, em cooperação
com a Secretaria do Audiovisual e com a Agência Nacional de Cinema (ANCINE), ambas
ligadas ao MINC (NOVAIS, 2013, p.82). A estrutura e as principais atividades do DC
estão descritas nos estudos de Bruno Novais (2013) e Mariana Souza (2009).
A amplitude do trabalho colaborativo demandou a transformação da Assessoria
Internacional, criada em 2003 pelo ministro Gilberto Gil, em um Comissariado da Cultura
Brasileira no Mundo, em 2007, com participantes dos dois ministérios. Um ano depois,
em 2008, o Ministério da Cultura inaugurou a Diretoria de Relações Internacionais (DRI),
vinculada à Secretaria Executiva do ministério (NOVAIS, 2010, p.234). Cabe ressaltar
que o segundo dirigente da DRI foi um diplomata oriundo do Ministério das Relações
Exteriores, que atuou na construção conjunta da convenção da UNESCO. Tais iniciativas
demonstraram a preocupação com a constituição de melhores condições institucionais,
bem como indicaram o crescimento do investimento da cultura brasileira no cenário
internacional.
Cultura no cenário internacional
O Ministério da Cultura assumiu a prioridade dada à América do Sul e América Latina
nas relações externas brasileiras, em sintonia com as definições do MRE de privilegiar as
relações sul-sul. O ministério se dedicou à construção dos espaços culturais sul-americano
e latino-americano. O Mercosul Cultural ganhou atenção. No campo do audiovisual, por
exemplo, instituiu-se na estrutura do Mercosul a Reunião Especializada de Autoridades
Cinematográficas e Audiovisuais do Mercosul e Estados Associados (RECAM), em
dezembro de 2003, visando promover a complementariedade e integração do cinema e
audiovisual da região, envolvendo Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela,
Bolívia e Chile. A RECAM, em 2005, organizou o Observatório do Mercosul
Audiovisual; em 2006, aprovou o Certificado de Obra Cinematográfica do Mercosul e,
em 2007, organizou o Foro de Competividade para o Setor Cinematográfico e
Audiovisual do Mercosul. A RECAM atua, dentre outras, nas áreas da produção,
circulação e estudos sobre cinema e audiovisual do Mercosul. Em 2014, os ministros da
cultura, reunidos em Buenos Aires, aprovaram o Fundo Mercosul Cultural.
Ainda no campo do audiovisual, o Ministério da Cultural replicou na América Latina e
na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) o programa DOC-TV, que
obteve boa repercussão na sua versão brasileira. O DOC-TV América Latina, acontece a
cada dois anos realizado pela Secretaria de Audiovisual do ministério, em conjunto com
a Conferência das Autoridades Cinematográficas da Ibero-América e a Fundação do
Novo Cinema Latino-americano. Em 2015, a quinta edição do DOC-TV América Latina
reuniu 17 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Guatemala,
Equador, México, Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico, República Dominicana,
Uruguai, Paraguai e Venezuela.
Para além da área audiovisual, a cooperação cultural na América Latina ocorreu em
diversos campos culturais, a exemplo da: construção de informações e indicadores
culturais; das reuniões de bibliotecas e museus; de seminários de políticas e gestão
culturais; do intercâmbio entre as culturas afro-latinas; de projetos envolvendo culturas
indígenas, como os guaranis, presentes em diferentes países sul-americanos; dos eventos
de culturas populares, como o I Encontro Sul-Americano de Culturas Populares, realizado
em Brasília no ano de 2006. O Brasil também atuou na Organização dos Estados
Americanos (OEA) na Comissão Interamericana de Cultura, inclusive dirigindo este
órgão, e no Observatório Interamericano de Políticas Culturas (PODESTÁ, 2008, p.92).
Cabe destaque para a repercussão latino-americana do Programa Cultura Viva, que
inspirou a realização de programa similares em diversas nações e propiciou a criação do
Cultura Viva Comunitária. Este movimento já realizou duas edições do Congresso
Latino-Americano da Cultura Viva Comunitária na Bolívia (2013) e em El Salvador
(2015). Hoje ele mobiliza milhares de ativistas culturais e está presente em mais de dez
países latino-americanos (TURINO, 2015; VILUTIS, 2015). Em maio de 2014, o VI
Congresso Ibero-Americano, organizado pela Secretaria Geral Ibero-Americana
(SEGIB), teve a Cultura Viva Comunitária como tema e uma de suas resoluções foi a
criação do Fundo Ibercultura Viva para apoiar comunidades culturais e seu intercâmbio
(TURINO, 2015, p.72). Como pode ser observado, as fronteiras de atuação entre ibero e
latino-américa não parecem rígidas. Em inúmeros pontos elas se conectam, entrecruzam
e até se diluem.
Brasil e Ibero-América
A Ibero-América não apareceu entre as prioridades dos governos Lula e Dilma, apesar da
história comum do Brasil com Portugal e da presença recente de muitas empresas e
capitais espanhóis no país. Neste caso específico, o Ministério da Cultura assumiu posição
dissonante do governo e do Ministério das Relações Exteriores. Nem as críticas de Nils
Castro aos “modestos resultados práticos” da Cúpulas Ibero-Americanas, apesar de tratar
de assuntos “conceitualmente interessantes para a cooperação política, econômica e
cultural entre os países”, puderam afetar esta atitude proativa (CASTRO, 2015, p.158).
Assim, o Ministério da Cultura protagonizou relações diferenciadas e intensas com a
Ibero-América e seus organismos multilaterais, em especial a SEGIB e a OEI.
O Brasil participou de todas os congressos de autoridades ibero-americanas, organizados
pelas SEGIB, inclusive sediando a III Cimeira de Chefes de Estado e de Governo,
realizada em Salvador-Bahia, em 1993. O desenvolvimento, em especial em sua
dimensão social, esteve na pauta principal do encontro (DROMI, 2002, p.209).
A presença do secretário-geral da OEI como única autoridade estrangeira na mesa de
abertura da I Conferência Nacional de Cultura, em 2005, expressou este relacionamento.
Diversas vezes, Gilberto Gil e Francisco Pinón, então dirigente da OEI, enfatizaram as
convergências e o trabalho comum realizado pelas instituições, a exemplo de Pinón na
abertura da conferência. Ele afirmou: “Nossa organização vem trabalhando muito
próxima do Ministério da Cultura” (PINÓN, 2005/2006b, p.156). A implantação da sede
brasileira da OEI, tendo à frente Daniel Gonzalez naqueles anos, contou com a
colaboração do Ministério da Cultura. A OEI, o Ministério da Cultura e o Centro de
Estudos Multidisciplinares da Cultura (CULT) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
estiveram juntos na organização do IV Campus Euro-Americano de Cooperação Cultural,
acontecido em Salvador-Bahia, em 2005, que reuniu mais de 200 participantes,
provenientes de 27 países (OEI; MINC, 2005). Nada estranho que anos depois, no
primeiro governo Dilma, o então ex-Ministro Juca Ferreira fosse dirigir projetos na
SEGIB e que ex-reitor Paulo Speller se tornasse o primeiro brasileiro a assumir o cargo
de secretário-geral da OEI, em 2015.
Não cabe no texto listar todas as iniciativas culturais que associaram o Brasil à Ibero-
América. Algumas, no entanto, devem ser lembradas. A Carta Cultural Ibero-Americano,
documento precioso de compromisso com a diversidade cultural, aprovada na XVI
Cimeira Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, ocorrida em Montevidéu,
em 2006, com participação ativa do Brasil (SEGIB; OEI, 2006). O I Encontro Ibero-
Americano de Museus desenrolado em Salvador - Bahia, em 2007, com repercussões
relevantes. Não parece casual que o ano seguinte seja declarado Ano Ibero-Americano de
Museus e mais de 900 eventos tenham acontecido na região (NOVAIS, 20013, p.110). O
recém-criado Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) tornou-se ativo participante do
Programa IBERMUSEUS.
O Brasil, além do IBERMUSEUS, passou a atuar em diversos programas dos organismos
ibero-americanos, tais como: Programa de Desenvolvimento Audiovisual em Apoio à
Construção do Espaço Visual Ibero-Americano (IBER-MEDIA), Programa da
Associação de Estados Ibero-Americanos para o Desenvolvimento das Bibliotecas
Nacionais dos Países Ibero-Americanos (ABINIA), Repertório Integrado de Livros em
Venda em Ibero-América (RILVI), Rede Ibero-Americana de Teatros e Salas de Concerto
(IBERES-CENA) e Programa do Fórum Ibero-Americano de Responsáveis Nacionais de
Bibliotecas Públicas.
Também em 2007, divulga-se o resultado do I Programa de Fomento à Produção e
Teledifusão do Documentário Ibero-Americano (DOCTV IB), um desdobramento do
DOCTV Brasil. O DOCTV-IB, programa da Conferencia de Autoridades Audiovisuais e
Cinematográficas de Ibero-América (CAACI), reuniu autoridades audiovisuais nacionais,
televisões públicas e associações de produtores independentes de 15 países ibero-
americanos, sob a coordenação executiva do Ministério da Cultura, Secretaria Executiva
da Cinematografia Ibero-Americana e Fundação do Novo Cine Latino-Americano. Em
2010, o Brasil sediou o Colóquio Ibero-Americano de Paisagem Cultural na cidade de
Brasília (NOVAIS, 2013, p.134).
A listagem pode acolher ainda outras iniciativas. A Cátedra Andrés Bello implantada nos
anos de 2005 e 2006, em Salvador - Bahia, através da parceria entre o Convênio Andrés
Bello, que reunia diversos países ibero-americanos, e CULT-UFBA, com apoio do
Ministério da Cultura. As duas versões da Cátedra, que conjugaram curso e pesquisa,
tiveram como tema: Políticas e redes de cooperação em cultura no âmbito ibero-
americano (RUBIM; RUBIM; VIEIRA, 2005 e RUBIM; RUBIM; VIEIRA, 2006).
Livros sobre o tema da cultura na Ibero-América têm sido publicados no Brasil, a exemplo
de Culturas da Ibero-América. Diagnósticos e propostas para seu desenvolvimento,
organizado por Néstor García Canclini e editado com o apoio da OEI (CANCLINI, 2003)
e Políticas culturais na Ibero-América, lançado no Brasil (RUBIM; BAYARDO, 2008)
e na Colômbia (RUBIM; BAYARDO, 2009). Outro livro sobre o Panorama da Gestão
Cultural na Ibero-América foi publicado em 2016 (RUBIM; YANEZ; BAYARDO,
2016). Eles demonstram o interesse crescente de estudiosos e do público leitor em temas
ibero-americanos.
Todas estas informações e análises comprovam a hipótese de trabalho do presente texto.
Apesar da Ibero-América não estar incluída no conjunto das prioridades das relações
internacionais do Brasil, definidas pelo governo e Ministério da Relações Exteriores, o
Ministério da Cultura, por sua atuação precípua, transformou a Ibero-América, muitas
vezes associada e confundida à América Latina ou à América do Sul, em uma das
prioridades das relações culturais internacionais do Brasil até 2016.
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*Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT).
Professor do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-
Cultura) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).